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Universidade de Brasiacutelia
Instituto de Artes
Departamento de Artes Cecircnicas
LICENCIATURA EM ARTES CEcircNICAS
O TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA CULTURA
AFRO-BRASILEIRA
ELIANE EGEN
ITARAREacute ndash SP
2016
2
ELIANE EGEN
O TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA CULTURA
AFRO-BRASILEIRA
Trabalho de conclusatildeo do Curso de Artes
habilitaccedilatildeo em Teatro do Departamento de
Arte Cecircnicas do Instituto de Artes da
Universidade de Brasiacutelia
Orientadora Professora Mestranda Juacutelia Alves
Rodrigues Carvalhal
Itarareacute ndash SP
2016
ELIANE EGEN
3
ELIANE EGEN
O TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA CULTURA
AFRO-BRASILEIRA
4
Dedico este trabalho aos meus filhos
Apollo Egen Eron Egen Luan Ruiz a
minha irmatilde Dynnaacute Oliveira e ao grupo de
Teatro Peacuterolas da Arte e as deusas que me
mantiveram sobre sua luz
5
AGRADECIMENTOS
Meus agradecimentos ao curso de Licenciatura de Teatro EADUNB professores
tutores e colegas do Polo de Itapetininga especialmente agrave Isolete Rosa agraves secretaacuterias do
Polo de Itapetininga agrave minha orientadora Juacutelia Alves Rodrigues Carvalhal ao tutor Andreacute
Luiz Camargo agrave tutora Clara Lima Alonso ao Luiacutes Paz Delgado e ao grupo de Teatro
Peacuterolas da Arte
6
RESUMO
Este Trabalho de Conclusatildeo de Curso tem como objetivo apresentar a experiecircncia
do projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo que
trabalha a linguagem teatral no contexto escolar na Escola Dr Herculano Pimentel com
alunos do ensino meacutedio em idade entre 15 e 17 anos O projeto procura ressaltar elementos
da linguagem teatral como expressatildeo corporal e sensorial espaccedilo interaccedilatildeo jogos
teatrais criaccedilatildeo de cena e leitura dramaacutetica associando-os agraves produccedilotildees artiacutesticas e
culturais afro-brasileiras Buscou-se no exerciacutecio praacutetico uma mudanccedila paradigmaacutetica
acerca de conceitos como ldquoautoaceitaccedilatildeordquo ldquoembranquecimentordquo e ldquovalorizaccedilatildeo eacutetnicardquo
partindo de discussotildees sobre a relevacircncia do espaccedilo da comunidade escolar como livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo pautando-se no trabalho realizado pelo Teatro
Experimental do Negro e suas contribuiccedilotildees para construccedilatildeo da identidade negra no Brasil
Assim esta pesquisa tem o intuito ainda de refletir sobre o discurso social e poliacutetico do
teatro evidenciando as questotildees raciais
Palavras-Chave Teatro Discurso Poliacutetico Cultura afro-brasileira
7
LISTA
Imagem 1 Aacutervore do Teatro do Oprimido
8
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 09
CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL 12
11 - Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica 14
12- Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro 18
121 ndash O teatro negro breve apontamento 21
CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL
DA CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE 27
21 ndash O contexto local e a histoacuteria cultural 29
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina 32
221 - Oficina teatral no periacuteodo de agosto de 2015 a maio de 2016 35
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 41
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 44
ANEXOS 46
Anexo 1 Dramaturgia Vozes da Liberdade 46
Anexo 2 Exerciacutecios Aplicados 53
Anexo 3 Registros de Imagens das Oficinas 58
Anexo 4 Questionaacuterios 62
9
INTRODUCcedilAtildeO
Esta pesquisa intitulada ldquo O Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo tem como objetivo relatar o trabalho realizado neste projeto que aborda a
linguagem teatral no contexto escolar A partir da anaacutelise das oficinas que integram o
projeto procura-se evidenciar o processo teoacuterico-praacutetico e discutir questotildees em relaccedilatildeo ao
negro e mesticcedilo e suas manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas proporcionando reflexotildees e
accedilotildees que levem ao senso criacutetico agrave inclusatildeo e agrave autoestima Para tanto buscaraacute referecircncias
teoacutericas de Bertold Brecht e Augusto Boal acerca do teatro como discurso poliacutetico social e
refletiraacute sobre esse possiacutevel discurso a partir do trabalho do Teatro Experimental do Negro
que contribuiu para a construccedilatildeo da identidade negra no Brasil Essas consideraccedilotildees visam
a valorizaccedilatildeo da identidade do jovem sobretudo do negro e do mesticcedilo no contexto
escolar
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
iniciou-se em 2015 com a criaccedilatildeo de um grupo de teatro com alunos do Ensino Meacutedio
com idade entre 15 e 17 anos negros mesticcedilos e brancos na Escola Estadual Dr
Herculano Pimentel da cidade de Itarareacute do Estado Satildeo Paulo Por meio de oficinas
praacuteticas de consciecircncia corporal e sensorial de jogos teatrais principalmente os propostos
por Viola Spolin e Augusto Boal de leituras de textos biograacuteficos de personalidades
negras tais como Abdias do Nascimento Joatildeo Cacircndido Carolina Maria de Jesus do
contato com filmagens de peccedilas e de peccedilas teatrais e da criaccedilatildeo de cenas e personagens
realizou-se um processo de experimentaccedilatildeo da linguagem teatral alinhada a discussotildees
temaacuteticas Focou-se no processo teoacuterico-praacutetico nas reflexotildees sobre a importacircncia de um
espaccedilo na comunidade escolar para discutir a autonomia e a livre expressatildeo do negro e do
mesticcedilo Nesta pesquisa realizou-se uma investigaccedilatildeo no periacuteodo de agosto de 2015 a maio
de 2016 analisando trecircs encontros em momentos diferentes cada encontro com duraccedilatildeo de
4 horas
A discriminaccedilatildeo a ideia de ldquoembranquecimentordquo a cultura eurocecircntrica
predominando e dominando apesar dos diversos Movimentos Negros em diversas regiotildees
do Brasil e do mundo ainda eacute evidente mesmo no ambiente escolar Acredita-se no
entanto que a escola tem um papel fundamental para que se consolide um espaccedilo de
combate agrave discriminaccedilatildeo e de discussatildeo sobre a negritude contribuindo para a formaccedilatildeo da
cidadania e sobretudo para a valorizaccedilatildeo da cultura afro-brasileira
10
Professora de matemaacutetica da rede Estadual de Satildeo Paulo haacute 15 anos foi possiacutevel
averiguar trecircs pontos relevantes em algumas unidades de ensino da cidade de Bom Sucesso
de Itarareacute e da cidade Itarareacute Na escola como um todo os eventos e comemoraccedilotildees
promovidos valorizavam resultados que atendem a proposta do evento como a festa junina
e o dia da famiacutelia na escola eventos temaacuteticos e semana cultural em segundo a
predominacircncia das manifestaccedilotildees eurocecircntricas em relaccedilatildeo as demais culturas
evidenciando assim um protagonismo do branco em detrimento do negro E o processo de
experimentaccedilatildeo das linguagens artiacutesticas como danccedila muacutesica e teatro natildeo importava
enquanto processo de aprendizado sem contemplar o desenvolvimento artiacutestico Sendo
assim a criaccedilatildeo do Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo visa inicialmente promover a linguagem teatral na escola de maneira a
valorizar o processo artiacutestico e a partir de uma ampliaccedilatildeo dos temas desenvolvidos
promover a inclusatildeo do negro e mesticcedilo
Esta presente pesquisa tem uma relevacircncia para o teatro pois apresenta a
linguagem considerando suas especificidades associando a uma busca expressiva a partir
do reconhecimento de diferentes protagonistas que carregam histoacuterias diferentes
sobretudo em relaccedilatildeo aos seus ancestrais vindos da Aacutefrica da Europa ou pertencentes a
Ameacuterica Promove assim no contexto escolar um espaccedilo de experimentaccedilatildeo e discussatildeo
das diversidades culturais e eacute com essa base que se formam puacuteblicos apreciadores das
diferentes manifestaccedilotildees teatrais
Atraveacutes desta pesquisa foi possiacutevel discutir accedilotildees voltadas para questatildeo do negro no
contexto escolar na sociedade e no teatro o que nos possibilitou a trazer outras discussotildees
que afetam minorias como discussatildeo de gecircnero a cultura do machismo a liberdade
religiosa aleacutem de questotildees como democracia e liberdade de expressatildeo Assim
fundamentou-se para subsidiar as discussotildees principalmente no diretor ativista Abdias do
Nascimento e na pesquisadora Miriam Garcia Mendes e aleacutem disso buscou-se uma
investigaccedilatildeo participativa em relaccedilatildeo ao objeto de pesquisa com recursos iconograacuteficos
como fotos e filmagens recorrendo tambeacutem a questionaacuterios Dessa forma esse trabalho de
conclusatildeo de curso procura por meio de relato detalhado desse projeto e da anaacutelise das
suas implicaccedilotildees evidenciar o crescimento e a transformaccedilatildeo individual dos integrantes a
partir do conhecimento da linguagem teatral o despertar de uma consciecircncia mais
responsaacutevel em relaccedilatildeo a si mesmo e com o outro aleacutem de uma formaccedilatildeo mais criacutetica em
relaccedilatildeo ao seu proacuteprio cotidiano
11
Seguiu-se a seguinte divisatildeo no primeiro capiacutetulo seraacute apresentado o teatro como
discurso poliacutetico e social com referecircncias e influecircncias da linguagem teatral como
ferramenta poliacutetica Bertold Brecht Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri Abdias do
Nascimento Descrevendo de maneira sucinta o meacutetodo e a visatildeo deste teatro que busca
transformar provocar refletir dar espaccedilo ao protagonismo do teatro negro Uma atenccedilatildeo
mais detalhada para o Teatro Experimental do Negro (TEN) a personagem negra no teatro
Brasileiro as criacuteticas ao estereoacutetipo da personagem negra ao longo da histoacuteria e como o
TEN influenciou para a transformaccedilatildeo e colaborou para o protagonismo do ator diretor
produtor negro e uma breve biografia de Abdias do Nascimento
No segundo capiacutetulo o Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo seraacute descrita a motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo deste projeto as caracteriacutesticas
e influecircncias culturais da regiatildeo em que o projeto aconteceu a experiecircncia do projeto
fazendo uma anaacutelise das observaccedilotildees em relaccedilatildeo aos integrantes do grupo a forma como
foram realizadas as atividades as questotildees raciais levantadas e como o projeto foi recebido
pela escola
Espero que esta pesquisa motive outras pesquisas com temas que visem agrave
valorizaccedilatildeo cultural e o aprendizado da linguagem teatral Acredito que a arte e a educaccedilatildeo
satildeo os meios para atingir tais objetivos dessa maneira enquanto futura arte-educadora
pretendo dar continuidade ao projeto em questatildeo
12
CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL
O teatro eacute tatildeo antigo quanto a proacutepria humanidade desde os povos mais primitivos
com seus rituais oferecidos aos deuses representando ou se transformando nos mais
diferentes arqueacutetipos a evoluccedilatildeo da linguagem teatral acompanhou a evoluccedilatildeo cultural do
homem No decorrer da histoacuteria da humanidade as manifestaccedilotildees religiosas ritos de
fertilidades expressotildees culturais conflitos existecircncias movimentos ativistas encontram no
teatro a expressatildeo primeira de comunicaccedilatildeo e depois como obra social ateacute as reflexotildees
poliacuteticas
Patrice Pavis (2008) segundo Armiliato e Arauacutejo (2011) descreve esta evoluccedilatildeo da
cerimocircnia religiosa com a participaccedilatildeo de todos os envolvidos de um grupo ateacute que se
estabeleccedila a separaccedilatildeo entre atores e espectadores no encontro entre ambos num espaccedilo
preacute-definido Eacute neste encontro de encenaccedilatildeo e pessoas ainda segundo Armiliato e Arauacutejo
(2011) que se oportuniza a reflexatildeo poliacutetica e social de quem faz o teatro e de quem assiste
Na literatura encontramos referecircncias de encenadores e dramaturgos como Erwin
Piscator Bertold Brecht preconizadores do teatro Eacutepico Eugecircnio Barba com seu teatro
antropoloacutegico ldquoteatro como ilha de liberdade e ferramenta de combate a injusticcedilardquo
Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri e Abdias do Nascimento referecircncias no Brasil
com o teatro do oprimido e tantos outros que de uma forma mais direta ou natildeo veem o
teatro como linguagem do discurso poliacutetico e social
Observamos que para alguns estudiosos o teatro enquanto linguagem possui em si
um discurso poliacutetico e social que pode modificar natildeo somente a criaccedilatildeo artiacutestica mas
tambeacutem a sociedade Bertold Brecht (1978) com o Teatro Eacutepico e suas peccedilas didaacuteticas
acreditava que aleacutem do entretenimento o teatro oferecia a possibilidade de aprender
informar discutir e provocar transformaccedilotildees sobretudo nas camadas sociais descontentes
com a situaccedilatildeo em vigor
Jaacute para Augusto Boal (2009) com seu meacutetodo do Teatro do Oprimido as teacutecnicas
aplicadas tecircm como proposta apoio ao teatro agraves lutas dos oprimidos ao mesmo tempo que
propotildeem desenvolver ldquoa capacidade de perceber o mundo atraveacutes de todas as artesrdquo (p 15)
transformando diferentes grupos de oprimidos aleacutem de reconhecer as suas proacuteprias
repressotildees
Essas caracteriacutesticas sociais podem ser vistas tambeacutem em dramaturgias como as
peccedilas de Gianfrancesco Guarnieri sobretudo ldquoEles natildeo usam black tierdquo que aborda a luta
13
das classes sociais greve cenaacuterio de periferia retratando o povo brasileiro no final da
deacutecada de 50 e na sequecircncia a peccedila Gimba com os mesmos elementos de conflitos
urbanos Segundo Naacutedia Cristina Ribeiro (2008) para Guarnieri o teatro eacute um espaccedilo de
criacutetica da realidade e de denuacutencia das arbitrariedades contribuindo para a formaccedilatildeo de uma
sociedade politizada ( p 2)
Este tratamento do teatro como meio de reflexatildeo ocorre com mais veemecircncia a
partir do iniacutecio seacuteculo XX podemos refletir que o contexto social influencia o teatro
modificando natildeo soacute as pessoas mas tambeacutem os temas desenvolvidos nas criaccedilotildees Grandes
eventos histoacutericos foram fundamentais para se repensar o lugar do teatro e o mesmo como
meio de reflexatildeo como as duas Grandes Guerras Mundiais os movimentos do proletariado
contra os patrotildees os movimentos feministas os movimentos dos negros ou seja
movimentos de uma minoria enquanto representatividade de voz ativa nas tomadas de
decisotildees na sociedade em que estatildeo inseridas O Teatro promove o encontro de pessoas
segundo Gueacutenoun
O teatro eacute [] uma atividade intrinsicamente poliacutetica Natildeo em razatildeo do
que aiacute eacute mostrado ou debatido ndash embora tudo esteja ligado ndash mas de
maneira mais originaacuteria antes de qualquer conteuacutedo pelo fato pela
natureza da reuniatildeo que se estabelece (ARMILIATO e ARAUacuteJO apud
GUEacuteNOU 2003 p 15)
Para alcanccedilar e desenvolver este teatro que busca a interaccedilatildeo do seu puacuteblico
mediante a identificaccedilatildeo com aquilo que vecirc Brecht e Boal perceberam uma necessidade de
a arte proporcionar mudanccedila
Destes estudos sobre vaacuterios dramaturgos e encenadores ao longo da histoacuteria nas
disciplinas do Curso de Teatro vemos uma forte influecircncia na forma da compreensatildeo do
teatro como linguagem artiacutestica de discurso social e poliacutetico Associado agraves observaccedilotildees
dentro do contexto escolar que se manteacutem no formato de deacutecadas anteriores heranccedila da
ditadura militar onde a arte ainda eacute soacute entretenimento quando natildeo uma disciplina imposta
e pouca valorizada os trabalhos que propus nas oficinas teatrais sempre tiveram como
temaacuteticas questotildees sociais raciais de gecircnero proporcionando aos atores adolescentes que
se coloquem opinem critiquem este ambiente escolar
Sendo assim entendendo que o ambiente escolar eacute um espaccedilo de discussatildeo sobre o
homem a sua histoacuteria a sua relaccedilatildeo pessoal e interpessoal abordado em diversas
14
disciplinas tais como na histoacuteria filosofia psicologia sociologia e a arte o teatro em
especifico eacute de relevacircncia como linguagem que propicia o crescimento da crianccedila e do
jovem contribuindo juntamente com as demais disciplinas na formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes
do conhecimento por meio da identificaccedilatildeo com sua etnia cultura tradiccedilotildees gerando
novas formas de pensar agir e sentir
Ao identificar a iacutenfima discussatildeo da arte afro-brasileira como discurso social
poliacutetico e inclusivo (pois infelizmente haacute pouca representatividade de afro-brasileiros nas
festividades da escola aleacutem de poucas oportunidades de discutir a condiccedilatildeo do negro em
uma sociedade que de forma velada ou natildeo eacute racista) percebi a necessidade de envolver a
escola em um projeto Projeto este orientado pela linguagem teatral por meio de exerciacutecios
de consciecircncia corporal jogos teatrais leituras viacutedeos relacionando as discussotildees agrave
condiccedilatildeo do negro na sociedade
11 ndash Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica
Dois exemplos da utilizaccedilatildeo do teatro como modelo capaz de provocar mudanccedilas
na sociedade o trabalho de Bertold Brecht que apesar de ter um contexto alematildeo
influenciou o segundo exemplo Augusto Boal dramaturgo brasileiro Seraacute realizada uma
breve anaacutelise dos meacutetodos teatrais destes dramaturgos engajados num teatro como
ferramenta poliacutetica e lutas sociais em eacutepocas distintas
Brecht (1898 - 1956) e Boal (1931-2009) desenvolveram meacutetodos que tecircm em
comum alguns aspectos como a pesquisa a experiecircncia um teatro reflexivo e
transformador da sociedade com sentido poliacutetico e social ambos foram exilados de seus
paiacuteses por questotildees de movimentos poliacuteticos opositores ao capitalismo e aos opressores
Segundo Boal (2009) para Brecht as peccedilas teatrais natildeo podem despertar apenas uma
emoccedilatildeo ignorante alienadora mas uma emoccedilatildeo de aprendizagem cujo objetivo natildeo eacute tatildeo
somente o de interpretar o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo De acordo com Brecht
O que podemos dizer eacute que a oposiccedilatildeo entre aprender e divertir-se natildeo eacute
uma oposiccedilatildeo necessaacuteria por natureza uma oposiccedilatildeo que sempre existiu e
sempre teraacute que existir [] O teatro natildeo deixa de ser teatro mesmo
quando eacute didaacutetico e desde que seja bom teatro diverte (BRECHT 1978
p 49-50)
15
Brecht assim como Boal acreditava em um teatro libertador participativo
democraacutetico mostrando em cenas a luta diaacuteria dos oprimidos em relaccedilatildeo aos seus
opressores que por sua vez os manipulam de diversas formas Poreacutem sem perder a poeacutetica
representando segundo Brecht (1978) a fealdade de forma bela a indignidade de um
objeto indigno de uma forma digna a falta de graccedila de forma graciosa e a fraqueza de
forma vigorosa
As peccedilas de Brecht cumprem um objetivo de provocar seu puacuteblico como Matildee
Coragem e seus filhos Brecht tem uma opiniatildeo criacutetica do teatro apresentado no iniacutecio do
seacuteculo XX um teatro que produz a alienaccedilatildeo onde os conflitos se resolvem de forma
oacutebvia que mostra a realidade sem no entanto carregar a reflexatildeo de transformaccedilatildeo desta
realidade Brecht almeja um teatro em que esteja presente a reflexatildeo do homem em relaccedilatildeo
ao homem e a sociedade que constroacutei confronte suas afliccedilotildees se conheccedila e se reconheccedila
desprendendo-se de suas convicccedilotildees aos quais a sociedade burguesa manipula servindo-se
muitas vezes da ciecircncia
O que poderia ser o progresso de todos torna-se a vantagem de algumas
partes apenas e uma parte crescente da produccedilatildeo eacute votada aacute criaccedilatildeo de
meios destruidores destinados a guerras poderosas a guerra em que as
matildees de todas as naccedilotildees com os filhos apertados contra si esquadrinham
estupefatos o ceacuteu no rastro dos inventos mortiacuteferos da ciecircncia (BRECHT
apud MIRANDA 2005 p 134)
As colocaccedilotildees de Brecht segundo Miranda fazem do teatro umrdquo mecanismordquo em
que o homem se questiona em relaccedilatildeo ao mundo que lhe eacute apresentado em quaisquer
eacutepocas e em relaccedilatildeo a sua proacutepria vida propondo que a histoacuteria da humanidade seja o
material de pesquisa e produccedilatildeo que estaratildeo presentes na dramaturgia e o elemento mais
caracteriacutestico do Teatro Eacutepico eacute o efeito de distanciamento Brecht em seu livro Estudos
Sobre Teatro nos fala em diversos momentos sobre o efeito de distanciamento e o teatro
eacutepico
Tal efeito depende de uma teacutecnica especial pela qual se confere aos
acontecimentos representados (acontecimentos que se desenrolam entre
os homens nas suas relaccedilotildees reciacuteprocas) um cunho de sensacionalismo os
acontecimentos passam exigir uma explicaccedilatildeo deixam de ser evidentes
naturais O objetivo do efeito de distanciamento eacute possibilitar ao
16
espectador uma criacutetica fecunda dentro de uma perspectiva social
(BRECHT 1978 p 74)
O teatro eacutepico um caraacuteter profundamente esteacutetico e dificilmente pode
concebecirc-lo sem artista e sem qualidade esteacutetica sem fantasia humor e
simpatia Este teatro que preconizamos tem simultaneamente de divertir
e ensinar (ibid p 76)
Esta nova teacutecnica segundo Brecht (1978) tem como objetivo conferir ao
espectador uma atitude analiacutetica e criacutetica perante o desenrolar dos acontecimentos
permitindo aos atores se voltarem diretamente para o puacuteblico e jamais metamorfosear-se
integralmente na personagem
O teatro didaacutetico proposto por Brecht (2009) aborda temas da realidade do seu
puacuteblico como inflaccedilatildeo famiacutelia lutas sociais religiatildeo mostrando o mundo como ele eacute de
fato utilizando da teacutecnica do distanciamento com a qual apagam-se toda as ilusotildees e tudo
que se constroem em cena eacute mostrado ao espectador
Esta proposta de Brecht que leva ao puacuteblico a reflexatildeo e a transformaccedilatildeo eacute
importante ateacute os dias de hoje principalmente dentro do ambiente escolar que por si soacute eacute
um espaccedilo de reflexatildeo um espaccedilo poliacutetico um encontro da diversidade de etnias de
culturas de condiccedilotildees soacutecio econocircmicas e diversas estruturas familiares
Augusto Boal (2009) por sua vez alcanccedila a participaccedilatildeo efetiva do seu puacuteblico
com o Teatro Foacuterum e no Teatro do Oprimido Boal desenvolve meacutetodos de pesquisa e
criatividade com teacutecnicas e experimentos que buscam a transformaccedilatildeo seja no contexto
pessoal ou familiar estendendo-se agrave comunidade Ou seja ele transforma o fazer teatral em
uma accedilatildeo poliacutetica e social que tem como puacuteblico-alvo moradores de periferia
camponeses na Siciacutelia sul da Itaacutelia homens que batem em mulheres no Rio de Janeiro
operaacuterios no Chile espectadores oprimidos Ele ao escrever Teatro do Oprimido levanta
questotildees da proacutepria linguagem teatral para que serve a arte as discussotildees que arte traz
como virtude viacutecio justiccedila e conhecimento em um contexto de insatisfaccedilatildeo de
desigualdade repressatildeo problemas presentes na sociedade seja aqui no Brasil ou paiacuteses
por onde esteve sobretudo na eacutepoca do exiacutelio
Tanto Boal quanto Brecht entendem a arte como um meio de propor uma
experiecircncia politizada transformadora da sociedade sem comprometer a esteacutetica e a
poeacutetica nem a diversatildeo repleto de desafios com potencial de discutir questotildees relativas agraves
complexidades do ser humano e sua trajetoacuteria histoacuterica
17
Boal apesar de ser influenciado em alguns aspectos pelas propostas de Brecht
principalmente no que se refere as ideologias de combate a repressatildeo e de um teatro em
que a emoccedilatildeo despertada no puacuteblico deva ser a de ldquorevolta ou transformaccedilatildeordquo apresenta
poreacutem teacutecnicas adaptadas a realidade da ameacuterica latina
Segundo Boal (2009) o teatro eacute necessariamente poliacutetico porque poliacuteticas satildeo as
atividades do homem Sendo uma atividade poliacutetica tem grande embasamento criacutetico e
reflexivo se dada a livre participaccedilatildeo dos espectadores de massa proposta principal de
Boal no Teatro do Oprimido onde o espectador se reconhece principalmente porque em
algumas experiecircncias de Boal o espaccedilo em que acontece a accedilatildeo eacute o espaccedilo do proacuteprio
puacuteblico oportunizando a intervenccedilatildeo do puacuteblico mediante os problemas apresentados em
cena sempre mediada por um ator ao qual ele chama de coringa
O espaccedilo ldquoescolardquo eacute perfeito para encenaccedilotildees do Teatro do Oprimido como
podemos observar a Aacutervore do teatro do Oprimido em suas raiacutezes tronco galhos e folhas
compotildeem-se todas as diretrizes propostas no Curriacuteculo Nacional
FIGURA 1
Boal (2009) atraveacutes de jogos propotildeem agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo do corpo e da mente
alienados agraves tarefas repetitivas do dia a dia especialmente agraves do trabalho e agraves condiccedilotildees
econocircmicas ambientais e sociais de quem os praticardquo (BOAL 2009 p 16) No caso dos
alunos acostumados a sentarem-se em fila dentro de um espaccedilo fechado espaccedilo este que
tambeacutem atende ao desfile de consumos e modismos reforccedilando muitas vezes a ideia de
dominante e dominado deixando de ser um espaccedilo que propotildeem a reflexatildeo que decirc voz as
opressotildees diaacuterias tanto dos seus alunos como dos seus professores
18
Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da
sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor
de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo
momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e
Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a
reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade
12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro
Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da
sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como
espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento
Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de
famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos
de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12
anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte
e dramaturgia em especiacutefico
Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e
folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era
uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores
Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas
ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)
Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de
discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a
primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-
se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois
era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do
exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos
poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra
Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral
fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista
19
Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de
Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o
ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro
Brutus Jones Segundo ele
Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em
Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca
vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no
palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud
ALMANA 2009 p 64-65)
Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante
um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar
para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do
exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo
Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu
primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos
Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em
1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo
Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a
conhecida atriz Ruth de Souza
O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico
afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a
formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo
conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos
Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da
realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua
missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN
que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da
cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura
branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da
educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas
frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo
dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio
negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava
inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)
20
Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos
da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira
referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das
mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a
violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores
atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que
influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o
teatro eacutepico
O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes
cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem
surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a
Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas
de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira
O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo
poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo
Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios
pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias
procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio
um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de
portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem
noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com
liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores
vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali
ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que
ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam
aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e
ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)
Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da
linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores
braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas
de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que
o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo
educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando
melhor condiccedilatildeo de vida
21
O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma
a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria
trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso
poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e
divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a
exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo
de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela
sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem
mudanccedilas neste quadro
TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas
ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se
outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e
contra a discriminaccedilatildeo
As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os
dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o
teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para
a muacutesica e a danccedila
121- O Teatro Negro breve apontamento
Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute
formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os
paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam
Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais
mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da
sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de
mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com
uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica
Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os
negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa
22
utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis
estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na
televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o
negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos
ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque
Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute
circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o
feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a
recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo
estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo
praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)
O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este
passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo
(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga
referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e
poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da
dramaturgia o teatro negro
Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como
Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano
Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila
de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata
Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o
Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro
aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo
subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe
uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES
1993 p 29)
Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem
negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem
1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas
atribuiacutedos aos negros
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negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos
mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de
seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das
peccedilas teatrais
Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o
empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o
preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros
No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um
negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem
podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo
(MENDES 1982 p 23-24)
O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no
cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz
Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira
no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute
no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores
negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta
patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro
averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas
dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro
Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem
como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o
branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao
puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que
estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro
Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de
afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que
implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na
eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida
produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar
outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do
negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais
ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada
direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)
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Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem
que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas
pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta
por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de
Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros
reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento
preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar
que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo
selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a
cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os
autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como
personagem
ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo
alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se
os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas
colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute
apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os
atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)
Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo
negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas
assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para
qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda
eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes
Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de
pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave
sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma
personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas
deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator
textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano
No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia
apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute
Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema
25
criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu
depoimento diz
Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os
obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []
cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no
Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o
mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro
(DOUXAMI 2001 p 337)
O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro
natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco
frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes
espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela
expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute
entendermos que soacute existe uma raccedila humana
Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos
Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para
se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis
capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas
(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas
espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de
reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente
(LIMA apud MENDES 2010 p 37)
Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos
um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco
reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior
irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do
negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e
para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico
Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de
Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro
2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX
26
a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do
teatro engajado
Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a
identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees
brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das
oficinas aplicadas
27
CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA
CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande
influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-
brasileiras no ambiente escolar
Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na
Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de
Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo
semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da
Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas
pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas
dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente
Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)
abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar
personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de
Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa
Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas
inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black
power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira
repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado
por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a
expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado
espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda
em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial
sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)
Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute
essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e
3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto
708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de
educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas
puacuteblicas
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brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das
escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-
brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo
algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os
alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis
aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal
Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado
pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma
diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os
professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente
houve mudanccedila de postura deste professor
ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi
desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que
permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano
destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo
do negro
Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite
aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de
aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se
primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal
conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si
mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros
que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade
profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito
Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro
horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo
jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na
minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em
relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos
filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro
Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da
Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do
29
Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais
cujos artistas eram negros
Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks
primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos
lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um
segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto
dentro do contexto do teatro negro
As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre
em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do
Ensino Meacutedio
Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as
questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo
dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o
trabalho com a linguagem
Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem
teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e
mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar
Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as
manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade
negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que
desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como
elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a
identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar
Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma
como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do
ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a
identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra
21- O contexto local e a influecircncia cultural
30
Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro
como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a
histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo
A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo
divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute
de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km
2 sendo que desses 30 eacute formado por
negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul
A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do
protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as
consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a
predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de
que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute
Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros
que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta
regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga
localiza-se uma reserva indiacutegena
Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da
Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma
identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das
Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as
manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba
municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de
gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e
gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos
jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os
descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais
No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e
sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de
escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes
4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010
acessado em 07 de maio de 2016
31
acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem
vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho
Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga
da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na
semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo
apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica
A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na
Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio
econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada
uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos
alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos
promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca
representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus
Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente
quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando
debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade
religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades
utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de
espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante
para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante
destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e
discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima
No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o
espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e
seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane
Sobral destacando aqui
Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei
fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter
ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser
tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava
muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas
(SOBRAL 2005 p13)
32
No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de
ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola
Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este
quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo
eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura
Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo
destes anos
A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um
grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial
para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral
questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina
Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos
alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos
como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos
professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou
de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano
escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o
referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia
um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro
com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica
Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios
femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se
harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-
brasileira
5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e
Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio
33
As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo
atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a
pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo
personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto
Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda
Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros
Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o
engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro
Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde
Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como
personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto
malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos
averiguar neste trecho
Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de
alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua
famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os
requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o
branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que
geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em
oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo
estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os
sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)
Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro
(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor
Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a
ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma
qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era
difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o
miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo
Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um
trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo
Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e
daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato
34
Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos
livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que
muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial
Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria
de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)
As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam
estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus
Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda
feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo
(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de
aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees
pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a
cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos
de ldquoembraquecimentordquo
Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo
prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente
independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-
brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes
tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro
Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A
valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a
ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade
Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o
desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a
autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola
ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar
inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a
destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas
para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano
[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica
essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a
compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo
que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006
p30)
35
Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento
cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir
a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas
escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903
221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016
No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15
a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois
realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se
cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a
semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta
sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para
as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo
com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de
conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os
encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos
foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar
como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais
As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais
e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de
uma arte afro-brasileira
Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais
que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o
corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo
de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento
crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas
manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras
Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais
produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e
culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees
que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as
quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes
36
Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
37
do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
38
violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
39
oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
40
violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
41
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
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Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
43
papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
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LIMA Evani Tavares Um olhar sobre o teatro negro do Teatro Experimental do
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45
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SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio
Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
2
ELIANE EGEN
O TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA CULTURA
AFRO-BRASILEIRA
Trabalho de conclusatildeo do Curso de Artes
habilitaccedilatildeo em Teatro do Departamento de
Arte Cecircnicas do Instituto de Artes da
Universidade de Brasiacutelia
Orientadora Professora Mestranda Juacutelia Alves
Rodrigues Carvalhal
Itarareacute ndash SP
2016
ELIANE EGEN
3
ELIANE EGEN
O TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA CULTURA
AFRO-BRASILEIRA
4
Dedico este trabalho aos meus filhos
Apollo Egen Eron Egen Luan Ruiz a
minha irmatilde Dynnaacute Oliveira e ao grupo de
Teatro Peacuterolas da Arte e as deusas que me
mantiveram sobre sua luz
5
AGRADECIMENTOS
Meus agradecimentos ao curso de Licenciatura de Teatro EADUNB professores
tutores e colegas do Polo de Itapetininga especialmente agrave Isolete Rosa agraves secretaacuterias do
Polo de Itapetininga agrave minha orientadora Juacutelia Alves Rodrigues Carvalhal ao tutor Andreacute
Luiz Camargo agrave tutora Clara Lima Alonso ao Luiacutes Paz Delgado e ao grupo de Teatro
Peacuterolas da Arte
6
RESUMO
Este Trabalho de Conclusatildeo de Curso tem como objetivo apresentar a experiecircncia
do projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo que
trabalha a linguagem teatral no contexto escolar na Escola Dr Herculano Pimentel com
alunos do ensino meacutedio em idade entre 15 e 17 anos O projeto procura ressaltar elementos
da linguagem teatral como expressatildeo corporal e sensorial espaccedilo interaccedilatildeo jogos
teatrais criaccedilatildeo de cena e leitura dramaacutetica associando-os agraves produccedilotildees artiacutesticas e
culturais afro-brasileiras Buscou-se no exerciacutecio praacutetico uma mudanccedila paradigmaacutetica
acerca de conceitos como ldquoautoaceitaccedilatildeordquo ldquoembranquecimentordquo e ldquovalorizaccedilatildeo eacutetnicardquo
partindo de discussotildees sobre a relevacircncia do espaccedilo da comunidade escolar como livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo pautando-se no trabalho realizado pelo Teatro
Experimental do Negro e suas contribuiccedilotildees para construccedilatildeo da identidade negra no Brasil
Assim esta pesquisa tem o intuito ainda de refletir sobre o discurso social e poliacutetico do
teatro evidenciando as questotildees raciais
Palavras-Chave Teatro Discurso Poliacutetico Cultura afro-brasileira
7
LISTA
Imagem 1 Aacutervore do Teatro do Oprimido
8
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 09
CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL 12
11 - Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica 14
12- Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro 18
121 ndash O teatro negro breve apontamento 21
CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL
DA CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE 27
21 ndash O contexto local e a histoacuteria cultural 29
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina 32
221 - Oficina teatral no periacuteodo de agosto de 2015 a maio de 2016 35
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 41
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 44
ANEXOS 46
Anexo 1 Dramaturgia Vozes da Liberdade 46
Anexo 2 Exerciacutecios Aplicados 53
Anexo 3 Registros de Imagens das Oficinas 58
Anexo 4 Questionaacuterios 62
9
INTRODUCcedilAtildeO
Esta pesquisa intitulada ldquo O Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo tem como objetivo relatar o trabalho realizado neste projeto que aborda a
linguagem teatral no contexto escolar A partir da anaacutelise das oficinas que integram o
projeto procura-se evidenciar o processo teoacuterico-praacutetico e discutir questotildees em relaccedilatildeo ao
negro e mesticcedilo e suas manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas proporcionando reflexotildees e
accedilotildees que levem ao senso criacutetico agrave inclusatildeo e agrave autoestima Para tanto buscaraacute referecircncias
teoacutericas de Bertold Brecht e Augusto Boal acerca do teatro como discurso poliacutetico social e
refletiraacute sobre esse possiacutevel discurso a partir do trabalho do Teatro Experimental do Negro
que contribuiu para a construccedilatildeo da identidade negra no Brasil Essas consideraccedilotildees visam
a valorizaccedilatildeo da identidade do jovem sobretudo do negro e do mesticcedilo no contexto
escolar
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
iniciou-se em 2015 com a criaccedilatildeo de um grupo de teatro com alunos do Ensino Meacutedio
com idade entre 15 e 17 anos negros mesticcedilos e brancos na Escola Estadual Dr
Herculano Pimentel da cidade de Itarareacute do Estado Satildeo Paulo Por meio de oficinas
praacuteticas de consciecircncia corporal e sensorial de jogos teatrais principalmente os propostos
por Viola Spolin e Augusto Boal de leituras de textos biograacuteficos de personalidades
negras tais como Abdias do Nascimento Joatildeo Cacircndido Carolina Maria de Jesus do
contato com filmagens de peccedilas e de peccedilas teatrais e da criaccedilatildeo de cenas e personagens
realizou-se um processo de experimentaccedilatildeo da linguagem teatral alinhada a discussotildees
temaacuteticas Focou-se no processo teoacuterico-praacutetico nas reflexotildees sobre a importacircncia de um
espaccedilo na comunidade escolar para discutir a autonomia e a livre expressatildeo do negro e do
mesticcedilo Nesta pesquisa realizou-se uma investigaccedilatildeo no periacuteodo de agosto de 2015 a maio
de 2016 analisando trecircs encontros em momentos diferentes cada encontro com duraccedilatildeo de
4 horas
A discriminaccedilatildeo a ideia de ldquoembranquecimentordquo a cultura eurocecircntrica
predominando e dominando apesar dos diversos Movimentos Negros em diversas regiotildees
do Brasil e do mundo ainda eacute evidente mesmo no ambiente escolar Acredita-se no
entanto que a escola tem um papel fundamental para que se consolide um espaccedilo de
combate agrave discriminaccedilatildeo e de discussatildeo sobre a negritude contribuindo para a formaccedilatildeo da
cidadania e sobretudo para a valorizaccedilatildeo da cultura afro-brasileira
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Professora de matemaacutetica da rede Estadual de Satildeo Paulo haacute 15 anos foi possiacutevel
averiguar trecircs pontos relevantes em algumas unidades de ensino da cidade de Bom Sucesso
de Itarareacute e da cidade Itarareacute Na escola como um todo os eventos e comemoraccedilotildees
promovidos valorizavam resultados que atendem a proposta do evento como a festa junina
e o dia da famiacutelia na escola eventos temaacuteticos e semana cultural em segundo a
predominacircncia das manifestaccedilotildees eurocecircntricas em relaccedilatildeo as demais culturas
evidenciando assim um protagonismo do branco em detrimento do negro E o processo de
experimentaccedilatildeo das linguagens artiacutesticas como danccedila muacutesica e teatro natildeo importava
enquanto processo de aprendizado sem contemplar o desenvolvimento artiacutestico Sendo
assim a criaccedilatildeo do Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo visa inicialmente promover a linguagem teatral na escola de maneira a
valorizar o processo artiacutestico e a partir de uma ampliaccedilatildeo dos temas desenvolvidos
promover a inclusatildeo do negro e mesticcedilo
Esta presente pesquisa tem uma relevacircncia para o teatro pois apresenta a
linguagem considerando suas especificidades associando a uma busca expressiva a partir
do reconhecimento de diferentes protagonistas que carregam histoacuterias diferentes
sobretudo em relaccedilatildeo aos seus ancestrais vindos da Aacutefrica da Europa ou pertencentes a
Ameacuterica Promove assim no contexto escolar um espaccedilo de experimentaccedilatildeo e discussatildeo
das diversidades culturais e eacute com essa base que se formam puacuteblicos apreciadores das
diferentes manifestaccedilotildees teatrais
Atraveacutes desta pesquisa foi possiacutevel discutir accedilotildees voltadas para questatildeo do negro no
contexto escolar na sociedade e no teatro o que nos possibilitou a trazer outras discussotildees
que afetam minorias como discussatildeo de gecircnero a cultura do machismo a liberdade
religiosa aleacutem de questotildees como democracia e liberdade de expressatildeo Assim
fundamentou-se para subsidiar as discussotildees principalmente no diretor ativista Abdias do
Nascimento e na pesquisadora Miriam Garcia Mendes e aleacutem disso buscou-se uma
investigaccedilatildeo participativa em relaccedilatildeo ao objeto de pesquisa com recursos iconograacuteficos
como fotos e filmagens recorrendo tambeacutem a questionaacuterios Dessa forma esse trabalho de
conclusatildeo de curso procura por meio de relato detalhado desse projeto e da anaacutelise das
suas implicaccedilotildees evidenciar o crescimento e a transformaccedilatildeo individual dos integrantes a
partir do conhecimento da linguagem teatral o despertar de uma consciecircncia mais
responsaacutevel em relaccedilatildeo a si mesmo e com o outro aleacutem de uma formaccedilatildeo mais criacutetica em
relaccedilatildeo ao seu proacuteprio cotidiano
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Seguiu-se a seguinte divisatildeo no primeiro capiacutetulo seraacute apresentado o teatro como
discurso poliacutetico e social com referecircncias e influecircncias da linguagem teatral como
ferramenta poliacutetica Bertold Brecht Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri Abdias do
Nascimento Descrevendo de maneira sucinta o meacutetodo e a visatildeo deste teatro que busca
transformar provocar refletir dar espaccedilo ao protagonismo do teatro negro Uma atenccedilatildeo
mais detalhada para o Teatro Experimental do Negro (TEN) a personagem negra no teatro
Brasileiro as criacuteticas ao estereoacutetipo da personagem negra ao longo da histoacuteria e como o
TEN influenciou para a transformaccedilatildeo e colaborou para o protagonismo do ator diretor
produtor negro e uma breve biografia de Abdias do Nascimento
No segundo capiacutetulo o Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo seraacute descrita a motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo deste projeto as caracteriacutesticas
e influecircncias culturais da regiatildeo em que o projeto aconteceu a experiecircncia do projeto
fazendo uma anaacutelise das observaccedilotildees em relaccedilatildeo aos integrantes do grupo a forma como
foram realizadas as atividades as questotildees raciais levantadas e como o projeto foi recebido
pela escola
Espero que esta pesquisa motive outras pesquisas com temas que visem agrave
valorizaccedilatildeo cultural e o aprendizado da linguagem teatral Acredito que a arte e a educaccedilatildeo
satildeo os meios para atingir tais objetivos dessa maneira enquanto futura arte-educadora
pretendo dar continuidade ao projeto em questatildeo
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CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL
O teatro eacute tatildeo antigo quanto a proacutepria humanidade desde os povos mais primitivos
com seus rituais oferecidos aos deuses representando ou se transformando nos mais
diferentes arqueacutetipos a evoluccedilatildeo da linguagem teatral acompanhou a evoluccedilatildeo cultural do
homem No decorrer da histoacuteria da humanidade as manifestaccedilotildees religiosas ritos de
fertilidades expressotildees culturais conflitos existecircncias movimentos ativistas encontram no
teatro a expressatildeo primeira de comunicaccedilatildeo e depois como obra social ateacute as reflexotildees
poliacuteticas
Patrice Pavis (2008) segundo Armiliato e Arauacutejo (2011) descreve esta evoluccedilatildeo da
cerimocircnia religiosa com a participaccedilatildeo de todos os envolvidos de um grupo ateacute que se
estabeleccedila a separaccedilatildeo entre atores e espectadores no encontro entre ambos num espaccedilo
preacute-definido Eacute neste encontro de encenaccedilatildeo e pessoas ainda segundo Armiliato e Arauacutejo
(2011) que se oportuniza a reflexatildeo poliacutetica e social de quem faz o teatro e de quem assiste
Na literatura encontramos referecircncias de encenadores e dramaturgos como Erwin
Piscator Bertold Brecht preconizadores do teatro Eacutepico Eugecircnio Barba com seu teatro
antropoloacutegico ldquoteatro como ilha de liberdade e ferramenta de combate a injusticcedilardquo
Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri e Abdias do Nascimento referecircncias no Brasil
com o teatro do oprimido e tantos outros que de uma forma mais direta ou natildeo veem o
teatro como linguagem do discurso poliacutetico e social
Observamos que para alguns estudiosos o teatro enquanto linguagem possui em si
um discurso poliacutetico e social que pode modificar natildeo somente a criaccedilatildeo artiacutestica mas
tambeacutem a sociedade Bertold Brecht (1978) com o Teatro Eacutepico e suas peccedilas didaacuteticas
acreditava que aleacutem do entretenimento o teatro oferecia a possibilidade de aprender
informar discutir e provocar transformaccedilotildees sobretudo nas camadas sociais descontentes
com a situaccedilatildeo em vigor
Jaacute para Augusto Boal (2009) com seu meacutetodo do Teatro do Oprimido as teacutecnicas
aplicadas tecircm como proposta apoio ao teatro agraves lutas dos oprimidos ao mesmo tempo que
propotildeem desenvolver ldquoa capacidade de perceber o mundo atraveacutes de todas as artesrdquo (p 15)
transformando diferentes grupos de oprimidos aleacutem de reconhecer as suas proacuteprias
repressotildees
Essas caracteriacutesticas sociais podem ser vistas tambeacutem em dramaturgias como as
peccedilas de Gianfrancesco Guarnieri sobretudo ldquoEles natildeo usam black tierdquo que aborda a luta
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das classes sociais greve cenaacuterio de periferia retratando o povo brasileiro no final da
deacutecada de 50 e na sequecircncia a peccedila Gimba com os mesmos elementos de conflitos
urbanos Segundo Naacutedia Cristina Ribeiro (2008) para Guarnieri o teatro eacute um espaccedilo de
criacutetica da realidade e de denuacutencia das arbitrariedades contribuindo para a formaccedilatildeo de uma
sociedade politizada ( p 2)
Este tratamento do teatro como meio de reflexatildeo ocorre com mais veemecircncia a
partir do iniacutecio seacuteculo XX podemos refletir que o contexto social influencia o teatro
modificando natildeo soacute as pessoas mas tambeacutem os temas desenvolvidos nas criaccedilotildees Grandes
eventos histoacutericos foram fundamentais para se repensar o lugar do teatro e o mesmo como
meio de reflexatildeo como as duas Grandes Guerras Mundiais os movimentos do proletariado
contra os patrotildees os movimentos feministas os movimentos dos negros ou seja
movimentos de uma minoria enquanto representatividade de voz ativa nas tomadas de
decisotildees na sociedade em que estatildeo inseridas O Teatro promove o encontro de pessoas
segundo Gueacutenoun
O teatro eacute [] uma atividade intrinsicamente poliacutetica Natildeo em razatildeo do
que aiacute eacute mostrado ou debatido ndash embora tudo esteja ligado ndash mas de
maneira mais originaacuteria antes de qualquer conteuacutedo pelo fato pela
natureza da reuniatildeo que se estabelece (ARMILIATO e ARAUacuteJO apud
GUEacuteNOU 2003 p 15)
Para alcanccedilar e desenvolver este teatro que busca a interaccedilatildeo do seu puacuteblico
mediante a identificaccedilatildeo com aquilo que vecirc Brecht e Boal perceberam uma necessidade de
a arte proporcionar mudanccedila
Destes estudos sobre vaacuterios dramaturgos e encenadores ao longo da histoacuteria nas
disciplinas do Curso de Teatro vemos uma forte influecircncia na forma da compreensatildeo do
teatro como linguagem artiacutestica de discurso social e poliacutetico Associado agraves observaccedilotildees
dentro do contexto escolar que se manteacutem no formato de deacutecadas anteriores heranccedila da
ditadura militar onde a arte ainda eacute soacute entretenimento quando natildeo uma disciplina imposta
e pouca valorizada os trabalhos que propus nas oficinas teatrais sempre tiveram como
temaacuteticas questotildees sociais raciais de gecircnero proporcionando aos atores adolescentes que
se coloquem opinem critiquem este ambiente escolar
Sendo assim entendendo que o ambiente escolar eacute um espaccedilo de discussatildeo sobre o
homem a sua histoacuteria a sua relaccedilatildeo pessoal e interpessoal abordado em diversas
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disciplinas tais como na histoacuteria filosofia psicologia sociologia e a arte o teatro em
especifico eacute de relevacircncia como linguagem que propicia o crescimento da crianccedila e do
jovem contribuindo juntamente com as demais disciplinas na formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes
do conhecimento por meio da identificaccedilatildeo com sua etnia cultura tradiccedilotildees gerando
novas formas de pensar agir e sentir
Ao identificar a iacutenfima discussatildeo da arte afro-brasileira como discurso social
poliacutetico e inclusivo (pois infelizmente haacute pouca representatividade de afro-brasileiros nas
festividades da escola aleacutem de poucas oportunidades de discutir a condiccedilatildeo do negro em
uma sociedade que de forma velada ou natildeo eacute racista) percebi a necessidade de envolver a
escola em um projeto Projeto este orientado pela linguagem teatral por meio de exerciacutecios
de consciecircncia corporal jogos teatrais leituras viacutedeos relacionando as discussotildees agrave
condiccedilatildeo do negro na sociedade
11 ndash Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica
Dois exemplos da utilizaccedilatildeo do teatro como modelo capaz de provocar mudanccedilas
na sociedade o trabalho de Bertold Brecht que apesar de ter um contexto alematildeo
influenciou o segundo exemplo Augusto Boal dramaturgo brasileiro Seraacute realizada uma
breve anaacutelise dos meacutetodos teatrais destes dramaturgos engajados num teatro como
ferramenta poliacutetica e lutas sociais em eacutepocas distintas
Brecht (1898 - 1956) e Boal (1931-2009) desenvolveram meacutetodos que tecircm em
comum alguns aspectos como a pesquisa a experiecircncia um teatro reflexivo e
transformador da sociedade com sentido poliacutetico e social ambos foram exilados de seus
paiacuteses por questotildees de movimentos poliacuteticos opositores ao capitalismo e aos opressores
Segundo Boal (2009) para Brecht as peccedilas teatrais natildeo podem despertar apenas uma
emoccedilatildeo ignorante alienadora mas uma emoccedilatildeo de aprendizagem cujo objetivo natildeo eacute tatildeo
somente o de interpretar o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo De acordo com Brecht
O que podemos dizer eacute que a oposiccedilatildeo entre aprender e divertir-se natildeo eacute
uma oposiccedilatildeo necessaacuteria por natureza uma oposiccedilatildeo que sempre existiu e
sempre teraacute que existir [] O teatro natildeo deixa de ser teatro mesmo
quando eacute didaacutetico e desde que seja bom teatro diverte (BRECHT 1978
p 49-50)
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Brecht assim como Boal acreditava em um teatro libertador participativo
democraacutetico mostrando em cenas a luta diaacuteria dos oprimidos em relaccedilatildeo aos seus
opressores que por sua vez os manipulam de diversas formas Poreacutem sem perder a poeacutetica
representando segundo Brecht (1978) a fealdade de forma bela a indignidade de um
objeto indigno de uma forma digna a falta de graccedila de forma graciosa e a fraqueza de
forma vigorosa
As peccedilas de Brecht cumprem um objetivo de provocar seu puacuteblico como Matildee
Coragem e seus filhos Brecht tem uma opiniatildeo criacutetica do teatro apresentado no iniacutecio do
seacuteculo XX um teatro que produz a alienaccedilatildeo onde os conflitos se resolvem de forma
oacutebvia que mostra a realidade sem no entanto carregar a reflexatildeo de transformaccedilatildeo desta
realidade Brecht almeja um teatro em que esteja presente a reflexatildeo do homem em relaccedilatildeo
ao homem e a sociedade que constroacutei confronte suas afliccedilotildees se conheccedila e se reconheccedila
desprendendo-se de suas convicccedilotildees aos quais a sociedade burguesa manipula servindo-se
muitas vezes da ciecircncia
O que poderia ser o progresso de todos torna-se a vantagem de algumas
partes apenas e uma parte crescente da produccedilatildeo eacute votada aacute criaccedilatildeo de
meios destruidores destinados a guerras poderosas a guerra em que as
matildees de todas as naccedilotildees com os filhos apertados contra si esquadrinham
estupefatos o ceacuteu no rastro dos inventos mortiacuteferos da ciecircncia (BRECHT
apud MIRANDA 2005 p 134)
As colocaccedilotildees de Brecht segundo Miranda fazem do teatro umrdquo mecanismordquo em
que o homem se questiona em relaccedilatildeo ao mundo que lhe eacute apresentado em quaisquer
eacutepocas e em relaccedilatildeo a sua proacutepria vida propondo que a histoacuteria da humanidade seja o
material de pesquisa e produccedilatildeo que estaratildeo presentes na dramaturgia e o elemento mais
caracteriacutestico do Teatro Eacutepico eacute o efeito de distanciamento Brecht em seu livro Estudos
Sobre Teatro nos fala em diversos momentos sobre o efeito de distanciamento e o teatro
eacutepico
Tal efeito depende de uma teacutecnica especial pela qual se confere aos
acontecimentos representados (acontecimentos que se desenrolam entre
os homens nas suas relaccedilotildees reciacuteprocas) um cunho de sensacionalismo os
acontecimentos passam exigir uma explicaccedilatildeo deixam de ser evidentes
naturais O objetivo do efeito de distanciamento eacute possibilitar ao
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espectador uma criacutetica fecunda dentro de uma perspectiva social
(BRECHT 1978 p 74)
O teatro eacutepico um caraacuteter profundamente esteacutetico e dificilmente pode
concebecirc-lo sem artista e sem qualidade esteacutetica sem fantasia humor e
simpatia Este teatro que preconizamos tem simultaneamente de divertir
e ensinar (ibid p 76)
Esta nova teacutecnica segundo Brecht (1978) tem como objetivo conferir ao
espectador uma atitude analiacutetica e criacutetica perante o desenrolar dos acontecimentos
permitindo aos atores se voltarem diretamente para o puacuteblico e jamais metamorfosear-se
integralmente na personagem
O teatro didaacutetico proposto por Brecht (2009) aborda temas da realidade do seu
puacuteblico como inflaccedilatildeo famiacutelia lutas sociais religiatildeo mostrando o mundo como ele eacute de
fato utilizando da teacutecnica do distanciamento com a qual apagam-se toda as ilusotildees e tudo
que se constroem em cena eacute mostrado ao espectador
Esta proposta de Brecht que leva ao puacuteblico a reflexatildeo e a transformaccedilatildeo eacute
importante ateacute os dias de hoje principalmente dentro do ambiente escolar que por si soacute eacute
um espaccedilo de reflexatildeo um espaccedilo poliacutetico um encontro da diversidade de etnias de
culturas de condiccedilotildees soacutecio econocircmicas e diversas estruturas familiares
Augusto Boal (2009) por sua vez alcanccedila a participaccedilatildeo efetiva do seu puacuteblico
com o Teatro Foacuterum e no Teatro do Oprimido Boal desenvolve meacutetodos de pesquisa e
criatividade com teacutecnicas e experimentos que buscam a transformaccedilatildeo seja no contexto
pessoal ou familiar estendendo-se agrave comunidade Ou seja ele transforma o fazer teatral em
uma accedilatildeo poliacutetica e social que tem como puacuteblico-alvo moradores de periferia
camponeses na Siciacutelia sul da Itaacutelia homens que batem em mulheres no Rio de Janeiro
operaacuterios no Chile espectadores oprimidos Ele ao escrever Teatro do Oprimido levanta
questotildees da proacutepria linguagem teatral para que serve a arte as discussotildees que arte traz
como virtude viacutecio justiccedila e conhecimento em um contexto de insatisfaccedilatildeo de
desigualdade repressatildeo problemas presentes na sociedade seja aqui no Brasil ou paiacuteses
por onde esteve sobretudo na eacutepoca do exiacutelio
Tanto Boal quanto Brecht entendem a arte como um meio de propor uma
experiecircncia politizada transformadora da sociedade sem comprometer a esteacutetica e a
poeacutetica nem a diversatildeo repleto de desafios com potencial de discutir questotildees relativas agraves
complexidades do ser humano e sua trajetoacuteria histoacuterica
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Boal apesar de ser influenciado em alguns aspectos pelas propostas de Brecht
principalmente no que se refere as ideologias de combate a repressatildeo e de um teatro em
que a emoccedilatildeo despertada no puacuteblico deva ser a de ldquorevolta ou transformaccedilatildeordquo apresenta
poreacutem teacutecnicas adaptadas a realidade da ameacuterica latina
Segundo Boal (2009) o teatro eacute necessariamente poliacutetico porque poliacuteticas satildeo as
atividades do homem Sendo uma atividade poliacutetica tem grande embasamento criacutetico e
reflexivo se dada a livre participaccedilatildeo dos espectadores de massa proposta principal de
Boal no Teatro do Oprimido onde o espectador se reconhece principalmente porque em
algumas experiecircncias de Boal o espaccedilo em que acontece a accedilatildeo eacute o espaccedilo do proacuteprio
puacuteblico oportunizando a intervenccedilatildeo do puacuteblico mediante os problemas apresentados em
cena sempre mediada por um ator ao qual ele chama de coringa
O espaccedilo ldquoescolardquo eacute perfeito para encenaccedilotildees do Teatro do Oprimido como
podemos observar a Aacutervore do teatro do Oprimido em suas raiacutezes tronco galhos e folhas
compotildeem-se todas as diretrizes propostas no Curriacuteculo Nacional
FIGURA 1
Boal (2009) atraveacutes de jogos propotildeem agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo do corpo e da mente
alienados agraves tarefas repetitivas do dia a dia especialmente agraves do trabalho e agraves condiccedilotildees
econocircmicas ambientais e sociais de quem os praticardquo (BOAL 2009 p 16) No caso dos
alunos acostumados a sentarem-se em fila dentro de um espaccedilo fechado espaccedilo este que
tambeacutem atende ao desfile de consumos e modismos reforccedilando muitas vezes a ideia de
dominante e dominado deixando de ser um espaccedilo que propotildeem a reflexatildeo que decirc voz as
opressotildees diaacuterias tanto dos seus alunos como dos seus professores
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Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da
sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor
de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo
momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e
Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a
reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade
12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro
Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da
sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como
espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento
Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de
famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos
de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12
anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte
e dramaturgia em especiacutefico
Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e
folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era
uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores
Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas
ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)
Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de
discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a
primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-
se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois
era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do
exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos
poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra
Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral
fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista
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Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de
Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o
ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro
Brutus Jones Segundo ele
Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em
Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca
vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no
palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud
ALMANA 2009 p 64-65)
Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante
um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar
para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do
exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo
Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu
primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos
Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em
1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo
Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a
conhecida atriz Ruth de Souza
O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico
afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a
formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo
conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos
Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da
realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua
missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN
que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da
cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura
branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da
educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas
frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo
dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio
negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava
inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)
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Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos
da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira
referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das
mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a
violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores
atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que
influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o
teatro eacutepico
O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes
cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem
surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a
Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas
de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira
O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo
poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo
Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios
pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias
procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio
um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de
portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem
noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com
liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores
vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali
ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que
ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam
aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e
ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)
Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da
linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores
braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas
de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que
o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo
educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando
melhor condiccedilatildeo de vida
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O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma
a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria
trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso
poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e
divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a
exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo
de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela
sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem
mudanccedilas neste quadro
TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas
ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se
outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e
contra a discriminaccedilatildeo
As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os
dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o
teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para
a muacutesica e a danccedila
121- O Teatro Negro breve apontamento
Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute
formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os
paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam
Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais
mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da
sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de
mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com
uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica
Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os
negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa
22
utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis
estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na
televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o
negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos
ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque
Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute
circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o
feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a
recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo
estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo
praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)
O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este
passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo
(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga
referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e
poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da
dramaturgia o teatro negro
Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como
Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano
Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila
de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata
Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o
Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro
aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo
subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe
uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES
1993 p 29)
Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem
negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem
1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas
atribuiacutedos aos negros
23
negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos
mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de
seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das
peccedilas teatrais
Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o
empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o
preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros
No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um
negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem
podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo
(MENDES 1982 p 23-24)
O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no
cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz
Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira
no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute
no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores
negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta
patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro
averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas
dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro
Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem
como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o
branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao
puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que
estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro
Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de
afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que
implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na
eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida
produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar
outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do
negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais
ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada
direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)
24
Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem
que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas
pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta
por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de
Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros
reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento
preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar
que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo
selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a
cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os
autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como
personagem
ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo
alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se
os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas
colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute
apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os
atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)
Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo
negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas
assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para
qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda
eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes
Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de
pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave
sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma
personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas
deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator
textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano
No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia
apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute
Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema
25
criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu
depoimento diz
Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os
obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []
cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no
Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o
mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro
(DOUXAMI 2001 p 337)
O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro
natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco
frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes
espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela
expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute
entendermos que soacute existe uma raccedila humana
Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos
Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para
se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis
capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas
(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas
espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de
reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente
(LIMA apud MENDES 2010 p 37)
Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos
um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco
reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior
irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do
negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e
para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico
Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de
Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro
2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX
26
a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do
teatro engajado
Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a
identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees
brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das
oficinas aplicadas
27
CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA
CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande
influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-
brasileiras no ambiente escolar
Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na
Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de
Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo
semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da
Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas
pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas
dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente
Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)
abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar
personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de
Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa
Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas
inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black
power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira
repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado
por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a
expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado
espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda
em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial
sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)
Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute
essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e
3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto
708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de
educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas
puacuteblicas
28
brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das
escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-
brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo
algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os
alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis
aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal
Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado
pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma
diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os
professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente
houve mudanccedila de postura deste professor
ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi
desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que
permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano
destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo
do negro
Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite
aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de
aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se
primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal
conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si
mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros
que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade
profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito
Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro
horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo
jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na
minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em
relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos
filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro
Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da
Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do
29
Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais
cujos artistas eram negros
Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks
primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos
lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um
segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto
dentro do contexto do teatro negro
As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre
em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do
Ensino Meacutedio
Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as
questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo
dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o
trabalho com a linguagem
Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem
teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e
mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar
Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as
manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade
negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que
desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como
elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a
identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar
Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma
como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do
ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a
identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra
21- O contexto local e a influecircncia cultural
30
Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro
como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a
histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo
A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo
divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute
de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km
2 sendo que desses 30 eacute formado por
negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul
A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do
protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as
consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a
predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de
que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute
Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros
que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta
regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga
localiza-se uma reserva indiacutegena
Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da
Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma
identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das
Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as
manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba
municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de
gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e
gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos
jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os
descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais
No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e
sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de
escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes
4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010
acessado em 07 de maio de 2016
31
acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem
vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho
Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga
da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na
semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo
apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica
A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na
Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio
econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada
uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos
alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos
promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca
representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus
Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente
quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando
debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade
religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades
utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de
espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante
para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante
destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e
discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima
No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o
espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e
seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane
Sobral destacando aqui
Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei
fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter
ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser
tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava
muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas
(SOBRAL 2005 p13)
32
No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de
ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola
Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este
quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo
eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura
Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo
destes anos
A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um
grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial
para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral
questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina
Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos
alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos
como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos
professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou
de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano
escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o
referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia
um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro
com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica
Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios
femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se
harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-
brasileira
5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e
Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio
33
As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo
atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a
pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo
personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto
Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda
Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros
Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o
engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro
Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde
Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como
personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto
malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos
averiguar neste trecho
Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de
alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua
famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os
requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o
branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que
geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em
oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo
estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os
sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)
Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro
(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor
Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a
ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma
qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era
difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o
miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo
Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um
trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo
Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e
daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato
34
Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos
livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que
muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial
Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria
de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)
As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam
estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus
Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda
feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo
(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de
aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees
pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a
cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos
de ldquoembraquecimentordquo
Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo
prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente
independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-
brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes
tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro
Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A
valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a
ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade
Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o
desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a
autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola
ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar
inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a
destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas
para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano
[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica
essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a
compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo
que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006
p30)
35
Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento
cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir
a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas
escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903
221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016
No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15
a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois
realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se
cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a
semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta
sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para
as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo
com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de
conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os
encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos
foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar
como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais
As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais
e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de
uma arte afro-brasileira
Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais
que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o
corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo
de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento
crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas
manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras
Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais
produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e
culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees
que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as
quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes
36
Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
37
do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
38
violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
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oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
40
violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
41
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
42
Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
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papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
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Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
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66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
3
ELIANE EGEN
O TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA CULTURA
AFRO-BRASILEIRA
4
Dedico este trabalho aos meus filhos
Apollo Egen Eron Egen Luan Ruiz a
minha irmatilde Dynnaacute Oliveira e ao grupo de
Teatro Peacuterolas da Arte e as deusas que me
mantiveram sobre sua luz
5
AGRADECIMENTOS
Meus agradecimentos ao curso de Licenciatura de Teatro EADUNB professores
tutores e colegas do Polo de Itapetininga especialmente agrave Isolete Rosa agraves secretaacuterias do
Polo de Itapetininga agrave minha orientadora Juacutelia Alves Rodrigues Carvalhal ao tutor Andreacute
Luiz Camargo agrave tutora Clara Lima Alonso ao Luiacutes Paz Delgado e ao grupo de Teatro
Peacuterolas da Arte
6
RESUMO
Este Trabalho de Conclusatildeo de Curso tem como objetivo apresentar a experiecircncia
do projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo que
trabalha a linguagem teatral no contexto escolar na Escola Dr Herculano Pimentel com
alunos do ensino meacutedio em idade entre 15 e 17 anos O projeto procura ressaltar elementos
da linguagem teatral como expressatildeo corporal e sensorial espaccedilo interaccedilatildeo jogos
teatrais criaccedilatildeo de cena e leitura dramaacutetica associando-os agraves produccedilotildees artiacutesticas e
culturais afro-brasileiras Buscou-se no exerciacutecio praacutetico uma mudanccedila paradigmaacutetica
acerca de conceitos como ldquoautoaceitaccedilatildeordquo ldquoembranquecimentordquo e ldquovalorizaccedilatildeo eacutetnicardquo
partindo de discussotildees sobre a relevacircncia do espaccedilo da comunidade escolar como livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo pautando-se no trabalho realizado pelo Teatro
Experimental do Negro e suas contribuiccedilotildees para construccedilatildeo da identidade negra no Brasil
Assim esta pesquisa tem o intuito ainda de refletir sobre o discurso social e poliacutetico do
teatro evidenciando as questotildees raciais
Palavras-Chave Teatro Discurso Poliacutetico Cultura afro-brasileira
7
LISTA
Imagem 1 Aacutervore do Teatro do Oprimido
8
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 09
CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL 12
11 - Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica 14
12- Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro 18
121 ndash O teatro negro breve apontamento 21
CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL
DA CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE 27
21 ndash O contexto local e a histoacuteria cultural 29
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina 32
221 - Oficina teatral no periacuteodo de agosto de 2015 a maio de 2016 35
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 41
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 44
ANEXOS 46
Anexo 1 Dramaturgia Vozes da Liberdade 46
Anexo 2 Exerciacutecios Aplicados 53
Anexo 3 Registros de Imagens das Oficinas 58
Anexo 4 Questionaacuterios 62
9
INTRODUCcedilAtildeO
Esta pesquisa intitulada ldquo O Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo tem como objetivo relatar o trabalho realizado neste projeto que aborda a
linguagem teatral no contexto escolar A partir da anaacutelise das oficinas que integram o
projeto procura-se evidenciar o processo teoacuterico-praacutetico e discutir questotildees em relaccedilatildeo ao
negro e mesticcedilo e suas manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas proporcionando reflexotildees e
accedilotildees que levem ao senso criacutetico agrave inclusatildeo e agrave autoestima Para tanto buscaraacute referecircncias
teoacutericas de Bertold Brecht e Augusto Boal acerca do teatro como discurso poliacutetico social e
refletiraacute sobre esse possiacutevel discurso a partir do trabalho do Teatro Experimental do Negro
que contribuiu para a construccedilatildeo da identidade negra no Brasil Essas consideraccedilotildees visam
a valorizaccedilatildeo da identidade do jovem sobretudo do negro e do mesticcedilo no contexto
escolar
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
iniciou-se em 2015 com a criaccedilatildeo de um grupo de teatro com alunos do Ensino Meacutedio
com idade entre 15 e 17 anos negros mesticcedilos e brancos na Escola Estadual Dr
Herculano Pimentel da cidade de Itarareacute do Estado Satildeo Paulo Por meio de oficinas
praacuteticas de consciecircncia corporal e sensorial de jogos teatrais principalmente os propostos
por Viola Spolin e Augusto Boal de leituras de textos biograacuteficos de personalidades
negras tais como Abdias do Nascimento Joatildeo Cacircndido Carolina Maria de Jesus do
contato com filmagens de peccedilas e de peccedilas teatrais e da criaccedilatildeo de cenas e personagens
realizou-se um processo de experimentaccedilatildeo da linguagem teatral alinhada a discussotildees
temaacuteticas Focou-se no processo teoacuterico-praacutetico nas reflexotildees sobre a importacircncia de um
espaccedilo na comunidade escolar para discutir a autonomia e a livre expressatildeo do negro e do
mesticcedilo Nesta pesquisa realizou-se uma investigaccedilatildeo no periacuteodo de agosto de 2015 a maio
de 2016 analisando trecircs encontros em momentos diferentes cada encontro com duraccedilatildeo de
4 horas
A discriminaccedilatildeo a ideia de ldquoembranquecimentordquo a cultura eurocecircntrica
predominando e dominando apesar dos diversos Movimentos Negros em diversas regiotildees
do Brasil e do mundo ainda eacute evidente mesmo no ambiente escolar Acredita-se no
entanto que a escola tem um papel fundamental para que se consolide um espaccedilo de
combate agrave discriminaccedilatildeo e de discussatildeo sobre a negritude contribuindo para a formaccedilatildeo da
cidadania e sobretudo para a valorizaccedilatildeo da cultura afro-brasileira
10
Professora de matemaacutetica da rede Estadual de Satildeo Paulo haacute 15 anos foi possiacutevel
averiguar trecircs pontos relevantes em algumas unidades de ensino da cidade de Bom Sucesso
de Itarareacute e da cidade Itarareacute Na escola como um todo os eventos e comemoraccedilotildees
promovidos valorizavam resultados que atendem a proposta do evento como a festa junina
e o dia da famiacutelia na escola eventos temaacuteticos e semana cultural em segundo a
predominacircncia das manifestaccedilotildees eurocecircntricas em relaccedilatildeo as demais culturas
evidenciando assim um protagonismo do branco em detrimento do negro E o processo de
experimentaccedilatildeo das linguagens artiacutesticas como danccedila muacutesica e teatro natildeo importava
enquanto processo de aprendizado sem contemplar o desenvolvimento artiacutestico Sendo
assim a criaccedilatildeo do Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo visa inicialmente promover a linguagem teatral na escola de maneira a
valorizar o processo artiacutestico e a partir de uma ampliaccedilatildeo dos temas desenvolvidos
promover a inclusatildeo do negro e mesticcedilo
Esta presente pesquisa tem uma relevacircncia para o teatro pois apresenta a
linguagem considerando suas especificidades associando a uma busca expressiva a partir
do reconhecimento de diferentes protagonistas que carregam histoacuterias diferentes
sobretudo em relaccedilatildeo aos seus ancestrais vindos da Aacutefrica da Europa ou pertencentes a
Ameacuterica Promove assim no contexto escolar um espaccedilo de experimentaccedilatildeo e discussatildeo
das diversidades culturais e eacute com essa base que se formam puacuteblicos apreciadores das
diferentes manifestaccedilotildees teatrais
Atraveacutes desta pesquisa foi possiacutevel discutir accedilotildees voltadas para questatildeo do negro no
contexto escolar na sociedade e no teatro o que nos possibilitou a trazer outras discussotildees
que afetam minorias como discussatildeo de gecircnero a cultura do machismo a liberdade
religiosa aleacutem de questotildees como democracia e liberdade de expressatildeo Assim
fundamentou-se para subsidiar as discussotildees principalmente no diretor ativista Abdias do
Nascimento e na pesquisadora Miriam Garcia Mendes e aleacutem disso buscou-se uma
investigaccedilatildeo participativa em relaccedilatildeo ao objeto de pesquisa com recursos iconograacuteficos
como fotos e filmagens recorrendo tambeacutem a questionaacuterios Dessa forma esse trabalho de
conclusatildeo de curso procura por meio de relato detalhado desse projeto e da anaacutelise das
suas implicaccedilotildees evidenciar o crescimento e a transformaccedilatildeo individual dos integrantes a
partir do conhecimento da linguagem teatral o despertar de uma consciecircncia mais
responsaacutevel em relaccedilatildeo a si mesmo e com o outro aleacutem de uma formaccedilatildeo mais criacutetica em
relaccedilatildeo ao seu proacuteprio cotidiano
11
Seguiu-se a seguinte divisatildeo no primeiro capiacutetulo seraacute apresentado o teatro como
discurso poliacutetico e social com referecircncias e influecircncias da linguagem teatral como
ferramenta poliacutetica Bertold Brecht Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri Abdias do
Nascimento Descrevendo de maneira sucinta o meacutetodo e a visatildeo deste teatro que busca
transformar provocar refletir dar espaccedilo ao protagonismo do teatro negro Uma atenccedilatildeo
mais detalhada para o Teatro Experimental do Negro (TEN) a personagem negra no teatro
Brasileiro as criacuteticas ao estereoacutetipo da personagem negra ao longo da histoacuteria e como o
TEN influenciou para a transformaccedilatildeo e colaborou para o protagonismo do ator diretor
produtor negro e uma breve biografia de Abdias do Nascimento
No segundo capiacutetulo o Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo seraacute descrita a motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo deste projeto as caracteriacutesticas
e influecircncias culturais da regiatildeo em que o projeto aconteceu a experiecircncia do projeto
fazendo uma anaacutelise das observaccedilotildees em relaccedilatildeo aos integrantes do grupo a forma como
foram realizadas as atividades as questotildees raciais levantadas e como o projeto foi recebido
pela escola
Espero que esta pesquisa motive outras pesquisas com temas que visem agrave
valorizaccedilatildeo cultural e o aprendizado da linguagem teatral Acredito que a arte e a educaccedilatildeo
satildeo os meios para atingir tais objetivos dessa maneira enquanto futura arte-educadora
pretendo dar continuidade ao projeto em questatildeo
12
CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL
O teatro eacute tatildeo antigo quanto a proacutepria humanidade desde os povos mais primitivos
com seus rituais oferecidos aos deuses representando ou se transformando nos mais
diferentes arqueacutetipos a evoluccedilatildeo da linguagem teatral acompanhou a evoluccedilatildeo cultural do
homem No decorrer da histoacuteria da humanidade as manifestaccedilotildees religiosas ritos de
fertilidades expressotildees culturais conflitos existecircncias movimentos ativistas encontram no
teatro a expressatildeo primeira de comunicaccedilatildeo e depois como obra social ateacute as reflexotildees
poliacuteticas
Patrice Pavis (2008) segundo Armiliato e Arauacutejo (2011) descreve esta evoluccedilatildeo da
cerimocircnia religiosa com a participaccedilatildeo de todos os envolvidos de um grupo ateacute que se
estabeleccedila a separaccedilatildeo entre atores e espectadores no encontro entre ambos num espaccedilo
preacute-definido Eacute neste encontro de encenaccedilatildeo e pessoas ainda segundo Armiliato e Arauacutejo
(2011) que se oportuniza a reflexatildeo poliacutetica e social de quem faz o teatro e de quem assiste
Na literatura encontramos referecircncias de encenadores e dramaturgos como Erwin
Piscator Bertold Brecht preconizadores do teatro Eacutepico Eugecircnio Barba com seu teatro
antropoloacutegico ldquoteatro como ilha de liberdade e ferramenta de combate a injusticcedilardquo
Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri e Abdias do Nascimento referecircncias no Brasil
com o teatro do oprimido e tantos outros que de uma forma mais direta ou natildeo veem o
teatro como linguagem do discurso poliacutetico e social
Observamos que para alguns estudiosos o teatro enquanto linguagem possui em si
um discurso poliacutetico e social que pode modificar natildeo somente a criaccedilatildeo artiacutestica mas
tambeacutem a sociedade Bertold Brecht (1978) com o Teatro Eacutepico e suas peccedilas didaacuteticas
acreditava que aleacutem do entretenimento o teatro oferecia a possibilidade de aprender
informar discutir e provocar transformaccedilotildees sobretudo nas camadas sociais descontentes
com a situaccedilatildeo em vigor
Jaacute para Augusto Boal (2009) com seu meacutetodo do Teatro do Oprimido as teacutecnicas
aplicadas tecircm como proposta apoio ao teatro agraves lutas dos oprimidos ao mesmo tempo que
propotildeem desenvolver ldquoa capacidade de perceber o mundo atraveacutes de todas as artesrdquo (p 15)
transformando diferentes grupos de oprimidos aleacutem de reconhecer as suas proacuteprias
repressotildees
Essas caracteriacutesticas sociais podem ser vistas tambeacutem em dramaturgias como as
peccedilas de Gianfrancesco Guarnieri sobretudo ldquoEles natildeo usam black tierdquo que aborda a luta
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das classes sociais greve cenaacuterio de periferia retratando o povo brasileiro no final da
deacutecada de 50 e na sequecircncia a peccedila Gimba com os mesmos elementos de conflitos
urbanos Segundo Naacutedia Cristina Ribeiro (2008) para Guarnieri o teatro eacute um espaccedilo de
criacutetica da realidade e de denuacutencia das arbitrariedades contribuindo para a formaccedilatildeo de uma
sociedade politizada ( p 2)
Este tratamento do teatro como meio de reflexatildeo ocorre com mais veemecircncia a
partir do iniacutecio seacuteculo XX podemos refletir que o contexto social influencia o teatro
modificando natildeo soacute as pessoas mas tambeacutem os temas desenvolvidos nas criaccedilotildees Grandes
eventos histoacutericos foram fundamentais para se repensar o lugar do teatro e o mesmo como
meio de reflexatildeo como as duas Grandes Guerras Mundiais os movimentos do proletariado
contra os patrotildees os movimentos feministas os movimentos dos negros ou seja
movimentos de uma minoria enquanto representatividade de voz ativa nas tomadas de
decisotildees na sociedade em que estatildeo inseridas O Teatro promove o encontro de pessoas
segundo Gueacutenoun
O teatro eacute [] uma atividade intrinsicamente poliacutetica Natildeo em razatildeo do
que aiacute eacute mostrado ou debatido ndash embora tudo esteja ligado ndash mas de
maneira mais originaacuteria antes de qualquer conteuacutedo pelo fato pela
natureza da reuniatildeo que se estabelece (ARMILIATO e ARAUacuteJO apud
GUEacuteNOU 2003 p 15)
Para alcanccedilar e desenvolver este teatro que busca a interaccedilatildeo do seu puacuteblico
mediante a identificaccedilatildeo com aquilo que vecirc Brecht e Boal perceberam uma necessidade de
a arte proporcionar mudanccedila
Destes estudos sobre vaacuterios dramaturgos e encenadores ao longo da histoacuteria nas
disciplinas do Curso de Teatro vemos uma forte influecircncia na forma da compreensatildeo do
teatro como linguagem artiacutestica de discurso social e poliacutetico Associado agraves observaccedilotildees
dentro do contexto escolar que se manteacutem no formato de deacutecadas anteriores heranccedila da
ditadura militar onde a arte ainda eacute soacute entretenimento quando natildeo uma disciplina imposta
e pouca valorizada os trabalhos que propus nas oficinas teatrais sempre tiveram como
temaacuteticas questotildees sociais raciais de gecircnero proporcionando aos atores adolescentes que
se coloquem opinem critiquem este ambiente escolar
Sendo assim entendendo que o ambiente escolar eacute um espaccedilo de discussatildeo sobre o
homem a sua histoacuteria a sua relaccedilatildeo pessoal e interpessoal abordado em diversas
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disciplinas tais como na histoacuteria filosofia psicologia sociologia e a arte o teatro em
especifico eacute de relevacircncia como linguagem que propicia o crescimento da crianccedila e do
jovem contribuindo juntamente com as demais disciplinas na formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes
do conhecimento por meio da identificaccedilatildeo com sua etnia cultura tradiccedilotildees gerando
novas formas de pensar agir e sentir
Ao identificar a iacutenfima discussatildeo da arte afro-brasileira como discurso social
poliacutetico e inclusivo (pois infelizmente haacute pouca representatividade de afro-brasileiros nas
festividades da escola aleacutem de poucas oportunidades de discutir a condiccedilatildeo do negro em
uma sociedade que de forma velada ou natildeo eacute racista) percebi a necessidade de envolver a
escola em um projeto Projeto este orientado pela linguagem teatral por meio de exerciacutecios
de consciecircncia corporal jogos teatrais leituras viacutedeos relacionando as discussotildees agrave
condiccedilatildeo do negro na sociedade
11 ndash Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica
Dois exemplos da utilizaccedilatildeo do teatro como modelo capaz de provocar mudanccedilas
na sociedade o trabalho de Bertold Brecht que apesar de ter um contexto alematildeo
influenciou o segundo exemplo Augusto Boal dramaturgo brasileiro Seraacute realizada uma
breve anaacutelise dos meacutetodos teatrais destes dramaturgos engajados num teatro como
ferramenta poliacutetica e lutas sociais em eacutepocas distintas
Brecht (1898 - 1956) e Boal (1931-2009) desenvolveram meacutetodos que tecircm em
comum alguns aspectos como a pesquisa a experiecircncia um teatro reflexivo e
transformador da sociedade com sentido poliacutetico e social ambos foram exilados de seus
paiacuteses por questotildees de movimentos poliacuteticos opositores ao capitalismo e aos opressores
Segundo Boal (2009) para Brecht as peccedilas teatrais natildeo podem despertar apenas uma
emoccedilatildeo ignorante alienadora mas uma emoccedilatildeo de aprendizagem cujo objetivo natildeo eacute tatildeo
somente o de interpretar o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo De acordo com Brecht
O que podemos dizer eacute que a oposiccedilatildeo entre aprender e divertir-se natildeo eacute
uma oposiccedilatildeo necessaacuteria por natureza uma oposiccedilatildeo que sempre existiu e
sempre teraacute que existir [] O teatro natildeo deixa de ser teatro mesmo
quando eacute didaacutetico e desde que seja bom teatro diverte (BRECHT 1978
p 49-50)
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Brecht assim como Boal acreditava em um teatro libertador participativo
democraacutetico mostrando em cenas a luta diaacuteria dos oprimidos em relaccedilatildeo aos seus
opressores que por sua vez os manipulam de diversas formas Poreacutem sem perder a poeacutetica
representando segundo Brecht (1978) a fealdade de forma bela a indignidade de um
objeto indigno de uma forma digna a falta de graccedila de forma graciosa e a fraqueza de
forma vigorosa
As peccedilas de Brecht cumprem um objetivo de provocar seu puacuteblico como Matildee
Coragem e seus filhos Brecht tem uma opiniatildeo criacutetica do teatro apresentado no iniacutecio do
seacuteculo XX um teatro que produz a alienaccedilatildeo onde os conflitos se resolvem de forma
oacutebvia que mostra a realidade sem no entanto carregar a reflexatildeo de transformaccedilatildeo desta
realidade Brecht almeja um teatro em que esteja presente a reflexatildeo do homem em relaccedilatildeo
ao homem e a sociedade que constroacutei confronte suas afliccedilotildees se conheccedila e se reconheccedila
desprendendo-se de suas convicccedilotildees aos quais a sociedade burguesa manipula servindo-se
muitas vezes da ciecircncia
O que poderia ser o progresso de todos torna-se a vantagem de algumas
partes apenas e uma parte crescente da produccedilatildeo eacute votada aacute criaccedilatildeo de
meios destruidores destinados a guerras poderosas a guerra em que as
matildees de todas as naccedilotildees com os filhos apertados contra si esquadrinham
estupefatos o ceacuteu no rastro dos inventos mortiacuteferos da ciecircncia (BRECHT
apud MIRANDA 2005 p 134)
As colocaccedilotildees de Brecht segundo Miranda fazem do teatro umrdquo mecanismordquo em
que o homem se questiona em relaccedilatildeo ao mundo que lhe eacute apresentado em quaisquer
eacutepocas e em relaccedilatildeo a sua proacutepria vida propondo que a histoacuteria da humanidade seja o
material de pesquisa e produccedilatildeo que estaratildeo presentes na dramaturgia e o elemento mais
caracteriacutestico do Teatro Eacutepico eacute o efeito de distanciamento Brecht em seu livro Estudos
Sobre Teatro nos fala em diversos momentos sobre o efeito de distanciamento e o teatro
eacutepico
Tal efeito depende de uma teacutecnica especial pela qual se confere aos
acontecimentos representados (acontecimentos que se desenrolam entre
os homens nas suas relaccedilotildees reciacuteprocas) um cunho de sensacionalismo os
acontecimentos passam exigir uma explicaccedilatildeo deixam de ser evidentes
naturais O objetivo do efeito de distanciamento eacute possibilitar ao
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espectador uma criacutetica fecunda dentro de uma perspectiva social
(BRECHT 1978 p 74)
O teatro eacutepico um caraacuteter profundamente esteacutetico e dificilmente pode
concebecirc-lo sem artista e sem qualidade esteacutetica sem fantasia humor e
simpatia Este teatro que preconizamos tem simultaneamente de divertir
e ensinar (ibid p 76)
Esta nova teacutecnica segundo Brecht (1978) tem como objetivo conferir ao
espectador uma atitude analiacutetica e criacutetica perante o desenrolar dos acontecimentos
permitindo aos atores se voltarem diretamente para o puacuteblico e jamais metamorfosear-se
integralmente na personagem
O teatro didaacutetico proposto por Brecht (2009) aborda temas da realidade do seu
puacuteblico como inflaccedilatildeo famiacutelia lutas sociais religiatildeo mostrando o mundo como ele eacute de
fato utilizando da teacutecnica do distanciamento com a qual apagam-se toda as ilusotildees e tudo
que se constroem em cena eacute mostrado ao espectador
Esta proposta de Brecht que leva ao puacuteblico a reflexatildeo e a transformaccedilatildeo eacute
importante ateacute os dias de hoje principalmente dentro do ambiente escolar que por si soacute eacute
um espaccedilo de reflexatildeo um espaccedilo poliacutetico um encontro da diversidade de etnias de
culturas de condiccedilotildees soacutecio econocircmicas e diversas estruturas familiares
Augusto Boal (2009) por sua vez alcanccedila a participaccedilatildeo efetiva do seu puacuteblico
com o Teatro Foacuterum e no Teatro do Oprimido Boal desenvolve meacutetodos de pesquisa e
criatividade com teacutecnicas e experimentos que buscam a transformaccedilatildeo seja no contexto
pessoal ou familiar estendendo-se agrave comunidade Ou seja ele transforma o fazer teatral em
uma accedilatildeo poliacutetica e social que tem como puacuteblico-alvo moradores de periferia
camponeses na Siciacutelia sul da Itaacutelia homens que batem em mulheres no Rio de Janeiro
operaacuterios no Chile espectadores oprimidos Ele ao escrever Teatro do Oprimido levanta
questotildees da proacutepria linguagem teatral para que serve a arte as discussotildees que arte traz
como virtude viacutecio justiccedila e conhecimento em um contexto de insatisfaccedilatildeo de
desigualdade repressatildeo problemas presentes na sociedade seja aqui no Brasil ou paiacuteses
por onde esteve sobretudo na eacutepoca do exiacutelio
Tanto Boal quanto Brecht entendem a arte como um meio de propor uma
experiecircncia politizada transformadora da sociedade sem comprometer a esteacutetica e a
poeacutetica nem a diversatildeo repleto de desafios com potencial de discutir questotildees relativas agraves
complexidades do ser humano e sua trajetoacuteria histoacuterica
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Boal apesar de ser influenciado em alguns aspectos pelas propostas de Brecht
principalmente no que se refere as ideologias de combate a repressatildeo e de um teatro em
que a emoccedilatildeo despertada no puacuteblico deva ser a de ldquorevolta ou transformaccedilatildeordquo apresenta
poreacutem teacutecnicas adaptadas a realidade da ameacuterica latina
Segundo Boal (2009) o teatro eacute necessariamente poliacutetico porque poliacuteticas satildeo as
atividades do homem Sendo uma atividade poliacutetica tem grande embasamento criacutetico e
reflexivo se dada a livre participaccedilatildeo dos espectadores de massa proposta principal de
Boal no Teatro do Oprimido onde o espectador se reconhece principalmente porque em
algumas experiecircncias de Boal o espaccedilo em que acontece a accedilatildeo eacute o espaccedilo do proacuteprio
puacuteblico oportunizando a intervenccedilatildeo do puacuteblico mediante os problemas apresentados em
cena sempre mediada por um ator ao qual ele chama de coringa
O espaccedilo ldquoescolardquo eacute perfeito para encenaccedilotildees do Teatro do Oprimido como
podemos observar a Aacutervore do teatro do Oprimido em suas raiacutezes tronco galhos e folhas
compotildeem-se todas as diretrizes propostas no Curriacuteculo Nacional
FIGURA 1
Boal (2009) atraveacutes de jogos propotildeem agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo do corpo e da mente
alienados agraves tarefas repetitivas do dia a dia especialmente agraves do trabalho e agraves condiccedilotildees
econocircmicas ambientais e sociais de quem os praticardquo (BOAL 2009 p 16) No caso dos
alunos acostumados a sentarem-se em fila dentro de um espaccedilo fechado espaccedilo este que
tambeacutem atende ao desfile de consumos e modismos reforccedilando muitas vezes a ideia de
dominante e dominado deixando de ser um espaccedilo que propotildeem a reflexatildeo que decirc voz as
opressotildees diaacuterias tanto dos seus alunos como dos seus professores
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Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da
sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor
de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo
momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e
Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a
reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade
12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro
Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da
sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como
espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento
Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de
famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos
de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12
anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte
e dramaturgia em especiacutefico
Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e
folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era
uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores
Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas
ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)
Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de
discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a
primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-
se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois
era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do
exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos
poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra
Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral
fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista
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Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de
Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o
ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro
Brutus Jones Segundo ele
Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em
Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca
vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no
palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud
ALMANA 2009 p 64-65)
Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante
um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar
para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do
exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo
Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu
primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos
Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em
1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo
Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a
conhecida atriz Ruth de Souza
O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico
afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a
formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo
conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos
Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da
realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua
missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN
que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da
cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura
branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da
educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas
frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo
dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio
negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava
inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)
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Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos
da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira
referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das
mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a
violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores
atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que
influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o
teatro eacutepico
O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes
cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem
surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a
Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas
de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira
O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo
poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo
Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios
pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias
procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio
um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de
portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem
noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com
liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores
vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali
ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que
ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam
aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e
ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)
Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da
linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores
braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas
de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que
o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo
educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando
melhor condiccedilatildeo de vida
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O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma
a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria
trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso
poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e
divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a
exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo
de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela
sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem
mudanccedilas neste quadro
TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas
ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se
outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e
contra a discriminaccedilatildeo
As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os
dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o
teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para
a muacutesica e a danccedila
121- O Teatro Negro breve apontamento
Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute
formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os
paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam
Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais
mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da
sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de
mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com
uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica
Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os
negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa
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utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis
estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na
televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o
negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos
ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque
Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute
circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o
feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a
recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo
estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo
praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)
O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este
passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo
(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga
referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e
poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da
dramaturgia o teatro negro
Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como
Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano
Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila
de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata
Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o
Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro
aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo
subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe
uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES
1993 p 29)
Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem
negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem
1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas
atribuiacutedos aos negros
23
negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos
mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de
seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das
peccedilas teatrais
Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o
empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o
preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros
No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um
negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem
podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo
(MENDES 1982 p 23-24)
O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no
cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz
Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira
no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute
no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores
negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta
patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro
averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas
dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro
Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem
como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o
branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao
puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que
estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro
Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de
afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que
implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na
eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida
produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar
outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do
negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais
ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada
direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)
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Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem
que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas
pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta
por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de
Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros
reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento
preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar
que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo
selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a
cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os
autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como
personagem
ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo
alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se
os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas
colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute
apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os
atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)
Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo
negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas
assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para
qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda
eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes
Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de
pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave
sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma
personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas
deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator
textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano
No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia
apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute
Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema
25
criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu
depoimento diz
Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os
obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []
cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no
Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o
mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro
(DOUXAMI 2001 p 337)
O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro
natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco
frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes
espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela
expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute
entendermos que soacute existe uma raccedila humana
Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos
Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para
se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis
capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas
(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas
espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de
reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente
(LIMA apud MENDES 2010 p 37)
Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos
um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco
reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior
irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do
negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e
para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico
Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de
Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro
2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX
26
a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do
teatro engajado
Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a
identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees
brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das
oficinas aplicadas
27
CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA
CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande
influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-
brasileiras no ambiente escolar
Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na
Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de
Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo
semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da
Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas
pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas
dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente
Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)
abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar
personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de
Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa
Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas
inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black
power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira
repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado
por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a
expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado
espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda
em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial
sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)
Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute
essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e
3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto
708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de
educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas
puacuteblicas
28
brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das
escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-
brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo
algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os
alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis
aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal
Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado
pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma
diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os
professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente
houve mudanccedila de postura deste professor
ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi
desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que
permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano
destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo
do negro
Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite
aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de
aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se
primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal
conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si
mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros
que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade
profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito
Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro
horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo
jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na
minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em
relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos
filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro
Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da
Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do
29
Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais
cujos artistas eram negros
Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks
primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos
lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um
segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto
dentro do contexto do teatro negro
As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre
em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do
Ensino Meacutedio
Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as
questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo
dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o
trabalho com a linguagem
Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem
teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e
mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar
Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as
manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade
negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que
desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como
elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a
identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar
Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma
como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do
ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a
identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra
21- O contexto local e a influecircncia cultural
30
Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro
como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a
histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo
A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo
divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute
de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km
2 sendo que desses 30 eacute formado por
negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul
A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do
protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as
consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a
predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de
que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute
Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros
que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta
regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga
localiza-se uma reserva indiacutegena
Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da
Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma
identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das
Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as
manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba
municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de
gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e
gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos
jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os
descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais
No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e
sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de
escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes
4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010
acessado em 07 de maio de 2016
31
acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem
vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho
Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga
da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na
semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo
apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica
A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na
Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio
econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada
uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos
alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos
promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca
representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus
Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente
quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando
debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade
religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades
utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de
espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante
para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante
destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e
discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima
No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o
espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e
seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane
Sobral destacando aqui
Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei
fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter
ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser
tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava
muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas
(SOBRAL 2005 p13)
32
No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de
ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola
Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este
quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo
eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura
Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo
destes anos
A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um
grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial
para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral
questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina
Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos
alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos
como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos
professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou
de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano
escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o
referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia
um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro
com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica
Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios
femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se
harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-
brasileira
5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e
Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio
33
As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo
atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a
pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo
personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto
Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda
Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros
Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o
engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro
Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde
Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como
personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto
malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos
averiguar neste trecho
Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de
alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua
famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os
requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o
branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que
geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em
oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo
estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os
sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)
Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro
(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor
Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a
ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma
qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era
difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o
miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo
Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um
trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo
Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e
daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato
34
Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos
livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que
muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial
Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria
de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)
As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam
estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus
Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda
feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo
(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de
aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees
pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a
cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos
de ldquoembraquecimentordquo
Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo
prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente
independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-
brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes
tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro
Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A
valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a
ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade
Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o
desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a
autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola
ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar
inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a
destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas
para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano
[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica
essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a
compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo
que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006
p30)
35
Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento
cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir
a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas
escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903
221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016
No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15
a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois
realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se
cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a
semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta
sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para
as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo
com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de
conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os
encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos
foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar
como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais
As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais
e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de
uma arte afro-brasileira
Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais
que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o
corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo
de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento
crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas
manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras
Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais
produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e
culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees
que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as
quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes
36
Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
37
do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
38
violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
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oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
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violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
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CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
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Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
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papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
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SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio
Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
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ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
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Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
4
Dedico este trabalho aos meus filhos
Apollo Egen Eron Egen Luan Ruiz a
minha irmatilde Dynnaacute Oliveira e ao grupo de
Teatro Peacuterolas da Arte e as deusas que me
mantiveram sobre sua luz
5
AGRADECIMENTOS
Meus agradecimentos ao curso de Licenciatura de Teatro EADUNB professores
tutores e colegas do Polo de Itapetininga especialmente agrave Isolete Rosa agraves secretaacuterias do
Polo de Itapetininga agrave minha orientadora Juacutelia Alves Rodrigues Carvalhal ao tutor Andreacute
Luiz Camargo agrave tutora Clara Lima Alonso ao Luiacutes Paz Delgado e ao grupo de Teatro
Peacuterolas da Arte
6
RESUMO
Este Trabalho de Conclusatildeo de Curso tem como objetivo apresentar a experiecircncia
do projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo que
trabalha a linguagem teatral no contexto escolar na Escola Dr Herculano Pimentel com
alunos do ensino meacutedio em idade entre 15 e 17 anos O projeto procura ressaltar elementos
da linguagem teatral como expressatildeo corporal e sensorial espaccedilo interaccedilatildeo jogos
teatrais criaccedilatildeo de cena e leitura dramaacutetica associando-os agraves produccedilotildees artiacutesticas e
culturais afro-brasileiras Buscou-se no exerciacutecio praacutetico uma mudanccedila paradigmaacutetica
acerca de conceitos como ldquoautoaceitaccedilatildeordquo ldquoembranquecimentordquo e ldquovalorizaccedilatildeo eacutetnicardquo
partindo de discussotildees sobre a relevacircncia do espaccedilo da comunidade escolar como livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo pautando-se no trabalho realizado pelo Teatro
Experimental do Negro e suas contribuiccedilotildees para construccedilatildeo da identidade negra no Brasil
Assim esta pesquisa tem o intuito ainda de refletir sobre o discurso social e poliacutetico do
teatro evidenciando as questotildees raciais
Palavras-Chave Teatro Discurso Poliacutetico Cultura afro-brasileira
7
LISTA
Imagem 1 Aacutervore do Teatro do Oprimido
8
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 09
CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL 12
11 - Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica 14
12- Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro 18
121 ndash O teatro negro breve apontamento 21
CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL
DA CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE 27
21 ndash O contexto local e a histoacuteria cultural 29
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina 32
221 - Oficina teatral no periacuteodo de agosto de 2015 a maio de 2016 35
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 41
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 44
ANEXOS 46
Anexo 1 Dramaturgia Vozes da Liberdade 46
Anexo 2 Exerciacutecios Aplicados 53
Anexo 3 Registros de Imagens das Oficinas 58
Anexo 4 Questionaacuterios 62
9
INTRODUCcedilAtildeO
Esta pesquisa intitulada ldquo O Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo tem como objetivo relatar o trabalho realizado neste projeto que aborda a
linguagem teatral no contexto escolar A partir da anaacutelise das oficinas que integram o
projeto procura-se evidenciar o processo teoacuterico-praacutetico e discutir questotildees em relaccedilatildeo ao
negro e mesticcedilo e suas manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas proporcionando reflexotildees e
accedilotildees que levem ao senso criacutetico agrave inclusatildeo e agrave autoestima Para tanto buscaraacute referecircncias
teoacutericas de Bertold Brecht e Augusto Boal acerca do teatro como discurso poliacutetico social e
refletiraacute sobre esse possiacutevel discurso a partir do trabalho do Teatro Experimental do Negro
que contribuiu para a construccedilatildeo da identidade negra no Brasil Essas consideraccedilotildees visam
a valorizaccedilatildeo da identidade do jovem sobretudo do negro e do mesticcedilo no contexto
escolar
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
iniciou-se em 2015 com a criaccedilatildeo de um grupo de teatro com alunos do Ensino Meacutedio
com idade entre 15 e 17 anos negros mesticcedilos e brancos na Escola Estadual Dr
Herculano Pimentel da cidade de Itarareacute do Estado Satildeo Paulo Por meio de oficinas
praacuteticas de consciecircncia corporal e sensorial de jogos teatrais principalmente os propostos
por Viola Spolin e Augusto Boal de leituras de textos biograacuteficos de personalidades
negras tais como Abdias do Nascimento Joatildeo Cacircndido Carolina Maria de Jesus do
contato com filmagens de peccedilas e de peccedilas teatrais e da criaccedilatildeo de cenas e personagens
realizou-se um processo de experimentaccedilatildeo da linguagem teatral alinhada a discussotildees
temaacuteticas Focou-se no processo teoacuterico-praacutetico nas reflexotildees sobre a importacircncia de um
espaccedilo na comunidade escolar para discutir a autonomia e a livre expressatildeo do negro e do
mesticcedilo Nesta pesquisa realizou-se uma investigaccedilatildeo no periacuteodo de agosto de 2015 a maio
de 2016 analisando trecircs encontros em momentos diferentes cada encontro com duraccedilatildeo de
4 horas
A discriminaccedilatildeo a ideia de ldquoembranquecimentordquo a cultura eurocecircntrica
predominando e dominando apesar dos diversos Movimentos Negros em diversas regiotildees
do Brasil e do mundo ainda eacute evidente mesmo no ambiente escolar Acredita-se no
entanto que a escola tem um papel fundamental para que se consolide um espaccedilo de
combate agrave discriminaccedilatildeo e de discussatildeo sobre a negritude contribuindo para a formaccedilatildeo da
cidadania e sobretudo para a valorizaccedilatildeo da cultura afro-brasileira
10
Professora de matemaacutetica da rede Estadual de Satildeo Paulo haacute 15 anos foi possiacutevel
averiguar trecircs pontos relevantes em algumas unidades de ensino da cidade de Bom Sucesso
de Itarareacute e da cidade Itarareacute Na escola como um todo os eventos e comemoraccedilotildees
promovidos valorizavam resultados que atendem a proposta do evento como a festa junina
e o dia da famiacutelia na escola eventos temaacuteticos e semana cultural em segundo a
predominacircncia das manifestaccedilotildees eurocecircntricas em relaccedilatildeo as demais culturas
evidenciando assim um protagonismo do branco em detrimento do negro E o processo de
experimentaccedilatildeo das linguagens artiacutesticas como danccedila muacutesica e teatro natildeo importava
enquanto processo de aprendizado sem contemplar o desenvolvimento artiacutestico Sendo
assim a criaccedilatildeo do Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo visa inicialmente promover a linguagem teatral na escola de maneira a
valorizar o processo artiacutestico e a partir de uma ampliaccedilatildeo dos temas desenvolvidos
promover a inclusatildeo do negro e mesticcedilo
Esta presente pesquisa tem uma relevacircncia para o teatro pois apresenta a
linguagem considerando suas especificidades associando a uma busca expressiva a partir
do reconhecimento de diferentes protagonistas que carregam histoacuterias diferentes
sobretudo em relaccedilatildeo aos seus ancestrais vindos da Aacutefrica da Europa ou pertencentes a
Ameacuterica Promove assim no contexto escolar um espaccedilo de experimentaccedilatildeo e discussatildeo
das diversidades culturais e eacute com essa base que se formam puacuteblicos apreciadores das
diferentes manifestaccedilotildees teatrais
Atraveacutes desta pesquisa foi possiacutevel discutir accedilotildees voltadas para questatildeo do negro no
contexto escolar na sociedade e no teatro o que nos possibilitou a trazer outras discussotildees
que afetam minorias como discussatildeo de gecircnero a cultura do machismo a liberdade
religiosa aleacutem de questotildees como democracia e liberdade de expressatildeo Assim
fundamentou-se para subsidiar as discussotildees principalmente no diretor ativista Abdias do
Nascimento e na pesquisadora Miriam Garcia Mendes e aleacutem disso buscou-se uma
investigaccedilatildeo participativa em relaccedilatildeo ao objeto de pesquisa com recursos iconograacuteficos
como fotos e filmagens recorrendo tambeacutem a questionaacuterios Dessa forma esse trabalho de
conclusatildeo de curso procura por meio de relato detalhado desse projeto e da anaacutelise das
suas implicaccedilotildees evidenciar o crescimento e a transformaccedilatildeo individual dos integrantes a
partir do conhecimento da linguagem teatral o despertar de uma consciecircncia mais
responsaacutevel em relaccedilatildeo a si mesmo e com o outro aleacutem de uma formaccedilatildeo mais criacutetica em
relaccedilatildeo ao seu proacuteprio cotidiano
11
Seguiu-se a seguinte divisatildeo no primeiro capiacutetulo seraacute apresentado o teatro como
discurso poliacutetico e social com referecircncias e influecircncias da linguagem teatral como
ferramenta poliacutetica Bertold Brecht Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri Abdias do
Nascimento Descrevendo de maneira sucinta o meacutetodo e a visatildeo deste teatro que busca
transformar provocar refletir dar espaccedilo ao protagonismo do teatro negro Uma atenccedilatildeo
mais detalhada para o Teatro Experimental do Negro (TEN) a personagem negra no teatro
Brasileiro as criacuteticas ao estereoacutetipo da personagem negra ao longo da histoacuteria e como o
TEN influenciou para a transformaccedilatildeo e colaborou para o protagonismo do ator diretor
produtor negro e uma breve biografia de Abdias do Nascimento
No segundo capiacutetulo o Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo seraacute descrita a motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo deste projeto as caracteriacutesticas
e influecircncias culturais da regiatildeo em que o projeto aconteceu a experiecircncia do projeto
fazendo uma anaacutelise das observaccedilotildees em relaccedilatildeo aos integrantes do grupo a forma como
foram realizadas as atividades as questotildees raciais levantadas e como o projeto foi recebido
pela escola
Espero que esta pesquisa motive outras pesquisas com temas que visem agrave
valorizaccedilatildeo cultural e o aprendizado da linguagem teatral Acredito que a arte e a educaccedilatildeo
satildeo os meios para atingir tais objetivos dessa maneira enquanto futura arte-educadora
pretendo dar continuidade ao projeto em questatildeo
12
CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL
O teatro eacute tatildeo antigo quanto a proacutepria humanidade desde os povos mais primitivos
com seus rituais oferecidos aos deuses representando ou se transformando nos mais
diferentes arqueacutetipos a evoluccedilatildeo da linguagem teatral acompanhou a evoluccedilatildeo cultural do
homem No decorrer da histoacuteria da humanidade as manifestaccedilotildees religiosas ritos de
fertilidades expressotildees culturais conflitos existecircncias movimentos ativistas encontram no
teatro a expressatildeo primeira de comunicaccedilatildeo e depois como obra social ateacute as reflexotildees
poliacuteticas
Patrice Pavis (2008) segundo Armiliato e Arauacutejo (2011) descreve esta evoluccedilatildeo da
cerimocircnia religiosa com a participaccedilatildeo de todos os envolvidos de um grupo ateacute que se
estabeleccedila a separaccedilatildeo entre atores e espectadores no encontro entre ambos num espaccedilo
preacute-definido Eacute neste encontro de encenaccedilatildeo e pessoas ainda segundo Armiliato e Arauacutejo
(2011) que se oportuniza a reflexatildeo poliacutetica e social de quem faz o teatro e de quem assiste
Na literatura encontramos referecircncias de encenadores e dramaturgos como Erwin
Piscator Bertold Brecht preconizadores do teatro Eacutepico Eugecircnio Barba com seu teatro
antropoloacutegico ldquoteatro como ilha de liberdade e ferramenta de combate a injusticcedilardquo
Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri e Abdias do Nascimento referecircncias no Brasil
com o teatro do oprimido e tantos outros que de uma forma mais direta ou natildeo veem o
teatro como linguagem do discurso poliacutetico e social
Observamos que para alguns estudiosos o teatro enquanto linguagem possui em si
um discurso poliacutetico e social que pode modificar natildeo somente a criaccedilatildeo artiacutestica mas
tambeacutem a sociedade Bertold Brecht (1978) com o Teatro Eacutepico e suas peccedilas didaacuteticas
acreditava que aleacutem do entretenimento o teatro oferecia a possibilidade de aprender
informar discutir e provocar transformaccedilotildees sobretudo nas camadas sociais descontentes
com a situaccedilatildeo em vigor
Jaacute para Augusto Boal (2009) com seu meacutetodo do Teatro do Oprimido as teacutecnicas
aplicadas tecircm como proposta apoio ao teatro agraves lutas dos oprimidos ao mesmo tempo que
propotildeem desenvolver ldquoa capacidade de perceber o mundo atraveacutes de todas as artesrdquo (p 15)
transformando diferentes grupos de oprimidos aleacutem de reconhecer as suas proacuteprias
repressotildees
Essas caracteriacutesticas sociais podem ser vistas tambeacutem em dramaturgias como as
peccedilas de Gianfrancesco Guarnieri sobretudo ldquoEles natildeo usam black tierdquo que aborda a luta
13
das classes sociais greve cenaacuterio de periferia retratando o povo brasileiro no final da
deacutecada de 50 e na sequecircncia a peccedila Gimba com os mesmos elementos de conflitos
urbanos Segundo Naacutedia Cristina Ribeiro (2008) para Guarnieri o teatro eacute um espaccedilo de
criacutetica da realidade e de denuacutencia das arbitrariedades contribuindo para a formaccedilatildeo de uma
sociedade politizada ( p 2)
Este tratamento do teatro como meio de reflexatildeo ocorre com mais veemecircncia a
partir do iniacutecio seacuteculo XX podemos refletir que o contexto social influencia o teatro
modificando natildeo soacute as pessoas mas tambeacutem os temas desenvolvidos nas criaccedilotildees Grandes
eventos histoacutericos foram fundamentais para se repensar o lugar do teatro e o mesmo como
meio de reflexatildeo como as duas Grandes Guerras Mundiais os movimentos do proletariado
contra os patrotildees os movimentos feministas os movimentos dos negros ou seja
movimentos de uma minoria enquanto representatividade de voz ativa nas tomadas de
decisotildees na sociedade em que estatildeo inseridas O Teatro promove o encontro de pessoas
segundo Gueacutenoun
O teatro eacute [] uma atividade intrinsicamente poliacutetica Natildeo em razatildeo do
que aiacute eacute mostrado ou debatido ndash embora tudo esteja ligado ndash mas de
maneira mais originaacuteria antes de qualquer conteuacutedo pelo fato pela
natureza da reuniatildeo que se estabelece (ARMILIATO e ARAUacuteJO apud
GUEacuteNOU 2003 p 15)
Para alcanccedilar e desenvolver este teatro que busca a interaccedilatildeo do seu puacuteblico
mediante a identificaccedilatildeo com aquilo que vecirc Brecht e Boal perceberam uma necessidade de
a arte proporcionar mudanccedila
Destes estudos sobre vaacuterios dramaturgos e encenadores ao longo da histoacuteria nas
disciplinas do Curso de Teatro vemos uma forte influecircncia na forma da compreensatildeo do
teatro como linguagem artiacutestica de discurso social e poliacutetico Associado agraves observaccedilotildees
dentro do contexto escolar que se manteacutem no formato de deacutecadas anteriores heranccedila da
ditadura militar onde a arte ainda eacute soacute entretenimento quando natildeo uma disciplina imposta
e pouca valorizada os trabalhos que propus nas oficinas teatrais sempre tiveram como
temaacuteticas questotildees sociais raciais de gecircnero proporcionando aos atores adolescentes que
se coloquem opinem critiquem este ambiente escolar
Sendo assim entendendo que o ambiente escolar eacute um espaccedilo de discussatildeo sobre o
homem a sua histoacuteria a sua relaccedilatildeo pessoal e interpessoal abordado em diversas
14
disciplinas tais como na histoacuteria filosofia psicologia sociologia e a arte o teatro em
especifico eacute de relevacircncia como linguagem que propicia o crescimento da crianccedila e do
jovem contribuindo juntamente com as demais disciplinas na formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes
do conhecimento por meio da identificaccedilatildeo com sua etnia cultura tradiccedilotildees gerando
novas formas de pensar agir e sentir
Ao identificar a iacutenfima discussatildeo da arte afro-brasileira como discurso social
poliacutetico e inclusivo (pois infelizmente haacute pouca representatividade de afro-brasileiros nas
festividades da escola aleacutem de poucas oportunidades de discutir a condiccedilatildeo do negro em
uma sociedade que de forma velada ou natildeo eacute racista) percebi a necessidade de envolver a
escola em um projeto Projeto este orientado pela linguagem teatral por meio de exerciacutecios
de consciecircncia corporal jogos teatrais leituras viacutedeos relacionando as discussotildees agrave
condiccedilatildeo do negro na sociedade
11 ndash Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica
Dois exemplos da utilizaccedilatildeo do teatro como modelo capaz de provocar mudanccedilas
na sociedade o trabalho de Bertold Brecht que apesar de ter um contexto alematildeo
influenciou o segundo exemplo Augusto Boal dramaturgo brasileiro Seraacute realizada uma
breve anaacutelise dos meacutetodos teatrais destes dramaturgos engajados num teatro como
ferramenta poliacutetica e lutas sociais em eacutepocas distintas
Brecht (1898 - 1956) e Boal (1931-2009) desenvolveram meacutetodos que tecircm em
comum alguns aspectos como a pesquisa a experiecircncia um teatro reflexivo e
transformador da sociedade com sentido poliacutetico e social ambos foram exilados de seus
paiacuteses por questotildees de movimentos poliacuteticos opositores ao capitalismo e aos opressores
Segundo Boal (2009) para Brecht as peccedilas teatrais natildeo podem despertar apenas uma
emoccedilatildeo ignorante alienadora mas uma emoccedilatildeo de aprendizagem cujo objetivo natildeo eacute tatildeo
somente o de interpretar o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo De acordo com Brecht
O que podemos dizer eacute que a oposiccedilatildeo entre aprender e divertir-se natildeo eacute
uma oposiccedilatildeo necessaacuteria por natureza uma oposiccedilatildeo que sempre existiu e
sempre teraacute que existir [] O teatro natildeo deixa de ser teatro mesmo
quando eacute didaacutetico e desde que seja bom teatro diverte (BRECHT 1978
p 49-50)
15
Brecht assim como Boal acreditava em um teatro libertador participativo
democraacutetico mostrando em cenas a luta diaacuteria dos oprimidos em relaccedilatildeo aos seus
opressores que por sua vez os manipulam de diversas formas Poreacutem sem perder a poeacutetica
representando segundo Brecht (1978) a fealdade de forma bela a indignidade de um
objeto indigno de uma forma digna a falta de graccedila de forma graciosa e a fraqueza de
forma vigorosa
As peccedilas de Brecht cumprem um objetivo de provocar seu puacuteblico como Matildee
Coragem e seus filhos Brecht tem uma opiniatildeo criacutetica do teatro apresentado no iniacutecio do
seacuteculo XX um teatro que produz a alienaccedilatildeo onde os conflitos se resolvem de forma
oacutebvia que mostra a realidade sem no entanto carregar a reflexatildeo de transformaccedilatildeo desta
realidade Brecht almeja um teatro em que esteja presente a reflexatildeo do homem em relaccedilatildeo
ao homem e a sociedade que constroacutei confronte suas afliccedilotildees se conheccedila e se reconheccedila
desprendendo-se de suas convicccedilotildees aos quais a sociedade burguesa manipula servindo-se
muitas vezes da ciecircncia
O que poderia ser o progresso de todos torna-se a vantagem de algumas
partes apenas e uma parte crescente da produccedilatildeo eacute votada aacute criaccedilatildeo de
meios destruidores destinados a guerras poderosas a guerra em que as
matildees de todas as naccedilotildees com os filhos apertados contra si esquadrinham
estupefatos o ceacuteu no rastro dos inventos mortiacuteferos da ciecircncia (BRECHT
apud MIRANDA 2005 p 134)
As colocaccedilotildees de Brecht segundo Miranda fazem do teatro umrdquo mecanismordquo em
que o homem se questiona em relaccedilatildeo ao mundo que lhe eacute apresentado em quaisquer
eacutepocas e em relaccedilatildeo a sua proacutepria vida propondo que a histoacuteria da humanidade seja o
material de pesquisa e produccedilatildeo que estaratildeo presentes na dramaturgia e o elemento mais
caracteriacutestico do Teatro Eacutepico eacute o efeito de distanciamento Brecht em seu livro Estudos
Sobre Teatro nos fala em diversos momentos sobre o efeito de distanciamento e o teatro
eacutepico
Tal efeito depende de uma teacutecnica especial pela qual se confere aos
acontecimentos representados (acontecimentos que se desenrolam entre
os homens nas suas relaccedilotildees reciacuteprocas) um cunho de sensacionalismo os
acontecimentos passam exigir uma explicaccedilatildeo deixam de ser evidentes
naturais O objetivo do efeito de distanciamento eacute possibilitar ao
16
espectador uma criacutetica fecunda dentro de uma perspectiva social
(BRECHT 1978 p 74)
O teatro eacutepico um caraacuteter profundamente esteacutetico e dificilmente pode
concebecirc-lo sem artista e sem qualidade esteacutetica sem fantasia humor e
simpatia Este teatro que preconizamos tem simultaneamente de divertir
e ensinar (ibid p 76)
Esta nova teacutecnica segundo Brecht (1978) tem como objetivo conferir ao
espectador uma atitude analiacutetica e criacutetica perante o desenrolar dos acontecimentos
permitindo aos atores se voltarem diretamente para o puacuteblico e jamais metamorfosear-se
integralmente na personagem
O teatro didaacutetico proposto por Brecht (2009) aborda temas da realidade do seu
puacuteblico como inflaccedilatildeo famiacutelia lutas sociais religiatildeo mostrando o mundo como ele eacute de
fato utilizando da teacutecnica do distanciamento com a qual apagam-se toda as ilusotildees e tudo
que se constroem em cena eacute mostrado ao espectador
Esta proposta de Brecht que leva ao puacuteblico a reflexatildeo e a transformaccedilatildeo eacute
importante ateacute os dias de hoje principalmente dentro do ambiente escolar que por si soacute eacute
um espaccedilo de reflexatildeo um espaccedilo poliacutetico um encontro da diversidade de etnias de
culturas de condiccedilotildees soacutecio econocircmicas e diversas estruturas familiares
Augusto Boal (2009) por sua vez alcanccedila a participaccedilatildeo efetiva do seu puacuteblico
com o Teatro Foacuterum e no Teatro do Oprimido Boal desenvolve meacutetodos de pesquisa e
criatividade com teacutecnicas e experimentos que buscam a transformaccedilatildeo seja no contexto
pessoal ou familiar estendendo-se agrave comunidade Ou seja ele transforma o fazer teatral em
uma accedilatildeo poliacutetica e social que tem como puacuteblico-alvo moradores de periferia
camponeses na Siciacutelia sul da Itaacutelia homens que batem em mulheres no Rio de Janeiro
operaacuterios no Chile espectadores oprimidos Ele ao escrever Teatro do Oprimido levanta
questotildees da proacutepria linguagem teatral para que serve a arte as discussotildees que arte traz
como virtude viacutecio justiccedila e conhecimento em um contexto de insatisfaccedilatildeo de
desigualdade repressatildeo problemas presentes na sociedade seja aqui no Brasil ou paiacuteses
por onde esteve sobretudo na eacutepoca do exiacutelio
Tanto Boal quanto Brecht entendem a arte como um meio de propor uma
experiecircncia politizada transformadora da sociedade sem comprometer a esteacutetica e a
poeacutetica nem a diversatildeo repleto de desafios com potencial de discutir questotildees relativas agraves
complexidades do ser humano e sua trajetoacuteria histoacuterica
17
Boal apesar de ser influenciado em alguns aspectos pelas propostas de Brecht
principalmente no que se refere as ideologias de combate a repressatildeo e de um teatro em
que a emoccedilatildeo despertada no puacuteblico deva ser a de ldquorevolta ou transformaccedilatildeordquo apresenta
poreacutem teacutecnicas adaptadas a realidade da ameacuterica latina
Segundo Boal (2009) o teatro eacute necessariamente poliacutetico porque poliacuteticas satildeo as
atividades do homem Sendo uma atividade poliacutetica tem grande embasamento criacutetico e
reflexivo se dada a livre participaccedilatildeo dos espectadores de massa proposta principal de
Boal no Teatro do Oprimido onde o espectador se reconhece principalmente porque em
algumas experiecircncias de Boal o espaccedilo em que acontece a accedilatildeo eacute o espaccedilo do proacuteprio
puacuteblico oportunizando a intervenccedilatildeo do puacuteblico mediante os problemas apresentados em
cena sempre mediada por um ator ao qual ele chama de coringa
O espaccedilo ldquoescolardquo eacute perfeito para encenaccedilotildees do Teatro do Oprimido como
podemos observar a Aacutervore do teatro do Oprimido em suas raiacutezes tronco galhos e folhas
compotildeem-se todas as diretrizes propostas no Curriacuteculo Nacional
FIGURA 1
Boal (2009) atraveacutes de jogos propotildeem agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo do corpo e da mente
alienados agraves tarefas repetitivas do dia a dia especialmente agraves do trabalho e agraves condiccedilotildees
econocircmicas ambientais e sociais de quem os praticardquo (BOAL 2009 p 16) No caso dos
alunos acostumados a sentarem-se em fila dentro de um espaccedilo fechado espaccedilo este que
tambeacutem atende ao desfile de consumos e modismos reforccedilando muitas vezes a ideia de
dominante e dominado deixando de ser um espaccedilo que propotildeem a reflexatildeo que decirc voz as
opressotildees diaacuterias tanto dos seus alunos como dos seus professores
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Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da
sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor
de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo
momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e
Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a
reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade
12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro
Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da
sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como
espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento
Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de
famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos
de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12
anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte
e dramaturgia em especiacutefico
Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e
folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era
uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores
Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas
ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)
Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de
discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a
primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-
se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois
era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do
exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos
poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra
Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral
fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista
19
Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de
Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o
ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro
Brutus Jones Segundo ele
Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em
Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca
vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no
palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud
ALMANA 2009 p 64-65)
Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante
um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar
para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do
exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo
Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu
primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos
Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em
1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo
Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a
conhecida atriz Ruth de Souza
O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico
afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a
formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo
conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos
Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da
realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua
missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN
que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da
cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura
branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da
educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas
frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo
dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio
negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava
inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)
20
Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos
da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira
referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das
mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a
violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores
atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que
influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o
teatro eacutepico
O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes
cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem
surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a
Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas
de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira
O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo
poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo
Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios
pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias
procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio
um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de
portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem
noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com
liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores
vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali
ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que
ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam
aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e
ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)
Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da
linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores
braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas
de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que
o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo
educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando
melhor condiccedilatildeo de vida
21
O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma
a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria
trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso
poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e
divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a
exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo
de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela
sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem
mudanccedilas neste quadro
TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas
ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se
outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e
contra a discriminaccedilatildeo
As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os
dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o
teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para
a muacutesica e a danccedila
121- O Teatro Negro breve apontamento
Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute
formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os
paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam
Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais
mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da
sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de
mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com
uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica
Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os
negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa
22
utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis
estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na
televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o
negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos
ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque
Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute
circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o
feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a
recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo
estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo
praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)
O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este
passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo
(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga
referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e
poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da
dramaturgia o teatro negro
Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como
Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano
Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila
de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata
Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o
Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro
aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo
subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe
uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES
1993 p 29)
Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem
negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem
1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas
atribuiacutedos aos negros
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negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos
mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de
seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das
peccedilas teatrais
Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o
empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o
preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros
No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um
negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem
podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo
(MENDES 1982 p 23-24)
O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no
cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz
Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira
no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute
no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores
negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta
patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro
averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas
dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro
Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem
como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o
branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao
puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que
estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro
Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de
afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que
implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na
eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida
produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar
outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do
negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais
ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada
direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)
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Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem
que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas
pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta
por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de
Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros
reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento
preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar
que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo
selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a
cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os
autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como
personagem
ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo
alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se
os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas
colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute
apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os
atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)
Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo
negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas
assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para
qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda
eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes
Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de
pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave
sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma
personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas
deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator
textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano
No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia
apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute
Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema
25
criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu
depoimento diz
Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os
obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []
cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no
Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o
mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro
(DOUXAMI 2001 p 337)
O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro
natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco
frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes
espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela
expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute
entendermos que soacute existe uma raccedila humana
Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos
Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para
se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis
capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas
(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas
espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de
reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente
(LIMA apud MENDES 2010 p 37)
Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos
um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco
reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior
irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do
negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e
para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico
Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de
Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro
2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX
26
a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do
teatro engajado
Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a
identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees
brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das
oficinas aplicadas
27
CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA
CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande
influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-
brasileiras no ambiente escolar
Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na
Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de
Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo
semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da
Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas
pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas
dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente
Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)
abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar
personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de
Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa
Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas
inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black
power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira
repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado
por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a
expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado
espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda
em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial
sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)
Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute
essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e
3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto
708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de
educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas
puacuteblicas
28
brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das
escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-
brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo
algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os
alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis
aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal
Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado
pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma
diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os
professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente
houve mudanccedila de postura deste professor
ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi
desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que
permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano
destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo
do negro
Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite
aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de
aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se
primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal
conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si
mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros
que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade
profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito
Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro
horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo
jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na
minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em
relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos
filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro
Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da
Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do
29
Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais
cujos artistas eram negros
Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks
primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos
lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um
segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto
dentro do contexto do teatro negro
As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre
em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do
Ensino Meacutedio
Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as
questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo
dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o
trabalho com a linguagem
Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem
teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e
mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar
Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as
manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade
negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que
desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como
elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a
identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar
Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma
como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do
ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a
identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra
21- O contexto local e a influecircncia cultural
30
Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro
como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a
histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo
A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo
divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute
de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km
2 sendo que desses 30 eacute formado por
negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul
A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do
protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as
consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a
predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de
que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute
Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros
que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta
regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga
localiza-se uma reserva indiacutegena
Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da
Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma
identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das
Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as
manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba
municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de
gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e
gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos
jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os
descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais
No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e
sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de
escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes
4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010
acessado em 07 de maio de 2016
31
acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem
vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho
Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga
da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na
semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo
apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica
A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na
Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio
econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada
uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos
alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos
promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca
representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus
Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente
quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando
debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade
religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades
utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de
espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante
para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante
destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e
discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima
No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o
espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e
seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane
Sobral destacando aqui
Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei
fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter
ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser
tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava
muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas
(SOBRAL 2005 p13)
32
No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de
ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola
Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este
quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo
eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura
Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo
destes anos
A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um
grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial
para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral
questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina
Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos
alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos
como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos
professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou
de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano
escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o
referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia
um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro
com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica
Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios
femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se
harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-
brasileira
5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e
Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio
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As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo
atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a
pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo
personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto
Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda
Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros
Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o
engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro
Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde
Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como
personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto
malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos
averiguar neste trecho
Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de
alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua
famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os
requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o
branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que
geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em
oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo
estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os
sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)
Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro
(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor
Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a
ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma
qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era
difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o
miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo
Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um
trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo
Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e
daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato
34
Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos
livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que
muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial
Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria
de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)
As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam
estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus
Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda
feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo
(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de
aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees
pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a
cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos
de ldquoembraquecimentordquo
Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo
prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente
independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-
brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes
tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro
Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A
valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a
ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade
Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o
desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a
autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola
ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar
inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a
destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas
para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano
[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica
essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a
compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo
que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006
p30)
35
Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento
cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir
a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas
escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903
221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016
No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15
a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois
realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se
cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a
semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta
sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para
as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo
com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de
conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os
encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos
foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar
como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais
As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais
e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de
uma arte afro-brasileira
Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais
que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o
corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo
de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento
crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas
manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras
Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais
produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e
culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees
que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as
quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes
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Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
37
do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
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violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
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oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
40
violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
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CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
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Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
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papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
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45
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SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio
Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
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Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
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ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
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Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
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66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
5
AGRADECIMENTOS
Meus agradecimentos ao curso de Licenciatura de Teatro EADUNB professores
tutores e colegas do Polo de Itapetininga especialmente agrave Isolete Rosa agraves secretaacuterias do
Polo de Itapetininga agrave minha orientadora Juacutelia Alves Rodrigues Carvalhal ao tutor Andreacute
Luiz Camargo agrave tutora Clara Lima Alonso ao Luiacutes Paz Delgado e ao grupo de Teatro
Peacuterolas da Arte
6
RESUMO
Este Trabalho de Conclusatildeo de Curso tem como objetivo apresentar a experiecircncia
do projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo que
trabalha a linguagem teatral no contexto escolar na Escola Dr Herculano Pimentel com
alunos do ensino meacutedio em idade entre 15 e 17 anos O projeto procura ressaltar elementos
da linguagem teatral como expressatildeo corporal e sensorial espaccedilo interaccedilatildeo jogos
teatrais criaccedilatildeo de cena e leitura dramaacutetica associando-os agraves produccedilotildees artiacutesticas e
culturais afro-brasileiras Buscou-se no exerciacutecio praacutetico uma mudanccedila paradigmaacutetica
acerca de conceitos como ldquoautoaceitaccedilatildeordquo ldquoembranquecimentordquo e ldquovalorizaccedilatildeo eacutetnicardquo
partindo de discussotildees sobre a relevacircncia do espaccedilo da comunidade escolar como livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo pautando-se no trabalho realizado pelo Teatro
Experimental do Negro e suas contribuiccedilotildees para construccedilatildeo da identidade negra no Brasil
Assim esta pesquisa tem o intuito ainda de refletir sobre o discurso social e poliacutetico do
teatro evidenciando as questotildees raciais
Palavras-Chave Teatro Discurso Poliacutetico Cultura afro-brasileira
7
LISTA
Imagem 1 Aacutervore do Teatro do Oprimido
8
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 09
CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL 12
11 - Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica 14
12- Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro 18
121 ndash O teatro negro breve apontamento 21
CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL
DA CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE 27
21 ndash O contexto local e a histoacuteria cultural 29
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina 32
221 - Oficina teatral no periacuteodo de agosto de 2015 a maio de 2016 35
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 41
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 44
ANEXOS 46
Anexo 1 Dramaturgia Vozes da Liberdade 46
Anexo 2 Exerciacutecios Aplicados 53
Anexo 3 Registros de Imagens das Oficinas 58
Anexo 4 Questionaacuterios 62
9
INTRODUCcedilAtildeO
Esta pesquisa intitulada ldquo O Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo tem como objetivo relatar o trabalho realizado neste projeto que aborda a
linguagem teatral no contexto escolar A partir da anaacutelise das oficinas que integram o
projeto procura-se evidenciar o processo teoacuterico-praacutetico e discutir questotildees em relaccedilatildeo ao
negro e mesticcedilo e suas manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas proporcionando reflexotildees e
accedilotildees que levem ao senso criacutetico agrave inclusatildeo e agrave autoestima Para tanto buscaraacute referecircncias
teoacutericas de Bertold Brecht e Augusto Boal acerca do teatro como discurso poliacutetico social e
refletiraacute sobre esse possiacutevel discurso a partir do trabalho do Teatro Experimental do Negro
que contribuiu para a construccedilatildeo da identidade negra no Brasil Essas consideraccedilotildees visam
a valorizaccedilatildeo da identidade do jovem sobretudo do negro e do mesticcedilo no contexto
escolar
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
iniciou-se em 2015 com a criaccedilatildeo de um grupo de teatro com alunos do Ensino Meacutedio
com idade entre 15 e 17 anos negros mesticcedilos e brancos na Escola Estadual Dr
Herculano Pimentel da cidade de Itarareacute do Estado Satildeo Paulo Por meio de oficinas
praacuteticas de consciecircncia corporal e sensorial de jogos teatrais principalmente os propostos
por Viola Spolin e Augusto Boal de leituras de textos biograacuteficos de personalidades
negras tais como Abdias do Nascimento Joatildeo Cacircndido Carolina Maria de Jesus do
contato com filmagens de peccedilas e de peccedilas teatrais e da criaccedilatildeo de cenas e personagens
realizou-se um processo de experimentaccedilatildeo da linguagem teatral alinhada a discussotildees
temaacuteticas Focou-se no processo teoacuterico-praacutetico nas reflexotildees sobre a importacircncia de um
espaccedilo na comunidade escolar para discutir a autonomia e a livre expressatildeo do negro e do
mesticcedilo Nesta pesquisa realizou-se uma investigaccedilatildeo no periacuteodo de agosto de 2015 a maio
de 2016 analisando trecircs encontros em momentos diferentes cada encontro com duraccedilatildeo de
4 horas
A discriminaccedilatildeo a ideia de ldquoembranquecimentordquo a cultura eurocecircntrica
predominando e dominando apesar dos diversos Movimentos Negros em diversas regiotildees
do Brasil e do mundo ainda eacute evidente mesmo no ambiente escolar Acredita-se no
entanto que a escola tem um papel fundamental para que se consolide um espaccedilo de
combate agrave discriminaccedilatildeo e de discussatildeo sobre a negritude contribuindo para a formaccedilatildeo da
cidadania e sobretudo para a valorizaccedilatildeo da cultura afro-brasileira
10
Professora de matemaacutetica da rede Estadual de Satildeo Paulo haacute 15 anos foi possiacutevel
averiguar trecircs pontos relevantes em algumas unidades de ensino da cidade de Bom Sucesso
de Itarareacute e da cidade Itarareacute Na escola como um todo os eventos e comemoraccedilotildees
promovidos valorizavam resultados que atendem a proposta do evento como a festa junina
e o dia da famiacutelia na escola eventos temaacuteticos e semana cultural em segundo a
predominacircncia das manifestaccedilotildees eurocecircntricas em relaccedilatildeo as demais culturas
evidenciando assim um protagonismo do branco em detrimento do negro E o processo de
experimentaccedilatildeo das linguagens artiacutesticas como danccedila muacutesica e teatro natildeo importava
enquanto processo de aprendizado sem contemplar o desenvolvimento artiacutestico Sendo
assim a criaccedilatildeo do Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo visa inicialmente promover a linguagem teatral na escola de maneira a
valorizar o processo artiacutestico e a partir de uma ampliaccedilatildeo dos temas desenvolvidos
promover a inclusatildeo do negro e mesticcedilo
Esta presente pesquisa tem uma relevacircncia para o teatro pois apresenta a
linguagem considerando suas especificidades associando a uma busca expressiva a partir
do reconhecimento de diferentes protagonistas que carregam histoacuterias diferentes
sobretudo em relaccedilatildeo aos seus ancestrais vindos da Aacutefrica da Europa ou pertencentes a
Ameacuterica Promove assim no contexto escolar um espaccedilo de experimentaccedilatildeo e discussatildeo
das diversidades culturais e eacute com essa base que se formam puacuteblicos apreciadores das
diferentes manifestaccedilotildees teatrais
Atraveacutes desta pesquisa foi possiacutevel discutir accedilotildees voltadas para questatildeo do negro no
contexto escolar na sociedade e no teatro o que nos possibilitou a trazer outras discussotildees
que afetam minorias como discussatildeo de gecircnero a cultura do machismo a liberdade
religiosa aleacutem de questotildees como democracia e liberdade de expressatildeo Assim
fundamentou-se para subsidiar as discussotildees principalmente no diretor ativista Abdias do
Nascimento e na pesquisadora Miriam Garcia Mendes e aleacutem disso buscou-se uma
investigaccedilatildeo participativa em relaccedilatildeo ao objeto de pesquisa com recursos iconograacuteficos
como fotos e filmagens recorrendo tambeacutem a questionaacuterios Dessa forma esse trabalho de
conclusatildeo de curso procura por meio de relato detalhado desse projeto e da anaacutelise das
suas implicaccedilotildees evidenciar o crescimento e a transformaccedilatildeo individual dos integrantes a
partir do conhecimento da linguagem teatral o despertar de uma consciecircncia mais
responsaacutevel em relaccedilatildeo a si mesmo e com o outro aleacutem de uma formaccedilatildeo mais criacutetica em
relaccedilatildeo ao seu proacuteprio cotidiano
11
Seguiu-se a seguinte divisatildeo no primeiro capiacutetulo seraacute apresentado o teatro como
discurso poliacutetico e social com referecircncias e influecircncias da linguagem teatral como
ferramenta poliacutetica Bertold Brecht Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri Abdias do
Nascimento Descrevendo de maneira sucinta o meacutetodo e a visatildeo deste teatro que busca
transformar provocar refletir dar espaccedilo ao protagonismo do teatro negro Uma atenccedilatildeo
mais detalhada para o Teatro Experimental do Negro (TEN) a personagem negra no teatro
Brasileiro as criacuteticas ao estereoacutetipo da personagem negra ao longo da histoacuteria e como o
TEN influenciou para a transformaccedilatildeo e colaborou para o protagonismo do ator diretor
produtor negro e uma breve biografia de Abdias do Nascimento
No segundo capiacutetulo o Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo seraacute descrita a motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo deste projeto as caracteriacutesticas
e influecircncias culturais da regiatildeo em que o projeto aconteceu a experiecircncia do projeto
fazendo uma anaacutelise das observaccedilotildees em relaccedilatildeo aos integrantes do grupo a forma como
foram realizadas as atividades as questotildees raciais levantadas e como o projeto foi recebido
pela escola
Espero que esta pesquisa motive outras pesquisas com temas que visem agrave
valorizaccedilatildeo cultural e o aprendizado da linguagem teatral Acredito que a arte e a educaccedilatildeo
satildeo os meios para atingir tais objetivos dessa maneira enquanto futura arte-educadora
pretendo dar continuidade ao projeto em questatildeo
12
CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL
O teatro eacute tatildeo antigo quanto a proacutepria humanidade desde os povos mais primitivos
com seus rituais oferecidos aos deuses representando ou se transformando nos mais
diferentes arqueacutetipos a evoluccedilatildeo da linguagem teatral acompanhou a evoluccedilatildeo cultural do
homem No decorrer da histoacuteria da humanidade as manifestaccedilotildees religiosas ritos de
fertilidades expressotildees culturais conflitos existecircncias movimentos ativistas encontram no
teatro a expressatildeo primeira de comunicaccedilatildeo e depois como obra social ateacute as reflexotildees
poliacuteticas
Patrice Pavis (2008) segundo Armiliato e Arauacutejo (2011) descreve esta evoluccedilatildeo da
cerimocircnia religiosa com a participaccedilatildeo de todos os envolvidos de um grupo ateacute que se
estabeleccedila a separaccedilatildeo entre atores e espectadores no encontro entre ambos num espaccedilo
preacute-definido Eacute neste encontro de encenaccedilatildeo e pessoas ainda segundo Armiliato e Arauacutejo
(2011) que se oportuniza a reflexatildeo poliacutetica e social de quem faz o teatro e de quem assiste
Na literatura encontramos referecircncias de encenadores e dramaturgos como Erwin
Piscator Bertold Brecht preconizadores do teatro Eacutepico Eugecircnio Barba com seu teatro
antropoloacutegico ldquoteatro como ilha de liberdade e ferramenta de combate a injusticcedilardquo
Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri e Abdias do Nascimento referecircncias no Brasil
com o teatro do oprimido e tantos outros que de uma forma mais direta ou natildeo veem o
teatro como linguagem do discurso poliacutetico e social
Observamos que para alguns estudiosos o teatro enquanto linguagem possui em si
um discurso poliacutetico e social que pode modificar natildeo somente a criaccedilatildeo artiacutestica mas
tambeacutem a sociedade Bertold Brecht (1978) com o Teatro Eacutepico e suas peccedilas didaacuteticas
acreditava que aleacutem do entretenimento o teatro oferecia a possibilidade de aprender
informar discutir e provocar transformaccedilotildees sobretudo nas camadas sociais descontentes
com a situaccedilatildeo em vigor
Jaacute para Augusto Boal (2009) com seu meacutetodo do Teatro do Oprimido as teacutecnicas
aplicadas tecircm como proposta apoio ao teatro agraves lutas dos oprimidos ao mesmo tempo que
propotildeem desenvolver ldquoa capacidade de perceber o mundo atraveacutes de todas as artesrdquo (p 15)
transformando diferentes grupos de oprimidos aleacutem de reconhecer as suas proacuteprias
repressotildees
Essas caracteriacutesticas sociais podem ser vistas tambeacutem em dramaturgias como as
peccedilas de Gianfrancesco Guarnieri sobretudo ldquoEles natildeo usam black tierdquo que aborda a luta
13
das classes sociais greve cenaacuterio de periferia retratando o povo brasileiro no final da
deacutecada de 50 e na sequecircncia a peccedila Gimba com os mesmos elementos de conflitos
urbanos Segundo Naacutedia Cristina Ribeiro (2008) para Guarnieri o teatro eacute um espaccedilo de
criacutetica da realidade e de denuacutencia das arbitrariedades contribuindo para a formaccedilatildeo de uma
sociedade politizada ( p 2)
Este tratamento do teatro como meio de reflexatildeo ocorre com mais veemecircncia a
partir do iniacutecio seacuteculo XX podemos refletir que o contexto social influencia o teatro
modificando natildeo soacute as pessoas mas tambeacutem os temas desenvolvidos nas criaccedilotildees Grandes
eventos histoacutericos foram fundamentais para se repensar o lugar do teatro e o mesmo como
meio de reflexatildeo como as duas Grandes Guerras Mundiais os movimentos do proletariado
contra os patrotildees os movimentos feministas os movimentos dos negros ou seja
movimentos de uma minoria enquanto representatividade de voz ativa nas tomadas de
decisotildees na sociedade em que estatildeo inseridas O Teatro promove o encontro de pessoas
segundo Gueacutenoun
O teatro eacute [] uma atividade intrinsicamente poliacutetica Natildeo em razatildeo do
que aiacute eacute mostrado ou debatido ndash embora tudo esteja ligado ndash mas de
maneira mais originaacuteria antes de qualquer conteuacutedo pelo fato pela
natureza da reuniatildeo que se estabelece (ARMILIATO e ARAUacuteJO apud
GUEacuteNOU 2003 p 15)
Para alcanccedilar e desenvolver este teatro que busca a interaccedilatildeo do seu puacuteblico
mediante a identificaccedilatildeo com aquilo que vecirc Brecht e Boal perceberam uma necessidade de
a arte proporcionar mudanccedila
Destes estudos sobre vaacuterios dramaturgos e encenadores ao longo da histoacuteria nas
disciplinas do Curso de Teatro vemos uma forte influecircncia na forma da compreensatildeo do
teatro como linguagem artiacutestica de discurso social e poliacutetico Associado agraves observaccedilotildees
dentro do contexto escolar que se manteacutem no formato de deacutecadas anteriores heranccedila da
ditadura militar onde a arte ainda eacute soacute entretenimento quando natildeo uma disciplina imposta
e pouca valorizada os trabalhos que propus nas oficinas teatrais sempre tiveram como
temaacuteticas questotildees sociais raciais de gecircnero proporcionando aos atores adolescentes que
se coloquem opinem critiquem este ambiente escolar
Sendo assim entendendo que o ambiente escolar eacute um espaccedilo de discussatildeo sobre o
homem a sua histoacuteria a sua relaccedilatildeo pessoal e interpessoal abordado em diversas
14
disciplinas tais como na histoacuteria filosofia psicologia sociologia e a arte o teatro em
especifico eacute de relevacircncia como linguagem que propicia o crescimento da crianccedila e do
jovem contribuindo juntamente com as demais disciplinas na formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes
do conhecimento por meio da identificaccedilatildeo com sua etnia cultura tradiccedilotildees gerando
novas formas de pensar agir e sentir
Ao identificar a iacutenfima discussatildeo da arte afro-brasileira como discurso social
poliacutetico e inclusivo (pois infelizmente haacute pouca representatividade de afro-brasileiros nas
festividades da escola aleacutem de poucas oportunidades de discutir a condiccedilatildeo do negro em
uma sociedade que de forma velada ou natildeo eacute racista) percebi a necessidade de envolver a
escola em um projeto Projeto este orientado pela linguagem teatral por meio de exerciacutecios
de consciecircncia corporal jogos teatrais leituras viacutedeos relacionando as discussotildees agrave
condiccedilatildeo do negro na sociedade
11 ndash Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica
Dois exemplos da utilizaccedilatildeo do teatro como modelo capaz de provocar mudanccedilas
na sociedade o trabalho de Bertold Brecht que apesar de ter um contexto alematildeo
influenciou o segundo exemplo Augusto Boal dramaturgo brasileiro Seraacute realizada uma
breve anaacutelise dos meacutetodos teatrais destes dramaturgos engajados num teatro como
ferramenta poliacutetica e lutas sociais em eacutepocas distintas
Brecht (1898 - 1956) e Boal (1931-2009) desenvolveram meacutetodos que tecircm em
comum alguns aspectos como a pesquisa a experiecircncia um teatro reflexivo e
transformador da sociedade com sentido poliacutetico e social ambos foram exilados de seus
paiacuteses por questotildees de movimentos poliacuteticos opositores ao capitalismo e aos opressores
Segundo Boal (2009) para Brecht as peccedilas teatrais natildeo podem despertar apenas uma
emoccedilatildeo ignorante alienadora mas uma emoccedilatildeo de aprendizagem cujo objetivo natildeo eacute tatildeo
somente o de interpretar o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo De acordo com Brecht
O que podemos dizer eacute que a oposiccedilatildeo entre aprender e divertir-se natildeo eacute
uma oposiccedilatildeo necessaacuteria por natureza uma oposiccedilatildeo que sempre existiu e
sempre teraacute que existir [] O teatro natildeo deixa de ser teatro mesmo
quando eacute didaacutetico e desde que seja bom teatro diverte (BRECHT 1978
p 49-50)
15
Brecht assim como Boal acreditava em um teatro libertador participativo
democraacutetico mostrando em cenas a luta diaacuteria dos oprimidos em relaccedilatildeo aos seus
opressores que por sua vez os manipulam de diversas formas Poreacutem sem perder a poeacutetica
representando segundo Brecht (1978) a fealdade de forma bela a indignidade de um
objeto indigno de uma forma digna a falta de graccedila de forma graciosa e a fraqueza de
forma vigorosa
As peccedilas de Brecht cumprem um objetivo de provocar seu puacuteblico como Matildee
Coragem e seus filhos Brecht tem uma opiniatildeo criacutetica do teatro apresentado no iniacutecio do
seacuteculo XX um teatro que produz a alienaccedilatildeo onde os conflitos se resolvem de forma
oacutebvia que mostra a realidade sem no entanto carregar a reflexatildeo de transformaccedilatildeo desta
realidade Brecht almeja um teatro em que esteja presente a reflexatildeo do homem em relaccedilatildeo
ao homem e a sociedade que constroacutei confronte suas afliccedilotildees se conheccedila e se reconheccedila
desprendendo-se de suas convicccedilotildees aos quais a sociedade burguesa manipula servindo-se
muitas vezes da ciecircncia
O que poderia ser o progresso de todos torna-se a vantagem de algumas
partes apenas e uma parte crescente da produccedilatildeo eacute votada aacute criaccedilatildeo de
meios destruidores destinados a guerras poderosas a guerra em que as
matildees de todas as naccedilotildees com os filhos apertados contra si esquadrinham
estupefatos o ceacuteu no rastro dos inventos mortiacuteferos da ciecircncia (BRECHT
apud MIRANDA 2005 p 134)
As colocaccedilotildees de Brecht segundo Miranda fazem do teatro umrdquo mecanismordquo em
que o homem se questiona em relaccedilatildeo ao mundo que lhe eacute apresentado em quaisquer
eacutepocas e em relaccedilatildeo a sua proacutepria vida propondo que a histoacuteria da humanidade seja o
material de pesquisa e produccedilatildeo que estaratildeo presentes na dramaturgia e o elemento mais
caracteriacutestico do Teatro Eacutepico eacute o efeito de distanciamento Brecht em seu livro Estudos
Sobre Teatro nos fala em diversos momentos sobre o efeito de distanciamento e o teatro
eacutepico
Tal efeito depende de uma teacutecnica especial pela qual se confere aos
acontecimentos representados (acontecimentos que se desenrolam entre
os homens nas suas relaccedilotildees reciacuteprocas) um cunho de sensacionalismo os
acontecimentos passam exigir uma explicaccedilatildeo deixam de ser evidentes
naturais O objetivo do efeito de distanciamento eacute possibilitar ao
16
espectador uma criacutetica fecunda dentro de uma perspectiva social
(BRECHT 1978 p 74)
O teatro eacutepico um caraacuteter profundamente esteacutetico e dificilmente pode
concebecirc-lo sem artista e sem qualidade esteacutetica sem fantasia humor e
simpatia Este teatro que preconizamos tem simultaneamente de divertir
e ensinar (ibid p 76)
Esta nova teacutecnica segundo Brecht (1978) tem como objetivo conferir ao
espectador uma atitude analiacutetica e criacutetica perante o desenrolar dos acontecimentos
permitindo aos atores se voltarem diretamente para o puacuteblico e jamais metamorfosear-se
integralmente na personagem
O teatro didaacutetico proposto por Brecht (2009) aborda temas da realidade do seu
puacuteblico como inflaccedilatildeo famiacutelia lutas sociais religiatildeo mostrando o mundo como ele eacute de
fato utilizando da teacutecnica do distanciamento com a qual apagam-se toda as ilusotildees e tudo
que se constroem em cena eacute mostrado ao espectador
Esta proposta de Brecht que leva ao puacuteblico a reflexatildeo e a transformaccedilatildeo eacute
importante ateacute os dias de hoje principalmente dentro do ambiente escolar que por si soacute eacute
um espaccedilo de reflexatildeo um espaccedilo poliacutetico um encontro da diversidade de etnias de
culturas de condiccedilotildees soacutecio econocircmicas e diversas estruturas familiares
Augusto Boal (2009) por sua vez alcanccedila a participaccedilatildeo efetiva do seu puacuteblico
com o Teatro Foacuterum e no Teatro do Oprimido Boal desenvolve meacutetodos de pesquisa e
criatividade com teacutecnicas e experimentos que buscam a transformaccedilatildeo seja no contexto
pessoal ou familiar estendendo-se agrave comunidade Ou seja ele transforma o fazer teatral em
uma accedilatildeo poliacutetica e social que tem como puacuteblico-alvo moradores de periferia
camponeses na Siciacutelia sul da Itaacutelia homens que batem em mulheres no Rio de Janeiro
operaacuterios no Chile espectadores oprimidos Ele ao escrever Teatro do Oprimido levanta
questotildees da proacutepria linguagem teatral para que serve a arte as discussotildees que arte traz
como virtude viacutecio justiccedila e conhecimento em um contexto de insatisfaccedilatildeo de
desigualdade repressatildeo problemas presentes na sociedade seja aqui no Brasil ou paiacuteses
por onde esteve sobretudo na eacutepoca do exiacutelio
Tanto Boal quanto Brecht entendem a arte como um meio de propor uma
experiecircncia politizada transformadora da sociedade sem comprometer a esteacutetica e a
poeacutetica nem a diversatildeo repleto de desafios com potencial de discutir questotildees relativas agraves
complexidades do ser humano e sua trajetoacuteria histoacuterica
17
Boal apesar de ser influenciado em alguns aspectos pelas propostas de Brecht
principalmente no que se refere as ideologias de combate a repressatildeo e de um teatro em
que a emoccedilatildeo despertada no puacuteblico deva ser a de ldquorevolta ou transformaccedilatildeordquo apresenta
poreacutem teacutecnicas adaptadas a realidade da ameacuterica latina
Segundo Boal (2009) o teatro eacute necessariamente poliacutetico porque poliacuteticas satildeo as
atividades do homem Sendo uma atividade poliacutetica tem grande embasamento criacutetico e
reflexivo se dada a livre participaccedilatildeo dos espectadores de massa proposta principal de
Boal no Teatro do Oprimido onde o espectador se reconhece principalmente porque em
algumas experiecircncias de Boal o espaccedilo em que acontece a accedilatildeo eacute o espaccedilo do proacuteprio
puacuteblico oportunizando a intervenccedilatildeo do puacuteblico mediante os problemas apresentados em
cena sempre mediada por um ator ao qual ele chama de coringa
O espaccedilo ldquoescolardquo eacute perfeito para encenaccedilotildees do Teatro do Oprimido como
podemos observar a Aacutervore do teatro do Oprimido em suas raiacutezes tronco galhos e folhas
compotildeem-se todas as diretrizes propostas no Curriacuteculo Nacional
FIGURA 1
Boal (2009) atraveacutes de jogos propotildeem agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo do corpo e da mente
alienados agraves tarefas repetitivas do dia a dia especialmente agraves do trabalho e agraves condiccedilotildees
econocircmicas ambientais e sociais de quem os praticardquo (BOAL 2009 p 16) No caso dos
alunos acostumados a sentarem-se em fila dentro de um espaccedilo fechado espaccedilo este que
tambeacutem atende ao desfile de consumos e modismos reforccedilando muitas vezes a ideia de
dominante e dominado deixando de ser um espaccedilo que propotildeem a reflexatildeo que decirc voz as
opressotildees diaacuterias tanto dos seus alunos como dos seus professores
18
Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da
sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor
de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo
momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e
Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a
reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade
12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro
Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da
sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como
espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento
Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de
famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos
de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12
anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte
e dramaturgia em especiacutefico
Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e
folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era
uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores
Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas
ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)
Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de
discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a
primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-
se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois
era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do
exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos
poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra
Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral
fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista
19
Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de
Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o
ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro
Brutus Jones Segundo ele
Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em
Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca
vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no
palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud
ALMANA 2009 p 64-65)
Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante
um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar
para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do
exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo
Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu
primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos
Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em
1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo
Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a
conhecida atriz Ruth de Souza
O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico
afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a
formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo
conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos
Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da
realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua
missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN
que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da
cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura
branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da
educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas
frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo
dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio
negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava
inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)
20
Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos
da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira
referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das
mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a
violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores
atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que
influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o
teatro eacutepico
O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes
cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem
surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a
Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas
de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira
O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo
poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo
Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios
pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias
procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio
um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de
portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem
noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com
liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores
vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali
ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que
ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam
aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e
ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)
Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da
linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores
braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas
de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que
o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo
educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando
melhor condiccedilatildeo de vida
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O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma
a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria
trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso
poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e
divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a
exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo
de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela
sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem
mudanccedilas neste quadro
TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas
ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se
outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e
contra a discriminaccedilatildeo
As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os
dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o
teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para
a muacutesica e a danccedila
121- O Teatro Negro breve apontamento
Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute
formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os
paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam
Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais
mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da
sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de
mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com
uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica
Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os
negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa
22
utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis
estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na
televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o
negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos
ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque
Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute
circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o
feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a
recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo
estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo
praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)
O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este
passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo
(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga
referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e
poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da
dramaturgia o teatro negro
Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como
Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano
Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila
de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata
Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o
Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro
aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo
subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe
uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES
1993 p 29)
Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem
negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem
1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas
atribuiacutedos aos negros
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negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos
mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de
seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das
peccedilas teatrais
Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o
empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o
preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros
No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um
negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem
podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo
(MENDES 1982 p 23-24)
O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no
cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz
Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira
no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute
no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores
negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta
patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro
averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas
dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro
Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem
como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o
branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao
puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que
estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro
Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de
afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que
implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na
eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida
produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar
outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do
negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais
ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada
direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)
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Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem
que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas
pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta
por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de
Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros
reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento
preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar
que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo
selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a
cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os
autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como
personagem
ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo
alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se
os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas
colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute
apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os
atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)
Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo
negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas
assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para
qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda
eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes
Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de
pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave
sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma
personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas
deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator
textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano
No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia
apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute
Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema
25
criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu
depoimento diz
Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os
obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []
cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no
Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o
mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro
(DOUXAMI 2001 p 337)
O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro
natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco
frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes
espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela
expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute
entendermos que soacute existe uma raccedila humana
Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos
Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para
se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis
capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas
(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas
espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de
reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente
(LIMA apud MENDES 2010 p 37)
Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos
um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco
reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior
irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do
negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e
para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico
Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de
Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro
2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX
26
a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do
teatro engajado
Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a
identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees
brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das
oficinas aplicadas
27
CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA
CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande
influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-
brasileiras no ambiente escolar
Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na
Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de
Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo
semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da
Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas
pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas
dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente
Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)
abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar
personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de
Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa
Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas
inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black
power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira
repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado
por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a
expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado
espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda
em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial
sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)
Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute
essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e
3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto
708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de
educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas
puacuteblicas
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brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das
escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-
brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo
algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os
alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis
aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal
Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado
pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma
diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os
professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente
houve mudanccedila de postura deste professor
ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi
desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que
permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano
destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo
do negro
Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite
aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de
aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se
primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal
conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si
mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros
que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade
profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito
Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro
horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo
jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na
minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em
relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos
filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro
Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da
Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do
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Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais
cujos artistas eram negros
Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks
primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos
lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um
segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto
dentro do contexto do teatro negro
As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre
em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do
Ensino Meacutedio
Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as
questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo
dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o
trabalho com a linguagem
Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem
teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e
mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar
Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as
manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade
negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que
desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como
elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a
identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar
Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma
como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do
ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a
identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra
21- O contexto local e a influecircncia cultural
30
Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro
como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a
histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo
A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo
divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute
de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km
2 sendo que desses 30 eacute formado por
negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul
A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do
protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as
consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a
predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de
que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute
Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros
que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta
regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga
localiza-se uma reserva indiacutegena
Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da
Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma
identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das
Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as
manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba
municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de
gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e
gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos
jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os
descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais
No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e
sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de
escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes
4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010
acessado em 07 de maio de 2016
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acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem
vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho
Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga
da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na
semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo
apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica
A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na
Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio
econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada
uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos
alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos
promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca
representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus
Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente
quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando
debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade
religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades
utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de
espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante
para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante
destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e
discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima
No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o
espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e
seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane
Sobral destacando aqui
Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei
fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter
ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser
tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava
muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas
(SOBRAL 2005 p13)
32
No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de
ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola
Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este
quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo
eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura
Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo
destes anos
A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um
grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial
para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral
questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina
Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos
alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos
como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos
professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou
de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano
escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o
referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia
um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro
com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica
Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios
femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se
harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-
brasileira
5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e
Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio
33
As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo
atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a
pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo
personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto
Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda
Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros
Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o
engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro
Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde
Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como
personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto
malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos
averiguar neste trecho
Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de
alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua
famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os
requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o
branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que
geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em
oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo
estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os
sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)
Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro
(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor
Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a
ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma
qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era
difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o
miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo
Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um
trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo
Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e
daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato
34
Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos
livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que
muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial
Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria
de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)
As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam
estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus
Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda
feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo
(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de
aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees
pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a
cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos
de ldquoembraquecimentordquo
Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo
prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente
independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-
brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes
tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro
Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A
valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a
ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade
Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o
desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a
autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola
ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar
inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a
destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas
para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano
[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica
essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a
compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo
que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006
p30)
35
Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento
cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir
a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas
escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903
221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016
No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15
a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois
realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se
cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a
semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta
sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para
as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo
com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de
conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os
encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos
foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar
como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais
As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais
e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de
uma arte afro-brasileira
Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais
que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o
corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo
de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento
crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas
manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras
Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais
produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e
culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees
que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as
quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes
36
Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
37
do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
38
violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
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oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
40
violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
41
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
42
Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
43
papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ALMADA Sandra Abdias do Nascimento ndash Retratos do Brasil Negro Satildeo Paulo -SP
Editora Selo Negro 2009
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45
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httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad
ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006
SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio
Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
6
RESUMO
Este Trabalho de Conclusatildeo de Curso tem como objetivo apresentar a experiecircncia
do projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo que
trabalha a linguagem teatral no contexto escolar na Escola Dr Herculano Pimentel com
alunos do ensino meacutedio em idade entre 15 e 17 anos O projeto procura ressaltar elementos
da linguagem teatral como expressatildeo corporal e sensorial espaccedilo interaccedilatildeo jogos
teatrais criaccedilatildeo de cena e leitura dramaacutetica associando-os agraves produccedilotildees artiacutesticas e
culturais afro-brasileiras Buscou-se no exerciacutecio praacutetico uma mudanccedila paradigmaacutetica
acerca de conceitos como ldquoautoaceitaccedilatildeordquo ldquoembranquecimentordquo e ldquovalorizaccedilatildeo eacutetnicardquo
partindo de discussotildees sobre a relevacircncia do espaccedilo da comunidade escolar como livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo pautando-se no trabalho realizado pelo Teatro
Experimental do Negro e suas contribuiccedilotildees para construccedilatildeo da identidade negra no Brasil
Assim esta pesquisa tem o intuito ainda de refletir sobre o discurso social e poliacutetico do
teatro evidenciando as questotildees raciais
Palavras-Chave Teatro Discurso Poliacutetico Cultura afro-brasileira
7
LISTA
Imagem 1 Aacutervore do Teatro do Oprimido
8
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 09
CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL 12
11 - Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica 14
12- Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro 18
121 ndash O teatro negro breve apontamento 21
CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL
DA CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE 27
21 ndash O contexto local e a histoacuteria cultural 29
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina 32
221 - Oficina teatral no periacuteodo de agosto de 2015 a maio de 2016 35
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 41
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 44
ANEXOS 46
Anexo 1 Dramaturgia Vozes da Liberdade 46
Anexo 2 Exerciacutecios Aplicados 53
Anexo 3 Registros de Imagens das Oficinas 58
Anexo 4 Questionaacuterios 62
9
INTRODUCcedilAtildeO
Esta pesquisa intitulada ldquo O Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo tem como objetivo relatar o trabalho realizado neste projeto que aborda a
linguagem teatral no contexto escolar A partir da anaacutelise das oficinas que integram o
projeto procura-se evidenciar o processo teoacuterico-praacutetico e discutir questotildees em relaccedilatildeo ao
negro e mesticcedilo e suas manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas proporcionando reflexotildees e
accedilotildees que levem ao senso criacutetico agrave inclusatildeo e agrave autoestima Para tanto buscaraacute referecircncias
teoacutericas de Bertold Brecht e Augusto Boal acerca do teatro como discurso poliacutetico social e
refletiraacute sobre esse possiacutevel discurso a partir do trabalho do Teatro Experimental do Negro
que contribuiu para a construccedilatildeo da identidade negra no Brasil Essas consideraccedilotildees visam
a valorizaccedilatildeo da identidade do jovem sobretudo do negro e do mesticcedilo no contexto
escolar
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
iniciou-se em 2015 com a criaccedilatildeo de um grupo de teatro com alunos do Ensino Meacutedio
com idade entre 15 e 17 anos negros mesticcedilos e brancos na Escola Estadual Dr
Herculano Pimentel da cidade de Itarareacute do Estado Satildeo Paulo Por meio de oficinas
praacuteticas de consciecircncia corporal e sensorial de jogos teatrais principalmente os propostos
por Viola Spolin e Augusto Boal de leituras de textos biograacuteficos de personalidades
negras tais como Abdias do Nascimento Joatildeo Cacircndido Carolina Maria de Jesus do
contato com filmagens de peccedilas e de peccedilas teatrais e da criaccedilatildeo de cenas e personagens
realizou-se um processo de experimentaccedilatildeo da linguagem teatral alinhada a discussotildees
temaacuteticas Focou-se no processo teoacuterico-praacutetico nas reflexotildees sobre a importacircncia de um
espaccedilo na comunidade escolar para discutir a autonomia e a livre expressatildeo do negro e do
mesticcedilo Nesta pesquisa realizou-se uma investigaccedilatildeo no periacuteodo de agosto de 2015 a maio
de 2016 analisando trecircs encontros em momentos diferentes cada encontro com duraccedilatildeo de
4 horas
A discriminaccedilatildeo a ideia de ldquoembranquecimentordquo a cultura eurocecircntrica
predominando e dominando apesar dos diversos Movimentos Negros em diversas regiotildees
do Brasil e do mundo ainda eacute evidente mesmo no ambiente escolar Acredita-se no
entanto que a escola tem um papel fundamental para que se consolide um espaccedilo de
combate agrave discriminaccedilatildeo e de discussatildeo sobre a negritude contribuindo para a formaccedilatildeo da
cidadania e sobretudo para a valorizaccedilatildeo da cultura afro-brasileira
10
Professora de matemaacutetica da rede Estadual de Satildeo Paulo haacute 15 anos foi possiacutevel
averiguar trecircs pontos relevantes em algumas unidades de ensino da cidade de Bom Sucesso
de Itarareacute e da cidade Itarareacute Na escola como um todo os eventos e comemoraccedilotildees
promovidos valorizavam resultados que atendem a proposta do evento como a festa junina
e o dia da famiacutelia na escola eventos temaacuteticos e semana cultural em segundo a
predominacircncia das manifestaccedilotildees eurocecircntricas em relaccedilatildeo as demais culturas
evidenciando assim um protagonismo do branco em detrimento do negro E o processo de
experimentaccedilatildeo das linguagens artiacutesticas como danccedila muacutesica e teatro natildeo importava
enquanto processo de aprendizado sem contemplar o desenvolvimento artiacutestico Sendo
assim a criaccedilatildeo do Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo visa inicialmente promover a linguagem teatral na escola de maneira a
valorizar o processo artiacutestico e a partir de uma ampliaccedilatildeo dos temas desenvolvidos
promover a inclusatildeo do negro e mesticcedilo
Esta presente pesquisa tem uma relevacircncia para o teatro pois apresenta a
linguagem considerando suas especificidades associando a uma busca expressiva a partir
do reconhecimento de diferentes protagonistas que carregam histoacuterias diferentes
sobretudo em relaccedilatildeo aos seus ancestrais vindos da Aacutefrica da Europa ou pertencentes a
Ameacuterica Promove assim no contexto escolar um espaccedilo de experimentaccedilatildeo e discussatildeo
das diversidades culturais e eacute com essa base que se formam puacuteblicos apreciadores das
diferentes manifestaccedilotildees teatrais
Atraveacutes desta pesquisa foi possiacutevel discutir accedilotildees voltadas para questatildeo do negro no
contexto escolar na sociedade e no teatro o que nos possibilitou a trazer outras discussotildees
que afetam minorias como discussatildeo de gecircnero a cultura do machismo a liberdade
religiosa aleacutem de questotildees como democracia e liberdade de expressatildeo Assim
fundamentou-se para subsidiar as discussotildees principalmente no diretor ativista Abdias do
Nascimento e na pesquisadora Miriam Garcia Mendes e aleacutem disso buscou-se uma
investigaccedilatildeo participativa em relaccedilatildeo ao objeto de pesquisa com recursos iconograacuteficos
como fotos e filmagens recorrendo tambeacutem a questionaacuterios Dessa forma esse trabalho de
conclusatildeo de curso procura por meio de relato detalhado desse projeto e da anaacutelise das
suas implicaccedilotildees evidenciar o crescimento e a transformaccedilatildeo individual dos integrantes a
partir do conhecimento da linguagem teatral o despertar de uma consciecircncia mais
responsaacutevel em relaccedilatildeo a si mesmo e com o outro aleacutem de uma formaccedilatildeo mais criacutetica em
relaccedilatildeo ao seu proacuteprio cotidiano
11
Seguiu-se a seguinte divisatildeo no primeiro capiacutetulo seraacute apresentado o teatro como
discurso poliacutetico e social com referecircncias e influecircncias da linguagem teatral como
ferramenta poliacutetica Bertold Brecht Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri Abdias do
Nascimento Descrevendo de maneira sucinta o meacutetodo e a visatildeo deste teatro que busca
transformar provocar refletir dar espaccedilo ao protagonismo do teatro negro Uma atenccedilatildeo
mais detalhada para o Teatro Experimental do Negro (TEN) a personagem negra no teatro
Brasileiro as criacuteticas ao estereoacutetipo da personagem negra ao longo da histoacuteria e como o
TEN influenciou para a transformaccedilatildeo e colaborou para o protagonismo do ator diretor
produtor negro e uma breve biografia de Abdias do Nascimento
No segundo capiacutetulo o Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo seraacute descrita a motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo deste projeto as caracteriacutesticas
e influecircncias culturais da regiatildeo em que o projeto aconteceu a experiecircncia do projeto
fazendo uma anaacutelise das observaccedilotildees em relaccedilatildeo aos integrantes do grupo a forma como
foram realizadas as atividades as questotildees raciais levantadas e como o projeto foi recebido
pela escola
Espero que esta pesquisa motive outras pesquisas com temas que visem agrave
valorizaccedilatildeo cultural e o aprendizado da linguagem teatral Acredito que a arte e a educaccedilatildeo
satildeo os meios para atingir tais objetivos dessa maneira enquanto futura arte-educadora
pretendo dar continuidade ao projeto em questatildeo
12
CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL
O teatro eacute tatildeo antigo quanto a proacutepria humanidade desde os povos mais primitivos
com seus rituais oferecidos aos deuses representando ou se transformando nos mais
diferentes arqueacutetipos a evoluccedilatildeo da linguagem teatral acompanhou a evoluccedilatildeo cultural do
homem No decorrer da histoacuteria da humanidade as manifestaccedilotildees religiosas ritos de
fertilidades expressotildees culturais conflitos existecircncias movimentos ativistas encontram no
teatro a expressatildeo primeira de comunicaccedilatildeo e depois como obra social ateacute as reflexotildees
poliacuteticas
Patrice Pavis (2008) segundo Armiliato e Arauacutejo (2011) descreve esta evoluccedilatildeo da
cerimocircnia religiosa com a participaccedilatildeo de todos os envolvidos de um grupo ateacute que se
estabeleccedila a separaccedilatildeo entre atores e espectadores no encontro entre ambos num espaccedilo
preacute-definido Eacute neste encontro de encenaccedilatildeo e pessoas ainda segundo Armiliato e Arauacutejo
(2011) que se oportuniza a reflexatildeo poliacutetica e social de quem faz o teatro e de quem assiste
Na literatura encontramos referecircncias de encenadores e dramaturgos como Erwin
Piscator Bertold Brecht preconizadores do teatro Eacutepico Eugecircnio Barba com seu teatro
antropoloacutegico ldquoteatro como ilha de liberdade e ferramenta de combate a injusticcedilardquo
Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri e Abdias do Nascimento referecircncias no Brasil
com o teatro do oprimido e tantos outros que de uma forma mais direta ou natildeo veem o
teatro como linguagem do discurso poliacutetico e social
Observamos que para alguns estudiosos o teatro enquanto linguagem possui em si
um discurso poliacutetico e social que pode modificar natildeo somente a criaccedilatildeo artiacutestica mas
tambeacutem a sociedade Bertold Brecht (1978) com o Teatro Eacutepico e suas peccedilas didaacuteticas
acreditava que aleacutem do entretenimento o teatro oferecia a possibilidade de aprender
informar discutir e provocar transformaccedilotildees sobretudo nas camadas sociais descontentes
com a situaccedilatildeo em vigor
Jaacute para Augusto Boal (2009) com seu meacutetodo do Teatro do Oprimido as teacutecnicas
aplicadas tecircm como proposta apoio ao teatro agraves lutas dos oprimidos ao mesmo tempo que
propotildeem desenvolver ldquoa capacidade de perceber o mundo atraveacutes de todas as artesrdquo (p 15)
transformando diferentes grupos de oprimidos aleacutem de reconhecer as suas proacuteprias
repressotildees
Essas caracteriacutesticas sociais podem ser vistas tambeacutem em dramaturgias como as
peccedilas de Gianfrancesco Guarnieri sobretudo ldquoEles natildeo usam black tierdquo que aborda a luta
13
das classes sociais greve cenaacuterio de periferia retratando o povo brasileiro no final da
deacutecada de 50 e na sequecircncia a peccedila Gimba com os mesmos elementos de conflitos
urbanos Segundo Naacutedia Cristina Ribeiro (2008) para Guarnieri o teatro eacute um espaccedilo de
criacutetica da realidade e de denuacutencia das arbitrariedades contribuindo para a formaccedilatildeo de uma
sociedade politizada ( p 2)
Este tratamento do teatro como meio de reflexatildeo ocorre com mais veemecircncia a
partir do iniacutecio seacuteculo XX podemos refletir que o contexto social influencia o teatro
modificando natildeo soacute as pessoas mas tambeacutem os temas desenvolvidos nas criaccedilotildees Grandes
eventos histoacutericos foram fundamentais para se repensar o lugar do teatro e o mesmo como
meio de reflexatildeo como as duas Grandes Guerras Mundiais os movimentos do proletariado
contra os patrotildees os movimentos feministas os movimentos dos negros ou seja
movimentos de uma minoria enquanto representatividade de voz ativa nas tomadas de
decisotildees na sociedade em que estatildeo inseridas O Teatro promove o encontro de pessoas
segundo Gueacutenoun
O teatro eacute [] uma atividade intrinsicamente poliacutetica Natildeo em razatildeo do
que aiacute eacute mostrado ou debatido ndash embora tudo esteja ligado ndash mas de
maneira mais originaacuteria antes de qualquer conteuacutedo pelo fato pela
natureza da reuniatildeo que se estabelece (ARMILIATO e ARAUacuteJO apud
GUEacuteNOU 2003 p 15)
Para alcanccedilar e desenvolver este teatro que busca a interaccedilatildeo do seu puacuteblico
mediante a identificaccedilatildeo com aquilo que vecirc Brecht e Boal perceberam uma necessidade de
a arte proporcionar mudanccedila
Destes estudos sobre vaacuterios dramaturgos e encenadores ao longo da histoacuteria nas
disciplinas do Curso de Teatro vemos uma forte influecircncia na forma da compreensatildeo do
teatro como linguagem artiacutestica de discurso social e poliacutetico Associado agraves observaccedilotildees
dentro do contexto escolar que se manteacutem no formato de deacutecadas anteriores heranccedila da
ditadura militar onde a arte ainda eacute soacute entretenimento quando natildeo uma disciplina imposta
e pouca valorizada os trabalhos que propus nas oficinas teatrais sempre tiveram como
temaacuteticas questotildees sociais raciais de gecircnero proporcionando aos atores adolescentes que
se coloquem opinem critiquem este ambiente escolar
Sendo assim entendendo que o ambiente escolar eacute um espaccedilo de discussatildeo sobre o
homem a sua histoacuteria a sua relaccedilatildeo pessoal e interpessoal abordado em diversas
14
disciplinas tais como na histoacuteria filosofia psicologia sociologia e a arte o teatro em
especifico eacute de relevacircncia como linguagem que propicia o crescimento da crianccedila e do
jovem contribuindo juntamente com as demais disciplinas na formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes
do conhecimento por meio da identificaccedilatildeo com sua etnia cultura tradiccedilotildees gerando
novas formas de pensar agir e sentir
Ao identificar a iacutenfima discussatildeo da arte afro-brasileira como discurso social
poliacutetico e inclusivo (pois infelizmente haacute pouca representatividade de afro-brasileiros nas
festividades da escola aleacutem de poucas oportunidades de discutir a condiccedilatildeo do negro em
uma sociedade que de forma velada ou natildeo eacute racista) percebi a necessidade de envolver a
escola em um projeto Projeto este orientado pela linguagem teatral por meio de exerciacutecios
de consciecircncia corporal jogos teatrais leituras viacutedeos relacionando as discussotildees agrave
condiccedilatildeo do negro na sociedade
11 ndash Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica
Dois exemplos da utilizaccedilatildeo do teatro como modelo capaz de provocar mudanccedilas
na sociedade o trabalho de Bertold Brecht que apesar de ter um contexto alematildeo
influenciou o segundo exemplo Augusto Boal dramaturgo brasileiro Seraacute realizada uma
breve anaacutelise dos meacutetodos teatrais destes dramaturgos engajados num teatro como
ferramenta poliacutetica e lutas sociais em eacutepocas distintas
Brecht (1898 - 1956) e Boal (1931-2009) desenvolveram meacutetodos que tecircm em
comum alguns aspectos como a pesquisa a experiecircncia um teatro reflexivo e
transformador da sociedade com sentido poliacutetico e social ambos foram exilados de seus
paiacuteses por questotildees de movimentos poliacuteticos opositores ao capitalismo e aos opressores
Segundo Boal (2009) para Brecht as peccedilas teatrais natildeo podem despertar apenas uma
emoccedilatildeo ignorante alienadora mas uma emoccedilatildeo de aprendizagem cujo objetivo natildeo eacute tatildeo
somente o de interpretar o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo De acordo com Brecht
O que podemos dizer eacute que a oposiccedilatildeo entre aprender e divertir-se natildeo eacute
uma oposiccedilatildeo necessaacuteria por natureza uma oposiccedilatildeo que sempre existiu e
sempre teraacute que existir [] O teatro natildeo deixa de ser teatro mesmo
quando eacute didaacutetico e desde que seja bom teatro diverte (BRECHT 1978
p 49-50)
15
Brecht assim como Boal acreditava em um teatro libertador participativo
democraacutetico mostrando em cenas a luta diaacuteria dos oprimidos em relaccedilatildeo aos seus
opressores que por sua vez os manipulam de diversas formas Poreacutem sem perder a poeacutetica
representando segundo Brecht (1978) a fealdade de forma bela a indignidade de um
objeto indigno de uma forma digna a falta de graccedila de forma graciosa e a fraqueza de
forma vigorosa
As peccedilas de Brecht cumprem um objetivo de provocar seu puacuteblico como Matildee
Coragem e seus filhos Brecht tem uma opiniatildeo criacutetica do teatro apresentado no iniacutecio do
seacuteculo XX um teatro que produz a alienaccedilatildeo onde os conflitos se resolvem de forma
oacutebvia que mostra a realidade sem no entanto carregar a reflexatildeo de transformaccedilatildeo desta
realidade Brecht almeja um teatro em que esteja presente a reflexatildeo do homem em relaccedilatildeo
ao homem e a sociedade que constroacutei confronte suas afliccedilotildees se conheccedila e se reconheccedila
desprendendo-se de suas convicccedilotildees aos quais a sociedade burguesa manipula servindo-se
muitas vezes da ciecircncia
O que poderia ser o progresso de todos torna-se a vantagem de algumas
partes apenas e uma parte crescente da produccedilatildeo eacute votada aacute criaccedilatildeo de
meios destruidores destinados a guerras poderosas a guerra em que as
matildees de todas as naccedilotildees com os filhos apertados contra si esquadrinham
estupefatos o ceacuteu no rastro dos inventos mortiacuteferos da ciecircncia (BRECHT
apud MIRANDA 2005 p 134)
As colocaccedilotildees de Brecht segundo Miranda fazem do teatro umrdquo mecanismordquo em
que o homem se questiona em relaccedilatildeo ao mundo que lhe eacute apresentado em quaisquer
eacutepocas e em relaccedilatildeo a sua proacutepria vida propondo que a histoacuteria da humanidade seja o
material de pesquisa e produccedilatildeo que estaratildeo presentes na dramaturgia e o elemento mais
caracteriacutestico do Teatro Eacutepico eacute o efeito de distanciamento Brecht em seu livro Estudos
Sobre Teatro nos fala em diversos momentos sobre o efeito de distanciamento e o teatro
eacutepico
Tal efeito depende de uma teacutecnica especial pela qual se confere aos
acontecimentos representados (acontecimentos que se desenrolam entre
os homens nas suas relaccedilotildees reciacuteprocas) um cunho de sensacionalismo os
acontecimentos passam exigir uma explicaccedilatildeo deixam de ser evidentes
naturais O objetivo do efeito de distanciamento eacute possibilitar ao
16
espectador uma criacutetica fecunda dentro de uma perspectiva social
(BRECHT 1978 p 74)
O teatro eacutepico um caraacuteter profundamente esteacutetico e dificilmente pode
concebecirc-lo sem artista e sem qualidade esteacutetica sem fantasia humor e
simpatia Este teatro que preconizamos tem simultaneamente de divertir
e ensinar (ibid p 76)
Esta nova teacutecnica segundo Brecht (1978) tem como objetivo conferir ao
espectador uma atitude analiacutetica e criacutetica perante o desenrolar dos acontecimentos
permitindo aos atores se voltarem diretamente para o puacuteblico e jamais metamorfosear-se
integralmente na personagem
O teatro didaacutetico proposto por Brecht (2009) aborda temas da realidade do seu
puacuteblico como inflaccedilatildeo famiacutelia lutas sociais religiatildeo mostrando o mundo como ele eacute de
fato utilizando da teacutecnica do distanciamento com a qual apagam-se toda as ilusotildees e tudo
que se constroem em cena eacute mostrado ao espectador
Esta proposta de Brecht que leva ao puacuteblico a reflexatildeo e a transformaccedilatildeo eacute
importante ateacute os dias de hoje principalmente dentro do ambiente escolar que por si soacute eacute
um espaccedilo de reflexatildeo um espaccedilo poliacutetico um encontro da diversidade de etnias de
culturas de condiccedilotildees soacutecio econocircmicas e diversas estruturas familiares
Augusto Boal (2009) por sua vez alcanccedila a participaccedilatildeo efetiva do seu puacuteblico
com o Teatro Foacuterum e no Teatro do Oprimido Boal desenvolve meacutetodos de pesquisa e
criatividade com teacutecnicas e experimentos que buscam a transformaccedilatildeo seja no contexto
pessoal ou familiar estendendo-se agrave comunidade Ou seja ele transforma o fazer teatral em
uma accedilatildeo poliacutetica e social que tem como puacuteblico-alvo moradores de periferia
camponeses na Siciacutelia sul da Itaacutelia homens que batem em mulheres no Rio de Janeiro
operaacuterios no Chile espectadores oprimidos Ele ao escrever Teatro do Oprimido levanta
questotildees da proacutepria linguagem teatral para que serve a arte as discussotildees que arte traz
como virtude viacutecio justiccedila e conhecimento em um contexto de insatisfaccedilatildeo de
desigualdade repressatildeo problemas presentes na sociedade seja aqui no Brasil ou paiacuteses
por onde esteve sobretudo na eacutepoca do exiacutelio
Tanto Boal quanto Brecht entendem a arte como um meio de propor uma
experiecircncia politizada transformadora da sociedade sem comprometer a esteacutetica e a
poeacutetica nem a diversatildeo repleto de desafios com potencial de discutir questotildees relativas agraves
complexidades do ser humano e sua trajetoacuteria histoacuterica
17
Boal apesar de ser influenciado em alguns aspectos pelas propostas de Brecht
principalmente no que se refere as ideologias de combate a repressatildeo e de um teatro em
que a emoccedilatildeo despertada no puacuteblico deva ser a de ldquorevolta ou transformaccedilatildeordquo apresenta
poreacutem teacutecnicas adaptadas a realidade da ameacuterica latina
Segundo Boal (2009) o teatro eacute necessariamente poliacutetico porque poliacuteticas satildeo as
atividades do homem Sendo uma atividade poliacutetica tem grande embasamento criacutetico e
reflexivo se dada a livre participaccedilatildeo dos espectadores de massa proposta principal de
Boal no Teatro do Oprimido onde o espectador se reconhece principalmente porque em
algumas experiecircncias de Boal o espaccedilo em que acontece a accedilatildeo eacute o espaccedilo do proacuteprio
puacuteblico oportunizando a intervenccedilatildeo do puacuteblico mediante os problemas apresentados em
cena sempre mediada por um ator ao qual ele chama de coringa
O espaccedilo ldquoescolardquo eacute perfeito para encenaccedilotildees do Teatro do Oprimido como
podemos observar a Aacutervore do teatro do Oprimido em suas raiacutezes tronco galhos e folhas
compotildeem-se todas as diretrizes propostas no Curriacuteculo Nacional
FIGURA 1
Boal (2009) atraveacutes de jogos propotildeem agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo do corpo e da mente
alienados agraves tarefas repetitivas do dia a dia especialmente agraves do trabalho e agraves condiccedilotildees
econocircmicas ambientais e sociais de quem os praticardquo (BOAL 2009 p 16) No caso dos
alunos acostumados a sentarem-se em fila dentro de um espaccedilo fechado espaccedilo este que
tambeacutem atende ao desfile de consumos e modismos reforccedilando muitas vezes a ideia de
dominante e dominado deixando de ser um espaccedilo que propotildeem a reflexatildeo que decirc voz as
opressotildees diaacuterias tanto dos seus alunos como dos seus professores
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Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da
sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor
de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo
momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e
Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a
reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade
12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro
Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da
sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como
espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento
Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de
famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos
de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12
anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte
e dramaturgia em especiacutefico
Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e
folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era
uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores
Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas
ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)
Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de
discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a
primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-
se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois
era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do
exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos
poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra
Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral
fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista
19
Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de
Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o
ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro
Brutus Jones Segundo ele
Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em
Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca
vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no
palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud
ALMANA 2009 p 64-65)
Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante
um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar
para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do
exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo
Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu
primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos
Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em
1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo
Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a
conhecida atriz Ruth de Souza
O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico
afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a
formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo
conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos
Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da
realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua
missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN
que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da
cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura
branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da
educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas
frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo
dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio
negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava
inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)
20
Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos
da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira
referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das
mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a
violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores
atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que
influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o
teatro eacutepico
O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes
cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem
surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a
Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas
de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira
O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo
poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo
Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios
pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias
procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio
um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de
portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem
noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com
liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores
vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali
ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que
ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam
aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e
ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)
Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da
linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores
braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas
de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que
o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo
educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando
melhor condiccedilatildeo de vida
21
O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma
a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria
trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso
poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e
divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a
exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo
de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela
sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem
mudanccedilas neste quadro
TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas
ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se
outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e
contra a discriminaccedilatildeo
As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os
dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o
teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para
a muacutesica e a danccedila
121- O Teatro Negro breve apontamento
Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute
formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os
paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam
Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais
mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da
sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de
mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com
uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica
Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os
negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa
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utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis
estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na
televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o
negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos
ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque
Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute
circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o
feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a
recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo
estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo
praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)
O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este
passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo
(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga
referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e
poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da
dramaturgia o teatro negro
Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como
Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano
Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila
de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata
Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o
Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro
aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo
subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe
uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES
1993 p 29)
Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem
negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem
1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas
atribuiacutedos aos negros
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negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos
mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de
seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das
peccedilas teatrais
Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o
empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o
preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros
No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um
negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem
podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo
(MENDES 1982 p 23-24)
O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no
cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz
Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira
no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute
no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores
negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta
patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro
averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas
dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro
Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem
como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o
branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao
puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que
estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro
Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de
afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que
implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na
eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida
produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar
outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do
negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais
ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada
direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)
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Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem
que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas
pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta
por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de
Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros
reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento
preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar
que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo
selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a
cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os
autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como
personagem
ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo
alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se
os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas
colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute
apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os
atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)
Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo
negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas
assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para
qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda
eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes
Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de
pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave
sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma
personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas
deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator
textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano
No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia
apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute
Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema
25
criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu
depoimento diz
Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os
obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []
cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no
Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o
mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro
(DOUXAMI 2001 p 337)
O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro
natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco
frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes
espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela
expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute
entendermos que soacute existe uma raccedila humana
Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos
Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para
se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis
capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas
(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas
espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de
reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente
(LIMA apud MENDES 2010 p 37)
Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos
um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco
reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior
irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do
negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e
para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico
Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de
Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro
2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX
26
a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do
teatro engajado
Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a
identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees
brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das
oficinas aplicadas
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CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA
CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande
influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-
brasileiras no ambiente escolar
Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na
Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de
Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo
semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da
Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas
pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas
dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente
Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)
abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar
personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de
Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa
Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas
inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black
power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira
repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado
por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a
expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado
espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda
em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial
sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)
Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute
essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e
3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto
708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de
educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas
puacuteblicas
28
brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das
escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-
brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo
algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os
alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis
aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal
Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado
pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma
diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os
professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente
houve mudanccedila de postura deste professor
ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi
desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que
permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano
destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo
do negro
Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite
aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de
aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se
primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal
conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si
mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros
que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade
profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito
Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro
horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo
jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na
minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em
relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos
filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro
Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da
Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do
29
Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais
cujos artistas eram negros
Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks
primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos
lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um
segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto
dentro do contexto do teatro negro
As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre
em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do
Ensino Meacutedio
Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as
questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo
dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o
trabalho com a linguagem
Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem
teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e
mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar
Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as
manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade
negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que
desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como
elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a
identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar
Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma
como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do
ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a
identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra
21- O contexto local e a influecircncia cultural
30
Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro
como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a
histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo
A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo
divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute
de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km
2 sendo que desses 30 eacute formado por
negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul
A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do
protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as
consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a
predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de
que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute
Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros
que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta
regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga
localiza-se uma reserva indiacutegena
Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da
Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma
identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das
Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as
manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba
municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de
gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e
gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos
jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os
descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais
No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e
sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de
escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes
4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010
acessado em 07 de maio de 2016
31
acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem
vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho
Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga
da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na
semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo
apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica
A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na
Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio
econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada
uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos
alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos
promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca
representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus
Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente
quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando
debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade
religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades
utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de
espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante
para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante
destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e
discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima
No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o
espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e
seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane
Sobral destacando aqui
Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei
fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter
ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser
tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava
muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas
(SOBRAL 2005 p13)
32
No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de
ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola
Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este
quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo
eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura
Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo
destes anos
A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um
grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial
para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral
questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina
Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos
alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos
como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos
professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou
de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano
escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o
referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia
um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro
com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica
Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios
femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se
harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-
brasileira
5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e
Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio
33
As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo
atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a
pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo
personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto
Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda
Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros
Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o
engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro
Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde
Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como
personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto
malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos
averiguar neste trecho
Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de
alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua
famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os
requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o
branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que
geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em
oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo
estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os
sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)
Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro
(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor
Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a
ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma
qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era
difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o
miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo
Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um
trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo
Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e
daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato
34
Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos
livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que
muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial
Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria
de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)
As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam
estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus
Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda
feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo
(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de
aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees
pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a
cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos
de ldquoembraquecimentordquo
Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo
prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente
independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-
brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes
tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro
Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A
valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a
ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade
Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o
desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a
autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola
ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar
inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a
destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas
para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano
[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica
essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a
compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo
que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006
p30)
35
Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento
cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir
a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas
escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903
221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016
No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15
a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois
realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se
cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a
semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta
sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para
as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo
com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de
conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os
encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos
foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar
como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais
As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais
e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de
uma arte afro-brasileira
Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais
que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o
corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo
de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento
crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas
manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras
Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais
produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e
culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees
que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as
quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes
36
Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
37
do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
38
violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
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oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
40
violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
41
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
42
Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
43
papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
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46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
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66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
7
LISTA
Imagem 1 Aacutervore do Teatro do Oprimido
8
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 09
CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL 12
11 - Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica 14
12- Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro 18
121 ndash O teatro negro breve apontamento 21
CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL
DA CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE 27
21 ndash O contexto local e a histoacuteria cultural 29
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina 32
221 - Oficina teatral no periacuteodo de agosto de 2015 a maio de 2016 35
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 41
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 44
ANEXOS 46
Anexo 1 Dramaturgia Vozes da Liberdade 46
Anexo 2 Exerciacutecios Aplicados 53
Anexo 3 Registros de Imagens das Oficinas 58
Anexo 4 Questionaacuterios 62
9
INTRODUCcedilAtildeO
Esta pesquisa intitulada ldquo O Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo tem como objetivo relatar o trabalho realizado neste projeto que aborda a
linguagem teatral no contexto escolar A partir da anaacutelise das oficinas que integram o
projeto procura-se evidenciar o processo teoacuterico-praacutetico e discutir questotildees em relaccedilatildeo ao
negro e mesticcedilo e suas manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas proporcionando reflexotildees e
accedilotildees que levem ao senso criacutetico agrave inclusatildeo e agrave autoestima Para tanto buscaraacute referecircncias
teoacutericas de Bertold Brecht e Augusto Boal acerca do teatro como discurso poliacutetico social e
refletiraacute sobre esse possiacutevel discurso a partir do trabalho do Teatro Experimental do Negro
que contribuiu para a construccedilatildeo da identidade negra no Brasil Essas consideraccedilotildees visam
a valorizaccedilatildeo da identidade do jovem sobretudo do negro e do mesticcedilo no contexto
escolar
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
iniciou-se em 2015 com a criaccedilatildeo de um grupo de teatro com alunos do Ensino Meacutedio
com idade entre 15 e 17 anos negros mesticcedilos e brancos na Escola Estadual Dr
Herculano Pimentel da cidade de Itarareacute do Estado Satildeo Paulo Por meio de oficinas
praacuteticas de consciecircncia corporal e sensorial de jogos teatrais principalmente os propostos
por Viola Spolin e Augusto Boal de leituras de textos biograacuteficos de personalidades
negras tais como Abdias do Nascimento Joatildeo Cacircndido Carolina Maria de Jesus do
contato com filmagens de peccedilas e de peccedilas teatrais e da criaccedilatildeo de cenas e personagens
realizou-se um processo de experimentaccedilatildeo da linguagem teatral alinhada a discussotildees
temaacuteticas Focou-se no processo teoacuterico-praacutetico nas reflexotildees sobre a importacircncia de um
espaccedilo na comunidade escolar para discutir a autonomia e a livre expressatildeo do negro e do
mesticcedilo Nesta pesquisa realizou-se uma investigaccedilatildeo no periacuteodo de agosto de 2015 a maio
de 2016 analisando trecircs encontros em momentos diferentes cada encontro com duraccedilatildeo de
4 horas
A discriminaccedilatildeo a ideia de ldquoembranquecimentordquo a cultura eurocecircntrica
predominando e dominando apesar dos diversos Movimentos Negros em diversas regiotildees
do Brasil e do mundo ainda eacute evidente mesmo no ambiente escolar Acredita-se no
entanto que a escola tem um papel fundamental para que se consolide um espaccedilo de
combate agrave discriminaccedilatildeo e de discussatildeo sobre a negritude contribuindo para a formaccedilatildeo da
cidadania e sobretudo para a valorizaccedilatildeo da cultura afro-brasileira
10
Professora de matemaacutetica da rede Estadual de Satildeo Paulo haacute 15 anos foi possiacutevel
averiguar trecircs pontos relevantes em algumas unidades de ensino da cidade de Bom Sucesso
de Itarareacute e da cidade Itarareacute Na escola como um todo os eventos e comemoraccedilotildees
promovidos valorizavam resultados que atendem a proposta do evento como a festa junina
e o dia da famiacutelia na escola eventos temaacuteticos e semana cultural em segundo a
predominacircncia das manifestaccedilotildees eurocecircntricas em relaccedilatildeo as demais culturas
evidenciando assim um protagonismo do branco em detrimento do negro E o processo de
experimentaccedilatildeo das linguagens artiacutesticas como danccedila muacutesica e teatro natildeo importava
enquanto processo de aprendizado sem contemplar o desenvolvimento artiacutestico Sendo
assim a criaccedilatildeo do Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo visa inicialmente promover a linguagem teatral na escola de maneira a
valorizar o processo artiacutestico e a partir de uma ampliaccedilatildeo dos temas desenvolvidos
promover a inclusatildeo do negro e mesticcedilo
Esta presente pesquisa tem uma relevacircncia para o teatro pois apresenta a
linguagem considerando suas especificidades associando a uma busca expressiva a partir
do reconhecimento de diferentes protagonistas que carregam histoacuterias diferentes
sobretudo em relaccedilatildeo aos seus ancestrais vindos da Aacutefrica da Europa ou pertencentes a
Ameacuterica Promove assim no contexto escolar um espaccedilo de experimentaccedilatildeo e discussatildeo
das diversidades culturais e eacute com essa base que se formam puacuteblicos apreciadores das
diferentes manifestaccedilotildees teatrais
Atraveacutes desta pesquisa foi possiacutevel discutir accedilotildees voltadas para questatildeo do negro no
contexto escolar na sociedade e no teatro o que nos possibilitou a trazer outras discussotildees
que afetam minorias como discussatildeo de gecircnero a cultura do machismo a liberdade
religiosa aleacutem de questotildees como democracia e liberdade de expressatildeo Assim
fundamentou-se para subsidiar as discussotildees principalmente no diretor ativista Abdias do
Nascimento e na pesquisadora Miriam Garcia Mendes e aleacutem disso buscou-se uma
investigaccedilatildeo participativa em relaccedilatildeo ao objeto de pesquisa com recursos iconograacuteficos
como fotos e filmagens recorrendo tambeacutem a questionaacuterios Dessa forma esse trabalho de
conclusatildeo de curso procura por meio de relato detalhado desse projeto e da anaacutelise das
suas implicaccedilotildees evidenciar o crescimento e a transformaccedilatildeo individual dos integrantes a
partir do conhecimento da linguagem teatral o despertar de uma consciecircncia mais
responsaacutevel em relaccedilatildeo a si mesmo e com o outro aleacutem de uma formaccedilatildeo mais criacutetica em
relaccedilatildeo ao seu proacuteprio cotidiano
11
Seguiu-se a seguinte divisatildeo no primeiro capiacutetulo seraacute apresentado o teatro como
discurso poliacutetico e social com referecircncias e influecircncias da linguagem teatral como
ferramenta poliacutetica Bertold Brecht Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri Abdias do
Nascimento Descrevendo de maneira sucinta o meacutetodo e a visatildeo deste teatro que busca
transformar provocar refletir dar espaccedilo ao protagonismo do teatro negro Uma atenccedilatildeo
mais detalhada para o Teatro Experimental do Negro (TEN) a personagem negra no teatro
Brasileiro as criacuteticas ao estereoacutetipo da personagem negra ao longo da histoacuteria e como o
TEN influenciou para a transformaccedilatildeo e colaborou para o protagonismo do ator diretor
produtor negro e uma breve biografia de Abdias do Nascimento
No segundo capiacutetulo o Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo seraacute descrita a motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo deste projeto as caracteriacutesticas
e influecircncias culturais da regiatildeo em que o projeto aconteceu a experiecircncia do projeto
fazendo uma anaacutelise das observaccedilotildees em relaccedilatildeo aos integrantes do grupo a forma como
foram realizadas as atividades as questotildees raciais levantadas e como o projeto foi recebido
pela escola
Espero que esta pesquisa motive outras pesquisas com temas que visem agrave
valorizaccedilatildeo cultural e o aprendizado da linguagem teatral Acredito que a arte e a educaccedilatildeo
satildeo os meios para atingir tais objetivos dessa maneira enquanto futura arte-educadora
pretendo dar continuidade ao projeto em questatildeo
12
CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL
O teatro eacute tatildeo antigo quanto a proacutepria humanidade desde os povos mais primitivos
com seus rituais oferecidos aos deuses representando ou se transformando nos mais
diferentes arqueacutetipos a evoluccedilatildeo da linguagem teatral acompanhou a evoluccedilatildeo cultural do
homem No decorrer da histoacuteria da humanidade as manifestaccedilotildees religiosas ritos de
fertilidades expressotildees culturais conflitos existecircncias movimentos ativistas encontram no
teatro a expressatildeo primeira de comunicaccedilatildeo e depois como obra social ateacute as reflexotildees
poliacuteticas
Patrice Pavis (2008) segundo Armiliato e Arauacutejo (2011) descreve esta evoluccedilatildeo da
cerimocircnia religiosa com a participaccedilatildeo de todos os envolvidos de um grupo ateacute que se
estabeleccedila a separaccedilatildeo entre atores e espectadores no encontro entre ambos num espaccedilo
preacute-definido Eacute neste encontro de encenaccedilatildeo e pessoas ainda segundo Armiliato e Arauacutejo
(2011) que se oportuniza a reflexatildeo poliacutetica e social de quem faz o teatro e de quem assiste
Na literatura encontramos referecircncias de encenadores e dramaturgos como Erwin
Piscator Bertold Brecht preconizadores do teatro Eacutepico Eugecircnio Barba com seu teatro
antropoloacutegico ldquoteatro como ilha de liberdade e ferramenta de combate a injusticcedilardquo
Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri e Abdias do Nascimento referecircncias no Brasil
com o teatro do oprimido e tantos outros que de uma forma mais direta ou natildeo veem o
teatro como linguagem do discurso poliacutetico e social
Observamos que para alguns estudiosos o teatro enquanto linguagem possui em si
um discurso poliacutetico e social que pode modificar natildeo somente a criaccedilatildeo artiacutestica mas
tambeacutem a sociedade Bertold Brecht (1978) com o Teatro Eacutepico e suas peccedilas didaacuteticas
acreditava que aleacutem do entretenimento o teatro oferecia a possibilidade de aprender
informar discutir e provocar transformaccedilotildees sobretudo nas camadas sociais descontentes
com a situaccedilatildeo em vigor
Jaacute para Augusto Boal (2009) com seu meacutetodo do Teatro do Oprimido as teacutecnicas
aplicadas tecircm como proposta apoio ao teatro agraves lutas dos oprimidos ao mesmo tempo que
propotildeem desenvolver ldquoa capacidade de perceber o mundo atraveacutes de todas as artesrdquo (p 15)
transformando diferentes grupos de oprimidos aleacutem de reconhecer as suas proacuteprias
repressotildees
Essas caracteriacutesticas sociais podem ser vistas tambeacutem em dramaturgias como as
peccedilas de Gianfrancesco Guarnieri sobretudo ldquoEles natildeo usam black tierdquo que aborda a luta
13
das classes sociais greve cenaacuterio de periferia retratando o povo brasileiro no final da
deacutecada de 50 e na sequecircncia a peccedila Gimba com os mesmos elementos de conflitos
urbanos Segundo Naacutedia Cristina Ribeiro (2008) para Guarnieri o teatro eacute um espaccedilo de
criacutetica da realidade e de denuacutencia das arbitrariedades contribuindo para a formaccedilatildeo de uma
sociedade politizada ( p 2)
Este tratamento do teatro como meio de reflexatildeo ocorre com mais veemecircncia a
partir do iniacutecio seacuteculo XX podemos refletir que o contexto social influencia o teatro
modificando natildeo soacute as pessoas mas tambeacutem os temas desenvolvidos nas criaccedilotildees Grandes
eventos histoacutericos foram fundamentais para se repensar o lugar do teatro e o mesmo como
meio de reflexatildeo como as duas Grandes Guerras Mundiais os movimentos do proletariado
contra os patrotildees os movimentos feministas os movimentos dos negros ou seja
movimentos de uma minoria enquanto representatividade de voz ativa nas tomadas de
decisotildees na sociedade em que estatildeo inseridas O Teatro promove o encontro de pessoas
segundo Gueacutenoun
O teatro eacute [] uma atividade intrinsicamente poliacutetica Natildeo em razatildeo do
que aiacute eacute mostrado ou debatido ndash embora tudo esteja ligado ndash mas de
maneira mais originaacuteria antes de qualquer conteuacutedo pelo fato pela
natureza da reuniatildeo que se estabelece (ARMILIATO e ARAUacuteJO apud
GUEacuteNOU 2003 p 15)
Para alcanccedilar e desenvolver este teatro que busca a interaccedilatildeo do seu puacuteblico
mediante a identificaccedilatildeo com aquilo que vecirc Brecht e Boal perceberam uma necessidade de
a arte proporcionar mudanccedila
Destes estudos sobre vaacuterios dramaturgos e encenadores ao longo da histoacuteria nas
disciplinas do Curso de Teatro vemos uma forte influecircncia na forma da compreensatildeo do
teatro como linguagem artiacutestica de discurso social e poliacutetico Associado agraves observaccedilotildees
dentro do contexto escolar que se manteacutem no formato de deacutecadas anteriores heranccedila da
ditadura militar onde a arte ainda eacute soacute entretenimento quando natildeo uma disciplina imposta
e pouca valorizada os trabalhos que propus nas oficinas teatrais sempre tiveram como
temaacuteticas questotildees sociais raciais de gecircnero proporcionando aos atores adolescentes que
se coloquem opinem critiquem este ambiente escolar
Sendo assim entendendo que o ambiente escolar eacute um espaccedilo de discussatildeo sobre o
homem a sua histoacuteria a sua relaccedilatildeo pessoal e interpessoal abordado em diversas
14
disciplinas tais como na histoacuteria filosofia psicologia sociologia e a arte o teatro em
especifico eacute de relevacircncia como linguagem que propicia o crescimento da crianccedila e do
jovem contribuindo juntamente com as demais disciplinas na formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes
do conhecimento por meio da identificaccedilatildeo com sua etnia cultura tradiccedilotildees gerando
novas formas de pensar agir e sentir
Ao identificar a iacutenfima discussatildeo da arte afro-brasileira como discurso social
poliacutetico e inclusivo (pois infelizmente haacute pouca representatividade de afro-brasileiros nas
festividades da escola aleacutem de poucas oportunidades de discutir a condiccedilatildeo do negro em
uma sociedade que de forma velada ou natildeo eacute racista) percebi a necessidade de envolver a
escola em um projeto Projeto este orientado pela linguagem teatral por meio de exerciacutecios
de consciecircncia corporal jogos teatrais leituras viacutedeos relacionando as discussotildees agrave
condiccedilatildeo do negro na sociedade
11 ndash Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica
Dois exemplos da utilizaccedilatildeo do teatro como modelo capaz de provocar mudanccedilas
na sociedade o trabalho de Bertold Brecht que apesar de ter um contexto alematildeo
influenciou o segundo exemplo Augusto Boal dramaturgo brasileiro Seraacute realizada uma
breve anaacutelise dos meacutetodos teatrais destes dramaturgos engajados num teatro como
ferramenta poliacutetica e lutas sociais em eacutepocas distintas
Brecht (1898 - 1956) e Boal (1931-2009) desenvolveram meacutetodos que tecircm em
comum alguns aspectos como a pesquisa a experiecircncia um teatro reflexivo e
transformador da sociedade com sentido poliacutetico e social ambos foram exilados de seus
paiacuteses por questotildees de movimentos poliacuteticos opositores ao capitalismo e aos opressores
Segundo Boal (2009) para Brecht as peccedilas teatrais natildeo podem despertar apenas uma
emoccedilatildeo ignorante alienadora mas uma emoccedilatildeo de aprendizagem cujo objetivo natildeo eacute tatildeo
somente o de interpretar o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo De acordo com Brecht
O que podemos dizer eacute que a oposiccedilatildeo entre aprender e divertir-se natildeo eacute
uma oposiccedilatildeo necessaacuteria por natureza uma oposiccedilatildeo que sempre existiu e
sempre teraacute que existir [] O teatro natildeo deixa de ser teatro mesmo
quando eacute didaacutetico e desde que seja bom teatro diverte (BRECHT 1978
p 49-50)
15
Brecht assim como Boal acreditava em um teatro libertador participativo
democraacutetico mostrando em cenas a luta diaacuteria dos oprimidos em relaccedilatildeo aos seus
opressores que por sua vez os manipulam de diversas formas Poreacutem sem perder a poeacutetica
representando segundo Brecht (1978) a fealdade de forma bela a indignidade de um
objeto indigno de uma forma digna a falta de graccedila de forma graciosa e a fraqueza de
forma vigorosa
As peccedilas de Brecht cumprem um objetivo de provocar seu puacuteblico como Matildee
Coragem e seus filhos Brecht tem uma opiniatildeo criacutetica do teatro apresentado no iniacutecio do
seacuteculo XX um teatro que produz a alienaccedilatildeo onde os conflitos se resolvem de forma
oacutebvia que mostra a realidade sem no entanto carregar a reflexatildeo de transformaccedilatildeo desta
realidade Brecht almeja um teatro em que esteja presente a reflexatildeo do homem em relaccedilatildeo
ao homem e a sociedade que constroacutei confronte suas afliccedilotildees se conheccedila e se reconheccedila
desprendendo-se de suas convicccedilotildees aos quais a sociedade burguesa manipula servindo-se
muitas vezes da ciecircncia
O que poderia ser o progresso de todos torna-se a vantagem de algumas
partes apenas e uma parte crescente da produccedilatildeo eacute votada aacute criaccedilatildeo de
meios destruidores destinados a guerras poderosas a guerra em que as
matildees de todas as naccedilotildees com os filhos apertados contra si esquadrinham
estupefatos o ceacuteu no rastro dos inventos mortiacuteferos da ciecircncia (BRECHT
apud MIRANDA 2005 p 134)
As colocaccedilotildees de Brecht segundo Miranda fazem do teatro umrdquo mecanismordquo em
que o homem se questiona em relaccedilatildeo ao mundo que lhe eacute apresentado em quaisquer
eacutepocas e em relaccedilatildeo a sua proacutepria vida propondo que a histoacuteria da humanidade seja o
material de pesquisa e produccedilatildeo que estaratildeo presentes na dramaturgia e o elemento mais
caracteriacutestico do Teatro Eacutepico eacute o efeito de distanciamento Brecht em seu livro Estudos
Sobre Teatro nos fala em diversos momentos sobre o efeito de distanciamento e o teatro
eacutepico
Tal efeito depende de uma teacutecnica especial pela qual se confere aos
acontecimentos representados (acontecimentos que se desenrolam entre
os homens nas suas relaccedilotildees reciacuteprocas) um cunho de sensacionalismo os
acontecimentos passam exigir uma explicaccedilatildeo deixam de ser evidentes
naturais O objetivo do efeito de distanciamento eacute possibilitar ao
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espectador uma criacutetica fecunda dentro de uma perspectiva social
(BRECHT 1978 p 74)
O teatro eacutepico um caraacuteter profundamente esteacutetico e dificilmente pode
concebecirc-lo sem artista e sem qualidade esteacutetica sem fantasia humor e
simpatia Este teatro que preconizamos tem simultaneamente de divertir
e ensinar (ibid p 76)
Esta nova teacutecnica segundo Brecht (1978) tem como objetivo conferir ao
espectador uma atitude analiacutetica e criacutetica perante o desenrolar dos acontecimentos
permitindo aos atores se voltarem diretamente para o puacuteblico e jamais metamorfosear-se
integralmente na personagem
O teatro didaacutetico proposto por Brecht (2009) aborda temas da realidade do seu
puacuteblico como inflaccedilatildeo famiacutelia lutas sociais religiatildeo mostrando o mundo como ele eacute de
fato utilizando da teacutecnica do distanciamento com a qual apagam-se toda as ilusotildees e tudo
que se constroem em cena eacute mostrado ao espectador
Esta proposta de Brecht que leva ao puacuteblico a reflexatildeo e a transformaccedilatildeo eacute
importante ateacute os dias de hoje principalmente dentro do ambiente escolar que por si soacute eacute
um espaccedilo de reflexatildeo um espaccedilo poliacutetico um encontro da diversidade de etnias de
culturas de condiccedilotildees soacutecio econocircmicas e diversas estruturas familiares
Augusto Boal (2009) por sua vez alcanccedila a participaccedilatildeo efetiva do seu puacuteblico
com o Teatro Foacuterum e no Teatro do Oprimido Boal desenvolve meacutetodos de pesquisa e
criatividade com teacutecnicas e experimentos que buscam a transformaccedilatildeo seja no contexto
pessoal ou familiar estendendo-se agrave comunidade Ou seja ele transforma o fazer teatral em
uma accedilatildeo poliacutetica e social que tem como puacuteblico-alvo moradores de periferia
camponeses na Siciacutelia sul da Itaacutelia homens que batem em mulheres no Rio de Janeiro
operaacuterios no Chile espectadores oprimidos Ele ao escrever Teatro do Oprimido levanta
questotildees da proacutepria linguagem teatral para que serve a arte as discussotildees que arte traz
como virtude viacutecio justiccedila e conhecimento em um contexto de insatisfaccedilatildeo de
desigualdade repressatildeo problemas presentes na sociedade seja aqui no Brasil ou paiacuteses
por onde esteve sobretudo na eacutepoca do exiacutelio
Tanto Boal quanto Brecht entendem a arte como um meio de propor uma
experiecircncia politizada transformadora da sociedade sem comprometer a esteacutetica e a
poeacutetica nem a diversatildeo repleto de desafios com potencial de discutir questotildees relativas agraves
complexidades do ser humano e sua trajetoacuteria histoacuterica
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Boal apesar de ser influenciado em alguns aspectos pelas propostas de Brecht
principalmente no que se refere as ideologias de combate a repressatildeo e de um teatro em
que a emoccedilatildeo despertada no puacuteblico deva ser a de ldquorevolta ou transformaccedilatildeordquo apresenta
poreacutem teacutecnicas adaptadas a realidade da ameacuterica latina
Segundo Boal (2009) o teatro eacute necessariamente poliacutetico porque poliacuteticas satildeo as
atividades do homem Sendo uma atividade poliacutetica tem grande embasamento criacutetico e
reflexivo se dada a livre participaccedilatildeo dos espectadores de massa proposta principal de
Boal no Teatro do Oprimido onde o espectador se reconhece principalmente porque em
algumas experiecircncias de Boal o espaccedilo em que acontece a accedilatildeo eacute o espaccedilo do proacuteprio
puacuteblico oportunizando a intervenccedilatildeo do puacuteblico mediante os problemas apresentados em
cena sempre mediada por um ator ao qual ele chama de coringa
O espaccedilo ldquoescolardquo eacute perfeito para encenaccedilotildees do Teatro do Oprimido como
podemos observar a Aacutervore do teatro do Oprimido em suas raiacutezes tronco galhos e folhas
compotildeem-se todas as diretrizes propostas no Curriacuteculo Nacional
FIGURA 1
Boal (2009) atraveacutes de jogos propotildeem agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo do corpo e da mente
alienados agraves tarefas repetitivas do dia a dia especialmente agraves do trabalho e agraves condiccedilotildees
econocircmicas ambientais e sociais de quem os praticardquo (BOAL 2009 p 16) No caso dos
alunos acostumados a sentarem-se em fila dentro de um espaccedilo fechado espaccedilo este que
tambeacutem atende ao desfile de consumos e modismos reforccedilando muitas vezes a ideia de
dominante e dominado deixando de ser um espaccedilo que propotildeem a reflexatildeo que decirc voz as
opressotildees diaacuterias tanto dos seus alunos como dos seus professores
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Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da
sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor
de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo
momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e
Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a
reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade
12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro
Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da
sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como
espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento
Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de
famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos
de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12
anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte
e dramaturgia em especiacutefico
Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e
folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era
uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores
Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas
ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)
Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de
discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a
primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-
se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois
era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do
exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos
poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra
Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral
fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista
19
Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de
Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o
ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro
Brutus Jones Segundo ele
Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em
Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca
vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no
palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud
ALMANA 2009 p 64-65)
Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante
um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar
para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do
exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo
Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu
primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos
Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em
1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo
Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a
conhecida atriz Ruth de Souza
O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico
afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a
formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo
conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos
Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da
realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua
missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN
que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da
cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura
branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da
educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas
frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo
dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio
negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava
inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)
20
Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos
da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira
referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das
mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a
violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores
atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que
influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o
teatro eacutepico
O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes
cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem
surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a
Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas
de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira
O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo
poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo
Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios
pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias
procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio
um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de
portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem
noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com
liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores
vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali
ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que
ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam
aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e
ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)
Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da
linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores
braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas
de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que
o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo
educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando
melhor condiccedilatildeo de vida
21
O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma
a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria
trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso
poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e
divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a
exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo
de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela
sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem
mudanccedilas neste quadro
TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas
ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se
outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e
contra a discriminaccedilatildeo
As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os
dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o
teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para
a muacutesica e a danccedila
121- O Teatro Negro breve apontamento
Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute
formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os
paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam
Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais
mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da
sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de
mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com
uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica
Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os
negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa
22
utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis
estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na
televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o
negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos
ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque
Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute
circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o
feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a
recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo
estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo
praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)
O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este
passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo
(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga
referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e
poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da
dramaturgia o teatro negro
Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como
Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano
Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila
de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata
Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o
Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro
aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo
subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe
uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES
1993 p 29)
Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem
negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem
1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas
atribuiacutedos aos negros
23
negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos
mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de
seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das
peccedilas teatrais
Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o
empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o
preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros
No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um
negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem
podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo
(MENDES 1982 p 23-24)
O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no
cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz
Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira
no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute
no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores
negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta
patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro
averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas
dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro
Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem
como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o
branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao
puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que
estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro
Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de
afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que
implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na
eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida
produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar
outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do
negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais
ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada
direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)
24
Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem
que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas
pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta
por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de
Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros
reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento
preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar
que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo
selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a
cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os
autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como
personagem
ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo
alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se
os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas
colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute
apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os
atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)
Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo
negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas
assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para
qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda
eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes
Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de
pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave
sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma
personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas
deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator
textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano
No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia
apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute
Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema
25
criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu
depoimento diz
Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os
obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []
cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no
Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o
mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro
(DOUXAMI 2001 p 337)
O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro
natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco
frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes
espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela
expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute
entendermos que soacute existe uma raccedila humana
Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos
Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para
se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis
capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas
(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas
espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de
reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente
(LIMA apud MENDES 2010 p 37)
Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos
um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco
reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior
irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do
negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e
para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico
Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de
Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro
2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX
26
a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do
teatro engajado
Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a
identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees
brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das
oficinas aplicadas
27
CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA
CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande
influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-
brasileiras no ambiente escolar
Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na
Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de
Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo
semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da
Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas
pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas
dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente
Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)
abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar
personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de
Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa
Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas
inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black
power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira
repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado
por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a
expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado
espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda
em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial
sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)
Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute
essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e
3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto
708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de
educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas
puacuteblicas
28
brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das
escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-
brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo
algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os
alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis
aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal
Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado
pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma
diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os
professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente
houve mudanccedila de postura deste professor
ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi
desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que
permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano
destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo
do negro
Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite
aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de
aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se
primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal
conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si
mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros
que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade
profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito
Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro
horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo
jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na
minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em
relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos
filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro
Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da
Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do
29
Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais
cujos artistas eram negros
Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks
primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos
lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um
segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto
dentro do contexto do teatro negro
As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre
em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do
Ensino Meacutedio
Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as
questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo
dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o
trabalho com a linguagem
Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem
teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e
mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar
Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as
manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade
negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que
desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como
elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a
identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar
Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma
como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do
ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a
identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra
21- O contexto local e a influecircncia cultural
30
Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro
como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a
histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo
A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo
divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute
de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km
2 sendo que desses 30 eacute formado por
negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul
A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do
protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as
consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a
predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de
que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute
Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros
que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta
regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga
localiza-se uma reserva indiacutegena
Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da
Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma
identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das
Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as
manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba
municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de
gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e
gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos
jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os
descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais
No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e
sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de
escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes
4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010
acessado em 07 de maio de 2016
31
acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem
vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho
Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga
da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na
semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo
apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica
A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na
Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio
econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada
uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos
alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos
promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca
representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus
Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente
quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando
debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade
religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades
utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de
espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante
para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante
destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e
discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima
No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o
espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e
seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane
Sobral destacando aqui
Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei
fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter
ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser
tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava
muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas
(SOBRAL 2005 p13)
32
No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de
ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola
Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este
quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo
eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura
Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo
destes anos
A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um
grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial
para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral
questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina
Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos
alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos
como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos
professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou
de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano
escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o
referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia
um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro
com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica
Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios
femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se
harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-
brasileira
5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e
Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio
33
As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo
atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a
pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo
personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto
Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda
Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros
Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o
engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro
Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde
Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como
personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto
malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos
averiguar neste trecho
Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de
alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua
famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os
requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o
branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que
geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em
oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo
estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os
sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)
Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro
(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor
Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a
ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma
qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era
difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o
miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo
Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um
trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo
Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e
daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato
34
Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos
livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que
muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial
Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria
de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)
As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam
estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus
Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda
feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo
(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de
aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees
pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a
cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos
de ldquoembraquecimentordquo
Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo
prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente
independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-
brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes
tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro
Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A
valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a
ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade
Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o
desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a
autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola
ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar
inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a
destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas
para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano
[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica
essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a
compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo
que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006
p30)
35
Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento
cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir
a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas
escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903
221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016
No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15
a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois
realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se
cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a
semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta
sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para
as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo
com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de
conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os
encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos
foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar
como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais
As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais
e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de
uma arte afro-brasileira
Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais
que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o
corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo
de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento
crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas
manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras
Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais
produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e
culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees
que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as
quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes
36
Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
37
do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
38
violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
39
oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
40
violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
41
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
42
Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
43
papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
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SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio
Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
8
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 09
CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL 12
11 - Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica 14
12- Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro 18
121 ndash O teatro negro breve apontamento 21
CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL
DA CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE 27
21 ndash O contexto local e a histoacuteria cultural 29
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina 32
221 - Oficina teatral no periacuteodo de agosto de 2015 a maio de 2016 35
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 41
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 44
ANEXOS 46
Anexo 1 Dramaturgia Vozes da Liberdade 46
Anexo 2 Exerciacutecios Aplicados 53
Anexo 3 Registros de Imagens das Oficinas 58
Anexo 4 Questionaacuterios 62
9
INTRODUCcedilAtildeO
Esta pesquisa intitulada ldquo O Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo tem como objetivo relatar o trabalho realizado neste projeto que aborda a
linguagem teatral no contexto escolar A partir da anaacutelise das oficinas que integram o
projeto procura-se evidenciar o processo teoacuterico-praacutetico e discutir questotildees em relaccedilatildeo ao
negro e mesticcedilo e suas manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas proporcionando reflexotildees e
accedilotildees que levem ao senso criacutetico agrave inclusatildeo e agrave autoestima Para tanto buscaraacute referecircncias
teoacutericas de Bertold Brecht e Augusto Boal acerca do teatro como discurso poliacutetico social e
refletiraacute sobre esse possiacutevel discurso a partir do trabalho do Teatro Experimental do Negro
que contribuiu para a construccedilatildeo da identidade negra no Brasil Essas consideraccedilotildees visam
a valorizaccedilatildeo da identidade do jovem sobretudo do negro e do mesticcedilo no contexto
escolar
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
iniciou-se em 2015 com a criaccedilatildeo de um grupo de teatro com alunos do Ensino Meacutedio
com idade entre 15 e 17 anos negros mesticcedilos e brancos na Escola Estadual Dr
Herculano Pimentel da cidade de Itarareacute do Estado Satildeo Paulo Por meio de oficinas
praacuteticas de consciecircncia corporal e sensorial de jogos teatrais principalmente os propostos
por Viola Spolin e Augusto Boal de leituras de textos biograacuteficos de personalidades
negras tais como Abdias do Nascimento Joatildeo Cacircndido Carolina Maria de Jesus do
contato com filmagens de peccedilas e de peccedilas teatrais e da criaccedilatildeo de cenas e personagens
realizou-se um processo de experimentaccedilatildeo da linguagem teatral alinhada a discussotildees
temaacuteticas Focou-se no processo teoacuterico-praacutetico nas reflexotildees sobre a importacircncia de um
espaccedilo na comunidade escolar para discutir a autonomia e a livre expressatildeo do negro e do
mesticcedilo Nesta pesquisa realizou-se uma investigaccedilatildeo no periacuteodo de agosto de 2015 a maio
de 2016 analisando trecircs encontros em momentos diferentes cada encontro com duraccedilatildeo de
4 horas
A discriminaccedilatildeo a ideia de ldquoembranquecimentordquo a cultura eurocecircntrica
predominando e dominando apesar dos diversos Movimentos Negros em diversas regiotildees
do Brasil e do mundo ainda eacute evidente mesmo no ambiente escolar Acredita-se no
entanto que a escola tem um papel fundamental para que se consolide um espaccedilo de
combate agrave discriminaccedilatildeo e de discussatildeo sobre a negritude contribuindo para a formaccedilatildeo da
cidadania e sobretudo para a valorizaccedilatildeo da cultura afro-brasileira
10
Professora de matemaacutetica da rede Estadual de Satildeo Paulo haacute 15 anos foi possiacutevel
averiguar trecircs pontos relevantes em algumas unidades de ensino da cidade de Bom Sucesso
de Itarareacute e da cidade Itarareacute Na escola como um todo os eventos e comemoraccedilotildees
promovidos valorizavam resultados que atendem a proposta do evento como a festa junina
e o dia da famiacutelia na escola eventos temaacuteticos e semana cultural em segundo a
predominacircncia das manifestaccedilotildees eurocecircntricas em relaccedilatildeo as demais culturas
evidenciando assim um protagonismo do branco em detrimento do negro E o processo de
experimentaccedilatildeo das linguagens artiacutesticas como danccedila muacutesica e teatro natildeo importava
enquanto processo de aprendizado sem contemplar o desenvolvimento artiacutestico Sendo
assim a criaccedilatildeo do Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo visa inicialmente promover a linguagem teatral na escola de maneira a
valorizar o processo artiacutestico e a partir de uma ampliaccedilatildeo dos temas desenvolvidos
promover a inclusatildeo do negro e mesticcedilo
Esta presente pesquisa tem uma relevacircncia para o teatro pois apresenta a
linguagem considerando suas especificidades associando a uma busca expressiva a partir
do reconhecimento de diferentes protagonistas que carregam histoacuterias diferentes
sobretudo em relaccedilatildeo aos seus ancestrais vindos da Aacutefrica da Europa ou pertencentes a
Ameacuterica Promove assim no contexto escolar um espaccedilo de experimentaccedilatildeo e discussatildeo
das diversidades culturais e eacute com essa base que se formam puacuteblicos apreciadores das
diferentes manifestaccedilotildees teatrais
Atraveacutes desta pesquisa foi possiacutevel discutir accedilotildees voltadas para questatildeo do negro no
contexto escolar na sociedade e no teatro o que nos possibilitou a trazer outras discussotildees
que afetam minorias como discussatildeo de gecircnero a cultura do machismo a liberdade
religiosa aleacutem de questotildees como democracia e liberdade de expressatildeo Assim
fundamentou-se para subsidiar as discussotildees principalmente no diretor ativista Abdias do
Nascimento e na pesquisadora Miriam Garcia Mendes e aleacutem disso buscou-se uma
investigaccedilatildeo participativa em relaccedilatildeo ao objeto de pesquisa com recursos iconograacuteficos
como fotos e filmagens recorrendo tambeacutem a questionaacuterios Dessa forma esse trabalho de
conclusatildeo de curso procura por meio de relato detalhado desse projeto e da anaacutelise das
suas implicaccedilotildees evidenciar o crescimento e a transformaccedilatildeo individual dos integrantes a
partir do conhecimento da linguagem teatral o despertar de uma consciecircncia mais
responsaacutevel em relaccedilatildeo a si mesmo e com o outro aleacutem de uma formaccedilatildeo mais criacutetica em
relaccedilatildeo ao seu proacuteprio cotidiano
11
Seguiu-se a seguinte divisatildeo no primeiro capiacutetulo seraacute apresentado o teatro como
discurso poliacutetico e social com referecircncias e influecircncias da linguagem teatral como
ferramenta poliacutetica Bertold Brecht Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri Abdias do
Nascimento Descrevendo de maneira sucinta o meacutetodo e a visatildeo deste teatro que busca
transformar provocar refletir dar espaccedilo ao protagonismo do teatro negro Uma atenccedilatildeo
mais detalhada para o Teatro Experimental do Negro (TEN) a personagem negra no teatro
Brasileiro as criacuteticas ao estereoacutetipo da personagem negra ao longo da histoacuteria e como o
TEN influenciou para a transformaccedilatildeo e colaborou para o protagonismo do ator diretor
produtor negro e uma breve biografia de Abdias do Nascimento
No segundo capiacutetulo o Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo seraacute descrita a motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo deste projeto as caracteriacutesticas
e influecircncias culturais da regiatildeo em que o projeto aconteceu a experiecircncia do projeto
fazendo uma anaacutelise das observaccedilotildees em relaccedilatildeo aos integrantes do grupo a forma como
foram realizadas as atividades as questotildees raciais levantadas e como o projeto foi recebido
pela escola
Espero que esta pesquisa motive outras pesquisas com temas que visem agrave
valorizaccedilatildeo cultural e o aprendizado da linguagem teatral Acredito que a arte e a educaccedilatildeo
satildeo os meios para atingir tais objetivos dessa maneira enquanto futura arte-educadora
pretendo dar continuidade ao projeto em questatildeo
12
CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL
O teatro eacute tatildeo antigo quanto a proacutepria humanidade desde os povos mais primitivos
com seus rituais oferecidos aos deuses representando ou se transformando nos mais
diferentes arqueacutetipos a evoluccedilatildeo da linguagem teatral acompanhou a evoluccedilatildeo cultural do
homem No decorrer da histoacuteria da humanidade as manifestaccedilotildees religiosas ritos de
fertilidades expressotildees culturais conflitos existecircncias movimentos ativistas encontram no
teatro a expressatildeo primeira de comunicaccedilatildeo e depois como obra social ateacute as reflexotildees
poliacuteticas
Patrice Pavis (2008) segundo Armiliato e Arauacutejo (2011) descreve esta evoluccedilatildeo da
cerimocircnia religiosa com a participaccedilatildeo de todos os envolvidos de um grupo ateacute que se
estabeleccedila a separaccedilatildeo entre atores e espectadores no encontro entre ambos num espaccedilo
preacute-definido Eacute neste encontro de encenaccedilatildeo e pessoas ainda segundo Armiliato e Arauacutejo
(2011) que se oportuniza a reflexatildeo poliacutetica e social de quem faz o teatro e de quem assiste
Na literatura encontramos referecircncias de encenadores e dramaturgos como Erwin
Piscator Bertold Brecht preconizadores do teatro Eacutepico Eugecircnio Barba com seu teatro
antropoloacutegico ldquoteatro como ilha de liberdade e ferramenta de combate a injusticcedilardquo
Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri e Abdias do Nascimento referecircncias no Brasil
com o teatro do oprimido e tantos outros que de uma forma mais direta ou natildeo veem o
teatro como linguagem do discurso poliacutetico e social
Observamos que para alguns estudiosos o teatro enquanto linguagem possui em si
um discurso poliacutetico e social que pode modificar natildeo somente a criaccedilatildeo artiacutestica mas
tambeacutem a sociedade Bertold Brecht (1978) com o Teatro Eacutepico e suas peccedilas didaacuteticas
acreditava que aleacutem do entretenimento o teatro oferecia a possibilidade de aprender
informar discutir e provocar transformaccedilotildees sobretudo nas camadas sociais descontentes
com a situaccedilatildeo em vigor
Jaacute para Augusto Boal (2009) com seu meacutetodo do Teatro do Oprimido as teacutecnicas
aplicadas tecircm como proposta apoio ao teatro agraves lutas dos oprimidos ao mesmo tempo que
propotildeem desenvolver ldquoa capacidade de perceber o mundo atraveacutes de todas as artesrdquo (p 15)
transformando diferentes grupos de oprimidos aleacutem de reconhecer as suas proacuteprias
repressotildees
Essas caracteriacutesticas sociais podem ser vistas tambeacutem em dramaturgias como as
peccedilas de Gianfrancesco Guarnieri sobretudo ldquoEles natildeo usam black tierdquo que aborda a luta
13
das classes sociais greve cenaacuterio de periferia retratando o povo brasileiro no final da
deacutecada de 50 e na sequecircncia a peccedila Gimba com os mesmos elementos de conflitos
urbanos Segundo Naacutedia Cristina Ribeiro (2008) para Guarnieri o teatro eacute um espaccedilo de
criacutetica da realidade e de denuacutencia das arbitrariedades contribuindo para a formaccedilatildeo de uma
sociedade politizada ( p 2)
Este tratamento do teatro como meio de reflexatildeo ocorre com mais veemecircncia a
partir do iniacutecio seacuteculo XX podemos refletir que o contexto social influencia o teatro
modificando natildeo soacute as pessoas mas tambeacutem os temas desenvolvidos nas criaccedilotildees Grandes
eventos histoacutericos foram fundamentais para se repensar o lugar do teatro e o mesmo como
meio de reflexatildeo como as duas Grandes Guerras Mundiais os movimentos do proletariado
contra os patrotildees os movimentos feministas os movimentos dos negros ou seja
movimentos de uma minoria enquanto representatividade de voz ativa nas tomadas de
decisotildees na sociedade em que estatildeo inseridas O Teatro promove o encontro de pessoas
segundo Gueacutenoun
O teatro eacute [] uma atividade intrinsicamente poliacutetica Natildeo em razatildeo do
que aiacute eacute mostrado ou debatido ndash embora tudo esteja ligado ndash mas de
maneira mais originaacuteria antes de qualquer conteuacutedo pelo fato pela
natureza da reuniatildeo que se estabelece (ARMILIATO e ARAUacuteJO apud
GUEacuteNOU 2003 p 15)
Para alcanccedilar e desenvolver este teatro que busca a interaccedilatildeo do seu puacuteblico
mediante a identificaccedilatildeo com aquilo que vecirc Brecht e Boal perceberam uma necessidade de
a arte proporcionar mudanccedila
Destes estudos sobre vaacuterios dramaturgos e encenadores ao longo da histoacuteria nas
disciplinas do Curso de Teatro vemos uma forte influecircncia na forma da compreensatildeo do
teatro como linguagem artiacutestica de discurso social e poliacutetico Associado agraves observaccedilotildees
dentro do contexto escolar que se manteacutem no formato de deacutecadas anteriores heranccedila da
ditadura militar onde a arte ainda eacute soacute entretenimento quando natildeo uma disciplina imposta
e pouca valorizada os trabalhos que propus nas oficinas teatrais sempre tiveram como
temaacuteticas questotildees sociais raciais de gecircnero proporcionando aos atores adolescentes que
se coloquem opinem critiquem este ambiente escolar
Sendo assim entendendo que o ambiente escolar eacute um espaccedilo de discussatildeo sobre o
homem a sua histoacuteria a sua relaccedilatildeo pessoal e interpessoal abordado em diversas
14
disciplinas tais como na histoacuteria filosofia psicologia sociologia e a arte o teatro em
especifico eacute de relevacircncia como linguagem que propicia o crescimento da crianccedila e do
jovem contribuindo juntamente com as demais disciplinas na formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes
do conhecimento por meio da identificaccedilatildeo com sua etnia cultura tradiccedilotildees gerando
novas formas de pensar agir e sentir
Ao identificar a iacutenfima discussatildeo da arte afro-brasileira como discurso social
poliacutetico e inclusivo (pois infelizmente haacute pouca representatividade de afro-brasileiros nas
festividades da escola aleacutem de poucas oportunidades de discutir a condiccedilatildeo do negro em
uma sociedade que de forma velada ou natildeo eacute racista) percebi a necessidade de envolver a
escola em um projeto Projeto este orientado pela linguagem teatral por meio de exerciacutecios
de consciecircncia corporal jogos teatrais leituras viacutedeos relacionando as discussotildees agrave
condiccedilatildeo do negro na sociedade
11 ndash Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica
Dois exemplos da utilizaccedilatildeo do teatro como modelo capaz de provocar mudanccedilas
na sociedade o trabalho de Bertold Brecht que apesar de ter um contexto alematildeo
influenciou o segundo exemplo Augusto Boal dramaturgo brasileiro Seraacute realizada uma
breve anaacutelise dos meacutetodos teatrais destes dramaturgos engajados num teatro como
ferramenta poliacutetica e lutas sociais em eacutepocas distintas
Brecht (1898 - 1956) e Boal (1931-2009) desenvolveram meacutetodos que tecircm em
comum alguns aspectos como a pesquisa a experiecircncia um teatro reflexivo e
transformador da sociedade com sentido poliacutetico e social ambos foram exilados de seus
paiacuteses por questotildees de movimentos poliacuteticos opositores ao capitalismo e aos opressores
Segundo Boal (2009) para Brecht as peccedilas teatrais natildeo podem despertar apenas uma
emoccedilatildeo ignorante alienadora mas uma emoccedilatildeo de aprendizagem cujo objetivo natildeo eacute tatildeo
somente o de interpretar o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo De acordo com Brecht
O que podemos dizer eacute que a oposiccedilatildeo entre aprender e divertir-se natildeo eacute
uma oposiccedilatildeo necessaacuteria por natureza uma oposiccedilatildeo que sempre existiu e
sempre teraacute que existir [] O teatro natildeo deixa de ser teatro mesmo
quando eacute didaacutetico e desde que seja bom teatro diverte (BRECHT 1978
p 49-50)
15
Brecht assim como Boal acreditava em um teatro libertador participativo
democraacutetico mostrando em cenas a luta diaacuteria dos oprimidos em relaccedilatildeo aos seus
opressores que por sua vez os manipulam de diversas formas Poreacutem sem perder a poeacutetica
representando segundo Brecht (1978) a fealdade de forma bela a indignidade de um
objeto indigno de uma forma digna a falta de graccedila de forma graciosa e a fraqueza de
forma vigorosa
As peccedilas de Brecht cumprem um objetivo de provocar seu puacuteblico como Matildee
Coragem e seus filhos Brecht tem uma opiniatildeo criacutetica do teatro apresentado no iniacutecio do
seacuteculo XX um teatro que produz a alienaccedilatildeo onde os conflitos se resolvem de forma
oacutebvia que mostra a realidade sem no entanto carregar a reflexatildeo de transformaccedilatildeo desta
realidade Brecht almeja um teatro em que esteja presente a reflexatildeo do homem em relaccedilatildeo
ao homem e a sociedade que constroacutei confronte suas afliccedilotildees se conheccedila e se reconheccedila
desprendendo-se de suas convicccedilotildees aos quais a sociedade burguesa manipula servindo-se
muitas vezes da ciecircncia
O que poderia ser o progresso de todos torna-se a vantagem de algumas
partes apenas e uma parte crescente da produccedilatildeo eacute votada aacute criaccedilatildeo de
meios destruidores destinados a guerras poderosas a guerra em que as
matildees de todas as naccedilotildees com os filhos apertados contra si esquadrinham
estupefatos o ceacuteu no rastro dos inventos mortiacuteferos da ciecircncia (BRECHT
apud MIRANDA 2005 p 134)
As colocaccedilotildees de Brecht segundo Miranda fazem do teatro umrdquo mecanismordquo em
que o homem se questiona em relaccedilatildeo ao mundo que lhe eacute apresentado em quaisquer
eacutepocas e em relaccedilatildeo a sua proacutepria vida propondo que a histoacuteria da humanidade seja o
material de pesquisa e produccedilatildeo que estaratildeo presentes na dramaturgia e o elemento mais
caracteriacutestico do Teatro Eacutepico eacute o efeito de distanciamento Brecht em seu livro Estudos
Sobre Teatro nos fala em diversos momentos sobre o efeito de distanciamento e o teatro
eacutepico
Tal efeito depende de uma teacutecnica especial pela qual se confere aos
acontecimentos representados (acontecimentos que se desenrolam entre
os homens nas suas relaccedilotildees reciacuteprocas) um cunho de sensacionalismo os
acontecimentos passam exigir uma explicaccedilatildeo deixam de ser evidentes
naturais O objetivo do efeito de distanciamento eacute possibilitar ao
16
espectador uma criacutetica fecunda dentro de uma perspectiva social
(BRECHT 1978 p 74)
O teatro eacutepico um caraacuteter profundamente esteacutetico e dificilmente pode
concebecirc-lo sem artista e sem qualidade esteacutetica sem fantasia humor e
simpatia Este teatro que preconizamos tem simultaneamente de divertir
e ensinar (ibid p 76)
Esta nova teacutecnica segundo Brecht (1978) tem como objetivo conferir ao
espectador uma atitude analiacutetica e criacutetica perante o desenrolar dos acontecimentos
permitindo aos atores se voltarem diretamente para o puacuteblico e jamais metamorfosear-se
integralmente na personagem
O teatro didaacutetico proposto por Brecht (2009) aborda temas da realidade do seu
puacuteblico como inflaccedilatildeo famiacutelia lutas sociais religiatildeo mostrando o mundo como ele eacute de
fato utilizando da teacutecnica do distanciamento com a qual apagam-se toda as ilusotildees e tudo
que se constroem em cena eacute mostrado ao espectador
Esta proposta de Brecht que leva ao puacuteblico a reflexatildeo e a transformaccedilatildeo eacute
importante ateacute os dias de hoje principalmente dentro do ambiente escolar que por si soacute eacute
um espaccedilo de reflexatildeo um espaccedilo poliacutetico um encontro da diversidade de etnias de
culturas de condiccedilotildees soacutecio econocircmicas e diversas estruturas familiares
Augusto Boal (2009) por sua vez alcanccedila a participaccedilatildeo efetiva do seu puacuteblico
com o Teatro Foacuterum e no Teatro do Oprimido Boal desenvolve meacutetodos de pesquisa e
criatividade com teacutecnicas e experimentos que buscam a transformaccedilatildeo seja no contexto
pessoal ou familiar estendendo-se agrave comunidade Ou seja ele transforma o fazer teatral em
uma accedilatildeo poliacutetica e social que tem como puacuteblico-alvo moradores de periferia
camponeses na Siciacutelia sul da Itaacutelia homens que batem em mulheres no Rio de Janeiro
operaacuterios no Chile espectadores oprimidos Ele ao escrever Teatro do Oprimido levanta
questotildees da proacutepria linguagem teatral para que serve a arte as discussotildees que arte traz
como virtude viacutecio justiccedila e conhecimento em um contexto de insatisfaccedilatildeo de
desigualdade repressatildeo problemas presentes na sociedade seja aqui no Brasil ou paiacuteses
por onde esteve sobretudo na eacutepoca do exiacutelio
Tanto Boal quanto Brecht entendem a arte como um meio de propor uma
experiecircncia politizada transformadora da sociedade sem comprometer a esteacutetica e a
poeacutetica nem a diversatildeo repleto de desafios com potencial de discutir questotildees relativas agraves
complexidades do ser humano e sua trajetoacuteria histoacuterica
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Boal apesar de ser influenciado em alguns aspectos pelas propostas de Brecht
principalmente no que se refere as ideologias de combate a repressatildeo e de um teatro em
que a emoccedilatildeo despertada no puacuteblico deva ser a de ldquorevolta ou transformaccedilatildeordquo apresenta
poreacutem teacutecnicas adaptadas a realidade da ameacuterica latina
Segundo Boal (2009) o teatro eacute necessariamente poliacutetico porque poliacuteticas satildeo as
atividades do homem Sendo uma atividade poliacutetica tem grande embasamento criacutetico e
reflexivo se dada a livre participaccedilatildeo dos espectadores de massa proposta principal de
Boal no Teatro do Oprimido onde o espectador se reconhece principalmente porque em
algumas experiecircncias de Boal o espaccedilo em que acontece a accedilatildeo eacute o espaccedilo do proacuteprio
puacuteblico oportunizando a intervenccedilatildeo do puacuteblico mediante os problemas apresentados em
cena sempre mediada por um ator ao qual ele chama de coringa
O espaccedilo ldquoescolardquo eacute perfeito para encenaccedilotildees do Teatro do Oprimido como
podemos observar a Aacutervore do teatro do Oprimido em suas raiacutezes tronco galhos e folhas
compotildeem-se todas as diretrizes propostas no Curriacuteculo Nacional
FIGURA 1
Boal (2009) atraveacutes de jogos propotildeem agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo do corpo e da mente
alienados agraves tarefas repetitivas do dia a dia especialmente agraves do trabalho e agraves condiccedilotildees
econocircmicas ambientais e sociais de quem os praticardquo (BOAL 2009 p 16) No caso dos
alunos acostumados a sentarem-se em fila dentro de um espaccedilo fechado espaccedilo este que
tambeacutem atende ao desfile de consumos e modismos reforccedilando muitas vezes a ideia de
dominante e dominado deixando de ser um espaccedilo que propotildeem a reflexatildeo que decirc voz as
opressotildees diaacuterias tanto dos seus alunos como dos seus professores
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Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da
sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor
de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo
momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e
Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a
reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade
12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro
Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da
sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como
espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento
Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de
famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos
de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12
anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte
e dramaturgia em especiacutefico
Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e
folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era
uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores
Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas
ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)
Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de
discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a
primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-
se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois
era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do
exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos
poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra
Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral
fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista
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Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de
Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o
ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro
Brutus Jones Segundo ele
Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em
Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca
vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no
palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud
ALMANA 2009 p 64-65)
Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante
um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar
para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do
exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo
Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu
primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos
Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em
1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo
Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a
conhecida atriz Ruth de Souza
O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico
afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a
formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo
conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos
Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da
realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua
missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN
que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da
cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura
branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da
educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas
frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo
dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio
negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava
inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)
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Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos
da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira
referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das
mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a
violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores
atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que
influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o
teatro eacutepico
O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes
cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem
surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a
Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas
de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira
O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo
poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo
Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios
pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias
procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio
um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de
portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem
noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com
liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores
vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali
ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que
ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam
aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e
ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)
Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da
linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores
braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas
de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que
o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo
educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando
melhor condiccedilatildeo de vida
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O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma
a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria
trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso
poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e
divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a
exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo
de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela
sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem
mudanccedilas neste quadro
TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas
ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se
outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e
contra a discriminaccedilatildeo
As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os
dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o
teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para
a muacutesica e a danccedila
121- O Teatro Negro breve apontamento
Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute
formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os
paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam
Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais
mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da
sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de
mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com
uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica
Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os
negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa
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utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis
estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na
televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o
negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos
ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque
Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute
circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o
feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a
recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo
estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo
praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)
O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este
passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo
(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga
referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e
poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da
dramaturgia o teatro negro
Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como
Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano
Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila
de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata
Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o
Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro
aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo
subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe
uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES
1993 p 29)
Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem
negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem
1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas
atribuiacutedos aos negros
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negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos
mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de
seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das
peccedilas teatrais
Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o
empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o
preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros
No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um
negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem
podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo
(MENDES 1982 p 23-24)
O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no
cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz
Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira
no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute
no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores
negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta
patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro
averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas
dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro
Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem
como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o
branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao
puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que
estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro
Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de
afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que
implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na
eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida
produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar
outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do
negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais
ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada
direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)
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Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem
que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas
pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta
por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de
Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros
reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento
preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar
que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo
selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a
cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os
autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como
personagem
ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo
alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se
os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas
colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute
apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os
atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)
Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo
negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas
assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para
qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda
eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes
Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de
pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave
sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma
personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas
deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator
textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano
No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia
apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute
Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema
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criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu
depoimento diz
Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os
obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []
cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no
Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o
mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro
(DOUXAMI 2001 p 337)
O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro
natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco
frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes
espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela
expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute
entendermos que soacute existe uma raccedila humana
Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos
Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para
se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis
capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas
(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas
espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de
reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente
(LIMA apud MENDES 2010 p 37)
Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos
um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco
reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior
irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do
negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e
para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico
Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de
Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro
2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX
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a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do
teatro engajado
Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a
identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees
brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das
oficinas aplicadas
27
CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA
CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande
influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-
brasileiras no ambiente escolar
Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na
Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de
Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo
semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da
Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas
pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas
dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente
Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)
abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar
personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de
Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa
Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas
inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black
power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira
repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado
por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a
expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado
espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda
em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial
sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)
Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute
essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e
3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto
708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de
educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas
puacuteblicas
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brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das
escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-
brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo
algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os
alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis
aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal
Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado
pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma
diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os
professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente
houve mudanccedila de postura deste professor
ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi
desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que
permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano
destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo
do negro
Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite
aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de
aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se
primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal
conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si
mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros
que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade
profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito
Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro
horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo
jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na
minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em
relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos
filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro
Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da
Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do
29
Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais
cujos artistas eram negros
Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks
primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos
lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um
segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto
dentro do contexto do teatro negro
As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre
em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do
Ensino Meacutedio
Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as
questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo
dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o
trabalho com a linguagem
Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem
teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e
mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar
Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as
manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade
negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que
desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como
elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a
identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar
Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma
como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do
ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a
identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra
21- O contexto local e a influecircncia cultural
30
Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro
como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a
histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo
A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo
divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute
de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km
2 sendo que desses 30 eacute formado por
negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul
A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do
protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as
consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a
predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de
que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute
Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros
que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta
regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga
localiza-se uma reserva indiacutegena
Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da
Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma
identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das
Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as
manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba
municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de
gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e
gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos
jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os
descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais
No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e
sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de
escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes
4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010
acessado em 07 de maio de 2016
31
acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem
vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho
Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga
da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na
semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo
apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica
A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na
Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio
econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada
uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos
alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos
promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca
representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus
Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente
quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando
debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade
religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades
utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de
espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante
para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante
destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e
discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima
No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o
espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e
seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane
Sobral destacando aqui
Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei
fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter
ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser
tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava
muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas
(SOBRAL 2005 p13)
32
No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de
ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola
Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este
quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo
eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura
Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo
destes anos
A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um
grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial
para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral
questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina
Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos
alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos
como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos
professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou
de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano
escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o
referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia
um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro
com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica
Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios
femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se
harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-
brasileira
5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e
Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio
33
As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo
atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a
pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo
personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto
Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda
Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros
Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o
engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro
Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde
Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como
personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto
malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos
averiguar neste trecho
Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de
alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua
famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os
requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o
branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que
geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em
oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo
estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os
sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)
Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro
(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor
Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a
ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma
qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era
difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o
miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo
Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um
trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo
Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e
daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato
34
Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos
livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que
muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial
Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria
de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)
As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam
estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus
Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda
feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo
(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de
aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees
pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a
cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos
de ldquoembraquecimentordquo
Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo
prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente
independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-
brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes
tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro
Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A
valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a
ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade
Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o
desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a
autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola
ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar
inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a
destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas
para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano
[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica
essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a
compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo
que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006
p30)
35
Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento
cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir
a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas
escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903
221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016
No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15
a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois
realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se
cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a
semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta
sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para
as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo
com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de
conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os
encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos
foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar
como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais
As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais
e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de
uma arte afro-brasileira
Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais
que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o
corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo
de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento
crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas
manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras
Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais
produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e
culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees
que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as
quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes
36
Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
37
do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
38
violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
39
oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
40
violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
41
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
42
Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
43
papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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45
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Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
9
INTRODUCcedilAtildeO
Esta pesquisa intitulada ldquo O Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo tem como objetivo relatar o trabalho realizado neste projeto que aborda a
linguagem teatral no contexto escolar A partir da anaacutelise das oficinas que integram o
projeto procura-se evidenciar o processo teoacuterico-praacutetico e discutir questotildees em relaccedilatildeo ao
negro e mesticcedilo e suas manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas proporcionando reflexotildees e
accedilotildees que levem ao senso criacutetico agrave inclusatildeo e agrave autoestima Para tanto buscaraacute referecircncias
teoacutericas de Bertold Brecht e Augusto Boal acerca do teatro como discurso poliacutetico social e
refletiraacute sobre esse possiacutevel discurso a partir do trabalho do Teatro Experimental do Negro
que contribuiu para a construccedilatildeo da identidade negra no Brasil Essas consideraccedilotildees visam
a valorizaccedilatildeo da identidade do jovem sobretudo do negro e do mesticcedilo no contexto
escolar
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
iniciou-se em 2015 com a criaccedilatildeo de um grupo de teatro com alunos do Ensino Meacutedio
com idade entre 15 e 17 anos negros mesticcedilos e brancos na Escola Estadual Dr
Herculano Pimentel da cidade de Itarareacute do Estado Satildeo Paulo Por meio de oficinas
praacuteticas de consciecircncia corporal e sensorial de jogos teatrais principalmente os propostos
por Viola Spolin e Augusto Boal de leituras de textos biograacuteficos de personalidades
negras tais como Abdias do Nascimento Joatildeo Cacircndido Carolina Maria de Jesus do
contato com filmagens de peccedilas e de peccedilas teatrais e da criaccedilatildeo de cenas e personagens
realizou-se um processo de experimentaccedilatildeo da linguagem teatral alinhada a discussotildees
temaacuteticas Focou-se no processo teoacuterico-praacutetico nas reflexotildees sobre a importacircncia de um
espaccedilo na comunidade escolar para discutir a autonomia e a livre expressatildeo do negro e do
mesticcedilo Nesta pesquisa realizou-se uma investigaccedilatildeo no periacuteodo de agosto de 2015 a maio
de 2016 analisando trecircs encontros em momentos diferentes cada encontro com duraccedilatildeo de
4 horas
A discriminaccedilatildeo a ideia de ldquoembranquecimentordquo a cultura eurocecircntrica
predominando e dominando apesar dos diversos Movimentos Negros em diversas regiotildees
do Brasil e do mundo ainda eacute evidente mesmo no ambiente escolar Acredita-se no
entanto que a escola tem um papel fundamental para que se consolide um espaccedilo de
combate agrave discriminaccedilatildeo e de discussatildeo sobre a negritude contribuindo para a formaccedilatildeo da
cidadania e sobretudo para a valorizaccedilatildeo da cultura afro-brasileira
10
Professora de matemaacutetica da rede Estadual de Satildeo Paulo haacute 15 anos foi possiacutevel
averiguar trecircs pontos relevantes em algumas unidades de ensino da cidade de Bom Sucesso
de Itarareacute e da cidade Itarareacute Na escola como um todo os eventos e comemoraccedilotildees
promovidos valorizavam resultados que atendem a proposta do evento como a festa junina
e o dia da famiacutelia na escola eventos temaacuteticos e semana cultural em segundo a
predominacircncia das manifestaccedilotildees eurocecircntricas em relaccedilatildeo as demais culturas
evidenciando assim um protagonismo do branco em detrimento do negro E o processo de
experimentaccedilatildeo das linguagens artiacutesticas como danccedila muacutesica e teatro natildeo importava
enquanto processo de aprendizado sem contemplar o desenvolvimento artiacutestico Sendo
assim a criaccedilatildeo do Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo visa inicialmente promover a linguagem teatral na escola de maneira a
valorizar o processo artiacutestico e a partir de uma ampliaccedilatildeo dos temas desenvolvidos
promover a inclusatildeo do negro e mesticcedilo
Esta presente pesquisa tem uma relevacircncia para o teatro pois apresenta a
linguagem considerando suas especificidades associando a uma busca expressiva a partir
do reconhecimento de diferentes protagonistas que carregam histoacuterias diferentes
sobretudo em relaccedilatildeo aos seus ancestrais vindos da Aacutefrica da Europa ou pertencentes a
Ameacuterica Promove assim no contexto escolar um espaccedilo de experimentaccedilatildeo e discussatildeo
das diversidades culturais e eacute com essa base que se formam puacuteblicos apreciadores das
diferentes manifestaccedilotildees teatrais
Atraveacutes desta pesquisa foi possiacutevel discutir accedilotildees voltadas para questatildeo do negro no
contexto escolar na sociedade e no teatro o que nos possibilitou a trazer outras discussotildees
que afetam minorias como discussatildeo de gecircnero a cultura do machismo a liberdade
religiosa aleacutem de questotildees como democracia e liberdade de expressatildeo Assim
fundamentou-se para subsidiar as discussotildees principalmente no diretor ativista Abdias do
Nascimento e na pesquisadora Miriam Garcia Mendes e aleacutem disso buscou-se uma
investigaccedilatildeo participativa em relaccedilatildeo ao objeto de pesquisa com recursos iconograacuteficos
como fotos e filmagens recorrendo tambeacutem a questionaacuterios Dessa forma esse trabalho de
conclusatildeo de curso procura por meio de relato detalhado desse projeto e da anaacutelise das
suas implicaccedilotildees evidenciar o crescimento e a transformaccedilatildeo individual dos integrantes a
partir do conhecimento da linguagem teatral o despertar de uma consciecircncia mais
responsaacutevel em relaccedilatildeo a si mesmo e com o outro aleacutem de uma formaccedilatildeo mais criacutetica em
relaccedilatildeo ao seu proacuteprio cotidiano
11
Seguiu-se a seguinte divisatildeo no primeiro capiacutetulo seraacute apresentado o teatro como
discurso poliacutetico e social com referecircncias e influecircncias da linguagem teatral como
ferramenta poliacutetica Bertold Brecht Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri Abdias do
Nascimento Descrevendo de maneira sucinta o meacutetodo e a visatildeo deste teatro que busca
transformar provocar refletir dar espaccedilo ao protagonismo do teatro negro Uma atenccedilatildeo
mais detalhada para o Teatro Experimental do Negro (TEN) a personagem negra no teatro
Brasileiro as criacuteticas ao estereoacutetipo da personagem negra ao longo da histoacuteria e como o
TEN influenciou para a transformaccedilatildeo e colaborou para o protagonismo do ator diretor
produtor negro e uma breve biografia de Abdias do Nascimento
No segundo capiacutetulo o Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo seraacute descrita a motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo deste projeto as caracteriacutesticas
e influecircncias culturais da regiatildeo em que o projeto aconteceu a experiecircncia do projeto
fazendo uma anaacutelise das observaccedilotildees em relaccedilatildeo aos integrantes do grupo a forma como
foram realizadas as atividades as questotildees raciais levantadas e como o projeto foi recebido
pela escola
Espero que esta pesquisa motive outras pesquisas com temas que visem agrave
valorizaccedilatildeo cultural e o aprendizado da linguagem teatral Acredito que a arte e a educaccedilatildeo
satildeo os meios para atingir tais objetivos dessa maneira enquanto futura arte-educadora
pretendo dar continuidade ao projeto em questatildeo
12
CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL
O teatro eacute tatildeo antigo quanto a proacutepria humanidade desde os povos mais primitivos
com seus rituais oferecidos aos deuses representando ou se transformando nos mais
diferentes arqueacutetipos a evoluccedilatildeo da linguagem teatral acompanhou a evoluccedilatildeo cultural do
homem No decorrer da histoacuteria da humanidade as manifestaccedilotildees religiosas ritos de
fertilidades expressotildees culturais conflitos existecircncias movimentos ativistas encontram no
teatro a expressatildeo primeira de comunicaccedilatildeo e depois como obra social ateacute as reflexotildees
poliacuteticas
Patrice Pavis (2008) segundo Armiliato e Arauacutejo (2011) descreve esta evoluccedilatildeo da
cerimocircnia religiosa com a participaccedilatildeo de todos os envolvidos de um grupo ateacute que se
estabeleccedila a separaccedilatildeo entre atores e espectadores no encontro entre ambos num espaccedilo
preacute-definido Eacute neste encontro de encenaccedilatildeo e pessoas ainda segundo Armiliato e Arauacutejo
(2011) que se oportuniza a reflexatildeo poliacutetica e social de quem faz o teatro e de quem assiste
Na literatura encontramos referecircncias de encenadores e dramaturgos como Erwin
Piscator Bertold Brecht preconizadores do teatro Eacutepico Eugecircnio Barba com seu teatro
antropoloacutegico ldquoteatro como ilha de liberdade e ferramenta de combate a injusticcedilardquo
Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri e Abdias do Nascimento referecircncias no Brasil
com o teatro do oprimido e tantos outros que de uma forma mais direta ou natildeo veem o
teatro como linguagem do discurso poliacutetico e social
Observamos que para alguns estudiosos o teatro enquanto linguagem possui em si
um discurso poliacutetico e social que pode modificar natildeo somente a criaccedilatildeo artiacutestica mas
tambeacutem a sociedade Bertold Brecht (1978) com o Teatro Eacutepico e suas peccedilas didaacuteticas
acreditava que aleacutem do entretenimento o teatro oferecia a possibilidade de aprender
informar discutir e provocar transformaccedilotildees sobretudo nas camadas sociais descontentes
com a situaccedilatildeo em vigor
Jaacute para Augusto Boal (2009) com seu meacutetodo do Teatro do Oprimido as teacutecnicas
aplicadas tecircm como proposta apoio ao teatro agraves lutas dos oprimidos ao mesmo tempo que
propotildeem desenvolver ldquoa capacidade de perceber o mundo atraveacutes de todas as artesrdquo (p 15)
transformando diferentes grupos de oprimidos aleacutem de reconhecer as suas proacuteprias
repressotildees
Essas caracteriacutesticas sociais podem ser vistas tambeacutem em dramaturgias como as
peccedilas de Gianfrancesco Guarnieri sobretudo ldquoEles natildeo usam black tierdquo que aborda a luta
13
das classes sociais greve cenaacuterio de periferia retratando o povo brasileiro no final da
deacutecada de 50 e na sequecircncia a peccedila Gimba com os mesmos elementos de conflitos
urbanos Segundo Naacutedia Cristina Ribeiro (2008) para Guarnieri o teatro eacute um espaccedilo de
criacutetica da realidade e de denuacutencia das arbitrariedades contribuindo para a formaccedilatildeo de uma
sociedade politizada ( p 2)
Este tratamento do teatro como meio de reflexatildeo ocorre com mais veemecircncia a
partir do iniacutecio seacuteculo XX podemos refletir que o contexto social influencia o teatro
modificando natildeo soacute as pessoas mas tambeacutem os temas desenvolvidos nas criaccedilotildees Grandes
eventos histoacutericos foram fundamentais para se repensar o lugar do teatro e o mesmo como
meio de reflexatildeo como as duas Grandes Guerras Mundiais os movimentos do proletariado
contra os patrotildees os movimentos feministas os movimentos dos negros ou seja
movimentos de uma minoria enquanto representatividade de voz ativa nas tomadas de
decisotildees na sociedade em que estatildeo inseridas O Teatro promove o encontro de pessoas
segundo Gueacutenoun
O teatro eacute [] uma atividade intrinsicamente poliacutetica Natildeo em razatildeo do
que aiacute eacute mostrado ou debatido ndash embora tudo esteja ligado ndash mas de
maneira mais originaacuteria antes de qualquer conteuacutedo pelo fato pela
natureza da reuniatildeo que se estabelece (ARMILIATO e ARAUacuteJO apud
GUEacuteNOU 2003 p 15)
Para alcanccedilar e desenvolver este teatro que busca a interaccedilatildeo do seu puacuteblico
mediante a identificaccedilatildeo com aquilo que vecirc Brecht e Boal perceberam uma necessidade de
a arte proporcionar mudanccedila
Destes estudos sobre vaacuterios dramaturgos e encenadores ao longo da histoacuteria nas
disciplinas do Curso de Teatro vemos uma forte influecircncia na forma da compreensatildeo do
teatro como linguagem artiacutestica de discurso social e poliacutetico Associado agraves observaccedilotildees
dentro do contexto escolar que se manteacutem no formato de deacutecadas anteriores heranccedila da
ditadura militar onde a arte ainda eacute soacute entretenimento quando natildeo uma disciplina imposta
e pouca valorizada os trabalhos que propus nas oficinas teatrais sempre tiveram como
temaacuteticas questotildees sociais raciais de gecircnero proporcionando aos atores adolescentes que
se coloquem opinem critiquem este ambiente escolar
Sendo assim entendendo que o ambiente escolar eacute um espaccedilo de discussatildeo sobre o
homem a sua histoacuteria a sua relaccedilatildeo pessoal e interpessoal abordado em diversas
14
disciplinas tais como na histoacuteria filosofia psicologia sociologia e a arte o teatro em
especifico eacute de relevacircncia como linguagem que propicia o crescimento da crianccedila e do
jovem contribuindo juntamente com as demais disciplinas na formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes
do conhecimento por meio da identificaccedilatildeo com sua etnia cultura tradiccedilotildees gerando
novas formas de pensar agir e sentir
Ao identificar a iacutenfima discussatildeo da arte afro-brasileira como discurso social
poliacutetico e inclusivo (pois infelizmente haacute pouca representatividade de afro-brasileiros nas
festividades da escola aleacutem de poucas oportunidades de discutir a condiccedilatildeo do negro em
uma sociedade que de forma velada ou natildeo eacute racista) percebi a necessidade de envolver a
escola em um projeto Projeto este orientado pela linguagem teatral por meio de exerciacutecios
de consciecircncia corporal jogos teatrais leituras viacutedeos relacionando as discussotildees agrave
condiccedilatildeo do negro na sociedade
11 ndash Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica
Dois exemplos da utilizaccedilatildeo do teatro como modelo capaz de provocar mudanccedilas
na sociedade o trabalho de Bertold Brecht que apesar de ter um contexto alematildeo
influenciou o segundo exemplo Augusto Boal dramaturgo brasileiro Seraacute realizada uma
breve anaacutelise dos meacutetodos teatrais destes dramaturgos engajados num teatro como
ferramenta poliacutetica e lutas sociais em eacutepocas distintas
Brecht (1898 - 1956) e Boal (1931-2009) desenvolveram meacutetodos que tecircm em
comum alguns aspectos como a pesquisa a experiecircncia um teatro reflexivo e
transformador da sociedade com sentido poliacutetico e social ambos foram exilados de seus
paiacuteses por questotildees de movimentos poliacuteticos opositores ao capitalismo e aos opressores
Segundo Boal (2009) para Brecht as peccedilas teatrais natildeo podem despertar apenas uma
emoccedilatildeo ignorante alienadora mas uma emoccedilatildeo de aprendizagem cujo objetivo natildeo eacute tatildeo
somente o de interpretar o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo De acordo com Brecht
O que podemos dizer eacute que a oposiccedilatildeo entre aprender e divertir-se natildeo eacute
uma oposiccedilatildeo necessaacuteria por natureza uma oposiccedilatildeo que sempre existiu e
sempre teraacute que existir [] O teatro natildeo deixa de ser teatro mesmo
quando eacute didaacutetico e desde que seja bom teatro diverte (BRECHT 1978
p 49-50)
15
Brecht assim como Boal acreditava em um teatro libertador participativo
democraacutetico mostrando em cenas a luta diaacuteria dos oprimidos em relaccedilatildeo aos seus
opressores que por sua vez os manipulam de diversas formas Poreacutem sem perder a poeacutetica
representando segundo Brecht (1978) a fealdade de forma bela a indignidade de um
objeto indigno de uma forma digna a falta de graccedila de forma graciosa e a fraqueza de
forma vigorosa
As peccedilas de Brecht cumprem um objetivo de provocar seu puacuteblico como Matildee
Coragem e seus filhos Brecht tem uma opiniatildeo criacutetica do teatro apresentado no iniacutecio do
seacuteculo XX um teatro que produz a alienaccedilatildeo onde os conflitos se resolvem de forma
oacutebvia que mostra a realidade sem no entanto carregar a reflexatildeo de transformaccedilatildeo desta
realidade Brecht almeja um teatro em que esteja presente a reflexatildeo do homem em relaccedilatildeo
ao homem e a sociedade que constroacutei confronte suas afliccedilotildees se conheccedila e se reconheccedila
desprendendo-se de suas convicccedilotildees aos quais a sociedade burguesa manipula servindo-se
muitas vezes da ciecircncia
O que poderia ser o progresso de todos torna-se a vantagem de algumas
partes apenas e uma parte crescente da produccedilatildeo eacute votada aacute criaccedilatildeo de
meios destruidores destinados a guerras poderosas a guerra em que as
matildees de todas as naccedilotildees com os filhos apertados contra si esquadrinham
estupefatos o ceacuteu no rastro dos inventos mortiacuteferos da ciecircncia (BRECHT
apud MIRANDA 2005 p 134)
As colocaccedilotildees de Brecht segundo Miranda fazem do teatro umrdquo mecanismordquo em
que o homem se questiona em relaccedilatildeo ao mundo que lhe eacute apresentado em quaisquer
eacutepocas e em relaccedilatildeo a sua proacutepria vida propondo que a histoacuteria da humanidade seja o
material de pesquisa e produccedilatildeo que estaratildeo presentes na dramaturgia e o elemento mais
caracteriacutestico do Teatro Eacutepico eacute o efeito de distanciamento Brecht em seu livro Estudos
Sobre Teatro nos fala em diversos momentos sobre o efeito de distanciamento e o teatro
eacutepico
Tal efeito depende de uma teacutecnica especial pela qual se confere aos
acontecimentos representados (acontecimentos que se desenrolam entre
os homens nas suas relaccedilotildees reciacuteprocas) um cunho de sensacionalismo os
acontecimentos passam exigir uma explicaccedilatildeo deixam de ser evidentes
naturais O objetivo do efeito de distanciamento eacute possibilitar ao
16
espectador uma criacutetica fecunda dentro de uma perspectiva social
(BRECHT 1978 p 74)
O teatro eacutepico um caraacuteter profundamente esteacutetico e dificilmente pode
concebecirc-lo sem artista e sem qualidade esteacutetica sem fantasia humor e
simpatia Este teatro que preconizamos tem simultaneamente de divertir
e ensinar (ibid p 76)
Esta nova teacutecnica segundo Brecht (1978) tem como objetivo conferir ao
espectador uma atitude analiacutetica e criacutetica perante o desenrolar dos acontecimentos
permitindo aos atores se voltarem diretamente para o puacuteblico e jamais metamorfosear-se
integralmente na personagem
O teatro didaacutetico proposto por Brecht (2009) aborda temas da realidade do seu
puacuteblico como inflaccedilatildeo famiacutelia lutas sociais religiatildeo mostrando o mundo como ele eacute de
fato utilizando da teacutecnica do distanciamento com a qual apagam-se toda as ilusotildees e tudo
que se constroem em cena eacute mostrado ao espectador
Esta proposta de Brecht que leva ao puacuteblico a reflexatildeo e a transformaccedilatildeo eacute
importante ateacute os dias de hoje principalmente dentro do ambiente escolar que por si soacute eacute
um espaccedilo de reflexatildeo um espaccedilo poliacutetico um encontro da diversidade de etnias de
culturas de condiccedilotildees soacutecio econocircmicas e diversas estruturas familiares
Augusto Boal (2009) por sua vez alcanccedila a participaccedilatildeo efetiva do seu puacuteblico
com o Teatro Foacuterum e no Teatro do Oprimido Boal desenvolve meacutetodos de pesquisa e
criatividade com teacutecnicas e experimentos que buscam a transformaccedilatildeo seja no contexto
pessoal ou familiar estendendo-se agrave comunidade Ou seja ele transforma o fazer teatral em
uma accedilatildeo poliacutetica e social que tem como puacuteblico-alvo moradores de periferia
camponeses na Siciacutelia sul da Itaacutelia homens que batem em mulheres no Rio de Janeiro
operaacuterios no Chile espectadores oprimidos Ele ao escrever Teatro do Oprimido levanta
questotildees da proacutepria linguagem teatral para que serve a arte as discussotildees que arte traz
como virtude viacutecio justiccedila e conhecimento em um contexto de insatisfaccedilatildeo de
desigualdade repressatildeo problemas presentes na sociedade seja aqui no Brasil ou paiacuteses
por onde esteve sobretudo na eacutepoca do exiacutelio
Tanto Boal quanto Brecht entendem a arte como um meio de propor uma
experiecircncia politizada transformadora da sociedade sem comprometer a esteacutetica e a
poeacutetica nem a diversatildeo repleto de desafios com potencial de discutir questotildees relativas agraves
complexidades do ser humano e sua trajetoacuteria histoacuterica
17
Boal apesar de ser influenciado em alguns aspectos pelas propostas de Brecht
principalmente no que se refere as ideologias de combate a repressatildeo e de um teatro em
que a emoccedilatildeo despertada no puacuteblico deva ser a de ldquorevolta ou transformaccedilatildeordquo apresenta
poreacutem teacutecnicas adaptadas a realidade da ameacuterica latina
Segundo Boal (2009) o teatro eacute necessariamente poliacutetico porque poliacuteticas satildeo as
atividades do homem Sendo uma atividade poliacutetica tem grande embasamento criacutetico e
reflexivo se dada a livre participaccedilatildeo dos espectadores de massa proposta principal de
Boal no Teatro do Oprimido onde o espectador se reconhece principalmente porque em
algumas experiecircncias de Boal o espaccedilo em que acontece a accedilatildeo eacute o espaccedilo do proacuteprio
puacuteblico oportunizando a intervenccedilatildeo do puacuteblico mediante os problemas apresentados em
cena sempre mediada por um ator ao qual ele chama de coringa
O espaccedilo ldquoescolardquo eacute perfeito para encenaccedilotildees do Teatro do Oprimido como
podemos observar a Aacutervore do teatro do Oprimido em suas raiacutezes tronco galhos e folhas
compotildeem-se todas as diretrizes propostas no Curriacuteculo Nacional
FIGURA 1
Boal (2009) atraveacutes de jogos propotildeem agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo do corpo e da mente
alienados agraves tarefas repetitivas do dia a dia especialmente agraves do trabalho e agraves condiccedilotildees
econocircmicas ambientais e sociais de quem os praticardquo (BOAL 2009 p 16) No caso dos
alunos acostumados a sentarem-se em fila dentro de um espaccedilo fechado espaccedilo este que
tambeacutem atende ao desfile de consumos e modismos reforccedilando muitas vezes a ideia de
dominante e dominado deixando de ser um espaccedilo que propotildeem a reflexatildeo que decirc voz as
opressotildees diaacuterias tanto dos seus alunos como dos seus professores
18
Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da
sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor
de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo
momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e
Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a
reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade
12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro
Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da
sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como
espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento
Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de
famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos
de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12
anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte
e dramaturgia em especiacutefico
Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e
folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era
uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores
Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas
ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)
Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de
discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a
primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-
se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois
era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do
exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos
poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra
Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral
fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista
19
Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de
Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o
ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro
Brutus Jones Segundo ele
Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em
Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca
vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no
palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud
ALMANA 2009 p 64-65)
Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante
um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar
para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do
exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo
Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu
primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos
Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em
1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo
Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a
conhecida atriz Ruth de Souza
O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico
afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a
formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo
conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos
Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da
realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua
missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN
que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da
cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura
branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da
educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas
frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo
dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio
negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava
inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)
20
Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos
da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira
referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das
mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a
violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores
atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que
influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o
teatro eacutepico
O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes
cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem
surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a
Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas
de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira
O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo
poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo
Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios
pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias
procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio
um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de
portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem
noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com
liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores
vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali
ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que
ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam
aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e
ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)
Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da
linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores
braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas
de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que
o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo
educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando
melhor condiccedilatildeo de vida
21
O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma
a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria
trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso
poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e
divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a
exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo
de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela
sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem
mudanccedilas neste quadro
TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas
ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se
outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e
contra a discriminaccedilatildeo
As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os
dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o
teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para
a muacutesica e a danccedila
121- O Teatro Negro breve apontamento
Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute
formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os
paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam
Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais
mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da
sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de
mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com
uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica
Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os
negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa
22
utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis
estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na
televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o
negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos
ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque
Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute
circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o
feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a
recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo
estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo
praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)
O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este
passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo
(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga
referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e
poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da
dramaturgia o teatro negro
Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como
Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano
Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila
de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata
Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o
Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro
aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo
subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe
uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES
1993 p 29)
Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem
negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem
1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas
atribuiacutedos aos negros
23
negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos
mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de
seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das
peccedilas teatrais
Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o
empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o
preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros
No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um
negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem
podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo
(MENDES 1982 p 23-24)
O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no
cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz
Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira
no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute
no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores
negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta
patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro
averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas
dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro
Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem
como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o
branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao
puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que
estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro
Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de
afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que
implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na
eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida
produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar
outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do
negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais
ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada
direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)
24
Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem
que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas
pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta
por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de
Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros
reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento
preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar
que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo
selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a
cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os
autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como
personagem
ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo
alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se
os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas
colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute
apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os
atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)
Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo
negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas
assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para
qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda
eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes
Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de
pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave
sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma
personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas
deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator
textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano
No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia
apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute
Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema
25
criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu
depoimento diz
Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os
obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []
cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no
Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o
mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro
(DOUXAMI 2001 p 337)
O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro
natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco
frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes
espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela
expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute
entendermos que soacute existe uma raccedila humana
Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos
Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para
se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis
capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas
(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas
espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de
reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente
(LIMA apud MENDES 2010 p 37)
Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos
um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco
reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior
irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do
negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e
para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico
Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de
Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro
2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX
26
a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do
teatro engajado
Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a
identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees
brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das
oficinas aplicadas
27
CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA
CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande
influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-
brasileiras no ambiente escolar
Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na
Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de
Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo
semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da
Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas
pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas
dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente
Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)
abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar
personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de
Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa
Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas
inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black
power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira
repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado
por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a
expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado
espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda
em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial
sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)
Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute
essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e
3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto
708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de
educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas
puacuteblicas
28
brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das
escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-
brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo
algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os
alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis
aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal
Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado
pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma
diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os
professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente
houve mudanccedila de postura deste professor
ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi
desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que
permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano
destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo
do negro
Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite
aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de
aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se
primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal
conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si
mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros
que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade
profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito
Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro
horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo
jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na
minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em
relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos
filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro
Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da
Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do
29
Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais
cujos artistas eram negros
Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks
primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos
lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um
segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto
dentro do contexto do teatro negro
As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre
em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do
Ensino Meacutedio
Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as
questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo
dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o
trabalho com a linguagem
Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem
teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e
mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar
Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as
manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade
negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que
desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como
elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a
identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar
Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma
como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do
ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a
identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra
21- O contexto local e a influecircncia cultural
30
Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro
como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a
histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo
A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo
divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute
de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km
2 sendo que desses 30 eacute formado por
negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul
A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do
protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as
consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a
predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de
que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute
Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros
que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta
regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga
localiza-se uma reserva indiacutegena
Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da
Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma
identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das
Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as
manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba
municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de
gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e
gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos
jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os
descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais
No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e
sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de
escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes
4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010
acessado em 07 de maio de 2016
31
acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem
vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho
Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga
da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na
semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo
apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica
A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na
Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio
econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada
uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos
alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos
promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca
representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus
Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente
quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando
debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade
religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades
utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de
espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante
para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante
destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e
discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima
No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o
espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e
seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane
Sobral destacando aqui
Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei
fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter
ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser
tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava
muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas
(SOBRAL 2005 p13)
32
No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de
ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola
Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este
quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo
eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura
Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo
destes anos
A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um
grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial
para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral
questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina
Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos
alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos
como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos
professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou
de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano
escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o
referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia
um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro
com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica
Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios
femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se
harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-
brasileira
5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e
Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio
33
As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo
atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a
pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo
personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto
Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda
Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros
Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o
engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro
Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde
Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como
personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto
malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos
averiguar neste trecho
Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de
alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua
famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os
requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o
branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que
geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em
oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo
estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os
sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)
Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro
(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor
Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a
ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma
qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era
difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o
miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo
Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um
trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo
Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e
daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato
34
Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos
livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que
muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial
Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria
de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)
As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam
estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus
Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda
feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo
(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de
aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees
pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a
cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos
de ldquoembraquecimentordquo
Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo
prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente
independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-
brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes
tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro
Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A
valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a
ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade
Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o
desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a
autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola
ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar
inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a
destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas
para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano
[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica
essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a
compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo
que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006
p30)
35
Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento
cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir
a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas
escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903
221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016
No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15
a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois
realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se
cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a
semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta
sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para
as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo
com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de
conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os
encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos
foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar
como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais
As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais
e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de
uma arte afro-brasileira
Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais
que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o
corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo
de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento
crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas
manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras
Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais
produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e
culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees
que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as
quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes
36
Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
37
do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
38
violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
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oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
40
violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
41
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
42
Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
43
papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
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EDUCACcedilAtildeO ndash EDUCERE A Escola como um dos espaccedilos de constituiccedilatildeo da
Identidade Negra Revisitando Histoacuterias de Estudantes Negros na Universidade PUCPR
2009 Disponiacutevel emlt
httpwwwpucprbreventoseducereeducere2009anaispdf3360_1941pdfgt Acesso em
31052016
RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de
Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de
Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro
de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em
httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad
ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006
SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio
Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
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ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
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Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
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1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
10
Professora de matemaacutetica da rede Estadual de Satildeo Paulo haacute 15 anos foi possiacutevel
averiguar trecircs pontos relevantes em algumas unidades de ensino da cidade de Bom Sucesso
de Itarareacute e da cidade Itarareacute Na escola como um todo os eventos e comemoraccedilotildees
promovidos valorizavam resultados que atendem a proposta do evento como a festa junina
e o dia da famiacutelia na escola eventos temaacuteticos e semana cultural em segundo a
predominacircncia das manifestaccedilotildees eurocecircntricas em relaccedilatildeo as demais culturas
evidenciando assim um protagonismo do branco em detrimento do negro E o processo de
experimentaccedilatildeo das linguagens artiacutesticas como danccedila muacutesica e teatro natildeo importava
enquanto processo de aprendizado sem contemplar o desenvolvimento artiacutestico Sendo
assim a criaccedilatildeo do Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo visa inicialmente promover a linguagem teatral na escola de maneira a
valorizar o processo artiacutestico e a partir de uma ampliaccedilatildeo dos temas desenvolvidos
promover a inclusatildeo do negro e mesticcedilo
Esta presente pesquisa tem uma relevacircncia para o teatro pois apresenta a
linguagem considerando suas especificidades associando a uma busca expressiva a partir
do reconhecimento de diferentes protagonistas que carregam histoacuterias diferentes
sobretudo em relaccedilatildeo aos seus ancestrais vindos da Aacutefrica da Europa ou pertencentes a
Ameacuterica Promove assim no contexto escolar um espaccedilo de experimentaccedilatildeo e discussatildeo
das diversidades culturais e eacute com essa base que se formam puacuteblicos apreciadores das
diferentes manifestaccedilotildees teatrais
Atraveacutes desta pesquisa foi possiacutevel discutir accedilotildees voltadas para questatildeo do negro no
contexto escolar na sociedade e no teatro o que nos possibilitou a trazer outras discussotildees
que afetam minorias como discussatildeo de gecircnero a cultura do machismo a liberdade
religiosa aleacutem de questotildees como democracia e liberdade de expressatildeo Assim
fundamentou-se para subsidiar as discussotildees principalmente no diretor ativista Abdias do
Nascimento e na pesquisadora Miriam Garcia Mendes e aleacutem disso buscou-se uma
investigaccedilatildeo participativa em relaccedilatildeo ao objeto de pesquisa com recursos iconograacuteficos
como fotos e filmagens recorrendo tambeacutem a questionaacuterios Dessa forma esse trabalho de
conclusatildeo de curso procura por meio de relato detalhado desse projeto e da anaacutelise das
suas implicaccedilotildees evidenciar o crescimento e a transformaccedilatildeo individual dos integrantes a
partir do conhecimento da linguagem teatral o despertar de uma consciecircncia mais
responsaacutevel em relaccedilatildeo a si mesmo e com o outro aleacutem de uma formaccedilatildeo mais criacutetica em
relaccedilatildeo ao seu proacuteprio cotidiano
11
Seguiu-se a seguinte divisatildeo no primeiro capiacutetulo seraacute apresentado o teatro como
discurso poliacutetico e social com referecircncias e influecircncias da linguagem teatral como
ferramenta poliacutetica Bertold Brecht Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri Abdias do
Nascimento Descrevendo de maneira sucinta o meacutetodo e a visatildeo deste teatro que busca
transformar provocar refletir dar espaccedilo ao protagonismo do teatro negro Uma atenccedilatildeo
mais detalhada para o Teatro Experimental do Negro (TEN) a personagem negra no teatro
Brasileiro as criacuteticas ao estereoacutetipo da personagem negra ao longo da histoacuteria e como o
TEN influenciou para a transformaccedilatildeo e colaborou para o protagonismo do ator diretor
produtor negro e uma breve biografia de Abdias do Nascimento
No segundo capiacutetulo o Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo seraacute descrita a motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo deste projeto as caracteriacutesticas
e influecircncias culturais da regiatildeo em que o projeto aconteceu a experiecircncia do projeto
fazendo uma anaacutelise das observaccedilotildees em relaccedilatildeo aos integrantes do grupo a forma como
foram realizadas as atividades as questotildees raciais levantadas e como o projeto foi recebido
pela escola
Espero que esta pesquisa motive outras pesquisas com temas que visem agrave
valorizaccedilatildeo cultural e o aprendizado da linguagem teatral Acredito que a arte e a educaccedilatildeo
satildeo os meios para atingir tais objetivos dessa maneira enquanto futura arte-educadora
pretendo dar continuidade ao projeto em questatildeo
12
CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL
O teatro eacute tatildeo antigo quanto a proacutepria humanidade desde os povos mais primitivos
com seus rituais oferecidos aos deuses representando ou se transformando nos mais
diferentes arqueacutetipos a evoluccedilatildeo da linguagem teatral acompanhou a evoluccedilatildeo cultural do
homem No decorrer da histoacuteria da humanidade as manifestaccedilotildees religiosas ritos de
fertilidades expressotildees culturais conflitos existecircncias movimentos ativistas encontram no
teatro a expressatildeo primeira de comunicaccedilatildeo e depois como obra social ateacute as reflexotildees
poliacuteticas
Patrice Pavis (2008) segundo Armiliato e Arauacutejo (2011) descreve esta evoluccedilatildeo da
cerimocircnia religiosa com a participaccedilatildeo de todos os envolvidos de um grupo ateacute que se
estabeleccedila a separaccedilatildeo entre atores e espectadores no encontro entre ambos num espaccedilo
preacute-definido Eacute neste encontro de encenaccedilatildeo e pessoas ainda segundo Armiliato e Arauacutejo
(2011) que se oportuniza a reflexatildeo poliacutetica e social de quem faz o teatro e de quem assiste
Na literatura encontramos referecircncias de encenadores e dramaturgos como Erwin
Piscator Bertold Brecht preconizadores do teatro Eacutepico Eugecircnio Barba com seu teatro
antropoloacutegico ldquoteatro como ilha de liberdade e ferramenta de combate a injusticcedilardquo
Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri e Abdias do Nascimento referecircncias no Brasil
com o teatro do oprimido e tantos outros que de uma forma mais direta ou natildeo veem o
teatro como linguagem do discurso poliacutetico e social
Observamos que para alguns estudiosos o teatro enquanto linguagem possui em si
um discurso poliacutetico e social que pode modificar natildeo somente a criaccedilatildeo artiacutestica mas
tambeacutem a sociedade Bertold Brecht (1978) com o Teatro Eacutepico e suas peccedilas didaacuteticas
acreditava que aleacutem do entretenimento o teatro oferecia a possibilidade de aprender
informar discutir e provocar transformaccedilotildees sobretudo nas camadas sociais descontentes
com a situaccedilatildeo em vigor
Jaacute para Augusto Boal (2009) com seu meacutetodo do Teatro do Oprimido as teacutecnicas
aplicadas tecircm como proposta apoio ao teatro agraves lutas dos oprimidos ao mesmo tempo que
propotildeem desenvolver ldquoa capacidade de perceber o mundo atraveacutes de todas as artesrdquo (p 15)
transformando diferentes grupos de oprimidos aleacutem de reconhecer as suas proacuteprias
repressotildees
Essas caracteriacutesticas sociais podem ser vistas tambeacutem em dramaturgias como as
peccedilas de Gianfrancesco Guarnieri sobretudo ldquoEles natildeo usam black tierdquo que aborda a luta
13
das classes sociais greve cenaacuterio de periferia retratando o povo brasileiro no final da
deacutecada de 50 e na sequecircncia a peccedila Gimba com os mesmos elementos de conflitos
urbanos Segundo Naacutedia Cristina Ribeiro (2008) para Guarnieri o teatro eacute um espaccedilo de
criacutetica da realidade e de denuacutencia das arbitrariedades contribuindo para a formaccedilatildeo de uma
sociedade politizada ( p 2)
Este tratamento do teatro como meio de reflexatildeo ocorre com mais veemecircncia a
partir do iniacutecio seacuteculo XX podemos refletir que o contexto social influencia o teatro
modificando natildeo soacute as pessoas mas tambeacutem os temas desenvolvidos nas criaccedilotildees Grandes
eventos histoacutericos foram fundamentais para se repensar o lugar do teatro e o mesmo como
meio de reflexatildeo como as duas Grandes Guerras Mundiais os movimentos do proletariado
contra os patrotildees os movimentos feministas os movimentos dos negros ou seja
movimentos de uma minoria enquanto representatividade de voz ativa nas tomadas de
decisotildees na sociedade em que estatildeo inseridas O Teatro promove o encontro de pessoas
segundo Gueacutenoun
O teatro eacute [] uma atividade intrinsicamente poliacutetica Natildeo em razatildeo do
que aiacute eacute mostrado ou debatido ndash embora tudo esteja ligado ndash mas de
maneira mais originaacuteria antes de qualquer conteuacutedo pelo fato pela
natureza da reuniatildeo que se estabelece (ARMILIATO e ARAUacuteJO apud
GUEacuteNOU 2003 p 15)
Para alcanccedilar e desenvolver este teatro que busca a interaccedilatildeo do seu puacuteblico
mediante a identificaccedilatildeo com aquilo que vecirc Brecht e Boal perceberam uma necessidade de
a arte proporcionar mudanccedila
Destes estudos sobre vaacuterios dramaturgos e encenadores ao longo da histoacuteria nas
disciplinas do Curso de Teatro vemos uma forte influecircncia na forma da compreensatildeo do
teatro como linguagem artiacutestica de discurso social e poliacutetico Associado agraves observaccedilotildees
dentro do contexto escolar que se manteacutem no formato de deacutecadas anteriores heranccedila da
ditadura militar onde a arte ainda eacute soacute entretenimento quando natildeo uma disciplina imposta
e pouca valorizada os trabalhos que propus nas oficinas teatrais sempre tiveram como
temaacuteticas questotildees sociais raciais de gecircnero proporcionando aos atores adolescentes que
se coloquem opinem critiquem este ambiente escolar
Sendo assim entendendo que o ambiente escolar eacute um espaccedilo de discussatildeo sobre o
homem a sua histoacuteria a sua relaccedilatildeo pessoal e interpessoal abordado em diversas
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disciplinas tais como na histoacuteria filosofia psicologia sociologia e a arte o teatro em
especifico eacute de relevacircncia como linguagem que propicia o crescimento da crianccedila e do
jovem contribuindo juntamente com as demais disciplinas na formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes
do conhecimento por meio da identificaccedilatildeo com sua etnia cultura tradiccedilotildees gerando
novas formas de pensar agir e sentir
Ao identificar a iacutenfima discussatildeo da arte afro-brasileira como discurso social
poliacutetico e inclusivo (pois infelizmente haacute pouca representatividade de afro-brasileiros nas
festividades da escola aleacutem de poucas oportunidades de discutir a condiccedilatildeo do negro em
uma sociedade que de forma velada ou natildeo eacute racista) percebi a necessidade de envolver a
escola em um projeto Projeto este orientado pela linguagem teatral por meio de exerciacutecios
de consciecircncia corporal jogos teatrais leituras viacutedeos relacionando as discussotildees agrave
condiccedilatildeo do negro na sociedade
11 ndash Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica
Dois exemplos da utilizaccedilatildeo do teatro como modelo capaz de provocar mudanccedilas
na sociedade o trabalho de Bertold Brecht que apesar de ter um contexto alematildeo
influenciou o segundo exemplo Augusto Boal dramaturgo brasileiro Seraacute realizada uma
breve anaacutelise dos meacutetodos teatrais destes dramaturgos engajados num teatro como
ferramenta poliacutetica e lutas sociais em eacutepocas distintas
Brecht (1898 - 1956) e Boal (1931-2009) desenvolveram meacutetodos que tecircm em
comum alguns aspectos como a pesquisa a experiecircncia um teatro reflexivo e
transformador da sociedade com sentido poliacutetico e social ambos foram exilados de seus
paiacuteses por questotildees de movimentos poliacuteticos opositores ao capitalismo e aos opressores
Segundo Boal (2009) para Brecht as peccedilas teatrais natildeo podem despertar apenas uma
emoccedilatildeo ignorante alienadora mas uma emoccedilatildeo de aprendizagem cujo objetivo natildeo eacute tatildeo
somente o de interpretar o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo De acordo com Brecht
O que podemos dizer eacute que a oposiccedilatildeo entre aprender e divertir-se natildeo eacute
uma oposiccedilatildeo necessaacuteria por natureza uma oposiccedilatildeo que sempre existiu e
sempre teraacute que existir [] O teatro natildeo deixa de ser teatro mesmo
quando eacute didaacutetico e desde que seja bom teatro diverte (BRECHT 1978
p 49-50)
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Brecht assim como Boal acreditava em um teatro libertador participativo
democraacutetico mostrando em cenas a luta diaacuteria dos oprimidos em relaccedilatildeo aos seus
opressores que por sua vez os manipulam de diversas formas Poreacutem sem perder a poeacutetica
representando segundo Brecht (1978) a fealdade de forma bela a indignidade de um
objeto indigno de uma forma digna a falta de graccedila de forma graciosa e a fraqueza de
forma vigorosa
As peccedilas de Brecht cumprem um objetivo de provocar seu puacuteblico como Matildee
Coragem e seus filhos Brecht tem uma opiniatildeo criacutetica do teatro apresentado no iniacutecio do
seacuteculo XX um teatro que produz a alienaccedilatildeo onde os conflitos se resolvem de forma
oacutebvia que mostra a realidade sem no entanto carregar a reflexatildeo de transformaccedilatildeo desta
realidade Brecht almeja um teatro em que esteja presente a reflexatildeo do homem em relaccedilatildeo
ao homem e a sociedade que constroacutei confronte suas afliccedilotildees se conheccedila e se reconheccedila
desprendendo-se de suas convicccedilotildees aos quais a sociedade burguesa manipula servindo-se
muitas vezes da ciecircncia
O que poderia ser o progresso de todos torna-se a vantagem de algumas
partes apenas e uma parte crescente da produccedilatildeo eacute votada aacute criaccedilatildeo de
meios destruidores destinados a guerras poderosas a guerra em que as
matildees de todas as naccedilotildees com os filhos apertados contra si esquadrinham
estupefatos o ceacuteu no rastro dos inventos mortiacuteferos da ciecircncia (BRECHT
apud MIRANDA 2005 p 134)
As colocaccedilotildees de Brecht segundo Miranda fazem do teatro umrdquo mecanismordquo em
que o homem se questiona em relaccedilatildeo ao mundo que lhe eacute apresentado em quaisquer
eacutepocas e em relaccedilatildeo a sua proacutepria vida propondo que a histoacuteria da humanidade seja o
material de pesquisa e produccedilatildeo que estaratildeo presentes na dramaturgia e o elemento mais
caracteriacutestico do Teatro Eacutepico eacute o efeito de distanciamento Brecht em seu livro Estudos
Sobre Teatro nos fala em diversos momentos sobre o efeito de distanciamento e o teatro
eacutepico
Tal efeito depende de uma teacutecnica especial pela qual se confere aos
acontecimentos representados (acontecimentos que se desenrolam entre
os homens nas suas relaccedilotildees reciacuteprocas) um cunho de sensacionalismo os
acontecimentos passam exigir uma explicaccedilatildeo deixam de ser evidentes
naturais O objetivo do efeito de distanciamento eacute possibilitar ao
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espectador uma criacutetica fecunda dentro de uma perspectiva social
(BRECHT 1978 p 74)
O teatro eacutepico um caraacuteter profundamente esteacutetico e dificilmente pode
concebecirc-lo sem artista e sem qualidade esteacutetica sem fantasia humor e
simpatia Este teatro que preconizamos tem simultaneamente de divertir
e ensinar (ibid p 76)
Esta nova teacutecnica segundo Brecht (1978) tem como objetivo conferir ao
espectador uma atitude analiacutetica e criacutetica perante o desenrolar dos acontecimentos
permitindo aos atores se voltarem diretamente para o puacuteblico e jamais metamorfosear-se
integralmente na personagem
O teatro didaacutetico proposto por Brecht (2009) aborda temas da realidade do seu
puacuteblico como inflaccedilatildeo famiacutelia lutas sociais religiatildeo mostrando o mundo como ele eacute de
fato utilizando da teacutecnica do distanciamento com a qual apagam-se toda as ilusotildees e tudo
que se constroem em cena eacute mostrado ao espectador
Esta proposta de Brecht que leva ao puacuteblico a reflexatildeo e a transformaccedilatildeo eacute
importante ateacute os dias de hoje principalmente dentro do ambiente escolar que por si soacute eacute
um espaccedilo de reflexatildeo um espaccedilo poliacutetico um encontro da diversidade de etnias de
culturas de condiccedilotildees soacutecio econocircmicas e diversas estruturas familiares
Augusto Boal (2009) por sua vez alcanccedila a participaccedilatildeo efetiva do seu puacuteblico
com o Teatro Foacuterum e no Teatro do Oprimido Boal desenvolve meacutetodos de pesquisa e
criatividade com teacutecnicas e experimentos que buscam a transformaccedilatildeo seja no contexto
pessoal ou familiar estendendo-se agrave comunidade Ou seja ele transforma o fazer teatral em
uma accedilatildeo poliacutetica e social que tem como puacuteblico-alvo moradores de periferia
camponeses na Siciacutelia sul da Itaacutelia homens que batem em mulheres no Rio de Janeiro
operaacuterios no Chile espectadores oprimidos Ele ao escrever Teatro do Oprimido levanta
questotildees da proacutepria linguagem teatral para que serve a arte as discussotildees que arte traz
como virtude viacutecio justiccedila e conhecimento em um contexto de insatisfaccedilatildeo de
desigualdade repressatildeo problemas presentes na sociedade seja aqui no Brasil ou paiacuteses
por onde esteve sobretudo na eacutepoca do exiacutelio
Tanto Boal quanto Brecht entendem a arte como um meio de propor uma
experiecircncia politizada transformadora da sociedade sem comprometer a esteacutetica e a
poeacutetica nem a diversatildeo repleto de desafios com potencial de discutir questotildees relativas agraves
complexidades do ser humano e sua trajetoacuteria histoacuterica
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Boal apesar de ser influenciado em alguns aspectos pelas propostas de Brecht
principalmente no que se refere as ideologias de combate a repressatildeo e de um teatro em
que a emoccedilatildeo despertada no puacuteblico deva ser a de ldquorevolta ou transformaccedilatildeordquo apresenta
poreacutem teacutecnicas adaptadas a realidade da ameacuterica latina
Segundo Boal (2009) o teatro eacute necessariamente poliacutetico porque poliacuteticas satildeo as
atividades do homem Sendo uma atividade poliacutetica tem grande embasamento criacutetico e
reflexivo se dada a livre participaccedilatildeo dos espectadores de massa proposta principal de
Boal no Teatro do Oprimido onde o espectador se reconhece principalmente porque em
algumas experiecircncias de Boal o espaccedilo em que acontece a accedilatildeo eacute o espaccedilo do proacuteprio
puacuteblico oportunizando a intervenccedilatildeo do puacuteblico mediante os problemas apresentados em
cena sempre mediada por um ator ao qual ele chama de coringa
O espaccedilo ldquoescolardquo eacute perfeito para encenaccedilotildees do Teatro do Oprimido como
podemos observar a Aacutervore do teatro do Oprimido em suas raiacutezes tronco galhos e folhas
compotildeem-se todas as diretrizes propostas no Curriacuteculo Nacional
FIGURA 1
Boal (2009) atraveacutes de jogos propotildeem agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo do corpo e da mente
alienados agraves tarefas repetitivas do dia a dia especialmente agraves do trabalho e agraves condiccedilotildees
econocircmicas ambientais e sociais de quem os praticardquo (BOAL 2009 p 16) No caso dos
alunos acostumados a sentarem-se em fila dentro de um espaccedilo fechado espaccedilo este que
tambeacutem atende ao desfile de consumos e modismos reforccedilando muitas vezes a ideia de
dominante e dominado deixando de ser um espaccedilo que propotildeem a reflexatildeo que decirc voz as
opressotildees diaacuterias tanto dos seus alunos como dos seus professores
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Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da
sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor
de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo
momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e
Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a
reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade
12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro
Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da
sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como
espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento
Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de
famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos
de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12
anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte
e dramaturgia em especiacutefico
Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e
folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era
uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores
Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas
ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)
Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de
discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a
primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-
se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois
era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do
exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos
poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra
Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral
fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista
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Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de
Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o
ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro
Brutus Jones Segundo ele
Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em
Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca
vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no
palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud
ALMANA 2009 p 64-65)
Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante
um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar
para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do
exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo
Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu
primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos
Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em
1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo
Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a
conhecida atriz Ruth de Souza
O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico
afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a
formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo
conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos
Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da
realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua
missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN
que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da
cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura
branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da
educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas
frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo
dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio
negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava
inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)
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Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos
da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira
referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das
mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a
violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores
atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que
influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o
teatro eacutepico
O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes
cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem
surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a
Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas
de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira
O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo
poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo
Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios
pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias
procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio
um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de
portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem
noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com
liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores
vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali
ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que
ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam
aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e
ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)
Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da
linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores
braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas
de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que
o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo
educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando
melhor condiccedilatildeo de vida
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O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma
a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria
trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso
poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e
divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a
exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo
de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela
sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem
mudanccedilas neste quadro
TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas
ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se
outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e
contra a discriminaccedilatildeo
As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os
dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o
teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para
a muacutesica e a danccedila
121- O Teatro Negro breve apontamento
Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute
formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os
paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam
Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais
mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da
sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de
mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com
uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica
Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os
negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa
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utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis
estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na
televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o
negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos
ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque
Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute
circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o
feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a
recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo
estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo
praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)
O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este
passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo
(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga
referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e
poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da
dramaturgia o teatro negro
Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como
Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano
Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila
de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata
Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o
Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro
aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo
subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe
uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES
1993 p 29)
Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem
negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem
1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas
atribuiacutedos aos negros
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negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos
mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de
seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das
peccedilas teatrais
Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o
empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o
preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros
No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um
negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem
podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo
(MENDES 1982 p 23-24)
O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no
cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz
Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira
no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute
no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores
negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta
patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro
averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas
dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro
Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem
como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o
branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao
puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que
estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro
Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de
afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que
implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na
eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida
produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar
outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do
negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais
ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada
direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)
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Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem
que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas
pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta
por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de
Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros
reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento
preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar
que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo
selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a
cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os
autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como
personagem
ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo
alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se
os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas
colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute
apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os
atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)
Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo
negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas
assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para
qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda
eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes
Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de
pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave
sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma
personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas
deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator
textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano
No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia
apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute
Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema
25
criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu
depoimento diz
Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os
obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []
cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no
Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o
mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro
(DOUXAMI 2001 p 337)
O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro
natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco
frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes
espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela
expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute
entendermos que soacute existe uma raccedila humana
Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos
Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para
se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis
capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas
(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas
espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de
reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente
(LIMA apud MENDES 2010 p 37)
Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos
um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco
reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior
irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do
negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e
para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico
Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de
Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro
2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX
26
a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do
teatro engajado
Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a
identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees
brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das
oficinas aplicadas
27
CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA
CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande
influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-
brasileiras no ambiente escolar
Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na
Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de
Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo
semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da
Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas
pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas
dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente
Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)
abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar
personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de
Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa
Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas
inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black
power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira
repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado
por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a
expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado
espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda
em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial
sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)
Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute
essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e
3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto
708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de
educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas
puacuteblicas
28
brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das
escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-
brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo
algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os
alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis
aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal
Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado
pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma
diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os
professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente
houve mudanccedila de postura deste professor
ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi
desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que
permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano
destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo
do negro
Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite
aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de
aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se
primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal
conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si
mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros
que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade
profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito
Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro
horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo
jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na
minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em
relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos
filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro
Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da
Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do
29
Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais
cujos artistas eram negros
Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks
primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos
lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um
segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto
dentro do contexto do teatro negro
As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre
em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do
Ensino Meacutedio
Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as
questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo
dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o
trabalho com a linguagem
Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem
teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e
mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar
Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as
manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade
negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que
desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como
elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a
identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar
Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma
como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do
ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a
identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra
21- O contexto local e a influecircncia cultural
30
Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro
como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a
histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo
A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo
divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute
de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km
2 sendo que desses 30 eacute formado por
negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul
A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do
protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as
consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a
predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de
que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute
Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros
que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta
regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga
localiza-se uma reserva indiacutegena
Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da
Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma
identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das
Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as
manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba
municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de
gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e
gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos
jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os
descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais
No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e
sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de
escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes
4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010
acessado em 07 de maio de 2016
31
acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem
vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho
Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga
da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na
semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo
apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica
A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na
Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio
econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada
uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos
alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos
promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca
representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus
Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente
quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando
debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade
religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades
utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de
espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante
para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante
destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e
discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima
No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o
espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e
seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane
Sobral destacando aqui
Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei
fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter
ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser
tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava
muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas
(SOBRAL 2005 p13)
32
No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de
ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola
Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este
quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo
eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura
Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo
destes anos
A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um
grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial
para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral
questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina
Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos
alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos
como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos
professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou
de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano
escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o
referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia
um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro
com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica
Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios
femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se
harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-
brasileira
5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e
Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio
33
As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo
atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a
pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo
personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto
Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda
Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros
Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o
engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro
Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde
Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como
personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto
malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos
averiguar neste trecho
Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de
alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua
famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os
requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o
branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que
geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em
oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo
estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os
sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)
Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro
(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor
Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a
ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma
qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era
difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o
miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo
Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um
trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo
Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e
daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato
34
Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos
livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que
muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial
Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria
de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)
As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam
estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus
Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda
feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo
(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de
aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees
pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a
cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos
de ldquoembraquecimentordquo
Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo
prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente
independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-
brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes
tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro
Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A
valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a
ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade
Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o
desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a
autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola
ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar
inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a
destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas
para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano
[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica
essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a
compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo
que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006
p30)
35
Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento
cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir
a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas
escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903
221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016
No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15
a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois
realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se
cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a
semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta
sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para
as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo
com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de
conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os
encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos
foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar
como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais
As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais
e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de
uma arte afro-brasileira
Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais
que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o
corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo
de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento
crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas
manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras
Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais
produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e
culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees
que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as
quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes
36
Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
37
do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
38
violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
39
oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
40
violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
41
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
42
Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
43
papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
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45
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SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio
Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
11
Seguiu-se a seguinte divisatildeo no primeiro capiacutetulo seraacute apresentado o teatro como
discurso poliacutetico e social com referecircncias e influecircncias da linguagem teatral como
ferramenta poliacutetica Bertold Brecht Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri Abdias do
Nascimento Descrevendo de maneira sucinta o meacutetodo e a visatildeo deste teatro que busca
transformar provocar refletir dar espaccedilo ao protagonismo do teatro negro Uma atenccedilatildeo
mais detalhada para o Teatro Experimental do Negro (TEN) a personagem negra no teatro
Brasileiro as criacuteticas ao estereoacutetipo da personagem negra ao longo da histoacuteria e como o
TEN influenciou para a transformaccedilatildeo e colaborou para o protagonismo do ator diretor
produtor negro e uma breve biografia de Abdias do Nascimento
No segundo capiacutetulo o Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo seraacute descrita a motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo deste projeto as caracteriacutesticas
e influecircncias culturais da regiatildeo em que o projeto aconteceu a experiecircncia do projeto
fazendo uma anaacutelise das observaccedilotildees em relaccedilatildeo aos integrantes do grupo a forma como
foram realizadas as atividades as questotildees raciais levantadas e como o projeto foi recebido
pela escola
Espero que esta pesquisa motive outras pesquisas com temas que visem agrave
valorizaccedilatildeo cultural e o aprendizado da linguagem teatral Acredito que a arte e a educaccedilatildeo
satildeo os meios para atingir tais objetivos dessa maneira enquanto futura arte-educadora
pretendo dar continuidade ao projeto em questatildeo
12
CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL
O teatro eacute tatildeo antigo quanto a proacutepria humanidade desde os povos mais primitivos
com seus rituais oferecidos aos deuses representando ou se transformando nos mais
diferentes arqueacutetipos a evoluccedilatildeo da linguagem teatral acompanhou a evoluccedilatildeo cultural do
homem No decorrer da histoacuteria da humanidade as manifestaccedilotildees religiosas ritos de
fertilidades expressotildees culturais conflitos existecircncias movimentos ativistas encontram no
teatro a expressatildeo primeira de comunicaccedilatildeo e depois como obra social ateacute as reflexotildees
poliacuteticas
Patrice Pavis (2008) segundo Armiliato e Arauacutejo (2011) descreve esta evoluccedilatildeo da
cerimocircnia religiosa com a participaccedilatildeo de todos os envolvidos de um grupo ateacute que se
estabeleccedila a separaccedilatildeo entre atores e espectadores no encontro entre ambos num espaccedilo
preacute-definido Eacute neste encontro de encenaccedilatildeo e pessoas ainda segundo Armiliato e Arauacutejo
(2011) que se oportuniza a reflexatildeo poliacutetica e social de quem faz o teatro e de quem assiste
Na literatura encontramos referecircncias de encenadores e dramaturgos como Erwin
Piscator Bertold Brecht preconizadores do teatro Eacutepico Eugecircnio Barba com seu teatro
antropoloacutegico ldquoteatro como ilha de liberdade e ferramenta de combate a injusticcedilardquo
Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri e Abdias do Nascimento referecircncias no Brasil
com o teatro do oprimido e tantos outros que de uma forma mais direta ou natildeo veem o
teatro como linguagem do discurso poliacutetico e social
Observamos que para alguns estudiosos o teatro enquanto linguagem possui em si
um discurso poliacutetico e social que pode modificar natildeo somente a criaccedilatildeo artiacutestica mas
tambeacutem a sociedade Bertold Brecht (1978) com o Teatro Eacutepico e suas peccedilas didaacuteticas
acreditava que aleacutem do entretenimento o teatro oferecia a possibilidade de aprender
informar discutir e provocar transformaccedilotildees sobretudo nas camadas sociais descontentes
com a situaccedilatildeo em vigor
Jaacute para Augusto Boal (2009) com seu meacutetodo do Teatro do Oprimido as teacutecnicas
aplicadas tecircm como proposta apoio ao teatro agraves lutas dos oprimidos ao mesmo tempo que
propotildeem desenvolver ldquoa capacidade de perceber o mundo atraveacutes de todas as artesrdquo (p 15)
transformando diferentes grupos de oprimidos aleacutem de reconhecer as suas proacuteprias
repressotildees
Essas caracteriacutesticas sociais podem ser vistas tambeacutem em dramaturgias como as
peccedilas de Gianfrancesco Guarnieri sobretudo ldquoEles natildeo usam black tierdquo que aborda a luta
13
das classes sociais greve cenaacuterio de periferia retratando o povo brasileiro no final da
deacutecada de 50 e na sequecircncia a peccedila Gimba com os mesmos elementos de conflitos
urbanos Segundo Naacutedia Cristina Ribeiro (2008) para Guarnieri o teatro eacute um espaccedilo de
criacutetica da realidade e de denuacutencia das arbitrariedades contribuindo para a formaccedilatildeo de uma
sociedade politizada ( p 2)
Este tratamento do teatro como meio de reflexatildeo ocorre com mais veemecircncia a
partir do iniacutecio seacuteculo XX podemos refletir que o contexto social influencia o teatro
modificando natildeo soacute as pessoas mas tambeacutem os temas desenvolvidos nas criaccedilotildees Grandes
eventos histoacutericos foram fundamentais para se repensar o lugar do teatro e o mesmo como
meio de reflexatildeo como as duas Grandes Guerras Mundiais os movimentos do proletariado
contra os patrotildees os movimentos feministas os movimentos dos negros ou seja
movimentos de uma minoria enquanto representatividade de voz ativa nas tomadas de
decisotildees na sociedade em que estatildeo inseridas O Teatro promove o encontro de pessoas
segundo Gueacutenoun
O teatro eacute [] uma atividade intrinsicamente poliacutetica Natildeo em razatildeo do
que aiacute eacute mostrado ou debatido ndash embora tudo esteja ligado ndash mas de
maneira mais originaacuteria antes de qualquer conteuacutedo pelo fato pela
natureza da reuniatildeo que se estabelece (ARMILIATO e ARAUacuteJO apud
GUEacuteNOU 2003 p 15)
Para alcanccedilar e desenvolver este teatro que busca a interaccedilatildeo do seu puacuteblico
mediante a identificaccedilatildeo com aquilo que vecirc Brecht e Boal perceberam uma necessidade de
a arte proporcionar mudanccedila
Destes estudos sobre vaacuterios dramaturgos e encenadores ao longo da histoacuteria nas
disciplinas do Curso de Teatro vemos uma forte influecircncia na forma da compreensatildeo do
teatro como linguagem artiacutestica de discurso social e poliacutetico Associado agraves observaccedilotildees
dentro do contexto escolar que se manteacutem no formato de deacutecadas anteriores heranccedila da
ditadura militar onde a arte ainda eacute soacute entretenimento quando natildeo uma disciplina imposta
e pouca valorizada os trabalhos que propus nas oficinas teatrais sempre tiveram como
temaacuteticas questotildees sociais raciais de gecircnero proporcionando aos atores adolescentes que
se coloquem opinem critiquem este ambiente escolar
Sendo assim entendendo que o ambiente escolar eacute um espaccedilo de discussatildeo sobre o
homem a sua histoacuteria a sua relaccedilatildeo pessoal e interpessoal abordado em diversas
14
disciplinas tais como na histoacuteria filosofia psicologia sociologia e a arte o teatro em
especifico eacute de relevacircncia como linguagem que propicia o crescimento da crianccedila e do
jovem contribuindo juntamente com as demais disciplinas na formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes
do conhecimento por meio da identificaccedilatildeo com sua etnia cultura tradiccedilotildees gerando
novas formas de pensar agir e sentir
Ao identificar a iacutenfima discussatildeo da arte afro-brasileira como discurso social
poliacutetico e inclusivo (pois infelizmente haacute pouca representatividade de afro-brasileiros nas
festividades da escola aleacutem de poucas oportunidades de discutir a condiccedilatildeo do negro em
uma sociedade que de forma velada ou natildeo eacute racista) percebi a necessidade de envolver a
escola em um projeto Projeto este orientado pela linguagem teatral por meio de exerciacutecios
de consciecircncia corporal jogos teatrais leituras viacutedeos relacionando as discussotildees agrave
condiccedilatildeo do negro na sociedade
11 ndash Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica
Dois exemplos da utilizaccedilatildeo do teatro como modelo capaz de provocar mudanccedilas
na sociedade o trabalho de Bertold Brecht que apesar de ter um contexto alematildeo
influenciou o segundo exemplo Augusto Boal dramaturgo brasileiro Seraacute realizada uma
breve anaacutelise dos meacutetodos teatrais destes dramaturgos engajados num teatro como
ferramenta poliacutetica e lutas sociais em eacutepocas distintas
Brecht (1898 - 1956) e Boal (1931-2009) desenvolveram meacutetodos que tecircm em
comum alguns aspectos como a pesquisa a experiecircncia um teatro reflexivo e
transformador da sociedade com sentido poliacutetico e social ambos foram exilados de seus
paiacuteses por questotildees de movimentos poliacuteticos opositores ao capitalismo e aos opressores
Segundo Boal (2009) para Brecht as peccedilas teatrais natildeo podem despertar apenas uma
emoccedilatildeo ignorante alienadora mas uma emoccedilatildeo de aprendizagem cujo objetivo natildeo eacute tatildeo
somente o de interpretar o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo De acordo com Brecht
O que podemos dizer eacute que a oposiccedilatildeo entre aprender e divertir-se natildeo eacute
uma oposiccedilatildeo necessaacuteria por natureza uma oposiccedilatildeo que sempre existiu e
sempre teraacute que existir [] O teatro natildeo deixa de ser teatro mesmo
quando eacute didaacutetico e desde que seja bom teatro diverte (BRECHT 1978
p 49-50)
15
Brecht assim como Boal acreditava em um teatro libertador participativo
democraacutetico mostrando em cenas a luta diaacuteria dos oprimidos em relaccedilatildeo aos seus
opressores que por sua vez os manipulam de diversas formas Poreacutem sem perder a poeacutetica
representando segundo Brecht (1978) a fealdade de forma bela a indignidade de um
objeto indigno de uma forma digna a falta de graccedila de forma graciosa e a fraqueza de
forma vigorosa
As peccedilas de Brecht cumprem um objetivo de provocar seu puacuteblico como Matildee
Coragem e seus filhos Brecht tem uma opiniatildeo criacutetica do teatro apresentado no iniacutecio do
seacuteculo XX um teatro que produz a alienaccedilatildeo onde os conflitos se resolvem de forma
oacutebvia que mostra a realidade sem no entanto carregar a reflexatildeo de transformaccedilatildeo desta
realidade Brecht almeja um teatro em que esteja presente a reflexatildeo do homem em relaccedilatildeo
ao homem e a sociedade que constroacutei confronte suas afliccedilotildees se conheccedila e se reconheccedila
desprendendo-se de suas convicccedilotildees aos quais a sociedade burguesa manipula servindo-se
muitas vezes da ciecircncia
O que poderia ser o progresso de todos torna-se a vantagem de algumas
partes apenas e uma parte crescente da produccedilatildeo eacute votada aacute criaccedilatildeo de
meios destruidores destinados a guerras poderosas a guerra em que as
matildees de todas as naccedilotildees com os filhos apertados contra si esquadrinham
estupefatos o ceacuteu no rastro dos inventos mortiacuteferos da ciecircncia (BRECHT
apud MIRANDA 2005 p 134)
As colocaccedilotildees de Brecht segundo Miranda fazem do teatro umrdquo mecanismordquo em
que o homem se questiona em relaccedilatildeo ao mundo que lhe eacute apresentado em quaisquer
eacutepocas e em relaccedilatildeo a sua proacutepria vida propondo que a histoacuteria da humanidade seja o
material de pesquisa e produccedilatildeo que estaratildeo presentes na dramaturgia e o elemento mais
caracteriacutestico do Teatro Eacutepico eacute o efeito de distanciamento Brecht em seu livro Estudos
Sobre Teatro nos fala em diversos momentos sobre o efeito de distanciamento e o teatro
eacutepico
Tal efeito depende de uma teacutecnica especial pela qual se confere aos
acontecimentos representados (acontecimentos que se desenrolam entre
os homens nas suas relaccedilotildees reciacuteprocas) um cunho de sensacionalismo os
acontecimentos passam exigir uma explicaccedilatildeo deixam de ser evidentes
naturais O objetivo do efeito de distanciamento eacute possibilitar ao
16
espectador uma criacutetica fecunda dentro de uma perspectiva social
(BRECHT 1978 p 74)
O teatro eacutepico um caraacuteter profundamente esteacutetico e dificilmente pode
concebecirc-lo sem artista e sem qualidade esteacutetica sem fantasia humor e
simpatia Este teatro que preconizamos tem simultaneamente de divertir
e ensinar (ibid p 76)
Esta nova teacutecnica segundo Brecht (1978) tem como objetivo conferir ao
espectador uma atitude analiacutetica e criacutetica perante o desenrolar dos acontecimentos
permitindo aos atores se voltarem diretamente para o puacuteblico e jamais metamorfosear-se
integralmente na personagem
O teatro didaacutetico proposto por Brecht (2009) aborda temas da realidade do seu
puacuteblico como inflaccedilatildeo famiacutelia lutas sociais religiatildeo mostrando o mundo como ele eacute de
fato utilizando da teacutecnica do distanciamento com a qual apagam-se toda as ilusotildees e tudo
que se constroem em cena eacute mostrado ao espectador
Esta proposta de Brecht que leva ao puacuteblico a reflexatildeo e a transformaccedilatildeo eacute
importante ateacute os dias de hoje principalmente dentro do ambiente escolar que por si soacute eacute
um espaccedilo de reflexatildeo um espaccedilo poliacutetico um encontro da diversidade de etnias de
culturas de condiccedilotildees soacutecio econocircmicas e diversas estruturas familiares
Augusto Boal (2009) por sua vez alcanccedila a participaccedilatildeo efetiva do seu puacuteblico
com o Teatro Foacuterum e no Teatro do Oprimido Boal desenvolve meacutetodos de pesquisa e
criatividade com teacutecnicas e experimentos que buscam a transformaccedilatildeo seja no contexto
pessoal ou familiar estendendo-se agrave comunidade Ou seja ele transforma o fazer teatral em
uma accedilatildeo poliacutetica e social que tem como puacuteblico-alvo moradores de periferia
camponeses na Siciacutelia sul da Itaacutelia homens que batem em mulheres no Rio de Janeiro
operaacuterios no Chile espectadores oprimidos Ele ao escrever Teatro do Oprimido levanta
questotildees da proacutepria linguagem teatral para que serve a arte as discussotildees que arte traz
como virtude viacutecio justiccedila e conhecimento em um contexto de insatisfaccedilatildeo de
desigualdade repressatildeo problemas presentes na sociedade seja aqui no Brasil ou paiacuteses
por onde esteve sobretudo na eacutepoca do exiacutelio
Tanto Boal quanto Brecht entendem a arte como um meio de propor uma
experiecircncia politizada transformadora da sociedade sem comprometer a esteacutetica e a
poeacutetica nem a diversatildeo repleto de desafios com potencial de discutir questotildees relativas agraves
complexidades do ser humano e sua trajetoacuteria histoacuterica
17
Boal apesar de ser influenciado em alguns aspectos pelas propostas de Brecht
principalmente no que se refere as ideologias de combate a repressatildeo e de um teatro em
que a emoccedilatildeo despertada no puacuteblico deva ser a de ldquorevolta ou transformaccedilatildeordquo apresenta
poreacutem teacutecnicas adaptadas a realidade da ameacuterica latina
Segundo Boal (2009) o teatro eacute necessariamente poliacutetico porque poliacuteticas satildeo as
atividades do homem Sendo uma atividade poliacutetica tem grande embasamento criacutetico e
reflexivo se dada a livre participaccedilatildeo dos espectadores de massa proposta principal de
Boal no Teatro do Oprimido onde o espectador se reconhece principalmente porque em
algumas experiecircncias de Boal o espaccedilo em que acontece a accedilatildeo eacute o espaccedilo do proacuteprio
puacuteblico oportunizando a intervenccedilatildeo do puacuteblico mediante os problemas apresentados em
cena sempre mediada por um ator ao qual ele chama de coringa
O espaccedilo ldquoescolardquo eacute perfeito para encenaccedilotildees do Teatro do Oprimido como
podemos observar a Aacutervore do teatro do Oprimido em suas raiacutezes tronco galhos e folhas
compotildeem-se todas as diretrizes propostas no Curriacuteculo Nacional
FIGURA 1
Boal (2009) atraveacutes de jogos propotildeem agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo do corpo e da mente
alienados agraves tarefas repetitivas do dia a dia especialmente agraves do trabalho e agraves condiccedilotildees
econocircmicas ambientais e sociais de quem os praticardquo (BOAL 2009 p 16) No caso dos
alunos acostumados a sentarem-se em fila dentro de um espaccedilo fechado espaccedilo este que
tambeacutem atende ao desfile de consumos e modismos reforccedilando muitas vezes a ideia de
dominante e dominado deixando de ser um espaccedilo que propotildeem a reflexatildeo que decirc voz as
opressotildees diaacuterias tanto dos seus alunos como dos seus professores
18
Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da
sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor
de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo
momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e
Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a
reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade
12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro
Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da
sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como
espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento
Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de
famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos
de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12
anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte
e dramaturgia em especiacutefico
Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e
folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era
uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores
Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas
ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)
Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de
discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a
primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-
se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois
era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do
exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos
poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra
Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral
fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista
19
Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de
Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o
ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro
Brutus Jones Segundo ele
Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em
Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca
vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no
palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud
ALMANA 2009 p 64-65)
Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante
um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar
para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do
exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo
Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu
primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos
Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em
1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo
Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a
conhecida atriz Ruth de Souza
O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico
afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a
formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo
conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos
Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da
realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua
missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN
que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da
cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura
branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da
educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas
frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo
dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio
negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava
inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)
20
Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos
da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira
referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das
mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a
violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores
atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que
influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o
teatro eacutepico
O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes
cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem
surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a
Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas
de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira
O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo
poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo
Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios
pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias
procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio
um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de
portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem
noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com
liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores
vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali
ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que
ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam
aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e
ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)
Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da
linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores
braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas
de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que
o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo
educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando
melhor condiccedilatildeo de vida
21
O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma
a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria
trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso
poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e
divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a
exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo
de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela
sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem
mudanccedilas neste quadro
TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas
ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se
outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e
contra a discriminaccedilatildeo
As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os
dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o
teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para
a muacutesica e a danccedila
121- O Teatro Negro breve apontamento
Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute
formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os
paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam
Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais
mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da
sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de
mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com
uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica
Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os
negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa
22
utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis
estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na
televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o
negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos
ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque
Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute
circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o
feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a
recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo
estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo
praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)
O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este
passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo
(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga
referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e
poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da
dramaturgia o teatro negro
Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como
Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano
Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila
de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata
Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o
Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro
aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo
subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe
uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES
1993 p 29)
Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem
negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem
1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas
atribuiacutedos aos negros
23
negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos
mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de
seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das
peccedilas teatrais
Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o
empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o
preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros
No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um
negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem
podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo
(MENDES 1982 p 23-24)
O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no
cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz
Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira
no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute
no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores
negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta
patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro
averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas
dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro
Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem
como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o
branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao
puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que
estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro
Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de
afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que
implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na
eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida
produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar
outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do
negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais
ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada
direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)
24
Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem
que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas
pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta
por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de
Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros
reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento
preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar
que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo
selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a
cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os
autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como
personagem
ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo
alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se
os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas
colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute
apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os
atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)
Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo
negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas
assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para
qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda
eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes
Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de
pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave
sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma
personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas
deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator
textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano
No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia
apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute
Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema
25
criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu
depoimento diz
Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os
obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []
cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no
Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o
mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro
(DOUXAMI 2001 p 337)
O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro
natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco
frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes
espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela
expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute
entendermos que soacute existe uma raccedila humana
Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos
Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para
se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis
capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas
(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas
espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de
reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente
(LIMA apud MENDES 2010 p 37)
Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos
um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco
reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior
irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do
negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e
para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico
Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de
Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro
2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX
26
a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do
teatro engajado
Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a
identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees
brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das
oficinas aplicadas
27
CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA
CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande
influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-
brasileiras no ambiente escolar
Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na
Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de
Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo
semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da
Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas
pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas
dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente
Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)
abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar
personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de
Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa
Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas
inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black
power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira
repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado
por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a
expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado
espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda
em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial
sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)
Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute
essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e
3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto
708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de
educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas
puacuteblicas
28
brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das
escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-
brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo
algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os
alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis
aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal
Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado
pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma
diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os
professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente
houve mudanccedila de postura deste professor
ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi
desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que
permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano
destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo
do negro
Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite
aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de
aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se
primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal
conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si
mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros
que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade
profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito
Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro
horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo
jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na
minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em
relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos
filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro
Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da
Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do
29
Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais
cujos artistas eram negros
Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks
primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos
lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um
segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto
dentro do contexto do teatro negro
As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre
em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do
Ensino Meacutedio
Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as
questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo
dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o
trabalho com a linguagem
Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem
teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e
mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar
Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as
manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade
negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que
desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como
elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a
identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar
Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma
como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do
ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a
identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra
21- O contexto local e a influecircncia cultural
30
Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro
como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a
histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo
A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo
divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute
de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km
2 sendo que desses 30 eacute formado por
negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul
A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do
protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as
consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a
predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de
que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute
Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros
que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta
regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga
localiza-se uma reserva indiacutegena
Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da
Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma
identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das
Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as
manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba
municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de
gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e
gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos
jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os
descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais
No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e
sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de
escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes
4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010
acessado em 07 de maio de 2016
31
acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem
vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho
Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga
da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na
semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo
apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica
A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na
Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio
econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada
uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos
alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos
promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca
representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus
Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente
quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando
debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade
religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades
utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de
espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante
para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante
destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e
discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima
No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o
espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e
seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane
Sobral destacando aqui
Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei
fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter
ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser
tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava
muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas
(SOBRAL 2005 p13)
32
No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de
ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola
Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este
quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo
eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura
Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo
destes anos
A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um
grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial
para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral
questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina
Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos
alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos
como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos
professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou
de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano
escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o
referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia
um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro
com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica
Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios
femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se
harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-
brasileira
5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e
Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio
33
As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo
atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a
pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo
personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto
Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda
Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros
Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o
engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro
Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde
Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como
personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto
malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos
averiguar neste trecho
Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de
alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua
famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os
requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o
branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que
geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em
oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo
estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os
sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)
Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro
(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor
Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a
ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma
qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era
difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o
miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo
Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um
trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo
Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e
daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato
34
Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos
livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que
muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial
Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria
de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)
As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam
estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus
Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda
feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo
(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de
aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees
pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a
cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos
de ldquoembraquecimentordquo
Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo
prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente
independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-
brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes
tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro
Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A
valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a
ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade
Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o
desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a
autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola
ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar
inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a
destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas
para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano
[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica
essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a
compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo
que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006
p30)
35
Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento
cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir
a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas
escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903
221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016
No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15
a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois
realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se
cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a
semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta
sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para
as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo
com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de
conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os
encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos
foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar
como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais
As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais
e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de
uma arte afro-brasileira
Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais
que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o
corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo
de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento
crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas
manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras
Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais
produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e
culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees
que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as
quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes
36
Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
37
do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
38
violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
39
oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
40
violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
41
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
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Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
43
papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
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MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica
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Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
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68
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1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
12
CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL
O teatro eacute tatildeo antigo quanto a proacutepria humanidade desde os povos mais primitivos
com seus rituais oferecidos aos deuses representando ou se transformando nos mais
diferentes arqueacutetipos a evoluccedilatildeo da linguagem teatral acompanhou a evoluccedilatildeo cultural do
homem No decorrer da histoacuteria da humanidade as manifestaccedilotildees religiosas ritos de
fertilidades expressotildees culturais conflitos existecircncias movimentos ativistas encontram no
teatro a expressatildeo primeira de comunicaccedilatildeo e depois como obra social ateacute as reflexotildees
poliacuteticas
Patrice Pavis (2008) segundo Armiliato e Arauacutejo (2011) descreve esta evoluccedilatildeo da
cerimocircnia religiosa com a participaccedilatildeo de todos os envolvidos de um grupo ateacute que se
estabeleccedila a separaccedilatildeo entre atores e espectadores no encontro entre ambos num espaccedilo
preacute-definido Eacute neste encontro de encenaccedilatildeo e pessoas ainda segundo Armiliato e Arauacutejo
(2011) que se oportuniza a reflexatildeo poliacutetica e social de quem faz o teatro e de quem assiste
Na literatura encontramos referecircncias de encenadores e dramaturgos como Erwin
Piscator Bertold Brecht preconizadores do teatro Eacutepico Eugecircnio Barba com seu teatro
antropoloacutegico ldquoteatro como ilha de liberdade e ferramenta de combate a injusticcedilardquo
Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri e Abdias do Nascimento referecircncias no Brasil
com o teatro do oprimido e tantos outros que de uma forma mais direta ou natildeo veem o
teatro como linguagem do discurso poliacutetico e social
Observamos que para alguns estudiosos o teatro enquanto linguagem possui em si
um discurso poliacutetico e social que pode modificar natildeo somente a criaccedilatildeo artiacutestica mas
tambeacutem a sociedade Bertold Brecht (1978) com o Teatro Eacutepico e suas peccedilas didaacuteticas
acreditava que aleacutem do entretenimento o teatro oferecia a possibilidade de aprender
informar discutir e provocar transformaccedilotildees sobretudo nas camadas sociais descontentes
com a situaccedilatildeo em vigor
Jaacute para Augusto Boal (2009) com seu meacutetodo do Teatro do Oprimido as teacutecnicas
aplicadas tecircm como proposta apoio ao teatro agraves lutas dos oprimidos ao mesmo tempo que
propotildeem desenvolver ldquoa capacidade de perceber o mundo atraveacutes de todas as artesrdquo (p 15)
transformando diferentes grupos de oprimidos aleacutem de reconhecer as suas proacuteprias
repressotildees
Essas caracteriacutesticas sociais podem ser vistas tambeacutem em dramaturgias como as
peccedilas de Gianfrancesco Guarnieri sobretudo ldquoEles natildeo usam black tierdquo que aborda a luta
13
das classes sociais greve cenaacuterio de periferia retratando o povo brasileiro no final da
deacutecada de 50 e na sequecircncia a peccedila Gimba com os mesmos elementos de conflitos
urbanos Segundo Naacutedia Cristina Ribeiro (2008) para Guarnieri o teatro eacute um espaccedilo de
criacutetica da realidade e de denuacutencia das arbitrariedades contribuindo para a formaccedilatildeo de uma
sociedade politizada ( p 2)
Este tratamento do teatro como meio de reflexatildeo ocorre com mais veemecircncia a
partir do iniacutecio seacuteculo XX podemos refletir que o contexto social influencia o teatro
modificando natildeo soacute as pessoas mas tambeacutem os temas desenvolvidos nas criaccedilotildees Grandes
eventos histoacutericos foram fundamentais para se repensar o lugar do teatro e o mesmo como
meio de reflexatildeo como as duas Grandes Guerras Mundiais os movimentos do proletariado
contra os patrotildees os movimentos feministas os movimentos dos negros ou seja
movimentos de uma minoria enquanto representatividade de voz ativa nas tomadas de
decisotildees na sociedade em que estatildeo inseridas O Teatro promove o encontro de pessoas
segundo Gueacutenoun
O teatro eacute [] uma atividade intrinsicamente poliacutetica Natildeo em razatildeo do
que aiacute eacute mostrado ou debatido ndash embora tudo esteja ligado ndash mas de
maneira mais originaacuteria antes de qualquer conteuacutedo pelo fato pela
natureza da reuniatildeo que se estabelece (ARMILIATO e ARAUacuteJO apud
GUEacuteNOU 2003 p 15)
Para alcanccedilar e desenvolver este teatro que busca a interaccedilatildeo do seu puacuteblico
mediante a identificaccedilatildeo com aquilo que vecirc Brecht e Boal perceberam uma necessidade de
a arte proporcionar mudanccedila
Destes estudos sobre vaacuterios dramaturgos e encenadores ao longo da histoacuteria nas
disciplinas do Curso de Teatro vemos uma forte influecircncia na forma da compreensatildeo do
teatro como linguagem artiacutestica de discurso social e poliacutetico Associado agraves observaccedilotildees
dentro do contexto escolar que se manteacutem no formato de deacutecadas anteriores heranccedila da
ditadura militar onde a arte ainda eacute soacute entretenimento quando natildeo uma disciplina imposta
e pouca valorizada os trabalhos que propus nas oficinas teatrais sempre tiveram como
temaacuteticas questotildees sociais raciais de gecircnero proporcionando aos atores adolescentes que
se coloquem opinem critiquem este ambiente escolar
Sendo assim entendendo que o ambiente escolar eacute um espaccedilo de discussatildeo sobre o
homem a sua histoacuteria a sua relaccedilatildeo pessoal e interpessoal abordado em diversas
14
disciplinas tais como na histoacuteria filosofia psicologia sociologia e a arte o teatro em
especifico eacute de relevacircncia como linguagem que propicia o crescimento da crianccedila e do
jovem contribuindo juntamente com as demais disciplinas na formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes
do conhecimento por meio da identificaccedilatildeo com sua etnia cultura tradiccedilotildees gerando
novas formas de pensar agir e sentir
Ao identificar a iacutenfima discussatildeo da arte afro-brasileira como discurso social
poliacutetico e inclusivo (pois infelizmente haacute pouca representatividade de afro-brasileiros nas
festividades da escola aleacutem de poucas oportunidades de discutir a condiccedilatildeo do negro em
uma sociedade que de forma velada ou natildeo eacute racista) percebi a necessidade de envolver a
escola em um projeto Projeto este orientado pela linguagem teatral por meio de exerciacutecios
de consciecircncia corporal jogos teatrais leituras viacutedeos relacionando as discussotildees agrave
condiccedilatildeo do negro na sociedade
11 ndash Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica
Dois exemplos da utilizaccedilatildeo do teatro como modelo capaz de provocar mudanccedilas
na sociedade o trabalho de Bertold Brecht que apesar de ter um contexto alematildeo
influenciou o segundo exemplo Augusto Boal dramaturgo brasileiro Seraacute realizada uma
breve anaacutelise dos meacutetodos teatrais destes dramaturgos engajados num teatro como
ferramenta poliacutetica e lutas sociais em eacutepocas distintas
Brecht (1898 - 1956) e Boal (1931-2009) desenvolveram meacutetodos que tecircm em
comum alguns aspectos como a pesquisa a experiecircncia um teatro reflexivo e
transformador da sociedade com sentido poliacutetico e social ambos foram exilados de seus
paiacuteses por questotildees de movimentos poliacuteticos opositores ao capitalismo e aos opressores
Segundo Boal (2009) para Brecht as peccedilas teatrais natildeo podem despertar apenas uma
emoccedilatildeo ignorante alienadora mas uma emoccedilatildeo de aprendizagem cujo objetivo natildeo eacute tatildeo
somente o de interpretar o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo De acordo com Brecht
O que podemos dizer eacute que a oposiccedilatildeo entre aprender e divertir-se natildeo eacute
uma oposiccedilatildeo necessaacuteria por natureza uma oposiccedilatildeo que sempre existiu e
sempre teraacute que existir [] O teatro natildeo deixa de ser teatro mesmo
quando eacute didaacutetico e desde que seja bom teatro diverte (BRECHT 1978
p 49-50)
15
Brecht assim como Boal acreditava em um teatro libertador participativo
democraacutetico mostrando em cenas a luta diaacuteria dos oprimidos em relaccedilatildeo aos seus
opressores que por sua vez os manipulam de diversas formas Poreacutem sem perder a poeacutetica
representando segundo Brecht (1978) a fealdade de forma bela a indignidade de um
objeto indigno de uma forma digna a falta de graccedila de forma graciosa e a fraqueza de
forma vigorosa
As peccedilas de Brecht cumprem um objetivo de provocar seu puacuteblico como Matildee
Coragem e seus filhos Brecht tem uma opiniatildeo criacutetica do teatro apresentado no iniacutecio do
seacuteculo XX um teatro que produz a alienaccedilatildeo onde os conflitos se resolvem de forma
oacutebvia que mostra a realidade sem no entanto carregar a reflexatildeo de transformaccedilatildeo desta
realidade Brecht almeja um teatro em que esteja presente a reflexatildeo do homem em relaccedilatildeo
ao homem e a sociedade que constroacutei confronte suas afliccedilotildees se conheccedila e se reconheccedila
desprendendo-se de suas convicccedilotildees aos quais a sociedade burguesa manipula servindo-se
muitas vezes da ciecircncia
O que poderia ser o progresso de todos torna-se a vantagem de algumas
partes apenas e uma parte crescente da produccedilatildeo eacute votada aacute criaccedilatildeo de
meios destruidores destinados a guerras poderosas a guerra em que as
matildees de todas as naccedilotildees com os filhos apertados contra si esquadrinham
estupefatos o ceacuteu no rastro dos inventos mortiacuteferos da ciecircncia (BRECHT
apud MIRANDA 2005 p 134)
As colocaccedilotildees de Brecht segundo Miranda fazem do teatro umrdquo mecanismordquo em
que o homem se questiona em relaccedilatildeo ao mundo que lhe eacute apresentado em quaisquer
eacutepocas e em relaccedilatildeo a sua proacutepria vida propondo que a histoacuteria da humanidade seja o
material de pesquisa e produccedilatildeo que estaratildeo presentes na dramaturgia e o elemento mais
caracteriacutestico do Teatro Eacutepico eacute o efeito de distanciamento Brecht em seu livro Estudos
Sobre Teatro nos fala em diversos momentos sobre o efeito de distanciamento e o teatro
eacutepico
Tal efeito depende de uma teacutecnica especial pela qual se confere aos
acontecimentos representados (acontecimentos que se desenrolam entre
os homens nas suas relaccedilotildees reciacuteprocas) um cunho de sensacionalismo os
acontecimentos passam exigir uma explicaccedilatildeo deixam de ser evidentes
naturais O objetivo do efeito de distanciamento eacute possibilitar ao
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espectador uma criacutetica fecunda dentro de uma perspectiva social
(BRECHT 1978 p 74)
O teatro eacutepico um caraacuteter profundamente esteacutetico e dificilmente pode
concebecirc-lo sem artista e sem qualidade esteacutetica sem fantasia humor e
simpatia Este teatro que preconizamos tem simultaneamente de divertir
e ensinar (ibid p 76)
Esta nova teacutecnica segundo Brecht (1978) tem como objetivo conferir ao
espectador uma atitude analiacutetica e criacutetica perante o desenrolar dos acontecimentos
permitindo aos atores se voltarem diretamente para o puacuteblico e jamais metamorfosear-se
integralmente na personagem
O teatro didaacutetico proposto por Brecht (2009) aborda temas da realidade do seu
puacuteblico como inflaccedilatildeo famiacutelia lutas sociais religiatildeo mostrando o mundo como ele eacute de
fato utilizando da teacutecnica do distanciamento com a qual apagam-se toda as ilusotildees e tudo
que se constroem em cena eacute mostrado ao espectador
Esta proposta de Brecht que leva ao puacuteblico a reflexatildeo e a transformaccedilatildeo eacute
importante ateacute os dias de hoje principalmente dentro do ambiente escolar que por si soacute eacute
um espaccedilo de reflexatildeo um espaccedilo poliacutetico um encontro da diversidade de etnias de
culturas de condiccedilotildees soacutecio econocircmicas e diversas estruturas familiares
Augusto Boal (2009) por sua vez alcanccedila a participaccedilatildeo efetiva do seu puacuteblico
com o Teatro Foacuterum e no Teatro do Oprimido Boal desenvolve meacutetodos de pesquisa e
criatividade com teacutecnicas e experimentos que buscam a transformaccedilatildeo seja no contexto
pessoal ou familiar estendendo-se agrave comunidade Ou seja ele transforma o fazer teatral em
uma accedilatildeo poliacutetica e social que tem como puacuteblico-alvo moradores de periferia
camponeses na Siciacutelia sul da Itaacutelia homens que batem em mulheres no Rio de Janeiro
operaacuterios no Chile espectadores oprimidos Ele ao escrever Teatro do Oprimido levanta
questotildees da proacutepria linguagem teatral para que serve a arte as discussotildees que arte traz
como virtude viacutecio justiccedila e conhecimento em um contexto de insatisfaccedilatildeo de
desigualdade repressatildeo problemas presentes na sociedade seja aqui no Brasil ou paiacuteses
por onde esteve sobretudo na eacutepoca do exiacutelio
Tanto Boal quanto Brecht entendem a arte como um meio de propor uma
experiecircncia politizada transformadora da sociedade sem comprometer a esteacutetica e a
poeacutetica nem a diversatildeo repleto de desafios com potencial de discutir questotildees relativas agraves
complexidades do ser humano e sua trajetoacuteria histoacuterica
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Boal apesar de ser influenciado em alguns aspectos pelas propostas de Brecht
principalmente no que se refere as ideologias de combate a repressatildeo e de um teatro em
que a emoccedilatildeo despertada no puacuteblico deva ser a de ldquorevolta ou transformaccedilatildeordquo apresenta
poreacutem teacutecnicas adaptadas a realidade da ameacuterica latina
Segundo Boal (2009) o teatro eacute necessariamente poliacutetico porque poliacuteticas satildeo as
atividades do homem Sendo uma atividade poliacutetica tem grande embasamento criacutetico e
reflexivo se dada a livre participaccedilatildeo dos espectadores de massa proposta principal de
Boal no Teatro do Oprimido onde o espectador se reconhece principalmente porque em
algumas experiecircncias de Boal o espaccedilo em que acontece a accedilatildeo eacute o espaccedilo do proacuteprio
puacuteblico oportunizando a intervenccedilatildeo do puacuteblico mediante os problemas apresentados em
cena sempre mediada por um ator ao qual ele chama de coringa
O espaccedilo ldquoescolardquo eacute perfeito para encenaccedilotildees do Teatro do Oprimido como
podemos observar a Aacutervore do teatro do Oprimido em suas raiacutezes tronco galhos e folhas
compotildeem-se todas as diretrizes propostas no Curriacuteculo Nacional
FIGURA 1
Boal (2009) atraveacutes de jogos propotildeem agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo do corpo e da mente
alienados agraves tarefas repetitivas do dia a dia especialmente agraves do trabalho e agraves condiccedilotildees
econocircmicas ambientais e sociais de quem os praticardquo (BOAL 2009 p 16) No caso dos
alunos acostumados a sentarem-se em fila dentro de um espaccedilo fechado espaccedilo este que
tambeacutem atende ao desfile de consumos e modismos reforccedilando muitas vezes a ideia de
dominante e dominado deixando de ser um espaccedilo que propotildeem a reflexatildeo que decirc voz as
opressotildees diaacuterias tanto dos seus alunos como dos seus professores
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Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da
sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor
de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo
momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e
Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a
reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade
12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro
Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da
sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como
espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento
Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de
famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos
de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12
anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte
e dramaturgia em especiacutefico
Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e
folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era
uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores
Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas
ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)
Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de
discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a
primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-
se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois
era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do
exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos
poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra
Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral
fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista
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Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de
Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o
ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro
Brutus Jones Segundo ele
Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em
Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca
vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no
palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud
ALMANA 2009 p 64-65)
Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante
um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar
para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do
exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo
Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu
primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos
Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em
1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo
Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a
conhecida atriz Ruth de Souza
O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico
afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a
formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo
conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos
Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da
realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua
missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN
que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da
cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura
branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da
educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas
frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo
dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio
negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava
inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)
20
Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos
da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira
referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das
mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a
violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores
atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que
influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o
teatro eacutepico
O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes
cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem
surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a
Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas
de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira
O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo
poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo
Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios
pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias
procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio
um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de
portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem
noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com
liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores
vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali
ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que
ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam
aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e
ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)
Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da
linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores
braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas
de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que
o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo
educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando
melhor condiccedilatildeo de vida
21
O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma
a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria
trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso
poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e
divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a
exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo
de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela
sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem
mudanccedilas neste quadro
TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas
ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se
outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e
contra a discriminaccedilatildeo
As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os
dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o
teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para
a muacutesica e a danccedila
121- O Teatro Negro breve apontamento
Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute
formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os
paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam
Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais
mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da
sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de
mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com
uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica
Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os
negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa
22
utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis
estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na
televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o
negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos
ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque
Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute
circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o
feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a
recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo
estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo
praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)
O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este
passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo
(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga
referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e
poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da
dramaturgia o teatro negro
Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como
Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano
Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila
de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata
Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o
Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro
aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo
subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe
uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES
1993 p 29)
Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem
negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem
1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas
atribuiacutedos aos negros
23
negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos
mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de
seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das
peccedilas teatrais
Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o
empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o
preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros
No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um
negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem
podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo
(MENDES 1982 p 23-24)
O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no
cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz
Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira
no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute
no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores
negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta
patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro
averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas
dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro
Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem
como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o
branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao
puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que
estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro
Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de
afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que
implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na
eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida
produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar
outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do
negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais
ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada
direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)
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Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem
que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas
pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta
por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de
Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros
reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento
preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar
que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo
selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a
cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os
autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como
personagem
ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo
alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se
os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas
colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute
apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os
atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)
Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo
negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas
assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para
qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda
eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes
Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de
pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave
sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma
personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas
deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator
textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano
No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia
apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute
Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema
25
criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu
depoimento diz
Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os
obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []
cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no
Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o
mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro
(DOUXAMI 2001 p 337)
O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro
natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco
frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes
espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela
expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute
entendermos que soacute existe uma raccedila humana
Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos
Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para
se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis
capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas
(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas
espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de
reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente
(LIMA apud MENDES 2010 p 37)
Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos
um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco
reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior
irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do
negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e
para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico
Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de
Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro
2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX
26
a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do
teatro engajado
Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a
identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees
brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das
oficinas aplicadas
27
CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA
CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande
influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-
brasileiras no ambiente escolar
Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na
Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de
Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo
semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da
Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas
pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas
dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente
Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)
abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar
personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de
Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa
Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas
inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black
power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira
repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado
por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a
expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado
espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda
em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial
sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)
Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute
essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e
3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto
708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de
educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas
puacuteblicas
28
brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das
escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-
brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo
algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os
alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis
aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal
Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado
pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma
diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os
professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente
houve mudanccedila de postura deste professor
ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi
desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que
permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano
destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo
do negro
Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite
aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de
aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se
primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal
conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si
mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros
que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade
profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito
Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro
horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo
jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na
minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em
relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos
filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro
Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da
Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do
29
Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais
cujos artistas eram negros
Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks
primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos
lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um
segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto
dentro do contexto do teatro negro
As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre
em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do
Ensino Meacutedio
Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as
questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo
dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o
trabalho com a linguagem
Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem
teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e
mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar
Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as
manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade
negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que
desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como
elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a
identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar
Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma
como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do
ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a
identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra
21- O contexto local e a influecircncia cultural
30
Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro
como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a
histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo
A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo
divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute
de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km
2 sendo que desses 30 eacute formado por
negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul
A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do
protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as
consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a
predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de
que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute
Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros
que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta
regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga
localiza-se uma reserva indiacutegena
Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da
Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma
identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das
Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as
manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba
municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de
gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e
gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos
jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os
descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais
No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e
sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de
escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes
4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010
acessado em 07 de maio de 2016
31
acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem
vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho
Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga
da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na
semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo
apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica
A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na
Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio
econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada
uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos
alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos
promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca
representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus
Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente
quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando
debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade
religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades
utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de
espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante
para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante
destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e
discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima
No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o
espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e
seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane
Sobral destacando aqui
Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei
fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter
ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser
tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava
muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas
(SOBRAL 2005 p13)
32
No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de
ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola
Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este
quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo
eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura
Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo
destes anos
A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um
grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial
para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral
questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina
Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos
alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos
como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos
professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou
de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano
escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o
referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia
um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro
com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica
Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios
femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se
harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-
brasileira
5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e
Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio
33
As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo
atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a
pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo
personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto
Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda
Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros
Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o
engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro
Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde
Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como
personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto
malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos
averiguar neste trecho
Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de
alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua
famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os
requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o
branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que
geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em
oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo
estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os
sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)
Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro
(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor
Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a
ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma
qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era
difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o
miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo
Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um
trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo
Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e
daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato
34
Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos
livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que
muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial
Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria
de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)
As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam
estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus
Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda
feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo
(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de
aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees
pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a
cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos
de ldquoembraquecimentordquo
Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo
prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente
independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-
brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes
tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro
Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A
valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a
ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade
Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o
desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a
autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola
ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar
inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a
destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas
para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano
[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica
essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a
compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo
que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006
p30)
35
Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento
cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir
a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas
escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903
221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016
No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15
a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois
realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se
cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a
semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta
sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para
as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo
com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de
conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os
encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos
foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar
como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais
As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais
e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de
uma arte afro-brasileira
Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais
que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o
corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo
de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento
crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas
manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras
Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais
produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e
culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees
que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as
quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes
36
Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
37
do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
38
violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
39
oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
40
violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
41
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
42
Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
43
papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
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45
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SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio
Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
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Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
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66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
13
das classes sociais greve cenaacuterio de periferia retratando o povo brasileiro no final da
deacutecada de 50 e na sequecircncia a peccedila Gimba com os mesmos elementos de conflitos
urbanos Segundo Naacutedia Cristina Ribeiro (2008) para Guarnieri o teatro eacute um espaccedilo de
criacutetica da realidade e de denuacutencia das arbitrariedades contribuindo para a formaccedilatildeo de uma
sociedade politizada ( p 2)
Este tratamento do teatro como meio de reflexatildeo ocorre com mais veemecircncia a
partir do iniacutecio seacuteculo XX podemos refletir que o contexto social influencia o teatro
modificando natildeo soacute as pessoas mas tambeacutem os temas desenvolvidos nas criaccedilotildees Grandes
eventos histoacutericos foram fundamentais para se repensar o lugar do teatro e o mesmo como
meio de reflexatildeo como as duas Grandes Guerras Mundiais os movimentos do proletariado
contra os patrotildees os movimentos feministas os movimentos dos negros ou seja
movimentos de uma minoria enquanto representatividade de voz ativa nas tomadas de
decisotildees na sociedade em que estatildeo inseridas O Teatro promove o encontro de pessoas
segundo Gueacutenoun
O teatro eacute [] uma atividade intrinsicamente poliacutetica Natildeo em razatildeo do
que aiacute eacute mostrado ou debatido ndash embora tudo esteja ligado ndash mas de
maneira mais originaacuteria antes de qualquer conteuacutedo pelo fato pela
natureza da reuniatildeo que se estabelece (ARMILIATO e ARAUacuteJO apud
GUEacuteNOU 2003 p 15)
Para alcanccedilar e desenvolver este teatro que busca a interaccedilatildeo do seu puacuteblico
mediante a identificaccedilatildeo com aquilo que vecirc Brecht e Boal perceberam uma necessidade de
a arte proporcionar mudanccedila
Destes estudos sobre vaacuterios dramaturgos e encenadores ao longo da histoacuteria nas
disciplinas do Curso de Teatro vemos uma forte influecircncia na forma da compreensatildeo do
teatro como linguagem artiacutestica de discurso social e poliacutetico Associado agraves observaccedilotildees
dentro do contexto escolar que se manteacutem no formato de deacutecadas anteriores heranccedila da
ditadura militar onde a arte ainda eacute soacute entretenimento quando natildeo uma disciplina imposta
e pouca valorizada os trabalhos que propus nas oficinas teatrais sempre tiveram como
temaacuteticas questotildees sociais raciais de gecircnero proporcionando aos atores adolescentes que
se coloquem opinem critiquem este ambiente escolar
Sendo assim entendendo que o ambiente escolar eacute um espaccedilo de discussatildeo sobre o
homem a sua histoacuteria a sua relaccedilatildeo pessoal e interpessoal abordado em diversas
14
disciplinas tais como na histoacuteria filosofia psicologia sociologia e a arte o teatro em
especifico eacute de relevacircncia como linguagem que propicia o crescimento da crianccedila e do
jovem contribuindo juntamente com as demais disciplinas na formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes
do conhecimento por meio da identificaccedilatildeo com sua etnia cultura tradiccedilotildees gerando
novas formas de pensar agir e sentir
Ao identificar a iacutenfima discussatildeo da arte afro-brasileira como discurso social
poliacutetico e inclusivo (pois infelizmente haacute pouca representatividade de afro-brasileiros nas
festividades da escola aleacutem de poucas oportunidades de discutir a condiccedilatildeo do negro em
uma sociedade que de forma velada ou natildeo eacute racista) percebi a necessidade de envolver a
escola em um projeto Projeto este orientado pela linguagem teatral por meio de exerciacutecios
de consciecircncia corporal jogos teatrais leituras viacutedeos relacionando as discussotildees agrave
condiccedilatildeo do negro na sociedade
11 ndash Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica
Dois exemplos da utilizaccedilatildeo do teatro como modelo capaz de provocar mudanccedilas
na sociedade o trabalho de Bertold Brecht que apesar de ter um contexto alematildeo
influenciou o segundo exemplo Augusto Boal dramaturgo brasileiro Seraacute realizada uma
breve anaacutelise dos meacutetodos teatrais destes dramaturgos engajados num teatro como
ferramenta poliacutetica e lutas sociais em eacutepocas distintas
Brecht (1898 - 1956) e Boal (1931-2009) desenvolveram meacutetodos que tecircm em
comum alguns aspectos como a pesquisa a experiecircncia um teatro reflexivo e
transformador da sociedade com sentido poliacutetico e social ambos foram exilados de seus
paiacuteses por questotildees de movimentos poliacuteticos opositores ao capitalismo e aos opressores
Segundo Boal (2009) para Brecht as peccedilas teatrais natildeo podem despertar apenas uma
emoccedilatildeo ignorante alienadora mas uma emoccedilatildeo de aprendizagem cujo objetivo natildeo eacute tatildeo
somente o de interpretar o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo De acordo com Brecht
O que podemos dizer eacute que a oposiccedilatildeo entre aprender e divertir-se natildeo eacute
uma oposiccedilatildeo necessaacuteria por natureza uma oposiccedilatildeo que sempre existiu e
sempre teraacute que existir [] O teatro natildeo deixa de ser teatro mesmo
quando eacute didaacutetico e desde que seja bom teatro diverte (BRECHT 1978
p 49-50)
15
Brecht assim como Boal acreditava em um teatro libertador participativo
democraacutetico mostrando em cenas a luta diaacuteria dos oprimidos em relaccedilatildeo aos seus
opressores que por sua vez os manipulam de diversas formas Poreacutem sem perder a poeacutetica
representando segundo Brecht (1978) a fealdade de forma bela a indignidade de um
objeto indigno de uma forma digna a falta de graccedila de forma graciosa e a fraqueza de
forma vigorosa
As peccedilas de Brecht cumprem um objetivo de provocar seu puacuteblico como Matildee
Coragem e seus filhos Brecht tem uma opiniatildeo criacutetica do teatro apresentado no iniacutecio do
seacuteculo XX um teatro que produz a alienaccedilatildeo onde os conflitos se resolvem de forma
oacutebvia que mostra a realidade sem no entanto carregar a reflexatildeo de transformaccedilatildeo desta
realidade Brecht almeja um teatro em que esteja presente a reflexatildeo do homem em relaccedilatildeo
ao homem e a sociedade que constroacutei confronte suas afliccedilotildees se conheccedila e se reconheccedila
desprendendo-se de suas convicccedilotildees aos quais a sociedade burguesa manipula servindo-se
muitas vezes da ciecircncia
O que poderia ser o progresso de todos torna-se a vantagem de algumas
partes apenas e uma parte crescente da produccedilatildeo eacute votada aacute criaccedilatildeo de
meios destruidores destinados a guerras poderosas a guerra em que as
matildees de todas as naccedilotildees com os filhos apertados contra si esquadrinham
estupefatos o ceacuteu no rastro dos inventos mortiacuteferos da ciecircncia (BRECHT
apud MIRANDA 2005 p 134)
As colocaccedilotildees de Brecht segundo Miranda fazem do teatro umrdquo mecanismordquo em
que o homem se questiona em relaccedilatildeo ao mundo que lhe eacute apresentado em quaisquer
eacutepocas e em relaccedilatildeo a sua proacutepria vida propondo que a histoacuteria da humanidade seja o
material de pesquisa e produccedilatildeo que estaratildeo presentes na dramaturgia e o elemento mais
caracteriacutestico do Teatro Eacutepico eacute o efeito de distanciamento Brecht em seu livro Estudos
Sobre Teatro nos fala em diversos momentos sobre o efeito de distanciamento e o teatro
eacutepico
Tal efeito depende de uma teacutecnica especial pela qual se confere aos
acontecimentos representados (acontecimentos que se desenrolam entre
os homens nas suas relaccedilotildees reciacuteprocas) um cunho de sensacionalismo os
acontecimentos passam exigir uma explicaccedilatildeo deixam de ser evidentes
naturais O objetivo do efeito de distanciamento eacute possibilitar ao
16
espectador uma criacutetica fecunda dentro de uma perspectiva social
(BRECHT 1978 p 74)
O teatro eacutepico um caraacuteter profundamente esteacutetico e dificilmente pode
concebecirc-lo sem artista e sem qualidade esteacutetica sem fantasia humor e
simpatia Este teatro que preconizamos tem simultaneamente de divertir
e ensinar (ibid p 76)
Esta nova teacutecnica segundo Brecht (1978) tem como objetivo conferir ao
espectador uma atitude analiacutetica e criacutetica perante o desenrolar dos acontecimentos
permitindo aos atores se voltarem diretamente para o puacuteblico e jamais metamorfosear-se
integralmente na personagem
O teatro didaacutetico proposto por Brecht (2009) aborda temas da realidade do seu
puacuteblico como inflaccedilatildeo famiacutelia lutas sociais religiatildeo mostrando o mundo como ele eacute de
fato utilizando da teacutecnica do distanciamento com a qual apagam-se toda as ilusotildees e tudo
que se constroem em cena eacute mostrado ao espectador
Esta proposta de Brecht que leva ao puacuteblico a reflexatildeo e a transformaccedilatildeo eacute
importante ateacute os dias de hoje principalmente dentro do ambiente escolar que por si soacute eacute
um espaccedilo de reflexatildeo um espaccedilo poliacutetico um encontro da diversidade de etnias de
culturas de condiccedilotildees soacutecio econocircmicas e diversas estruturas familiares
Augusto Boal (2009) por sua vez alcanccedila a participaccedilatildeo efetiva do seu puacuteblico
com o Teatro Foacuterum e no Teatro do Oprimido Boal desenvolve meacutetodos de pesquisa e
criatividade com teacutecnicas e experimentos que buscam a transformaccedilatildeo seja no contexto
pessoal ou familiar estendendo-se agrave comunidade Ou seja ele transforma o fazer teatral em
uma accedilatildeo poliacutetica e social que tem como puacuteblico-alvo moradores de periferia
camponeses na Siciacutelia sul da Itaacutelia homens que batem em mulheres no Rio de Janeiro
operaacuterios no Chile espectadores oprimidos Ele ao escrever Teatro do Oprimido levanta
questotildees da proacutepria linguagem teatral para que serve a arte as discussotildees que arte traz
como virtude viacutecio justiccedila e conhecimento em um contexto de insatisfaccedilatildeo de
desigualdade repressatildeo problemas presentes na sociedade seja aqui no Brasil ou paiacuteses
por onde esteve sobretudo na eacutepoca do exiacutelio
Tanto Boal quanto Brecht entendem a arte como um meio de propor uma
experiecircncia politizada transformadora da sociedade sem comprometer a esteacutetica e a
poeacutetica nem a diversatildeo repleto de desafios com potencial de discutir questotildees relativas agraves
complexidades do ser humano e sua trajetoacuteria histoacuterica
17
Boal apesar de ser influenciado em alguns aspectos pelas propostas de Brecht
principalmente no que se refere as ideologias de combate a repressatildeo e de um teatro em
que a emoccedilatildeo despertada no puacuteblico deva ser a de ldquorevolta ou transformaccedilatildeordquo apresenta
poreacutem teacutecnicas adaptadas a realidade da ameacuterica latina
Segundo Boal (2009) o teatro eacute necessariamente poliacutetico porque poliacuteticas satildeo as
atividades do homem Sendo uma atividade poliacutetica tem grande embasamento criacutetico e
reflexivo se dada a livre participaccedilatildeo dos espectadores de massa proposta principal de
Boal no Teatro do Oprimido onde o espectador se reconhece principalmente porque em
algumas experiecircncias de Boal o espaccedilo em que acontece a accedilatildeo eacute o espaccedilo do proacuteprio
puacuteblico oportunizando a intervenccedilatildeo do puacuteblico mediante os problemas apresentados em
cena sempre mediada por um ator ao qual ele chama de coringa
O espaccedilo ldquoescolardquo eacute perfeito para encenaccedilotildees do Teatro do Oprimido como
podemos observar a Aacutervore do teatro do Oprimido em suas raiacutezes tronco galhos e folhas
compotildeem-se todas as diretrizes propostas no Curriacuteculo Nacional
FIGURA 1
Boal (2009) atraveacutes de jogos propotildeem agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo do corpo e da mente
alienados agraves tarefas repetitivas do dia a dia especialmente agraves do trabalho e agraves condiccedilotildees
econocircmicas ambientais e sociais de quem os praticardquo (BOAL 2009 p 16) No caso dos
alunos acostumados a sentarem-se em fila dentro de um espaccedilo fechado espaccedilo este que
tambeacutem atende ao desfile de consumos e modismos reforccedilando muitas vezes a ideia de
dominante e dominado deixando de ser um espaccedilo que propotildeem a reflexatildeo que decirc voz as
opressotildees diaacuterias tanto dos seus alunos como dos seus professores
18
Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da
sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor
de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo
momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e
Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a
reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade
12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro
Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da
sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como
espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento
Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de
famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos
de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12
anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte
e dramaturgia em especiacutefico
Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e
folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era
uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores
Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas
ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)
Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de
discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a
primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-
se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois
era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do
exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos
poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra
Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral
fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista
19
Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de
Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o
ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro
Brutus Jones Segundo ele
Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em
Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca
vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no
palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud
ALMANA 2009 p 64-65)
Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante
um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar
para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do
exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo
Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu
primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos
Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em
1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo
Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a
conhecida atriz Ruth de Souza
O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico
afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a
formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo
conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos
Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da
realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua
missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN
que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da
cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura
branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da
educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas
frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo
dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio
negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava
inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)
20
Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos
da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira
referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das
mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a
violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores
atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que
influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o
teatro eacutepico
O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes
cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem
surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a
Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas
de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira
O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo
poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo
Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios
pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias
procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio
um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de
portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem
noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com
liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores
vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali
ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que
ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam
aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e
ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)
Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da
linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores
braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas
de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que
o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo
educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando
melhor condiccedilatildeo de vida
21
O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma
a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria
trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso
poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e
divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a
exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo
de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela
sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem
mudanccedilas neste quadro
TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas
ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se
outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e
contra a discriminaccedilatildeo
As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os
dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o
teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para
a muacutesica e a danccedila
121- O Teatro Negro breve apontamento
Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute
formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os
paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam
Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais
mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da
sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de
mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com
uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica
Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os
negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa
22
utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis
estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na
televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o
negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos
ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque
Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute
circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o
feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a
recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo
estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo
praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)
O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este
passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo
(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga
referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e
poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da
dramaturgia o teatro negro
Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como
Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano
Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila
de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata
Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o
Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro
aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo
subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe
uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES
1993 p 29)
Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem
negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem
1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas
atribuiacutedos aos negros
23
negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos
mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de
seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das
peccedilas teatrais
Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o
empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o
preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros
No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um
negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem
podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo
(MENDES 1982 p 23-24)
O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no
cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz
Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira
no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute
no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores
negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta
patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro
averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas
dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro
Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem
como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o
branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao
puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que
estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro
Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de
afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que
implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na
eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida
produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar
outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do
negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais
ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada
direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)
24
Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem
que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas
pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta
por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de
Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros
reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento
preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar
que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo
selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a
cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os
autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como
personagem
ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo
alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se
os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas
colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute
apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os
atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)
Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo
negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas
assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para
qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda
eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes
Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de
pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave
sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma
personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas
deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator
textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano
No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia
apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute
Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema
25
criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu
depoimento diz
Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os
obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []
cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no
Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o
mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro
(DOUXAMI 2001 p 337)
O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro
natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco
frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes
espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela
expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute
entendermos que soacute existe uma raccedila humana
Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos
Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para
se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis
capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas
(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas
espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de
reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente
(LIMA apud MENDES 2010 p 37)
Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos
um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco
reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior
irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do
negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e
para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico
Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de
Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro
2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX
26
a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do
teatro engajado
Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a
identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees
brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das
oficinas aplicadas
27
CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA
CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande
influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-
brasileiras no ambiente escolar
Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na
Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de
Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo
semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da
Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas
pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas
dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente
Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)
abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar
personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de
Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa
Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas
inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black
power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira
repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado
por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a
expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado
espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda
em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial
sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)
Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute
essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e
3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto
708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de
educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas
puacuteblicas
28
brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das
escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-
brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo
algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os
alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis
aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal
Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado
pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma
diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os
professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente
houve mudanccedila de postura deste professor
ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi
desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que
permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano
destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo
do negro
Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite
aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de
aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se
primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal
conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si
mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros
que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade
profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito
Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro
horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo
jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na
minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em
relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos
filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro
Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da
Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do
29
Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais
cujos artistas eram negros
Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks
primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos
lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um
segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto
dentro do contexto do teatro negro
As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre
em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do
Ensino Meacutedio
Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as
questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo
dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o
trabalho com a linguagem
Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem
teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e
mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar
Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as
manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade
negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que
desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como
elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a
identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar
Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma
como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do
ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a
identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra
21- O contexto local e a influecircncia cultural
30
Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro
como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a
histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo
A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo
divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute
de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km
2 sendo que desses 30 eacute formado por
negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul
A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do
protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as
consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a
predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de
que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute
Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros
que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta
regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga
localiza-se uma reserva indiacutegena
Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da
Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma
identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das
Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as
manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba
municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de
gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e
gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos
jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os
descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais
No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e
sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de
escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes
4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010
acessado em 07 de maio de 2016
31
acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem
vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho
Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga
da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na
semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo
apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica
A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na
Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio
econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada
uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos
alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos
promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca
representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus
Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente
quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando
debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade
religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades
utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de
espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante
para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante
destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e
discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima
No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o
espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e
seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane
Sobral destacando aqui
Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei
fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter
ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser
tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava
muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas
(SOBRAL 2005 p13)
32
No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de
ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola
Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este
quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo
eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura
Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo
destes anos
A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um
grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial
para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral
questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina
Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos
alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos
como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos
professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou
de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano
escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o
referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia
um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro
com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica
Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios
femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se
harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-
brasileira
5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e
Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio
33
As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo
atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a
pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo
personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto
Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda
Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros
Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o
engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro
Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde
Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como
personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto
malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos
averiguar neste trecho
Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de
alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua
famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os
requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o
branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que
geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em
oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo
estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os
sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)
Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro
(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor
Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a
ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma
qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era
difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o
miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo
Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um
trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo
Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e
daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato
34
Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos
livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que
muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial
Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria
de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)
As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam
estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus
Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda
feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo
(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de
aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees
pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a
cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos
de ldquoembraquecimentordquo
Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo
prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente
independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-
brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes
tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro
Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A
valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a
ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade
Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o
desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a
autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola
ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar
inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a
destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas
para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano
[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica
essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a
compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo
que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006
p30)
35
Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento
cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir
a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas
escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903
221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016
No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15
a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois
realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se
cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a
semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta
sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para
as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo
com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de
conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os
encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos
foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar
como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais
As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais
e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de
uma arte afro-brasileira
Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais
que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o
corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo
de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento
crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas
manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras
Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais
produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e
culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees
que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as
quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes
36
Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
37
do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
38
violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
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oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
40
violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
41
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
42
Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
43
papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
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Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
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ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
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Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
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ANEXO 4 Questionaacuterio
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1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
14
disciplinas tais como na histoacuteria filosofia psicologia sociologia e a arte o teatro em
especifico eacute de relevacircncia como linguagem que propicia o crescimento da crianccedila e do
jovem contribuindo juntamente com as demais disciplinas na formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes
do conhecimento por meio da identificaccedilatildeo com sua etnia cultura tradiccedilotildees gerando
novas formas de pensar agir e sentir
Ao identificar a iacutenfima discussatildeo da arte afro-brasileira como discurso social
poliacutetico e inclusivo (pois infelizmente haacute pouca representatividade de afro-brasileiros nas
festividades da escola aleacutem de poucas oportunidades de discutir a condiccedilatildeo do negro em
uma sociedade que de forma velada ou natildeo eacute racista) percebi a necessidade de envolver a
escola em um projeto Projeto este orientado pela linguagem teatral por meio de exerciacutecios
de consciecircncia corporal jogos teatrais leituras viacutedeos relacionando as discussotildees agrave
condiccedilatildeo do negro na sociedade
11 ndash Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica
Dois exemplos da utilizaccedilatildeo do teatro como modelo capaz de provocar mudanccedilas
na sociedade o trabalho de Bertold Brecht que apesar de ter um contexto alematildeo
influenciou o segundo exemplo Augusto Boal dramaturgo brasileiro Seraacute realizada uma
breve anaacutelise dos meacutetodos teatrais destes dramaturgos engajados num teatro como
ferramenta poliacutetica e lutas sociais em eacutepocas distintas
Brecht (1898 - 1956) e Boal (1931-2009) desenvolveram meacutetodos que tecircm em
comum alguns aspectos como a pesquisa a experiecircncia um teatro reflexivo e
transformador da sociedade com sentido poliacutetico e social ambos foram exilados de seus
paiacuteses por questotildees de movimentos poliacuteticos opositores ao capitalismo e aos opressores
Segundo Boal (2009) para Brecht as peccedilas teatrais natildeo podem despertar apenas uma
emoccedilatildeo ignorante alienadora mas uma emoccedilatildeo de aprendizagem cujo objetivo natildeo eacute tatildeo
somente o de interpretar o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo De acordo com Brecht
O que podemos dizer eacute que a oposiccedilatildeo entre aprender e divertir-se natildeo eacute
uma oposiccedilatildeo necessaacuteria por natureza uma oposiccedilatildeo que sempre existiu e
sempre teraacute que existir [] O teatro natildeo deixa de ser teatro mesmo
quando eacute didaacutetico e desde que seja bom teatro diverte (BRECHT 1978
p 49-50)
15
Brecht assim como Boal acreditava em um teatro libertador participativo
democraacutetico mostrando em cenas a luta diaacuteria dos oprimidos em relaccedilatildeo aos seus
opressores que por sua vez os manipulam de diversas formas Poreacutem sem perder a poeacutetica
representando segundo Brecht (1978) a fealdade de forma bela a indignidade de um
objeto indigno de uma forma digna a falta de graccedila de forma graciosa e a fraqueza de
forma vigorosa
As peccedilas de Brecht cumprem um objetivo de provocar seu puacuteblico como Matildee
Coragem e seus filhos Brecht tem uma opiniatildeo criacutetica do teatro apresentado no iniacutecio do
seacuteculo XX um teatro que produz a alienaccedilatildeo onde os conflitos se resolvem de forma
oacutebvia que mostra a realidade sem no entanto carregar a reflexatildeo de transformaccedilatildeo desta
realidade Brecht almeja um teatro em que esteja presente a reflexatildeo do homem em relaccedilatildeo
ao homem e a sociedade que constroacutei confronte suas afliccedilotildees se conheccedila e se reconheccedila
desprendendo-se de suas convicccedilotildees aos quais a sociedade burguesa manipula servindo-se
muitas vezes da ciecircncia
O que poderia ser o progresso de todos torna-se a vantagem de algumas
partes apenas e uma parte crescente da produccedilatildeo eacute votada aacute criaccedilatildeo de
meios destruidores destinados a guerras poderosas a guerra em que as
matildees de todas as naccedilotildees com os filhos apertados contra si esquadrinham
estupefatos o ceacuteu no rastro dos inventos mortiacuteferos da ciecircncia (BRECHT
apud MIRANDA 2005 p 134)
As colocaccedilotildees de Brecht segundo Miranda fazem do teatro umrdquo mecanismordquo em
que o homem se questiona em relaccedilatildeo ao mundo que lhe eacute apresentado em quaisquer
eacutepocas e em relaccedilatildeo a sua proacutepria vida propondo que a histoacuteria da humanidade seja o
material de pesquisa e produccedilatildeo que estaratildeo presentes na dramaturgia e o elemento mais
caracteriacutestico do Teatro Eacutepico eacute o efeito de distanciamento Brecht em seu livro Estudos
Sobre Teatro nos fala em diversos momentos sobre o efeito de distanciamento e o teatro
eacutepico
Tal efeito depende de uma teacutecnica especial pela qual se confere aos
acontecimentos representados (acontecimentos que se desenrolam entre
os homens nas suas relaccedilotildees reciacuteprocas) um cunho de sensacionalismo os
acontecimentos passam exigir uma explicaccedilatildeo deixam de ser evidentes
naturais O objetivo do efeito de distanciamento eacute possibilitar ao
16
espectador uma criacutetica fecunda dentro de uma perspectiva social
(BRECHT 1978 p 74)
O teatro eacutepico um caraacuteter profundamente esteacutetico e dificilmente pode
concebecirc-lo sem artista e sem qualidade esteacutetica sem fantasia humor e
simpatia Este teatro que preconizamos tem simultaneamente de divertir
e ensinar (ibid p 76)
Esta nova teacutecnica segundo Brecht (1978) tem como objetivo conferir ao
espectador uma atitude analiacutetica e criacutetica perante o desenrolar dos acontecimentos
permitindo aos atores se voltarem diretamente para o puacuteblico e jamais metamorfosear-se
integralmente na personagem
O teatro didaacutetico proposto por Brecht (2009) aborda temas da realidade do seu
puacuteblico como inflaccedilatildeo famiacutelia lutas sociais religiatildeo mostrando o mundo como ele eacute de
fato utilizando da teacutecnica do distanciamento com a qual apagam-se toda as ilusotildees e tudo
que se constroem em cena eacute mostrado ao espectador
Esta proposta de Brecht que leva ao puacuteblico a reflexatildeo e a transformaccedilatildeo eacute
importante ateacute os dias de hoje principalmente dentro do ambiente escolar que por si soacute eacute
um espaccedilo de reflexatildeo um espaccedilo poliacutetico um encontro da diversidade de etnias de
culturas de condiccedilotildees soacutecio econocircmicas e diversas estruturas familiares
Augusto Boal (2009) por sua vez alcanccedila a participaccedilatildeo efetiva do seu puacuteblico
com o Teatro Foacuterum e no Teatro do Oprimido Boal desenvolve meacutetodos de pesquisa e
criatividade com teacutecnicas e experimentos que buscam a transformaccedilatildeo seja no contexto
pessoal ou familiar estendendo-se agrave comunidade Ou seja ele transforma o fazer teatral em
uma accedilatildeo poliacutetica e social que tem como puacuteblico-alvo moradores de periferia
camponeses na Siciacutelia sul da Itaacutelia homens que batem em mulheres no Rio de Janeiro
operaacuterios no Chile espectadores oprimidos Ele ao escrever Teatro do Oprimido levanta
questotildees da proacutepria linguagem teatral para que serve a arte as discussotildees que arte traz
como virtude viacutecio justiccedila e conhecimento em um contexto de insatisfaccedilatildeo de
desigualdade repressatildeo problemas presentes na sociedade seja aqui no Brasil ou paiacuteses
por onde esteve sobretudo na eacutepoca do exiacutelio
Tanto Boal quanto Brecht entendem a arte como um meio de propor uma
experiecircncia politizada transformadora da sociedade sem comprometer a esteacutetica e a
poeacutetica nem a diversatildeo repleto de desafios com potencial de discutir questotildees relativas agraves
complexidades do ser humano e sua trajetoacuteria histoacuterica
17
Boal apesar de ser influenciado em alguns aspectos pelas propostas de Brecht
principalmente no que se refere as ideologias de combate a repressatildeo e de um teatro em
que a emoccedilatildeo despertada no puacuteblico deva ser a de ldquorevolta ou transformaccedilatildeordquo apresenta
poreacutem teacutecnicas adaptadas a realidade da ameacuterica latina
Segundo Boal (2009) o teatro eacute necessariamente poliacutetico porque poliacuteticas satildeo as
atividades do homem Sendo uma atividade poliacutetica tem grande embasamento criacutetico e
reflexivo se dada a livre participaccedilatildeo dos espectadores de massa proposta principal de
Boal no Teatro do Oprimido onde o espectador se reconhece principalmente porque em
algumas experiecircncias de Boal o espaccedilo em que acontece a accedilatildeo eacute o espaccedilo do proacuteprio
puacuteblico oportunizando a intervenccedilatildeo do puacuteblico mediante os problemas apresentados em
cena sempre mediada por um ator ao qual ele chama de coringa
O espaccedilo ldquoescolardquo eacute perfeito para encenaccedilotildees do Teatro do Oprimido como
podemos observar a Aacutervore do teatro do Oprimido em suas raiacutezes tronco galhos e folhas
compotildeem-se todas as diretrizes propostas no Curriacuteculo Nacional
FIGURA 1
Boal (2009) atraveacutes de jogos propotildeem agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo do corpo e da mente
alienados agraves tarefas repetitivas do dia a dia especialmente agraves do trabalho e agraves condiccedilotildees
econocircmicas ambientais e sociais de quem os praticardquo (BOAL 2009 p 16) No caso dos
alunos acostumados a sentarem-se em fila dentro de um espaccedilo fechado espaccedilo este que
tambeacutem atende ao desfile de consumos e modismos reforccedilando muitas vezes a ideia de
dominante e dominado deixando de ser um espaccedilo que propotildeem a reflexatildeo que decirc voz as
opressotildees diaacuterias tanto dos seus alunos como dos seus professores
18
Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da
sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor
de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo
momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e
Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a
reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade
12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro
Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da
sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como
espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento
Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de
famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos
de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12
anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte
e dramaturgia em especiacutefico
Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e
folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era
uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores
Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas
ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)
Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de
discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a
primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-
se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois
era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do
exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos
poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra
Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral
fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista
19
Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de
Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o
ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro
Brutus Jones Segundo ele
Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em
Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca
vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no
palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud
ALMANA 2009 p 64-65)
Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante
um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar
para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do
exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo
Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu
primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos
Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em
1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo
Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a
conhecida atriz Ruth de Souza
O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico
afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a
formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo
conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos
Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da
realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua
missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN
que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da
cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura
branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da
educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas
frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo
dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio
negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava
inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)
20
Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos
da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira
referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das
mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a
violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores
atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que
influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o
teatro eacutepico
O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes
cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem
surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a
Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas
de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira
O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo
poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo
Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios
pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias
procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio
um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de
portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem
noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com
liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores
vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali
ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que
ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam
aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e
ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)
Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da
linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores
braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas
de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que
o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo
educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando
melhor condiccedilatildeo de vida
21
O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma
a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria
trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso
poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e
divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a
exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo
de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela
sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem
mudanccedilas neste quadro
TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas
ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se
outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e
contra a discriminaccedilatildeo
As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os
dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o
teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para
a muacutesica e a danccedila
121- O Teatro Negro breve apontamento
Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute
formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os
paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam
Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais
mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da
sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de
mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com
uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica
Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os
negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa
22
utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis
estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na
televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o
negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos
ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque
Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute
circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o
feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a
recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo
estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo
praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)
O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este
passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo
(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga
referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e
poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da
dramaturgia o teatro negro
Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como
Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano
Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila
de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata
Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o
Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro
aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo
subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe
uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES
1993 p 29)
Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem
negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem
1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas
atribuiacutedos aos negros
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negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos
mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de
seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das
peccedilas teatrais
Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o
empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o
preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros
No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um
negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem
podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo
(MENDES 1982 p 23-24)
O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no
cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz
Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira
no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute
no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores
negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta
patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro
averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas
dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro
Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem
como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o
branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao
puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que
estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro
Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de
afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que
implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na
eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida
produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar
outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do
negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais
ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada
direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)
24
Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem
que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas
pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta
por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de
Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros
reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento
preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar
que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo
selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a
cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os
autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como
personagem
ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo
alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se
os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas
colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute
apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os
atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)
Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo
negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas
assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para
qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda
eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes
Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de
pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave
sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma
personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas
deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator
textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano
No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia
apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute
Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema
25
criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu
depoimento diz
Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os
obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []
cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no
Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o
mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro
(DOUXAMI 2001 p 337)
O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro
natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco
frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes
espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela
expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute
entendermos que soacute existe uma raccedila humana
Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos
Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para
se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis
capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas
(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas
espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de
reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente
(LIMA apud MENDES 2010 p 37)
Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos
um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco
reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior
irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do
negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e
para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico
Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de
Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro
2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX
26
a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do
teatro engajado
Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a
identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees
brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das
oficinas aplicadas
27
CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA
CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande
influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-
brasileiras no ambiente escolar
Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na
Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de
Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo
semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da
Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas
pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas
dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente
Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)
abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar
personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de
Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa
Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas
inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black
power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira
repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado
por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a
expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado
espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda
em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial
sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)
Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute
essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e
3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto
708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de
educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas
puacuteblicas
28
brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das
escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-
brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo
algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os
alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis
aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal
Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado
pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma
diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os
professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente
houve mudanccedila de postura deste professor
ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi
desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que
permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano
destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo
do negro
Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite
aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de
aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se
primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal
conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si
mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros
que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade
profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito
Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro
horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo
jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na
minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em
relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos
filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro
Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da
Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do
29
Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais
cujos artistas eram negros
Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks
primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos
lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um
segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto
dentro do contexto do teatro negro
As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre
em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do
Ensino Meacutedio
Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as
questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo
dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o
trabalho com a linguagem
Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem
teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e
mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar
Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as
manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade
negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que
desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como
elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a
identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar
Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma
como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do
ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a
identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra
21- O contexto local e a influecircncia cultural
30
Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro
como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a
histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo
A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo
divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute
de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km
2 sendo que desses 30 eacute formado por
negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul
A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do
protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as
consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a
predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de
que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute
Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros
que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta
regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga
localiza-se uma reserva indiacutegena
Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da
Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma
identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das
Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as
manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba
municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de
gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e
gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos
jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os
descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais
No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e
sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de
escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes
4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010
acessado em 07 de maio de 2016
31
acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem
vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho
Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga
da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na
semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo
apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica
A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na
Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio
econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada
uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos
alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos
promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca
representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus
Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente
quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando
debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade
religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades
utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de
espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante
para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante
destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e
discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima
No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o
espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e
seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane
Sobral destacando aqui
Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei
fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter
ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser
tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava
muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas
(SOBRAL 2005 p13)
32
No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de
ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola
Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este
quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo
eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura
Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo
destes anos
A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um
grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial
para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral
questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina
Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos
alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos
como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos
professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou
de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano
escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o
referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia
um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro
com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica
Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios
femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se
harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-
brasileira
5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e
Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio
33
As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo
atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a
pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo
personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto
Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda
Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros
Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o
engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro
Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde
Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como
personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto
malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos
averiguar neste trecho
Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de
alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua
famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os
requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o
branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que
geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em
oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo
estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os
sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)
Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro
(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor
Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a
ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma
qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era
difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o
miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo
Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um
trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo
Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e
daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato
34
Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos
livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que
muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial
Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria
de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)
As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam
estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus
Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda
feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo
(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de
aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees
pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a
cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos
de ldquoembraquecimentordquo
Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo
prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente
independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-
brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes
tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro
Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A
valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a
ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade
Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o
desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a
autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola
ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar
inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a
destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas
para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano
[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica
essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a
compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo
que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006
p30)
35
Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento
cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir
a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas
escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903
221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016
No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15
a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois
realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se
cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a
semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta
sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para
as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo
com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de
conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os
encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos
foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar
como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais
As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais
e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de
uma arte afro-brasileira
Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais
que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o
corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo
de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento
crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas
manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras
Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais
produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e
culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees
que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as
quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes
36
Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
37
do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
38
violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
39
oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
40
violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
41
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
42
Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
43
papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
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45
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MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica
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SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio
Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
15
Brecht assim como Boal acreditava em um teatro libertador participativo
democraacutetico mostrando em cenas a luta diaacuteria dos oprimidos em relaccedilatildeo aos seus
opressores que por sua vez os manipulam de diversas formas Poreacutem sem perder a poeacutetica
representando segundo Brecht (1978) a fealdade de forma bela a indignidade de um
objeto indigno de uma forma digna a falta de graccedila de forma graciosa e a fraqueza de
forma vigorosa
As peccedilas de Brecht cumprem um objetivo de provocar seu puacuteblico como Matildee
Coragem e seus filhos Brecht tem uma opiniatildeo criacutetica do teatro apresentado no iniacutecio do
seacuteculo XX um teatro que produz a alienaccedilatildeo onde os conflitos se resolvem de forma
oacutebvia que mostra a realidade sem no entanto carregar a reflexatildeo de transformaccedilatildeo desta
realidade Brecht almeja um teatro em que esteja presente a reflexatildeo do homem em relaccedilatildeo
ao homem e a sociedade que constroacutei confronte suas afliccedilotildees se conheccedila e se reconheccedila
desprendendo-se de suas convicccedilotildees aos quais a sociedade burguesa manipula servindo-se
muitas vezes da ciecircncia
O que poderia ser o progresso de todos torna-se a vantagem de algumas
partes apenas e uma parte crescente da produccedilatildeo eacute votada aacute criaccedilatildeo de
meios destruidores destinados a guerras poderosas a guerra em que as
matildees de todas as naccedilotildees com os filhos apertados contra si esquadrinham
estupefatos o ceacuteu no rastro dos inventos mortiacuteferos da ciecircncia (BRECHT
apud MIRANDA 2005 p 134)
As colocaccedilotildees de Brecht segundo Miranda fazem do teatro umrdquo mecanismordquo em
que o homem se questiona em relaccedilatildeo ao mundo que lhe eacute apresentado em quaisquer
eacutepocas e em relaccedilatildeo a sua proacutepria vida propondo que a histoacuteria da humanidade seja o
material de pesquisa e produccedilatildeo que estaratildeo presentes na dramaturgia e o elemento mais
caracteriacutestico do Teatro Eacutepico eacute o efeito de distanciamento Brecht em seu livro Estudos
Sobre Teatro nos fala em diversos momentos sobre o efeito de distanciamento e o teatro
eacutepico
Tal efeito depende de uma teacutecnica especial pela qual se confere aos
acontecimentos representados (acontecimentos que se desenrolam entre
os homens nas suas relaccedilotildees reciacuteprocas) um cunho de sensacionalismo os
acontecimentos passam exigir uma explicaccedilatildeo deixam de ser evidentes
naturais O objetivo do efeito de distanciamento eacute possibilitar ao
16
espectador uma criacutetica fecunda dentro de uma perspectiva social
(BRECHT 1978 p 74)
O teatro eacutepico um caraacuteter profundamente esteacutetico e dificilmente pode
concebecirc-lo sem artista e sem qualidade esteacutetica sem fantasia humor e
simpatia Este teatro que preconizamos tem simultaneamente de divertir
e ensinar (ibid p 76)
Esta nova teacutecnica segundo Brecht (1978) tem como objetivo conferir ao
espectador uma atitude analiacutetica e criacutetica perante o desenrolar dos acontecimentos
permitindo aos atores se voltarem diretamente para o puacuteblico e jamais metamorfosear-se
integralmente na personagem
O teatro didaacutetico proposto por Brecht (2009) aborda temas da realidade do seu
puacuteblico como inflaccedilatildeo famiacutelia lutas sociais religiatildeo mostrando o mundo como ele eacute de
fato utilizando da teacutecnica do distanciamento com a qual apagam-se toda as ilusotildees e tudo
que se constroem em cena eacute mostrado ao espectador
Esta proposta de Brecht que leva ao puacuteblico a reflexatildeo e a transformaccedilatildeo eacute
importante ateacute os dias de hoje principalmente dentro do ambiente escolar que por si soacute eacute
um espaccedilo de reflexatildeo um espaccedilo poliacutetico um encontro da diversidade de etnias de
culturas de condiccedilotildees soacutecio econocircmicas e diversas estruturas familiares
Augusto Boal (2009) por sua vez alcanccedila a participaccedilatildeo efetiva do seu puacuteblico
com o Teatro Foacuterum e no Teatro do Oprimido Boal desenvolve meacutetodos de pesquisa e
criatividade com teacutecnicas e experimentos que buscam a transformaccedilatildeo seja no contexto
pessoal ou familiar estendendo-se agrave comunidade Ou seja ele transforma o fazer teatral em
uma accedilatildeo poliacutetica e social que tem como puacuteblico-alvo moradores de periferia
camponeses na Siciacutelia sul da Itaacutelia homens que batem em mulheres no Rio de Janeiro
operaacuterios no Chile espectadores oprimidos Ele ao escrever Teatro do Oprimido levanta
questotildees da proacutepria linguagem teatral para que serve a arte as discussotildees que arte traz
como virtude viacutecio justiccedila e conhecimento em um contexto de insatisfaccedilatildeo de
desigualdade repressatildeo problemas presentes na sociedade seja aqui no Brasil ou paiacuteses
por onde esteve sobretudo na eacutepoca do exiacutelio
Tanto Boal quanto Brecht entendem a arte como um meio de propor uma
experiecircncia politizada transformadora da sociedade sem comprometer a esteacutetica e a
poeacutetica nem a diversatildeo repleto de desafios com potencial de discutir questotildees relativas agraves
complexidades do ser humano e sua trajetoacuteria histoacuterica
17
Boal apesar de ser influenciado em alguns aspectos pelas propostas de Brecht
principalmente no que se refere as ideologias de combate a repressatildeo e de um teatro em
que a emoccedilatildeo despertada no puacuteblico deva ser a de ldquorevolta ou transformaccedilatildeordquo apresenta
poreacutem teacutecnicas adaptadas a realidade da ameacuterica latina
Segundo Boal (2009) o teatro eacute necessariamente poliacutetico porque poliacuteticas satildeo as
atividades do homem Sendo uma atividade poliacutetica tem grande embasamento criacutetico e
reflexivo se dada a livre participaccedilatildeo dos espectadores de massa proposta principal de
Boal no Teatro do Oprimido onde o espectador se reconhece principalmente porque em
algumas experiecircncias de Boal o espaccedilo em que acontece a accedilatildeo eacute o espaccedilo do proacuteprio
puacuteblico oportunizando a intervenccedilatildeo do puacuteblico mediante os problemas apresentados em
cena sempre mediada por um ator ao qual ele chama de coringa
O espaccedilo ldquoescolardquo eacute perfeito para encenaccedilotildees do Teatro do Oprimido como
podemos observar a Aacutervore do teatro do Oprimido em suas raiacutezes tronco galhos e folhas
compotildeem-se todas as diretrizes propostas no Curriacuteculo Nacional
FIGURA 1
Boal (2009) atraveacutes de jogos propotildeem agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo do corpo e da mente
alienados agraves tarefas repetitivas do dia a dia especialmente agraves do trabalho e agraves condiccedilotildees
econocircmicas ambientais e sociais de quem os praticardquo (BOAL 2009 p 16) No caso dos
alunos acostumados a sentarem-se em fila dentro de um espaccedilo fechado espaccedilo este que
tambeacutem atende ao desfile de consumos e modismos reforccedilando muitas vezes a ideia de
dominante e dominado deixando de ser um espaccedilo que propotildeem a reflexatildeo que decirc voz as
opressotildees diaacuterias tanto dos seus alunos como dos seus professores
18
Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da
sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor
de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo
momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e
Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a
reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade
12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro
Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da
sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como
espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento
Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de
famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos
de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12
anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte
e dramaturgia em especiacutefico
Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e
folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era
uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores
Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas
ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)
Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de
discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a
primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-
se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois
era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do
exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos
poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra
Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral
fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista
19
Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de
Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o
ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro
Brutus Jones Segundo ele
Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em
Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca
vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no
palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud
ALMANA 2009 p 64-65)
Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante
um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar
para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do
exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo
Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu
primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos
Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em
1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo
Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a
conhecida atriz Ruth de Souza
O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico
afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a
formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo
conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos
Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da
realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua
missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN
que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da
cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura
branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da
educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas
frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo
dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio
negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava
inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)
20
Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos
da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira
referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das
mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a
violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores
atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que
influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o
teatro eacutepico
O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes
cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem
surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a
Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas
de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira
O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo
poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo
Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios
pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias
procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio
um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de
portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem
noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com
liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores
vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali
ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que
ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam
aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e
ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)
Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da
linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores
braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas
de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que
o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo
educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando
melhor condiccedilatildeo de vida
21
O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma
a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria
trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso
poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e
divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a
exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo
de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela
sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem
mudanccedilas neste quadro
TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas
ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se
outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e
contra a discriminaccedilatildeo
As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os
dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o
teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para
a muacutesica e a danccedila
121- O Teatro Negro breve apontamento
Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute
formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os
paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam
Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais
mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da
sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de
mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com
uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica
Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os
negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa
22
utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis
estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na
televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o
negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos
ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque
Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute
circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o
feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a
recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo
estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo
praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)
O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este
passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo
(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga
referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e
poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da
dramaturgia o teatro negro
Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como
Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano
Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila
de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata
Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o
Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro
aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo
subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe
uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES
1993 p 29)
Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem
negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem
1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas
atribuiacutedos aos negros
23
negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos
mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de
seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das
peccedilas teatrais
Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o
empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o
preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros
No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um
negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem
podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo
(MENDES 1982 p 23-24)
O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no
cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz
Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira
no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute
no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores
negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta
patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro
averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas
dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro
Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem
como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o
branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao
puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que
estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro
Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de
afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que
implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na
eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida
produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar
outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do
negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais
ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada
direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)
24
Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem
que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas
pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta
por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de
Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros
reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento
preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar
que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo
selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a
cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os
autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como
personagem
ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo
alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se
os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas
colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute
apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os
atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)
Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo
negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas
assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para
qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda
eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes
Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de
pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave
sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma
personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas
deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator
textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano
No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia
apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute
Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema
25
criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu
depoimento diz
Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os
obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []
cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no
Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o
mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro
(DOUXAMI 2001 p 337)
O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro
natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco
frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes
espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela
expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute
entendermos que soacute existe uma raccedila humana
Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos
Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para
se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis
capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas
(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas
espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de
reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente
(LIMA apud MENDES 2010 p 37)
Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos
um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco
reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior
irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do
negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e
para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico
Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de
Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro
2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX
26
a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do
teatro engajado
Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a
identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees
brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das
oficinas aplicadas
27
CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA
CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande
influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-
brasileiras no ambiente escolar
Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na
Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de
Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo
semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da
Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas
pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas
dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente
Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)
abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar
personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de
Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa
Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas
inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black
power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira
repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado
por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a
expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado
espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda
em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial
sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)
Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute
essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e
3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto
708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de
educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas
puacuteblicas
28
brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das
escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-
brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo
algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os
alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis
aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal
Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado
pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma
diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os
professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente
houve mudanccedila de postura deste professor
ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi
desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que
permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano
destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo
do negro
Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite
aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de
aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se
primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal
conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si
mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros
que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade
profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito
Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro
horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo
jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na
minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em
relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos
filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro
Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da
Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do
29
Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais
cujos artistas eram negros
Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks
primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos
lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um
segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto
dentro do contexto do teatro negro
As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre
em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do
Ensino Meacutedio
Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as
questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo
dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o
trabalho com a linguagem
Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem
teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e
mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar
Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as
manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade
negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que
desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como
elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a
identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar
Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma
como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do
ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a
identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra
21- O contexto local e a influecircncia cultural
30
Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro
como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a
histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo
A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo
divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute
de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km
2 sendo que desses 30 eacute formado por
negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul
A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do
protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as
consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a
predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de
que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute
Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros
que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta
regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga
localiza-se uma reserva indiacutegena
Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da
Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma
identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das
Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as
manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba
municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de
gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e
gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos
jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os
descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais
No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e
sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de
escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes
4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010
acessado em 07 de maio de 2016
31
acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem
vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho
Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga
da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na
semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo
apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica
A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na
Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio
econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada
uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos
alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos
promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca
representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus
Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente
quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando
debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade
religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades
utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de
espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante
para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante
destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e
discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima
No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o
espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e
seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane
Sobral destacando aqui
Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei
fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter
ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser
tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava
muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas
(SOBRAL 2005 p13)
32
No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de
ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola
Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este
quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo
eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura
Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo
destes anos
A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um
grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial
para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral
questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina
Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos
alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos
como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos
professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou
de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano
escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o
referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia
um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro
com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica
Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios
femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se
harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-
brasileira
5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e
Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio
33
As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo
atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a
pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo
personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto
Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda
Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros
Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o
engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro
Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde
Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como
personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto
malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos
averiguar neste trecho
Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de
alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua
famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os
requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o
branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que
geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em
oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo
estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os
sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)
Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro
(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor
Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a
ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma
qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era
difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o
miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo
Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um
trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo
Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e
daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato
34
Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos
livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que
muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial
Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria
de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)
As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam
estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus
Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda
feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo
(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de
aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees
pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a
cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos
de ldquoembraquecimentordquo
Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo
prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente
independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-
brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes
tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro
Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A
valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a
ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade
Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o
desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a
autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola
ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar
inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a
destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas
para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano
[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica
essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a
compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo
que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006
p30)
35
Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento
cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir
a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas
escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903
221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016
No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15
a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois
realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se
cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a
semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta
sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para
as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo
com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de
conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os
encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos
foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar
como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais
As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais
e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de
uma arte afro-brasileira
Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais
que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o
corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo
de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento
crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas
manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras
Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais
produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e
culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees
que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as
quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes
36
Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
37
do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
38
violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
39
oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
40
violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
41
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
42
Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
43
papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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45
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Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
16
espectador uma criacutetica fecunda dentro de uma perspectiva social
(BRECHT 1978 p 74)
O teatro eacutepico um caraacuteter profundamente esteacutetico e dificilmente pode
concebecirc-lo sem artista e sem qualidade esteacutetica sem fantasia humor e
simpatia Este teatro que preconizamos tem simultaneamente de divertir
e ensinar (ibid p 76)
Esta nova teacutecnica segundo Brecht (1978) tem como objetivo conferir ao
espectador uma atitude analiacutetica e criacutetica perante o desenrolar dos acontecimentos
permitindo aos atores se voltarem diretamente para o puacuteblico e jamais metamorfosear-se
integralmente na personagem
O teatro didaacutetico proposto por Brecht (2009) aborda temas da realidade do seu
puacuteblico como inflaccedilatildeo famiacutelia lutas sociais religiatildeo mostrando o mundo como ele eacute de
fato utilizando da teacutecnica do distanciamento com a qual apagam-se toda as ilusotildees e tudo
que se constroem em cena eacute mostrado ao espectador
Esta proposta de Brecht que leva ao puacuteblico a reflexatildeo e a transformaccedilatildeo eacute
importante ateacute os dias de hoje principalmente dentro do ambiente escolar que por si soacute eacute
um espaccedilo de reflexatildeo um espaccedilo poliacutetico um encontro da diversidade de etnias de
culturas de condiccedilotildees soacutecio econocircmicas e diversas estruturas familiares
Augusto Boal (2009) por sua vez alcanccedila a participaccedilatildeo efetiva do seu puacuteblico
com o Teatro Foacuterum e no Teatro do Oprimido Boal desenvolve meacutetodos de pesquisa e
criatividade com teacutecnicas e experimentos que buscam a transformaccedilatildeo seja no contexto
pessoal ou familiar estendendo-se agrave comunidade Ou seja ele transforma o fazer teatral em
uma accedilatildeo poliacutetica e social que tem como puacuteblico-alvo moradores de periferia
camponeses na Siciacutelia sul da Itaacutelia homens que batem em mulheres no Rio de Janeiro
operaacuterios no Chile espectadores oprimidos Ele ao escrever Teatro do Oprimido levanta
questotildees da proacutepria linguagem teatral para que serve a arte as discussotildees que arte traz
como virtude viacutecio justiccedila e conhecimento em um contexto de insatisfaccedilatildeo de
desigualdade repressatildeo problemas presentes na sociedade seja aqui no Brasil ou paiacuteses
por onde esteve sobretudo na eacutepoca do exiacutelio
Tanto Boal quanto Brecht entendem a arte como um meio de propor uma
experiecircncia politizada transformadora da sociedade sem comprometer a esteacutetica e a
poeacutetica nem a diversatildeo repleto de desafios com potencial de discutir questotildees relativas agraves
complexidades do ser humano e sua trajetoacuteria histoacuterica
17
Boal apesar de ser influenciado em alguns aspectos pelas propostas de Brecht
principalmente no que se refere as ideologias de combate a repressatildeo e de um teatro em
que a emoccedilatildeo despertada no puacuteblico deva ser a de ldquorevolta ou transformaccedilatildeordquo apresenta
poreacutem teacutecnicas adaptadas a realidade da ameacuterica latina
Segundo Boal (2009) o teatro eacute necessariamente poliacutetico porque poliacuteticas satildeo as
atividades do homem Sendo uma atividade poliacutetica tem grande embasamento criacutetico e
reflexivo se dada a livre participaccedilatildeo dos espectadores de massa proposta principal de
Boal no Teatro do Oprimido onde o espectador se reconhece principalmente porque em
algumas experiecircncias de Boal o espaccedilo em que acontece a accedilatildeo eacute o espaccedilo do proacuteprio
puacuteblico oportunizando a intervenccedilatildeo do puacuteblico mediante os problemas apresentados em
cena sempre mediada por um ator ao qual ele chama de coringa
O espaccedilo ldquoescolardquo eacute perfeito para encenaccedilotildees do Teatro do Oprimido como
podemos observar a Aacutervore do teatro do Oprimido em suas raiacutezes tronco galhos e folhas
compotildeem-se todas as diretrizes propostas no Curriacuteculo Nacional
FIGURA 1
Boal (2009) atraveacutes de jogos propotildeem agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo do corpo e da mente
alienados agraves tarefas repetitivas do dia a dia especialmente agraves do trabalho e agraves condiccedilotildees
econocircmicas ambientais e sociais de quem os praticardquo (BOAL 2009 p 16) No caso dos
alunos acostumados a sentarem-se em fila dentro de um espaccedilo fechado espaccedilo este que
tambeacutem atende ao desfile de consumos e modismos reforccedilando muitas vezes a ideia de
dominante e dominado deixando de ser um espaccedilo que propotildeem a reflexatildeo que decirc voz as
opressotildees diaacuterias tanto dos seus alunos como dos seus professores
18
Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da
sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor
de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo
momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e
Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a
reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade
12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro
Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da
sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como
espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento
Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de
famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos
de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12
anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte
e dramaturgia em especiacutefico
Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e
folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era
uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores
Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas
ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)
Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de
discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a
primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-
se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois
era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do
exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos
poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra
Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral
fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista
19
Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de
Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o
ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro
Brutus Jones Segundo ele
Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em
Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca
vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no
palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud
ALMANA 2009 p 64-65)
Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante
um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar
para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do
exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo
Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu
primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos
Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em
1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo
Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a
conhecida atriz Ruth de Souza
O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico
afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a
formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo
conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos
Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da
realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua
missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN
que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da
cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura
branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da
educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas
frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo
dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio
negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava
inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)
20
Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos
da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira
referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das
mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a
violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores
atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que
influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o
teatro eacutepico
O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes
cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem
surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a
Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas
de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira
O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo
poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo
Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios
pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias
procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio
um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de
portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem
noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com
liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores
vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali
ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que
ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam
aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e
ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)
Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da
linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores
braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas
de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que
o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo
educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando
melhor condiccedilatildeo de vida
21
O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma
a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria
trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso
poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e
divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a
exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo
de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela
sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem
mudanccedilas neste quadro
TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas
ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se
outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e
contra a discriminaccedilatildeo
As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os
dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o
teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para
a muacutesica e a danccedila
121- O Teatro Negro breve apontamento
Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute
formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os
paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam
Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais
mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da
sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de
mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com
uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica
Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os
negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa
22
utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis
estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na
televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o
negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos
ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque
Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute
circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o
feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a
recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo
estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo
praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)
O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este
passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo
(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga
referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e
poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da
dramaturgia o teatro negro
Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como
Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano
Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila
de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata
Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o
Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro
aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo
subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe
uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES
1993 p 29)
Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem
negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem
1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas
atribuiacutedos aos negros
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negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos
mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de
seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das
peccedilas teatrais
Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o
empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o
preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros
No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um
negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem
podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo
(MENDES 1982 p 23-24)
O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no
cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz
Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira
no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute
no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores
negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta
patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro
averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas
dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro
Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem
como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o
branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao
puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que
estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro
Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de
afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que
implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na
eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida
produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar
outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do
negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais
ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada
direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)
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Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem
que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas
pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta
por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de
Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros
reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento
preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar
que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo
selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a
cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os
autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como
personagem
ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo
alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se
os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas
colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute
apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os
atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)
Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo
negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas
assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para
qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda
eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes
Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de
pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave
sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma
personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas
deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator
textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano
No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia
apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute
Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema
25
criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu
depoimento diz
Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os
obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []
cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no
Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o
mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro
(DOUXAMI 2001 p 337)
O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro
natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco
frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes
espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela
expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute
entendermos que soacute existe uma raccedila humana
Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos
Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para
se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis
capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas
(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas
espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de
reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente
(LIMA apud MENDES 2010 p 37)
Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos
um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco
reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior
irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do
negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e
para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico
Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de
Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro
2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX
26
a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do
teatro engajado
Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a
identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees
brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das
oficinas aplicadas
27
CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA
CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande
influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-
brasileiras no ambiente escolar
Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na
Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de
Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo
semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da
Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas
pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas
dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente
Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)
abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar
personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de
Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa
Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas
inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black
power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira
repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado
por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a
expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado
espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda
em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial
sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)
Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute
essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e
3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto
708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de
educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas
puacuteblicas
28
brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das
escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-
brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo
algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os
alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis
aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal
Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado
pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma
diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os
professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente
houve mudanccedila de postura deste professor
ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi
desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que
permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano
destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo
do negro
Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite
aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de
aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se
primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal
conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si
mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros
que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade
profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito
Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro
horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo
jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na
minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em
relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos
filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro
Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da
Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do
29
Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais
cujos artistas eram negros
Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks
primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos
lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um
segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto
dentro do contexto do teatro negro
As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre
em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do
Ensino Meacutedio
Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as
questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo
dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o
trabalho com a linguagem
Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem
teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e
mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar
Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as
manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade
negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que
desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como
elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a
identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar
Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma
como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do
ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a
identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra
21- O contexto local e a influecircncia cultural
30
Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro
como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a
histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo
A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo
divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute
de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km
2 sendo que desses 30 eacute formado por
negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul
A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do
protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as
consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a
predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de
que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute
Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros
que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta
regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga
localiza-se uma reserva indiacutegena
Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da
Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma
identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das
Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as
manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba
municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de
gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e
gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos
jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os
descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais
No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e
sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de
escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes
4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010
acessado em 07 de maio de 2016
31
acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem
vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho
Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga
da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na
semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo
apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica
A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na
Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio
econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada
uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos
alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos
promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca
representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus
Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente
quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando
debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade
religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades
utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de
espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante
para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante
destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e
discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima
No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o
espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e
seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane
Sobral destacando aqui
Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei
fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter
ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser
tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava
muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas
(SOBRAL 2005 p13)
32
No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de
ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola
Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este
quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo
eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura
Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo
destes anos
A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um
grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial
para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral
questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina
Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos
alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos
como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos
professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou
de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano
escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o
referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia
um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro
com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica
Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios
femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se
harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-
brasileira
5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e
Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio
33
As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo
atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a
pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo
personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto
Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda
Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros
Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o
engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro
Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde
Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como
personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto
malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos
averiguar neste trecho
Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de
alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua
famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os
requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o
branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que
geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em
oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo
estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os
sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)
Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro
(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor
Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a
ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma
qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era
difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o
miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo
Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um
trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo
Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e
daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato
34
Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos
livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que
muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial
Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria
de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)
As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam
estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus
Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda
feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo
(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de
aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees
pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a
cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos
de ldquoembraquecimentordquo
Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo
prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente
independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-
brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes
tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro
Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A
valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a
ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade
Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o
desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a
autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola
ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar
inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a
destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas
para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano
[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica
essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a
compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo
que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006
p30)
35
Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento
cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir
a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas
escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903
221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016
No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15
a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois
realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se
cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a
semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta
sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para
as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo
com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de
conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os
encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos
foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar
como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais
As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais
e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de
uma arte afro-brasileira
Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais
que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o
corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo
de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento
crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas
manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras
Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais
produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e
culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees
que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as
quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes
36
Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
37
do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
38
violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
39
oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
40
violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
41
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
42
Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
43
papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
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45
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Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
17
Boal apesar de ser influenciado em alguns aspectos pelas propostas de Brecht
principalmente no que se refere as ideologias de combate a repressatildeo e de um teatro em
que a emoccedilatildeo despertada no puacuteblico deva ser a de ldquorevolta ou transformaccedilatildeordquo apresenta
poreacutem teacutecnicas adaptadas a realidade da ameacuterica latina
Segundo Boal (2009) o teatro eacute necessariamente poliacutetico porque poliacuteticas satildeo as
atividades do homem Sendo uma atividade poliacutetica tem grande embasamento criacutetico e
reflexivo se dada a livre participaccedilatildeo dos espectadores de massa proposta principal de
Boal no Teatro do Oprimido onde o espectador se reconhece principalmente porque em
algumas experiecircncias de Boal o espaccedilo em que acontece a accedilatildeo eacute o espaccedilo do proacuteprio
puacuteblico oportunizando a intervenccedilatildeo do puacuteblico mediante os problemas apresentados em
cena sempre mediada por um ator ao qual ele chama de coringa
O espaccedilo ldquoescolardquo eacute perfeito para encenaccedilotildees do Teatro do Oprimido como
podemos observar a Aacutervore do teatro do Oprimido em suas raiacutezes tronco galhos e folhas
compotildeem-se todas as diretrizes propostas no Curriacuteculo Nacional
FIGURA 1
Boal (2009) atraveacutes de jogos propotildeem agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo do corpo e da mente
alienados agraves tarefas repetitivas do dia a dia especialmente agraves do trabalho e agraves condiccedilotildees
econocircmicas ambientais e sociais de quem os praticardquo (BOAL 2009 p 16) No caso dos
alunos acostumados a sentarem-se em fila dentro de um espaccedilo fechado espaccedilo este que
tambeacutem atende ao desfile de consumos e modismos reforccedilando muitas vezes a ideia de
dominante e dominado deixando de ser um espaccedilo que propotildeem a reflexatildeo que decirc voz as
opressotildees diaacuterias tanto dos seus alunos como dos seus professores
18
Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da
sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor
de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo
momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e
Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a
reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade
12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro
Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da
sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como
espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento
Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de
famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos
de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12
anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte
e dramaturgia em especiacutefico
Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e
folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era
uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores
Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas
ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)
Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de
discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a
primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-
se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois
era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do
exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos
poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra
Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral
fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista
19
Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de
Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o
ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro
Brutus Jones Segundo ele
Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em
Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca
vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no
palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud
ALMANA 2009 p 64-65)
Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante
um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar
para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do
exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo
Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu
primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos
Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em
1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo
Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a
conhecida atriz Ruth de Souza
O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico
afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a
formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo
conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos
Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da
realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua
missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN
que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da
cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura
branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da
educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas
frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo
dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio
negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava
inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)
20
Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos
da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira
referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das
mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a
violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores
atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que
influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o
teatro eacutepico
O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes
cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem
surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a
Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas
de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira
O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo
poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo
Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios
pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias
procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio
um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de
portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem
noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com
liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores
vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali
ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que
ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam
aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e
ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)
Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da
linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores
braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas
de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que
o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo
educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando
melhor condiccedilatildeo de vida
21
O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma
a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria
trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso
poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e
divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a
exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo
de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela
sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem
mudanccedilas neste quadro
TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas
ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se
outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e
contra a discriminaccedilatildeo
As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os
dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o
teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para
a muacutesica e a danccedila
121- O Teatro Negro breve apontamento
Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute
formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os
paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam
Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais
mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da
sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de
mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com
uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica
Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os
negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa
22
utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis
estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na
televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o
negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos
ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque
Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute
circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o
feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a
recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo
estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo
praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)
O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este
passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo
(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga
referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e
poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da
dramaturgia o teatro negro
Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como
Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano
Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila
de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata
Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o
Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro
aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo
subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe
uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES
1993 p 29)
Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem
negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem
1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas
atribuiacutedos aos negros
23
negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos
mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de
seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das
peccedilas teatrais
Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o
empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o
preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros
No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um
negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem
podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo
(MENDES 1982 p 23-24)
O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no
cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz
Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira
no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute
no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores
negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta
patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro
averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas
dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro
Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem
como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o
branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao
puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que
estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro
Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de
afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que
implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na
eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida
produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar
outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do
negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais
ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada
direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)
24
Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem
que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas
pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta
por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de
Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros
reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento
preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar
que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo
selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a
cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os
autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como
personagem
ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo
alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se
os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas
colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute
apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os
atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)
Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo
negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas
assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para
qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda
eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes
Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de
pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave
sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma
personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas
deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator
textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano
No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia
apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute
Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema
25
criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu
depoimento diz
Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os
obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []
cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no
Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o
mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro
(DOUXAMI 2001 p 337)
O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro
natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco
frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes
espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela
expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute
entendermos que soacute existe uma raccedila humana
Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos
Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para
se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis
capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas
(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas
espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de
reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente
(LIMA apud MENDES 2010 p 37)
Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos
um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco
reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior
irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do
negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e
para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico
Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de
Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro
2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX
26
a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do
teatro engajado
Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a
identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees
brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das
oficinas aplicadas
27
CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA
CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande
influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-
brasileiras no ambiente escolar
Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na
Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de
Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo
semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da
Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas
pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas
dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente
Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)
abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar
personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de
Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa
Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas
inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black
power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira
repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado
por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a
expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado
espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda
em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial
sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)
Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute
essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e
3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto
708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de
educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas
puacuteblicas
28
brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das
escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-
brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo
algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os
alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis
aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal
Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado
pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma
diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os
professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente
houve mudanccedila de postura deste professor
ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi
desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que
permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano
destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo
do negro
Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite
aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de
aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se
primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal
conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si
mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros
que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade
profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito
Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro
horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo
jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na
minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em
relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos
filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro
Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da
Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do
29
Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais
cujos artistas eram negros
Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks
primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos
lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um
segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto
dentro do contexto do teatro negro
As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre
em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do
Ensino Meacutedio
Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as
questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo
dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o
trabalho com a linguagem
Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem
teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e
mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar
Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as
manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade
negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que
desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como
elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a
identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar
Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma
como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do
ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a
identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra
21- O contexto local e a influecircncia cultural
30
Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro
como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a
histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo
A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo
divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute
de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km
2 sendo que desses 30 eacute formado por
negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul
A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do
protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as
consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a
predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de
que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute
Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros
que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta
regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga
localiza-se uma reserva indiacutegena
Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da
Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma
identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das
Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as
manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba
municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de
gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e
gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos
jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os
descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais
No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e
sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de
escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes
4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010
acessado em 07 de maio de 2016
31
acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem
vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho
Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga
da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na
semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo
apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica
A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na
Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio
econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada
uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos
alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos
promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca
representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus
Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente
quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando
debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade
religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades
utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de
espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante
para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante
destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e
discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima
No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o
espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e
seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane
Sobral destacando aqui
Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei
fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter
ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser
tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava
muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas
(SOBRAL 2005 p13)
32
No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de
ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola
Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este
quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo
eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura
Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo
destes anos
A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um
grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial
para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral
questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina
Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos
alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos
como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos
professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou
de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano
escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o
referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia
um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro
com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica
Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios
femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se
harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-
brasileira
5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e
Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio
33
As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo
atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a
pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo
personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto
Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda
Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros
Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o
engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro
Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde
Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como
personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto
malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos
averiguar neste trecho
Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de
alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua
famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os
requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o
branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que
geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em
oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo
estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os
sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)
Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro
(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor
Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a
ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma
qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era
difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o
miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo
Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um
trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo
Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e
daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato
34
Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos
livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que
muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial
Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria
de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)
As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam
estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus
Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda
feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo
(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de
aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees
pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a
cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos
de ldquoembraquecimentordquo
Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo
prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente
independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-
brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes
tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro
Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A
valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a
ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade
Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o
desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a
autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola
ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar
inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a
destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas
para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano
[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica
essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a
compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo
que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006
p30)
35
Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento
cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir
a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas
escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903
221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016
No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15
a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois
realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se
cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a
semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta
sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para
as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo
com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de
conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os
encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos
foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar
como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais
As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais
e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de
uma arte afro-brasileira
Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais
que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o
corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo
de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento
crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas
manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras
Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais
produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e
culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees
que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as
quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes
36
Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
37
do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
38
violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
39
oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
40
violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
41
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
42
Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
43
papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
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45
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Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
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66
67
68
69
70
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1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
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Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
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Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da
sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor
de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo
momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e
Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a
reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade
12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro
Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da
sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como
espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento
Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de
famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos
de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12
anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte
e dramaturgia em especiacutefico
Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e
folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era
uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores
Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas
ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)
Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de
discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a
primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-
se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois
era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do
exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos
poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra
Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral
fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista
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Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de
Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o
ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro
Brutus Jones Segundo ele
Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em
Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca
vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no
palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud
ALMANA 2009 p 64-65)
Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante
um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar
para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do
exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo
Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu
primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos
Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em
1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo
Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a
conhecida atriz Ruth de Souza
O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico
afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a
formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo
conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos
Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da
realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua
missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN
que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da
cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura
branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da
educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas
frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo
dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio
negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava
inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)
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Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos
da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira
referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das
mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a
violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores
atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que
influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o
teatro eacutepico
O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes
cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem
surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a
Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas
de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira
O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo
poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo
Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios
pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias
procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio
um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de
portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem
noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com
liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores
vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali
ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que
ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam
aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e
ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)
Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da
linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores
braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas
de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que
o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo
educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando
melhor condiccedilatildeo de vida
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O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma
a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria
trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso
poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e
divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a
exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo
de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela
sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem
mudanccedilas neste quadro
TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas
ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se
outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e
contra a discriminaccedilatildeo
As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os
dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o
teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para
a muacutesica e a danccedila
121- O Teatro Negro breve apontamento
Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute
formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os
paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam
Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais
mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da
sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de
mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com
uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica
Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os
negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa
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utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis
estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na
televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o
negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos
ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque
Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute
circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o
feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a
recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo
estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo
praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)
O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este
passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo
(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga
referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e
poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da
dramaturgia o teatro negro
Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como
Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano
Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila
de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata
Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o
Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro
aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo
subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe
uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES
1993 p 29)
Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem
negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem
1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas
atribuiacutedos aos negros
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negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos
mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de
seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das
peccedilas teatrais
Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o
empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o
preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros
No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um
negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem
podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo
(MENDES 1982 p 23-24)
O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no
cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz
Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira
no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute
no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores
negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta
patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro
averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas
dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro
Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem
como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o
branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao
puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que
estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro
Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de
afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que
implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na
eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida
produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar
outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do
negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais
ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada
direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)
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Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem
que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas
pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta
por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de
Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros
reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento
preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar
que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo
selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a
cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os
autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como
personagem
ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo
alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se
os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas
colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute
apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os
atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)
Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo
negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas
assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para
qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda
eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes
Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de
pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave
sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma
personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas
deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator
textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano
No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia
apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute
Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema
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criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu
depoimento diz
Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os
obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []
cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no
Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o
mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro
(DOUXAMI 2001 p 337)
O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro
natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco
frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes
espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela
expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute
entendermos que soacute existe uma raccedila humana
Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos
Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para
se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis
capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas
(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas
espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de
reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente
(LIMA apud MENDES 2010 p 37)
Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos
um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco
reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior
irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do
negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e
para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico
Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de
Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro
2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX
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a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do
teatro engajado
Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a
identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees
brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das
oficinas aplicadas
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CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA
CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande
influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-
brasileiras no ambiente escolar
Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na
Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de
Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo
semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da
Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas
pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas
dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente
Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)
abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar
personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de
Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa
Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas
inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black
power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira
repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado
por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a
expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado
espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda
em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial
sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)
Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute
essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e
3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto
708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de
educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas
puacuteblicas
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brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das
escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-
brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo
algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os
alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis
aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal
Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado
pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma
diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os
professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente
houve mudanccedila de postura deste professor
ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi
desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que
permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano
destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo
do negro
Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite
aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de
aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se
primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal
conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si
mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros
que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade
profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito
Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro
horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo
jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na
minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em
relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos
filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro
Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da
Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do
29
Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais
cujos artistas eram negros
Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks
primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos
lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um
segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto
dentro do contexto do teatro negro
As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre
em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do
Ensino Meacutedio
Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as
questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo
dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o
trabalho com a linguagem
Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem
teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e
mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar
Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as
manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade
negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que
desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como
elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a
identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar
Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma
como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do
ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a
identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra
21- O contexto local e a influecircncia cultural
30
Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro
como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a
histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo
A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo
divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute
de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km
2 sendo que desses 30 eacute formado por
negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul
A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do
protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as
consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a
predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de
que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute
Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros
que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta
regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga
localiza-se uma reserva indiacutegena
Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da
Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma
identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das
Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as
manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba
municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de
gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e
gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos
jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os
descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais
No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e
sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de
escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes
4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010
acessado em 07 de maio de 2016
31
acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem
vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho
Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga
da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na
semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo
apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica
A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na
Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio
econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada
uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos
alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos
promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca
representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus
Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente
quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando
debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade
religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades
utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de
espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante
para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante
destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e
discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima
No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o
espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e
seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane
Sobral destacando aqui
Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei
fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter
ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser
tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava
muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas
(SOBRAL 2005 p13)
32
No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de
ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola
Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este
quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo
eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura
Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo
destes anos
A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um
grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial
para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral
questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina
Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos
alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos
como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos
professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou
de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano
escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o
referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia
um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro
com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica
Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios
femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se
harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-
brasileira
5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e
Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio
33
As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo
atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a
pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo
personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto
Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda
Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros
Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o
engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro
Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde
Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como
personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto
malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos
averiguar neste trecho
Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de
alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua
famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os
requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o
branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que
geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em
oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo
estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os
sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)
Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro
(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor
Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a
ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma
qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era
difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o
miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo
Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um
trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo
Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e
daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato
34
Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos
livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que
muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial
Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria
de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)
As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam
estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus
Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda
feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo
(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de
aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees
pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a
cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos
de ldquoembraquecimentordquo
Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo
prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente
independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-
brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes
tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro
Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A
valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a
ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade
Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o
desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a
autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola
ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar
inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a
destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas
para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano
[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica
essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a
compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo
que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006
p30)
35
Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento
cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir
a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas
escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903
221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016
No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15
a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois
realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se
cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a
semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta
sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para
as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo
com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de
conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os
encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos
foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar
como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais
As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais
e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de
uma arte afro-brasileira
Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais
que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o
corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo
de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento
crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas
manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras
Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais
produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e
culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees
que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as
quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes
36
Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
37
do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
38
violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
39
oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
40
violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
41
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
42
Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
43
papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
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45
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46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
19
Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de
Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o
ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro
Brutus Jones Segundo ele
Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em
Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca
vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no
palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud
ALMANA 2009 p 64-65)
Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante
um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar
para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do
exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo
Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu
primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos
Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em
1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo
Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a
conhecida atriz Ruth de Souza
O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico
afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a
formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo
conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos
Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da
realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua
missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN
que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da
cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura
branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da
educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas
frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo
dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio
negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava
inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)
20
Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos
da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira
referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das
mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a
violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores
atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que
influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o
teatro eacutepico
O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes
cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem
surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a
Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas
de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira
O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo
poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo
Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios
pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias
procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio
um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de
portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem
noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com
liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores
vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali
ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que
ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam
aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e
ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)
Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da
linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores
braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas
de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que
o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo
educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando
melhor condiccedilatildeo de vida
21
O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma
a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria
trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso
poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e
divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a
exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo
de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela
sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem
mudanccedilas neste quadro
TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas
ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se
outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e
contra a discriminaccedilatildeo
As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os
dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o
teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para
a muacutesica e a danccedila
121- O Teatro Negro breve apontamento
Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute
formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os
paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam
Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais
mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da
sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de
mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com
uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica
Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os
negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa
22
utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis
estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na
televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o
negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos
ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque
Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute
circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o
feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a
recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo
estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo
praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)
O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este
passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo
(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga
referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e
poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da
dramaturgia o teatro negro
Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como
Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano
Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila
de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata
Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o
Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro
aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo
subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe
uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES
1993 p 29)
Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem
negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem
1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas
atribuiacutedos aos negros
23
negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos
mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de
seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das
peccedilas teatrais
Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o
empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o
preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros
No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um
negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem
podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo
(MENDES 1982 p 23-24)
O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no
cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz
Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira
no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute
no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores
negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta
patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro
averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas
dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro
Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem
como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o
branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao
puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que
estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro
Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de
afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que
implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na
eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida
produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar
outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do
negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais
ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada
direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)
24
Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem
que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas
pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta
por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de
Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros
reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento
preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar
que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo
selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a
cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os
autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como
personagem
ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo
alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se
os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas
colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute
apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os
atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)
Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo
negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas
assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para
qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda
eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes
Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de
pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave
sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma
personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas
deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator
textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano
No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia
apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute
Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema
25
criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu
depoimento diz
Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os
obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []
cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no
Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o
mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro
(DOUXAMI 2001 p 337)
O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro
natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco
frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes
espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela
expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute
entendermos que soacute existe uma raccedila humana
Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos
Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para
se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis
capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas
(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas
espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de
reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente
(LIMA apud MENDES 2010 p 37)
Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos
um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco
reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior
irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do
negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e
para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico
Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de
Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro
2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX
26
a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do
teatro engajado
Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a
identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees
brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das
oficinas aplicadas
27
CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA
CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande
influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-
brasileiras no ambiente escolar
Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na
Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de
Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo
semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da
Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas
pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas
dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente
Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)
abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar
personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de
Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa
Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas
inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black
power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira
repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado
por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a
expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado
espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda
em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial
sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)
Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute
essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e
3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto
708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de
educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas
puacuteblicas
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brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das
escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-
brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo
algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os
alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis
aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal
Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado
pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma
diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os
professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente
houve mudanccedila de postura deste professor
ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi
desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que
permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano
destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo
do negro
Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite
aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de
aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se
primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal
conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si
mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros
que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade
profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito
Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro
horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo
jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na
minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em
relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos
filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro
Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da
Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do
29
Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais
cujos artistas eram negros
Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks
primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos
lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um
segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto
dentro do contexto do teatro negro
As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre
em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do
Ensino Meacutedio
Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as
questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo
dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o
trabalho com a linguagem
Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem
teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e
mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar
Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as
manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade
negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que
desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como
elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a
identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar
Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma
como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do
ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a
identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra
21- O contexto local e a influecircncia cultural
30
Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro
como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a
histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo
A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo
divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute
de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km
2 sendo que desses 30 eacute formado por
negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul
A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do
protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as
consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a
predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de
que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute
Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros
que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta
regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga
localiza-se uma reserva indiacutegena
Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da
Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma
identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das
Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as
manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba
municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de
gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e
gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos
jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os
descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais
No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e
sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de
escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes
4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010
acessado em 07 de maio de 2016
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acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem
vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho
Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga
da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na
semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo
apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica
A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na
Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio
econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada
uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos
alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos
promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca
representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus
Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente
quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando
debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade
religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades
utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de
espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante
para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante
destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e
discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima
No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o
espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e
seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane
Sobral destacando aqui
Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei
fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter
ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser
tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava
muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas
(SOBRAL 2005 p13)
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No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de
ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola
Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este
quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo
eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura
Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo
destes anos
A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um
grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial
para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral
questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina
Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos
alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos
como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos
professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou
de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano
escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o
referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia
um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro
com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica
Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios
femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se
harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-
brasileira
5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e
Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio
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As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo
atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a
pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo
personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto
Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda
Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros
Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o
engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro
Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde
Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como
personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto
malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos
averiguar neste trecho
Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de
alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua
famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os
requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o
branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que
geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em
oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo
estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os
sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)
Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro
(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor
Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a
ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma
qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era
difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o
miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo
Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um
trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo
Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e
daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato
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Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos
livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que
muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial
Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria
de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)
As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam
estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus
Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda
feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo
(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de
aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees
pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a
cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos
de ldquoembraquecimentordquo
Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo
prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente
independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-
brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes
tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro
Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A
valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a
ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade
Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o
desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a
autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola
ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar
inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a
destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas
para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano
[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica
essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a
compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo
que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006
p30)
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Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento
cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir
a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas
escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903
221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016
No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15
a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois
realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se
cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a
semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta
sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para
as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo
com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de
conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os
encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos
foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar
como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais
As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais
e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de
uma arte afro-brasileira
Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais
que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o
corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo
de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento
crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas
manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras
Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais
produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e
culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees
que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as
quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes
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Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
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do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
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violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
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oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
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violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
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CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
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Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
43
papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
20
Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos
da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira
referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das
mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a
violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores
atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que
influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o
teatro eacutepico
O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes
cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem
surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a
Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas
de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira
O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo
poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo
Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios
pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias
procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio
um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de
portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem
noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com
liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores
vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali
ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que
ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam
aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e
ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)
Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da
linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores
braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas
de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que
o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo
educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando
melhor condiccedilatildeo de vida
21
O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma
a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria
trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso
poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e
divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a
exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo
de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela
sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem
mudanccedilas neste quadro
TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas
ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se
outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e
contra a discriminaccedilatildeo
As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os
dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o
teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para
a muacutesica e a danccedila
121- O Teatro Negro breve apontamento
Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute
formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os
paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam
Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais
mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da
sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de
mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com
uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica
Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os
negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa
22
utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis
estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na
televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o
negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos
ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque
Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute
circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o
feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a
recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo
estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo
praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)
O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este
passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo
(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga
referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e
poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da
dramaturgia o teatro negro
Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como
Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano
Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila
de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata
Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o
Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro
aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo
subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe
uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES
1993 p 29)
Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem
negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem
1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas
atribuiacutedos aos negros
23
negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos
mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de
seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das
peccedilas teatrais
Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o
empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o
preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros
No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um
negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem
podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo
(MENDES 1982 p 23-24)
O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no
cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz
Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira
no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute
no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores
negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta
patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro
averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas
dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro
Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem
como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o
branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao
puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que
estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro
Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de
afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que
implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na
eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida
produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar
outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do
negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais
ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada
direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)
24
Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem
que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas
pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta
por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de
Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros
reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento
preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar
que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo
selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a
cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os
autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como
personagem
ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo
alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se
os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas
colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute
apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os
atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)
Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo
negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas
assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para
qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda
eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes
Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de
pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave
sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma
personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas
deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator
textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano
No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia
apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute
Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema
25
criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu
depoimento diz
Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os
obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []
cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no
Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o
mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro
(DOUXAMI 2001 p 337)
O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro
natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco
frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes
espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela
expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute
entendermos que soacute existe uma raccedila humana
Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos
Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para
se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis
capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas
(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas
espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de
reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente
(LIMA apud MENDES 2010 p 37)
Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos
um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco
reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior
irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do
negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e
para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico
Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de
Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro
2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX
26
a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do
teatro engajado
Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a
identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees
brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das
oficinas aplicadas
27
CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA
CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande
influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-
brasileiras no ambiente escolar
Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na
Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de
Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo
semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da
Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas
pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas
dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente
Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)
abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar
personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de
Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa
Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas
inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black
power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira
repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado
por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a
expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado
espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda
em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial
sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)
Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute
essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e
3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto
708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de
educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas
puacuteblicas
28
brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das
escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-
brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo
algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os
alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis
aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal
Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado
pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma
diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os
professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente
houve mudanccedila de postura deste professor
ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi
desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que
permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano
destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo
do negro
Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite
aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de
aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se
primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal
conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si
mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros
que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade
profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito
Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro
horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo
jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na
minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em
relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos
filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro
Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da
Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do
29
Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais
cujos artistas eram negros
Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks
primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos
lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um
segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto
dentro do contexto do teatro negro
As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre
em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do
Ensino Meacutedio
Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as
questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo
dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o
trabalho com a linguagem
Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem
teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e
mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar
Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as
manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade
negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que
desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como
elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a
identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar
Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma
como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do
ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a
identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra
21- O contexto local e a influecircncia cultural
30
Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro
como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a
histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo
A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo
divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute
de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km
2 sendo que desses 30 eacute formado por
negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul
A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do
protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as
consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a
predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de
que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute
Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros
que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta
regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga
localiza-se uma reserva indiacutegena
Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da
Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma
identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das
Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as
manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba
municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de
gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e
gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos
jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os
descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais
No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e
sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de
escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes
4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010
acessado em 07 de maio de 2016
31
acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem
vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho
Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga
da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na
semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo
apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica
A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na
Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio
econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada
uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos
alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos
promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca
representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus
Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente
quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando
debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade
religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades
utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de
espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante
para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante
destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e
discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima
No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o
espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e
seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane
Sobral destacando aqui
Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei
fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter
ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser
tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava
muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas
(SOBRAL 2005 p13)
32
No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de
ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola
Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este
quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo
eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura
Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo
destes anos
A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um
grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial
para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral
questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina
Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos
alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos
como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos
professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou
de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano
escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o
referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia
um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro
com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica
Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios
femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se
harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-
brasileira
5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e
Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio
33
As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo
atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a
pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo
personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto
Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda
Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros
Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o
engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro
Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde
Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como
personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto
malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos
averiguar neste trecho
Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de
alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua
famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os
requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o
branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que
geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em
oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo
estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os
sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)
Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro
(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor
Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a
ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma
qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era
difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o
miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo
Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um
trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo
Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e
daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato
34
Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos
livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que
muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial
Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria
de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)
As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam
estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus
Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda
feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo
(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de
aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees
pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a
cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos
de ldquoembraquecimentordquo
Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo
prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente
independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-
brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes
tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro
Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A
valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a
ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade
Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o
desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a
autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola
ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar
inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a
destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas
para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano
[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica
essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a
compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo
que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006
p30)
35
Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento
cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir
a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas
escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903
221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016
No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15
a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois
realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se
cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a
semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta
sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para
as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo
com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de
conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os
encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos
foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar
como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais
As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais
e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de
uma arte afro-brasileira
Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais
que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o
corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo
de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento
crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas
manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras
Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais
produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e
culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees
que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as
quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes
36
Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
37
do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
38
violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
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oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
40
violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
41
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
42
Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
43
papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
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Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro
de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em
httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad
ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006
SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio
Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
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ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
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O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
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Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
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ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
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ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
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ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
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Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
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Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
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Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
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Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
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Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
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ANEXO 4 Questionaacuterio
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1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
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Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
21
O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma
a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria
trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso
poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e
divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a
exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo
de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela
sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem
mudanccedilas neste quadro
TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas
ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se
outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e
contra a discriminaccedilatildeo
As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os
dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o
teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para
a muacutesica e a danccedila
121- O Teatro Negro breve apontamento
Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute
formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os
paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam
Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais
mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da
sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de
mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com
uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica
Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os
negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa
22
utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis
estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na
televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o
negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos
ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque
Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute
circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o
feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a
recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo
estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo
praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)
O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este
passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo
(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga
referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e
poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da
dramaturgia o teatro negro
Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como
Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano
Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila
de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata
Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o
Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro
aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo
subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe
uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES
1993 p 29)
Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem
negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem
1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas
atribuiacutedos aos negros
23
negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos
mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de
seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das
peccedilas teatrais
Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o
empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o
preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros
No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um
negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem
podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo
(MENDES 1982 p 23-24)
O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no
cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz
Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira
no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute
no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores
negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta
patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro
averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas
dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro
Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem
como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o
branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao
puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que
estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro
Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de
afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que
implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na
eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida
produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar
outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do
negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais
ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada
direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)
24
Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem
que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas
pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta
por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de
Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros
reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento
preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar
que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo
selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a
cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os
autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como
personagem
ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo
alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se
os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas
colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute
apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os
atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)
Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo
negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas
assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para
qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda
eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes
Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de
pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave
sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma
personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas
deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator
textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano
No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia
apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute
Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema
25
criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu
depoimento diz
Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os
obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []
cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no
Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o
mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro
(DOUXAMI 2001 p 337)
O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro
natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco
frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes
espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela
expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute
entendermos que soacute existe uma raccedila humana
Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos
Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para
se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis
capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas
(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas
espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de
reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente
(LIMA apud MENDES 2010 p 37)
Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos
um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco
reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior
irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do
negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e
para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico
Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de
Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro
2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX
26
a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do
teatro engajado
Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a
identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees
brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das
oficinas aplicadas
27
CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA
CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande
influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-
brasileiras no ambiente escolar
Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na
Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de
Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo
semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da
Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas
pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas
dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente
Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)
abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar
personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de
Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa
Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas
inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black
power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira
repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado
por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a
expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado
espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda
em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial
sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)
Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute
essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e
3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto
708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de
educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas
puacuteblicas
28
brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das
escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-
brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo
algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os
alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis
aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal
Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado
pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma
diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os
professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente
houve mudanccedila de postura deste professor
ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi
desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que
permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano
destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo
do negro
Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite
aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de
aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se
primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal
conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si
mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros
que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade
profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito
Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro
horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo
jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na
minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em
relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos
filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro
Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da
Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do
29
Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais
cujos artistas eram negros
Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks
primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos
lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um
segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto
dentro do contexto do teatro negro
As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre
em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do
Ensino Meacutedio
Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as
questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo
dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o
trabalho com a linguagem
Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem
teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e
mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar
Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as
manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade
negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que
desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como
elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a
identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar
Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma
como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do
ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a
identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra
21- O contexto local e a influecircncia cultural
30
Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro
como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a
histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo
A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo
divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute
de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km
2 sendo que desses 30 eacute formado por
negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul
A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do
protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as
consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a
predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de
que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute
Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros
que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta
regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga
localiza-se uma reserva indiacutegena
Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da
Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma
identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das
Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as
manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba
municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de
gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e
gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos
jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os
descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais
No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e
sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de
escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes
4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010
acessado em 07 de maio de 2016
31
acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem
vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho
Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga
da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na
semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo
apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica
A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na
Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio
econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada
uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos
alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos
promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca
representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus
Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente
quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando
debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade
religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades
utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de
espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante
para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante
destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e
discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima
No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o
espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e
seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane
Sobral destacando aqui
Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei
fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter
ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser
tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava
muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas
(SOBRAL 2005 p13)
32
No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de
ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola
Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este
quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo
eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura
Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo
destes anos
A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um
grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial
para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral
questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina
Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos
alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos
como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos
professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou
de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano
escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o
referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia
um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro
com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica
Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios
femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se
harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-
brasileira
5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e
Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio
33
As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo
atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a
pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo
personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto
Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda
Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros
Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o
engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro
Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde
Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como
personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto
malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos
averiguar neste trecho
Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de
alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua
famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os
requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o
branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que
geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em
oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo
estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os
sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)
Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro
(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor
Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a
ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma
qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era
difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o
miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo
Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um
trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo
Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e
daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato
34
Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos
livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que
muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial
Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria
de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)
As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam
estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus
Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda
feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo
(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de
aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees
pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a
cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos
de ldquoembraquecimentordquo
Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo
prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente
independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-
brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes
tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro
Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A
valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a
ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade
Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o
desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a
autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola
ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar
inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a
destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas
para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano
[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica
essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a
compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo
que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006
p30)
35
Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento
cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir
a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas
escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903
221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016
No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15
a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois
realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se
cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a
semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta
sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para
as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo
com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de
conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os
encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos
foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar
como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais
As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais
e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de
uma arte afro-brasileira
Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais
que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o
corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo
de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento
crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas
manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras
Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais
produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e
culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees
que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as
quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes
36
Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
37
do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
38
violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
39
oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
40
violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
41
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
42
Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
43
papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
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RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de
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SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio
Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
22
utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis
estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na
televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o
negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos
ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque
Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute
circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o
feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a
recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo
estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo
praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)
O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este
passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo
(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga
referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e
poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da
dramaturgia o teatro negro
Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como
Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano
Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila
de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata
Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o
Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro
aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo
subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe
uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES
1993 p 29)
Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem
negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem
1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas
atribuiacutedos aos negros
23
negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos
mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de
seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das
peccedilas teatrais
Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o
empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o
preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros
No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um
negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem
podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo
(MENDES 1982 p 23-24)
O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no
cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz
Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira
no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute
no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores
negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta
patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro
averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas
dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro
Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem
como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o
branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao
puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que
estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro
Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de
afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que
implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na
eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida
produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar
outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do
negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais
ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada
direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)
24
Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem
que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas
pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta
por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de
Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros
reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento
preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar
que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo
selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a
cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os
autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como
personagem
ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo
alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se
os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas
colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute
apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os
atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)
Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo
negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas
assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para
qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda
eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes
Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de
pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave
sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma
personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas
deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator
textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano
No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia
apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute
Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema
25
criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu
depoimento diz
Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os
obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []
cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no
Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o
mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro
(DOUXAMI 2001 p 337)
O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro
natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco
frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes
espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela
expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute
entendermos que soacute existe uma raccedila humana
Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos
Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para
se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis
capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas
(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas
espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de
reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente
(LIMA apud MENDES 2010 p 37)
Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos
um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco
reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior
irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do
negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e
para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico
Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de
Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro
2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX
26
a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do
teatro engajado
Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a
identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees
brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das
oficinas aplicadas
27
CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA
CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande
influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-
brasileiras no ambiente escolar
Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na
Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de
Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo
semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da
Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas
pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas
dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente
Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)
abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar
personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de
Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa
Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas
inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black
power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira
repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado
por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a
expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado
espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda
em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial
sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)
Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute
essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e
3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto
708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de
educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas
puacuteblicas
28
brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das
escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-
brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo
algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os
alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis
aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal
Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado
pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma
diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os
professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente
houve mudanccedila de postura deste professor
ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi
desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que
permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano
destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo
do negro
Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite
aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de
aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se
primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal
conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si
mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros
que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade
profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito
Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro
horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo
jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na
minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em
relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos
filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro
Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da
Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do
29
Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais
cujos artistas eram negros
Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks
primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos
lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um
segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto
dentro do contexto do teatro negro
As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre
em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do
Ensino Meacutedio
Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as
questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo
dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o
trabalho com a linguagem
Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem
teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e
mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar
Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as
manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade
negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que
desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como
elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a
identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar
Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma
como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do
ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a
identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra
21- O contexto local e a influecircncia cultural
30
Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro
como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a
histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo
A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo
divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute
de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km
2 sendo que desses 30 eacute formado por
negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul
A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do
protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as
consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a
predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de
que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute
Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros
que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta
regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga
localiza-se uma reserva indiacutegena
Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da
Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma
identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das
Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as
manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba
municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de
gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e
gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos
jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os
descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais
No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e
sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de
escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes
4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010
acessado em 07 de maio de 2016
31
acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem
vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho
Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga
da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na
semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo
apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica
A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na
Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio
econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada
uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos
alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos
promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca
representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus
Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente
quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando
debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade
religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades
utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de
espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante
para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante
destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e
discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima
No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o
espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e
seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane
Sobral destacando aqui
Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei
fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter
ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser
tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava
muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas
(SOBRAL 2005 p13)
32
No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de
ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola
Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este
quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo
eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura
Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo
destes anos
A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um
grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial
para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral
questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina
Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos
alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos
como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos
professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou
de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano
escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o
referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia
um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro
com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica
Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios
femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se
harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-
brasileira
5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e
Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio
33
As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo
atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a
pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo
personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto
Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda
Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros
Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o
engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro
Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde
Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como
personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto
malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos
averiguar neste trecho
Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de
alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua
famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os
requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o
branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que
geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em
oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo
estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os
sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)
Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro
(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor
Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a
ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma
qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era
difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o
miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo
Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um
trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo
Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e
daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato
34
Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos
livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que
muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial
Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria
de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)
As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam
estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus
Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda
feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo
(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de
aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees
pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a
cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos
de ldquoembraquecimentordquo
Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo
prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente
independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-
brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes
tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro
Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A
valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a
ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade
Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o
desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a
autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola
ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar
inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a
destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas
para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano
[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica
essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a
compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo
que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006
p30)
35
Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento
cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir
a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas
escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903
221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016
No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15
a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois
realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se
cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a
semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta
sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para
as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo
com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de
conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os
encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos
foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar
como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais
As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais
e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de
uma arte afro-brasileira
Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais
que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o
corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo
de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento
crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas
manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras
Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais
produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e
culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees
que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as
quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes
36
Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
37
do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
38
violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
39
oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
40
violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
41
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
42
Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
43
papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
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45
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46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
23
negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos
mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de
seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das
peccedilas teatrais
Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o
empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o
preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros
No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um
negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem
podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo
(MENDES 1982 p 23-24)
O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no
cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz
Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira
no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute
no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores
negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta
patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro
averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas
dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro
Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem
como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o
branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao
puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que
estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro
Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de
afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que
implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na
eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida
produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar
outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do
negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais
ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada
direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)
24
Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem
que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas
pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta
por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de
Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros
reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento
preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar
que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo
selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a
cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os
autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como
personagem
ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo
alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se
os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas
colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute
apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os
atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)
Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo
negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas
assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para
qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda
eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes
Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de
pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave
sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma
personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas
deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator
textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano
No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia
apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute
Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema
25
criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu
depoimento diz
Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os
obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []
cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no
Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o
mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro
(DOUXAMI 2001 p 337)
O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro
natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco
frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes
espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela
expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute
entendermos que soacute existe uma raccedila humana
Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos
Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para
se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis
capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas
(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas
espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de
reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente
(LIMA apud MENDES 2010 p 37)
Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos
um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco
reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior
irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do
negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e
para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico
Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de
Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro
2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX
26
a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do
teatro engajado
Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a
identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees
brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das
oficinas aplicadas
27
CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA
CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande
influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-
brasileiras no ambiente escolar
Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na
Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de
Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo
semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da
Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas
pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas
dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente
Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)
abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar
personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de
Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa
Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas
inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black
power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira
repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado
por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a
expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado
espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda
em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial
sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)
Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute
essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e
3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto
708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de
educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas
puacuteblicas
28
brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das
escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-
brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo
algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os
alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis
aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal
Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado
pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma
diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os
professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente
houve mudanccedila de postura deste professor
ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi
desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que
permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano
destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo
do negro
Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite
aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de
aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se
primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal
conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si
mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros
que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade
profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito
Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro
horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo
jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na
minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em
relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos
filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro
Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da
Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do
29
Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais
cujos artistas eram negros
Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks
primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos
lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um
segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto
dentro do contexto do teatro negro
As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre
em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do
Ensino Meacutedio
Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as
questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo
dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o
trabalho com a linguagem
Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem
teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e
mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar
Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as
manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade
negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que
desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como
elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a
identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar
Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma
como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do
ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a
identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra
21- O contexto local e a influecircncia cultural
30
Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro
como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a
histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo
A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo
divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute
de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km
2 sendo que desses 30 eacute formado por
negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul
A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do
protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as
consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a
predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de
que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute
Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros
que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta
regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga
localiza-se uma reserva indiacutegena
Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da
Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma
identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das
Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as
manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba
municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de
gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e
gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos
jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os
descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais
No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e
sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de
escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes
4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010
acessado em 07 de maio de 2016
31
acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem
vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho
Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga
da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na
semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo
apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica
A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na
Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio
econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada
uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos
alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos
promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca
representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus
Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente
quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando
debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade
religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades
utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de
espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante
para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante
destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e
discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima
No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o
espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e
seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane
Sobral destacando aqui
Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei
fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter
ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser
tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava
muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas
(SOBRAL 2005 p13)
32
No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de
ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola
Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este
quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo
eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura
Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo
destes anos
A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um
grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial
para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral
questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina
Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos
alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos
como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos
professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou
de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano
escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o
referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia
um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro
com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica
Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios
femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se
harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-
brasileira
5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e
Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio
33
As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo
atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a
pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo
personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto
Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda
Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros
Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o
engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro
Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde
Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como
personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto
malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos
averiguar neste trecho
Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de
alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua
famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os
requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o
branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que
geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em
oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo
estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os
sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)
Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro
(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor
Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a
ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma
qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era
difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o
miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo
Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um
trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo
Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e
daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato
34
Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos
livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que
muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial
Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria
de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)
As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam
estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus
Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda
feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo
(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de
aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees
pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a
cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos
de ldquoembraquecimentordquo
Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo
prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente
independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-
brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes
tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro
Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A
valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a
ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade
Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o
desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a
autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola
ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar
inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a
destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas
para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano
[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica
essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a
compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo
que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006
p30)
35
Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento
cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir
a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas
escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903
221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016
No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15
a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois
realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se
cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a
semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta
sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para
as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo
com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de
conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os
encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos
foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar
como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais
As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais
e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de
uma arte afro-brasileira
Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais
que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o
corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo
de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento
crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas
manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras
Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais
produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e
culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees
que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as
quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes
36
Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
37
do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
38
violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
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oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
40
violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
41
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
42
Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
43
papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
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Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
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Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
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68
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1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
24
Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem
que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas
pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta
por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de
Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros
reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento
preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar
que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo
selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a
cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os
autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como
personagem
ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo
alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se
os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas
colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute
apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os
atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)
Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo
negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas
assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para
qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda
eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes
Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de
pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave
sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma
personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas
deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator
textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano
No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia
apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute
Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema
25
criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu
depoimento diz
Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os
obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []
cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no
Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o
mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro
(DOUXAMI 2001 p 337)
O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro
natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco
frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes
espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela
expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute
entendermos que soacute existe uma raccedila humana
Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos
Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para
se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis
capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas
(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas
espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de
reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente
(LIMA apud MENDES 2010 p 37)
Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos
um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco
reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior
irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do
negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e
para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico
Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de
Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro
2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX
26
a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do
teatro engajado
Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a
identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees
brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das
oficinas aplicadas
27
CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA
CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande
influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-
brasileiras no ambiente escolar
Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na
Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de
Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo
semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da
Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas
pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas
dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente
Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)
abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar
personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de
Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa
Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas
inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black
power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira
repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado
por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a
expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado
espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda
em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial
sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)
Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute
essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e
3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto
708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de
educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas
puacuteblicas
28
brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das
escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-
brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo
algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os
alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis
aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal
Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado
pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma
diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os
professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente
houve mudanccedila de postura deste professor
ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi
desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que
permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano
destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo
do negro
Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite
aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de
aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se
primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal
conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si
mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros
que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade
profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito
Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro
horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo
jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na
minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em
relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos
filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro
Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da
Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do
29
Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais
cujos artistas eram negros
Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks
primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos
lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um
segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto
dentro do contexto do teatro negro
As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre
em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do
Ensino Meacutedio
Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as
questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo
dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o
trabalho com a linguagem
Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem
teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e
mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar
Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as
manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade
negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que
desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como
elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a
identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar
Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma
como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do
ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a
identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra
21- O contexto local e a influecircncia cultural
30
Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro
como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a
histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo
A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo
divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute
de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km
2 sendo que desses 30 eacute formado por
negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul
A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do
protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as
consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a
predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de
que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute
Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros
que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta
regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga
localiza-se uma reserva indiacutegena
Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da
Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma
identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das
Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as
manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba
municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de
gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e
gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos
jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os
descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais
No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e
sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de
escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes
4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010
acessado em 07 de maio de 2016
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acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem
vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho
Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga
da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na
semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo
apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica
A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na
Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio
econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada
uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos
alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos
promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca
representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus
Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente
quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando
debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade
religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades
utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de
espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante
para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante
destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e
discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima
No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o
espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e
seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane
Sobral destacando aqui
Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei
fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter
ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser
tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava
muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas
(SOBRAL 2005 p13)
32
No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de
ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola
Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este
quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo
eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura
Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo
destes anos
A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um
grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial
para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral
questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina
Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos
alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos
como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos
professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou
de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano
escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o
referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia
um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro
com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica
Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios
femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se
harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-
brasileira
5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e
Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio
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As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo
atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a
pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo
personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto
Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda
Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros
Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o
engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro
Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde
Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como
personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto
malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos
averiguar neste trecho
Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de
alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua
famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os
requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o
branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que
geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em
oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo
estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os
sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)
Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro
(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor
Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a
ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma
qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era
difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o
miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo
Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um
trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo
Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e
daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato
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Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos
livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que
muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial
Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria
de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)
As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam
estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus
Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda
feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo
(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de
aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees
pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a
cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos
de ldquoembraquecimentordquo
Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo
prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente
independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-
brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes
tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro
Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A
valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a
ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade
Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o
desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a
autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola
ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar
inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a
destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas
para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano
[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica
essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a
compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo
que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006
p30)
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Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento
cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir
a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas
escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903
221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016
No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15
a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois
realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se
cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a
semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta
sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para
as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo
com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de
conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os
encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos
foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar
como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais
As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais
e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de
uma arte afro-brasileira
Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais
que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o
corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo
de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento
crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas
manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras
Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais
produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e
culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees
que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as
quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes
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Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
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do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
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violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
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oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
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violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
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CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
42
Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
43
papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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45
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Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
25
criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu
depoimento diz
Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os
obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []
cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no
Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o
mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro
(DOUXAMI 2001 p 337)
O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro
natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco
frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes
espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela
expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute
entendermos que soacute existe uma raccedila humana
Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos
Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para
se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis
capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas
(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas
espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de
reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente
(LIMA apud MENDES 2010 p 37)
Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos
um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco
reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior
irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do
negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e
para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico
Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de
Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro
2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX
26
a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do
teatro engajado
Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a
identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees
brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das
oficinas aplicadas
27
CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA
CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande
influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-
brasileiras no ambiente escolar
Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na
Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de
Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo
semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da
Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas
pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas
dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente
Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)
abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar
personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de
Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa
Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas
inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black
power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira
repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado
por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a
expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado
espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda
em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial
sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)
Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute
essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e
3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto
708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de
educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas
puacuteblicas
28
brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das
escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-
brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo
algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os
alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis
aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal
Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado
pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma
diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os
professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente
houve mudanccedila de postura deste professor
ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi
desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que
permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano
destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo
do negro
Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite
aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de
aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se
primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal
conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si
mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros
que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade
profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito
Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro
horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo
jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na
minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em
relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos
filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro
Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da
Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do
29
Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais
cujos artistas eram negros
Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks
primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos
lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um
segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto
dentro do contexto do teatro negro
As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre
em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do
Ensino Meacutedio
Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as
questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo
dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o
trabalho com a linguagem
Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem
teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e
mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar
Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as
manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade
negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que
desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como
elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a
identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar
Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma
como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do
ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a
identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra
21- O contexto local e a influecircncia cultural
30
Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro
como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a
histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo
A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo
divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute
de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km
2 sendo que desses 30 eacute formado por
negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul
A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do
protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as
consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a
predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de
que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute
Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros
que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta
regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga
localiza-se uma reserva indiacutegena
Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da
Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma
identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das
Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as
manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba
municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de
gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e
gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos
jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os
descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais
No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e
sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de
escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes
4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010
acessado em 07 de maio de 2016
31
acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem
vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho
Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga
da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na
semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo
apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica
A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na
Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio
econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada
uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos
alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos
promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca
representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus
Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente
quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando
debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade
religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades
utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de
espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante
para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante
destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e
discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima
No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o
espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e
seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane
Sobral destacando aqui
Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei
fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter
ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser
tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava
muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas
(SOBRAL 2005 p13)
32
No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de
ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola
Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este
quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo
eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura
Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo
destes anos
A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um
grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial
para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral
questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina
Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos
alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos
como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos
professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou
de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano
escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o
referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia
um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro
com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica
Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios
femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se
harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-
brasileira
5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e
Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio
33
As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo
atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a
pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo
personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto
Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda
Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros
Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o
engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro
Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde
Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como
personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto
malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos
averiguar neste trecho
Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de
alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua
famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os
requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o
branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que
geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em
oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo
estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os
sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)
Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro
(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor
Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a
ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma
qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era
difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o
miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo
Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um
trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo
Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e
daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato
34
Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos
livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que
muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial
Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria
de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)
As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam
estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus
Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda
feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo
(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de
aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees
pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a
cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos
de ldquoembraquecimentordquo
Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo
prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente
independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-
brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes
tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro
Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A
valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a
ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade
Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o
desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a
autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola
ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar
inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a
destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas
para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano
[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica
essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a
compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo
que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006
p30)
35
Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento
cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir
a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas
escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903
221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016
No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15
a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois
realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se
cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a
semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta
sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para
as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo
com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de
conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os
encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos
foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar
como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais
As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais
e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de
uma arte afro-brasileira
Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais
que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o
corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo
de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento
crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas
manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras
Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais
produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e
culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees
que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as
quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes
36
Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
37
do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
38
violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
39
oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
40
violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
41
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
42
Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
43
papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
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45
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SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio
Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
26
a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do
teatro engajado
Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-
brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a
identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees
brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das
oficinas aplicadas
27
CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA
CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande
influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-
brasileiras no ambiente escolar
Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na
Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de
Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo
semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da
Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas
pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas
dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente
Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)
abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar
personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de
Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa
Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas
inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black
power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira
repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado
por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a
expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado
espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda
em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial
sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)
Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute
essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e
3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto
708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de
educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas
puacuteblicas
28
brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das
escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-
brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo
algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os
alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis
aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal
Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado
pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma
diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os
professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente
houve mudanccedila de postura deste professor
ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi
desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que
permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano
destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo
do negro
Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite
aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de
aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se
primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal
conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si
mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros
que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade
profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito
Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro
horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo
jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na
minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em
relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos
filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro
Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da
Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do
29
Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais
cujos artistas eram negros
Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks
primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos
lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um
segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto
dentro do contexto do teatro negro
As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre
em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do
Ensino Meacutedio
Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as
questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo
dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o
trabalho com a linguagem
Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem
teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e
mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar
Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as
manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade
negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que
desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como
elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a
identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar
Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma
como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do
ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a
identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra
21- O contexto local e a influecircncia cultural
30
Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro
como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a
histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo
A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo
divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute
de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km
2 sendo que desses 30 eacute formado por
negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul
A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do
protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as
consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a
predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de
que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute
Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros
que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta
regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga
localiza-se uma reserva indiacutegena
Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da
Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma
identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das
Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as
manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba
municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de
gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e
gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos
jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os
descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais
No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e
sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de
escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes
4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010
acessado em 07 de maio de 2016
31
acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem
vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho
Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga
da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na
semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo
apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica
A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na
Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio
econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada
uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos
alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos
promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca
representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus
Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente
quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando
debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade
religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades
utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de
espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante
para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante
destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e
discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima
No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o
espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e
seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane
Sobral destacando aqui
Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei
fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter
ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser
tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava
muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas
(SOBRAL 2005 p13)
32
No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de
ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola
Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este
quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo
eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura
Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo
destes anos
A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um
grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial
para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral
questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina
Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos
alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos
como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos
professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou
de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano
escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o
referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia
um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro
com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica
Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios
femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se
harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-
brasileira
5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e
Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio
33
As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo
atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a
pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo
personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto
Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda
Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros
Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o
engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro
Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde
Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como
personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto
malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos
averiguar neste trecho
Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de
alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua
famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os
requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o
branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que
geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em
oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo
estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os
sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)
Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro
(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor
Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a
ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma
qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era
difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o
miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo
Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um
trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo
Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e
daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato
34
Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos
livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que
muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial
Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria
de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)
As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam
estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus
Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda
feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo
(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de
aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees
pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a
cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos
de ldquoembraquecimentordquo
Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo
prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente
independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-
brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes
tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro
Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A
valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a
ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade
Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o
desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a
autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola
ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar
inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a
destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas
para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano
[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica
essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a
compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo
que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006
p30)
35
Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento
cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir
a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas
escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903
221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016
No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15
a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois
realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se
cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a
semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta
sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para
as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo
com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de
conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os
encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos
foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar
como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais
As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais
e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de
uma arte afro-brasileira
Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais
que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o
corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo
de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento
crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas
manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras
Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais
produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e
culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees
que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as
quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes
36
Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
37
do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
38
violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
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oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
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violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
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CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
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Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
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papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
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Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
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ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
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52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
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Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
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Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
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Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
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Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
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Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
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ANEXO 4 Questionaacuterio
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1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
27
CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA
CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE
O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande
influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-
brasileiras no ambiente escolar
Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na
Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de
Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo
semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da
Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas
pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas
dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente
Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)
abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar
personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de
Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa
Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas
inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black
power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira
repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado
por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a
expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado
espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda
em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial
sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)
Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute
essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e
3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto
708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de
educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas
puacuteblicas
28
brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das
escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-
brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo
algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os
alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis
aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal
Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado
pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma
diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os
professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente
houve mudanccedila de postura deste professor
ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi
desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que
permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano
destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo
do negro
Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite
aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de
aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se
primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal
conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si
mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros
que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade
profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito
Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro
horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo
jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na
minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em
relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos
filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro
Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da
Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do
29
Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais
cujos artistas eram negros
Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks
primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos
lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um
segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto
dentro do contexto do teatro negro
As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre
em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do
Ensino Meacutedio
Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as
questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo
dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o
trabalho com a linguagem
Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem
teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e
mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar
Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as
manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade
negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que
desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como
elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a
identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar
Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma
como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do
ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a
identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra
21- O contexto local e a influecircncia cultural
30
Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro
como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a
histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo
A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo
divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute
de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km
2 sendo que desses 30 eacute formado por
negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul
A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do
protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as
consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a
predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de
que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute
Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros
que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta
regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga
localiza-se uma reserva indiacutegena
Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da
Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma
identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das
Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as
manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba
municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de
gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e
gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos
jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os
descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais
No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e
sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de
escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes
4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010
acessado em 07 de maio de 2016
31
acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem
vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho
Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga
da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na
semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo
apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica
A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na
Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio
econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada
uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos
alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos
promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca
representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus
Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente
quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando
debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade
religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades
utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de
espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante
para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante
destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e
discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima
No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o
espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e
seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane
Sobral destacando aqui
Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei
fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter
ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser
tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava
muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas
(SOBRAL 2005 p13)
32
No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de
ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola
Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este
quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo
eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura
Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo
destes anos
A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um
grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial
para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral
questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina
Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos
alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos
como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos
professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou
de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano
escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o
referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia
um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro
com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica
Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios
femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se
harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-
brasileira
5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e
Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio
33
As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo
atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a
pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo
personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto
Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda
Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros
Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o
engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro
Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde
Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como
personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto
malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos
averiguar neste trecho
Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de
alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua
famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os
requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o
branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que
geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em
oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo
estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os
sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)
Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro
(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor
Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a
ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma
qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era
difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o
miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo
Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um
trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo
Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e
daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato
34
Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos
livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que
muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial
Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria
de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)
As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam
estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus
Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda
feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo
(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de
aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees
pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a
cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos
de ldquoembraquecimentordquo
Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo
prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente
independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-
brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes
tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro
Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A
valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a
ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade
Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o
desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a
autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola
ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar
inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a
destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas
para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano
[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica
essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a
compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo
que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006
p30)
35
Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento
cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir
a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas
escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903
221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016
No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15
a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois
realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se
cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a
semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta
sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para
as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo
com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de
conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os
encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos
foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar
como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais
As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais
e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de
uma arte afro-brasileira
Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais
que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o
corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo
de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento
crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas
manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras
Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais
produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e
culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees
que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as
quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes
36
Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
37
do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
38
violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
39
oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
40
violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
41
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
42
Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
43
papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
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45
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Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
28
brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das
escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-
brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo
algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os
alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis
aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal
Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado
pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma
diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os
professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente
houve mudanccedila de postura deste professor
ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi
desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que
permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano
destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo
do negro
Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite
aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de
aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se
primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal
conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si
mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros
que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade
profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito
Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro
horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo
jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na
minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo
Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em
relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos
filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro
Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da
Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do
29
Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais
cujos artistas eram negros
Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks
primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos
lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um
segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto
dentro do contexto do teatro negro
As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre
em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do
Ensino Meacutedio
Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as
questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo
dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o
trabalho com a linguagem
Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem
teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e
mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar
Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as
manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade
negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que
desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como
elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a
identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar
Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma
como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do
ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a
identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra
21- O contexto local e a influecircncia cultural
30
Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro
como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a
histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo
A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo
divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute
de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km
2 sendo que desses 30 eacute formado por
negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul
A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do
protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as
consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a
predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de
que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute
Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros
que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta
regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga
localiza-se uma reserva indiacutegena
Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da
Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma
identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das
Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as
manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba
municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de
gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e
gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos
jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os
descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais
No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e
sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de
escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes
4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010
acessado em 07 de maio de 2016
31
acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem
vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho
Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga
da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na
semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo
apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica
A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na
Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio
econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada
uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos
alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos
promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca
representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus
Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente
quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando
debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade
religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades
utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de
espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante
para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante
destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e
discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima
No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o
espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e
seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane
Sobral destacando aqui
Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei
fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter
ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser
tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava
muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas
(SOBRAL 2005 p13)
32
No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de
ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola
Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este
quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo
eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura
Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo
destes anos
A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um
grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial
para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral
questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina
Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos
alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos
como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos
professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou
de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano
escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o
referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia
um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro
com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica
Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios
femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se
harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-
brasileira
5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e
Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio
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As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo
atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a
pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo
personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto
Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda
Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros
Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o
engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro
Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde
Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como
personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto
malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos
averiguar neste trecho
Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de
alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua
famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os
requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o
branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que
geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em
oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo
estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os
sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)
Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro
(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor
Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a
ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma
qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era
difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o
miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo
Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um
trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo
Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e
daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato
34
Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos
livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que
muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial
Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria
de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)
As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam
estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus
Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda
feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo
(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de
aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees
pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a
cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos
de ldquoembraquecimentordquo
Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo
prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente
independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-
brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes
tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro
Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A
valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a
ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade
Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o
desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a
autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola
ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar
inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a
destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas
para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano
[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica
essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a
compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo
que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006
p30)
35
Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento
cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir
a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas
escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903
221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016
No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15
a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois
realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se
cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a
semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta
sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para
as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo
com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de
conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os
encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos
foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar
como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais
As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais
e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de
uma arte afro-brasileira
Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais
que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o
corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo
de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento
crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas
manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras
Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais
produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e
culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees
que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as
quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes
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Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
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do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
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violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
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oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
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violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
41
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
42
Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
43
papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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45
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46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
29
Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais
cujos artistas eram negros
Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks
primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos
lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um
segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto
dentro do contexto do teatro negro
As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre
em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do
Ensino Meacutedio
Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as
questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo
dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o
trabalho com a linguagem
Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem
teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e
mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar
Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as
manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade
negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que
desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como
elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a
identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar
Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma
como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do
ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a
identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra
21- O contexto local e a influecircncia cultural
30
Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro
como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a
histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo
A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo
divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute
de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km
2 sendo que desses 30 eacute formado por
negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul
A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do
protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as
consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a
predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de
que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute
Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros
que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta
regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga
localiza-se uma reserva indiacutegena
Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da
Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma
identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das
Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as
manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba
municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de
gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e
gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos
jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os
descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais
No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e
sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de
escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes
4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010
acessado em 07 de maio de 2016
31
acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem
vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho
Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga
da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na
semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo
apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica
A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na
Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio
econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada
uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos
alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos
promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca
representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus
Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente
quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando
debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade
religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades
utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de
espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante
para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante
destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e
discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima
No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o
espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e
seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane
Sobral destacando aqui
Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei
fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter
ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser
tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava
muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas
(SOBRAL 2005 p13)
32
No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de
ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola
Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este
quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo
eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura
Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo
destes anos
A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um
grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial
para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral
questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina
Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos
alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos
como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos
professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou
de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano
escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o
referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia
um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro
com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica
Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios
femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se
harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-
brasileira
5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e
Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio
33
As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo
atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a
pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo
personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto
Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda
Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros
Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o
engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro
Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde
Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como
personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto
malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos
averiguar neste trecho
Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de
alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua
famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os
requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o
branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que
geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em
oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo
estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os
sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)
Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro
(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor
Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a
ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma
qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era
difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o
miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo
Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um
trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo
Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e
daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato
34
Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos
livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que
muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial
Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria
de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)
As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam
estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus
Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda
feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo
(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de
aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees
pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a
cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos
de ldquoembraquecimentordquo
Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo
prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente
independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-
brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes
tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro
Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A
valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a
ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade
Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o
desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a
autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola
ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar
inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a
destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas
para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano
[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica
essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a
compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo
que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006
p30)
35
Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento
cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir
a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas
escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903
221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016
No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15
a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois
realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se
cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a
semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta
sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para
as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo
com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de
conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os
encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos
foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar
como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais
As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais
e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de
uma arte afro-brasileira
Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais
que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o
corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo
de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento
crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas
manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras
Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais
produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e
culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees
que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as
quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes
36
Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
37
do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
38
violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
39
oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
40
violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
41
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
42
Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
43
papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
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45
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46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
30
Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro
como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a
histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo
A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo
divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute
de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km
2 sendo que desses 30 eacute formado por
negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul
A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do
protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as
consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a
predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de
que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute
Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros
que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta
regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga
localiza-se uma reserva indiacutegena
Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da
Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma
identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das
Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as
manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba
municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de
gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e
gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos
jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os
descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais
No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e
sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de
escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes
4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010
acessado em 07 de maio de 2016
31
acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem
vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho
Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga
da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na
semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo
apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica
A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na
Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio
econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada
uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos
alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos
promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca
representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus
Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente
quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando
debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade
religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades
utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de
espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante
para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante
destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e
discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima
No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o
espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e
seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane
Sobral destacando aqui
Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei
fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter
ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser
tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava
muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas
(SOBRAL 2005 p13)
32
No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de
ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola
Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este
quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo
eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura
Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo
destes anos
A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um
grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial
para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral
questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina
Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos
alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos
como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos
professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou
de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano
escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o
referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia
um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro
com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica
Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios
femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se
harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-
brasileira
5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e
Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio
33
As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo
atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a
pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo
personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto
Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda
Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros
Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o
engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro
Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde
Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como
personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto
malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos
averiguar neste trecho
Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de
alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua
famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os
requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o
branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que
geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em
oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo
estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os
sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)
Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro
(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor
Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a
ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma
qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era
difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o
miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo
Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um
trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo
Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e
daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato
34
Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos
livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que
muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial
Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria
de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)
As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam
estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus
Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda
feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo
(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de
aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees
pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a
cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos
de ldquoembraquecimentordquo
Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo
prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente
independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-
brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes
tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro
Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A
valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a
ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade
Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o
desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a
autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola
ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar
inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a
destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas
para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano
[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica
essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a
compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo
que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006
p30)
35
Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento
cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir
a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas
escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903
221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016
No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15
a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois
realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se
cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a
semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta
sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para
as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo
com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de
conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os
encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos
foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar
como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais
As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais
e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de
uma arte afro-brasileira
Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais
que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o
corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo
de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento
crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas
manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras
Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais
produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e
culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees
que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as
quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes
36
Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
37
do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
38
violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
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oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
40
violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
41
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
42
Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
43
papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
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45
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46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
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acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem
vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho
Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga
da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na
semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo
apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica
A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na
Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio
econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada
uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos
alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos
promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca
representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus
Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente
quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando
debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade
religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades
utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de
espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante
para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante
destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e
discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima
No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o
espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e
seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane
Sobral destacando aqui
Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei
fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter
ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser
tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava
muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas
(SOBRAL 2005 p13)
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No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de
ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola
Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este
quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo
eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura
Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo
destes anos
A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um
grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial
para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral
questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina
Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos
alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos
como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos
professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou
de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano
escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o
referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia
um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro
com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica
Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios
femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se
harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-
brasileira
5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e
Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio
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As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo
atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a
pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo
personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto
Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda
Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros
Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o
engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro
Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde
Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como
personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto
malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos
averiguar neste trecho
Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de
alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua
famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os
requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o
branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que
geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em
oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo
estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os
sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)
Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro
(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor
Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a
ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma
qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era
difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o
miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo
Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um
trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo
Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e
daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato
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Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos
livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que
muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial
Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria
de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)
As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam
estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus
Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda
feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo
(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de
aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees
pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a
cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos
de ldquoembraquecimentordquo
Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo
prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente
independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-
brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes
tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro
Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A
valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a
ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade
Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o
desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a
autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola
ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar
inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a
destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas
para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano
[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica
essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a
compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo
que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006
p30)
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Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento
cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir
a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas
escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903
221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016
No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15
a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois
realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se
cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a
semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta
sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para
as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo
com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de
conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os
encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos
foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar
como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais
As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais
e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de
uma arte afro-brasileira
Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais
que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o
corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo
de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento
crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas
manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras
Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais
produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e
culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees
que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as
quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes
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Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
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do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
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violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
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oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
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violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
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CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
42
Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
43
papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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45
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Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
32
No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de
ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola
Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este
quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo
eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura
Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo
destes anos
A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um
grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial
para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral
questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre
expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola
22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina
Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos
alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos
como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos
professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou
de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano
escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o
referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia
um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro
com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica
Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios
femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se
harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-
brasileira
5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e
Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio
33
As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo
atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a
pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo
personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto
Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda
Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros
Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o
engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro
Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde
Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como
personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto
malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos
averiguar neste trecho
Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de
alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua
famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os
requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o
branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que
geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em
oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo
estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os
sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)
Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro
(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor
Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a
ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma
qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era
difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o
miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo
Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um
trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo
Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e
daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato
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Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos
livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que
muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial
Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria
de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)
As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam
estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus
Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda
feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo
(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de
aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees
pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a
cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos
de ldquoembraquecimentordquo
Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo
prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente
independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-
brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes
tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro
Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A
valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a
ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade
Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o
desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a
autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola
ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar
inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a
destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas
para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano
[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica
essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a
compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo
que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006
p30)
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Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento
cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir
a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas
escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903
221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016
No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15
a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois
realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se
cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a
semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta
sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para
as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo
com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de
conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os
encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos
foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar
como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais
As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais
e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de
uma arte afro-brasileira
Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais
que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o
corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo
de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento
crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas
manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras
Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais
produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e
culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees
que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as
quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes
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Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
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do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
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violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
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oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
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violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
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CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
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Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
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papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
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SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio
Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
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67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
33
As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo
atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a
pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo
personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto
Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda
Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros
Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o
engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro
Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde
Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como
personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto
malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos
averiguar neste trecho
Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de
alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua
famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os
requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o
branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que
geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em
oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo
estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os
sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)
Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro
(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor
Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a
ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma
qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era
difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o
miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo
Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um
trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo
Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e
daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato
34
Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos
livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que
muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial
Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria
de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)
As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam
estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus
Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda
feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo
(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de
aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees
pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a
cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos
de ldquoembraquecimentordquo
Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo
prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente
independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-
brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes
tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro
Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A
valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a
ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade
Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o
desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a
autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola
ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar
inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a
destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas
para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano
[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica
essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a
compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo
que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006
p30)
35
Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento
cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir
a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas
escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903
221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016
No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15
a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois
realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se
cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a
semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta
sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para
as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo
com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de
conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os
encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos
foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar
como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais
As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais
e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de
uma arte afro-brasileira
Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais
que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o
corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo
de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento
crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas
manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras
Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais
produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e
culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees
que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as
quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes
36
Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
37
do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
38
violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
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oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
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violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
41
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
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Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
43
papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
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Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
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O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
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Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
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ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
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ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
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Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
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Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
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Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
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Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
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ANEXO 4 Questionaacuterio
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1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
34
Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos
livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que
muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial
Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria
de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)
As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam
estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus
Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda
feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo
(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de
aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees
pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a
cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos
de ldquoembraquecimentordquo
Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo
prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente
independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-
brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes
tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro
Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A
valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a
ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade
Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o
desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a
autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola
ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar
inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a
destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas
para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano
[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica
essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a
compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo
que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006
p30)
35
Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento
cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir
a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas
escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903
221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016
No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15
a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois
realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se
cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a
semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta
sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para
as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo
com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de
conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os
encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos
foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar
como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais
As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais
e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de
uma arte afro-brasileira
Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais
que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o
corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo
de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento
crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas
manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras
Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais
produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e
culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees
que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as
quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes
36
Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
37
do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
38
violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
39
oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
40
violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
41
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
42
Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
43
papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
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45
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SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio
Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
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Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
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ANEXO 4 Questionaacuterio
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1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
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Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
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Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento
cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir
a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas
escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903
221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016
No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15
a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois
realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se
cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a
semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta
sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para
as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo
com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de
conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os
encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos
foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar
como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais
As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais
e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de
uma arte afro-brasileira
Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais
que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o
corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo
de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento
crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas
manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras
Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais
produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e
culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees
que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as
quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes
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Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
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do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
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violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
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oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
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violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
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CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
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Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
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papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
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Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
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ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
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O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
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ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
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Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
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66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
36
Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo
apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea
de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles
Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e
comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua
postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande
contador de causos
A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas
discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com
alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos
integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de
Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave
concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes
atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin
(2005)
Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o
caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes
mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute
manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo
trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-
18)
O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as
necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o
grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais
dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo
Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o
Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso
Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de
instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro
ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo
37
do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
38
violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
39
oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
40
violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
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CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
42
Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
43
papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
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45
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SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio
Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
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Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
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Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
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Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
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Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
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ANEXO 4 Questionaacuterio
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1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
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Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
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do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro
Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras
Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos
sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa
de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados
com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos
levaram a uma coreografia
A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a
concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais
participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para
finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata
de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma
favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de
sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos
poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida
Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder
da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os
marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de
receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de
suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e
quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira
como heroacutei ateacute os dias de hoje
Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na
deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como
Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito
diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido
em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus
dias em um pequeno siacutetio isolada
A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas
tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave
6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016
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violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
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oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
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violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
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CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
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Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
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papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
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ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006
SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio
Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
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ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
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O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
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Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
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ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
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Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
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Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
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Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
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Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
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Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
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Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
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ANEXO 4 Questionaacuterio
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1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
38
violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para
transformar esta realidade
O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si
mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que
as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar
o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente
habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser
transformado (BOAL 2009 p 160)
Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo
que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O
Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos
uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo
folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois
integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o
figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de
capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para
apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta
cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os
integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas
observando
Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo
africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros
mesticcedilos brancos e iacutendios
Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com
um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o
Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da
Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria
de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9
Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente
trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do
7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016
8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
39
oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
40
violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
41
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
42
Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
43
papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ALMADA Sandra Abdias do Nascimento ndash Retratos do Brasil Negro Satildeo Paulo -SP
Editora Selo Negro 2009
ARMILIATO V ARAUJO SCS O lugar do Poliacutetico no Teatro O Mosaico ndash Revista
de Pesquisa em Artes da Faculdade do Paranaacute n 5 p 134-145 jan jun 2011
BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento
[ 30122014] por Felipe Reis Disponiacutevel em lt httpogloboglobocomculturateatroaos-
50-anos-de-carreira-as-crencas-de-eugenio-barba-14930868gt Acesso em 31052016
BRECHT Bertold Estudos sobre Teatro Rio de Janeiro-RJ Editora Nova Fronteira
1978
BOAL Augusto Teatro do oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticas 9 eds Rio de Janeiro-
RJ Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2009
CAROLINA Quarto de despejo homenagem Disponiacutevel em
lthttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
DOUXAMI Christiane Teatro Negro A realidade de um sonho sem sono AfroAsia
25-26 p 313-363 2001
Histoacuterico de Itarareacute Disponiacutevel em
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LIMA Evani Tavares Um olhar sobre o teatro negro do Teatro Experimental do
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45
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SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio
Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
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67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
39
oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das
diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos
bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo
explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo
negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute
subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o
amadurecimento do grupo
No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural
que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O
subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em
que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em
relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no
espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro
Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo
menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor
puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a
discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme
fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do
filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas
Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido
por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo
violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute
os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote
morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que
fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da
favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e
realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem
Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade
perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena
Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de
teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da
deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo
com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da
40
violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
41
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
42
Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
43
papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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45
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Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
40
violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos
de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o
tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto
a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que
accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou
seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia
discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a
transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo
trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo
contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso
ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a
peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a
fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na
peccedila trata-se do comeacutercio da guerra
Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores
coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a
esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a
possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma
vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a
necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees
culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas
accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar
a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar
com as investigaccedilotildees propostas
41
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
42
Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
43
papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
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45
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SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio
Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
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Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
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Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
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Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
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ANEXO 4 Questionaacuterio
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1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
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Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
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CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e
social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar
abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato
com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no
cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a
ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a
dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe
ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial
A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura
afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar
um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos
pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro
como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser
revisto
A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os
recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se
baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos
para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente
com posicionamento criacutetico
Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham
esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de
ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao
longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes
integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as
transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e
comportamento
Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do
projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala
demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo
dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para
conhecer mais sobre sua afro descendecircncia
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Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
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papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
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SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio
Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
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ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
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O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
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Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
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ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
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ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
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ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
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Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
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Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
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Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
42
Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro
senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas
palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas
Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro
conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees
Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem
dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de
ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto
aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao
redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave
noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina
principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um
espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer
uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia
Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando
internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das
pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para
fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio
Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas
mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar
Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit
intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua
deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do
filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha
orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo
Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais
Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo
puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei
que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo
Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam
pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a
continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo
assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do
43
papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ALMADA Sandra Abdias do Nascimento ndash Retratos do Brasil Negro Satildeo Paulo -SP
Editora Selo Negro 2009
ARMILIATO V ARAUJO SCS O lugar do Poliacutetico no Teatro O Mosaico ndash Revista
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BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento
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45
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MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica
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PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em
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RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de
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httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad
ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006
SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio
Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
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1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
43
papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar
continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as
demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos
maior alcance
O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um
pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de
uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees
artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade
44
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ALMADA Sandra Abdias do Nascimento ndash Retratos do Brasil Negro Satildeo Paulo -SP
Editora Selo Negro 2009
ARMILIATO V ARAUJO SCS O lugar do Poliacutetico no Teatro O Mosaico ndash Revista
de Pesquisa em Artes da Faculdade do Paranaacute n 5 p 134-145 jan jun 2011
BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento
[ 30122014] por Felipe Reis Disponiacutevel em lt httpogloboglobocomculturateatroaos-
50-anos-de-carreira-as-crencas-de-eugenio-barba-14930868gt Acesso em 31052016
BRECHT Bertold Estudos sobre Teatro Rio de Janeiro-RJ Editora Nova Fronteira
1978
BOAL Augusto Teatro do oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticas 9 eds Rio de Janeiro-
RJ Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2009
CAROLINA Quarto de despejo homenagem Disponiacutevel em
lthttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
DOUXAMI Christiane Teatro Negro A realidade de um sonho sem sono AfroAsia
25-26 p 313-363 2001
Histoacuterico de Itarareacute Disponiacutevel em
lthttpbibliotecaibgegovbrvisualizacaodtbssaopauloitararepdfgtAcesso em
31052106
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Disponiacutevel em
lthttpcidadesibgegovbrpainelpainelphplang=ampcodmun=352320ampsearch=|itararegt
Acesso em 30052016
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Disponiacutevel em lt
httpcidadesibgegovbrpainelpainelphplang=ampcodmun=352320ampsearch=|itarare gt
Acesso em 31052016
JAPIASSU Ricardo Metodologia do Ensino de Teatro 5 ed Campinas-SP Editora
Papirus 2006
LIMA Evani Tavares Um olhar sobre o teatro negro do Teatro Experimental do
Negro e do Bando do Teatro Olodum Tese Poacutes-Graduaccedilatildeo ndash Instituto de Artes
UNICAMP Campinas- SP 2010
45
LINDOMAR Teatro Contemporacircneo ndash Fonte PAVIS Patrice Dicionaacuterio de Teatro
Satildeo Paulo Perspectiva 1999 Disponiacutevel em lthttpwwwinfoescolacomteatroteatro-
contemporaneo gt Acesso em 30052016
MACULELEcirc Sucena Ritmos e Manifestaccedilotildees Afro-Brasileira Disponiacutevel em
lthttpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 30052016
MENDES Miriam Garcia A personagem Negra no Teatro Brasileiro Brasiacutelia-GO
Fundaccedilatildeo Cultural Palmares 1993
MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica
1982
MIRANDA Rita Alves Estudos sobre Bertold Brecht Existecircncia e Arte ndash Revista
Eletrocircnica do Grupo PET ndash Ciecircncias Humanas Esteacutetica da Universidade Federal de Satildeo
Joatildeo Del-Rei ndash ANO VII ndash Nuacutemero VI p 25-41 Jan dez 2011 Disponiacutevel em lt
httpwwwufsjedubrportal2-
repositorioFileexistenciaearteEdicoes6_EdicaoEstudos_sobre_Bertolt_Brechtpdf gt
Acesso em 31052016
MENDONCcedilA William Gente de Teatro Disponiacutevel em lt
httpwwwrecantodasletrascombrbiografias3149756 gt Acesso em 31052016
MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da
personagem negra em duas peccedilas encenadas (1947- 1951) Dissertaccedilatildeo de Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008
PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em
lthttpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE
EDUCACcedilAtildeO ndash EDUCERE A Escola como um dos espaccedilos de constituiccedilatildeo da
Identidade Negra Revisitando Histoacuterias de Estudantes Negros na Universidade PUCPR
2009 Disponiacutevel emlt
httpwwwpucprbreventoseducereeducere2009anaispdf3360_1941pdfgt Acesso em
31052016
RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de
Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de
Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro
de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em
httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad
ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006
SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio
Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
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Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
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Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
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ANEXO 4 Questionaacuterio
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65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
44
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ALMADA Sandra Abdias do Nascimento ndash Retratos do Brasil Negro Satildeo Paulo -SP
Editora Selo Negro 2009
ARMILIATO V ARAUJO SCS O lugar do Poliacutetico no Teatro O Mosaico ndash Revista
de Pesquisa em Artes da Faculdade do Paranaacute n 5 p 134-145 jan jun 2011
BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento
[ 30122014] por Felipe Reis Disponiacutevel em lt httpogloboglobocomculturateatroaos-
50-anos-de-carreira-as-crencas-de-eugenio-barba-14930868gt Acesso em 31052016
BRECHT Bertold Estudos sobre Teatro Rio de Janeiro-RJ Editora Nova Fronteira
1978
BOAL Augusto Teatro do oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticas 9 eds Rio de Janeiro-
RJ Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2009
CAROLINA Quarto de despejo homenagem Disponiacutevel em
lthttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106
DOUXAMI Christiane Teatro Negro A realidade de um sonho sem sono AfroAsia
25-26 p 313-363 2001
Histoacuterico de Itarareacute Disponiacutevel em
lthttpbibliotecaibgegovbrvisualizacaodtbssaopauloitararepdfgtAcesso em
31052106
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Disponiacutevel em
lthttpcidadesibgegovbrpainelpainelphplang=ampcodmun=352320ampsearch=|itararegt
Acesso em 30052016
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Disponiacutevel em lt
httpcidadesibgegovbrpainelpainelphplang=ampcodmun=352320ampsearch=|itarare gt
Acesso em 31052016
JAPIASSU Ricardo Metodologia do Ensino de Teatro 5 ed Campinas-SP Editora
Papirus 2006
LIMA Evani Tavares Um olhar sobre o teatro negro do Teatro Experimental do
Negro e do Bando do Teatro Olodum Tese Poacutes-Graduaccedilatildeo ndash Instituto de Artes
UNICAMP Campinas- SP 2010
45
LINDOMAR Teatro Contemporacircneo ndash Fonte PAVIS Patrice Dicionaacuterio de Teatro
Satildeo Paulo Perspectiva 1999 Disponiacutevel em lthttpwwwinfoescolacomteatroteatro-
contemporaneo gt Acesso em 30052016
MACULELEcirc Sucena Ritmos e Manifestaccedilotildees Afro-Brasileira Disponiacutevel em
lthttpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 30052016
MENDES Miriam Garcia A personagem Negra no Teatro Brasileiro Brasiacutelia-GO
Fundaccedilatildeo Cultural Palmares 1993
MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica
1982
MIRANDA Rita Alves Estudos sobre Bertold Brecht Existecircncia e Arte ndash Revista
Eletrocircnica do Grupo PET ndash Ciecircncias Humanas Esteacutetica da Universidade Federal de Satildeo
Joatildeo Del-Rei ndash ANO VII ndash Nuacutemero VI p 25-41 Jan dez 2011 Disponiacutevel em lt
httpwwwufsjedubrportal2-
repositorioFileexistenciaearteEdicoes6_EdicaoEstudos_sobre_Bertolt_Brechtpdf gt
Acesso em 31052016
MENDONCcedilA William Gente de Teatro Disponiacutevel em lt
httpwwwrecantodasletrascombrbiografias3149756 gt Acesso em 31052016
MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da
personagem negra em duas peccedilas encenadas (1947- 1951) Dissertaccedilatildeo de Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008
PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em
lthttpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE
EDUCACcedilAtildeO ndash EDUCERE A Escola como um dos espaccedilos de constituiccedilatildeo da
Identidade Negra Revisitando Histoacuterias de Estudantes Negros na Universidade PUCPR
2009 Disponiacutevel emlt
httpwwwpucprbreventoseducereeducere2009anaispdf3360_1941pdfgt Acesso em
31052016
RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de
Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de
Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro
de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em
httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad
ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006
SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio
Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
45
LINDOMAR Teatro Contemporacircneo ndash Fonte PAVIS Patrice Dicionaacuterio de Teatro
Satildeo Paulo Perspectiva 1999 Disponiacutevel em lthttpwwwinfoescolacomteatroteatro-
contemporaneo gt Acesso em 30052016
MACULELEcirc Sucena Ritmos e Manifestaccedilotildees Afro-Brasileira Disponiacutevel em
lthttpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 30052016
MENDES Miriam Garcia A personagem Negra no Teatro Brasileiro Brasiacutelia-GO
Fundaccedilatildeo Cultural Palmares 1993
MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica
1982
MIRANDA Rita Alves Estudos sobre Bertold Brecht Existecircncia e Arte ndash Revista
Eletrocircnica do Grupo PET ndash Ciecircncias Humanas Esteacutetica da Universidade Federal de Satildeo
Joatildeo Del-Rei ndash ANO VII ndash Nuacutemero VI p 25-41 Jan dez 2011 Disponiacutevel em lt
httpwwwufsjedubrportal2-
repositorioFileexistenciaearteEdicoes6_EdicaoEstudos_sobre_Bertolt_Brechtpdf gt
Acesso em 31052016
MENDONCcedilA William Gente de Teatro Disponiacutevel em lt
httpwwwrecantodasletrascombrbiografias3149756 gt Acesso em 31052016
MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da
personagem negra em duas peccedilas encenadas (1947- 1951) Dissertaccedilatildeo de Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008
PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em
lthttpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016
ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE
EDUCACcedilAtildeO ndash EDUCERE A Escola como um dos espaccedilos de constituiccedilatildeo da
Identidade Negra Revisitando Histoacuterias de Estudantes Negros na Universidade PUCPR
2009 Disponiacutevel emlt
httpwwwpucprbreventoseducereeducere2009anaispdf3360_1941pdfgt Acesso em
31052016
RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de
Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de
Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro
de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em
httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad
ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006
SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio
Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005
46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
46
ANEXOS
ANEXO 1
Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o
convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o
ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo
Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014
dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo
VOZES DA LIBERDADE
Safira Orus Eliane Egen
Em cena
Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill
Trecircs atores a maquiadora e o diretor
Atores se maquiando
Diretor nervoso
DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal
MAQUIADORA Ainda natildeo chegou
DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope
MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar
DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho
Entra as camareiras
DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um
jeito jaacute criatura
Saem as camareiras
Diretor olha insistente para o reloacutegio
Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe
Chega a atriz principal
ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores
DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo
Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra
ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca
Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
47
O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras
Da plateia surge Abdias Nascimento
ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor
Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes
O diretor vai em sua direccedilatildeo
DIRETOR ndash O que significa isso
ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira
DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho
ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias
Nascimento diretor de teatro
DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho
DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores
ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo
vindo
DIRETOR Operaacuterios
ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica
JUNTOS ndash Negros
ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro
DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal
ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo
essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)
Os atores brancos vatildeo saindo um a um
DIRETOR ndash E quem iratildeo representar
(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil
E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres
Elza Soares O Samba Brasileiro
Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro
Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro
Foi por isto mesmo que tirou sua patente
Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
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64
65
66
67
68
69
70
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72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
48
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Pam-pam-pam- pam-pam-padam
Ha-ha ha-ha
Agora minha gente me acompanhe
Ouccedila com sinceridade
A cuiacuteca e o pandeiro
Diga sem intuito de bondade
Se eacute possiacutevel haver no mundo
Requebrado igual
(Elza Soares se retira do palco)
DIRETOR ndash Uma cantora
ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais
conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada
Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos
CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se
porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo
Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois
os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza
porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito
Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo
DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora
ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai
querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel
Entra Joaquim Barbosa com a toga
DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
49
ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui
DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)
JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo
princiacutepio republicano rdquo
DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)
ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um
famoso meacutedico Benjamim Carson americano
Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x
DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano
(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)
DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem
ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)
Joatildeo Cacircndido E a Marinha
JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar
Tempos difiacuteceis
DIRETOR ndash Quem eacute esse
ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da
Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto
serviam o paiacutes
DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha
ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como
heroacutei
DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza
Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social
trabalharemos juntos num futuro proacuteximo
LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre
outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo
DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo
que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones
ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor
Neste momento os atores brancos entram e interrompem
TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
50
ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem
CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados
Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando
com andar marcado sobre o grupo branco
TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila
negra a luta negra o pensamento do homem negro
DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena
Todos os atores brancos se retiram
ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute
nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute
nossa
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
51
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
52
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
53
ANEXO 2
Exerciacutecios Aplicados
Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral
aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo
de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a
cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria
consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de
discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos
e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees
levantadas pelo grupo
Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses
encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo
observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o
primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia
corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a
relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo
O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura
dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do
Oprimido de Boal
Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como
1- Espreguiccedilar braccedilos pernas
2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os
ombros
3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo
4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo
junto ao peito
5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos
6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo
7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente
colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente
8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
54
Primeiro Encontro
A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e
instrumentos natildeo convencionais
Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da
respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros
vento etc
Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando
acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro
nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes
sentados em peacute deitados caminhando correndo
Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou
encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher
pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um
instrumento musical o violatildeo
Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo
corpo
Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta
Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de
compor ritmos com os instrumentos e corpo
Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova
experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e
conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles
Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se
saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc
Sucena
Segundo Encontro
Primeira Parte
Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes
Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o
colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
55
Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo
Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo
Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em
posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas
sugestotildees como prostituta andarilho louco
Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto
percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo
Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma
forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste
trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a
importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem
Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que
surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta
Segunda Parte
Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-
brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes
da nossa histoacuteria e que foram esquecidas
Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do
Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o
diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas
reflexotildees sobre a vida
Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo
entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura
dramaacutetica para alguns alunos da escola
Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos
afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia
de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios
para utilizarmos
Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e
usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um
pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas
Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
56
Terceiro Encontro
Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios
proposto por Boal
Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se
a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc
Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que
sua profissatildeo exige
Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos
surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo
Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las
Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas
variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc
Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica
pessoa
Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais
integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo
Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o
banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho
Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza
utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc
Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam
do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos
Eles criaram a seguinte cena
Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados
por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha
Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera
Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma
Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo
apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade
Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes
Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia
de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os
tripulantes
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
57
Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas
se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees
raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido
sugerido por Boal
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
58
ANEXO 3
Registros das oficinas
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
59
Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
60
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
61
Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222
Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
62
ANEXO 4 Questionaacuterio
63
64
65
66
67
68
69
70
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72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
64
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66
67
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70
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72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
65
66
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68
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1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
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(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
66
67
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1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
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12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
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Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
67
68
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1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
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Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
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10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
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73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
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11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
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Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
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12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
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Como se classifica quanto a sua cor
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E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
68
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1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
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5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
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Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
69
70
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo
5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos
8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico
Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede
10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
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Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
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Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
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70
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1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
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3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
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6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas
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7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria
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Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez
9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais
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10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as
oficinas
73
Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
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Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
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12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
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E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
71
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
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Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
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5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
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7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
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13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
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Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
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Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
72
1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais
Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc
2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu
Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa
3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais
Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie
4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante
desenvolver a linguagem teatral na escola Por que
Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda
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5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua
escola
Apresentaccedilatildeo de capoeira
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Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas
(Histoacuteria Filosofia Sociologia)
7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E
questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento
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73
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Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
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Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio
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Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em
grupo
11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais
conhecer personalidades negras no teatro
Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro
que ainda eacute tatildeo desrespeitado
12- O que mudou depois das oficinas teatrais
Consegui perder minha timidez e me conheci melhor
13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando
temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos
Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na
escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar
aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais
Como se classifica quanto a sua cor
Pardo
E quanto a sua etnia
Mesticcedilo
Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias
Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio