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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano • nº 1609 8 O tempo que transforma quintais e vidas Forquilha Julho/2014 rancisca Sousa de Lima é professora da rede municipal de ensino de Forquilha. Por tal razão passou a ser a Tia Chiquinha ao chamado dos alunos. João Batista é técnico de Fenfermagem e atende pelo Programa Saúde da Família (PSF). Passa a manhã fazendo visitas e o trabalho mais intenso dos últimos tempos tem sido o de vacinação contra o sarampo, já que os índices da doença começam a aumentar e a preocupar os moradores da região. Francisca e João se conheceram na adolescência e se casaram quando ele tinha 18 anos e ela 15. Quando completaram 12 primaveras de casados retomaram juntos os estudos interrompidos na 4ª série do ensino fundamental. Foi só então que Francisca pôde virar a Tia Chiquinha. João, nascido e criado na comunidade de Cajazeiras, e uma irmã foram os únicos que fizeram morada na terra de nascença. Ele, hoje com 51 anos, se lembra muito bem dos 7 anos e do sofrimento que era quando enfrentou o segundo período de estiagem da vida, em 1970. Chorava para não comer cabeça de galo: um preparado com ovo e farinha em água fervendo, um caldo de caridade menos generoso. Atualmente – sendo o convívio com o Semiárido bem mais tranqüilo do que em outros tempos, valoriza a vida que leva, bem diferente da agitação da cidade. “Viver na cidade é ficar preso. Eu não me acostumo com isso.” Fala das temporadas na casa dos parentes em Fortaleza. Ali nas Cajazeiras ele respira um ar bom, como diz. “Gosto de planta, nasci e me criei no meio do gado. Gosto disso aqui”. A comunidade de Cajazeiras fica na zona rural de Forquilha, numa região onde a cor bege quase uniforme da vegetação deixa visível que a estiagem ainda perdura. Esse ano, o açude de Forquilha terminou o inverno com apenas 20% da sua capacidade. Mas há 4 anos, João e Francisca passaram a ter outro tipo de relação com o Semiárido. Eles estiveram entre as primeiras 13 famílias beneficiadas com a implantação de cisternas em Forquilha. Receberam duas: uma com água destinada a plantação e outra para beber e cozinhar. Antes das cisternas, Francisca tinha que buscar água a 3 km de casa. Foi Etevaldo, do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Forquilha, Casa de Francisca e João Batista, na comunidade de Cajazeiras, em Forquilha

O tempo que transforma quintais e vidas

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Francisca Sousa é professora e João Batista é técnico de enfermagem. Mas a agricultura faz parte da vida de ambos. O quintal produtivo do casal tem crescido e muito com a ajuda das cisternas de primeira e segunda água. Eles foram uma das 13 primeiras famílias que tiveram as cisternas implantadas em suas casas na região de Forquilha. A produção de frutas e verduras vai para consumo próprio prioritariamente.

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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano • nº 1609 8

O tempo que transforma quintais e vidas

Forquilha

Julho/201 4

rancisca Sousa de Lima é professora da rede municipal de ensino de Forquilha. Por tal razão passou a ser a Tia Chiquinha ao chamado dos alunos. João Batista é técnico de Fenfermagem e atende pelo Programa Saúde da Família (PSF). Passa a manhã fazendo

visitas e o trabalho mais intenso dos últimos tempos tem sido o de vacinação contra o sarampo, já que os índices da doença começam a aumentar e a preocupar os moradores da região. Francisca e João se conheceram na adolescência e se casaram quando ele tinha 18 anos e ela 15. Quando completaram 12 primaveras de casados retomaram juntos os estudos interrompidos na 4ª série do ensino fundamental. Foi só então que Francisca pôde virar a Tia Chiquinha.

João, nascido e criado na comunidade de Cajazeiras, e uma irmã foram os únicos que fizeram morada na terra de nascença. Ele, hoje com 51 anos, se lembra muito bem dos 7 anos e do sofrimento que era quando enfrentou o segundo período de estiagem da vida, em 1970. Chorava para não comer cabeça de galo: um preparado com ovo e farinha em água fervendo, um caldo de caridade menos generoso. Atualmente – sendo o convívio com o Semiárido bem mais tranqüilo do que em outros tempos, valoriza a vida que

leva, bem diferente da agitação da cidade. “Viver na cidade é ficar preso. Eu não me acostumo com isso.” Fala das temporadas na casa dos parentes em Fortaleza. Ali nas Cajazeiras ele respira um ar bom, como diz. “Gosto de planta, nasci e me criei no meio do gado. Gosto disso aqui”.

A comunidade de Cajazeiras fica na zona rural de Forquilha, numa região onde a cor bege quase uniforme da vegetação deixa visível que a estiagem ainda perdura. Esse ano, o açude de Forquilha terminou o inverno com apenas 20% da sua capacidade. Mas há 4 anos, João e Francisca passaram a ter outro tipo de relação com o Semiárido. Eles estiveram entre as primeiras 13 famílias beneficiadas com a implantação de cisternas em Forquilha. Receberam duas: uma com água destinada a plantação e outra para beber e cozinhar. Antes das cisternas, Francisca tinha que buscar água a 3 km de casa. Foi Etevaldo, do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Forquilha,

Casa de Francisca e João Batista, na comunidade de Cajazeiras, em Forquilha

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Articulação Semiárido Brasileiro – CearáBoletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

RealizaçãoApoio

que avisou João do projeto de implementação das cisternas pelo P1+2 (Programa Uma Água Duas Vidas, uma das ações da ASA - Articulação Semiárido Brasileiro - de formação e mobilização social para convivência com o Semiárido).

Durante esses quatro anos nunca tiveram que pegar água de carro pipa. Francisca mostra a cisterna com água até a tampa. No nível que está nessa época do ano, garante que a água pode durar por mais de ano. João, que como agente de saúde sabe bem dos problemas de contaminação da água, diz que com a implementação das cisternas de placa as verminoses acabaram. A qualidade da água era imprópria nas cacimbas improvisadas que os moradores faziam para armazenar a água da chuva. Afirma que todo mundo de Cajazeiras agora tem cisterna. “Quem pegou as cisternas grandes (de 52 mil litros) e soube administrar está vivendo bem mesmo com o período grande de estiagem”. A maioria dos vizinhos produz nos quintais, consome e vende o que sobra, assim como Francisca e João com os mamões que dão aos montes nos pés que tem em casa.

No quintal do casal tem brotado de tudo: coentro, alface, laranja, cebolinha, manga, caju, tangerina, goiaba, banana, acerola, mamão e até fruta do cruzamento da ata com graviola tem. É a suculenta atemóia! Fora o quintal, João se juntou com Antônio, presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Forquilha, e montaram dois apiários e uma casa de mel. A criação é de abelhas italianas, as chamadas “africanizadas”. Cada colmeia chega a dar 30 kg de mel por ano. Hoje são 53 colmeias, mas já foram 105. É que a falta de chuva também interfere, já que as árvores não conseguem abrir suas flores, impossibilitando a retirada do néctar pelas abelhas.

Ainda tem a produção de comidas! Uma máquina industrial e um forno grande para fazer bolo estão na cozinha de casa. João e o filho vendem na vizinhança (60 bolos se esgotam em uma hora e meia de venda) e outra parte é reservada para a Prefeitura, que revende para as escolas munic ipais . Também prepara pamonha e mungunzá para as filhas venderem - quando sobra tempo! É que ele tem passado ligeiro com tantos afazeres. É só reparar no pé de mangueira no quintal. Já faz 12 anos. Foi Chiquinha quem plantou quando erguiam a casa. E o tal do tempo segue modificando paisagens e vidas.

Francisca mostrando para os visitantes o pé de atemóia (ata com graviola)

Francisca e João Batista comemorando a cisterna de primeira água de 52 mil litros cheia, mesmo em período de estiagem