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Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013 1 O TEATRO DE JOSÉ DE ANCHIETA: UMA ANÁLISE POR TEMAS FURLAN, Vinicius (UEM) ARNAUT DE TOLEDO, Cézar de Alencar (Orientador/UEM) Considerações Iniciais O objetivo deste texto é apresentar uma análise da produção teatral de José de Anchieta (1534-1597) por meio da discussão dos temas. A produção teatral de José de Anchieta é composta por doze autos, escritos e produzidos em terras brasileiras (JOSÉ DE ANCHIETA, 1977), com objetivos missionários desenvolveu um projeto educacional e catequético aliado ao projeto colonizador da América Portuguesa. José de Anchieta nasceu em San Cristóbal de La Laguna, Tenerife, uma das ilhas Canárias. Filho de Juan de Anchieta e Mencia Diaz de Clavijo, era o terceiro filho de doze irmãos (ECHANÍZ I, 2006). Sua criação ocorreu em um ambiente marcado pela diversidade cultural. Aos 14 anos partiu para Coimbra, considerada como importante centro estudantil português e um dos maiores da Europa (HERNANDES, 2008). Desde o início de seus estudos, José de Anchieta teve uma formação humanística, o que teve continuidade em Coimbra. Devido ao nível de seus conhecimentos, seu talento para a literatura, a facilidade para aprender a falar diversos idiomas, foi possível o ingresso no Real Colégio das Artes, “Essa formação humanística fez parte da vida de José de Anchieta, pois suas produções tinham um estilo clássico. Ele utilizava os idiomas e os estilos estruturais das escritas como os escritores da Antiguidade Clássica” (FURLAN, 2013, p. 57). José de Anchieta teve presente em sua vida, desde muito cedo, questões ligadas à religiosidade e ao interesse pelos estudos. Além disso, tinha conhecimentos das bases

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Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

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O TEATRO DE JOSÉ DE ANCHIETA:

UMA ANÁLISE POR TEMAS

FURLAN, Vinicius (UEM)

ARNAUT DE TOLEDO, Cézar de Alencar (Orientador/UEM)

Considerações Iniciais

O objetivo deste texto é apresentar uma análise da produção teatral de José de

Anchieta (1534-1597) por meio da discussão dos temas. A produção teatral de José de

Anchieta é composta por doze autos, escritos e produzidos em terras brasileiras (JOSÉ

DE ANCHIETA, 1977), com objetivos missionários desenvolveu um projeto

educacional e catequético aliado ao projeto colonizador da América Portuguesa.

José de Anchieta nasceu em San Cristóbal de La Laguna, Tenerife, uma das ilhas

Canárias. Filho de Juan de Anchieta e Mencia Diaz de Clavijo, era o terceiro filho de

doze irmãos (ECHANÍZ I, 2006).

Sua criação ocorreu em um ambiente marcado pela diversidade cultural. Aos 14

anos partiu para Coimbra, considerada como importante centro estudantil português e

um dos maiores da Europa (HERNANDES, 2008).

Desde o início de seus estudos, José de Anchieta teve uma formação

humanística, o que teve continuidade em Coimbra. Devido ao nível de seus

conhecimentos, seu talento para a literatura, a facilidade para aprender a falar diversos

idiomas, foi possível o ingresso no Real Colégio das Artes, “Essa formação humanística

fez parte da vida de José de Anchieta, pois suas produções tinham um estilo clássico.

Ele utilizava os idiomas e os estilos estruturais das escritas como os escritores da

Antiguidade Clássica” (FURLAN, 2013, p. 57).

José de Anchieta teve presente em sua vida, desde muito cedo, questões ligadas

à religiosidade e ao interesse pelos estudos. Além disso, tinha conhecimentos das bases

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do latim, o que lhe rendeu destaque como um dos melhores alunos em Coimbra e a

facilidade de aprender outros idiomas, como o português (CAXA, 1988).

Foi em Coimbra que José de Anchieta teve conhecimento dos ideais

missionários da Companhia de Jesus. Assim, aos 17 anos ingressou na Ordem

(PINTINHA, 2004).

A Companhia de Jesus foi uma das Ordens com maior representatividade do

século XVI, fundada por Inácio de Loyola (1491-1556), teve seu reconhecimento no

ano de 1540, por meio da Bula Regimini militantis Ecllesiae, exarada do Papa Paulo III

(O’MALLEY, 2004).

Fundada em um momento de transição do período medieval para o moderno, a

nova Ordem trazia em sua estrutura uma prática moderna. Seu objetivo inicial era o

estabelecimento de uma ajuda espiritual, ou seja, da restauração do homem cristão por

meio da prática dos Exercícios Espirituais, o que consistia em uma nova linguagem e

uma nova forma de se aproximar de Deus (BARTHES, 2005).

Em pouco tempo a Companhia de Jesus atingiu um considerável número de

membros. Esses novos membros recebiam uma boa formação baseada na dedicação e na

disciplina dos estudos. “A educação ou ato educacional da e na Companhia de Jesus

surgiu devido à necessidade de formar homens aptos e com formação intelectual

adequada para atuarem como membro da Companhia de Jesus” (FURLAN, 2013, p.

57).

A Companhia de Jesus não foi fundada com objetivos educacionais, mas foi por

meio da ação educacional que seus membros vislumbraram uma forma de desenvolver

um trabalho de formação social.

Pela ação catequética com meninos perceberam que era possível ampliar as

bases de formação cristã na sociedade, pois, ao catequizar os meninos, formavam

cristãos que atuariam nessa nova sociedade e, além disso, os mesmo contribuiriam para

a formação cristã de seus pais e demais membros da sociedade. Desta forma, ocorreu a

fundação dos primeiros colégios da Companhia de Jesus.

Em um primeiro momento, os colégios dirigidos pela Companhia de Jesus eram

destinados aos futuros membros. Apenas no ano de 1548, na cidade de Messina, ocorreu

a fundação de um colégio destinado a alunos externos. O Colégio Romano, fundado no

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ano de 1551, foi um dos mais importantes da Ordem e o preferido de Inácio de Loyola

(O’NEILL; DOMÍNGUEZ II, 2001).

Devido à sua representatividade e ao seu modo de atuar, a Companhia de Jesus

foi solicitada por D.João III (1521-1557) para atuar em terras portuguesas. E foi a partir

dessa solicitação que se iniciou a atuação dos jesuítas no reino português e o

desenvolvimento de um projeto missionário na América Portuguesa.

A ação Missionária de José de Anchieta na América Portuguesa e o teatro como

método pedagógico

Da ação missionária dos jesuítas na América Portuguesa, destacamos a atuação

de José de Anchieta, que chegou ao Brasil no ano de 1553 para um trabalho missionário

e catequético.

Em terras brasileiras José de Anchieta desenvolveu diversas atividades. Devido à

sua facilidade para escrever e se comunicar, atuou como auxiliar do provincial,

professor de latim e intérprete para os indígenas. Já no ano de 1554 contribuiu para a

fundação do Colégio de São Paulo de Piratininga, onde atuou como professor de

humanidades, e ao mesmo tempo exercia outras funções como a de costureiro, sapateiro

e enfermeiro (O’NEILL; DOMÍNGUEZ I, 2001).

Pouco tempo após sua chegada, começou a aprender a língua nativa, e devido à

sua facilidade para aprender e se comunicar em outros idiomas, no ano de 1555

produziu uma gramática da língua mais falada na colônia, e em pouco tempo já era

utilizada nos colégios da Companhia de Jesus, e teve sua publicação no ano de 1595 em

Portugal intitulada: A arte da gramática mais utilizada na Costa do Brasil

(HERNANDES, 2008).

A facilidade de comunicação que possuía, contribuiu de maneira decisiva para o

desenvolvimento de sua ação missionária, que se encaminhou para o processo de

educação e de catequização dos indígenas. Sua atuação ocorreu em diversas frentes

educacionais devido à falta de professores qualificados e em quantidade suficiente para

suprir a demanda. O campo educacional foi uma das áreas mais fortemente marcadas

pela atuação de José de Anchieta.

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Para a atuação na frente educacional, José de Anchieta utilizou como método

pedagógico o teatro. Seu primeiro contato com o teatro foi em Coimbra numa época em

que estava em voga o teatro de Gil Vicente (1465-1536?), esse contato contribuiu para a

formação do estilo teatral produzido por José de Anchieta; a facilidade com a escrita e

com os idiomas originou uma produção de peças teatrais semelhante ao estilo da escola

de Gil Vicente (CARDOSO, 1977).

José de Anchieta, por meio de sua ação missionária, contribuiu para a formação

do legado cultural e literário brasileiro. Contribuiu ainda para a formação e o

desenvolvimento dos aspectos educacionais, pois sua produção teatral tinha fins

catequéticos e educacionais, “Os jesuítas não foram os primeiros a utilizar o teatro como

recurso pedagógico, mas, por meio desse recurso, desenvolveram um produtivo trabalho

educacional e souberam utilizá-lo como importante método pedagógico” (FURLAN,

2013, p. 70).

O teatro teve sua origem na Antiguidade. Devemos destacar sua formação em

dois momentos: o teatro clássico grego e o teatro romano. O teatro grego é originário do

rito, ou seja, está ligado às manifestações religiosas da Grécia Antiga. Suas

apresentações são relacionadas aos rituais de culto a Dionísio, deus do vinho, e a Ceres,

deusa da fertilidade. O teatro grego é classificado e dividido em quatro estilos: a

tragédia, a comédia, a tragicomédia e o drama (RUCKSTADTER, 2005).

No caso do teatro romano, sua origem foi da união das culturas latina, etrusca e

grega. Da cultura latina utilizou os diálogos, da etrusca as danças e gestos e da grega, os

temas e estilos abordados. Contudo, a população romana tinha preferência pelo embate

entre os gladiadores ou espetáculos circenses.

Na Idade Média, os estilos teatrais que predominaram foram a farsa ou

entremez, a pantomina, a ópera-cômica, a tragicomédia ou melodrama e o auto. O que

teve mais destaque foi o auto, apresentações realizadas nas igrejas, em festas da corte ou

ao ar livre. Deste estilo teatral destacamos Gil Vicente,

Poeta e dramaturgo, viveu durante o período de transição da Idade Média para a Idade moderna. Desse modo, seu estilo teatral é uma criação original do dramaturgo com influência de elementos com marca do período medieval. Ocupou lugar de representatividade na

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corte portuguesa como organizador de eventos, e seu primeiro auto foi encenado no ano de 1502. (FURLAN, 2013, p. 72).

Gil Vicente atuou por cerca de trinta e cinco anos como organizador de

espetáculos na corte portuguesa. Em seu estilo produziu um teatro que criticava a

condição social da época e diversos setores da sociedade, com destaque para a nobreza e

o clero (SARAIVA, 1988). É considerado como o inaugurador do teatro moderno em

Portugal. Seu estilo não era o único apresentado na época, havia representações

religiosas e profanas que não seguiam o mesmo estilo dos autos vicentinos.

Seu estilo foi formado a partir da mescla do estilo teatral religioso com o

profano, com destaque para os seguintes estilos: o auto pastoril, a moralidade religiosa,

as narrações bíblicas, a fantasia alegórica, a farsa episódica e o auto narrativo. Mesmo

com essa variedade de estilos podemos resumir sua obra em alegoria, quadro e

narrativa. Alegoria e narrativa fazem parte da estrutura teatral, o estilo narrativa é o que

mais se aproxima do teatro atualmente.

Com um teatro crítico, Gil Vicente utilizava, em suas obras, tipos da sociedade

portuguesa para compor suas personagens, pois, por meio de seu teatro fazia uma crítica

e um combate ideológico à sociedade feudal, com uma expressividade moralista, que

condenava as ações como a soberba, a cobiça, a atuação das classes dominantes e,

demonstrava afeição pelos camponeses, ou seja, retratava as desigualdades sociais da

época com uma linguagem que ia do arcaico ao moderno, e se fazia entender pela

camada popular e pelos membros da corte.

Gil Vicente foi responsável pela produção de um teatro inovador durante o

século XVI na sociedade portuguesa; fazia críticas àquela sociedade em transição. Com

uma produção expressiva, que envolvia diversas personagens. A peça Florestas de

Enganos foi sua última produção, no ano de 1536, e mesmo com sua morte, seus autos

continuaram a ser representados na corte portuguesa devido à condição de destaque que

obteve (PEIXOTO, 2006).

Durante o século XVI, ocorreram grandes transformações. Foi um século

marcado por expansões e o descobrimento de novas terras. Além disso, a cultura

portuguesa sofreu influências do Humanismo e do Renascimento. Portugal tornou-se

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um importante centro comercial, com destaque para Lisboa, que também era o ponto de

chegada de pessoas dos mais diversos lugares de mundo e de outras cidades

portuguesas, e foi neste contexto de transformação que houve um desenvolvimento

cultural e educacional influenciados pelo Renascimento e o Humanismo.

O desenvolvimento cultural e educacional de Portugal foi influenciado com a

chegada de intelectuais em Coimbra como “[...] André de Gouveia, Diogo de Teive,

Buchanan, Vinet e outros, que contribuíram fortemente para um novo desenvolvimento

literário e mesmo teatral” (PEIXOTO, 2006, p. 94).

Nesse cenário de transformação, houve a retomada dos textos de escritores da

Antiguidade Clássica para estudos da arte e da retórica, no meio acadêmico as tragédias

latinas passaram a ser fontes de estudos, para leitura, comentários, traduções de autores

gregos e representações de autores latinos.

Todo esse processo de transformação, com influências humanistas, atingiu os

estilos teatrais da tragédia e da comédia. A tragédia passou a retratar assuntos mais

sérios da sociedade, enquanto a comédia retratava assuntos do cotidiano. Desta forma,

podemos afirmar que “O teatro em Portugal no século XVI, foi marcado pela influência

do renascimento e utilizou, em suas tragédias e comédias, aquilo que representava o

espírito humanista” (FURLAN, 2013, p. 75).

E foi durante esse período de transformação que o teatro começou a ser utilizado

pelos jesuítas. No ano de 1566, passaram a dirigir o Colégio das Artes de Coimbra e,

após assumirem a direção, desenvolveram um teatro com temas de cunho religioso, em

latim e sem a presença feminina, ou seja, realizaram uma descaracterização do teatro

humanista, para um teatro religioso (PEIXOTO, 2006).

Como para toda estruturação da Companhia de Jesus, existiam também regras

para a ação educacional. As ações educacionais da Companhia de Jesus eram

encaminhadas pela IV parte das Constituições. Essas regras foram complementadas pelo

Ratio Studiorum, o código pedagógico dos jesuítas. No Ratio Studiorum havia regras e

determinações para as ações, atividades, funções, bem como a metodologia dos colégios

administrados pela Companhia de Jesus (ARNAUT DE TOLEDO, 2000). Entre essas

metodologias, o teatro foi utilizado pelos jesuítas como um importante recurso

pedagógico de catequização, pois por meio deste recurso, que se assemelhava a um

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sermão, os objetivos de conversão e de catequização eram atingidos com mais

facilidade.

As aulas e o programa das práticas religiosas formavam a espinha dorsal dos colégios jesuítas, mas também eram importantes desde o início as peças de teatro e as celebrações acadêmicas nas quais os estudantes exibiam seus talentos e habilidades para um público mais amplo. (O’MALLEY, 2004, p. 344-345).

No início, a prática teatral desenvolvida pelos jesuítas era a declamação de

poemas, discursos de recitação, disputas e retóricas. Essas ações eram realizadas para a

formação de um bom orador e, consequentemente ter um bom desempenho nos

púlpitos. Além disso, a ação teatral visava um melhor conhecimento da língua latina.

A partir dessas práticas inicias houve uma rápida evolução para um teatro com

fins pastoris e apologéticos, que em pouco tempo teve grande destaque e importância na

Europa. De cunho religioso, abordava temas com fundamentação na Bíblia e temas

profanos, com um fundo moralizante, que tinha um sentido religioso e profano, com

uma finalidade pedagógica e moral, ou seja, o de difundir os ensinamentos da religião

(GUTIÉRREZ, 1997).

Uma das primeiras peças do teatro jesuíta que se tem registro e de uma produção

de José Acosta (1540-1600), no ano de 1555, intitulada Jeftá sacrificando sua filha, sua

apresentação aconteceu em Medina Del Campo, e teve uma boa aceitação

(O’MALLEY, 2004).

As produções teatrais dos jesuítas não deveriam ser apenas arte, não deveriam ir

contra a moral, mas sim, realizar um trabalho de edificação da fé e de formação do

homem cristão. Os temas eram escolhidos de acordo com as circunstâncias, por isso, era

considerado um teatro adequado às necessidades, o motivo das peças deveria ser o de

promover a moralidade.

O teatro produzido pelos jesuítas tinha suas peças escritas e encenadas pelos

próprios alunos. Foi utilizado como método pedagógico nos diversos locais de atuação

das missões da Ordem, como no caso da França, Alemanha e Áustria, Polônia e Hungria

e na América Portuguesa.

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No teatro produzido pelos jesuítas não era permitida a participação de mulheres

nas encenações, contudo, era permitida a representação de santas e virgens. Essa

proibição ocorreu devido ao fato de que se houvessem mulheres em atuação, os padres e

seminaristas poderiam se deixar levar pela tentação (LEITE II, 1938).

O teatro, enquanto método pedagógico, era visto e aceito pelos membros da

Companhia de Jesus como uma forma de estímulo aos estudantes, porém, nem todos

concordavam com isto, havia críticas às produções teatrais devido ao tempo de

preparação para uma apresentação, pela forma como essas produções e método

pedagógico eram vistos pela população e pelo alto custo de suas produções, “Por esses

motivos é que foram impostas as normas e regras [...] para que a utilização do teatro,

enquanto instrumento pedagógico atingisse seu fim maior, o papel educativo e

formativo” (FURLAN, 2013, p. 80).

Mesmo com a imposição de regras e normas, o teatro continuou a ser utilizado

nos colégios dirigidos pela Ordem e se tornou um importante método pedagógico, como

uma marca nos colégios da Companhia de Jesus espalhado pelo mundo (ARNAUT DE

TOLEDO; RUCKSTADTER; RUCKSTADTER, 2010), como no caso do Brasil.

Os jesuítas foram os primeiros a escrever e produzir peças teatrais em terras

brasileiras. Nesta ação destacamos a atuação de José de Anchieta, com a produção de

peças teatrais escritas e encenadas em português, espanhol, latim e tupi. O objetivo de

suas peças era o converter os indígenas em um projeto missionário aliado ao projeto

colonizador.

O teatro foi introduzido no Brasil pelos colonos, que apresentavam nas igrejas, à moda portuguesa, os seus autos, arranjados ali mesmo, ou, mais provàvelmente, levados de Portugal. Os portugueses já representavam autos no Brasil, quando os Jesuítas começaram os seus. Isto, novidade para muita gente [...] Mas é igualmente certo que os Padres escreveram no Brasil as primeiras peças conhecidas e deram à arte dramática, na colônia nascente, primeiro desenvolvimento e arranco. (LEITE II, 1938, p. 599).

Além de fazer uma produção desde a escrita até a apresentação os jesuítas, no

caso José de Anchieta, produziu um teatro com a utilização dos recursos locais, ou seja,

havia a necessidade de uma adaptação às condições que a nova terra oferecia. Era

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utilizado aquilo que favorecesse o trabalho de catequização dos indígenas e de

manutenção da fé dos colonos.

O teatro produzido pelos jesuítas unia arte e evangelização, tinha um propósito

direto. As peças iam desde as mais simples as mais elaboradas, de acordo com o nível

de conhecimento dos espectadores. O texto, o cenário e o local da apresentação eram

supervisionados e escolhidos pelos próprios jesuítas, essa ação era desenvolvida para

que não houvesse um desvio do objetivo central que era a catequização dos indígenas e

a manutenção da fé dos colonos.

O teatro anchietano e seus temas

José de Anchieta, desde sua chegada no Brasil no ano de 1553, se aproximou e

logo assimilou os conhecimentos e costumes dos indígenas sem perder o objetivo de sua

missão. E foi por meio do teatro que desenvolveu e obteve bons resultados de seu

trabalho missionário junto à conversão dos indígenas e a manutenção da fé dos colonos.

Sua produção teatral tinha como destaque a luta entre o bem e o mal. Nesse

contexto o bem era tudo o que representasse os costumes religiosos do colonizador,

aquilo que deveria ser assimilado e praticado, em uma imposição da cultural. O mal

eram as práticas e costumes do indígena que deveria ser substituída pelo novo modelo

cultural imposto, um processo de aculturação.

A produção teatral de José de Anchieta teve início no ano de 1561, e sua última

peça foi escrita e produzida no ano de sua morte em 1597. Produziu doze autos,

intitulados: Na Festa de São Lourenço (1587); Excerpto do Auto de São Sebastião

(1584); Diálogo do provincial Pero Dias Mártir (1575 ou 1592); Na aldeia de

Guaraparim (1585?); Recebimento do Provincial Marçal Beliarte (1589); Dia de

Assunção em Reritiba (1590); Recebimento do Provincial Bartolomeu Simões

Pereira (fins de 1591/ início de 1592); Recebimento do Provincial Marcos da Costa

(1596); Auto de Santa Úrsula (1585, ou, mais provável 1595); Na Vila Vitória ou

Auto de São Maurício (1595) e Na Visitação de Santa Isabel (1597).

A produção teatral de José de Anchieta foi adaptada às condições locais, pois,

além das limitações que a nova terra oferecia, havia a necessidade de se atingir os

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objetivos missionários. Em suas peças teatrais e autos utilizava mais de uma língua,

desta forma, se fazia entender por um público diversificado. A estrutura de suas peças

era simples, e não havia muita variação.

A influência do estilo vicentino era clara na composição dos personagens, nas

rimas simples e naturais. Outra característica assimilada foi o estilo mais cultivado para

a apresentação em auditórios. Para essas apresentações utilizava personagens simbólicas

como o Temor e o Amor de Deus, um recurso muito utilizado por Gil Vicente. A

diferença que havia entre o auto anchietano e o vicentino era a estrutura das partes. O

auto colonial, criado por José de Anchieta, era de acordo com seu ambiente e costumes

locais, havia as encenações acompanhadas de danças, desfiles, cantos, músicas, o que

fazia o espetáculo durar várias horas. Já o espetáculo vicentino era marcado por um

diálogo, com uma introdução e um espetáculo final de dança, canto e música

(CARDOSO, 1977).

As produções teatrais eram encenadas em dias festivos, na visitação de pessoas

ilustres e para o recebimento de imagens ou relíquias de santos(as). Para essas

apresentações José de Anchieta utilizou de características dos rituais e cerimônias

indígenas para estruturar suas peças.

[...] Anchieta aproveitou no seu auto estes elementos do cerimonial indígena. Nota-se em suas peças que antes do diálogo há quase sempre uma saudação ou representação do assunto, recitativo ou canto de um ou mais atores. Realiza-se no porto ou a certa distância do povoado. Depois disso começa o desfile festivo ou procissão pelo caminho engalanado, com canto, música ou dança, até o adro da igreja. É o 1.º ato em que o simples espetáculo prevalece sobre a representação cênica. A fachada da igreja é o cenário do 2.º ato e corresponde ao pouso na taba indígena para o visitante. O diálogo deste com os que o saúdam e dos chefes entre si, inspirou Anchieta a parte central do auto, o conluio dos diabos contra o visitante, missionário ou santo, que com o auxílio do anjo vem proteger e reformar espiritualmente a aldeia ou a vila. O regozijo destes últimos sobre o diabo é manifesta por dança, canto ou música, antes da despedida. É o 3.º ato nas peças de Anchieta. A despedida ou 4.º ato é a conclusão moral dos sermões do Temor e Amor de Deus, que aparecem nos autos maiores e correspondem à pregação do chefe índio percorrendo a aldeia de madrugada em elogio ao bom visitante.

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Também nos autos maiores o 2.º Ato se desdobra em outra cena diferente, mas resultante da primeira, fazendo que se possam distinguir nessas grandes peças cincos atos ou partes diferentes (CARDOSO, 1977, p. 52-53).

A justificativa para essa adaptação era o nível cultural da sociedade colonial. As

apresentações deveriam ser de fácil entendimento aos nativos para atingir os fins

estabelecidos no projeto missionário. Outra diferença que havia no teatro anchietano era

a presença de personagens femininas, podemos destacar personagens como Santa

Úrsula, Vila Vitória, Santas e Virgens.

José de Anchieta instituiu uma nova forma de comunicação, por meio de uma

linguagem adaptada conseguiu produzir peças teatrais e autos que atingissem os fins

determinados. “A nova representação do sagrado assim produzida já não era nem a

teologia cristã nem a crença tupi, mas uma terceira esfera simbólica, uma espécie de

mitologia paralela que só a situação colonial tornara possível” (BOSI, 1992, p. 65).

Em um trabalho que representava a fé católica e os objetivos colonizadores dos

portugueses, José de Anchieta inaugurou um novo estilo cultural no Brasil. Criou uma

linguagem adaptada a cultura indígena, mas que também era capaz de realizar a

manutenção da fé nos colonos.

O tema central de suas peças teatrais e autos era a constante luta entre o bem e o

mal. Se utilizou dos medos que existia entre os indígenas para uma produção que

criticava sua cultura e mostrava que o correto era a tradição cultural religiosa dos

colonizadores, demonstrava que o caminho para a salvação era o da religiosidade cristã.

A luta entre o bem e o mal era fundamentada no contexto histórico da Idade Média, onde predominavam os dogmas cristãos e o poder da Igreja. Com essa temática, fica óbvio que o bem eram os preceitos e traços religiosos culturais cristãos, e que o mal eram os costumes e traços culturais indígenas. A luta entre o bem e o mal era, em sua maior parte, travada por anjos ou santos(as), protetores da Igrejas, contra Diabos que recebiam nomes de origem indígena. (FURLAN, 2013, p. 95).

Mesmo com uma estrutura que não se modificava muito, é possível perceber na

linguagem que José de Anchieta utilizava a valorização dos preceitos cristãos por meio

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de seus personagens. As personagens que representavam os preceitos cristãos tinham

em sua fala e vestimentas certa superioridade, enquanto que os Diabos tinham uma

representação que fazia uma crítica aos costumes indígenas.

A primeira peça de José de Anchieta, Na festa de Natal ou Pregação

Universal, foi escrita a pedido do padre Manuel da Nóbrega (1517-1570), ara uma

apresentação mais adequada aos ambientes sagrados. Na peça podemos notar a temática

central mantida em todas as peças, a luta entre o bem o mal. A partir desta temática,

José de Anchieta desenvolvia outros temas.

Nesta peça, além do bem e do mal podemos notar a abordagem do tema pecado.

Na fala da personagem Guaixará, um diabo, no ato II, os costumes indígenas de beber,

de dançar, se enfeitar, de praticar o curandeirismo e de cometer adultério são pecados, e

nas peças sempre apareciam ligados às ações de diabos.

As figuras dos Diabos sempre são representadas de maneira que os espectadores

tivessem medo. A própria personagem em sua composição contribuía para tal, pois se

apresentava com uma fala carregada de maldade, uma condição de sofrimento.

Já para os Anjos ou Santo(as) a representação era diferente, como podemos

perceber no diálogo entre Guaixará (Gua) e Aimbirê (Aim):

[...] Aim: Olha lá esse sujeito que me está ameaçando! Oh! Que será o que vejo? Parece azul Canindé ou uma arara de pé. Gua: É um anjo o que entrevejo, Guarda dos escravos é. Aim: Ai! ele me esmagará! É-me terrível mirá-lo Gua: Oh! sê forte, vamos lá! Vem, ataque-mo-lo [sic] já, para logo amedontrá-lo [sic]. Das más flechas escapar! pois nos prostam destruíos [sic]. Aim: Olha, vem-nos açoitar: meus músculos vão ficar

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de tremor endurecidos. (JOSÉ DE ANCHIETA, 1977, p. 126-127).

Como podemos notar, o Anjo é representado como uma bela ave. José de

Anchieta aproveitou ainda a cena para demonstrar o medo que os Diabos têm do Anjo, o

que demonstrava sua superioridade em relação aos Diabos, e que deixava claro q

superioridade da crença cristã sobre a cultura indígena.

Em relação ao tema do pecado, a abordagem nas peças mantinha uma estrutura

sem grandes modificações. No contexto da peça teatral um ou mais diabos incitavam os

indígenas a cometer o pecado, ou valorizam as ações que eram condenadas pelos

jesuítas. Essa ação não ocorria somente com os indígenas, por vezes, as personagens

que apareciam em pecado eram os colonos, já adaptados aos costumes indígenas. Nesse

contexto em que o Diabo incentivava a condição de pecado, aparecia um Anjo ou

Santo(a) para salvar o indígena ou colono da condição pecaminosa e exterminava o

Diabo, o que fazia prevalecer os preceitos cristãos.

Ligado ao tema pecado, aparecia o tema do arrependimento e da conversão. O

objetivo nesse caso era claro, o enredo da peça mostrava uma vida em condição de

pecado, o processo de arrependimento e a condição de vida após a conversão, tudo

baseado na visão dos jesuítas e da religião cristã.

O arrependimento e a conversão aconteciam por meio da confissão. No contexto

de representação temos mais temas que foram abordados por José de Anchieta em suas

peças teatrais. Na peça Na festa de São Lourenço, o arrependimento e a conversão são

aliados ao ato de confissão, como podemos notar em uma fala da personagem São

Lourenço (Lou):

Lou: Mas existe a confissão remédio senhor da cura. [...] Quando o pecado lhes pesa, vão-se os índios confessar. Dizem: “Quero melhorar...” O Padre sobre eles reza para ao seu Deus aplacar. (JOSÉ DE ANCHIETA, 1977, p. 158-159).

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Os atos da confissão, do arrependimento e da conversão demonstravam que o

indígena, a partir daquele momento, passaria a viver sobre os preceitos cristão.

Contudo, em muitos casos essas ações só aconteciam no momento da morte, e em

alguns casos que não fosse nesse momento a conversão e arrependimento era

temporária, pois em pouco tempo o indígena se voltava para suas antigas práticas

culturais.

Por vezes a retorno às práticas culturais era incentivado pelos colonos, pois uma

vez convertidos, os indígenas não poderiam ser tomados como escravos, pois ficavam

sobre a proteção dos jesuítas, e trabalhavam nas aldeias comandadas pelos missionários.

Outro tema que merece destaque na produção teatral de José de Anchieta é a

devoção. Na maioria das vezes o tema era abordado quando da chegada de imagens ou

relíquias de santos(as), ou na visita de padres provinciais. Essas personagens

representavam a vitória sobre o mal. Após derrotarem os Diabos, tinham a devoção dos

indígenas. Essa devoção se estendia a Deus, Jesus Cristo e Nossa Senhora.

Geralmente essa ação acontecia nos finais das peças, ou seja, no IV ato, quando

a imagem, relíquia era levada para o interior da igreja ou a visita se despedia e concedia

a benção aos espectadores.

Junto ao tema devoção, podemos perceber o tema adoração, pois no momento da

despedida havia uma canção para exaltação da imagem ou relíquia sagrada, como

ocorreu na peça teatral Dia da Assunção em Reritiba: “A imagem é introduzida na

igreja, e durante o desfile para o beijo de despedida, se canta em honra a Maria uma

canção” (CARDOSO, 1977, p. 248).

Na peça teatral Recebimento do P. Bartolomeu Simões, temos momentos de

adoração e devoção. Já no ato I, o padre é saudado no porto por cinco meninos cantores

que exaltam os dons do crisma como forma de salvação, em um enredo que

demonstrava que após o crisma os indígenas poderiam viver em estado de graça, e a

partir desta momento devem ter devoção pelos preceitos cristão.

Seremos mui confirmados com este sagrado unguento e divino sacramento, com que seremos crismados.

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Crismados receberemos a graça, com fortaleza, para cobrar a limpeza que, pela culpa, perdemos. (JOSÉ DE ANCHIETA, 1977, p. 261).

Temas como adoração e devoção eram abordados na maioria das peças de José

de Anchieta, pois a partir do momento em que ocorria a conversão e os indígenas

passassem a ter devoção a adorar os preceitos cristãos ficaria mais fácil o

desenvolvimento do projeto missionário e colonizador. Por outro lado, a relação entre

jesuítas e indígenas era mais fácil a partir do momento em que o indígena passava a ser

um devoto seguidor dos preceitos cristãos.

José de Anchieta utilizava ainda em sua produção personagens simbólicas, como

no caso da peça teatral Na Vila Vitória ou de São Maurício. No enredo, o medo foi

relacionado à condição de temor a Deus, representado por uma personagem simbólica,

por meio de um discurso que retratava uma vida pecaminosa e com sofrimentos.

A sentença derradeira se chama morte sem morte. Será morte de maneira que te deixe vida inteira, se te couber esta sorte. Porque sempre hás de viver, fogo eterno padecendo, e ao eterno Deus não vendo, hás, por força, de morrer, e viver sempre morrendo! Mil contos de contos anos teu tormento há de durar. Quando puderes pensar que se acabam já teus danos, de novo hão de começar. Deixa pois já de pecar, a teu Deus te convertendo, se queres vida ganhar. Senão, vivo te hás de assar, e morrer sempre vivendo! (JOSÉ DE ANCHIETA, 1977, p. 335-336).

Mais uma vez, com o discurso da personagem, José de Anchieta quis demonstrar

que somente a conversão para os preceitos cristãos poderia salvar, e que para a salvação

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deveria haver a aceitação de Deus, o Deus imposto pelos jesuítas, que concederia uma

vida sem sofrimento, e a salvação após a morte, a vida eterna.

Na última peça escrita por José de Anchieta, Na Visitação de Santa Isabel, o

tema central aborda a proteção e a salvação. O enredo da peça teatral se desenvolveu em

torno da visita que Maria fez a sua prima Isabel após a anunciação.

A peça é composta por três atos. No II ato Maria se apresenta como a Visitadora

dos males do mundo, àquela que traz proteção e salvação.

Por mim e por Deus, a sós, curais os pobres fiéis. Não queirais ser, contra vós, pela culpa tão cruéis que nos percais a ambos nós. Ficai-vos, mas não me vou e não me aparto dos meus, pois sempre convosco estou e mil dádivas vos dou que na minha mão pôs Deus. Deixo-vos minha benção, e festejai-a com brilho; por minha visitação alcançar-vos-ei perdão de meu Deus, Senhor e Filho (JOSÉ DE ANCHIETA, 1977, p. 360).

Em sua fala, Maria deixa claro que tem condições para interceder junto a Deus e

Jesus Cristo, por aqueles que se arrependem de seus pecados e pedem o perdão. Além

disso, tem condições de pedir a proteção para as aldeias e seus habitantes.

A produção teatral de José de Anchieta mantinha uma estrutura objetiva de

acordo com os objetivos propostos em seu trabalho missionário.

As peças teatrais que foram escritas por José de Anchieta tinham estruturas semelhantes, porquanto os temas abordados tinham, como objetivo, atender ao projeto missionário colonizador de catequizar e educar os indígenas, da manutenção da fé e da instrução dos colonos. A manutenção da estrutura das peças era uma característica da literatura medieval, pois o fato das peças teatrais serem semelhantes à obra mantinha seu valor e, o que mais importava, era que o objetivo proposto fosse atingido. (FURLAN, 2013, p. 103).

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José de Anchieta desenvolveu uma produção teatral com temas relacionados aos

objetivos propostos em seu trabalho missionário de catequização e conversão dos

indígenas. Além da ação juntos aos indígenas que sua produção abordasse temas para a

manutenção da fé dos colonos, pois para um bom desenvolvimento de seu trabalho

missionário ligado ao projeto colonizador o colono não poderia agir de forma contrária

aos objetivos traçadas pelos missionários e pela Coroa Portuguesa.

Desta forma, ao eleger os temas José de Anchieta tinha um objetivo específico, o

de conversão dos indígenas e de manutenção da fé dos colonos.

Considerações Finais

A Companhia de Jesus foi uma das ordens religiosas com mais

representatividade no século XVI. Criada com uma nova linguagem e perspectiva de

atuação trazia em sua ação um projeto missionário.

Umas das missões desenvolvidas pela Ordem foi no Brasil, em uma atuação

junto ao projeto colonizador da Coroa Portuguesa. Vários jesuítas aturam nesta missão

na América Portuguesa, porém, a figura de José de Anchieta teve destaque por ter uma

atuação que contribuiu para a formação cultural e do legado educacional brasileiro.

Ele atuou em diversas funções, mas foi por meio do teatro que desenvolveu um

trabalho significativo, ou seja, atingiu os objetivos propostos pela Ordem e pela Coroa

Portuguesa. Com um teatro que envolvia catequese e educação, elencou temas

relacionados aos preceitos cristãos, que tinham como base a luta entre o bem e o mal,

em uma representação de bem tudo que dizia respeito aos preceitos católicos, e o mal

eram os traços culturais da cultura indígena condenados pelos jesuítas.

Temas como pecado, devoção, proteção, adoração, crisma, arrependimento,

eram constantes em suas produções teatrais, pois mantinham uma estrutura simples mas

com objetivos claros, a imposição da cultura europeia sobre a cultura indígena e a

manutenção da fé dos colonos.

Por meio desta produção teatral, do retrato dos costumes indígenas como o mal,

e dos preceitos cristãos como o bem, José de Anchieta conseguiu atingir os fins

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estabelecidos em seu projeto missionário de catequização e educação dos indígenas,

além de manutenção da fé nos colonos.

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