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O TRABALHO COLABORATIVO E A PRÁTICA REFLEXIVA NA FORMAÇÃO
CONTINUADA DE PROFESSORES: UMA EXPERIÊNCIA COM PBL NO ENSINO MÉDIO
TÉCNICO
Robson R. de ALMEIDA, Dra. Maria Inês R. RODRIGUES, Universidade Federal do ABCEixo Temático: Formação continuada e desenvolvimento profissional de Professores da
Educação Bá[email protected]
1. Introdução
Apesar de discutido há mais de três décadas, o desenvolvimento profissional docente é
tema central quando se discute possibilidades de melhorias na educação brasileira. Sendo objeto
de pesquisas sobre formação docente (NÓVOA, 1997, SCHÖN, 2000; TARDIF, 2004;
RODRIGUES, 2010) e de políticas educacionais formuladas pelo Estado (BRASIL, 2015),
contempla os processos de formação inicial e continuada de professores, trazendo a noção de
que a evolução profissional do professor se dá num continuum (RODRIGUES, 2001). O
desenvolvimento profissional, pode, então, ser entendido como “um processo a longo prazo, no
qual se integram diferentes tipos de oportunidades e experiências planificadas sistematicamente”
que visam promover crescimento profissional do professor. (MARCELO GARCIA, 2009).
Discorrendo sobre os desafios da evolução docente, Antonio Nóvoa (1997) pondera que os
problemas da prática profissional do professor não são meramente instrumentais, pois comportam
incertezas, singularidades e conflitos de valores, revelando que consistem em situações
problemáticas únicas. Posto isto, o autor defende que a formação seja encarada como um
processo permanente, integrado ao cotidiano das escolas e dos professores.
Nesse sentido, orientações importantes têm sido consolidadas na política educacional
brasileira, em especial em documentos recentes que definem aspectos da formação continuada,
como é o caso do parecer CNE/CP 02/2015, o qual alude:
“a formação continuada – nela incluída a extensão – responde ànecessidade contemporânea de pensar a formação profissional em um continuumque se estende ao longo da vida. Desse modo, a educação continuada nãodecorre de um catálogo de cursos prontos, mas de uma concepção dedesenvolvimento profissional do professor” (BRASIL, 2015, pg. 34)
E ainda:
“a formação continuada deve se efetivar por meio de projeto formativo quetenha por eixo a reflexão crítica sobre as práticas e o exercício profissional e aconstrução identitária do profissional do magistério”
No ano de 2016, convocando discussões ao III Congresso Nacional de Formação de
Professores e XIII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores, a professora
Bernadete Gatti destaca que demandar-se-á um espaço de tempo para que orientações como a
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do parecer em tela se efetivem, e que elas não serão empregadas sem tensões do atual cenário
educacional que vivemos.
Assim, neste texto direcionamos os olhares de nossa pesquisa para as dificuldades e
desafios da formação continuada de docentes que atuam na Educação Profissional de Nível
médio, em especial ao magistério do Ensino Médio Integrado. Ressaltamos que a Educação
Profissional de Nível Médio é uma das modalidades de ensino da Educação Básica, e que
comunga das mesmas diretrizes do desenvolvimento profissional docente, constantes no parecer
CNE/CP 02/2015 (§ 3º Art. 2º).
Investigando, então, uma escola técnica pública, temos verificado que a Aprendizagem
Baseada em Problemas (PBL) ajuda a promover maior autonomia do aluno na aprendizagem,
mas pode sofrer resistências pelo professor na inovação metodológica. A insegurança do
professor é potencializada no decorrer da resolução de problemas abertos pelos alunos. Na aula
com PBL, os professores são frequentemente surpreendidos pelo o que o aluno faz, seja pela
natureza dos questionamentos dos estudantes no processo de resolução de problemas, seja pela
diversidade de assuntos que essas perguntas podem abranger. A reação do professor, mediante
tal situação confitante tem sido o abandono à metodologia ou a responsabilização do aluno pelos
fracassos na aprendizagem.
Neste cenário de tensões, enquadramos como objetivo de pesquisa verificarmos em que
medidas a prática reflexiva e o trabalho colaborativo de um grupo docente – o qual lança mão da
PBL – podem influenciar seu desenvolvimento profissional durante o processo de ensino.
2. A formação do docente para o Ensino Médio Técnico
Em primeira instância, a complexidade da formação do docente para Educação
Profissional está intimamente ligada ao percurso histórico do ensino profissionalizante.
Transformada ao longo de décadas – do ensino do artesanato nas escolas-oficinas ao ensino
industrial controlado pelo empresariado brasileiro (NEVES, 1991) – a Educação Profissional fora
marcada pela fragmentação e pela ausência de políticas claras, que condicionaram turbidez nas
perspectivas sobre o real papel desta categoria de ensino no país. Como exemplo, o Ensino
Médio Integrado, que hoje investigamos, fora extinguido pelo decreto federal 2208/1997,
documento no qual apartava-se do Ensino Médio a Educação Profissional, fragmentando o
ensino. Anos mais tarde, já no decreto 5154/2004 a unicidade curricular do ensino voltou a vigorar,
permitindo a existência do Ensino Médio Integrado ao Técnico.
Para Machado (2008), os professores que atuam na Educação Profissional enfrentam
novos desafios relacionados às mudanças organizacionais e aos efeitos das inovações
tecnológicas, fatores estes que afetam as atividades do trabalho; bem como as novas exigências
de qualidade na produção e nos serviços, maior atenção à justiça social, às questões éticas e de
sustentabilidade ambiental indispensáveis à prática social do trabalho. Para a autora, mediante
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estas novas demandas de construção e restruturação dos saberes essenciais a intervenção crítica
e criativa na atividade do trabalho, o professor na educação profissional deve ser capaz de
desenvolver em seus alunos a compreensão reflexiva sobre o mundo do trabalho, seus métodos e
evolução natural e social dos processos tecnológicos.
Avaliando o mesmo cenário da Educação Profissional, Moura (2008) alerta para a
fragmentação na formação docente: há em atuação professores que não são graduados – em
especial na rede privada e no sistema “S” (Sesi e Senai, por exemplo) –; professores graduados
na área específica em que lecionam, mas não tem licenciatura para o ensino; e há os futuros
professores que lecionarão na Educação Profissional, aos quais não existe ou é escassa a oferta
de licenciatura para área.
Superar este histórico de fragmentação e insuficiência na formação de professores da
Educação Profissional, considerando os desafios docentes aqui citados, significa reconhecer que
a docência é muito mais que mera transmissão de conhecimentos empíricos ou ensino de
conteúdos técnicos esvaziados, pois dela fazem parte metodologias que conduzem à descoberta,
invenções e resoluções de problemas tecnológicos (MACHADO, 2008).
Por outro lado, o campo de pesquisas sobre Formação de Professores tem possibilitado
debates que dão pistas a um quadro de melhorias na Educação brasileira. A prática reflexiva e o
trabalho colaborativo entre docentes tem sido objetos de investigação de inúmeros pesquisadores
(NOVOA, 1997; SCHÖN, 2000; RODRIGUES, 2010; BRISCOE, 1997). Machado (ibid) é taxativa
ao considerar que é pressuposto básico ao docente da educação profissional ser “um sujeito da
reflexão e da pesquisa, aberto ao trabalho coletivo e à ação crítica e cooperativa” além de estar
comprometido com sua atualização permanente na área específica e pedagógica.
Deste modo, em uma investigação qualitativa, temos nos apoiado na fundamentação
teórica sobre a prática reflexiva e o trabalho colaborativo para testar hipóteses a respeito de como
essas oportunidades formativas influenciam nas incertezas, singularidades e conflitos daquele
grupo de indivíduos investigado. Sintetizaremos, então, os contornos desses dois pressupostos.
3. A formação do professor reflexivo
As ideias de Dewey, em que o autor destaca a reflexão como um elemento fundamental
para uma experiência significativa, constituem bases para as investigações sobre o professor
reflexivo, conceito difundido por Schön e analisado por diversos pesquisadores como Perrenoud
(2002), Contreras (1997), Rodrigues (2001), Pimenta (2012) e outros.
A reflexão é atributo do ser humano, assim Dewey (1933) diferencia a reflexão cotidiana –
de rotina – do pensamento reflexivo. Segundo Rodrigues (2006), Dewey vê o ato de rotina como
fundamental para a vida, muitas vezes conduzido por impulsos, hábitos e até mesmo submissões,
enquanto o pensamento reflexivo implica intuição e claridade em relação a causas e
consequências de uma ação: “o pensamento ou reflexão (...) é o discernimento da relação entre
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aquilo que tentamos fazer e o que sucede em consequência” (DEWEY, 1952). Perrenoud (2002)
destaca que para uma verdadeira prática reflexiva, essa postura deve se tornar “quase
permanente e inserir-se numa relação analítica com a ação”. O equilíbrio entre os dois tipos de
reflexão é considerado importante para Dewey.
Donald Schön (1992), revitalizando os pressupostos de Dewey (apud PIMENTA, 2011),
revela os processos do pensamento presentes na epistemologia da ação do docente, indicando a
necessidade de formar professores capazes de refletir sobre sua prática em sala de aula
(RODRIGUES, 2006). Schön (1992) ponderou que o modelo de formação docente baseado na
racionalidade técnica consiste num dos maiores obstáculos para o desenvolvimento do
profissional reflexivo, pois nele ensina-se primeiro os princípios científicos relevantes, depois a
aplicação desses princípios e por último tenta-se aplica-los ao cotidiano (SCHÖN, 1992).
Assim, Schön (ibid) identifica no processo de pensamento reflexivo a reflexão-na-ação e a
reflexão sobre a reflexão-na-ação. Na primeira, a reflexão-na-ação, “o professor esforça-se em ir
ao encontro do aluno e entender o seu próprio processo de conhecimento, ajuda-o a articular seu
conhecimento-na-ação e o saber escolar” (SCHÖN, 1992). Este processo, segundo o mesmo
autor, inicia-se quando o professor permite ser surpreendido pelo o que aluno faz ou diz, em
seguida reflete sobre o fato, reformula o problema suscitado pela situação, e na ação efetua uma
experiência para testar sua nova hipótese.
Por outro lado, a reflexão sobre a reflexão-na-ação consiste numa ação de observação e
descrição, que são retrospectivas sobre a reflexão-na-ação, e que o professor-reflexivo pode
significar e re-significar aquilo que ocorrera. Assim, o autor constitui o practicum reflexivo, tratando
o practicum como um mundo virtual que representa o mundo da prática, onde três dimensões são
essenciais: a maneira como um aluno compreende a matéria, a interação interpessoal entre
professor e o aluno, e como esse professor procura a liberdade para a prática reflexiva frente as
questões burocráticas da escola. Para a formação inicial docente, entre outras propostas, Schön
propõe que se incrementem os practicuns reflexivos que já começaram a emergir nos grupos
docentes (SCHÖN, 1992).
Perrenoud (2002) argumenta que a prática reflexiva está no âmago do desenvolvimento
profissional do professor, no cerne de todas as competências. Para o autor, a profissionalização,
numa perspectiva dinâmica, consiste num grau de avanço do ofício de professor em sua
transformação estrutural, e que pode ser favorecida pela prática reflexiva, pelo trabalho em equipe
e pela pesquisa de soluções originais (PERRENOUD, 2001). Assim, sem pretender adicionar mais
um componente no currículo da formação docente, Perrenoud propõe ampliar as bases científicas
da prática e desenvolver formações que articulem prática reflexiva e racionalidade técnica como
dois lados da mesma moeda (PERRENOUD, 2002)
ZEICHNER & LISTON (apud PIMENTA, 2011), são taxativos ao salientar a importância
do contexto institucional e das teorias da educação para uma prática reflexiva num ambiente
coletivo, apontando que sem a consideração destes elementos corre-se o risco de mercantilização
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do conceito de professor-reflexivo, prática em que se pretende “vender” ou meramente implantar
cursos para formação para professor reflexivo. Assim, Pimenta defende a formação de um
professor que reflita sobre o seu fazer, pesquisando-o nos contextos nos quais ocorre (PIMENTA,
ibid).
4. O trabalho colaborativo entre professores numa abordagem com PBL
Carvalho & Gil-Pérez (1995), ao descreverem um conjunto de necessidades formativas dos
professores de ciências, indicam que saber preparar atividades de resolução de problemas é uma
tarefa importante ao docente. Por outro lado, os autores fazem crítica ao modelo alertando que a
situação-problema deve ser contextualizada à realidade do aluno e ter possibilidades abertas de
solução, contrastando com o habitual “operativismo mecânico” com que professores abordam a
resolução de problemas (Gil-Pérez et al, 1992).
No trabalho com Problem Based Learning (PBL), usa-se usa um problema prático, real ou
potencialmente real, para estimular nos aprendizes a construção do conhecimento. A ideia mais
central da PBL é que esse problema seja apresentado a um grupo de alunos antes mesmo da
explicação de todos os conceitos necessários à sua resolução (FILHO & RIBEIRO, 2009), isto
significa que é o problema quem inicia e motiva a busca por conhecimentos específicos pelos
alunos, através da interação deles com eventos da vida real. Segundo Berbel (1998), a PBL tem
como inspiração os princípios da Escola Ativa, de um Ensino Integrado e Integrador de conteúdos,
em que os estudantes aprendem a aprender e se preparam para solucionar problemas relativos à
sua futura profissão.
Mediante aos desafios da resolução de problemas e a necessidade de uma formação
docente que viabilize a prática com PBL, observamos quais alternativas poderiam auxiliar o grupo
docente por nós investigado no Ensino Médio Integrado. Naquela escola, percebe-se atualmente a
adesão a um trabalho colaborativo entre os professores em torno da PBL.
Rodrigues & Carvalho (2002) afirmam que ao atuar em equipes o professor encontra
incentivo para inovar e arriscar em seu ensino. Para Nóvoa (1997), redes de (auto)formação
participada permitem que o professor assuma a sua formação como um processo dinâmico e
interativo. Neste tipo de formação, o diálogo entre professores é essencial para consolidar
saberes emergentes de sua prática. Nóvoa ainda é taxativo sobre esse processo ao afirmar:
Práticas de formação contínua organizadas em torno de professores individuaispodem ser úteis para a aquisição de conhecimentos e de técnicas, mas favorecemo isolamento (...). Práticas de formação que tomem como referência as dimensõescolectivas contribuem para a emancipação profissional e para a consolidação deuma profissão que é autônoma na produção de seus saberes e dos seus valores”(1997, p. 27)
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Imbernón (2000) e Rodrigues (2010) consideram que no trabalho coletivo é fundamental o
apoio do grupo interno da instituição de ensino, pois as dificuldades vão além dos limites da sala
de aula.
Chantraine-Demailly (1997) caracteriza como modelo interactivo-reflexivo o modelo de
formação continuada em que os saberes são produzidos em cooperação, no qual formador e
formandos são colaboradores e ajudam-se para resolver problemas práticos.
Deste modo, com vistas e compreender como os pressupostos do trabalho colaborativo e
da prática reflexiva podem influenciar na abordagem com PBL, descreveremos a seguir o contexto
da pesquisa e as particularidades que ele envolve.
5. O contexto da pesquisa
O estudo ocorre em uma escola técnica pública localizada na periferia do município de
Barueri/SP que atende à população local e às cidades vizinhas no oeste da Região Metropolitana
de São Paulo. Dos quatro cursos técnicos atualmente oferecidos por esta escola, focalizamos o
Curso Técnico em Manutenção e Suporte em Informática oferecido para 318 alunos, dos quais
144 participam da nossa pesquisa por estarem matriculados na 3ª série e realizarem seu Trabalho
de Conclusão de Curso. A média de idade dos alunos é de 16 anos. A PBL é utilizada como a
metodologia de aprendizagem para orientar os alunos em seus TCCs (Trabalhos de Conclusão de
Curso), colocando-se com eixo integrador entre as disciplinas do curso. Um professor de uma
disciplina técnica destinada a orientação dos TCCs (disciplina MTCP) é o orientador responsável
pela condução do projeto junto aos alunos, enquanto os demais professores colaboram com o
projeto, como veremos a seguir. O grupo de professores é heterogêneo, compreendendo
docentes com formação superior nas áreas da Computação e professores com formação superior
nas áreas comuns ao Ensino Médio.
Assim, cada etapa do processo PBL em nosso contexto de ensino ocorre em parceria com
professores de Língua Portuguesa, Matemática, Física e de disciplinas específicas do curso
técnico em Manutenção e Suporte em Informática. A figura 2 exibe as etapas básicas do processo
PBL na escola:
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Figura 1. O processo PBLFonte: ALMEIDA, 2015
A seleção da situação-problema para os alunos compreendeu assuntos técnicos e temas
socialmente relevantes no âmbito das tecnologias da informação. A descrição do cenário exibiu os
problemas de maneira fracamente estruturada, isto é, a exploração do problema poderia ser
ampliada ou reduzida pelos próprios alunos, conforme sua evolução no processo de pesquisa de
soluções.
O trabalho das disciplinas em torno da situação-problema pode ser ilustrado pela figura 2.
Figura 2. Exemplo de interação entre disciplinas na situação-problemaFonte: ALMEIDA, 2015
6. Metodologia da pesquisa
A metodologia da pesquisa tem caráter qualitativo. Bogdan & Biklen (1982) apontam cinco
aspectos característicos desse tipo de abordagem e que se aproximam da nossa situação de
pesquisa: a fonte de dados é o ambiente natural, tornando-se o pesquisador o instrumento
principal; a investigação é descritiva; o interesse do investigador está mais centrado no processo
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do que nos resultados; a análise dos dados tende a ser de maneira indutiva; e o significado
assume importância vital.
Em nossa pesquisa, a escola técnica se configura como a fonte direta dos dados. O
contato intensivo dos pesquisadores com esse ambiente ‘natural’ os possibilitam presenciar uma
variedade de acontecimentos do cotidiano escolar. Assim, delimitamos nossa pesquisa em um
Estudo de Caso, de modo a dar contornos claramente definidos na investigação (LUDKE &
ANDRÉ, 1986).
A coleta de dados ocorreu por entrevistas semiestruturadas (MANZINI, 2004), gravações
de reuniões pedagógicas e de aulas (LUDKE & ANDRÉ, 1986). Para este artigo, descrevemos
amostras de dois episódios de interação do grupo docente. Eles aconteceram após as aulas, em
reuniões pedagógicas agendadas pelos próprios professores. Vale destacar esses momentos não
planejados oficialmente pela escola, a qual dispõe de reuniões apenas entre pares da mesma
área.
A) Episódio 1: Reunião registrada no dia 18/03/2015, às 14hs40min, entre a Professora deLíngua Portuguesa (P.LPT) e o professor de Processos Técnicos (P.PRTE):
1) 23’00 – P.LPT: é isso que eu tô te falando: todo mundo envolvido... você movimentauma pedra, e todas se movimentam
2) 23:35 – P.PRTE: por que você dá autonomia pra pessoas trabalharem, né?
***** (ocorre uma intervenção inesperada de um aluno, e a conversa é pausada eretomada no minuto 25’)
3) 25’00 – P.LPT: pra você ver que as relações interpessoais elas afetam diretamente odesempenho das nossas propostas. Ao desenvolver uma proposta na escola, a gente não podeignorar como que nós vamos estabelecer as relações interpessoais... porque uma coisa é vocêchegar e falar assim, olha: “essa é a proposta que eu fiz... ó... essa é proposta minha e de‘P.MTCO’ que fizemos, temos algumas sugestões pra vocês [pra outros professores] e blá bláblá... e olha isso, olha o que é você vir de baixo, na base...
4) 25’30 – P.PRTE: verdade, você movimenta uma pedrinha e todas vão junto...5) 25’35 – P.LPT: pra você ver: o P.SIOP [prof. da disciplina de Sistemas Operacionais] já
sugeriu um livro aos alunos... o P.MAT [prof. de matemática] também já sugeriu outro livro... entãoestá minando um monte de coisa...
6) 26’00 – P.PRTE: agora vamos peneirando... eu acho que é assim que funciona!7) 26’11 – P.LPT: então eu acho que essa proposta de trabalhar com problemas e
soluções ela acontece desde as relações entre nós professores até a efetivação do trabalho decada um em sala de aula.... por exemplo: o conteúdo em sala de aula, você vai lá e dá ele proaluno... a empresa né...
8) 26’36 – P.PRTE: isso, o problema.9) 26’37 – P.LPT: ... o problema...10) 26’39 – P.PRTE: ... que tem que estar contextualizado!11) 26:48 – P.LPT: mas só que, pra você chegar nisso, você precisa do Professor da
disciplina de Sistemas Operacionais, você precisa dos outros colegas...12) 26’55 – P.PRTE: com certeza!13) 26’56 – P.LPT: ... [precisa] da colega, inclusive, que não é da sua área, (que é o meu
caso) mas empenhada em auxiliar dentro dos conhecimentos da área dela, fazendo a articulação.Essa colega percebe que isso é bom, e expande isso pros outros colegas.
B) Episódio 2: Reunião registrada no dia 23/02/2015, às 09hs40min, entre a Professora deMatemática (P.MAT) e o professor de PRTE (P.PRTE).
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1) 6’48 - P.MAT: ... por exemplo, uma aluna me falou: “ah, professora, no meu cenáriovamos dar soluções de TI para uma sorveteria...” (...) bem, a sorveteria na cabeça dela era 20m X20m... então eu disse: “filha, isso dá 400m2 de sorveteria!” Ela respondeu: “professora eu não seiquanto é 20 metros..”, eu disse: “ok, conta 20 passos... e ela contou... então eu disse “esse é ocumprimento... e agora de largura é o mesmo tanto...” (..). ela se assustou!! Ela não tinha noção.
2) 7’33 – P.PRTE:... eu também percebo isso. Quando você fala que o cenário deresolução de problemas é uma empresa de grande porte, é importante além deles saberem otamanho do prédio [do cliente] saber também o quanto há de infraestrutura de TI na empresa...mas se eles não relacionam a ideia de grande porte com a metragem, eles não conseguemprogredir..
7. Análise dos dados
À luz dos referenciais teóricos aqui discutidos, procuramos identificar e analisar os
fenômenos presentes nos dados coletados.
Observamos que no Episódio 1 predomina-se interação a respeito do trabalho
colaborativo. Na transcrição das falas desse episódio, nas linhas de 07 a 13, os
professores indicam que é essencial a participação multidisciplinar, isto é, do envolvimento
de docentes de matérias distintas para o trabalho com PBL, e ao perceberem que “isso é
bom” (linha 13) cria-se um movimento em que um professor “expande” a construção do
conhecimento junto a seus pares. Nesta situação, o diálogo entre docentes é “essencial
para consolidar saberes emergentes de sua prática” (NÓVOA, 1997), e o
compartilhamento desses saberes indicam a existência de uma rede de (auto) formação
participada (NÓVOA, ibid)
Ainda no episódio 1, podemos identificar a importância de uma formação
continuada que promova a autonomia docente. Na linha 3, em sua fala, P.LPT demonstra
que é fundamental que as sugestões de trabalho com PBL sejam concebidas pelos
professores envolvidos, e não meramente impostas de um professor a outro. Apoiados em
Nóvoa (1997), analisamos que é necessário ao professor assumir sua formação como um
processo dinâmico e interativo. No mesmo diálogo, na linha 10 da transcrição da fala,
P.PRTE destaca que a situação-problema na PBL tem que ser contextualizada à realidade
do aluno, mas não é possível identificar em sua fala do Episódio 1 estratégias para
contextualização do ensino.
Por outro lado, no Episódio 2, identificamos processos de reflexão-na-ação e de
reflexão sobre a ação. Na linha 1, P.MAT reflete sobre um evento ocorrido em sua aula, isto
é, analisa como refletiu na ação em que uma aluna desenvolvia habilidades de
classificação da situação-problema. Ao propor que a aluna contasse os passos para
aprender sobre geometria, analisamos que em sua reflexão-na-ação a professora
“esforçara-se em ir ao encontro do aluno e entender o seu próprio processo de
conhecimento, ajudando-o articular seu conhecimento-na-ação e o saber escolar”
(SCHÖN, 1992).
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No Episódio 2, na reflexão sobre a ação, ocorrida após o término da aula e em diálogo com
P.PTE, analisamos indícios de uma ressignificação do ocorrido. Ao tomar conhecimento da
experiência ocorrida com P.MAT, o professor de P.PRTE também reflete sobre sua prática,
chegando a analisar com maiores detalhes a maneira como pensa o aluno diante da resolução de
problemas: “se eles não relacionam a ideia de grande porte com a metragem, eles não
conseguem progredir [progredir com conceitos para resolução de problemas em computação].
8. Resultados e conclusões
No presente artigo, relatamos nossa investigação sobre um grupo heterogêneo de
professores que atua num colégio público de Educação Profissional, durante uma abordagem com
PBL. Ao longo de um ano intensivo de coleta de dados desse ambiente, nossa pesquisa segue em
curso à luz dos pressupostos teóricos da prática reflexiva e do trabalho colaborativo de
professores, subsídios dos quais esperamos ter contornado neste texto, sem a pretensão de tê-los
esgotado.
Na ocasião, um grupo docente tem se disposto a atuar em conjunto em suas tarefas,
compartilhando reflexões sobre suas atuações diante delas. Temos identificado que o modelo de
formação continuada deste grupo se aproxima do modelo interactivo-reflexivo descrito por
Chantraine-Demailly (1997). Os professores do grupo assumem papéis de formadores e de
formandos, ao refletirem sobre a condução de suas práticas.
Assim, concordamos Rodrigues & Carvalho (2001) em que o professor encontra incentivo
para inovar em sala ao trabalhar em grupo. Assim como em Nóvoa (1997), nossa análise vai se
encaminhando para revelar que nas dimensões coletivas a formação pode emancipar o professor
e ajudar-lhe na autonomia da produção de seus saberes.
Por outro lado, vemos ainda desafios relevantes para o desenvolvimento profissional
daqueles professores. Pelos dados coletados não existe ainda por parte dos professores a busca
pela teoria, ou seja, dos fundamentos teóricos que irão embasar a solução de seus problemas.
Para Rodrigues & Carvalho (2001) esta lacuna torna-se fator limitador do desenvolvimento
docente. Observamos também como Imbernón (2000) que para o trabalho coletivo são
necessários a ajuda e o apoio da comunidade que envolve a instituição, auxílio este que não
pudemos constatar claramente em nosso corpus.
Por fim, recuperando a ideia de que a profissionalização docente pode ser favorecida pela
prática reflexiva, pelo trabalho em equipe e pela pesquisa de soluções originais (PERRENOUD,
2001), temos buscado interpretar maneiras de como a formação contínua pode auxiliar
professores numa abordagem com Problem Based Learning. Até aqui, os pressupostos da prática
reflexiva e do trabalho colaborativo têm se apresentado como ganhos dessa formação.
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