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O TERRITÓRIO DO CAFÉ
Franco Andrei Borges Universidade Federal de Uberlândia - UFU
Resumo A leitura a seguir trata a respeito das migrações e formação territorial que ocorreram em Minas Gerais, mais especificamente nas regiões do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, devido aos incentivos públicos para a criação do Café do Cerrado e a sua obtenção do certificado de Indicação Geográfica. O objetivo principal é mostrar como os incentivos do governo federal possibilitaram a ocupação e melhorias da agricultura do Cerrado Mineiro por parte dos migrantes da Região Sul e, em conseqüência, o estabelecimento da produção cafeeira nesta área, sua obtenção de certificado de qualidade e suas conseqüências político e econômicas. Palavras-chave: Indicação Geográfica. Migrações. Formação Territorial. Café do Cerrado. Introdução O Domínio do Cerrado foi alvo de uma frente agrícola expansionista liderada pelos
governos dos tempos da Ditadura com o intuito de promover o desenvolvimento rural do
Cerrado, através de parcerias com capitais externos, como o Prodecer (Projeto de
Desenvolvimento do Cerrado). Este foi designado assim devido a sua essência ser de um
projeto de pesquisa de capital japonês/brasileiro que atuava em diversas regiões do Cerrado
Mineiro, por exemplo, a área de Paracatu, Iraí de Minas, entre outros, onde associado à
técnicas modernas implantadas pela revolução verde e à injeção de estímulos financeiros,
através de instituições bancárias nacionais, conseguiu implantar no Cerrado um campo
fortemente utilizado para agricultura.
Esse espaço destinado serviu de base para a produção, principalmente, de soja, milho e
trigo. Diversas áreas do Cerrado tiveram incentivos através de projetos para a pecuária
extensiva e intensiva e áreas plantadas de café, silvicultura, entre outros.
As grandes áreas de terras do Cerrado Mineiro atraíram, também, uma grande migração de
sulistas, pessoas, vindo da Região Sul do Brasil, principalmente, do noroeste paranaense,
como de Terra Rica, Umuarama, Cruzeiro do Oeste, Campo Mourão, Astorga, Paranavaí e
incluindo, ainda, Assis Chateaubriand, na Região Oeste do Estado do Paraná. Tinham como
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propósito a bandeira do desbravamento do Cerrado Mineiro, atraídos por terras de preços
baixos e de qualidade, grandes extensões, oportunidade de fazerem fortuna.
A partir desta contextualização, busca-se através deste estudo mostrar como os incentivos
do governo federal possibilitaram a ocupação e melhorias da agricultura do Cerrado
Mineiro por parte dos migrantes da Região Sul e, em conseqüência, o estabelecimento da
produção cafeeira nesta área, sua obtenção de certificado de qualidade e suas conseqüências
político e econômicas.
Os objetivos específicos desta pesquisa almejam fazer entender como as frentes migratórias
contribuíram para a formação territorial e produção agrícola do Cerrado.
Para entender isso, foi preciso questionar certos pontos, como: Quais os tipos de
agricultores sulistas vieram para o Cerrado Mineiro? Como foi feito o processo de
desenvolvimento agrário da região? Quais os incentivos e conseqüências?
Devido aos incentivos de terras a valores de baixo custo, se deslocou para a região uma
enorme quantidade de migrantes destinados a desenvolver seu campo e não somente
pequenos produtores, mas também, aqueles que não dispunham de terras em suas regiões
de origem, além de trabalhadores braçais; especialistas em manutenção de equipamentos
agrícolas e, com o passar do tempo, indústrias e representantes destas; vendedoras de
insumos diversos e toda infraestrutura.
Desta forma, este impulso se deu em uma ponta da abertura das fronteiras agrícolas por
parte do governo federal, em especial, a Ditadura, e também pelo advento da revolução
verde e do aprimoramento das técnicas utilizadas para a região do Cerrado. Nesta
perspectiva, a área necessitava de uma preparação do solo (correção de acidez, por
exemplo) e, também, de condições ideais de plantio, como temperaturas amenas; com
estações bem definidas; ausência de geadas; altitudes médias propícias favorecendo
culturas, no caso a de plantio de café, implantadas em muitas cidades, como Monte
Carmelo, Araguari, Patrocínio, entre várias outras.
Em decorrência, a busca por áreas que fossem propícias a determinadas culturas foram
sendo buscadas e pesquisadas de forma que a produção de alimentos fosse um processo que
dependesse e adequasse tecnologias, campos próprios para o cultivo associados aos projetos
de desenvolvimento.
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A pesquisa assumiu uma perspectiva dedutiva de cunho bibliográfico que se utiliza de dados
disponibilizados por obras de autores renomados que serviram de aportes, como Graziano da
Silva (1999); Haesbaert (2004); Ortega (2008), entre outros, para que seja realizada a efetiva
busca sobre as políticas públicas de formação territorial e desenvolvimento da agricultura no
país. Dessa maneira, foi necessário aplicar abordagem qualitativa, já que foram feitas
anotações de informações disponibilizadas pelo portal do Sebrae.
Assim, de acordo com a leitura de Graziano da Silva (1999), as transformações ocorridas
no campo brasileiro a partir de 1960, com a modernização tecnológica da agricultura,
influenciaram decisivamente no que toca a questão agrária.
Conforme a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), era necessário
modernizar o setor e elevar o padrão de vida das populações rurais, de forma que elas
pudessem, também, se constituir em um mercado consumidor para as indústrias
emergentes, eliminando o arcaico do meio rural para desempenhar eficazmente o papel da
agricultura promovendo matéria-prima para a indústria nacional que nascia e alimentando a
crescente população urbana no Brasil (GRAZIANO DA SILVA, 1999).
Essa preocupação se concentra nas populações rurais aqui ditas que deveriam fazer parte de
um mercado de consumo, não aqueles que sempre moraram no campo e nas áreas de
Cerrado, e sim, os que vieram de outras regiões e compraram estas terras: os migrantes.
Frentes migratórias e formação territorial Muitos afirmam que o café foi o primeiro produto de exportação da economia brasileira,
gerador de divisas desde a época do Império associado a um planejamento político,
econômico e de poder de dominação social, foi fator de manobra para grandes produtores
possuidores de diversas fazendas cafeeiras, subjugando trabalhadores aos domínios dos
coronéis e suas oligarquias econômicas e políticas.
Afirmar que a vinda de migrantes sulistas para as áreas do Cerrado Mineiro ocasionaria a
definição de um novo território é algo que não se pode dizer com segurança, visto que em
um processo globalizante de novas fronteiras agrícolas e a coexistência cultural e hábitos
distintos entre si de povos de diferentes localidades do Brasil, carregados com suas
concepções e processos doutrinários, sejam estes políticos, religiosos ou mesmo
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econômicos, ocasionaria em perda para algum grupo ou afirmação de identidade com o
local, é algo que não se fala, mas, para Haesbaert (1994, p. 214), “estes processos de (multi)
territorilização precisam ser melhor compreendidos, especialmente pelo potencial de
perspectivas políticas inovadoras que eles exigem ou implicam”.
Desta forma, entender apenas o deslocamento de certo grupo de pessoas para determinados
espaços, não completa o pensamento, é preciso verificar as condições e os processos que
ocasionaram e impulsionaram esta fuga de migrantes para outras regiões.
Seguindo ainda a leitura, o autor admite:
um cenário de pugna entre territorialidades, isto é, entre jurisdições, reais e imaginadas, que incidem sobre os territórios estruturados e habitados. Sugere então que os territórios plurais são uma multiplicidade de espaços diversos, culturais, sociais e políticos, com conteúdos jurisdicionais em tensão, que produzem formas particulares de identidade territorial (HAESBAERT, 2005 apud ZAMBRANO, 2001, p. 18).
Nesse raciocínio, pode-se ter uma noção de que há uma construção ou aparelhamento ou
até mesmo um encaixe das múltiplas estruturas existentes, sejam elas quais forem, é o que
se percebe na leitura seguinte:
[...] a existência do que estamos denominando multiterritorialidade, pelo menos no sentido de experimentar vários territórios ao mesmo tempo e de, a partir daí, formular uma Territorrialização efetivamente múltipla, não é exatamente uma novidade, pelo simples fato de que, se o processo de Territorrialização parte do nível individual ou de pequenos grupos, toda relação social implica uma interação territorial, um entrecruzamento de diferentes territórios. Em certo sentido, teríamos vivido sempre uma multiterritorialidade (HAESBAERT, 2004, p. 344).
Assim, esta frente migratória passa a trabalhar como fator de elos entre os que estão e são
deslocados pelos que chegam e ocupa estes espaços, criando novas relações de trabalho,
convivência, aceitabilidade e, principalmente, econômicas nos municípios que recebem
estes migrantes que vão modificar a paisagem do Cerrado através da implantação de
diversas culturas agrícolas, como a do café.
Cenário econômico Desde o início da década de 90, a cafeicultura nacional passou a conviver com o processo de
desregulamentação do setor. Naquele momento, ocorreu à extinção do Instituto Brasileiro do
Café (IBC) e a retirada do Brasil dos acordos internacionais, o que levaria o setor a uma profunda
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crise. Como conseqüência do fim dos acordos internacionais, observou-se a entrada de novos
concorrentes no mercado mundial e a redução dos preços do produto (ORTEGA, 2005).
Em uma leitura dos textos de Ortega (2005), percebe-se que após o fim dos institutos
governamentais que regulavam o comércio de café houve uma grande crise nacional sobre a
produção e demanda por mercados consumidores, visto que, no mercado internacional estava
sendo comercializada enorme quantidade de café de baixa qualidade e com preços baixos.
Nesse ínterim, o Brasil não produzia ou não tinha uma certificação que lhe garantisse a origem
de seus produtos, o que justificava o baixo preço obtido para venda, gerando um efeito cascata
no qual motivou os altos índices de desemprego nas fazendas, sucateamentos de processos
produtivos acirrados ainda mais com a inserção de insumos tecnológicos, como as máquinas
colhedeiras de café que eliminavam grande parte da mão de obra utilizada na colheita do café.
Diante deste cenário, uma das saídas encontradas foi criar as pequenas associações como forma
de driblar a crise através de medidas paliativas que pouco minimizavam em relação ao que
acontecia no setor.
Nesse sentido, segundo Ortega (2005, p. 11), o que faltava era uma integração entre
mercados nacionais e globais que, a partir daí, “identificamos que a constituição de uma
estrutura de governança bastante institucionalizada contribuiu com o sucesso da
cafeicultura regional, consolidando um verdadeiro território do café”.
A capacidade organizativa dos cafeicultores em torno de suas associações de produtores e
pelo CACCER (Conselho das Associações dos Cafeicultores do Cerrado Mineiro) não pode
deixar de ser reconhecida, pois levou ao coroamento dessa participação e cooperação com a
obtenção da denominação de origem, que explora a singularidade do produto obtido no
Cerrado Mineiro para a conquista de mercados cada vez mais exigentes.
Desta forma, o agregar valor chegaria através da iniciativa de ter uma marca que
potencializasse os investimentos que há muito tempo haviam sendo feito nos cafezais da
região.
Indicação Geográfica De acordo com o Sebrae, (Serviço Brasileiro de Apoio as Micros e Pequenas Empresas), o
termo utilizado pelos agricultores, "Indicação Geográfica", foi se firmando quando
produtores, comerciantes e consumidores começaram a identificar que alguns produtos de
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determinados lugares apresentavam qualidades articulares, atribuíveis a sua origem
geográfica e começaram a denominá-los com o nome geográfico que indicava sua
procedência.
Os produtos que apresentam uma qualidade única, explorando as características naturais,
tais como geográficas (solo e vegetação), meteorológicas (clima) e humanas (cultivo,
tratamento e manufatura), e que indicam de onde são provenientes correspondem a artigos
que possuem um certificado de qualidade atestando sua origem e garantindo o controle
rígido de sua espécie.
De acordo com o CACCER, a primeira Indicação Geográfica formal para o café brasileiro,
que estava em tramitação desde 1995, somente foi concedida ao conselho em junho de
2005. O registro de indicações geográficas do Instituto Nacional de Propriedade Industrial
(INPI), o órgão oficial responsável, vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria
e Comércio Exterior (MDIC), dá ao seu titular - o CACCER - o reconhecimento oficial da
Indicação de Procedência e concede a denominação Região do Cerrado Mineiro.
Conseguir a denominação de Indicação Geográfica, requer um preço ainda maior para manter,
pois caracteriza-se em um processo de certificação das fazendas que fazem parte da região
produtora, de acordo com um criterioso código estabelecendo normas de manejo e produção
que qualifiquem cada unidade produtora que é estabelecida conforme seu o cumprimento.
A identificação do certificado de qualidade acontece sob a forma de progressão, ou seja, o
número de estrelas que cada propriedade possui, variando de uma até quatro estrelas,
mostra que a unidade produtora atende todos os quesitos necessários para a produção de
cafés especiais, como rastreabilidade da produção; condições humanas e salubres dos
trabalhadores; meios sustentáveis de produção; controle de uso de defensivos químicos;
mapas geo-referenciados da fazenda que indique fisicamente todos os talhões de café, além
das áreas de preservação permanente e reserva legal com suas respectivas áreas.
Formação territorial É interessante notar como áreas que antes estavam fadadas ao fracasso econômico devido à
crise que afetava o setor se reverterem em uma boa ótica de estudo, planejamento e
direcionamento de recursos que levam a determinar um território específico. Sendo assim,
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para algumas porções do território brasileiro são experienciadas mutações significativas no
que tange as suas estruturas produtivas e reorganização social.
Segundo Santos (2001, p. 105) trata-se de uma “reorganização produtiva do território”.
Novos arranjos espaciais têm se apresentado no país. Eles sugerem a necessidade de se
identificar e analisar os projetos e atores responsáveis por estas mudanças e os resultados
obtidos destes processos.
É importante reconhecer que se alterou e que a nova configuração territorial brasileira tem
sido fortemente marcada por especializações que se dão nos distintos setores da produção,
não somente do café do Cerrado, também em vinhos, cachaças, em pólos industriais e de
serviços, entre outros. Esta lógica tem encontrado explicações mediante a necessidade de
inserção do país no contexto da globalização1 contemporânea e na difusão do chamado
meio-técnico-científico-informacional2.
Estas ideias encontram sua base explicativa no pensamento de Santos (1994) que entende a
caracterização dos espaços globais. Em outra obra, ele afirma que a partir da:
Transformação dos territórios nacionais em espaços nacionais da economia internacional; a exacerbação das especializações produtivas no nível do espaço; a concentração da produção em unidades menores, com o aumento da relação entre produto e superfície – por exemplo, na agricultura; a aceleração de todas as formas de circulação e seu papel crescente na regulação das atividades localizadas, com o fortalecimento da divisão territorial e da divisão social do trabalho e a dependência deste em relação às formas espaciais e às normas sociais (jurídicas) em todos os escalões. (SANTOS, 2001, p. 50).
O território brasileiro não tem escapado à referida lógica, ou seja, a racionalidade
capitalista financeira contemporânea. Ele tem procurado responder às demandas
modernizadoras impostas pelo capital especulativo internacional. O Brasil tem
compreendido que a conquista de um “lugar” ao mundo só pode ser feito em razão da sua
modernização. Ao considerar os diversos setores da produção inseridos no país pode-se
observar que as regiões têm buscado acolher diferentes externalidades visando à
modernização da nação. Nesse sentido, Elias (2006, p. 279) aborda que:
Em poucas décadas, o Brasil passa de um país essencialmente agrário para uma das principais economias do mundo. Os reflexos na produção, na sociedade e no território são muitos e complexos. Pensar nas novas dinâmicas econômicas e na produção do espaço urbano no Brasil contemporâneo requer uma contextualização sobre os principais processos que são vetores das mais profundas transformações pelas quais o país vem passando nos últimos cinqüenta anos.
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No conjunto desses vetores faz-se necessário destacar o papel da agricultura moderna que
tem apresentado, como principais características, a adoção de técnicas sofisticadas visando
o aumento da produtividade em larga escala de produtos variados para atender
especialmente os mercados dos países desenvolvidos. Trata-se de um processo que busca
acolher distintas externalidades3 modernizadoras que visualizam:
Nas últimas quatro décadas, os setores econômicos vêm passando por intensa reestruturação produtiva. Com a globalização da economia verificam-se profundas transformações no processo produtivo associado à agropecuária e reestruturam-se seus sistemas de ação e de objetos mediante a introdução da ciência e da informação. Resultou, então, um novo modelo técnico, econômico e social de produção agropecuária, ao qual aqui chamaremos de agricultura científica, oferecendo novas possibilidades para a acumulação ampliada do capital. (ELIAS, 2006, p. 221)
No caso específico da agricultura brasileira, há um consenso de que sua modernização
instalou-se a partir do início de 1970 e a produção de grãos em alta escala tem traduzido
uma das peculiaridades desse processo através da difusão da soja, café e outras culturas nas
regiões de Cerrado com destaque para o Centro-Oeste e, posteriormente, para as áreas
úmidas da Amazônia.
Complexidade do território Na leitura de (ORTEGA, 2005), a região do Cerrado Mineiro possui uma temperatura
média de 18°C a 23°C, uma altitude de produção cafeeira de 800 a 1.300 metros acima do
nível do mar e um índice pluviométrico médio de 1600 milímetros anuais, com baixa
umidade relativa do ar no período da colheita. Somadas às características do relevo, essas
são condições bastante favoráveis ao cultivo do café. O que qualifica a área como um lugar
específico para a construção de um território de produção cafeeira. Desta forma a produção
deste tipo de café nesta área especifica agrega valor ao produto e poder de negociação junto
a mercados internacionais e nacionais, assim, diante de uma análise territorial do café.
Para Haesbaert (2004), somente partindo da visão integradora, que enfatize os aspectos
político, econômico e simbólico, é possível entender o que atualmente vem a ser a
complexidade do território. Esses três aspectos do estudo do território são base para a
discussão deste autor.
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As três vertentes estão, para ele, assim definidas: 1) política, na qual o território é visto
como um espaço delimitado e controlado sobre o qual se exerce determinado poder, por
exemplo, o território demarcado pelo Estado-nação; 2) simbólica, onde o espaço passa a ser
concebido pelos aspectos culturais, o território é produto da apropriação subjetiva do
imaginário; 3) econômica, se enfatiza as relações econômicas, o território é visto como
fonte de recursos no embate entre classes sociais e na relação capital-trabalho como
produto da divisão territorial do labor.
Desta forma, o terceiro item desta conceituação de Haesbaert (2004) é a que mais
caracteriza com a situação do café do Cerrado onde é fator gerador de divisas e poder, pois
a partir do momento em que o setor econômico é inserido, passa a fazer parte da construção
de entidades políticas de poder e de controle, seja de produção de comercialização, de
normas internas seguidas através de sujeição e participação por cooperados. Em
concordância com o autor, Rafesttin (1993, p. 60) afirma que “[...] o território é o espaço
político por excelência, o campo de ação dos trunfos”.
Em outra análise política metodológica, “o poder é a chave – em toda relação circula o
poder que não é nem possuído nem adquirido, mas simplesmente exercido” (op. cit., p. 7).
São quatro mil e quinhentos produtores, com uma produção anual de cinco milhões de
sacas em uma área total de 170 mil hectares, distribuídos em 55 municípios da região de
Indicação Geográfica do Café do Cerrado (CAFÉ DO CERRADO, 2011).
Através de uma nova inserção de uma territorialidade dentro do contexto do café é possível
que um embate político e de poder possa ser estabelecido, visto que como fator gerador de
divisas para diversos municípios, estes empreendedores do café passam a ter destaque
como administradores o que influencia nas políticas oligárquicas presentes há décadas
nessas regiões.
Conclusões As transformações que ocorreram no Cerrado de Minas Gerais, em específico nas regiões
do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, com a inserção do café e a delimitação do território
obtido com a Indicação Geográfica, foram frutos de programas governamentais como o
Prodecer (Programa de cooperação nipo-brasileira para o desenvolvimento do cerrado,
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estabelecido entre os anos 1979-2001), o Polocentro (Programa de desenvolvimento do
cerrado, instituído em 1975) e a Sudeco (Superintendência para o Desenvolvimento do
Centro-Oeste brasileiro, criada em 1967), o Programa de Assentamento Dirigido do Alto
Paranaíba (PADAP - implementado pelo governo de Minas Gerais), de forma que
contribuíram para um entendimento do processo de ocupação do Cerrado com a exploração
dos recursos naturais e humanos.
Nesse sentido, falar a respeito da formação territorial surgida por meio das migrações e dos
incentivos governamentais para a produção de culturas como o café necessita de entender
as demandas econômicas que as regiões do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba vinham
passando.
Graças aos investimentos e projetos que envolveram o redirecionamento espacial desses
referidos territórios, hoje, pode-se perceber o quanto essas medidas tomadas foram
positivas para o setor cafeeiro, agricultores e economia dessa região mineira.
Notas
_____________ 1 Os processos globalitários, ou seja, a emergência da globalização contemporânea está associada no entendimento de Georges Benko (2002, p. 29), a adoção de um novo regime de acumulação e no reordenamento da economia espacial que tem sido fortemente marcada pela “passagem para um novo regime de acumulação acompanham-se de mudanças fundamentais multiformes nos modos de produção e de consumo, nas transações e nos mecanismos institucionais de regulação das sociais”. 2 O meio-técnico-científico-informacional pode assim ser explicado, segundo a ideia de Santos (2001, p. 50):
[...] a ciência, a tecnologia e a informação estão na base mesma de todas as formas de utilização e funcionamento do espaço, da mesma forma que participam da criação de novos processos vitais e da produção de novas espécies (animais e vegetais). É a cientificização e tecnificação da paisagem. É também, a informação, ou, antes a informacionalização do espaço. [...] os espaços assim requalificados atendem, sobretudo, a interesses dos atores hegemônicos da economia e da sociedade, e assim são incorporados plenamente às correntes de globalização.
3 Estas externalidades podem ser entendidas através da difusão de técnicas nos diferentes setores produtivos. Destacam-se nesse contexto as modernizações sucessivas manifestadas nas regiões brasileiras, através da incorporação da nação ao cenário produtivo mundial. Um exemplo do acolhimento e presença dessas externalidades é o setor agrícola que tem experimentado nas últimas décadas intenso processo de tecnificação, através da adoção de técnicas arrojadas no campo: a presença de máquinas modernas, adubos e fertilizantes visando uma produtividade cada vez maior para atender os interesses do mercado internacional.
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12
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