Upload
padeiros-memorias
View
217
Download
2
Embed Size (px)
DESCRIPTION
O Tenentismo e a Revolução de 1930
Citation preview
Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Memória
1
O Tenentismo e a Revolução de 1930
Por Claudio Blanc*
Nas duas primeiras décadas do século XX a causa social foi
defendida principalmente pelos trabalhadores, mas a partir
dos anos 1920, outros atores assumiram a liderança do
movimento: a baixa oficialidade do Exército, encabeçada por
jovens tenentes idealistas.
* Claudio Blanc é escritor e tradutor, autor, entre outros, dos livros O
Homem de Darwin, O Lado Negro da CIA e Tempos de Luta e de Glória – A História do Sindicato dos Padeiros de São Paulo
Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Memória
2
No começo da década de 1920 a situação no Exército era
desalentadora. Faltava de tudo: armamento, cavalos,
medicamentos, instrução para a tropa. Os soldos
permaneciam baixos e o governo não fazia menção de
aumentá-los. Essa situação afetava particularmente a baixa
oficialidade. Havia um grande número de tenentes, e as
promoções eram muito lentas. Um segundo-tenente, por
exemplo, podia demorar dez anos para alcançar a patente
de capitão. Isso tudo foi enfatizado com a vinda da Missão
Militar Francesa para melhorar a formação dos oficiais
brasileiros – uma das medidas que o governo tomou para
modernizar o exército, depois da Primeira Guerra Mundial –,
que, ao mostrar a face de uma instituição moderna e
eficiente, acabou impulsionando as reivindicações dos
tenentes. Mas a gota d’água que fez transbordar a taça de
descontentamento dos oficiais foi a nomeação do civil
Pandiá Calógeras para o Ministério da Guerra pelo
presidente Epitácio Pessoa. A partir de então, diversos
levantes militares eclodiram. E como a participação dos
tenentes nessas ações era significativa, o movimento foi logo
batizado de "tenentismo".
Incrédulos de que conseguiriam mudanças pela via eleitoral,
os tenentes elegeram como seu principal objetivo derrubar o
governo. No entanto, não tinham ideia do regime que
queriam implantar no país. Não havia um programa claro,
apenas algumas ideias gerais. Suas propostas políticas se
vinculavam ao clima do pós-Primeira Guerra Mundial,
Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Memória
3
marcado pelo avanço do nacionalismo e da centralização
política. Nesse ponto, eles se alinhavam com as oligarquias
regionais que se opunham à política do café com leite. Entre
outras reformas, defendiam o voto secreto, a independência
do Poder Judiciário e um Estado mais forte.
Embora o Exército como um todo estivesse descontente
com o governo, muitos oficiais achavam que os métodos dos
tenentes dividiam e enfraqueciam a instituição. Essas
correntes defendiam a legalidade e a profissionalização.
Entre meados da década de 1920 e o início dos anos 30, foi
tomando corpo uma proposta que concebia a intervenção
na vida política do país como algo que deveria ser feito pelo
próprio Exército. Seus principais formuladores foram
Bertholdo Klinger e o tenente-coronel Góis Monteiro. De
acordo com esse conceito, as Forças Armadas tinham o
dever de intervir na vida política brasileira em caso de grave
ameaça à organização nacional.
Por conta do Movimento Tenentista, os anos 1920 foram
pontuados por levantes militares que buscavam derrubar o
governo. Em 1922, primeiro ano do governo de Artur
Bernardes, o Rio de Janeiro assistiu à tomada do Forte de
Copacabana, em um episódio que passou a ser conhecido
como os Dezoito do Forte. Em 1924, São Paulo também foi
varrido pela revolta militar. Os tenentes acabariam
encontrando aliados nos políticos descontentes com a
política Café com Leite em busca de realizar a revolução
social que almejavam. Em 1930, chegaram ao poder.
Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Memória
4
A Revolução de 1930
Para piorar ainda mais a difícil situação política, a economia
sofreu um dos piores reveses da história recente. O ano de
1929 assistiu a uma tremenda crise mundial, a qual
desmontou a estrutura sobre a qual se assentava a
economia brasileira desde a proclamação da República. O
país conquistava o progresso urbano devido à exportação de
produtos agrícolas, e a crise provocou uma enorme queda
nas exportações, cujo valor, segundo Jorge Caldeira, “passou
de 97,4 milhões de libras esterlinas em 1928 para 49,5
milhões em 1931”. Essa redução de 50% na renda disponível
para compras no exterior teria de ser disputada pelos atores.
A indústria, porém, foi um dos setores menos afetados. Isso
fez com que uma das consequências da crise de 1929 fosse o
aumento da participação das atividades urbanas na receita
do Estado. Assim, o governo passou a dar mais atenção à
atividade industrial do que o fizera durante a Primeira
República. Até então, o desenvolvimento industrial era
pensado como uma necessidade, subordinada, porém, à
orientação da política agrária. Na esteira da preocupação
com o desenvolvimento da indústria, o governo concebeu
uma política trabalhista, realizando consultas junto aos
industriais, que também estavam interessados na
regulamentação.
Contudo, a questão trabalhista só veio a ser regulada quando
Getúlio Vargas chegou ao poder, com a Revolução de 1930. O
Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Memória
5
novo governo não só interveio nas relações entre o capital e o
trabalho, mas também harmonizou os anseios de diversos
setores da sociedade – principalmente os tenentes, que
participaram da Revolução – e modernizou as instituições
políticas. Vargas foi especialmente importante na criação do
Ministério do Trabalho e na promulgação de leis trabalhistas,
que garantiram os direitos dos trabalhadores. Houve, porém,
um preço a pagar. Os sindicatos, para aproveitar os benefícios
legais, eram obrigados a se legalizar e, dessa forma, ficavam
submetidos ao Ministério do Trabalho – o que engessava seu
poder de articulação. Outro problema que o proletariado
enfrentava era que, apesar das novas leis, os patrões
recusavam-se a cumpri-las, sem que os trabalhadores
pudessem se manifestar.
A Revolução de 1930 rompeu um sistema que imperava na
Primeira República, a política do café com leite, onde Minas e
São Paulo se revezavam na presidência do país. Na verdade,
a revolução aconteceu por conta de essa aliança ter sido
rompida.
No início de 1929, ninguém poderia prever que um governo
tranquilo como o de Washington Luís fosse capaz de romper a
aliança café com leite, na qual São Paulo e Minas, os Estados
mais ricos da União, alternavam-se no poder, desde o
governo de Campos Salles (1898-1902), e provocar uma crise
que acabaria em Revolução. Mas foi o que aconteceu. Ao
nomear o paulista Júlio Prestes, Washington Luís preteriu a
vez de Minas Gerais no jogo da sucessão presidencial. Essa
Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Memória
6
atitude repercutiu tremendamente mal, e Minas acabou
rompendo com São Paulo. A bancada mineira no Congresso
formou uma aliança com os gaúchos, prometendo apoio a
Getulio Vargas, se este concorresse à presidência. E assim, em
setembro de 1929, Minas, Rio Grande do Sul e Paraíba
formaram a Aliança Liberal, lançando Vargas à Presidência e
João Pessoa, da Paraíba, à vice. O partido era também
apoiado pela classe média e pelos tenentes, que defendiam
reformas sociais e econômicas que melhorassem as condições
de vida dos brasileiros.
Mas Júlio Prestes venceu nas urnas, em 1 º de março de 1930.
A eleição foi fraudada, uma regra na época. Com o pleito
perdido, à Aliança Liberal só restava a revolução. O estopim
do movimento foi o assassinato, em julho de 1930, de João
Pessoa. Na verdade, o crime não teve motivos políticos, mas
foi a desculpa que as alas mais radicais da Aliança Liberal
usaram para pegar em armas.
Um Mártir Fabricado
João Pessoa dominava a política do seu Estado, a Paraíba, e,
como era praxe, perseguia implacavelmente seus adversários.
E quem semeia vento, colhe tempestade... João Dantas era
um desses inimigos políticos de Pessoa e, durante a
campanha, teve sua casa invadida pela polícia, que levou
documentos, entre eles a correspondência pessoal com sua
namorada, a professora e poetisa Anaíde Beiriz. Dias depois,
trechos comprometedores das cartas foram publicados num
Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Memória
7
jornal paraibano. Os efeitos não poderiam ter sido piores.
João Dantas foi obrigado a fugir para o Recife, enquanto sua
namorada caiu em desgraça e foi abandonada pela família.
Depois da derrota da oposição nas urnas, veio a oportunidade
de vingança. Em julho de 1930, aproveitando uma visita de
Pessoa ao Recife, Dantas o matou a tiros. O evento,
amplificado pela comunicação precária, imprensa facciosa e
agitação política da época, ganhou um outro contorno. Para
todo o país, a morte de João Pessoa foi apresentada como
prova do autoritarismo do governo. Uma ironia, uma vez que,
em vida, Pessoa era contra a revolução.
Guerra Civil
“O impacto emocional da exibição do cadáver de João Pessoa
deu novo ânimo aos oposicionistas derrotados. Vendo o
apoio popular crescer, começaram a juntar armas e buscar
aliados. Apesar das vacilações de Getúlio Vargas, os
preparativos do golpe foram levados adiante e com rapidez,
pois se aproximava o momento da posse de Júlio Prestes”,
escreve Jorge Caldeira no seu livro Viagem Pela História do
Brasil. Em 3 de outubro de 1930, em manobra articulada
entre o Rio Grande do Sul, Minas e Paraíba e apoiada por
grande parte do povo brasileiro, estourou a insurreição. Os
rebeldes tomaram os três Estados de onde a revolução se
irradiou sem dificuldades e rumaram para a capital federal.
Do Rio Grande do Sul, subiram forças tomando Santa Catarina
e Paraná. Do norte, desceram colunas paraibanas
Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Memória
8
conquistando todos os estados do Nordeste. A revolução foi
vencida sem muita dificuldade e praticamente sem luta. Por
exigência do gaúcho Góis Monteiro, chefe militar da
operação, Getúlio Vargas foi nomeado chefe do governo
provisório.
Na sua passagem por São Paulo, a caminho do Palácio do
Catete, no Rio, a sede do governo federal, Getúlio entregou o
governo desse Estado ao coronel João Alberto.
Pernambucano e tenentista, tendo inclusive comandado um
dos destacamentos da Coluna Prestes, João Alberto era
considerado pelos paulistas “plebeu e forasteiro”. A
imposição do interventor feriu o orgulho bandeirante e foi
um dos primeiros erros políticos de Getúlio na sua nova
atribuição de presidente. Foi, também, o começo das
divergências entre ele e os paulistas.
O Governo Revolucionário
Getúlio tomou posse, promovendo a anistia dos rebeldes das
revoluções de 1922 e 24, modificando o sistema eleitoral,
incentivando a policultura e criando o Ministério do Trabalho.
Em novembro, ele suspendeu a Constituição e nomeou
interventores em todos os Estados, menos Minas – o que
reforçou seu conflito com São Paulo. Também dissolveu o
Congresso, as assembleias estaduais e as câmaras municipais.
O presidente tornou-se dessa forma a única fonte de poder.
As medidas de centralização política foram seguidas por
outras que visavam colocar também a economia, os
Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Memória
9
sindicatos e as relações trabalhistas sob controle do governo
central. Além disso, Getúlio organizou instituições para
intervir no setor agrícola de todo o Brasil, uma forma de
enfraquecer o poder dos Estados, até então autônomos, e
dos fazendeiros.
Sindicato dos Padeiros
de São Paulo
Direito reservados: Sindicato dos Padeiros de São Paulo, 2012 Este artigo pode ser reproduzido para fins educativos;
a fonte e o autor devem ser citados