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MARISSOL PREZOTTO
O TRABALHO DOCENTE COM.PAR.T(R)ILHADO:
FOCALIZANDO A PARCERIA
CAMPINAS 2015
iii
iv
v
vii
Resumo
No trilhar do caminho percorrido, a professora-pesquisadora vai se constituindo e
reafirmando que a escola é reconhecida como lugar de formação profissional
quando assume o pressuposto do trabalho com.par.t(r)ilhado. Esta pesquisa
constitui-se da narrativa tecida a partir de vivências específicas da professora-
pesquisadora e de um grupo de professores em diferentes espaços de conversa e
de parceria (formais ou não) que foram possibilitando a reflexão, o diálogo e a
construção de conhecimento sobre o trabalho com.par.t(r)ilhado evidenciando
alguns princípios que o permeiam: confiança, diálogo, negociação, afetividade e
escuta sensível. Com o olhar atento e ancorado na Teoria Histórico-Cultural, no
Cotidiano e na Reflexividade, a professora-pesquisadora foi buscando compreender
o que é parceria e, neste percurso, vivenciou outras parcerias que extrapolaram as
consideradas ‘normais’, com os professores, para ampliá-las chamando os alunos e
suas famílias para mostrar que outros olhares, registros e linguagens despertam a
reflexão e a busca de um trabalho efetivo de colaboração. As principais
contribuições trazidas pela pesquisa dizem respeito às possibilidades de trabalho
com.par.t(r)ilhado que potencializam o desenvolvimento pessoal-profissional dos
sujeitos e favorecem a transformação pelo ensino e pela aprendizagem de todos os
envolvidos.
Palavras-chave: Formação docente, trabalho colaborativo, cotidiano, narrativa,
reflexividade.
ix
Abstract
In the tread of the path, the teacher-researcher will constitute and reaffirming that the
school is recognized as a place of training when it assumes the assumption of
shared work. This research constitutes the narrative woven from specific
experiences of teacher-researcher and a group of teachers in different spaces of
conversation and partnership (formal or otherwise) that were enabling reflection,
dialogue and the construction of knowledge shared work showing some principles
that permeate: trust, dialogue, negotiation, affection and sensitive listening. With
watchful eye and anchored in the Historic-Cultural Theory in Everyday Life and
Reflexivity, the teacher-researcher was trying to understand what partnership and in
this way, experienced other partnerships that went beyond those considered
'normal', with teachers, to enlarge them calling students and their families to show
that other looks, records and languages evoke reflection and the search for an
effective collaborative work. The main contributions of the research concern shared
work opportunities that enhance personal and professional development of
individuals and promote the transformation in teaching and learning for all involved.
Keywords: Teacher education, collaborative work, everyday, narrative, reflexivity.
xi
Sumário
1. Orientações para sentir e percorrer a trilha... 01
2. Memórias e caminhos.. 11
2.1 .Origens...trajetos...caminhos percorridos 16
2.2. Uma pausa no caminho...reencontrando o percurso 34
3. A constituição da professora-pesquisadora 41
4. O caminho trilhado: o cotidiano da escola 53
5. Caminho percorrido...a escola e seu contexto 67
6. O encontro do caminho da reflexividade 87
7. Nos caminhos possíveis...em busca do trabalho com.par.t(r)ilhado 101
7.1. O início da busca 105
8. Por qual caminho vou? 121
8.1. Compreendendo as paradas com.par.t(r)ilhadas:
focalizando a parceria 127
8.1.1. A parceria como caminho 129
8.1.2. A parceria como janela 134
8.1.3. A parceria como espaço diverso 137
8.1.4. A parceria como charneira 142
8.1.5. A parceria como pertencimento 146
xii
8.2. 1ª parada com.par.t(r)ilhada:
O registro e a importância do Outro no olhar 151
8.2.1. Episódio: No meio do caminho teve o seu olhar
que melhorou o meu.. 152
8.3. 2ª parada com.par.t(r)ilhada:
Assembleia Docente e a importância do Outro
no diálogo e nas reflexões 165
8.4. 3ª parada com.par.t(r)ilhada:
A importância do Outro para a partilha 183
8.4.1. O que vejo? O que penso e o que sinto?
O que faço com tudo isso? 190
9. Não era pau. Não era pedra. E não era o fim do caminho –
Lições apre(e)ndidas no caminhar 195
Referências 207 Anexos 227
xiii
Dedico a todos que, assim como eu, acreditam na formação docente no cotidiano da escola.
xv
Agradecimentos
Iniciar um agradecimento não é fácil, mas tentarei fazê-lo da melhor forma
possível. Digo que não tem em primeiro, segundo lugar, pois todos, cada um a seu
modo, tem seu lugar especial em minha vida.
Agradeço aos meus pais por me ensinarem desde pequena que a educação
é trans.formadora. Que é nela, por ela que nos formamos e nos tornamos pessoas
conscientes do nosso papel na família e na sociedade. Por isso, cheguei aonde
cheguei, constantemente me formando na e pela escola pública que me mostrou
desde sempre o que é ser professora.
À minha irmã Marilu que esteve presente em todos os dias da minha vida.
Presencialmente ou, por telefone, me acolheu nos momentos de alegria e de
desespero e, com suas palavras de admiração me fez persistir no caminhar da vida
e da profissão.
Minha eterna gratidão ao Alexandre, meu companheiro de tanto tempo que
incessantemente me incentivou a desvendar novos caminhos e a conquistar novos
espaços de trabalho. Compreendeu minhas ausências e sempre me lembrou da
capacidade que tenho quando, às vezes, duvidava de mim mesma.
Ao João Pedro, meu filho, que mesmo não compreendendo muito o início
desse processo, mostrou-se amoroso nos momentos solitários de escrita quando
adentrava o escritório e dizia que me amava. No seu olhar e nas suas inquietações,
buscava compreender a importância do trabalho vivido na escola e fora dela.
Mamãe ama você!
À minha irmã café que comigo partilhou a educação de João Pedro nos
momentos em que precisei para trabalhar, para escrever ....e sempre com uma
palavra amiga, me encorajava e me mandava seguir em frente. Pois é! Cá estou
Luciana!
Aos meus sogros França e Maria Inês e aos meus tios Jonas e Zuleica que
me incentivaram a ir atrás dos meus sonhos e do que acredito. Cada um a sua
maneira estendeu as mãos nos mais diferentes momentos, seja com a bolsa do
xvi
cursinho, com o carro emprestado, com as palavras incentivadoras... Meu muito
obrigada.
À Maria Amália e Gabriela que se dispuseram a ficar com João Pedro em
momentos diferentes da vida, mas que possibilitaram minha ausência para dar conta
do que era proposto.
À Érica, minha querida prima, que me instigou e me deu forças para continuar
quando as forças pareciam estar sumindo.
À Mila que junto com sua família tomou conta de João Pedro nos últimos
momentos de imersão da escrita, não há como agradecer, a não ser expressando
meu respeito e afeto.
À Nana Haddad, minha eterna parceira de longa caminhada. Não há palavras
para descrever o que sinto. Posso dizer que desde 2004 muitas coisas bonitas não
podem ser vistas ou tocadas, mas que são sentidas dentro do coração. O que você
fez por mim, é uma delas. Estendeu as mãos e juntas nos aventuramos no processo
seletivo, nas idas a São Paulo, nas aulas, nas angústias e belezuras da pesquisa e,
principalmente, na ousadia de deixarmos a família e irmos nos aventurar em terras
portuguesas. Eu agradeço do fundo do coração. Obrigada amore! Que possamos
viver muito mais!
À Escola em que atuo, em especial à Coordenação e à Direção, que
permitiram a produção de dados e a partilha de minhas inquietações e apreensões
que foram amadurecendo e vivenciando que é possível realizar um trabalho coletivo
e partilhado.
À Suzi que acreditou em meus desassossegos e juntas fomos experienciando
e questionando o trabalho com.par.t(r)ilhado no cotidiano da escola. Com você
aprendi, de fato, o que é ter uma parceira que respeita, que questiona independente
da situação vivida, sempre com o olhar atento para o trabalho realizado da melhor
forma possível. Seremos parceiras para sempre não importa onde cada uma estiver.
A parceria transversal sempre acontecerá.
Às demais parceiras de série e de segmento que se dispuseram a escrever
quando solicitadas, a refletir conjuntamente nos mais variados espaços de conversa
(oficiais ou não) e a desvendar comigo o caminho desta pesquisa. Minha eterna
xvii
gratidão pela parceria, pelo diálogo e pela confiança estabelecida. Esse trabalho é
nosso!
Meu agradecimento especial aos meus alunos e suas famílias que
extrapolaram a relação professora-família. Tornaram-se amigos e parceiros desta
pesquisa com as reuniões que fazíamos, com os desabafos feitos em encontros
rápidos ou bilhetes enviados. Obrigada pela possibilidade da parceria que me fez
outra professora.
Às outras parcerias constituídas no decorrer deste caminhar, aos tutores os
quais coordeno; as formadoras, supervisoras e coordenadores do Pacto Nacional
pela Alfabetização na Idade Certa (Pacto-Pnaic); ao Grupo de Estudos e Pesquisas
em Educação Continuada (GEPEC) que acreditaram em meu projeto de pesquisa
desde o início; às Seletas que atentamente ouviram e partilharam momentos de
estudo, de alegria, de sofrimento... À Marciene Reis que leu atentamente a escrita
desde a qualificação e que hoje vive o trabalho com.par.t(r)ilhando comigo no chão
da escola se encantando e me questionando constantemente! À Adriana Pierini que
me acolheu nas manhãs com café online escutando sensivelmente minhas
inquietudes e encantamentos.
Ao Guilherme, à Renata e à Nana Haddad que, com olhar atento,
contribuíram imensamente para a finalização desse trabalho no momento da
qualificação da tese. Acreditaram nas minhas escolhas e se colocaram a pensar
juntos o caminho possível de trabalho com.par.t(r)ilhado. Espero que possamos
viver outras parcerias de trabalho.
À Silvia Rocha, à Ana Guedes, à Jussara Tortella, à Nana Ayoub e à Adriana
Koyama que aceitaram o convite para dialogar, abrir e trilhar caminhos. Que daqui
possamos continuar a percorrer os possíveis percursos que estão por vir.
Enfim, a você, Ana Aragão que confiou em mim desde o início sem me
conhecer e sem saber o que estava vendo de fato. Caminhou com firmeza na
escuridão e na certeza de que estava guiando os passos, ora meus, ora seus, ora
nossos. Acreditou no que propunha, foi a força que me impulsionou quando precisei
e me acolheu sempre. Com você re.aprendi que é preciso ter fruição pessoal para
se ter um bom desempenho profissional. Minha gratidão. Simples assim. Sabe por
que? Porque uma orientanda sua até pode cair, mas cair em pé, não é mesmo?
xviii
Terminar. Difícil né? Mas é preciso... Agradeço a todos que por mim
passaram, desde o início da minha docência em terras piracicabanas e campineiras.
Saibam que cada um deixou impresso, em mim, algo que compõe o meu jeito de
viver e de trabalhar com.par.t(r)ilhado, pois sou assim e não sei viver eou trabalhar
de outro jeito.
xix
Lista de ilustrações
1. Imagem da janela do Mosteiro de Santa Maria da Vitória capturada por mim em
Batalha, Portugal 03
2. Imagem composta por capas de livros literários. Produção digital de própria
autoria 20
3. Imagem composta por capas de livros literários. Produção digital de própria
autoria 25
4. Imagem captura por mim do bloco de notas do tablet que uso para anotações 74
5. Imagem capturada por mim do Cronograma de janeiro e fevereiro do Colegiado
de Professores disponibilizado pela Coordenação de Curso 75
6. Imagem capturada do registro feito por mim de um encontro de CP Coletivo 77
7. Imagem composta pela imagem publicada na página Eu me chamo Antonio, no
dia 07 de setembro de 2014 com a imagem produzida pela aluna Giovanna a partir
da leitura da mesma. Produção digital de própria autoria 83
8. Imagem composta pelas duas últimas imagens para apresentar os dados.
Produção de própria autoria 84
xx
9. Composição de imagens, capturadas por mim e meus alunos, em 2012, que
retratam um pouco do trabalho realizado na minha sala de aula 157
10. Imagem do Diário de Bordo produzido pelos alunos de 2012 158159
11. Composição de Imagens dos registros feitos pelas famílias em 2012 185
xxi
O que vale na vida não é o ponto de partida
e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher.
Cora Coralina1 1 http://www.mensagenscomamor.com/poemas_e_poesias_de_cora_coralina.htm . Acesso em: 08 maio 2014.
Capítulo 1: Orientações para sentir e
percorrer a trilha...
3
Janela do Mosteiro de Santa Maria da Vitória
A imagem que fotografei em janeiro de 2012, em Batalha, Portugal, no
Mosteiro de Santa Maria da Vitória, mais conhecido como Mosteiro da Batalha,
revela como sou. Uma pessoa constituída de tantas outras.
É dessa professora-pesquisadora que está na escola básica que
investiga a própria prática para compreender a formação de professores desde
a época de graduação que falo nesse texto.
Falarei do que anda me inquietando nos últimos tempos: Como se dá o
processo de construção da parceria no cotidiano do trabalho docente? Quais
são os elementos constitutivos e quais as implicações educacionais desse
processo?
4
É importante que você, leitor, saiba que o caminho foi e está sendo longo
no Memorial de formação apresentado no Mestrado fui percebendo que a
parceria já era um tema presente em minhas inquietações desde muito tempo.
Nele, fui vendo as marcas impressas em mim e por mim nos lugares e
nas pessoas com as quais convivi/convivo.
E o que fazer diante de tudo isso?
Em um processo de compreensão e reflexão do meu próprio percurso
profissional e pessoal, resolvi reimprimir novas marcas ao lado do que já tinha
produzido já que, desde 1988, quando iniciei minha docência em um Centro de
Convivência Infantil em Piracicaba, como auxiliar de classe, o registro e o
trabalho coletivo foram se tornando elementos constituintes do meu jeito de
trabalhar.
O registro por uma exigência do local onde o caderno era o começo e o
fim do trabalho. O começo pelo planejamento, o fim... Fim, não: meio... pela
reflexão diária que ali acontecia...desde uma simples descrição, bem como os
encaminhamentos dados de acordo com a situação. Ali também havia a leitura
e bilhetes da coordenadora que semanalmente, lia o caderno e fazia
intervenções e apontamentos no cotidiano ali tratado.
Reuniões de equipe eram constantes e como eu adorava ouvir e ler o
que as pessoas mais experientes do que eu traziam, tinha sede de aprender, de
trocar, de realizar um bom trabalho pedagógico.
O tempo passou e a busca pela graduação em Pedagogia se instaurou.
Saída de emprego, cursinho no período noturno e Magistério pela manhã...
Estudo em grupo para vencer a etapa. Malas prontas, novos ares chegaram...
Cá estava em Campinas, na UNICAMP.
5
Cheguei e encontrei pessoas que me mostraram a importância do Outro2
no trabalho e isso foi sendo vivenciado intensamente por mim. Na sala de aula,
na pesquisa cientifica, nos estágios, no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC),
na Dissertação de Mestrado e no mercado de trabalho.
Trabalhar com/no/junto ao Outro foi o eixo principal da minha vivência
como professora em terras campineiras. Estar em uma escola onde teria que
alfabetizar de maneira diferente da qual fui alfabetizada só poderia dar certo
porque o Outro - da academia, da escola, da vida - foi me ajudando a olhar para
o que ocorria dentro e fora da sala de aula com lentes teóricas que
provocavam uma interlocução constante para entender as minúcias, o que não
estava dito, a busca pelo Outro e pelo trabalho significativo...
Registrar constantemente! Com fotos, com poesias, com trabalhos
coletivos com as crianças, com as professoras da mesma série, com
professoras das outras séries...
Dialogar em intervalo, em e-mails, em projetos escritos para realizar com
as crianças, em encontros com a Coordenação, nas reuniões mensais. Aos
poucos fui estabelecendo parcerias que consolidavam o trabalho realizado na
escola. Na escola, porque não posso dizer que só acontecia na sala de aula, já
que acredito que o trabalho ultrapassa as paredes de onde estamos inseridos.
Tempo passa... Passa tempo e vivencio novos desafios: outra escola,
outras pessoas, outra maneira de organizar o trabalho pedagógico...
Reuniões semanais com a Coordenação, com as outras professoras da
série, com as outras professoras da escola.... De imediato, um susto. Susto
porque o que era dito que era compartilhado não era tão compartilhado assim...
Mas isso é outra parte da historia, não é mesmo?
2A palavra Outro está com letra maiúscula porque assumo que o Outro me constitui e me
transforma uma vez que é improvável dizer algo sem me referir ao Outro. Nessa relação dialógica e valorativa com o Outro construo minha identidade, consciência, opinião e visões de mundo.
6
Desse jeito mesmo, diferente de olhar e de experienciar, fui me
apropriando do que a escola propunha como trabalhar com o meu jeito de
compartilhar com os meus pares – alunos, professores, famílias...
Olhando por esse prisma, fui percebendo as marcas do trabalho
com.par.t(r)ilhado3 que foi se constituindo, consolidando e inquietando maneiras
de ver o que estava posto, o que estava dito e, olhar para o que estava velado
nas entrelinhas e compreender o porquê e, principalmente, olhar para as
possibilidades do que estava/está por vir e com quem realmente se estabelece
a parceria mais profícua. Nessa intensidade vivida dentro da escola e fora
dela, procurei me inspirar e dialogar com o livro Abrindo Caminho, de Ana Maria
Machado, que despertou em mim uma sensação de incompletude, de caminhos
diferentes que bifurcam, mostrando que nem sempre os nossos caminhos são
fáceis de trilhar, mas isso não é motivo para desistir. Afinal, grandes são
aqueles que não desanimaram diante de uma “pedra no meio do caminho” e
abrem um túnel.
Na busca por compreender melhor o que se vive na escola como
professora-pesquisadora, tenho buscado perceber como se dá o processo de
construção da parceria no cotidiano do trabalho docente e quais são os seus
elementos constitutivos e quais as implicações educacionais deste processo.
Caro leitor, para ajudá-lo neste percurso, traçarei algumas orientações
para que você possa escolher qual caminho trilhará.
Em Memórias e caminhos: iniciando o percurso, trago meu memorial de
formação desde o início da minha escolarização na escola pública, nos anos
1980 passando pelas minhas primeiras experiências docentes e os diferentes
3 Brinco com a palavra: com.partilhar ou ainda com.par.t(r)ilhar que pareceu ser um jogo
interessante que talvez consiga deslocar o olhar para as variáveis da formação docente, o que mostra outras possibilidades de interpretação daquilo que parecia ser uma constante, como o trabalho cotidiano. O com.partilhar me remete ao estar junto na partilha e o com.par.t(r)ilhar faz com possa estar com o outro na caminhada que se estabelece ao longo do caminho percorrido ou até mesmo o isolamento que vivemos quando estamos realizando o trabalho docente.
7
lugares pelos quais imprimiram suas marcas em mim e reafirmaram minhas
escolhas profissionais.
Em A constituição da professora-pesquisadora, retomo e esclareço os
caminhos e escolhas teórico-metodológicas que fiz. Rockwell & Ezpeleta,
Cortesão, Stenhouse, Elliott, Carr, Kemmis, Fiorentini, Souza Jr & Melo
contribuíram muito com o jeito de olhar, perceber e sentir a pesquisa e a
maneira como esta foi interferindo e contribuindo na minha formação como
professora-pesquisadora.
Em O caminho trilhado: o cotidiano da escola busco nas palavras de
Esteban, Ferraço, Certeau, compreender e refletir sobre a escolha de falar da
formação do professor que acontece no chão da escola, no cotidiano. É pela
narrativa apresentada que procuro dar sentido à experiência vivida, mostrando
como o professor-pesquisador vai se constituindo nas minúcias do trabalho
desenvolvido na escola.
Em Caminho percorrido...a escola e seu contexto apresento a escola em
que estou inserida como professora-pesquisadora e como os momentos de
encontro dos professores são organizados. Atenta à importância da produção
de dados, os inventario para dar a dimensão do trabalho realizado
Em O encontro do caminho da reflexividade, há o entrelaçamento de
teoria e da prática na experiência singular de cada sujeito. Neste sentido,
nenhuma experiência significativa acontece sem a reflexão. Dialogar com
Alarcão, Aragão e Schön, me ajudou a compreender como se dá a reflexão e a
constituição do professor reflexivo.
Nos caminhos possíveis... em busca do trabalho com.par.t(r)ilhado, faço
uma imersão teórica para compreender as diferentes nomeações para o
trabalho docente coletivo e como o professor se organiza diante de tantas
solicitações. Aponto ideias iniciais de alguns princípios que facilitam a
concretização de uma parceria de trabalho docente na escola
8
Em Por qual caminho vou? indico qual caminho escolho percorrer.
Apresento cinco narrativas produzidas pelas professoras com as quais trabalho
para mostrar como estou compreendendo o que é parceria. Compõe este
momento três paradas com.par.t(r)ilhadas que procuro evidenciar as
implicações da parceria na minha formação como professora ampliando o
diálogo com que está sendo dito e o que reverbera em mim.
Você também verá que, no decorrer do caminho, trago em alguns
momentos, o recurso da caixa de texto para explicitar uma ideia ou esclarecer
um conceito que está sublinhado na página.
Enfim, este foi o meu jeito de delinear o caminho, mas nada impossibilita
que você o percorra de outra forma perante novas orientações que possa dar
ou descobrir.
Com o intuito de provocar as possibilidades de caminhos, convido-o a ler
o poema de Fernando Pessoa.
QUALQUER CAMINHO LEVA A TODA PARTE
Fernando Pessoa
(2007)
Qualquer caminho leva a toda parte.
Qualquer ponto é o centro do infinito.
E por isso, qualquer que seja a arte
De ir ou ficar, do nosso corpo ou ‘spr’rito,
Tudo é ‘stático e morto. Só a ilusão
Tem passado e futuro, e nela erramos.
Não há ‘strada senão na sensação
É só através de nós que caminhamos.
Tenhamos p’ra nós mesmos a verdade
De aceitar a ilusão como real
Sem dar crédito à sua realidade.
9
E, eternos viajantes, sem ideal
Salvo nunca parar, dentro de nós,
Consigamos a viagem sempre nada
Outros eternamente, e sempre sós;
Nossa própria viagem é viajante e ‘strada.
Que importa que a verdade da nossa alma
Seja ainda mentira, e nada seja
A sensação, e essa certeza calma
De nada haver, em nós ou fora, seja
Seja inutilmente a nossa consciência?
Faça-se a absurda viagem sem razão,
Porque a única verdade é a consciência
E a consciência é ainda uma ilusão.
E se há nisto um segredo e uma verdade
Os deuses ou destinos que a demonstrem
Do outro lado da realidade,
Ou nunca a mostrem, se nada há que mostrem
O caminho é de âmbito maior
Que a aparência visível do que está fora,
Excede de todos nós o exterior
Não pára como as cousas, nem tem hora.
Ciência? Consciência? Pó que a ‘strada deixa
E é a própria ‘strada, sem ‘strada ser.
É absurda a oração, é absurda a queixa.
Resignar(- se) é tão falso como ter.
Coexistir? Com quem, se estamos sós?
Quem sabe? Sabe o que é ou quem são?
Quantos cabemos dentro de nós?
Ir é ser. Não parar é ter razão.
11
Capítulo 2: Memórias e caminhos:
iniciando o percurso
13
No meio do caminho de Dante tinha uma selva escura. No meio do caminho de Carlos tinha uma pedra. No meio do caminho de Tom tinha um rio. Era pau. Era pedra. Era o fim do caminho? Cada um no seu canto com o seu canto nos chamou. E nenhum de nós, nunca mais, ficou sozinho. No meio do caminho de Dante teve uma estrada. No meio do caminho de Carlos teve um túnel. No meio do caminho de Tom teve uma ponte. No meio do caminho de Cris tinha um oceano. No meio do caminho de Marco tinha um inimigo e deserto. E tinha muita lonjura pelo caminho de Alberto.
(Trecho do livro Abrindo Caminho – Ana Maria Machado)
15
A maior riqueza do homem é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado. Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito.
Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas,
que puxa válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 horas da tarde,
que vai lá fora, que aponta lápis, que vê a uva etc. etc.
Perdoai
Mas eu preciso ser Outros. Eu penso renovar o homem usando borboletas.
Manoel de Barros
Como falar de mim sem retomar minhas experiências pessoais e
profissionais ao longo do percurso que venho trilhando como mulher e
professora?
Impossível não recuperar em minha memória momentos marcantes que
foram compondo a pessoa que sou/estou: professora-pesquisadora. Para mim,
há um enfoque emotivo-volitivo, como nos coloca Bakthin (2000), cheio de
emoções e identificações quer permitem uma volta a mim mesma, recuperando
o lugar de onde narrei para iniciar um acabamento do meu próprio eu.
Mas como fazer este percurso sem esquecer-se do que já foi escrito no
Mestrado? Reescrevo, retomo, anuncio momentos.... dúvidas que sempre
estiveram presentes até que lembrei-me das palavras de João Wanderlei
Geraldi no Exame de Qualificação do Doutorado de Claudia Roberta Ferreira,
na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP), quando a questionou: “Cadê a Claudia do Mestrado? Ela tem que
estar aqui presente no texto do Doutorado!”4.
4 FERREIRA, Cláudia Roberta. "Labirinto de perguntas: reflexões sobre a formação de
professores na e a partir da escola". 2013. 274f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação da UNICAMP. Universidade Estadual de Campinas, São Paulo.
16
Tomada pelas palavras de Geraldi, resgatei o memorial de formação
apresentado na minha Dissertação de Mestrado5, mas, que neste momento,
houve a necessidade de pequenas adaptações ao final do texto. É importante
dizer que ao reler, percebi marcas de parcerias estabelecidas por mim e, senti a
necessidade de inserir algumas imagens e complementar com algumas
informações ou aspectos com a caixa de texto ao lado para que, assim,
evidenciasse as reflexões suscitadas no instante da leitura que possibilitou uma
ampliação dos meus horizontes de referência brindando com outras formas de
afabilidade nem sempre percebidas ou sentidas nopelo percurso que fui
trilhando ao longo da minha vida pessoal e profissional.
Então, vamos lá!
2.1. Origens...Trajetos...Caminhos percorridos
A experiência é uma lanterna dependurada nas costas que apenas ilumina o caminho já percorrido.
Confúcio6
Iniciei minha escolarização na escola pública quando o Brasil estava
vivenciando o fim da ditadura militar, no início dos anos 1980. A escola pública
foi minha única opção – desde a 1a série, em 1980, até o ensino superior, no
fim da década de 1990.
Recordo-me da dificuldade de minha família em obter uma vaga em uma
escola perto de minha casa e também da própria estrutura da escola, que
5 PREZOTTO, Marissol. A professora e os usos de si: entre o trabalho prescrito e o trabalho real na sala de aula. 2003. 121f. Dissertação (Mestrado em Formação de Professores) – Faculdade de Educação, UNICAMP, Campinas.
66 Disponível em: http://pensador.uol.com.br/frases_de_confucio/ . Acesso em: 16 mar. 2014.
17
funcionava em uma sala improvisada no Centro
Comunitário do bairro, em um contêiner anexo.
Junto com a alfabetização que estava se
consolidando através das diferentes experiências vividas
por mim - escola, catecismo, clubinho (espaço de leitura e
recreação), brincadeiras com meus amigos e primos, os
programas de televisão que despertavam a imaginação
(como o “Sítio do Pica-Pau Amarelo”) - tive meus
primeiros ensaios como professora. Brincar de ensinar e
de ser professora era uma rotina no meu cotidiano. O
quadro negro e o giz já eram recursos utilizados por mim,
quando dava aulas para outras crianças e para minhas
bonecas.
Como todas as pessoas que passam pela escola,
seja ela pública ou privada, tive professores mais
compromissados que outros com a educação. Lembro-me
de que alguns simplesmente transmitiam conteúdos
(Dona Sônia e Dona Lina) – estavam ali para repassar
informações - e outros (Leonete, Lúcia, Dona Nair) que,
de uma maneira ou de outra, construíam coletivamente
conhecimento em suas aulas, junto aos alunos.
Nesse período, a literatura já fazia parte da minha
vida através dos livros. As leituras aconteciam muito
ligadas ao contexto escolar. Relacionavam-se às
atividades desenvolvidas em sala de aula, orientadas
pelas professoras.
Literatura vista como
gênero literário
conforme BAKHTIN
(2000, p. 279) define:
“Qualquer enunciado
considerado
isoladamente é, claro,
individual, mas cada
esfera de utilização da
língua elabora seus
tipos relativamente
estáveis de enunciados,
sendo isso que
denominamos gêneros
de discurso”. Este
estudo vai referir-se
diversas vezes à
literatura infantil, mas
não tem como objetivo
entrar no campo da
teoria literária. Apenas
tomo a literatura para
destacar a prática
pedagógica.
18
Ao terminar o Ensino Fundamental I7 e ao me
mudar de escola, iniciei outro percurso como leitora, que
até hoje marca minha atuação em sala de aula.
Durante o Ensino Fundamental II8 tive uma
professora de Português (a mais temida do colégio – D.
Conceição) que exigia seminários de livros de literatura.
Nesses seminários, trabalhava a língua portuguesa, a
literatura e explorava os gêneros discursivos. A leitura
obrigatória dos livros exigidos por D. Conceição fez com
que eu descobrisse a biblioteca da escola, que passou a
ganhar um papel importante em minha vida. As obras
consideradas clássicas para a escola e os livros
“contemporâneos” (Coleção Vaga-Lume, Para Gostar de
Ler e outras), lidos por prazer, foram se fundindo e, com o
passar do tempo, a leitura era pura fruição.
No curso de Magistério, deparei-me com uma
diversidade de práticas pedagógicas entre os professores.
Havia aqueles que não se desgrudavam de seus
cadernos amarelados pelo tempo, provavelmente velhos
de tanto manuseio para olhar os “pontos” para as aulas, e
outros que mostravam que a leitura era instrumento de
formação (dos professores e dos alunos). Através da
professora de Literatura Infantil, que fazia um curso de
especialização em uma universidade, fui tomando
conhecimento das produções teóricas sobre Educação
que se destacavam naquela época.
7 Refiro-me as séries iniciais do Ensino Fundamental.
8 Refiro-me as séries finais do Ensino Fundamental II.
A leitura fruição está
relacionada ao deleite e
à experiência estética
da palavra
proporcionando ao
leitor um aspecto
formativo evidenciando
a emoção, o
sentimento, o
desenvolvimento
pessoal e profissional, o
autoconhecimento e,
assim, ter o
desvelamento do
mundo com novas
possibilidades de
caminhos a serem
percorridos.
19
Por meio das falas dos professores em sala de aula
ou das conversas nos corredores da escola, das reflexões
que faziam e compartilhavam conosco, das leituras e
cursos que realizavam fora do ambiente escolar, fui
percebendo que o comprometimento político-pedagógico
com a Educação ultrapassava o ambiente escolar.
Mostravam-se inquietos com a profissão, com as políticas
educacionais, com as novas diretrizes vindas de cada
governo, com a política salarial.
Buscar auxílio no sindicato, reivindicar melhores
condições de trabalho, ter acesso à formação continuada,
utilizar os recursos disponíveis da melhor forma possível
eram (e ainda são) alguns dos aspectos impressos por
eles em mim.
Durante o curso de Magistério (1988 – 1991),
trabalhei em um Centro de Convivência em Piracicaba.
Iniciei como auxiliar de professora (sem sala específica),
depois tornei-me auxiliar de professora de maternal em
1989 e, finalmente, professora titular de uma classe de
maternal (1989 a 1991).
Nesse novo percurso, enveredei entre um coro de
vozes – a professora de Português do ginásio, a
professora de Literatura Infantil, as companheiras de
curso de Magistério e de trabalho, as professoras com as
quais realizava estágio, os teóricos da Educação que lia
na época – que foram compondo a professora que se
iniciava na carreira docente.
Aprendizados do início
da docência:
- planejamento como
norteador das ações
cotidianas na escola;
- registro como relato
das experiências vividas
e como uma das
possibilidades de
organização do
trabalho;
- revisitar o registro
para reorganizar as
ações (reflexão);
- literatura como eixo
norteador do trabalho;
- compromisso político-
pedagógico.
20
A literatura infantil marcou presença, novamente,
quando trabalhei como professora de crianças do
curso maternal em Piracicaba. Os livros faziam parte
do material fixo de cada sala de aula e assim me
utilizava deles sem pretensões, fazia a leitura pela
leitura. Na época, lia muita coisa da Editora Ática,
principalmente os livros de autores como Eliardo
França e Fernanda Lopes de Almeida. Diariamente
fazia leitura em voz alta dos livros das histórias e
releituras das imagens, contando as histórias para os
pequenos alunos.
Nesses anos iniciais de docência, mesmo sem possuir experiência
docente, tive que aprender a fazer planejamento das tarefas e relatórios diários
dos alunos que passavam por mim. O registro das atividades e dos
acontecimentos servia de instrumento de reflexão e de auxílio na elaboração de
um relato mais complexo do aproveitamento escolar dos filhos, para os pais.
Escrever para registrar para mim mesma e para a responsável pelo Centro de
Convivência foi um exercício que constituiu a minha prática inicial de trabalho.
E, a partir dessa experiência, fui, aos poucos, apropriando-me desse modo de
ser professora.
Hoje, posso identificar alguns fatores ainda presentes no meu cotidiano
escolar. Planejar as atividades a serem feitas rotineiramente, compartilhando
esse planejamento com os alunos, possibilita a construção de um tempo próprio
na relação pedagógica. O que me intriga, ao olhar para essa ‘rotina escolar’, é
perceber que isso era feito por uma exigência da escola em que trabalhava e
hoje não é mais uma obrigação, mas um pressuposto do meu trabalho como
professora. Apropriei-me dessa prática. Hoje ela constitui parte do meu ser
professora.
Imagem composta por capas de livros de literários
21
Interromper a experiência de trabalho para voltar
aos estudos foi uma das escolhas que fiz, ao optar por
cursar Pedagogia na UNESP, em Araraquara. Porém,
devido a questões pessoais, resolvi desistir da Faculdade
e voltei para Piracicaba, onde comecei a dar aulas no
Estado como professora substituta. Voltar à escola em
que tinha estudado quando pequena, agora no papel de
professora e poder reencontrar pessoas importantes na
minha vida - que me marcaram, como
professores/profissionais da Educação - foi essencial para
que outras escolhas sobre as quais, naquele momento, eu
refletia, se consolidassem.
Nessa época, dava aulas todos os dias e nos dois
períodos, nas mais variadas escolas da cidade. Convivi
com o melhor e o pior ensino, com a riqueza e a pobreza
das crianças. Exercitar o magistério nas escolas do
Estado, como professora substituta, implicava (e ainda
implica) ir para qualquer unidade de ensino que me
convocasse e a qualquer hora do dia evidenciando assim
a precarização do trabalho docente. Dei aulas em escolas
consideradas boas na cidade, ou seja, escolas bem
localizadas, com prédios bem conservados, materiais
(desde os textos fotocopiados até recursos como vídeo e
televisão) à disposição do professor, bibliotecas com
excelentes acervos e um corpo docente permanente. Já,
em outros momentos, fui para escolas na periferia da
cidade, onde o prédio escolar mais se parecia com uma
prisão: grades nas portas e janelas, móveis acorrentados
Quando Bezerra & Silva,
(2006) e Abonizio
(2012) falam de
precarização do
trabalho docente, o
professor é visto como
executor de atividades
que qualquer indivíduo
pode realizar desde que
seja treinado para tal.
Aqui a prática
pedagógica que
compreende o observar
o fazer, aprender como
fazer e fazer com
reflexividade é
desconsiderada uma
vez que que o trabalho
pedagógico é visto a
partir de uma lógica
sequencial e em uma
temporalidade a que
todas as profissões
foram sujeitadas na
história das sociedades
modernas.
22
ou chumbados; corpo docente flutuante, giz como único instrumento de
trabalho, crianças sem materiais básicos e, para mim, o pior: grande parte dos
profissionais que trabalhava com essa realidade encarava a Educação como
assistencialismo. Para a grande maioria deles parecia ser suficiente deixar as
crianças na escola e dar a merenda.
Essas realidades distintas faziam com que vários questionamentos
florescessem.
Que metodologia adotar? Como trabalhar com as crianças, sem um
vínculo mais constante? Como trabalhar com salas lotadas, sem materiais e
sem estrutura de trabalho deixada pela professora titular da sala? Como atrair a
atenção das crianças?
Os incômodos se tornaram desafios que me foram indicando outros
caminhos de trabalho junto à literatura. Muitas vezes, os livros eram minha
“tábua de salvação”, quando me via diante de uma classe de alunos que mal
conhecia e precisava desempenhar o papel de professora. A literatura, então,
me servia de “fiel escudeira”, fornecendo-me o caminho, ainda meio nebuloso,
de como agir em sala de aula. Aqui, a literatura começou a ganhar espaço
como eixo de trabalho.
Novamente, as vozes dos sujeitos que me constituíram no passado
voltam a ecoar, o que me fez olhar para as aprendizagens anteriores e retirar,
delas, encaminhamentos que me auxiliassem naquele novo caminho que
iniciava a percorrer - o de professora das séries iniciais do ensino fundamental.
A prática de ler literatura, vivenciada por mim no início da escolarização, no
Ginásio, no Magistério e na prática pedagógica exercida no Centro de
Convivência, foi aos poucos aflorando quando me envolvia nas salas como
professora substituta. Esse foi um processo lento e gradativo: com o passar do
tempo, experimentando-me como professora, e através da observação do
cotidiano do ensino escolar, fui me identificando com uma prática pedagógica
específica.
23
Assim, fui à busca de livros didáticos e de literatura em editoras, sebos,
bibliotecas e no meu pequeno acervo: essas eram as fontes para “fazerem
brotar” as atividades que realizaria com as crianças.
Debruçar-me sobre o material que tinha em mãos e mergulhar na
realidade das crianças com as quais estava trabalhando foi um dos maiores
aprendizados por que passei. Pensar em atividades que trouxessem a atenção
delas para uma pessoa ‘estranha’, diferente da professora efetiva de sala, e que
não destoasse do conteúdo trabalhado no cotidiano escolar era o meu desafio.
Assim, fiz algumas escolhas para sobreviver como professora substituta e
‘ganhar’ a confiança das pessoas responsáveis pela atribuição de aulas. Optei
por trabalhar com a leitura, interpretação e elaboração de textos e erros de
grafia através de jogos, fichas e imagens encontradas em jornais e revistas.
Com base nessas opções, passei um ano inteiro (1992) trabalhando com
classes do denominado Ciclo Básico, 3a e 4a séries. O Ciclo Básico foi uma
iniciativa formal de organização em ciclos no estado de São Paulo que se deu
por meio de um decreto que atingiu todas as escolas da rede. O Ciclo Básico
integrava as duas séries iniciais em um único bloco, sem reprovação na
passagem do 1º ano para o 2º ano. Assim, o ensino estava dividido em dois
grandes ciclos: 1º ao 4º ano e 5º ao 8º ano.9
Essa experiência trouxe de volta a ideia de retornar à faculdade10, pois
muitas questões me incomodavam e intrigavam desde a época do Magistério,
no tempo em que atuava como auxiliar de sala...
9 Para outras informações consulte DURAN, Marília Claret Geraes & ALVES, Maria Leila. Ciclos
e progressão continuada na rede pública do estado de São Paulo: avanços ou retrocessos? In Revista Múltiplas Leituras, v. 4, 1, 2010, pp 23-35. 10
Leia o box na próxima página.
24
Novamente, precisei encarar a realidade do
vestibular e, dessa vez, eu tinha um objetivo específico: ir
para Campinas, fazer Pedagogia na UNICAMP, pois
percebia, em algumas professoras do curso de Magistério
que participavam de cursos nessa Universidade, uma
visão mais flexível e inovadora com relação à Educação.
Durante os anos do curso de Pedagogia, tive aulas
com professoras/professores que utilizavam a literatura
para despertar o interesse das alunas adultas que ali
estavam e, com esse procedimento de trabalho, nos
mostravam que isso era possível com as crianças. A
busca por aliar o prazer da leitura ao conteúdo necessário
a ser trabalhado tornou visível uma prática e uma
necessidade: a importância da leitura e do registro no
processo de formação no qual eu estava inserida e a qual
já tinha sido experienciada nos anos iniciais da docência
em terras piracicabanas.
Esse momento de “reencontro” com o uso da
literatura na escola foi significativo em minha formação, já
que até hoje me recordo do livro lido por uma professora
no primeiro semestre do curso: Uxa, Ora fada, ora bruxa,
de Sylvia Orthof, Ed. Nova Fronteira, foi muito marcante,
pois, até hoje, ao lê-lo sozinha ou com meus alunos, vejo
a imagem da professora entusiasmada com o texto que
lia, mostrando as possibilidades de leitura junto ao
referencial teórico que assumia – histórico-cultural. Cada
início de aula daquela disciplina era marcado por uma
nova leitura feita pela docente, que suscitava reflexão
Ao dialogar com Schön,
Alarcão (1996) nos
coloca que pode-se
iniciar a profissão de
forma diferenciada, seja
por si só ou junto de
outro profissional,
como ao artesão que
aprende fazendo,
sentindo o que está
diante dele. Ou ainda,
imitando-o, que
também é um espaço
de verificação de
possíveis alternativas
para agir em
determinadas situações
que também serão
refletidas.
25
sobre o ser professora e a prática pedagógica vivenciada por cada uma das
alunas, futuras pedagogas.
Nos semestres seguintes, outras professoras apresentaram outros textos
do gênero literário e nos fizeram vivenciar a literatura como uma possibilidade
de dialogar com as questões educacionais. Nas pesquisas e práticas
pedagógicas, nas aulas sobre alfabetização, nas didáticas de História e de
Língua Portuguesa, em todos os momentos estava presente a literatura... ‘Era
urso?’11, ‘O frio pode ser quente?’12, ‘O menino marrom’13, ‘A bruxinha
Atrapalhada’14, ‘O jogo do contrário’15, ‘Manual de
tapeçaria’,16 ‘Vidas Secas’17, ‘Contos de Grimm’18,
‘Contos de Perrault’19... As narrativas entrelaçavam-se
umas às outras e, principalmente, formavam novas
leituras e registros de práticas, que ali se iniciavam, sob
a forma de pequenas participações nas salas de aula
onde estagiávamos, permitindo, com isso, futuros
encaminhamentos pedagógicos.
11
NASCIMENTO, Esdras do & TASHLIN, Frank. Era Urso?. SP, Ediouro – Sinergia. 12
MASUR, Jandira, O frio pode ser quente?. SP, Ed. Ática. 13
PINTO, Ziraldo Alves. O menino marrom. SP, Ed. Melhoramentos. 14FURNARI, Eva. A bruxinha atrapalhada. SP, Global Editora. 15
MASUR, Jandira. O jogo do contrário. SP, Ed. Ática.
16 LACERDA, Nilma. Manual de tapeçaria. Rio de Janeiro: Philobiblion, 1986.
17 RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. José Olympio Editora.
18 GRIMM, Jacob e GRIMM, Wilhelm. Contos de Grimm. SP, Ed. Cia das Letrinhas.
19 Coletânea de textos com os contos Chapeuzinho Vermelho, O Barba azul, O pequeno
polegar...
Imagem composta por capas de livros de literários.
26
Da vivência de aluna em sala de aula para a prática
em sala de aula, na disciplina de estágio supervisionado,
passei por um momento de desafio. Novamente, as
indagações surgiam e as possibilidades de trabalho com a
literatura, de novo, me salvavam. Mais uma vez, “fiel
escudeira”. Acredito que, naquele momento, uma parceria
tornava-se mais sólida. Devido aos desencontros vividos
com a professora da sala de aula onde realizava o estágio
obrigatório, encontrava-me desacreditada com o mesmo.
O livro “O frio pode ser quente”, de Jandira Masur,
permitiu-me que a porta para o trabalho com as crianças
fosse aberta e, principalmente, possibilitou o
entendimento de toda a diversidade e contradição
presentes na escola na qual estava inserida naquele
momento.
Junto a essas práticas vivenciadas durante a
graduação, aprendi que o compromisso político-
pedagógico precisa estar presente em qualquer área de
atuação do professor. Tive também a oportunidade de
vivenciar o papel da pesquisadora em formação, ao atuar
em projetos na área de História da Educação e na área de
meu interesse particular, Formação de Professores. Aliar
essas diferentes áreas de conhecimento e as vivências
que tinha como docente / professora-estagiária / aluna fez
com que reencontrasse a importância do registro das
experiências vividas na escola. O uso do diário de campo
era fundamental no desenvolvimento desse tipo de
trabalho, pois, através das anotações detalhadas dos
Momento em que a
palavra parceria
aparece pela primeira
vez em meus registros
com o sentido de
companhia. No
dicionário encontramos
o significado: reunião
de indivíduos para
alcançar um objetivo
comum; companhia,
sociedade.
Fonte: HOUAISS, Antonio e
VILLAR, Mauro de Salles.
Dicionário Houaiss da Língua
Portuguesa. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2001.
27
acontecimentos e das relações que se teciam na escola,
tinha condições de retomar o vivido e enfrentar os
desafios e as tensões característicos do processo de
formação da professora.
Assim, ao me formar, no ano de 1997, comecei a
trabalhar em uma escola particular de Campinas, como
professora de Educação Infantil. Tinha, como parceira de
trabalho, uma professora “da casa” que já havia lecionado
anteriormente nas séries iniciais do Ensino Fundamental,
mas que, naquela época, estava de volta à Educação
Infantil. Ou seja, para aquela professora, retornar a
lecionar naquele segmento de ensino representava, além
de um rebaixamento salarial significativo20, não ter mais o
horário de lanche junto ao grupo de professores todos os
dias, não ter “janela” para preparar as aulas, não ter
horário com a coordenadora e até mesmo não ter tempo
para atender os pais.
Naquele momento específico, minha condição de
trabalho igualava-se à de minha parceira de série; no
entanto, o meu era um "olhar não-viciado" para o
cotidiano que a escola nos apresentava. Sendo nova no
colégio e na profissão em Campinas21, tinha o desejo de
colocar em prática aquilo que ouvira durante a faculdade,
20
As professoras de 1a a 4
a série daquela escola eram mensalistas,
como as professoras do Infantil, mas o valor da hora/aula era maior. Além disso, possuíam aulas vagas, as janelas para atenderem os pais, organizarem o trabalho. As professoras do Infantil recebiam um valor menor e não possuíam momentos vagos para se dedicarem a outros aspectos do trabalho pedagógico. 21
Como disse anteriormente, já havia lecionado em Piracicaba no período de 1988-1992.
Desde aquele
momento, já buscava
uma parceria na escola
enquanto possibilidade
de interlocução e de
troca de práticas.
Mesmo seguindo meus
princípios e as
possibilidades que tinha
no momento, tinha
muito a aprender e a
ensinar quando
partilhava meu ponto
de vista com meus
pares. Assim, era nas
brechas do cotidiano
que procurava e
instaurava a parceria
possível para poder
refletir sobre minhas
escolhas e ações.
28
lera nos livros, recolhera do contato com as crianças, dos
acontecimentos que vivenciara em sala de aula, na
escola, nos encontros com colegas e professores da
faculdade... Mas, acima de tudo, ter uma parceira de
trabalho, alguém com quem compartilhar as minhas
dúvidas, os meus fracassos e acertos, significava uma
possibilidade de construir um trabalho conjunto.
No início das minhas atividades naquela escola,
mesmo sem horário para compartilhar o trabalho com
minha parceira de série, com a coordenadora e com o
grupo, procurava momentos para estabelecer a troca (os
minutos antes da entrada, o intervalo, bilhetes, em que se
comentava o trabalho realizado em sala de aula...).
Vivenciei muitos encontros e confrontos com a estrutura e
organização da escola e os professores que ali estavam.
Não era fácil construir uma relação de trabalho com uma
estrutura que inviabilizava os encontros entre os
professores - desde a Educação Infantil ao Ensino
Fundamental I.
Nessa realidade, novamente a literatura voltou a
ocupar espaço e importância na minha prática
pedagógica. Por meio dos livros de literatura infantil, pude
ir constatando o que já havia aprendido na Faculdade de
Educação a importância de tê-los em mãos. Primeiro,
porque serviam, em diversas ocasiões, de vínculo com as
crianças, pois estas se aproximavam de mim, sentadas
em círculo, para a leitura feita por mim e, provocadas
pelas histórias e pelo próprio contexto particular da leitura,
Como diz Marisa Lajolo
(1997, p.7), “ninguém
nasce sabendo ler:
aprende-se a ler à
medida que se vive.” As
palavras presentes em
um texto vão
compondo o seu jeito
de olhar e sentir o
mundo. A leitura
acontece na escola, mas
não se pode encerrar
nela, pois quanto mais
se lê, mais se abre os
horizontes diante do
mundo em que se vive.
29
confidenciavam suas emoções, suas experiências familiares. Em outras
situações, a literatura disparava outras leituras e discussões que faziam com
que a sistematização dos conteúdos se tornasse mais prazerosa e significativa
para todos nós.
Durante os anos de 1998 e 1999, trabalhei com a 3a série nas áreas de
Português, História e Geografia, com parceiras que possuíam não apenas
referenciais teóricos diferentes dos meus, como também sistema de trabalho
distinto.
Tornar-me professora da 3a série do Ensino Fundamental, em 1998,
gerou um desconforto em algumas pessoas do grupo ao qual pertencia, pois a
outra professora da Educação Infantil, aquela mais velha “de casa”, de
experiência profissional mais antiga, permaneceu no mesmo posto de trabalho
(professora de Educação Infantil). Ou seja, eu, professora iniciante "estava
‘ocupando’ o lugar que era dela por direito" (palavras ouvidas nos burburinhos
da sala de professores). Os olhares atravessados e a pouca confiança no
trabalho que desenvolvia eram constantes.
Em 1999, a escola passou a adotar o material apostilado do sistema de
ensino do qual fazia parte. Utilizar o material apostilado implicava que o
professor tivesse domínio sobre todo o conteúdo a ser desenvolvido no ano,
uma vez que este já viria planejado aula a aula, com objetivos a serem
trabalhados. Além do mais, a escola adotaria um calendário e um cronograma
sem flexibilidade. O calendário compartilhado com o usuário do sistema - os
alunos e suas famílias - já trazia agendadas as datas das entregas dos
cadernos/apostilas, as provas bimestrais, as reuniões de pais, as festas
comemorativas, as recuperações e as entregas de boletins. Isso quer dizer que
o professor, nesta forma de gestão e organização do trabalho, necessita
cumprir o que foi estabelecido no cronograma definido no início de cada ano
letivo.
30
Com essas mudanças vindas “de fora”, aplicadas à
minha prática pedagógica, sentia necessidade de
compartilhar minhas angústias e, nesse momento, tentei
buscar interlocutores por meio da participação em cursos
de formação continuada, em outro espaço que não a
escola; não encontrei, porém, respostas às minhas
indagações e angústias.
Em 1998, trabalhei na 1a série em outra escola da
rede particular de Campinas. Ali vivenciei reuniões
coletivas (com o grupo de 1a a 4a séries) e de duplas (a
coordenadora do curso e eu) que me possibilitaram
perceber que a “minha” sala de aula estava inserida num
projeto político-pedagógico maior, ou seja, havia
conteúdos, posturas assumidas em grupo, leituras a
serem trabalhadas que desencadeariam o trabalho da
série seguinte. Assim, os trabalhos que desenvolvia
precisavam ser pensados a partir dessa premissa.
Com a experiência de alfabetizar na Educação
Infantil e os estágios realizados em várias outras séries,
inclusive naquela em que estava como professora, pude
iniciar o planejamento do trabalho que desenvolveria no
decorrer do ano.
Outro aspecto em que me empenhei durante o ano
de 1998, em ambas as escolas em que trabalhava, foi a
organização da sala e a disponibilidade dos materiais para
os alunos, como os livros de literatura infantil e
informativa, jogos, sucatas e muitos outros. Não foi fácil
aprender e apreender a importância de organizar os
A parceria efetiva foi se
instaurando e o registro
partilhado ora
individual, ora coletivo
foi se se tornando
essencial no processo
de investigação e
reflexão sobre nossas
práticas e as condições
de trabalho vividas.
Posso dizer que um
ambiente formativo foi
sendo construindo já
que era permeado de
uma aprendizagem
individual, coletiva e
colaborativa. (ARAGÃO,
2010, p.61 e 62)
31
materiais dos e para os alunos e, assim, deixar a sala de aula mais
“arrumadinha”, como diria R., Coordenadora de uma das escolas.
Com o passar do tempo, dar aula em duas escolas veio a prejudicar meu
trabalho, pois priorizava uma em detrimento da outra. Mas, me dei conta disso
quando a Coordenadora de uma dessas escolas me chamou a atenção, em
uma das reuniões individuais para falar da 1a série.
Segundo ela, o trabalho com a linguagem na 1a série desenvolvia-se com
tranquilidade, porém as atividades com matemática revelavam-se deficitárias.
Propus-me a rever meu trabalho e tentei reverter a situação. No final de ano,
junto à Coordenadora, pudemos analisar e concluir que as crianças estavam
alfabetizadas e dominando as operações básicas de matemática, mas que eu
poderia ter caminhado mais com os alunos no raciocínio matemático. Saí de lá
com uma lição de casa para as férias: estudar e preparar um projeto de
matemática. Infelizmente, no ano seguinte, ao voltar com todo o planejamento,
fui informada de que estava sendo desligada da escola, por questões
administrativas e financeiras, a escola sofreu uma diminuição no número de
matrículas e minha dispensa, por ser eu a mais nova no grupo, seria menos
onerosa para escola.
Em 2000, trabalhei na escola que utilizava o material apostilado, em uma
1a série, em parceria com uma professora que compartilhava comigo os
mesmos referenciais teóricos. Mediada, é claro, por seu olhar, por sua história
de vida, por seus próprios limites, fui percebendo a importância de os
momentos compartilhados serem sistematizados pelo registro, pela análise
conjunta entre nós e com nossa coordenadora. Essa experiência me levou a
buscar indicadores e olhares de como se estabeleciam as relações de parcerias
efetivas, pois estas surgiam e tornavam-se importantes, já que até o que era
incômodo, era ”ressignificado” e retomado como novas possibilidades de
trabalho.
32
Em 2001 e 2002, estive novamente com a 1a série. No entanto, sem
parceira de série. Trabalhar sozinha e em outro momento da minha vida
profissional foi um desafio que exigiu muita reflexão teórica e prática.
Desenvolver projetos de trabalho com os alunos, além do uso do material
apostilado adotado pelo colégio, tornou-se, aos poucos, um encontro de
desejos e provocações.
Essas “ausências de sintonia”, se assim posso nomear, ficaram mais
claras e presentes em algumas atitudes que passei a observar nas famílias e na
própria linha de atuação da direção da escola.
Mas para quê você precisa de álbum de fotos da família? (fala de uma
mãe – 2001 –, referindo-se ao álbum de fotos da família para que a criança
compreenda e conheça melhor as suas origens).
Eu fiz todo o livro da vida porque você sabe, professora, a minha filhinha,
ainda não escreve bem, bonito e bastante (fala de uma mãe – 2001 –, quando
questionada sobre o por quê de a própria filha não fazer o registro como havia
sido solicitado em bilhete de orientação).
Mas essa escola cansa, hein!? O que essa professora quer? Um poema!
Eu não tenho tempo! (fala de uma mãe – 2002 –, resposta dada à orientadora
da escola quando solicitei que a mesma ligasse para a casa de alguns alunos
que não haviam trazido a poesia pedida).
Nossa! Trabalhar na 1ª série dá um trabalhão! Como vocês inventam
coisas.. .Faz aqui, manda pra casa e depois trabalha em cima... (fala do Diretor
escolar – 2001)
33
Vivenciar o ambiente escolar com um leque variado
de interferências – posicionamentos dos pais, dos
diretores, das crianças, de outros professores, decisões
administrativas e pedagógicas –, somado aos próprios
conflitos e desejos de constituir um trabalho articulado, fez
com que eu registrasse minhas indagações durante esse
processo, para que pudesse aprofundá-las e refletir sobre
elas, tendo em vista o processo de constituição da
professora, em mim...
Olhando o ano de 2003, para esse caminho
percorrido, percebo que a prática do uso sistemático da
literatura em minhas aulas e a prática do registro do que
desenvolvo sempre têm se constituído como recursos do
meu fazer de professora. Tendo o material apostilado
como prescrição, tenho-me utilizado das brechas, tenho
buscado, junto a outras pessoas, alternativas para realizar
o trabalho paralelamente à prescrição. E, aí, encontro-me
novamente diante da literatura – é ela que me tem
apontado possibilidades de saídas. Presente diariamente
na prática pedagógica, tornou-se eixo de trabalho, a fim
de encontrar um caminho. Seja na leitura em roda, nos
textos para trabalhar linguagem, nas informações lidas em
diferentes fontes, ela tem-se feito presente no meu
cotidiano escolar como professora.
Nesse movimento, o registro do cotidiano passou a
constituir-se o interlocutor da minha prática, com algumas
reflexões feitas por mim - seja o sucesso ou o fracasso,
seja o prescrito ou não prescrito. Acredito que esse
A literatura, na sua mais
variada forma que se
apresenta - poesia,
contos, romances,
peças de teatro, jornais,
quadrinhos, ensaios
longos - provoca no
sujeito um movimento
de pensamentos que
podem ser relançados a
atividade de
simbolização, de
construção de sentido,
permitindo assim, que
cada um se torne
narrador da própria
história. (PETIT, 2003)
34
registro tem historiado o processo do meu fazer pedagógico e certamente indica
como tenho me constituído, ao longo do tempo, como professora das séries
iniciais do Ensino Fundamental.
Nos registros que faço, uma das marcas constantes tem sido o uso
frequente da literatura como eixo de trabalho, o que, muitas vezes, em uma
escola cuja linha já estava prescrita pelo material apostilado, causava muitos
momentos de tensão. Assim, nesse movimento entre a opção por seguir as
possibilidades de trabalho abertas pelo uso da literatura e a necessidade de
seguir um plano de trabalho já definido, percorri certos caminhos que foram
discutidos em minha Dissertação de Mestrado e que aqui também se fará
presente.
2.2. Uma pausa no caminho...reencontrando o percurso
Fazer da interrupção um caminho novo.
Da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sonho uma ponte,
da procura um encontro! Fernando Sabino
(2005)
Uma pausa no caminho foi necessária. Diante dos trajetos feitos, olhei e
selecionei alguns deles para compreender onde estou/cheguei.
Em 2002, tive minha primeira experiência docente no ensino superior em
uma faculdade de Sumaré, no curso de Pedagogia. Fiquei encantada pela
maneira que fui apresentada ao Ensino Superior e pela possibilidade de
trabalho com futuras professoras. Em um único semestre experimentei
oficialmente o que era ser professora de professoras e me espelhei nas
35
professoras com as quais estabeleci parceria na Faculdade, aquelas que liam
os livros de literatura para provocar discussões e, fui aos poucos percebendo
que o caminho não era somente flores. Havia espinhos que me cortavam
amargamente: a escrita precária dos alunos, o descaso da instituição com o
curso em si, a ausência de diálogo entre as pessoas envolvidas. Experiência
vivida e decisão tomada: estar com as crianças me satisfazia mais do que
nunca.
Em 2003, continuei o percurso de professora titular na escola apostilada
e, paralelamente, comecei a trilhar um novo caminho, o de professora auxiliar22
em uma escola que trabalhava com projetos.
Nesta nova função, comecei a ouvir o termo parceria, como forma de
organização do trabalho. Semanalmente, as professoras do Ensino
Fundamental se reuniam para trabalhar em períodos de duas horas. Ora as
professoras da série, que geralmente era entre seis e oito, para discutirem os
encaminhamentos dados e pensar em possibilidades de trabalho, ora era com a
Coordenação do curso que propunha formação através de textos teóricos
relacionados à prática.
Aos poucos, fui percebendo que os caminhos se cruzavam e que alguns
desvios eram encontrados em ambos, mas que podiam ser contornados para
que a caminhada fosse contínua e com aprendizados.
Novamente vivenciei o novo que era olhado com estranheza ou
curiosidade pelas pessoas. Quem era aquela pessoa que estava chegando?
Devido a minha experiência na escola com o sistema apostilado, a clareza e a
praticidade da organização do trabalho eram fatores que geraramgeram certa
desconfiança e a trilha a ser percorrida era questionada.
22
Nesta escola, a professora auxiliar trabalha junto com a professora titular da classe. É responsável por atuar com as crianças com dificuldades, de assumir a sala quando necessário, de fazer correções e preparar atividades e de acompanhar uma das aulas de Educação Física durante a semana. A professora auxiliar tem um salário menor da titular e tem seu horário de trabalho dividido entre as salas da série.
36
Mas, em ambos os caminhos, o acolhimento foi tão
significativo que as pessoas com as quais trabalhava
enriqueceram meu jeito de ser professora que continuava
pautado no uso da leitura da literatura agregando as
novas mídias como forma de organizar e registrar o
trabalho que foi apresentado em minha dissertação de
mestrado, defendida no final do ano.
Em 2004, logo no início do ano me tornei mãe e,
assim como no livro ‘Se as coisas fossem mães’, de
Sylvia Ortof, fui percebendo e vivenciando um novo jeito
de ser e de ver o mundo. A licença-maternidade me
trouxe uma grande surpresa na escola apostilada: uma
parceria de trabalho que enriqueceu e solidificou o que
estava realizando no 2º ano. Ora a professora que me
substituiria assumia, ora eu, a professora titular. Arte e
literatura se encontraram e novos rumos foram traçados
e, assim, a arte do cotidiano foi sendo instaurada como
mola propulsora do trabalho docente ali desenvolvido. A
razão foi dando mãos para a emoção que foram sendo
articuladas e expostas de uma maneira que começou a
invadir o outro caminho, o da escola com projetos.
A escuta sensível foi instaurada, não que ela não
estivesse em mim, mas acredito que o encontro com a
maternidade e com a nova parceira, fez com ela
ganhasse corpo, imaginação, razão e afetividade em uma
relação de totalidade com o Outro.
A maternidade,
experiência única e
singular, mas que, ao
mesmo tempo, está ligada
a outras mulheres que
constituem uma rede em
permanente movimento,
fez com que a afinidade
essencial potencializasse
uma busca individual e
coletiva pelo qual eu
passava naquele
momento. Algumas
atitudes e sentimentos
foram desvelados e
fazendo com que o olhar e
a escuta sensível para as
situações cotidianas da
escola e da vida fossem
mostrando outras
possibilidades de trabalho
docente. Hoje vejo que a
maternidade me fez ter
uma leitura mais
emocional, captando o
conteúdo sensível em vez
de aprender ou avaliar os
conceitos linearmente.
Tornei-me uma
pessoa/profissional com
um olhar mais amplo e
sutil aos que estavam ao
meu redor e comigo
mesma, permitindo que o
que não me servia,
seguisse seu caminho sem
me distrair do que
realmente me tocava
naquele instante.
37
Nessa existência dinâmica, outras pessoas com as quais trabalhava
foram se tornando essenciais para compreender quem eu era como professora
e como mãe.
Nos anos seguintes, fui entrelaçando e apurando o uso da literatura, a
sensibilidade, a arte do fazer com as mãos, a fotografia e outros recursos
digitais como maneiras de explicitar as parcerias de trabalho. Parcerias de
trabalho com as crianças, com as famílias, com as outras professoras, com as
coordenadoras, com o que lia de teoria e de leitura fruição.
Trabalho fortalecido em ambas as escolas até que de repente um
caminho foi reconfigurado no final de 2006. Saí da escola apostilada e pude
experienciar que as parcerias estabelecidas em qualquer tempo ou espaço
extrapolam os muros, logo, um novo trajeto foi incorporado.
Em 2007, iniciei um percurso que entrelaçava duas experiências de
escolas que trabalhavam com projetos: na antiga, continuava como professora
auxiliar e, na nova, como professora titular.
Desafios novos provocaram em mim a necessidade de me aventurar em
lugares ainda não conhecidos. Novamente, a acolhida e o trabalho em equipe
foram se configurando e mostrando que, para ter parceria, não precisava estar
no mesmo local de trabalho ou série uma vez que o e-mail23 podia ser uma
ligação mais do que virtual no momento de elaboração e organização do
trabalho pedagógico.
Intensidade na vida profissional e pessoal até que optei por ficar na
escola onde era professora auxiliar para ter tempo para a minha família.
Ocupando a função de professora auxiliar, passei por diferentes anos –
3º, 4º e 5º ano, mas não deixei de ser a professora que partilhava o que
23
Aqui me refiro ao e-mail como um dos meios de comunicação, mas se faz importante ressaltar que os encontros presenciais para um café, um recado recebido, um encontro ´por acaso’, uma postagem nas redes sociais também constituem a elaboração e organização do trabalho docente.
38
pensava, o que fazia com as professoras titulares e a Coordenação com as
quais trabalhava.
As inquietações continuavam perambulando em minha mente e
começaram a ganhar força e evidência com a redução de jornada de trabalho
que tinha feito. Novas leituras, escritos anteriores retomados foram delineando
um projeto de pesquisa que foi marcando um novo lugar que ocupava: a de
professora orientadora de TCC e de professora tutora presencial de Educação à
Distância (EAD) no Ensino Superior.
Foi assim que tomei coragem de prestar o processo seletivo para o
Doutorado. Projeto escrito, entrevista feita e a expectativa de novas
possibilidades de trabalho.
Assim foi em 2011. Tornei-me aluna de doutorado do Grupo de Estudos
e Pesquisas em Educação Continuada (GEPEC) e professora titular na escola
em que estava desde 2003.
Novas parcerias foram se formando, outras nem tão novas foram se
reconfigurando e novos desafios estavam postos.
Reencontrar a professora-pesquisadora que sempre fui, mas que ficou
em ritmo lento por determinado momento da vida devido à maternidade e à
jornada dupla de trabalho foi a conexão que faltava para me tornar uma pessoa
mais completa porque estudar, para mim, sempre foi a mola propulsora da vida
e do conhecimento.
Novas possibilidades de trabalhos foram revisitadas por mim e
instauradas junto aos meus alunos diante do que vivíamos em sala de aula.
Registrar o cotidiano da sala de aula em um diário de bordo, ter livre acesso à
máquina fotográfica para registrarmos o que quiséssemos, costurar para
trabalhar outras habilidades como foco, atenção e paciência, escrever para
além da sala de aula...
39
Não posso me esquecer de que, por ter sido professora auxiliar por
muitos anos - atuandodividindo o planejamento das atividades a serem
desenvolvidas em sala de aula e fora dela com as crianças -, fez com que cada
vez mais as minhas aulas fossem partilhadas com a professora auxiliar da sala
em que estava como professora titular. Dialogar, encaminhar e redirecionar o
planejamento e as atividades foram momentos de intensa aprendizagem.
Estar em parceria com as outras professoras da série foi me instigando
cada vez mais a pesquisar o tema já que nem sempre estar junto na mesma
série significa trabalhar junto, em conjunto. Porém, posso afirmar que de cada
parceria vivida nestes anos pude aprender/apreender um jeito novo de
organizar e olhar para o trabalho. Lógico que algumas parcerias são mais
efetivas, pois há uma proximidade e uma disponibilidade em escutar e pensar
junto que favorece a todos, principalmente, aos alunos.
Com a diversidade de lugares que estava e estou ocupando fui
procurando aprender e apreender o que podia dos encontros com Ana Aragão e
das suas orientadas, do GEPEC, das disciplinas cursadas na UNICAMP e na
USP, dos Congressos que participei e ajudei a organizar, das reuniões
pedagógicas vividas na escola com as outras professoras e a Coordenação de
curso, das aulas que dava na Faculdade e das relações de trabalho que tinha
agora como coordenadora de professores a distância no EAD.
Diante da convergência de caminhos, em janeiro de 2012, tive a
oportunidade de realizar um estágio de docência na Universidade do Minho, em
Braga (Portugal), a convite do Professor Doutor Pedro Rosário, do
Departamento de Psicologia Educacional. Neste momento, revisitei o projeto de
Doutorado e fui apurando o olhar e o referencial teórico da presente pesquisa.
Além disso, visitei escolas com práticas pedagógicas que valorizavam/valorizam
a formação do professor e o trabalho coletivo ali desenvolvido.
40
Aproveitando que estava em terras além-mar, participei de um Seminário
de Formação Contínua e tive a oportunidade de dialogar sobre o meu percurso
de professora-pesquisadora e das questões da pesquisa aqui apresentada com
as professoras Idália Sá-Chaves e Luzia Lima-Rodrigues que, em uma escuta
sensível, perceberam o encantamento do desenvolvimento desta pesquisa.
Em 2013, fui convidada pela professora Ana Lúcia Guedes Pinto a
participar do programa Pacto Nacional pela Alfabetização da Idade Certa
(PNAIC)24, na UNICAMP, como supervisora de formadores. Desafio posto,
desafio aceito. Retomar as leituras sobre alfabetização e pensar em formação
continuada tem me proporcionado experiências de intensa aprendizagem e vem
instaurando outras parcerias que tem me enriquecido em meu jeito de ser
pessoal e profissional.
Concomitantemente a todos estes caminhos, tantos outros foram
trilhados e deixando suas marcas em mim, mas acredito que este é o meu jeito
de contar o percurso feito.
Digo que para se chegar até aqui, o caminho foi longo, tortuoso,
desafiador e, algumas vezes, surpreendente. Juntar as trilhas feitas e explicitá-
las também requisitou, em mim, um processo de busca e organização que nem
sempre resultaram em belas imagens, mas sempre estive amparada, se assim,
posso dizer, por pessoas/parceiras que me mostraram a possibilidade do
desenvolvimento da pesquisa aqui apresentada.
24
Mais informações sobre o programa disponíveis em: http://pacto.mec.gov.br/. Acesso em: 13 maio 2015.
41
Capítulo 3:
A constituição da professora-
pesquisadora
43
Preciso ser um outro para ser eu mesmo
Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta
Sou pólen sem insecto
Sou areia sustentando o sexo das árvores
Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado ansiando a esperança do futuro
No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço Mia Couto
(1981)
Além da formação formal que tive - Magistério, Graduação em Pedagogia
e Mestrado em Educação - não posso deixar de citar os espaços de trabalho
que sempre tive (e tenho até então) como formativos: da escola básica ao
ensino superior ou os espaços de formação de professores pelos quais passei
como formadora e aluna.
É neste trilhar de possibilidades que me constituo e me percebo como
professora-pesquisadora que consigo interpretar que nem sempre a escola que
me acolhe(u) está isenta de momentos de perplexidade como aquele em que
há uma adesão pequena da proposta de trabalho do projeto de pesquisa
apresentado por mim no Colegiado de Professores, coletivo de professores do
Ensino Fundamental junto à Coordenação da escola.
Neste emaranhado de sentimentos vividos e experienciados, me
distancio procurando olhar as possibilidades de trabalho e vejo que ao trazer a
escola como ambiente potencializador de formação, carrego também uma
certeza que acredita que é no chão do cotidiano escolar que nos formamos e
que, nele, temos que olhar atentamente para o que está visível ou não e
pensar, repensar as estratégias de formação do corpo docente, dos
44
funcionários, das crianças e das famílias que ali se
encontram. A escola não é a mesma em todo o mundo e
nem nela mesma, pois mesmo que se extraiam leis e
estruturas gerais, a escola se realiza de maneira
diferenciada e diversa. Ao compartilhar a realidade não
desejo, de maneira abstrata, unificar e fragmentar a
experiência, mas não posso deixar de olhar atentamente
para “o movimento social a partir de situações e dos
sujeitos que realizam anonimamente a história.”
(ROCKWELL & EZPELETA, 2007, p. 133)
Dessa forma, é possível olhar para o contexto da
pesquisa de maneira natural, na qual a experiência
humana se delineia trazendo as circunstâncias
particulares que só podem ser compreendidas se
estiverem todos os fenômenos e acontecimentos ali
presentes.
Diante da minha trajetória profissional, optei em
investigar a própria prática uma vez que a professora-
pesquisadora que souestou, sempre inserida na sala de
aula e, consequentemente, na escola, procurando
respostas para minhas inquietações e indagações no
mundo real. Com o olhar atento ao conhecimento que é
construído dentro da escola, através das parcerias de
trabalho, pergunto: como se dá o processo de construção
da parceria no cotidiano do trabalho docente? Quais os
seus elementos que são constitutivos e quais as
implicações educacionais deste processo?
A memória é uma
tessitura feita a partir
do presente, é o
presente que nos
empurra em relação ao
passado, uma “viagem”
imperdível, uma
“viagem” necessária,
uma “viagem”
fundamental, para que
a gente possa trazer à
tona os encadeamentos
da nossa história, da
nossa vida, ou da vida
do Outro. (GALZERANI,
1999, p.8)
45
Durante o desenvolvimento da pesquisa nos anos de 2011 e 2012,
estando imersa neste contexto natural de trabalho, tentei não perder o foco de
que fazia parte de todas as variáveis possíveis e de que minha sensibilidade às
situações ou às experiências teria que ser fortalecida.
Mas como consolidar tudo isso?
Não sei se há primeiro lugar, segundo lugar, mas posso dizer que, ao
tornar consciente o fato de que faço parte da pesquisa, evidencio a
pessoalidade e a singularidade de todos os sujeitos nela envolvidos, inclusive a
importância da minha presença e atuação no grupo de trabalho que
estou/estava inserida. Assim, falo de um lugar que conheço e de que estive
presente em todos os momentos da produção de dados. Caso o registro feito
por palavras ou imagens não seja suficiente, poderei recorrer à memória que
carrega todas as lembranças, sensações e sentimentos que podem dialogar o
constante ir e vir da professora-pesquisadora.
Dessa maneira, a pesquisa foi se constituindo já que olho da/na/para a
prática educacional. Assim, a intenção não é acumular saberes sobre o ensino
ou a compreensão dos fatos, “mas, fundamentalmente, contribuir com
informações que orientem a tomada de decisões e os processos de mudança
para a sua melhoria.” (ESTEBAN, 2010, p. 167)
Quando inserimos a ação no âmbito das competências teóricas para
responder às necessidades dos práticos que se confrontam na urgência de
resolver o problema, estamos transgredindo ao propor que se faça uma parada
para refletir e produzir conhecimento no meio da ação (CORTESÃO, 2004).
Ao deparar-me com tais vivências, não tem como não me lembrar de
Stenhouse (1975a, b, c, 2007) quando diz que os docentes melhoram a sua
prática quando fazem experiências com elas e analisam de maneira critica.
Assim, quando realizo uma estratégia em sala de aula ou experiencio uma
possibilidade de trabalho nos espaços de conversas da escola, procuro
46
vivenciá-la outras vezes para que possa, a cada momento, olhar o que deu
certo e o que não deu, o que poderia ter feito para que o processo e resultado
de ensino e de aprendizagem meu e dos meus alunos e/ou professores fossem
mais ajustados, encontrando assim, a singularidade do trabalho docente
daquele momento ou de determinada estratégia de ensino produzindo novos
saberes
Para que este processo de trabalho se torne efetivo fui a cada dia
percorrendo um caminho que foi compondo o percurso da minha formação
docente no trabalho com.par.t(r)ilhado. O sentido e o significado de cada
experiência se materializavam quando dialogava com outros sujeitos -
professores, alunos, pais, Coordenação, monitoras - e com as leituras que
realizava, buscando estratégias que pudessem ser vivenciadas para mostrar o
valor diante de cada situação prática a qual me deparava.
Novamente, Stenhouse (1975a, b, c, 2007) dialoga comigo quando diz
que se a experiência pedagógica for genuinamente conduzida por valores da
dimensão criativa como a compreensão das pessoas e fomento ao pensamento
crítico de todos os envolvidos, o processo de desenvolvimento deste espaço
inovador se faz mais importante do que o resultado a ser alcançado.
Tendo certa clareza dos critérios implícitos de valor que permeiam as
ações que realizo no cotidiano escolar, procurando aprimorar a própria prática
pedagógica e a capacidade de possibilitar outros encaminhamentos, a ideia de
professor como investigador da sua própria prática ganha sentido e potencializa
a formação docente que acontece diariamente na escola.
47
É importante esclarecer que, muitas vezes, os
critérios se tornavam claros/evidentes quando revisitava
os registros que produzia e atentamente buscava
compreender o que estava dito e não dito. Mesmo diante
da frustração das poucas mônadas recebidas em 2011 –
o que relatarei um pouco mais à frente - o olhar e o
manuseio de todo o material, no ano seguinte, foi se
tornando essencial para compreender os processos
formativos e os sentidos produzidos por mim nos mais
variados momentos.
Nesta retomada da produção de dados durante e
após a pesquisa, o ato de manter uma atitude reflexiva foi
constante para que os questionamentos pudessem
continuar contribuindo para a produção de conhecimento
que foi produzido (e que ainda continua sendo),
evidenciando todas as escolhas realizadas ao longo do
processo.
Acredito que este jeito de trabalhar e olhar para a
ação docente sempre esteve presente nos caminhos que
percorri desde a minha iniciação docente com as crianças
da Educação Infantil, no fim da década de 1980, em
Piracicaba, quando já registrava nos cadernos
compartilhados com a Coordenação da escola. Mas não
posso deixar de dizer que as indagações sobre as ações
que tinha/fazia no cotidiano ganharam destaque quando
me deparei com as práticas vividas em escolas que
possibilitavam/possibilitam a experimentação sobre o
Mônadas são partes-
todo e não apenas
partes de um todo onde
reunimos a
perceptibilidade,
sensibilidade e
receptividade,
constituindo em seu
estado presente não
apenas o que o
precedeu, mas o que
está prenhe de futuro.
Enfim, as mônadas
podem ser entendidas
como pequenos
fragmentos de histórias
que juntas exibem a
capacidade de contar
sobre um todo, muito
embora esse todo possa
também ser contado
por um de seus
fragmentos.
(ROSA et al., 2011)
48
currículo que efetivamente acontecia na sala de aula, mostrando os ideais
educativos que acreditava/acredito.
Um currículo é um meio de estudar os problemas e os efeitos inerentes à realização de uma qualquer linha definida de ensino. A qualidade única e singular de cada turma pressupõe que toda a proposta – inclusivamente a nível escolar – necessita de ser posta à prova, verificada e adaptada por cada professor na sua turma. O ideal é que a especificação do currículo estimule uma investigação e um programa de desenvolvimento pessoais por parte do professor, mediante os quais este possa aumentar progressivamente a compreensão do seu próprio trabalho e, assim, aperfeiçoe a sua própria forma de ensinar. (STENHOUSE, 2007, p. 195)
Dessa forma, o professor está em constante desenvolvimento
profissional já que se apresenta em um movimento permanente da reflexão da
sua própria prática e da epistemologia sobre os diferentes modelos de
educação encontrados nas mais variadas experiências docentes.
Isso tudo não é novo. Esta discussão vem desde a década de 1930, mas
foi Lawrence Stenhouse quem evidenciou o tema, 30 anos mais tarde.
Após certo tempo, o desenvolvimento de projetos com este caráter
prático já acontecia durante a década de 1970, na Grã-Bretanha, com John
Elliott e seus colaboradores que exprimiam significativamente a ideia de
professor como investigador de sua prática.
Outro ponto abordado por Elliott (2010, 2012) sobre a investigação-ação
é a importância do grupo ao qual o professor está inserido já que este pode ser
tomado pelas indagações do conjunto de sujeitos com os quais se relaciona ou
vice-versa (reflexão cooperativa), tornando-se única e individual quando traz
para si ou para o outro.
Neste sentido, o professor-pesquisador, ao produzir conhecimento sobre
o que vive no cotidiano da escola, está procurando transformar sua maneira de
49
trabalhar, o seu jeito de ser e, consequentemente, a coletividade a qual
pertence.
Já na década de 1980, Wilfred Carr e Stephen Kemmis e a equipe da
Universidade de Deakin (Austrália) avançam na discussão dos saberes
docentes, formação de professores e a prática pedagógica quando colocaram
em evidência a prática emancipatória, propondo que os próprios professores
elaborem uma teoria de ensino através da reflexão crítica sobre seus
conhecimentos práticos.
(...) Neste contexto, valorizam tanto os conhecimentos teóricos produzidos por teorias que recortam a realidade como aqueles saberes complexos produzidos reflexivamente pelo professor ao produzir o trabalho docente. Mas, o professor crítico, ao privilegiar a dimensão da práxis, reelabora ou modifica os conhecimentos teóricos de que se apropria como também não considera definitivos aqueles que produz na prática. (FIORENTINI, SOUZA Jr, & MELO, 1998, p. 325, grifos meus)
Dessa forma, a prática pedagógica é vista como uma prática social onde
os saberes se tornam flexíveis e inconstantes, no entanto, assumem valores
ético-políticos já que atende as necessidades e anseios dos professores que
estão no chão da escola produzindo a prática. Todo este movimento vivido pelo
professor-pesquisador não garante que haja uma prática educativa reflexiva
nomeada de emancipatória, pois o professor nem sempre poderá estar com
este foco.
Fiorentini, Souza Jr, & Melo (1998) ao olharem para as palavras de Carr
e Kemmis (1998) destacam que o professor pode estar interessado em aplicar
os resultados de pesquisas externas, ou ainda, criando vínculos cooperativos
com os pesquisadores externos para organizar suas próprias
dúvidasinquietações planejando os encaminhamentos a serem dados refletindo
sobre o ocorrido e ações para mudanças, ou ainda, o professor está vinculado a
um coletivo que assume a responsabilidade de libertar-se do que é posto
50
ideologicamente e socialmente reconhecendo que há limitações para que todas
as mudanças ocorram, mas procura ter ações que valorizem os princípios
educacionais assumidos.
Diante disso, olho para meu foco de pesquisa que é o trabalho
com.par.t(r)ilhado e vejo marcas de uma pesquisa que tem um interesse
humano libertário na minha prática pessoal e profissional que se concretiza na
lida diária, buscando uma melhoria contínua do ato de educar realizado na
escola em que atuo. Tenho uma necessidade enorme de dialogar para
compreender e pensar em possibilidades de mudanças que sempre são
disparadas por questões problematizadoras vivenciadas e observadas junto aos
meus alunos ou das colocações que outras professoras e coordenadoras
compartilham/questionam comigo num processo reflexivo de formação da
professora-pesquisadora.
Tanto Elliott quanto Carr e Kemmis apontam que é preciso lidar com a
mudança de comportamento na formação docente para que a pesquisa
realizada não seja tomada como idealista demais diante das condições
históricas de trabalho e de pesquisa em que nos encontramos (condições
intelectuais, políticas, culturais, socioeconômicas e emocionais). A cada dia
temos vivido no cotidiano da escola um trabalho excessivo a ser realizado fora
do ambiente escolar (que nem sempre é remunerado), como elaboração,
correções de atividades e avaliações, alimentar plataformas online das
instituições e responder a e-mails de trabalho.
A importância da pesquisa é potencializar o deslocamento dos
professores de um movimento individual para um processo coletivo de pesquisa
e atuação em relação à maneira como são percebidas as mudanças
curriculares e o desenvolvimento profissional dos professores (FIORENTINI,
SOUZA Jr, & MELO, 1998)
Dessa maneira, o professor, em sua dimensão pessoal e profissional,
precisa estar situado no real contexto em que foi se formando e em que atua
51
para que potencialize suas ações da prática pedagógica que revelam o seu
conhecimento e suas escolhas político-pedagógicas e afetivas, pois ao se
mover com clareza nas ações que pratica, vai se apropriando e conhecendo as
diferentes dimensões que permeiam o cerne pedagógico, tornando-o um
professor mais seguro no próprio desempenho.
Enfim, tornar-se um professor-pesquisador que atua no chão da escola
exige um esforço enorme uma vez que tem que dar conta com competência e
responsabilidade da tarefa de ensinar os alunos a se apropriarem de
conhecimentos essenciais e fundamentais para que se sintam inclusa na
sociedade de maneira responsável e comprometida.
Além disso, o professor-pesquisador precisa ter disciplina e certa
exigência consigo mesmo para que possa diante das decisões imediatas e das
ações imprevisíveis que se tem na sala de aula e em outros espaços da escola,
para se distanciar observando e indagando o que está posto ou não para que
assim, diante de uma escolha de registro, possa produzir e analisar os dados
de maneira mais rigorosa como nos solicita a Academia.
Somente isso basta para se tornar um professor-pesquisador?
Lógico que não! O professor-pesquisador precisa estar disponível a
procurar respostas para suas inquietações. É preciso que tenha formação para
que possa ir se constituindo como professor-pesquisador que no decorrer do
percurso formule perguntas, selecione quais caminhos quer trilhar (métodos) e
o que analisará; e, que esteja inserido em um ambiente que proporcione a
constituição de grupos de estudo com acesso a diferentes materiais de
pesquisa.
Mas uma lição que venho aprendendo na lida diária da escola e da
universidade é que não posso me esquecer de que sou professora-
pesquisadora que se forma nopelo trabalho, que é dali do chão da escola que
falo, que olho e coloco as reais condições de trabalho, de que valorizo o que dá
52
certo, de que diante das dificuldades busco alternativas para redirecionar o
caminho tomado, de que é possível articular a prática à teoria e vice-versa.
Ressalto que nem sempre o problema ou a questão que está sendo investigada
é resolvida eou solucionada durante a pesquisa. No entanto, ao ter consciência
dos processos de produção de conhecimento, das ambiguidades presentes,
das diferenças e semelhanças ali vigente que permitem um adaptar-se
constante diante das certezas e incertezas, dos valores e convicções, podem-
se tirar lições que se apoiam nas experiências vividas por nós mesmos ou por
outros professores e, não só em conhecimento científico, mas em diálogos
constantes entre eles para que seja possível encontrar uma validação e
reconhecimento exigido napela pesquisa acadêmica assim como um
conhecimento mais detalhado da realidade a qual estamos inseridos olhando
para o aprimoramento do ensino e das práticas pedagógicas e à autonomia do
professor.
53
Capítulo 4:
O caminho trilhado: o
cotidiano da escola
55
A maior riqueza do homem é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado. Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito.
Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas,
que puxa válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 horas da tarde,
que vai lá fora, que aponta lápis, que vê a uva etc. etc.
Perdoai
Mas eu preciso ser Outros. Eu penso renovar o homem usando borboletas.
Manoel de Barros25
Diante do que venho narrando, não há como separar a Marissol,
professora das séries iniciais do Ensino Fundamental e coordenadora de
tutores a distância, da Marissol, pesquisadora do GEPEC (Grupo de Estudos e
Pesquisas em Educação Continuada) que integra o Programa de Pós-
Graduação da Faculdade de Educação da UNICAMP. É justamente nesta
transposição de caminhos que a pesquisa vai se materializando e se
concretizando no cotidiano da escola e aqui nesta escrita.
E o que é cotidiano da escola?
No Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa26 me deparo com a palavra
cotidiano que tem origem do Latim quotidianus ou cottidiannus que traz vários
significados: que acontece diariamente; que é comum a todos os dias; diário.
Que é comum; banal. Que aparece ou se publica diariamente. O que se passa
todos os dias; o que é comum. Conjunto de ações realizadas por alguém todos
os dias de modo sucessivo e contínuo.
25
Disponível em: http://pensador.uol.com.br/autor/manoel_de_barros/ . Acesso em: 16 mar. 2014. 26
HOUAISS, Antonio e VILLAR, Mauro Salles, Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. RJ, Objetiva, 2001, p.856.
56
Ao me remeter aos diferentes significados encontrados no dicionário,
quero mostrar que é urgente dar visibilidade ao que acontece na escola
diariamente para que assim ganhe forma e vida nas vozes anônimas dos
professores que ali estão e ecoem na academia e nos diferentes
espaçostempos que formam os futuros professores.
Todas as acepções se fazem presentes e importantes no/do cotidiano
da/na escola, pois até o que parece ser banal, como um simples registro ou
comentário feito pela criança ou por outro professor, ou um pensamento que
toma a mente diante de um ocorrido, é material para analisar, observar,
inquietar-se e refletir em busca de outras possibilidades de trabalho.
Assim, há uma busca incessante de produzir novas pesquisas do/no/com
o cotidiano escolar, pois sempre se está lidando com uma visão do que
acontece que pode nos levar para um terreno instável já que o caminho da
pesquisa está sendo traçado ali, naquele momento, com todos os acertos e
fracassos possíveis. (FERRAÇO, 2008)
Mas, é importante deixar claro que, mesmo diante dos riscos, há um
cuidado muito grande quando se opta por quais caminhos teóricos trilhar, pois
se faz necessário evidenciar tudo o que ocorre durante o percurso da pesquisa
e da formação docente. Há uma necessidade de encontrar pistas que ampliem
o olhar sobre a realidade vivida na sala de aula e, consequentemente, na
escola.
É neste ir e vir que se precisa quebrar o que está cristalizado nas
práticas culturais e potencializar o que ainda é emergente ou invisível aos
olhos.
Para que esse caminhar se torne em um processo de pesquisa formativo
faço a opção por compreender meu trabalho como professora inserida em um
grupo de professores que estabelece parcerias e suas implicações. Acredito
que seja possível encontrar “microdiferenças onde tantos outros só vêem
obediência e uniformização” (CERTEAU, 1994, p. 19), pois eu não percorrerei o
57
caminho para a produção dos dados, eu estou no caminho, vivendo a cada
segundo os dissabores e a boniteza deste momento.
E como justificar essas opções?
Prado e Cunha (2007), Prado e Soligo (2007) e Trahar (2009)
apresentam a narrativa como a abordagem metodológica mais apropriada
nestes momentos, pois estou focalizando a própria experiência vivenciada
em/com pares, já que quando você está preparando um caminho, você o possui
e uma vez começado a percorrê-lo, o percurso é o que irá lhe guiar.
De acordo com os autores, a investigação narrativa não prioriza um único
método de produção de dados porque estes ocorrerão como a vida é vivida no
dia-a-dia e no seu todo, mas ambos, cada um do seu jeito, nos entremeios das
palavras, reafirmam que a narrativa possibilita compreender o enraizamento
cultural de aprender e ensinar conhecimentos que são narrativamente
compostos nas pessoas e nas práticas que possuem.
Neste trilhar de caminhos possíveis da narrativa, me reencontro com as
palavras de Benjamin (1975), em seu texto “O Narrador” e, ressalto que ao
assumir, ao mesmo tempo, o papel de professora-pesquisadora e a narração
desse processo, estou assumindo uma posição política em um determinado
lugar social – a escola. Ponho em relevo certa história sobre um sujeito em
relação a outros tantos, trazendo à tona uma sabedoria própria:
O narrador retira da experiência o que ele conta: sua própria experiência ou a relatada pelos outros. E incorpora as coisas narradas à experiência dos seus ouvintes. (BENJAMIN, 1975, p. 201)
Ao narrar, partilho minhas experiências docentes que trazem em si um
uma dimensão utilitária, como nos coloca Benjamim (1975), ao dizer que
consiste em ensinar um valor, uma sugestão prática em um simples momento
de “contar um causo” uma vez que quem narra, é um sujeito que sabe dar
conselhos ou que quer compartilhar as lições que aprendeuapreendeu, como
58
sempre se ressalta no GEPEC e, dessa forma, não se deixa de comunicar o
que se vive e aprende na escola.
Falar deste jeito de produzir conhecimento não é fácil, mas se faz
necessário porque marco o lugar de onde falo – a professora nada escola – e
uma maneira narrativa de fazer pesquisa que se constitui nopelo percurso a
partir nada prática.
Nesta busca de entender e validar a narrativa, me reencontro com as
palavras de Larrosa (1999) sobre fidelidade às palavras que vão compondo,
para mim, o que é narrativa.
Quando sou fiel às palavras, arranco o eu de mim mesma,
estabelecendo outra relação o eu como si mesmo e o eu como outro. Quando
escrevo o que de fato acontece e sinto, mantenho a contradição, mostrando o
inesperado que me desestabiliza e que compõe o sentido daquilo que se é.
A fidelidade às palavras é não deixar que as palavras se solidifiquem e nos solidifiquem, é manter aberto o espaço líquido da metamorfose. A fidelidade às palavras é reaprender continuamente a ler e a escrever (a escutar e a falar). (Larrosa, 1999, p. 40)
Assim, por um momento, por fragmentos, podemos nos aventurar na
escrita que nos capta tão bem, que revela a miudeza do que ocorre na escola e
dasnas ações que vamos tomando ao longo do espaçotempo que temos ali.
É nesta maneira de fazer que é possível encontrar uma identidade
narrativa, repleta de lacunas que nos desestabiliza e que nos faz refletir sobre o
que está posto naspelas palavras ou pelos sentidos que são evocados ao lê-
los.
As narrativas, ao serem lidas, provocam uma escuta para além do que
está escrito. Apropriando-me das palavras de Larrosa (1999, p. 142) destaco
alguns pontos:
59
(..) é trazer o dito à proximidade do que fica por dizer, trazer o pensado à proximidade do que fica por pensar, trazer o respondido à proximidade do que fica por perguntar.
(...) é recolher-se na indeterminação do dizer: que não haja um final nem uma lei para o dizer, que o dizer não se acabe nem se determine.
(...) a ação de ler extravasa o texto e o abre para o infinito. Por isso, reiterar a leitura é re-itinerar o texto, em-caminhá-lo e encaminhar-se com ele para o infinito dos caminhos que o texto abre.
Enfim, ao produzirler as narrativas estou me apropriando de um jeito de
contar o que acontece no cotidiano da escola e como posso, a partir desta
produçãoleitura, entender e refletir sobre esse espaçotempo repleto de outros
momentos históricos – das pessoas, da instituição e das coisas que ali
acontecem – que possibilitam ações futuras que não serão as mesmas
experiências de quem narrou, uma vez que estará em outro espaçotempo.
A importância deste movimento de produçãoleitura da narrativa em
primeira pessoa se sobressai quando destaco o valor do registro que permite o
trazer os fatos ditos e velados do caminho da pesquisa em palavras que
permitem a produção, leitura, releitura e reflexão do vivido no cotidiano da
escola e, assim, como professora-pesquisadora vou me constituindo napelas
palavras, suas ou de outrem. (PRADO e CUNHA, 2007).
60
É nesta intensa produção de conhecimento durante
eou após o percurso vivido que a narrativa se torna uma
maneira de dar visibilidade ao que fazemos enquanto
profissionais da escola uma vez que podemos ter as
nossas histórias narradas e partilhadas. Isso é de extrema
consideração porque nossa memória tem sido pouco
valorizada em nossa cultura. Como falar da escola sem
olhar para nossas histórias? Impossível não dar olhos,
ouvidos e voz a elas. Temos que colocá-las em lugar de
destaque sempre que possível para produzir nopelo outro
a compreensão daquilo que fazemos e do que pensamos
sobre nossas ações e escolhas do cotidiano escolar.
(PRADO & SOLIGO, 2007)
Ao olhar para as narrativas como possibilidade que
se tece na rede cotidiana é possível observar que um
mesmo procedimento coletivo pode gerar diferentes
estratégias individuais que são marcadas “pela
singularidade das experiências, fazendo com que práticas
individuais semelhantes configurem processos coletivos
distintos.” (FERRAÇO, 2008, p. 25)
Dessa maneira, alguns caminhos possíveis de
pesquisa no/do/com o cotidiano que podem ou não gerar
múltiplos sentidos vão sendo desenhados.
Creio que o distanciamento provocado pela
pesquisa possibilita ler de outro modo o que não está
posto ou perceber as sutilezas de pequenos atos, gestos,
palavras fazendo que o olhar, a sensibilidade e o trabalho
ganhem dimensões diferentes possibilitando um resultado
“Se considerarmos a
memória um processo,
e não um depósito de
dados, poderemos
constatar que, à
semelhança da
linguagem, a memória é
social, tornando-se
concreta apenas
quando mentalizada ou
verbalizada pelas
pessoas. A memória é
um processo individual,
que ocorre em um meio
social dinâmico,
valendo-se de
instrumentos
socialmente
construídos e
compartilhados. Em
vista disso, as
recordações podem ser
semelhantes,
contraditórias ou
sobrepostas. Porém, em
hipótese alguma, as
lembranças de duas
pessoas são – assim
como as impressões
digitais, ou, a bem da
verdade, como vozes,
exatamente iguais.”
(PORTELLI, 1997, p. 16)
61
mais significativo para meus pares e para mim mesma, como sujeito em
constante processo de formação.
De acordo com Certeau (1994), ao me reportar à prática cotidiana posso
fornecer histórias para uma narratividade que usualmente é povoada de um
saber não sabido. Na tentativa de investigação para compreender o que estava
pensando em determinados fragmentos do meu fazer ou do outro, talvez tenha
acesso a um conhecimento que até então era, para mim, desconhecido ou não
percebido.
Este ‘fazer cognitivo’ não viria acompanhado de uma autoconsciência que lhe desse um domínio por meio de uma reduplicação ou ‘reflexão’ interna. Entre a prática e a teoria, esse conhecimento ocupa uma ‘terceira’ posição, não discursiva mas primitiva. Acha-se recolhido, originário, como uma ‘fonte’ daquilo que se diferencia e se elucida mais tarde. (CERTEAU, 1994, p. 143)
Como professora-pesquisadora, procurarei trilhar o caminho da elaboração
desse conhecimento, buscando esse “fazer cognitivo”.
Nessa perspectiva, o conceito de cultura ordinária possibilita uma reflexão
que permite focalizar as miudezas do nosso trabalho e compreender seu
significado no movimento da prática pedagógica na escola. Acredito, assim, que
ao trazer esse olhar possamos apreender como se dá o processo de
construção da parceria no cotidiano do trabalho docente e quais os seus
elementos constitutivos e quais as implicações educacionais deste processo.
Na cultura ordinária, diz ele, "a ordem é exercida por uma arte", ou seja, ao mesmo tempo exercida e burlada. Nas determinações da instituição "se insinuam assim um estilo de resistência moral". Ou seja, "uma economia do dom", "uma estética de lances" e uma "ética da tenacidade", três qualificativos que levam a termo a valorização da cultura ordinária e atribuem às praticas o estatuto de objeto teórico. Resta então encontrar o meio para "distinguir maneiras de fazer", de pensar "estilos de ação", ou seja, fazer a teoria das práticas. (CERTEAU, 1994, p. 20)
62
Tal tarefa não é fácil de realizar, principalmente, pela heterogeneidade
dos sujeitos – alunos, pais, professores, coordenadores, diretores, funcionários
- com os quais com.par.t(r)ilhamos o trabalho pedagógico desenvolvido em
sala de aula.
Vale a pena retomar que cada sujeito tem uma historicidade que vai
sendo entrelaçada a tantas outras e se constituindo na multiplicidade e
unicidade de cada um. Mesmo assim, se faz necessário destacar a concepção
de conhecimento que valoriza essa diversidade de saberes, pois acredito que o
conhecimento é construído na relação entre um sujeito cognoscente, um sujeito
mediador e o objeto do conhecimento. (GÓES, 1991)
Nesta constituição de si mesmo e das suas formas de elaboração de
conhecimento o sujeito vai se tornando autônomo e modificando suas ações.
Nessas interações, tanto os sujeitos envolvidos como o objeto de seu
conhecimento mantêm a sua existência objetiva e real, ao mesmo tempo em
que atuam um sobre o outro. Esta interação produz-se no enquadramento da
prática social do sujeito que apreende o objeto na - e pela - atividade. (SHAFF,
1987)
Não é simples explicar as práticas sociais, mas a análise que fazemos
dela se dá num constante ir e vir do teórico para o real (concreto), do micro para
o macro e vice-versa. Certeau (1994) coloca que a “análise das práticas ‘vai e
vem, cada vez novamente captada(...), brincalhona, protestatária, fujona’ à
imagem da realidade móvel que procura captar.”(p. 21)
Certeau não nomeia como narrativa, mas diz que para se ter uma teoria
da prática é necessário ter a teoria do relato que diferencia em relatos de
lugares e de espaço.
Os relatos de lugares são bricolagens. São feitos com resíduos ou detritos de mundo. (...)As relíquias verbais de que se compõe o relato, ligadas a histórias perdidas e a gestos opacos, são justapostas numa colagem em que suas relações não são pensadas e formam, por esse
63
fato, um conjunto simbólico. Elas se articulam por lacunas. Produzem portanto, no espaço estruturado do texto, antitextos, efeitos de dissimulação e de fuga, possibilidades de passagem a outras paisagens (...) Pelos processos de disseminação que abrem, os relatos opõem ao boato, porque o boato é sempre injutivo, instaurador e consequência de um nivelamento do espaço, criador de movimentos comuns que reforçam uma ordem acrescentando um fazer-crer ao fazer-fazer. Os relatos diversificam, os boatos totalizam. Se há sempre oscilação de uns para os outros, parece que há sobretudo estratificação, hoje: os relatos se privatizam e se escondem nos cantos(..), ao passo que a boataria dos meios cobre tudo(...). A dispersão dos relatos indica já a do memorável. De fato, a memória é o antimuseu: ela não é localizável. Dela saem clarões nas lendas. Os objetos também, e as palavras, são ocos. (CERTEAU, 1994, p.188,189)
Procurar a concretude nas palavras sejam as narrativas como nomeiam
Benjamim (1975), Larrosa (1999), Prado e Cunha (2007), Prado e Soligo
(2007), Trahar (2009) ou, os relatos, como diz Certeau (1994), faz com que o
que se vê, vivencia, experiencia, sonha na escola se torne legítimo já que as
ações se tornam efetivas de fato, possibilitando novos caminhos a trilhar para
quem está lendo e para o próprio professor.
O memorável é aquilo que se pode sonhar a respeito do lugar. Aqui, a subjetividade se articula sobre a ausência que a estrutura como existência e a faz "ser-aí". Mas, (...), este ser-aí só se exerce em práticas do espaço, ou seja, maneiras de passar ao outro. (CERTEAU, 1994, p. 190)
Assim, o professor-pesquisador pode localizar o sujeito já que praticar o
espaço é portanto repetir a experiência jubilatória e silenciosa (...) É, no lugar,
ser outro e passar ao outro. (CERTEAU, 1994, p. 191)
Todo relato de espaço, seja cotidiano ou literário, são relatos/narrativas
carregados de sutis complexidades que ajeitam o caminhar no percurso, pois
estas ações narrativas permitem ter clareza das práticas organizadoras de
espaço, como: "a bipolaridade ‘mapa’ e ‘percurso’, os processos de delimitação
64
ou de ‘limitação’ e as ‘focalizações enunciativas’ (ou seja, o índice do corpo no
discurso)." (CERTEAU, 1994, p. 201)
Caminhando ao encontro das palavras de Certeau, o autor faz uma
distinção entre espaço e lugar. Lugar
é a ordem (...) segundo a qual se distribuem elementos nas relações de coexistência. Ai se acha portanto excluída a possibilidade, para duas coisas, de ocuparem o mesmo lugar.(...) Um lugar é portanto uma configuração instantânea de posições. Implica uma indicação de estabilidade. (p. 201)
Enquanto
espaço é o efeito produzido pelas operações que o orientam, o circunstanciam, o temporalizam e o levam a funcionar em unidade polivalente de programas conflituais ou de proximidades contratuais. O espaço estaria para o lugar como a palavra quando falada, isto é, quando é percebida na ambiguidade de uma efetuação, mudada em um termo que depende de múltiplas convenções, colocada como o ato de um presente (ou de um tempo), e modificado pelas transformações devidas a proximidades sucessivas. Diversamente do lugar, não tem portanto nem a univocidade nem a estabilidade de um "próprio". (p. 202)
Enfim, “o espaço é um lugar praticado e a leitura é o espaço produzido
pela prática do lugar constituído por um sistema de signos - um escrito.”(p. 202)
Ao narrar o que vivencio no cotidiano escolar, seja nos Colegiados de
Professores (CPs) nos trabalhos desenvolvidos em sala de aula, nos encontros
com a Coordenação, estou procurando evidenciar um trabalho que “transforma
lugares em espaços ou espaços em lugares” que organizam as relações que
mantemos uns com os outros. (CERTEAU, 1994, p. 203)
Dessa forma, percorrendo as palavras de Benjamim (1975), Certeau
(1994), Larrosa (1999), Ferraço (2007a, b, 2008), Trahar (2009) e Esteban
(2010), justifica-se a opção pelas narrativas já que estas têm um papel decisivo
na organização das minhas práticas educativas uma vez que diante das
65
circunstâncias em que são produzidas, se tornam, um "ato culturalmente
criador", como nos diz Certeau (1994).
Dessa maneira, as histórias não se perdem e as experiências podem ser
com.par.t(r)ilhadas ganhando espaços de reflexões.
Ao fazer a opção pelas narrativas, sejam elas completas ou fragmentos,
posso delimitar o que vai ser dito e, principalmente, o que será exteriorizado
mostrando que nestas histórias muitas vezes o ponto de partida pode ser ponto
de chegada e vice-versa.
No momento que estou registrando, fazendo um texto, estou me
afastando/distanciando de uma série de fatos/reflexões que permeiam o meu
olhar e minha vivência. Aqui o texto ganha um espaço próprio e mostra a
trajetória realizada pelo sujeito em questão. Quando existe a organização das
ideias, pensamentos, reflexões através do registro escrito, temos condições de
realizar a formalização das práticas e atuar sobre elas.
A narrativa/relato individual também é alicerçado pelo coletivo já que este
é carregado de regras, lances, experiências, sentimentos registrados
explicitamente ou não nas histórias. Quando se registra, criam-se repertórios de
esquemas de ação entre parceiros que possibilitam diferentes maneiras de
trabalhar, organizar, refletir e, principalmente, as mudanças que possam vir a
acontecer em um determinado sistema social. Dessa maneira, as práticas
cotidianas se formalizam e procuram trazer as categorias sociais que compõem
a história.
A opção pela produção de minha própria narrativa pode não ser diferente
de outros, mas ela é única e múltipla no sentido de estar sendo registrada por
uma professora-pesquisadora que é única e múltipla e que, o corte entre o
tempo das solidariedades e o da redação seja mais um aspecto que contribua
para novos caminhos a serem trilhados no espaço escolar.
Ao socializar a própria trajetória é possível distinguir o lugar do poder e
do querer próprios, pois ao “circunscrever um próprio num mundo enfeitiçado
66
pelos poderes invisíveis do Outro.” (CERTEAU, 1994, p. 99), estou
evidenciando a situação real que estou vivendo no chão da escola e vou me
tornando autora ao assumir condições de produção do discurso e de meu
objeto de inquietação/pesquisa/estudo e, principalmente, das relações de onde
ele nasce.
Assim, não espero revolucionar as leis que se fazem presentes no
espaço escolar e científico, mas espero mostrar caminhos que foram ou
poderiam ser assumidos por uma transformação do objeto de estudo e do lugar
de onde estudamos.
67
Capítulo 5:
Caminho percorrido.... a escola e
o seu contexto
69
Era pau. Era pedra. Era o fim do caminho? Pedra que faz fortaleza faz também mercado, bazar. - Se eu conversar contigo, disso estou muito certo, consigo me aproximar... Com muito encontro e negócio, inimigo vira amigo, quem está longe fica perto. A caravana de Marco se encarregou de provar. Pau, toco, tábua, madeira? - Faz navio de navegar! Mastro firme, branca vela, tronco agora é caravela para distância encurtar. Com coragem, sobre as ondas, Cris atravessou o mar. Não há distância para os pássaros nem para quem cisma de ousar. Alberto pôs na cabeça que ia conseguir voar. Voou, dirigiu seu voo, era isso o avião! E desde então a lonjura não atrapalhou mais, não.
(Trecho do livro Abrindo Caminho – Ana Maria Machado)
71
Eu tenho o meu caminho. Você tem o seu caminho. Portanto, quanto ao caminho direito, o caminho correto, e o único caminho, isso não existe.
Friedrich Nietzche27
Ao encontrar-me com as palavras de Sá Chaves (2002), Aragão (2010) e
Alarcão (2011), que fazem algumas ideias brotarem em minha mente inquieta,
assim, como elas, preciso ajeitar o pensamento para organizar o conhecimento
e pensar sobre ele novamente. Mas como fazer isto? Para mim, a escrita
sempre foi a ferramenta que organiza as ideias, as possibilidades de trabalho,
as inquietações, as certezas, os sentimentos, os medos, as adversidades...
Além disso, a escrita proporciona a contextualização do que estou
passando/vivendo em determinado momento e, assim, a informação se torna
conhecimento.
Ao produzir conhecimento trago junto algumas competências que fui
desenvolvendo e aprendendo ao longo do caminhar da professora em
constante processo de formação, pois ao utilizar saberes adquiridos para lidar
com determinada situação, mobilizo o que sei e não sei sobre o assunto
apontado para lidar com o que está posto.
Nesta parada inevitável do caminhar, não há como não olhar para a
pesquisa que venho desenvolvendo e, para mim mesma, e sinto a necessidade
cada vez maior de compreender os meandros da formação dos professores em
parceria para que possa pensar em intervenções e lições das situações vividas
ou que estão por vir.
Enfim, são questões que se alargam, que passam pelo desenvolvimento
pessoal e profissional, como já alertava Sá-Chaves (2002), e proporciona a mim
a compreensão em diferentes momentos.
27
Disponível em: http://pensador.uol.com.br/poemas_de_friedrich_nietzsche/6/ . Acesso em: 17 mar. 2014.
72
Mas como falar de questões que se alargam se ainda não me detive a
colocar de onde estou falando?
Falo de um local privilegiado de trabalho e de formação, refiro-me a uma
escola assim como tantas outras que potencializam ou paralisam as pessoas
que ali estão. No meu caso, ambos os momentos estiveram presentes.
Potencializou a reflexão porque é uma escola pensante e flexível. É “(..) sistema
aberto sobre si mesmo, e aberto à comunidade em que se insere” (ALARCÃO,
2011, p. 17). Nesse processo de inserção, tive momentos de imobilização
diante do que via: as relações das pessoas, do modo como se posicionavam
dia perante o que era proposto, da maneira de organizar e explicitar o trabalho
realizado, o meu próprio jeito de fazer e sistematizar o labor.
E neste ir e vir das escolhas feitas e pelos quais caminhos percorrer, fui
tateando e percebendo que estava/estou em um ambiente desafiador e
formador, uma vez que a escola oferece uma metodologia de trabalho que está
em constante movimento e que possibilita a reflexão, a formação do cidadão
que estabelece relações e o olhar diferenciado para o professor diante da
opção de trabalhar com projetos.
Trabalhar com projetos significa que mesmo tendo conteúdos comuns
entre as classes que todas reagirão ou seguirão igualmente, pois como nos diz
Aragão (2010), o professor pode ser o mesmo, mas as estratégias serão outras
uma vez que os participantes também serão outros.
Trabalhar com projetos é olhar para os conteúdos, as habilidades e as
competências que estão postas oficialmente com um cuidado que permitam, ao
professor, traçar um caminho a ser percorrido com seus pares agregando os
encantos, as necessidades de cada um ou do grupo, os desafios, os
insucessos, os inesperados do cotidiano com diferentes formas de registro na
aprendizagem significativa e produtora de conhecimento.
Quero ressaltar que, além de apresentar um produto final bem
organizado e com cuidado estético, para mim, o mais importante é a presença
73
do registro do percurso vivido por todos que participaram. É o uso intenso de
diferentes linguagens que vão compondo o projeto em si e revelando a
aprendizagem significativa para cada um, aluno e professor, e para o coletivo
da classeda sériedo segmento que estou inserida.
Digo que trabalhar com projetos é olhar para o que está posto e perceber
nas minúcias do que está sendo solicitado e convocar o meu ser e externalizar
com delicadeza o que é possível trabalhar. Mesmo assim, muitas vezes, não
consigo construir as relações necessárias e, a ausência de possibilidades se
instaura, mas quando menos espero, me deparo com uma música no rádio
enquanto faço o trajeto de ir e vir da escola ou, uma propaganda sem muita
pretensão faz com que eu repense o caminho percorrido pelono projeto e, se
ainda assim, não conseguir, por que não pedir a ajuda de um outro olhar para
meu trabalho?
Mas como articular tudo isso? Onde me encontro com estes outros no
caminho enlouquecedor que o cotidiano da escola solicita?
Na escola onde atuo28, os professores da série de cada período se
encontram semanalmente com a Coordenação da Escola. Neste momento se
faz uma pauta de trabalho desde assuntos corriqueiros do cotidiano escolar
como entrada, recreio, organização do espaço, até o diálogo e a reflexão sobre
os encaminhamentos pedagógicos dados ou que estão por vir.
28
A escola foi fundada no final da década de 1970 e pertence à rede particular de ensino, no interior do Estado de São Paulo. No ano de 2012, a escola tinha 1700 alunos que integravam a Educação Infantil, o Ensino Fundamental 1 e 2 (9 anos) e o Ensino Médio. (dados encontrados na página da escola que foi acessada em 24 maio 2015)
74
Registro de uma pauta feita por mim em um dos encontros de Coordenação29
Além disso, todos os professores de todos os segmentos desta escola se
reúnem semanalmente, no período noturno, por duas horas. No caso dos
professores do Ensino Fundamental 1, mensalmente, o cronograma destes
encontros é enviado pela Coordenação para que os professores se organizem.
A organização do trabalho desses CPs é feito a partir das solicitações feitas
pelos professores em Assembleia de curso ou nos encontros semanais que
ocorrem em cada período da escola entre as séries e a Coordenação.
A seguir, segue um exemplo de cronograma de CP recebido por mim e
anexado em meus pertences.
29
Todos os nomes usados na produção de dados foram alterados para preservar a identidade de participante, exceto o meu. FOAA: Folha de Observação e Avaliação do aluno. Faixas: Ao final de cada trimestre atribuem-se ao aluno, nas diversas disciplinas, as notas de acordo com o regimento da escola.
75
Cronograma de Colegiado de Professores disponibilizado pela Coordenação de Curso.
Diante da experiência que tenho nessa escola, vivenciei algumas
maneiras de se organizar este momento de trabalho:
76
- O Colegiado de Professores (CP) coletivo onde
todos os professores30 do Ensino Fundamental I junto à
Coordenação e, algumas vezes, a Direção da escola e
Coordenação de Área de conhecimento discutem textos
que embasam a prática teórica, a organização do trabalho
ou encaminhamentos coletivos a serem feitos.
- A Assembleia Docente ocorre uma vez por mês
com os professores do Ensino Fundamental 1 para
resolver questões relacionadas ao Projeto Político-
Pedagógico da escola. É uma estratégia de trabalho que
contribui para a construção de valores de democracia e de
cidadania por parte dos sujeitos que dela participam.
- A Parceria31 é o momento de encontro dos
professores da série para discussão de encaminhamentos
pedagógicos. Algumas vezes existe a participação da
Coordenação e/ou Coordenação de Área para dialogar e
refletir sobre os encaminhamentos dados na organização
do trabalho.
30
Todos os professores a que me refiro são os professores titulares de classe, os professores auxiliares e os professores especialistas (Inglês, Música, Artes e Educação Física). 31
Veja o box na próxima página.
O Colegiado de
Professores (CP) é uma
organização
diferenciada da escola
que marca os diferentes
tempos e lugares que
possibilita à formação
de grupos menores ou
isolados com acesso as
informações que
precisam ser traduzidas
em realizações de ações
concretas marcadas
com diálogos teóricos.
77
Registro feito por mim de um encontro de CP Coletivo32
A partir do exemplo do registro feito por mim da
pauta e dos encaminhamentos realizados em uma
parceria com os coordenadores de área e da explicação
do funcionamento dos caminhos oficiais33 que estou
percorrendo, é importante ressaltar que outros espaços de
conversas possíveis foram instaurados de acordo com as
necessidades que surgiam nos mais variados momentos.
É na entrada, antes do sinal, quando se encontra no café
32
RPM: Reunião de Pais e Mestres. LC: Lição de Casa. 33
Os caminhos oficiais são os relatados na página anterior: Colegiado de Professores, Assembleia Docente e a Parceria.
A parceria proporciona
a capacidade de
trabalho autônomo e
colaborativo e,
principalmente, o olhar
crítico que surge como
potencialidade de
dialogo onde é
necessário saber ouvir,
escutar o outro e a si
mesmo. A parceria é
autogerida, tem seu
jeito próprio de
organizar o trabalho
ouvindo sempre seus
membros. Sabe para
onde quer ir e avalia
constantemente o
trabalho realizado pelo
grupo e por cada
professor pertencente
ao grupo.
78
dos funcionários; no trajeto do estacionamento até a sala de aula ou vice-versa;
no corredor; nas postagens das redes sociais; nos SMS; nos olhares e palavras
na sala de café dos professores e tantos outros que poderemos nos recordar o
que vivemos no cotidiano da escola. Estes espaços de conversa (oficiais ou
não) que vivemos/vivenciamos no cotidiano escolar é potencializador e
formativo uma vez que seu valor
não está no fato de que ao final se chegue ou não a um acordo... pelo contrário, uma conversa está cheia de diferenças e a arte da conversa consiste em sustentar a tensão entre as diferenças, mantendo-as e não as dissolvendo, e mantendo também as dúvidas, as perplexidades, as interrogações... e isso é o que a faz interessante... por isso, em uma conversa, não existe nunca a última palavra... por isso uma conversa pode manter as dúvidas até o final, porém cada vez mais precisas, mais elaboradas, mais inteligentes...por isso uma conversa pode manter as diferenças até o final, porém cada vez mais afinadas, mais sensíveis, mais conscientes de si mesmas... por isso uma conversa não termina, simplesmente se interrompe... e muda para outra coisa... (LARROSA, 2003, p.63)
Diante da possibilidade infindável de conversa e de caminhos possíveis,
se faz necessário parar e contemplar algumas escolhas que fiz. Olharei para os
percursos feitos ao longo dos anos de 2011 e 2012, mas nada me impossibilita
de dialogar com situações ocorridas em 2013.
Em 2011, no segundo semestre, apresentei o meu projeto de pesquisa à
Coordenação e Direção da Escola que autorizou oralmente a produção de
dados. Empolgada, reli o projeto e organizei uma pequena proposta de trabalho
exposta coletivamente em um Power Point em um dos Colegiados de
Professores (CP). Nele, explorei o que estava olhando– as parcerias de
trabalho – e solicitei a todos os professores do 2º ao 5º ano mais os professores
especialistas - Artes, Música, Inglês e Educação Física - que escrevessem um
pequeno texto que poderia ser assinado ou não, uma mônada, tendo como eixo
79
norteador as questões baseadas em Rancière34: O que você vê? O que pensa
e o que sente? O que você faz com tudo isso?35
Dessa maneira, como Joseph Jacotot (RANCIÈRE, 2002, p. 15), tentei
estabelecer “o laço mínimo de uma coisa comum” uma vez que de quarenta e
cinco pessoas do Ensino Fundamental 1, recebi nove devolutivas.
Ao convidá-los a escreverem, não dei grandes explicações sobre o que
queria. Contextualizei a pesquisa e as questões que poderiam ajudá-los a
pensar, a refletir e a escrever. Imagino que sozinhos em suas casas se
mostraram “abandonados a si mesmos” (RANCIÈRE, 2002, p.16) e, com as
palavras, me surpreenderam com o que pensavam sobre o que havia sido
proposto, pois conheciam/viviam o que era uma parceria. Revelaram uma
formação consistente ao darem vazão às singularidades já que foram do
simples ao complexo, da parte à totalidade e vice-versa.
Sem se aterem se estavam certos ou errados, pautados ou não na teoria,
se arriscaram em expor o que de fato viviam/vivem ou que poderia ser o ideal
de uma parceria.
Deixei um envelope na sala onde os professores trabalham para aqueles
que não quisessem se identificar e um me respondeu por escrito.
Por e-mail, recebi vários retornos dos colegas dizendo que achavam
muito interessante a pesquisa e que me enviariam o texto. Mas qual foi minha
maior surpresa? De um grupo de quarenta e cinco professores, recebi nove
mônadas.
Junto a essas nove mônadas (lembre-se de que uma veio impressa), há
registros pessoais (relatos, anotações, fotos, e-mails36), material produzido
34
Jacques Rancière, em sua obra “O Mestre Ignorante”, ilustra a possibilidade de um processo educativo participativo, crítico e reflexivo, questionando a transmissão sistemática dos saberes escolares. Rancière conta a história de Joseph Jocotot (1770 - 1840), um professor que, no século XIX, colocou suas próprias concepções de aluno, professor, Educação e escola em questão, elaborando importantes lições sobre a emancipação intelectual. (REIS, 2013, p.101) 35
Mais para frente retomarei esta questão.
80
pelas crianças e suas famílias. Além de bilhetinhos, cartinhas, desenhos
recebidos ao longo do ano.
Toda esta diversidade de material compõe um “jeito” de olhar para a
pesquisa que valoriza todos os instrumentos utilizados neste caminhar, uma vez
que cada um pode ser vistoanalisado na sua singularidade ou na ‘conversa’
que podem produzir entre si.
Diante da frustração das (apenas) nove mônadas recebidas, não voltei
para este e para o restante do material que tinha produzido naquele momento
do ano. Hoje, olho e vejo que a frustração foi tão grande que deixei de ver e
sentir as sutilezas daquele instante e do ano em que estava trabalhando ao
deixá-los despercebidos.
Então, no ano de 2012, logo no início do ano, retomei o projeto
novamente e propus ao grupo de sete professores da série a qual estava – 4º
ano, um Termo de Consentimento37 para que eu pudesse gravar os encontros
de Parceria, dos quais eu também participava e das produções que faríamos ao
longo do ano. Após autorização escrita de todos os participantes, tenho:
gravações entre professores e alguns registros feitos pelos colegas de trabalho,
além dos meus registros pessoais (relatos, anotações, fotos, e-mails38), material
produzido pelas crianças em sala de aula e fora dela, o diário de bordo (um
caderno que cada criança levava semanalmente para realizar suas anotações
da maneira que quisesse sobre o que havia vivido, vivenciado, pensado e
sentido na escola). Ainda compõe o acervo os pequenos registros das famílias,
os bilhetes dos pais e das crianças, as cartas dos alunos e algumas postagens
minhas e das outras professoras no Facebook.
36
Para contabilizar os e-mails estou considerando o título da mensagem trocada entre os professores já que em algum deles há mais de uma troca de mensagens. 37
Ver em Anexos. 38
Para contabilizar os e-mails estou considerando o título da mensagem trocada entre os professores já que em algum deles há mais de uma troca de mensagens.
81
Nesta busca de inventariar os dados39, a rememoração das experiências
vividas foi delineando o trabalho realizado com os alunos e tornando latente as
trilhas percorridas neste caminhar entrelaçando o desenvolvimento pessoal e o
profissional da professora e da pessoa que sou/estou.
Diante da imensidão dos (guar)dados40 arquivados no computador e nas
caixas em que venho colocando o diário de bordo, bilhetes, desenhos,
fotos...vou manuseando e encontrando o sentido e o porquê que esta pesquisa
se iniciou.
Mas como organizá-los diante das múltiplas possibilidades de caminhos
que posso seguir? Não há uma ordem clara e objetiva, mas que se faz
necessário organizá-los, como chama a minha atenção a orientadora deste
Doutorado, Ana Aragão e os professores com os quais venho convivendo no
GEPEC.
Assim, acolho a orientação e me rendo às solicitações da organização
para dar visibilidade aos dados produzidos ao longo deste tempo.
Nesta busca intensa e constante dos (guar)dados, me deparo com Lima
(2003, p. 31) que destaca que:
paciente gesto de recolher peças e remover-lhes o pó depositado com o tempo; raspar de leve, camada por camada, e desvelar o que havia se acomodado embaixo delas; desfazer as nervuras do tempo que, propositalmente ou por ação, se dobraram sobre o que precisava ser dito; organizá-las de modo a construir e reconstruir um sentido do todo a partir de cada fragmento, num jogo de contínuo cotejamento.
Logo a seguir, catalogarei o que tenho de material produzido. Não quer
dizer que usarei todos, mas selecioná-los com o intuito de compor situações
que dialoguem com o que venho buscando como professora-pesquisadora.
Como se dá o processo de construção da parceria no cotidiano do trabalho
39
PRADO& MORAIS (2011). 40
Expressão utilizada pela Profª. Dra. Corinta Maria Grisólia Geraldi, em sua Tese de Doutorado intitulada “A produção do ensino e pesquisa na educação: estudo sobre o trabalho docente no curso de Pedagogia– FE/Unicamp”, Faculdade de Educação, 1993.
82
docente? Quais os seus elementos que são constitutivos e quais as implicações
educacionais deste processo?
O que não estiver aqui exposto não quer dizer que não constituiu a
pesquisa. Pelo contrário, esteve presente o tempo todo, mas de maneira que
potencializou a escolha que nem sempre é/foi precisa e correta. Uma
designação que está carregada de sentidos, de escolhas que revelam minhas
contradições, incertezas, limites, silêncios, mas este é um jeito de que venho
buscando organizar o conhecimento de forma partilhada com os pares com os
quais venho dialogando e estudando nos últimos tempos.
O trabalho foi/será árduo, mas se faz necessário dar o passo inicial para
aprender a ter um olhar e uma escuta sensível aos dados, onde adotei uma
postura mais flexível e menos controlada em relação à pesquisa. Inicialmente,
manuseei e li o material que tinha fazendo pequenas anotações e começando a
escrever sobre eles sem a pretensão de analisá-los. Depois de muito ir e vir, me
preocupei em ordená-los por datas e categorizá-los para dar visibilidade ao que
material que tinha produzido.
Assim, diante do velho (guar)dado um novo desperta em mim um olhar
diferente que suscita mais questões do que respostas e que buscarei trazê-los
em forma de excertos para composição de situações que revelassem as
relações estabelecidas da construção da parceria e suas implicações
educacionais.
Nesta caminhada e encontro dos (guar)dados tive alguns aprendizados
como pesquisadora.
- É necessário estar focada para perceber as possibilidades de diálogo
entre os dados e o objeto de pesquisa.
- Desmontar os dados e reconstruí-los é uma tarefa árdua.
83
- Se colocar no lugar do Outro para procurar interpretar o que
sentia/percebia/analisava...
- Fazer perguntas, muitas perguntas na tentativa de revelar conceitos e
suas relações me sensibilizaram para o que os dados traziam/trazem.
Ao observar a imagem abaixo publicada no Facebook41 procurei trazer a
organização da produção de dados realizada por mim, pelos professores,
coordenadores, alunos e famílias com os quais convivi nestes anos de trabalho
e de pesquisa.
41
Imagem publicada na página Eu me chamo Antonio, no dia 07 de setembro de 2014. Disponível em: https://www.facebook.com/eumechamoantonio/photos/pb.418909221506669.-2207520000.1413891565./763204593743795/?type=3&theater. Acesso em: 21 out.2014.
Imagem composta pela imagem publicada na página Eu me chamo Antonio, no dia 07 de setembro de 2014 com a imagem produzida pela aluna Giovanna a partir da leitura da mesma.
84
Difícil organizar tão artisticamente, mas com ajuda de Giovanna, aluna
de 2014, que esboçou um desenho semelhante, pude, após várias tentativas,
chegar ao que queria. Estou diante de tantos caminhos, produções de dados,
que não se encerram em 2012, assim, o primeiro número encontrado é de 2011
e, em seguida, 2012. Aqui não há marcas, mas muitos desses caminhos
continuam até hoje.
Olhando para quantidade de documentos produzidos nestes anos não
posso deixar de ressaltar que o registro é um dos elementos formativos que
vem sendo investigado e vivenciado intensamente no grupo de pesquisa do
qual faço parte, o GEPEC/UNICAMP. Dialogando constantemente com as
ideias de Sá-Chaves (2005), é possível perceber que esta maneira de anotar,
Imagem composta pelas duas últimas imagens para apresentar os dados
85
de se tornar autor da própria prática, revela a indissociabilidade dos processos
de formação e da vida.
(...) os processos de formação pressupõem uma reflexão cuidada (...) que permitem a apropriação e o desenvolvimento de competências reflexivas e metarreflexivas conducentes a um processo de hetero e de auto-identificação. (SÁ-CHAVES, 2005, p. 7)
Os (guar)dados podem ser organizados em um portfólio que permite
aprofundar o conhecimento sobre a relação de ensino-aprendizagem através de
estratégias de pesquisa que revelam a produção de conhecimento na dimensão
vertical (professor/alunos – professor/coordenador) ou na dimensão horizontal
(professor/professor).
Mesmo não usando efetivamente o portfólio como estratégia de escritura,
busco inspiração para dizer que o registro baseado na experiência não deve ser
meramente descritivo, ele precisa ser explicativo e crítico para que possa dar
margem ao olhar do professor e/ou de Outro leitor, outras possibilidades de
fazer, de reflexão e de ações efetivas de trabalho.
Dewey (2007) ressalta que não necessitamos registrar tudo e a todos,
pois não temos que encher nossas cabeças como álbuns de figurinhas ou posts
a cada minuto nas redes sociais, pois isso não é pensar. O pensar está
relacionado ao selecionar o que registrará e o que este poderá influenciar no
que está por vir a ser, mas que ainda não é. Quando há o interesse, uma
empatia com o assunto haverá a reflexão.
É neste ir e vir que o professor que utiliza de diferentes formas de
registro do seu trabalho – fotos, pequenas narrativas, poesias, textos
informativos, filmes, bilhetes, e-mails...- se distancia da ação para reconstruí-la
e analisá-la diante dos fatos vividos e ali impressos. Sá-Chaves nomeia esse
86
jeito de organizar o percurso formativo de registro reflexivo onde há sustentação
da aprendizagem dos sujeitos envolvidos.
Quando isso ocorre, o professor está em outra dimensão formadora que
engloba “alto grau formativo e um valor epistêmico”, como nos alerta Alarcão
(2011, p.54). É nesta dimensão que há uma aquisição de conhecimentos que
poderão ser utilizados em ações futuras. Para a autora é a meta-reflexão e,
para Schön, é a reflexão sobre a reflexão na ação.
87
Capítulo 6:
O encontro do caminho da
reflexividade
89
Outro sinal de se estar em caminho certo é o de não ficar aflita por não entender; a atitude deve ser: não se perde por esperar, não se perde por não entender.
Clarice Lispector42
Na continuidade de esboçar melhor o caminho que venho percorrendo no
trabalho com.par.t(r)ilhado durante a minha vivência docente, recorro a alguns
estudiosos para compreender melhor como se dá a formação do professor
reflexivo no cotidiano escolar.
Donald Schön (2000) traz a ideia do profissional reflexivo que, no seu
cotidiano, encontra-se em situações das mais variadas: aquelas que exigem um
conhecimento específico e teórico para ser cultivado e outras tão caóticas que
desafiam as soluções técnicas.
Diante disso, o especialista encontra dois caminhos a serem percorridos.
Primeiro, poderá utilizar o conhecimento profissional, revisitando-o para que
possa realizar sucessivas tentativas (com acertos e erros) para resolver o
problema, dando-se por satisfeito ou finalizado quando resolve as adversidades
vividas. O outro é ir além destes conhecimentos e utilizar toda a sua
sensibilidade, experiência, conhecimento, valores e se aventurar a desvendar o
que pode ser feito. Neste momento de busca de novas possibilidades, revisita
as teorias para problematizar sua ação em relação ao que já conhecia
previamente para redirecioná-las futuramente.
42
Disponível em: http://pensador.uol.com.br/autor/clarice_lispector/ . Acesso em 15 mar. 2014.
90
Já se sabe que é possível encontrar diferentes
estudos (ALARCÃO, 1996, 2011; SCHÖN, 2000; SÁ-
CHAVES 2002, 2005, 2009; ARAGÃO, 2010) que
apontam que quando o profissional utiliza-se do
conhecimento técnico está se baseando na racionalidade
técnica e na filosofia positivista, por isso, não me
aprofundarei nesta questão. No entanto, é importante
deixar claro que, em diferentes situações, lançamos mão
do conhecimento específico para compreender o que está
sendo posto e dar um passo a frente, ressignificando o
conhecimento e o momento vivido.
Quando olhamos para as minúcias do cotidiano
escolar, estamos fazendo escolhas que nem sempre são
compartilhadas e/ou percebidas, mas que estamos
fazendo um recorte na maneira de olhar para os
acontecimentos vivenciados em sala de aula e fora dela
que possibilitará a observação que auxiliará a
compreensão do que está acontecendo. É o professor
reflexivo que mesmo diante das incertezas profissionais,
age de maneira “inteligente e flexível, situada e reativa.”
(ALARCÃO, 2011, p. 44)
É diante destas experiências singulares43 que
devemos dialogar com tantas outras que acontecem com
cada um e/ou com os Outros, mas que nem sempre é
possível estar a par das práticas ocorridas.
Experiências estas que podem ter sido vividas no
ambiente reflexivo, ora solitário, ora colaborativo do
43
Ver box na página seguinte.
Na perspectiva da
racionalidade técnica
(...) um profissional
competente está
sempre preocupado
com problemas
instrumentais. Ele busca
os meios mais
adequados para a
conquista de fins fixos e
não-ambíguos (...) e sua
eficácia é medida pelo
sucesso em encontrar,
em cada instância, as
ações que produzem os
efeitos pretendidos (...).
Nessa visão, a
competência profissio-
nal consiste na
aplicação de teorias e
técnicas derivadas da
pesquisa sistemática,
preferencialmente cien-
tífica, à solução de
problemas instrumen-
tais da prática (SCHÖN,
2000, p.37).
91
ambiente escolar. Quando estes ambientes se tornam
formativos, nos apropriamos dele, seja no momento
formal da hora atividade ou nos encontros de corredor que
se tornam tão oficiais quanto os instaurados. Na busca
destes lugares de diálogo não podemos esquecer que,
várias vezes, nos deparamos, ao mesmo tempo, no
coletivo da escola e tão sozinhos com nossas
inquietações, dúvidas, angústias e acertos.
É nesta busca incessante de ocupar de fato um
lugar formativo que Dewey (2007) afirma que a
experiência se refere a toda a extensão da vida, de todas
as marcas impressas individualmente e coletivamente
permeadas pelos valores pessoais e profissionais que
carrega consigo; os sentimentos despertados e/ou
adormecidos diante do que vive; a iniciação nos
interesses, propósitos, conhecimentos e habilidades das
pessoas mais experientes com as quais conviveu/convive;
dos lugares que ocupa socialmente nos ambientes em
que está inserida; das alegrias das conquistas mais
simples que alcança ou dos fracassos que impulsionam
um novo olhar e novas ações.
Dewey também aponta que quando se experiencia
em grupo, cada indivíduo é portador da experiência de
vida do seu grupo que passa com o tempo, mas que a
vida do grupo continua.
Para Dewey há dois
modos de experiência: -
a experiência singular
que é única. Temos uma
experiência singular
quando o material
vivenciado faz o
percurso até a
consecução. (DEWEY,
2010, p.109)
- uma experiência
composta pelas
experiências singulares
que compõem uma
continuidade. O fluxo
contínuo da experiência
só é possível devido à
capacidade dos sujeitos
se adaptarem ao
contexto propiciado
pela diversidade das
situações vividas que
vão constituindo a
identidade pessoal do
indivíduo.
92
Cem gramas de experiências valem mais do que uma tonelada de teorias, porque só com a experiência uma teoria tem um significado vital e verificável. Uma experiência, mesmo uma experiência muito humilde, é capaz de gerar e de conduzir qualquer quantidade de teoria (ou conteúdo intelectual), mas uma teoria, separada de uma experiência, não pode ser definitivamente compreendida nem como teoria. (DEWEY, 2007, p.134)
Quantas vezes se está diante de situações inesperadas no ambiente de
trabalho junto aos demais professores e/ou alunos ou ainda, sozinhos e temos
que lançar mão de todo os nossos saberes para resolvê-los?
É neste contexto que o professor constrói suas ações que muitas vezes
estão implícitas, mas que são responsáveis por constituírem o modo de fazer
ou pela própria especificidade que desenha sua rotina de trabalho e realiza
“micro-decisões” diante das situações não planejadas da sala de aula.
(PERRENOUD, 1993)
Antes de adentrar com o intuito de apreender melhor a dimensão do
professor reflexivo, faz se necessário nos reportarmos ao profissional reflexivo
tão estudado por Schön (2000).
O profissional reflexivo competente tem que deliberar os problemas
aparentemente técnicos utilizando estratégias claras e consistentes em si
mesmas, porém deve entrelaçá-las e organizá-las de modo que vá construindo
um problema e/ou um conflito que mereça todo o seu empenho em resolvê-lo.
É importante ressaltar as palavras do autor, ao dizer que quando o
profissional reflexivo está nestas “zonas indeterminadas da prática – a
incerteza, a singularidade e os conflitos de valores” (SCHÖN, 2000, p. 17)
extrapola toda a racionalidade técnica aprendida/apreendida nos cursos de
graduação, de formação e de vida que vivencia ao longo da sua trajetória
pessoal e profissional.
Mesmo assim, quando os profissionais recorrem a todas as
possibilidades de resolução de conflitos de valores, violando seus próprios
princípios, os sujeitos vão ficando insatisfeitos consigo mesmo e criando
93
situações de desaprovação o que não beneficia o ambiente de trabalho ao qual
está inserido.
Com uma crise de confiança no conhecimento profissional instaurado, o
espaço de formação foi buscando um rigor cada vez mais alto que gerasse um
status acadêmico que proporcionasse um ideal de educação que passava da
educação básica para a aplicada e, em seguida, para as habilidades técnicas
voltadas para a prática cotidiana. Ao mesmo tempo, estes profissionais
evidenciavam as preocupações com este tipo de formação que distancia a
teoria da prática.
Mesmo com a insatisfação com esse conhecimento profissional há
especialistas que se destacam nas zonas indeterminadas da prática, no
entanto, não é dito que possuem mais competência, mas sim certo talento
artístico44.
Schön (2000) afirma que o talento artístico é um exercício da inteligência
que extrapola o modelo padrão do conhecimento profissional e que se pode
aprender muito com esses especialistas quando se estuda as performances e
manifestações de cada um.
De tempos em tempos, a questão do talento artístico ressurge nos
campos educacionais uma vez que se pergunta como os profissionais mais
experientes podem ser estimulados a renovarem seus conhecimentos de
maneira a evitar um esvaziamento e uma construção contínua de habilidades e
competências de forma contínua.
Schön (2000) destaca que:
Ao considerarmos o talento artístico de profissionais extraordinários e explorarmos as formas pelas quais eles realmente o adquirem, somos
44
Talento artístico profissional se refere aos tipos de competências que devem ser
ensinadasaprendidasapreendidas quando realizamos a reflexão na ação. Não é fácil de explicar essas competências no cotidiano, sem incorrer na possibilidade de fragilizar, ou omitir o que de fato se sabe fazer. Este saber fazer se sente, se faz e não se explica.
94
inevitavelmente levados a certas tradições divergentes de educação para a prática – tradições estas que se colocam fora dos currículos normativos das escolas ou paralelamente a eles. (p. 24)
Dessa maneira, pode-se dizer que o profissional com talento artístico
está mais preparado para lidar com situações de incerteza, singularidade e
conflito uma vez que se aprende fazendo. Ele próprio terá que ver, perceber e
sentir o que está acontecendo e, aos poucos, ressignificando as ações e as
escolhas para que possa olhar o que é necessário para resolver a situação ou
conflito ao qual está inserido.
Nesta perspectiva, Schön (2000) conduz a discussão para o papel do
formador, que não precisa se limitar a difundir saberes como verdades
acabadas e estanques, mas deve favorecer a aprendizagem e guiar o aluno de
maneira que este possa adquirir o conhecimento necessário à sua formação.
Assim sendo, o professor não deve ditar ao aluno o que este deveria saber,
mas ajudá-lo a problematizar suas experiências e desenvolver-se de modo a
chegar ao alcance do conhecimento.
Ainda neste sentido, a relação entre o formador e o formando tem que
permitir o diálogo, onde o formador proporcione desafios, questione e
aconselhe o formando de modo a exercer sua criticidade. Vale ressaltar que
isso não exclui a ideia do professor como alguém que possa expor teorias,
discutir ideias, tirar dúvidas ou apresentar exemplos (Schön, 2000). Enfim, “a
atividade do formador articula o dizer com o escutar, a demonstração com a
imitação e tem sempre subjacente a atitude de questionamento como via para a
decisão.” (ALARCÃO, 1996, p.19).
Schön (2000) também defende que na situação de formação podem ser
desempenhadas três funções principais: abordar os problemas propostos pela
tarefa, escolher as melhores estratégias de formação, aquelas que melhor se
ajustam aos conhecimentos e à personalidade do formando e tentar estabelecer
com eles uma relação que possa levar à aprendizagem (ALARCÃO, 1996).
95
Para desempenhar tais funções, o autor destaca três principais
estratégias de formação. A primeira é a experimentação em conjunto (joint
experimentation), que pode ser caracterizada pelo esforço comum, entre o
professor e o aluno, de tentar solucionar um problema que surgiu a partir do
questionamento da prática, produzido pelo aluno que se encontra frustrado com
o resultado de uma prática produzida por ele mesmo. A esta situação está
vinculada a ideia de que a prática é um campo de experimentação.
A estratégia seguinte é a demonstração acompanhada de reflexão (follow
me): o mestre tem um papel mais ativo, demonstrando para o aluno o que fazer,
podendo até levá-lo à imitação. Quando o aluno já demonstra compreender a
técnica, o mestre o estimula a produzir sozinho, porém de sua maneira, o
levando à reflexão (ALARCÃO, 1996).
A terceira estratégia é a denominada de experiência e análise de
situações homólogas, em que o formador utiliza-se do exemplo de situações
semelhantes para ensinar algo para o formando (ALARCÃO, 1996).
Acreditando na parceria estabelecida entre formador e formando, o
profissional reflexivo que potencializa os processos de criação e apropriação
dos saberes por parte dos sujeitos com quem se relaciona, está em
desenvolvimento contínuo. Neste ínterim, está produzindo conhecimento,
problematizando e modificando a prática e a realidade por meio da reflexão de
sua própria ação e, revelando, assim, o valor de suas ações.
Neste contexto, Schön (2000) contribui novamente com os níveis
fundamentais que norteiam seu estudo sobre profissional reflexivo.
A primeira é o conhecimento na ação (knowing in action) que
representa a crença do profissional manifestada na realização de uma ação
espontânea. Ao analisar e da refletir sobre esta ação, pode-se entender o
processo denominado reflexão sobre a ação (reflection on action), que
acontece quando se faz uma análise retrospectiva da ação ocorrida.
96
Ainda há a reflexão na ação (reflection in action) que se baseia na
reflexão da ação presente, produzindo um conhecimento dinâmico capaz de
reformular a ação no mesmo instante em que ela está ocorrendo. Embora seja
mais difícil de acontecer, a reflexão na ação deve ter uma função crítica, pois
assim será possível reorganizar as estratégias de ação, compreender os
problemas que ocorreram e chegar a uma nova ação.
Assim como Schön, Mattar (2010) também foca o talento artístico e, com
o olhar atento ao jeito de fazer artesanal, evidencia o processo de formação de
professores relacionando-o a dimensão humana. Quando relata o processo de
constituição do professor comparando-o ao ceramista que delicadamente
manuseia a argila para dar o formato que deseja ou o que apresenta no
momento do torneio da peça, nos chama a atenção para alguns aspectos que
nem sempre temos consciência. Além de planejar, o professor precisa conhecer
em profundidade o que pretende realizar e como pensa em fazê-lo, organizando
o tempo e o espaço, dominar os conteúdos, selecionar os materiais
antecipadamente, respeitar as diferenças e dificuldades encontradas em sala
de aula assim como os acasos que surgem. Porém, enfatiza que esta não é
uma tarefa solitária e sim colaborativa.
Tal capacidade pode ser aprendida/apreendida quando o profissional
vive o processo junto ao Outro que o provoca e o convoca a estar inteiro ali
naquele determinado momento. Momento este que é coletivo e que propicia
interações, debate de ideias implícitas nas ações futuras, co-constituindo a
teoria e a prática. Ao tomar contato com os relatos dos demais professores ou
dos próprios alunos, nós, professores, mobilizamos todos os nossos
conhecimentos na busca infindável das situações caóticas que nos deparamos.
Os momentos coletivos podem propiciar satisfação, uma vez que arrancam (...) o professor da passividade e do isolamento e o lançam à aventura de pensar e criar colaborativamente. (MATTAR, 2010, p. 184)
97
Aqui tenho que me remeter a Sá-Chaves (2002) quando nos apresenta
os níveis de lógica reflexiva pelo qual o professor reflexivo explicita como está
pensando, discutindo e analisando as implicações educacionais coletivamente.
Nível Técnico: O sujeito relata algo que ocorreu ponderando alguns
elementos desta ocorrência como o tempo, o espaço, os participantes,
os recursos dentre outros.
Nível Prático: O sujeito, ao narrar determinado acontecimento, procura
de uma maneira mais prática relatar a sua ação dando indícios do
porque se fez.
Nível Crítico: O sujeito, ao analisar criticamente o acontecimento a partir
de uma visão ética, aponta o que ocorreu e o que poderia ter acontecido
em função de alguns valores como justiça, respeito, solidariedade dentre
outros.
Nível Metacrítico: O sujeito, ao analisar a situação e a si mesmo, se
reconhece como um dos responsáveis pelo acontecimento relatado.
Nível Metapráxico: O sujeito ao reconhecer como um dos responsáveis
pelo o ocorrido propõe alterações com ações que modifiquem a
realidade.
Atenta aos estudos de Sá-Chaves, Aragão (2010) assegura que a
reflexividade é um processo imprescindivelmente focado na prática docente,
nos problemas cotidianos em diálogo com as referências teóricas que norteiam
a ação do professor. O exercício sistemático da reflexão é realizado
98
coletivamente, trilhando do individual para o coletivo e do coletivo para o
individual, de modo não linear.
Ainda vale ressaltar que, muitas vezes, ao ser questionado sobre o
porquê de determinadas ações, o profissional não explicita todo o conhecimento
utilizado tornando-se incoerente na sua descrição que não revela todo o
processo vivido, todas as escolhas, inquietações, dúvidas pelo qual passou.
Simplesmente, propaga uma parte do que foi aprendido não deixando que a
totalidade da experiência e/ou conhecimento adquirido seja exposto.
Não estou dizendo que há uma diferenciação, um distanciamento entre
teoria e prática, muito pelo contrário. Há um estreitamento do modo como
percebemos e contemplamos a relação entre teoria e prática, ratificando que as
hipóteses teóricas devem ser cotejadas cotidianamente, nos acontecimentos do
dia-a-dia. As escolas precisam, assim, planejar situações de práticas e
reflexões coletivas, promovendo discussões nas quais se aprende a partir das
interações que são estabelecidas entre os colegas e entre estes e o professor,
ou seja, na relação com o Outro.
É nesta intensa interação que o professor reflexivo possibilita uma
apropriação das teorias por sua parte para que as ações pedagógicas sejam
modificadas e/ou melhoradas. Quando refletimos, estamos compreendendo
nossos pensamentos e revisitando nossas escolhas, traçando assim, caminhos
com sentidos e significados do saber-fazer que poderão delinear novos
caminhos com diferentes ações. (ARAGÃO, 2010)
Enfim, ser professor reflexivo não é fácil. Ser professor reflexivo é
quando nos debruçamos sobre/no cotidiano da escola como reflexão teórica
que estrutura futura ações. É quando o professor pergunta a si mesmo quem
ele é e por que faz determinadas escolhas diante do que vive e do lugar que
ocupa socialmente.
A reflexão é uma condição indispensável para o desenvolvimento
profissional e pessoal já que em ambos há a possibilidade de um auto-
99
distanciamento que permite olhar a si mesmo como sujeito participante da ação
e, ao mesmo tempo, ser o sujeito pensante. (SÁ- CHAVES, 2009)
Ao evidenciar um contexto diferenciado de formação destaco que o mais
importante do que formar, é formar-se; que todo o conhecimento vivenciado e
experienciado é autoconhecimento e, que assim, a formação é autoformação,
como ressalta Nóvoa (2009) em seus estudos. Assim, a escola é um lugar de
liberdade e de responsabilidade onde o professor ensina, mas que também
aprende e forma a si mesmo por meio de diferentes ações de mecanismos
reflexivos.
101
Capítulo 7:
Nos caminhos possíveis...
em busca do trabalho
com.par.t(r)ilhado
103
Porque desejo esse alguém que me invade e me ocupa
que me usurpou a palavra e o gesto me fez estrangeiro do meu corpo
e me deixou mudo, contemplando-me. Mia Couto
45
Escrevo para os meus pares que auxiliam a pensar o dia-a-dia da sala de
aula, as angústias e descobertas, os medos e as ousadias de buscar fazer uma
experiência significativa para nós mesmas e para nossos alunos. Escrevo para
as outras tantas pessoas que estão em sala de aula e em outro lugar que
estejam interessadas em modos de desenvolvimento do trabalho docente. E,
ainda escrevo para aquelas que coordenam grupos e estão interessadas em
olhar as diferentes maneiras de organizar o trabalho docente na escola e suas
implicações na sala de aula.
Ao compartilhar experiências estou delineando alguns trechos do
percurso que venho vivenciando como professora-pesquisadora que busca,
acredita e vive a parceria como uma das possibilidades de pensar/repensar a
prática docente.
Será que é pretensão demais? Tenho certeza de que toda a ação tem
uma intenção e que, ao compartilhar experiências, pode se despertar ou não a
reflexão, pois ao articular teoria e prática, repenso o modo de trabalhar com
meus pares e uma das estratégias utilizadas é o registro do que vejo, aprendo,
apreendo, repenso, sistematizo...às vezes, o registro começa com palavras,
outras vezes, com imagens, poemas, poesias, cartas...mas estão registradas
como algo importante para mim que sou/estou a professora-pesquisadora.
Acredito muito que o trabalho com.par.t(r)ilhado é uma das possibilidades
de produção de saberes docentes que contribui e constitui a formação coletiva.
Melhor do que escrever, sugiro a leitura do poema.
45
In Poema da minha alienação. Disponível em: https://www.facebook.com/pages/Mia-Couto/298257536887970. Acesso em 18 mar. 2014.
104
Tecendo a manhã
João Cabral de Mello Neto
(1997)
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
105
7.1. O início da busca
"Há coisas que não se pode fazer junto
sem acabar gostando um do outro." J.K. Rowling
(2000)
Para escrever sobre parceria retomei os registros
que venho fazendo no decorrer desse caminhar e me
deparei com um texto produzido quando cheguei a Braga,
Portugal, em 2012, com o propósito de aprofundar os
estudos.
Na primeira parada que fiz na terra além-mar,
houve um estranhamento diante do que via e do que
sentia porque diante de tantas indagações feitas por meus
interlocutores – Professor Pedro Rosário e minha
companheira de viagem/estudo Nana Haddad, me senti
perdida e deslocada já que o olhar era mais diretivo, mais
preciso e objetivo naquele momento. Mas por que não
acreditaria que tudo seria possível e que dessa
experiência tiraria o máximo de proveito E foi o que fiz!
Diante de tantos questionamentos, parei, reorganizei as
ideias e o olhar procurando as constantes em minha
trajetória desde que me formei em 1997, na Faculdade de
Educação (UNICAMP), Campinas.
Mas o que quero dizer com constante? Um dia,
enquanto assistia a uma série na TV ouvi a personagem
dizendo sobre as constantes em sua vida e nela me
Esse estranhamento
potencializou uma
convocatória de todo o
meu ser para que
compreendesse o
percurso que venho
fazendo em minha vida
profissional e pessoal.
Nessa busca incessante
de compreensão há
uma resposta que pode
ser produzida
forçosamente ou não,
tornando o ouvinte em
locutor. (BAKHTIN,
2000, p.290)
106
inspirei para iniciar essa escrita. Assim, sabendo o que seria constante, fui
buscar outros significados no Google, quando me deparei com este:
“Na Matemática e nas ciências naturais, uma constante é um valor fixo que
pode ou não ser especificado. Esta noção é utilizada em oposição à de variável,
que não é fixa.”46. Enfim, para mim, constante é aquilo que permanece no meu
caminho, que mesmo diante de questionamentos e olhares diferentes, está ali
como tema central para dialogar e incorporar outras visões que são as
variáveis.
É assim que me sinto diante este texto que aqui apresento. A formação
de professores é uma constante que traz variáveis a sua volta que vêm me
mostrando que, independente do olhar que se tenha, o desenvolvimento
docente está presente.
Diante disso, a busca por artigos que elucidassem e embasassem o
estudo se fez necessária e, em um emaranhado de textos, fiquei a procurar o
meu próprio foco sobre o trabalho docente cooperado, coletivo, participativo, em
grupo, em equipe, em parceria, em rede, colaborativo...
Muitas denominações foram encontradas, mas, neste momento, faço a
opção em utilizar o termo trabalho docente compart(r)ilhado, porque acredito
que é uma expressão que se relaciona melhor com o tempo necessário de
partilha, de comunhão dos momentos vividos. É o termo que define as
experiências docentes e de formação.
Trabalho com.par.t(r)ilhado tem a ideia de que o conhecimento não é
estanque, é dinâmico e mutável. Ao colocar seus saberes à disposição, em
interação com o coletivo, o professor vislumbra outras interpretações de sua
produção e amplia saberes.
46
Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Constante. Acesso em: 11 jan. 2012.
107
Falar em parceria, como já mencionei anteriormente, significa trabalhar
com diferentes nomeações que se referem ao termo e que nos remetem a uma
reunião de indivíduos para certo fim, com interesse comum onde há
negociações e partilha de compromissos institucionais.
Atualmente, se fala em parceria em diferentes experiências concretas
realizadas no contexto educacional brasileiro, mas vale retomar e ressaltar que
o foco a ser apresentado neste trabalho será da parceria de dentro da escola,
entre seus pares.
Ao optar por um grupo especifico como já relatei, trarei as negociações,
as partilhas de tarefa e responsabilidade de cada um que contribui para a minha
formação continuada.
Ainda enfatizo que, quando se pesquisa o cotidiano escolar, é possível
perceber que há preocupação com a valorização do trabalho docente e do
ensino em si, já que este espaço tem papel político e social no contexto em que
está inserido.
A parceria educacional se faz necessária porque é nela que a prática se
constrói e se reconstrói coletivamente através da reflexão, possibilitando assim,
as ‘comunidades de aprendizagem docente’, como nos coloca Foerste (2005).
Quando se fala de parceria, tenho que retomar alguns aspectos que
marcam essa relação, pois estar junto, em parceria, implica em confiar e
respeitar o Outro já que essas atitudes possibilitam superar as dificuldades
encontradas e dar um novo olhar a formação continuada.
O trabalho docente desprende processos complexos de elaboração de
conhecimento que precisam ser ancorados em diferentes epistemologias para
auxiliar a reflexão a ser feita proporcionando a visualização da autonomia do
trabalho e a identidade do professor.
Assim, fui buscar outros interlocutores para compreender um pouco mais
sobre este assunto e achei importante destacar que historicamente, o trabalho
108
coletivo47 se apresenta como forma de resistência a divisão burocrática do
trabalho. Hoje se pode dizer que esta é uma prática social e pedagógica que
está presente nas escolas, assim, como em outras áreas de trabalho.
Percebe-se que em muitos casos, os professores com mais experiência
sentem-se pouco entusiasmados e com pouca disponibilidade para trocar sua
prática, sua experiência individual e, assim, construir um trabalho
com.par.t(r)ilhado uma vez que não se sentem mais desafiados pela maneira
como organiza seu trabalho assim como não tem mais o olhar apurado para as
minúcias vividas eou encontradas no cotidiano escolar. Também há a
desvalorização econômica e social do trabalho docente que faz com que o
professor sinta-se imobilizado diante de novas propostas ou novas atitudes
perante o que se vive na sala de aula e na escola.
Perrenoud & Thuler (2006) também nos apontam que essa maneira de
trabalhar tem que estar inscrita na organização do trabalho escolar e que esta
ocorrerá dependendo do professor e do contexto em que está inserido, já que
há outras implicações de trabalho e de valores.
Dessa forma, os autores dizem que o compartilhar é um posicionamento
normativo que ocorre com maior facilidade em escolas que possuem projetos
pedagógicos claros, uma equipe de professores comprometidos e um ensino
que possibilite incorporar maneiras diferenciadas de trabalho. (PERRENOUD &
THULER, 2006)
Para o professor, o trabalho com.par.t(r)ilhado proporciona um
crescimento individual, com novas maneiras de organizar e pensar o trabalho
docente e, consequentemente, ao trocar experiências, possibilitará o seu
próprio crescimento pessoal e profissional assim como o dos membros do
grupo tornando o coletivo mais coeso e participativo.
47
Coletivo pode ser compartilhado ou não. Depende muito do propósito do grupo de sujeitos que ali estão.
109
Porém, o compartilhar também pode impedir o desenvolvimento
autônomo dos conteúdos a serem trabalhados levando o coletivo a se voltar
para si próprio, engessando o trabalho a ser realizado. Quando o professor
realiza ou segue um planejamento coletivo sem se debruçar sobre as reais
necessidades de sua classe ou às suas próprias, não colocando suas marcas
de trabalho, adaptando o que pode fazer ou encaminhar de outra forma, o
professor deixa de desenvolver a sua autonomia assim como o dos conteúdos a
serem trabalhados.
Outros aspectos são colocados para que possamos ficar atentos a essa
maneira de organizar o trabalho: a autoria, a responsabilidade coletiva dos
sucessos e dos fracassos, segredo profissional, representação do coletivo,
regular os conflitos...
Ainda é preciso esclarecer que diante do trabalho com.par.t(r)ilhado, o
professor não pode silenciar perante os questionamentos ou dos desacordos
que possam vir a ocorrer, pois, assim, não estará proporcionando a
reflexividade sobre essas questões e, juntos, obterem uma nova tomada de
consciência e deslocarem em suas reflexões. Esse tipo de trabalho tem que ser
proveitoso para não sobrecarregar o professor que já tem uma carga intensa de
trabalho. É necessário que os sistemas educativos vigentes considerem as
necessidades coletivas dos professores e criem espaços e tempo adequados
para esta construção. Além disso, o professor não necessita abrir mão de suas
convicções e ter atitudes contrárias a elas para que não haja conformismo em
relação às normas prescritas.
Os estudos sobre esse tema (BOAVIDA & PONTE, 2002; FOERSTE,
2005; PERRENOUD & THULER, 2006; BORKO, 2008; THURSTON,
CHRISTIE, HOWE, TOLIE, TOPPING, 2008; DUPRIEZ, 2010) também nos
apontam que os professores se envolvem mais quando estão satisfeitos com a
instituição em que estão inseridos, possuem alto senso de competência e estão
preocupados com a aprendizagem de seus alunos.
110
Diante do trabalho com.par.t(r)ilhado, os professores podem exercitar
maneiras diferentes de registro para que possam dialogar e refletir sobre
dilemas profissionais e a resolução de problemas pedagógicos que retratem
situações do cotidiano da sala de aula, pois assim haverá um impacto real
sobre o seu próprio trabalho. (PERRENOUD & THULER, 2006; DUPRIEZ,
2010)
Dupriez (2010) também afirma que algumas práticas pedagógicas
permitem mais o trabalho com.par.t(r)ilhado do que outras, como o sistema de
ensino que é organizado por projetos que solicita uma prática de formação
contextualizada, contínua e convergente.
Para este professor, se faz necessário uma nova organização do
trabalho evidenciando a importância do trabalho com.par.t(r)ilhado já que
trabalhará de maneira interdisciplinar com os conteúdos e competências que
são solicitados no cotidiano da escola, tornando-se mais árduo e difícil a
assumir sozinho, questões tão complexas e de competências de alto nível.
(DUPRIEZ, 2010)
Boavida & Ponte (2002, p.1) ratificam que “a colaboração constitui uma
estratégia fundamental para lidar com problemas que se afiguram demasiado
pesados para serem enfrentados em termos puramente individuais.”
Hargreaves et al. (2001, p.217), um investigador que tem se dedicado a
estudar os processos de cooperação e colaboração nas organizações
educativas, considera que as “culturas de colaboração são incompatíveis com
sistemas escolares nos quais as decisões sobre o currículo e a avaliação são
fortemente centralizados.”
Foerste (2005) contribui e reafirma o que acredito no trabalho
com.par,t(r)ilhado ao dizer que é necessário confiança e respeito pelo Outro. Ao
assumir este pressuposto garanto “que só assim é possível superar dificuldades
reconhecidas coletivamente”. (p. 93). Diante disso, é possível criar
111
possibilidades de trabalho que orientem e reorientem os objetivos comuns e a
partilha de compromissos, buscando caminhos outros de atingi-los.
Perante a reflexão sobre os diversos apontamentos apresentados pelos
diversos autores, reafirmo minhas indagações:
Mas como se dá o processo de construção da parceria no cotidiano do
trabalho docente? Quais os seus elementos que são constitutivos e quais as
implicações educacionais deste processo?
Na presença de alguns estudos que tratam sobre trabalho colaborativo
docente, Roldão (2007) destaca a individualidade presente e enraizada na
escola utilizando as palavras de Tardif & Lessard (2005, p. 187), que ressalta:
embora os professores colaborem uns com os outros, tal colaboração não ultrapassa a porta das classes: isso significa que o essencial do trabalho docente é realizado individualmente.
Formosinho & Machado (2009, p.105) contribuem para a reflexão quando
dizem que quando exercemos a docência solitariamente, sobressai a
“dificuldade de um professor isoladamente mudar as situações e os contextos
de trabalho e, sozinho, construir novas competências profissionais a partir da
experiência de trabalho.”
Muitas vezes é isso mesmo o que acontece, quando estamos sozinhos
planejando ou retomando o que precisa ser trabalhado na sala de aula, nos
vemos perante questionamentos ou impasses que muitas vezes nos paralisam,
mas é possível experienciar parcerias de trabalho que extrapolam as questões
físicas da sala de aula e de pensamentos fazendo com que não fiquemos
isolados no trabalho.
Este trabalho individual não precisa e não dever ser isolado, pois quando
o professor está disponível a estar com o Outro, seja presencial nos encontros
oficiais da escola ou, nos outros possíveis espaços da escola eou da vida que
inclui o mundo virtual através dos e-mails ou postagens em redes sociais, o
112
docente nunca está sozinho. Está sempre com o Outro partilhando ideias,
sentimentos, desejos, frustações, medos ... e, assim, reorganizando o próprio
trabalho docente como o do grupo ao qual faz parte.
Numa profissão complexa, como a de professor, há necessidade de trocar experiências e saberes, de colocar dúvidas, atenuar inquietações e ultrapassar dilemas. Fragilizamo-nos quando nos isolamos. Podemos ganhar tempo para os nossos afazeres pessoais, mas perdemos em reflexão e empobrecemo-nos profissionalmente. (SANTANA, 2007, p. 33)
Quando vivemos este empobrecimento profissional, vamos deixando de
olhar para os acontecimentos da sala de aula ou de outros espaços escolares
como impulsionadores de uma nova organização do trabalho docente e,
consequentemente, nos esquecemos de ter objetivos a serem alcançados nos
contextos sócio-históricos em que o trabalho é desenvolvido.
Mas ao acolher o olhar do Outro é possível vivenciar a reflexividade que
será tratada logo a seguir. Este encontro permeia e delineia as estratégias a
serem utilizadas no percorrer do caminho a ser vivido com o Outro – aluno,
professor, Coordenação, direção, famílias – e, assim, marcar que mesmo sendo
um trabalho individual na sala de aula ou no planejamento, ao repartir as
inquietações, pensamentos, descobertas, medos... o trabalho se torna
efetivamente coletivo, colaborativo e com.par.t(r)ilhado.
O essencial das potencialidades do trabalho colaborativo joga-se no plano estratégico, e operacionaliza-se no plano técnico. Estrutura-se essencialmente como um processo de trabalho articulado e pensado em conjunto, que permite alcançar melhor os resultados visados, com base no enriquecimento trazido pela interacção dinâmica de vários saberes específicos e de vários processos cognitivos em colaboração. Implica conceber estrategicamente a finalidade que orienta as tarefas (de ensino) e organizar adequadamente todos os dispositivos dentro do grupo que permitam (1) alcançar com mais sucesso o que se pretende (as aprendizagens pretendidas), (2) activar o mais possível as diferentes potencialidades de todos os participantes (no âmbito do grupo-disciplina, do grupo-turma, ou outros) de modo a envolvê-los e a garantir que a actividade produtiva não se limita a alguns, e ainda (3) ampliar o conhecimento construído
113
por cada um pela introdução de elementos resultantes da interacção com todos os outros. (ROLDÂO, 2007, p. 27)
48
Quando se trabalha em parceria, em conjunto, tem que se ter
disponibilidade para partilhar e interagir em qualquer situação de trabalho que
se tenha ou que se vivencie.
Assim, é necessário caminhar juntos para que possamos incorporar a
experiência do que acontece. Nós, professores, trabalhamos com outros
sujeitos aprendizes – professores e alunos, sejam eles da mesma série, do
mesmo curso ou da mesma escola. Vale lembrar que os processos de ensino e
de aprendizagem destes sujeitos organizam-se como uma somatória de ações
que convergem para o mesmo caminho sem deixar as singularidades de cada
um ali presente.
Vale relembrar que a escola que é pautada na organização de
estratégias que possibilitem compreender a complexidade do processo de
ensinar e de aprender, necessita de um trabalho real de colaboração entre os
docentes que partilham as agruras e as belezuras do cotidiano escolar para que
o objetivo/interesse comum seja partilhado por todos aqueles que têm
interesse.
Quando esta ação de colaboração efetiva acontece, todos os sujeitos
envolvidos saem ganhando já que cada um, na sua individualidade e
singularidade, com tempos e modos de trabalhar particulares, se entrelaçam em
uma aprendizagem significativa obtendo um melhor desenvolvimento pessoal e
profissional do sujeito em si como do grupo em que está inserido.
Mas isto é fácil de acontecer?
Pode parecer simples e fácil, mas não é. Para construir um caminho de
trabalho colaborativo, com.par.t(r)ilhado é necessário romper com o jeito que a
escola como instituição está organizada. É essencial que haja modificações
48
O texto está transcrito no português de Portugal.
114
propiciando momentos diários de partilha e discussão sobre o que se vivencia
na sala de aula para que, assim, o grupo de professores se veja como um
grupo social que produz suas ações e as regula de maneira autônoma.
Dessa forma, ao olhar para o que acontece no dia a dia da escola como
caminhos possíveis de serem vividos e não somente cumpridos, pois quando se
tem a possibilidade de diferentes maneiras de organizar o trabalho, tanto aluno
como professores, podem parar e analisar o que estão fazendo e o que estão
pensando e, diante deste momento de reflexão, redirecionar o trabalho para
que este se torne cada vez mais concreto e significativo na aprendizagem que
ambos estão tendo. Assim, com o trabalho com.par.t(r)ilhado se instaura e se
evidencia que é na singularidade partilhada de cada um que o coletivo se
constitui, legitimando assim outra maneira de organização do trabalho docente.
Foi nesse ir e vir de palavras sobre o trabalho colaborativo que me
deparei novamente com Hargreaves et al. (2001) que destaca que, nas culturas
de colaboração, as relações de trabalho quando são desempenhadas pelos
professores, podem ser consideradas como espontâneas, voluntárias,
orientadas para o desenvolvimento, difundidas no tempo e no espaço e
imprevisíveis.
As relações espontâneas são apoiadas nas interações entre os próprios
professores e evoluem fluentemente quando nascem da própria comunidade.
Já, as relações de trabalho em colaboração são voluntárias quando os
próprios professores percebem o seu valor individual decorrente a experiência
profissional que potencializa um trabalho em conjunto como sendo agradável e
produtivo e não imposto administrativamente.
Quando as relações de trabalho são orientadas para o desenvolvimento,
os professores optam pelas tarefas e encaminhamentos do trabalho em grupo
sem se preocupar com os que estão ao seu redor. Já quando há uma
solicitação externa, selecionam o que de fato querem expor perante a
experiência individual e coletiva que já vivenciaram profissionalmente.
115
As relações difundidas no tempo e no espaço acontecem quando há algo
ou alguém que orienta/regula essa cultura colaborativa ao marcarem as
reuniões e planejamentos que podem ocorrer de maneira breve, mas frequente.
Estes encontros podem
(...) assumir a forma de palavras e olhares de passagem, elogios e agradecimentos, ofertas para troca de turmas em ocasiões difíceis, sugestões a respeito de novas ideias, discussões ou encontros conjuntos com pais. (HARGREAVES et al., 2001, p.216)
Dessa maneira, esta relação de colaboração se constitui na maneira
como os professores experienciam o cotidiano escolar.
As relações também são qualificadas como imprevisíveis onde os
professores não exercem certo controle sobre o que desenvolvem,
transformando as suas ações em resultados incertos e imprevisíveis.
É de extrema importância que os professores manifestem interesse e
disponibilidade no modo como se relacionam com os Outros. Ao ter esta
abertura, o professor vivencia um contínuo caminho de mão dupla, dando de si
e recebendo do Outro para que oriente sua ação e resolva situações de conflito
com o devido respeito à particularidade de cada um. (BOAVIDA & PONTE,
2002)
O trabalho com.par.t(r)ilhado pode acontecer com pessoas que estejam
no mesmo papel social assim como em outros lugares. Por exemplo: entre
professores da série, entre professores do mesmo segmento, entre professor e
coordenador, entre professores e alunos, entre professores e as famílias...
Lógico que ao vivenciar uma parceria diversificada, a exigência sobre o trabalho
do professor se torna maior, mas os diferentes olhares possibilitam uma visão
mais abrangente e compreensiva da realidade a qual está sendo
vivida/experienciada/analisada.
Concordo com alguns autores (GOULET & AUBICHON, 1997; OLSON
1997; HARGREAVES, 1998; BOAVIDA & PONTE, 2002) quando percebo,
116
nesse meu percurso de professora-pesquisadora, que há princípios que
facilitam a concretização de um trabalho com.par.t(r)ilhado na escola.
Confiança: Quando há confiança, há um clima de respeito e cuidado
presente em qualquer relação vivida, seja pessoal ou profissional. Ao
sentir confiança, você expõe suas ideias, medos, angústias, ações,
valores sabendo que será respeitada.
Para que esta confiança se estabeleça é importante que haja uma
confiança em si mesmo, pois sem ela não há como vivenciar um trabalho
com.par.t(r)ilhado.
Diálogo: Ao dar voz a experiência e entrelaçar com outras vozes isto faz
com que a compreensão do vivido se torne mais rico e amplo, pois
assim, haverá confronto de ideias que resultarão em novas
possibilidades de olhar o que está sendo discutido, vivido, pensado.
Negociação: é um princípio que permeia todo o percurso que vivemos.
Negociamos conosco mesmo, com o modo de organizar o trabalho, com
as prioridades que estabelecemos diante do que está posto e o que está
por vir, com os significados que damos as escolhas, ao próprio trabalho,
como atividade de labor e, aos relacionamentos que estabelecemos.
Eu destaco mais dois princípios que complementam e perpassam os demais
já citados anteriormente:
Afetividade: A amizade nos impulsiona a buscar nós mesmos diante do
inesperado ou do que está posto como instigante e desafiador já que o
Outro pode nos convocar a agir de maneira diferente perante o que
117
ocorre no cotidiano da escola. Dessa forma, estamos nos reinventando e
buscando estratégias para pensar o tempo presente e da formação a
qual estamos constantemente inseridas.
A amizade, uma das maneiras de a afetividade se manifestar,
pode estar concretamente presente no cotidiano ou pode estar mais
distante, mas nada impede de que essa relação humana, cheia de
contradições e afinidades, potencialize uma resistência das relações de
saber-poder como ressalta Loponte (2009) em seus estudos sobre a
Amizade: o doce sabor dos outros na docência.
Ao viver a amizade, nos tornamos cúmplices e podemos
experienciar o espaço político da escola com mais amorosidade e torná-
lo mais ameno diante da dominação presente, pois ao nos apoiarmos um
no Outro, podemos dar outros sentidos ao que está sendo imposto e
reinventar a situação e a nós mesmos.
A afetividade faz com que o professor vivencie a sua singularidade
e a multiplicidade de si mesmo já que está experimentando, vivenciando
outras possibilidades de ações e pensamentos, saindo da sua zona de
conforto para que, de fato, seu processo de formação seja
constituído/permeado de mais vozes, mais vínculos entre as pessoas
com as quais está convivendo diretamente e, assim, perceber que o
Outro se faz presente no seu trabalho individual, podendo se tornar um
trabalho coletivo.
Esse processo formativo não nega a existência do Outro ou de outras
visões presentes, mas fortalece o individuo que respeita às diferenças.
É nesta partilha que o professor abre seu olhar para o mundo e se
desvela de si mesmo para que a reflexão ocorra de maneira efetiva
sobre si mesmo e o trabalho que desenvolve na sala de aula e na
escola/sociedade em que atua.
118
Escuta sensível: A escuta sensível permeia todos os outros princípios
aqui tratados, pois para que a confiança, o diálogo, a negociação e a
afetividade/amizade aconteçam é necessário que este ouvir o Outro
esteja presente.
A escuta sensível faz com que, de fato, possamos conhecer o
Outro na sua totalidade humana, pois estamos nos aproximando e
conhecendo a multiplicidade da pessoa que está conosco: seus medos,
suas angústias, seus desejos, suas dores, suas alegrias, suas
frustrações, seus princípios, suas ideias...
Para que a escuta sensível ocorra, é necessário que haja uma
parada no tempo presente e que o sujeito se disponha a conhecer
sensivelmente o que está sendo expresso pelo Outro e que nas
entrelinhas do que não está sendo colocado perceba que junto aos
gestos, olhares, emoções vá constituindo este ato de ouvir sem
julgamentos e com delicadeza aquele momento.
(...) A pessoa que se dispõe a escutar não basta que tenha ouvidos, é necessário que ela realmente silencie sua alma. Silencie para perceber aquilo que não foi dito com palavras, mas que talvez tenha sido expresso em gestos, ou de outra forma. (BARBIER, 2002, p.141)
Ao ouvir, fazer a escuta atenta do que o Outro está nos contando,
estamos dando sentido àquilo que é dito e não dito para que possamos
nos distanciar de nós mesmos e reconhecer no Outro a sua
singularidade que poderá a vir compor sua ação futura.
Freire (1996, p.127/128) ressalta que “somente quem escuta
paciente e criticamente o Outro, fala com ele, mesmo que em certas
condições, precise falar a ele.”
O tempo em que vivemos nem sempre permite que possamos
escutar sensivelmente o Outro – pai, professor, aluno, Coordenação,
direção...- mas ao realizarmos esta ação de ouvir de fato, podemos ver
119
as belezuras e as agruras do cotidiano escolar - o qual estamos inseridos
e, assim, repensarmos nossas ações e escolhas diante da experiência
do Outro. Dessa forma, aprendemos a transformar o nosso discurso ao
Outro, em uma fala com ele, como nos alerta Freire (1996). Além disso,
estamos legitimando o Outro com seus defeitos e qualidades, a
confiança que temos um ao Outro e nos aproximando/mergulhando nas
relações interpessoais que estabelecemos nos diferentes espaços que
vivemos.
Ao praticar a escuta sensível não delimitamos ou limitamos o que
está sendo com.par.t(r)ilhado, mas podemos buscar caminhos possíveis
de serem vividos ou praticados individualmente e coletivamente.
O êxito do trabalho com.par.t(r)ilhado é uma eterna negociação presente
no diálogo e na confiança perante as escolhas pessoais e coletivas de cada um.
No entanto, concordo com Hargreaves (1998) quando diz que a
colaboração extrapola o seu valor em si mesma, ela é um caminho para a
resolução de problemas concretos e reais. Dessa forma, também evidencia os
diferentes pontos de vista e práticas existentes mostrando que algumas
questões do grupo são potencializadas deixando de lado a individualidade e a
inventividade.
Quantas vezes, nós, professores, estamos em reunião com demais
professores ou Coordenação, diante de uma deliberação a ser tomada e não
damos a devida importância em relatar e partilhar o processo vivido para a
tomada da decisão?
Enfim, na presença de algumas variantes encontradas ao longo do meu
percurso como professora e no trabalho colaborativo, tenho procurado dialogar
com o tema que venho estudando para redirecionar o olhar e pensar em
possíveis compreensões sobre parceria.
120
Nem todo o caminho são flores e não podemos perder de vista a
inserção da escola em um contexto educacional com forte controle externo,
tornando o trabalho do professor menos autônomo e mais burocratizado diante
das solicitações mais intensas que os Parâmetros Curriculares nos impõem.
Perante a experiência vivida, acredito que a parceria é possível de ser
construída na escola, uma vez que especialmente esta instituição tem um papel
político social que se preocupa com a formação da cidadania dos seus alunos,
professores, pais e toda a comunidade ali presente.
Com esta convicção, volto a olhar para o material que tenho em mãos e
percebo que não é fácil fazer uma seleção para análise. A singularidade
presente em cada escrita desperta, em mim, olhares que dialogam comigo
mesma e, com as dúvidas e certezas que tenho, pois ao falar do Outro significa
falar de mim mesma já que sou constituída no/pelo Outro (BAKHTIN 1986,
1988, 2000).
121
Capítulo 8: Por qual caminho vou?
123
Quem disse que o fim da picada não se abre na imensidão? Beco que vira avenida. Muro que cai para irmão. Esperança renascida escancarando a prisão. É promessa de vida no meu coração.
(Trecho do livro Abrindo Caminho – Ana Maria Machado)
125
E claro que a gente vai sentir os cansaços dos caminhos ou as dores das expectativas frustradas ..
É claro que isto vai pesar e vai até nos induzir a desistir, mas entre tantas lutas, sempre haverá uma
mão forte nos segurando, nos fortalecendo e nos fazendo continuar....
mesmo em meio a ventos tempestuosos......
Cecília Sfalsin49
Caro leitor, ao trilhar o caminho daqui em diante, você perceberá que fiz
algumas escolhas que me dão suporte na análise das questões que convocam
todo o meu ser neste momento pessoal e profissional.
Como se dá o processo de construção da parceria no cotidiano do trabalho docente? Quais os seus elementos que são constitutivos e quais as implicações educacionais deste processo?
Como todo caminhar, me aproximo, me distancio, escolho e faço paradas
para dialogar e perceber o que tenho em mãos uma vez que reagi
diferentemente a cada um dos (guar)dados.
Como a parceria está sendo focalizada em meu constante processo de
formação pessoal e profissional, escolhi, inicialmente, cinco dimensões de
análise, se assim, posso dizer. A parceria como caminho, como janela, como
espaço diverso, como charneira50 e como pertencimento.
Você verá que as tensões estão presentes implicitamente, mas cabe a
você, leitor, perceber nas entrelinhas os pontos a serem articulados, pensados
e refletidos.
Digo isso, porque escolhi dizer como vivi os momentos não querendo me
prender em mostrar uma formação eficaz diante de uma tarefa ou de um
49
Publicado no Facebook no dia 17 de junho de 2014. Disponível em: https://www.facebook.com/CeciliaSfalsinpoesias/photos/a.103601403138939.9862.103403286492084/312039522295125/?type=1&fref=nf . Acesso em: 23 nov. 2014. 50
Charneira é um ajustamento de duas peças de madeira ou de metal, encravadas uma na outra reunida por um eixo, de modo que uma delas pelo menos possa girar; dobradiça.
126
propósito. Mas, partilho como foi sendo construída minha identidade
profissional, mostrando como é a relação que mantenho com o mundo e as
diferentes maneiras de ler os acontecimentos, as coisas e as pessoas. (Charlot,
2005)
Dessa forma, é possível, ao longo da leitura, compreender que, ao me
formar (sempre pelocomno Outro), desenvolvo competências que me
permitiram gerir tensões e construir as mediações entre as práticas e os
saberes ali instaurados.
Com o olhar atento e curioso, concordo com as palavras de Charlot
(2005) que diz que a educação é permeada pela humanização, socialização e
singularização presentes na escola que partilha saberes e não informações.
Saberes estes que fazem com que eu e meus pares compreendamos melhor o
mundo e a vida que vivemos que são permeados por relações com os Outros e
das relações que mantemos conosco mesmos.
Em seguida, optei por paradas com.par.t(r)ilhadas que foram compondo
o caminho percorrido até então.
1ª parada com.par.t(r)ilhada: O registro e a importância do Outro no
olhar
2ª parada com.par.t(r)ilhada: Assembleia Docente e a importância do
Outro no diálogo e nas reflexões
3ª parada com.par.t(r)ilhada: a importância do Outro para a partilha
127
8.1. Compreendendo as paradas
com.par.t(r)ilhadas: focalizando a parceria
O material que apresento aqui pertence a cinco professoras que
compõem o grupo de 45 professores do Ensino Fundamental I, de uma escola
particular de Campinas. Como já mencionei anteriormente, em 2011, ao expor o
projeto de pesquisa do Doutorado ao grupo de professores e Coordenadores do
Ensino Fundamental I, fiz um convite para quem quisesse escrever uma
mônada sobre a parceria a partir do Paradigma Indiciário, de Rancière (2010).
O que você vê? O que pensa e o que sente? O que você faz com tudo isso? .
Você deve estar perguntando, mas por que somente as cinco
professoras foram escolhidas?
Procurando a imensidão possível a ser sentida após me aproximar do
que foi escrito pelas professoras em um determinado tempo e espaço do ano
de 2011, examinei os pormenores, as minúcias, a potência de cada um ali
impresso, tendo o cuidado de preservar os traços individuais na narrativa de
cada uma delas.
Durante a leitura, a esperança no trabalho com.par.t(r)ilhado foi
renascendo e sendo reafirmada como formas outras de ver a parceria como
promessa de vida no cotidiano da escola.
Aqui vale uma parada no caminho e olhar para os becos possíveis.
Assim, antes de trazer as palavras de cada professora, pedi a elas que se
apresentassem. Mas o que você deseja que escreva? Qual formato? Pode ser
algo breve? Não estou acostumada a fazer isso...foram as perguntas feitas a
mim quando solicitei a apresentação. Do jeito que quiser, fique à vontade para
se colocar, se apresentar da maneira que achar melhor porque o mais
128
importante é que você diga quem você é e não eu. Você é a melhor pessoa
para dizer de você! Estas foram as minhas orientações.
E assim foi... palavras impressas na apresentação que não foram
analisadas, mas que dialogaram com o que me apresentaram do que é
parceria, mas este é um beco no qual eu não entrei para desvendar, mas que
ao ler, você verá as imensidões ali presente e compor o seu jeito de
lersentircompreender o que está posto.
Desse jeito, cada relato apresentado gerou um título que, acredito eu,
compõe o que é parceria para cada professora. A parceria pode ser um
caminho, uma janela, um espaço diverso, uma charneira e um espaço de
pertencimento que revela o entrelaçamento de olhares e vivências dessa
maneira de trabalhar e organizar o trabalho docente.
Caro(a) leitor(a), agora você iniciará o percurso para sentirler o que é
parceria que está organizada com o título que foi concebido após a análise, a
apresentação de cada professora está em caixa com letra diferenciada e, em
seguida, o texto produzido por cada uma delas, em outra caixa com cor, sobre o
que é parceria. Muitas vezes, as palavras apresentadas nestes dois textos
aparecem, em itálico, também na análisediálogo que estabeleço com elas e,
com você, para retomar e evidenciar alguns pontos que sobressaíram em
minha leitura.
Já disse em uma nota de rodapé, mas vale ressaltar que os nomes dos
participantes da pesquisa foram alterados para preservar a identidade de cada
um. O único nome não alterado foi o meu que aparece como Marissol ou Mari.
129
8.1.1 A parceria como caminho
Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou
lutar; porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é o decidir. Cora Coralina
51
Desde criança me dividia entre duas brincadeiras frequentes: ser a professora da “escolinha” e ser a “estilista” das minhas bonecas favoritas, feitas de papelão. Finda a oitava série, fui a única a optar pelo magistério, não para ser professora, mas por gostar muito da área de humanas. No magistério me frustrei com os estágios, me mostraram uma sala de aula na qual não gostaria de trabalhar... e o gosto pela Moda cresceu em mim e superou o da Educação na opção pela primeira faculdade. Lá fui eu para São Paulo e depois de quatro anos árduos era bacharel em desenho de Moda. Durante a faculdade trabalhei na área e descobri que apesar de amá-la, não apreciava trabalhar na mesma... pedras a ultrapassar que mexeriam com alguns princípios de vida. Retornei a Campinas. Depois de mais algumas pedras e curvas no meu caminho, eis que escolho o quê? Trabalhar na escola, e foi numa sala de primeira série que entrei como professora em minha estreia e também foi nesse momento que “badalaram os sinos” de uma paixão. Pronto! Não imaginava até então que muito trilharia na Educação, até por necessidade de melhorar minha formação. Entrei para a Faculdade de Educação cursando Pedagogia. Amei a faculdade que disse que jamais cursaria (adolescente não sabe de nada mesmo!)! Vi que ainda me faltavam conhecimentos, “buracos” da Pedagogia – parti para a primeira especialização, em Neuropsicologia aplicada à Neurologia Infantil. Mudanças no modo de ver meus alunos e alunas aconteceram, e para melhor, contudo sentia que faltavam aspectos mais práticos e teóricos sobre as intervenções cotidianas, e hoje curso Psicopedagogia em busca dos mesmos. Passei por escolas privadas, públicas e que recebiam verbas mistas. Aprendi e aprendo com as pessoas, principalmente com as
51
Disponível em: http://pensador.uol.com.br/cora_coralina_frases/. Acesso em: 29 nov. 2014.
130
que têm como prática compartilhar. Conheço-me e sei que muito há por vir, nunca deixei de apreciar o muito que aprendi na Moda e que está impresso em mim, vivo fazendo relações entre Educação, Moda e Arte. Será que um dia uno tudo isso, resgatando as brincadeiras favoritas da infância? Só o tempo dirá.
Certo dia conversava com uma professora e ela, com uma expressão divertida,
perguntou se já havia me acostumado a linguagem da escola. Nova que sou na escola,
logo compreendi que não poderia ter feito questão mais apropriada! O termo por ela
usado expressava a minha exata sensação: estava aprendendo uma nova linguagem...
Nesta, um conceito forte que surgiu já nos primeiros dias de trabalho foi o de
parceria. Não que fosse novo, mas é necessário reconhecer que no contexto da minha
vida profissional nunca tinha empregado. Apareceram outros afins e não com muita
regularidade.
Reunião de indivíduos para alcançar um objetivo comum, é uma das definições
encontradas no dicionário Houaiss e penso que é pertinente à parceria na escola e no
grupo de professoras do qual faço parte, contudo com a devida ampliação: somos
pessoas trabalhando, pensando e dialogando a fim de trilhar o caminho de uma
educação de excelência. É claro, que a parceria é permeada por ideias e opiniões ora
concordantes, ora discordantes.
As diferentes experiências e a dinâmica das trocas entre parceiras enriquecem
os encontros sejam nos CPs, durante aulas vagas ou em pequenos intervalos, através
dos e-mails enviados e respondidos. Acomodação é um termo que definitivamente não
se aplica à parceria – “velho” e “novo” se relacionam e se transformam na construção
do trabalho.
Na parceria do 4º ano me sinto à vontade para perguntar e escutar, sabendo
que existe espaço e oportunidade para ensino, aprendizagem e crescimento entre
parceiras. Tenho aprendido bastante e o desejo de contribuir mais é crescente.
131
Parceira52, em suas palavras você define muito bem a Parceria e, assim,
tive uma vontade enorme de dialogar junto com você para delinear este
conceito tão usado, mas tão específico desta escola.
Na nossa Escola, usamos Parceria, mas podemos transcender este
termo para tantos outros momentos de encontros que acontecem no cotidiano
das escolas: HTPC, ATPC, Hora-Atividade, Encontro, Reunião Pedagógica,
Atividade Extra-classe...
Ter o momento de Parceria, horário de trabalho com.pa(r)trilhado, se faz
presente na maioria das escolas desde que a lei 11.738/2008 de Piso Salarial
foi sancionada, mas não quer dizer que de fato se utilize este espaço como
momento efetivo de trabalho pedagógico desenvolvido pela equipe pedagógica
da escola tendo como foco a aprendizagem do aluno e a formação continuada
do professor.
Para que a Parceria cumpra o seu papel é importante que todos estejam
presentes, haja troca de experiências para pensar e repensar (reflexão) a
aprendizagem dos alunos e a atuação do professor em sala de aula; pauta
definida e uma pessoa que registre a discussão para partilhar com a
Coordenação da escola, pois é de responsabilidade da Coordenação
pedagógica propiciar os momentos de formação individual e coletiva orientando
diálogo da prática docente; planejamento de ações futuras que envolvam a sala
de aula e a escola como um todo e, assim, propiciando uma formação a partir
da lida diária do chão da escola.
Fácil de fazer? Lógico que não, tem dias que o cansaço toma conta, mas
ao ter uma pauta a ser seguida faz com que você sinta-se “(...) à vontade para
perguntar e escutar, sabendo que existe espaço e oportunidade para ensino,
52
Os professores da mesma série se chamam de parceiros devido ao termo utilizado nesse encontro: Parceria.
132
aprendizagem e crescimento entre parceiras. Tenho aprendido bastante e o desejo de
contribuir mais é crescente.”, como nos coloca a professora.
Concordo com você que “As diferentes experiências e a dinâmica das trocas
entre parceiras enriquecem os encontros” e assim vamos construindo e delineando
um jeito de trabalhar específico de cada Parceria e de cada escola, pois quando
trocamos experiências estamos relembrando em conjunto,
(...) isto é, o ato de reconstruir a memória de forma compartilhada, é um trabalho que constrói sólidas pontes de relacionamento entre os indivíduos - porque alicerçadas numa bagagem cultural comum - e, talvez por isso, conduza à ação. Portanto, a memória compartilhada é tanto forma de domar o tempo, vivendo-o plenamente, como empuxo que nos leva à ação, constituindo uma estratégia muito valiosa nestes tempos em que tudo é transformado em mercadoria e tudo possui valor de troca. Essa memória compartilhada, enquanto desejo latente do homem pós-moderno, que se realiza numa relação não inserida na lógica de mercado, nos leva a construir redes de relacionamentos nas quais é possível focalizar em conjunto aspectos do passado, envolvendo participantes de diferentes gerações de um mesmo grupo social. Nesse processo são utilizados o que chamamos de "óculos do presente", para reconstruir vivências e experiências pretéritas, o que nos propicia melhor compreender os problemas do presente e pensar em bases mais sólidas e realistas nossas futuras ações. (VON SIMSON, 2003, p. 16 e 17)
Mas nem tudo é tranquilo. Não somos ingênuas, né parceira? Sabemos
que no grupo também temos as regras, os jeitos de comunicação de cada um e
do grupo em si, a cooperação, a competição, divisão de tarefas e certa
distribuição de poder e de liderança. Porém, isso também faz parte da
aprendizagem donopelo grupo.
O grupo funciona como um campo de referências cognitivas e afetivas, onde o sujeito se integra e se reconhece, podendo tanto bloquear quanto estimular processos criativos e críticos. Enriquez (1997) afirma que, combinando relações de produção e de afeto, o pequeno grupo oferece manifestações de organização, expressão, solidariedade e criatividade que remetem ao contexto social. Sendo portador de um projeto, o grupo é ao mesmo tempo analista e ator de sua ação, contribuindo para produzir sua consciência no contexto de
sua ação. (AFONSO, VIEIRA-SILVA, ABADE, 2009, p. 708709)
133
É neste espaço de Parceria, de grupo, que as pessoas vão revelando
seu jeito de ser e pensar pessoal e profissional e, consequentemente,
construindo a sua história e a sua identidade e, ao mesmo tempo, construindo a
do grupo.
Aqui me lembro de Freire (1997. p. 59) quando diz que gosta de ser
gente porque pode perceber sua presença no mundo que é produzida pelo fato
de estar com o Outro. “Seria irônico se a consciência da minha presença no
mundo não implicasse já o reconhecimento da impossibilidade de minha
ausência na construção da própria presença.” Assim, vamos nos mostrando
como sujeitos ativos da nossa própria história e do grupo ao qual pertencemos.
Estar no mundo e na Parceria é estar com o mundo e com as pessoas. É
dialogar e dizer o que se faz e o que se pensa. É mostrar que estamos abertos
ao novo, curiosos com o que intrigainstiga, dispostos a aprender e apreender
com os sucessos e fracassos do cotidiano, apurando assim, nossas habilidades
e competências de aprender e de ensinar perante o que vivemos para
transformar, intervir e recriar a nossa realidade.
É claro que nem todos assumem este posicionamento, mas se faz
necessário ter respeito às diferenças e encontrá-los na coerência das ações
entre o que fazemos e o que dizemos. É nesta disponibilidade de respeito, de
diálogo, de negociação que a confiança vai se constituindo.
Na Parceria precisa-se propiciar a escuta dos Outros com confiança e
partilhando-a para que se possa discutir e analisar um fato, expondo com
clareza face outra decisão tomada pelo grupo. Essa confiança se consolida
quando o saber efetivado da própria experiência proporciona de um lado, a
ignorância mediante um assunto ou, de outro, abre um caminho para conhecer.
Ao abrir-se para o mundo o sujeito, o professor, instaura a relação
dialógica que se confirma com a inquietação e curiosidade.
134
Com este processo dialógico acontecendo, a Parceria vai sendo
construída napela relação e nopelo processo democrático e dando uma
responsabilidade maior para este momento de formação contínua e de
discussão do trabalho com.pa(r).trilhado.
Muitas vezes não temos clareza dessa responsabilidade e nos
dispersamos ou nos tornamos passivos ou até mesmo ficamos agressivos. Mas
ao partilhar a pauta e o registro com o próprio grupo ou a Coordenação em
outro momento, buscamos compreender estas atitudes, criando novas maneiras
de organizar o labor colaborando para que se tenham melhores condições de
trabalho.
Lógico que o tempo não flui da mesma forma para todos, mas cada um
busca auxiliar o Outro no que se refere ao tempo coletivo, trazendo a
singularidade individual e tirando-a do lugar comum para um caminho sem volta
evocando um mapa afetivo e intelectual da sua experiência e do seu grupo
(BOSI, 1993).
8.1.2. A parceria como janela...
A janela: não é onde a casa sonha ser mundo? Mia Couto (2012)
Inevitável não trazer as palavras desta professora, pois o que traz, faz
com que eu retome e relembre experiências por mim vividas na parceria da
série e do segmento em que atuo.
Veja como ela se apresenta:
Sou mulher, brasileira, professora. Sou menina, cidadã do mundo, professora. Sou velha, estrangeira, professora.
135
Fiz Pedagogia, sou professora. Fiz iniciação científica, Mestrado em Educação, estou no Doutorado em Artes Visuais, sou professora.
Dos pequenos e dos grandes, mais que grandes na pós-graduação. Sou professora, por isso, eternamente aluna. E é o que quero ser.
Eu vejo um espaço que pode ser preenchido de muitas maneiras, uma
janela por onde pode entrar o sol e irradiar sua luz e calor numa manhã fria e
sem graça, mas também por onde a tempestade pode invadir e desestabilizar
tudo com suas rajadas de vento.
De dentro da janela, eu sinto todas essas ondas de coisas boas e tensas
que procuro filtrar e aproveitar, pois entendo que assim como o sol aquece e
conforta, ele pode cegar nossa visão e queimar nossa pele se nos expusermos
demais a ele. Também a tormenta, que assusta num primeiro momento, traz
uma nova cor para as coisas depois que passa e rearranja tudo por onde
passou. Saber ver a beleza da troca é isso.
Parceria é espaço de falar, de escutar, de aprender, de discordar, de
concordar, de muitas possibilidades. Cansa, às vezes, porque nem sempre se
consegue uma harmonia nas relações, mas isso também é vida e faz viver. Eu
aproveito tudo e me transformo. Sempre.
Obs. Pode ser assim? ( “mulher, brasileira, professora” - 2011)
Lógico que pode ser assim! Registro é um texto que retrata uma
realidade imediata que é capaz de gerar pensamento que manifesta o próprio
pensamento, sentido e significado do Outro. Além disso, muitos registros são
divulgados e podemos encontrar o repetitivo e reproduzível. Porém, cada um é
“individual, único e irreproduzível, sendo nisso que reside seu sentido.”
(BAKHTIN, 2000, p. 331)
136
Sentido presente na maneira singular dessa professora se manifestar ao
trazer a metáfora da janela/parceria para dialogar com palavras e imagens
delicadas e intensas traduzidas na vivência do trabalho com.par.t(r)ilhado.
Percebo que esta “mulher, brasileira, professora”, como ela mesma se
define, faz um movimento de distanciamento e aproximação da parceria em
que está inserida. De fora da janela diz o que pode preencher o espaço de
trabalho (o caminho) com ações potentes que podem ser traduzidas
instantaneamente aos fenômenos dinâmicos e interativos do que está posto no
cotidiano do trabalho, assim como pode desestabilizar e, a priori, fazer com que
todo o empenho/encaminhamento sejam desmerecidos e necessitam de uma
retomada. É preciso olhar da janela o caminho, deslocar o corpo em movimento
à busca daquilo que se deve percorrer para que a harmonia, apresentada por
esta professora, seja uma constante.
Nesse sentido, é múltiplo o diálogo que pode ser estabelecido com algo
desconhecido que entrará pela janela para a socialização e conhecimento
do/com o Outro: o sol ou a tempestade.
Mas de dentro da janela, ao afirmar que “Saber ver a beleza da troca é isso.”
a professora consegue visualizar e gerir as múltiplas variáveis que constituem o
trabalho com.par.t(r)ilhado, pois sobre a ação já vivida consegue evidenciar a
reflexão que tem sobre o que entra na janela e a faz repensar e redirecionar o
que se propõe inicialmente.
Nesta continuidade de formação, a professora “mulher, brasileira,
professora” olha para as possibilidades de reconstrução de saberes pessoais e
profissionais a partir das informações que seleciona e compartilha comigo, a
pesquisadora. Esse movimento faz com que olhe para a parceria como um bem
comum e legitima que este é um “espaço de falar, de escutar, de aprender, de
discordar, de muitas possibilidades”, pois é no coletivo que os pares se constituem
como parceria.
137
Dessa abertura da janela que entra o sol e a tormenta, é que a “mulher,
brasileira, professora” evidencia que é neste meio em que vive, povoado de
confrontos e encontros, que se constitui e que, de cada situação vivida,
aproveita-as e se transforma constantemente na coletividade dialogada para a
tomada de decisões/ações/planejamentos.
Daqui, de fora da janela da “mulher, brasileira, professora”, olho a
paisagem que se delineia... é na multiplicidade de culturas ali presentes que a
professora negocia e se movimenta procurando criar, recriar, reinterpretar as
informações, conceitos e significados, pois a vida social ali instaurada se dá na
interação entre o mundo cultural e subjetivo de cada um onde há transformação
e síntese.
8.1.3. A parceria como espaço diverso...
Eis o que eu aprendi nesses vales onde se fundam os poentes: afinal, tudo são luzes e a gente acende é nos outros.
Mia Couto (2003)
Outras palavras são partilhadas na narrativa da professora que se
apresenta assim:
Acredito que minha formação aconteceu muito mais na prática, durante o exercício das funções tanto de professora quanto de orientadora educacional, do que na faculdade de pedagogia. No entanto, por trabalhar em escolas que assumiam a formação dos educadores como uma necessidade contínua, minha prática foi sempre acompanhada por análises e estudos.
Certamente a troca de experiências e o estudo entre pares na rotina das escolas foi fundamental para o movimento de constante reflexão, para o entendimento da realidade de turmas, alunos e suas famílias e para a adequação de práticas e buscas de soluções para as dificuldades encontradas.
138
Em termos formais... Ensino Médio, na época, voltado para Biológicas 1977 - 1º ano de Psicologia na PUC São Paulo 1978 - Reopção para Pedagogia, com especialização em
Orientação Educacional e início de estágio na Escola Nova Lourenço Castanho, onde trabalhei por 7 anos
1985 - Inconformada com as dificuldades dos alunos busquei o curso de pós graduação em Psicopedagogia no Sedes Sapientiae
1987 - retomei a sala de aula e passei a fazer atendimento de crianças com dificuldades de aprendizagem
1988 - trabalho como Orientadora Educacional e Coordenadora Pedagógica do Fundamental I, 4º e 5º anos
1993 - mudança para Campinas e volta à função de professora, que exerço até hoje
Durante esses anos de trabalho fiz e continuo fazendo diversos cursos e estudos numa importante e necessária aquisição de conhecimentos, atualizando continuamente essa formação de educadora que nunca está completa.
Entre as muitas pessoas com quem troquei experiências, dúvidas, anseios e descobertas está você, Marissol, com quem aprendi muito.
Estou sempre no seu fã clube, me alegrando com seus sucessos.
Se quiser algo mais ou diferente é só dizer.
Grande abraço!
Maria
No trabalho em parceria vejo a diversidade de expressão e de
pensamento. Vejo meus colegas e me vejo neles. Sou estimulada, apoiada e
também desafiada. Confiante, escolho a exposição, a defesa de princípios e
valores e dos meios para atingi-los. Crio. Convido. Negocio. Contribuo.
Tolhida, me escondo. Espio e desconfio. Reproduzo, posso sonegar.
139
O trabalho em parceria alimenta a instituição que é democrática,
fundamentada e exercida no respeito mútuo; forma e fortalece cada um de seus
profissionais na busca constante da coerência entre filosofia e prática; valoriza
o profissionalismo e o trabalho de evolução pessoal.
Assim como para outras práticas que envolvem relacionamentos, é
preciso acreditar e dispor-se para que os resultados sejam positivos. E eu
acredito. Sempre trabalhei em parceria, com amplos ou modestos resultados,
dependentes da configuração da parceria em si e do espaço desta crença na
instituição em que estivesse inserida.
No entanto, vejo que se por algum motivo a competitividade é
incentivada, o trabalho em parceria, ou em equipe, é abalado. As competências
individuais sempre vão aparecer e podem ser valorizadas quando estiverem a
serviço do bem comum, sem que para isso seja necessário um se sobrepor ao
outro. O ideal é que os objetivos sejam atingidos em parceria, como se o
sucesso fosse um bem público, de responsabilidade de todos, e não um bem
privado, de responsabilidade individual.
No trabalho em Educação, que tanto exige de percepção, reflexão e
atuação, que tanto mexe com os sentimentos, na formação de vínculos com
alunos, e suas famílias, que vem e vão, como é bom e enriquecedor poder
contar com o olhar da parceira-auxiliar, que traz outras visões ou confirma a
minha, com seus ouvidos para o desabafo necessário que antecede a reflexão,
que revê ou prepara a ação educacional.
É a professora que já exerceu também o cargo de Coordenação que, no
registro de suas palavras expressadas faz-me recordar de Pierini (2007)
quando trata sobre o registro.
Bom é registrar para expressar, para tornar nas mãos o que se revela de cada um e torná-lo de todos, para materializar o revelado. Bom é
140
registrar e trazer a tona fragmentos de momentos em que cada um se afirma, ao afirmar suas verdades, em que cada um ouve as verdades dos outros e melindra-se com elas, incomoda-se, inquieta-se, traz para o outro a sua inquietação, fala, publica as suas convicções, se revê ao rever o outro. (p.82)
É um processo revelador quando assume o quanto o Outro a constitui.
É por isso que a experiência verbal individual do homem toma forma e evolui sob o efeito da interação contínua e permanente com os enunciados individuais do outro. É uma experiência que se pode, em certa medida, definir como um processo de assimilação, mais ou menos criativo, das palavras do outro (e não das palavras da língua). Nossa fala, isto é, nosso enunciado (que inclui as obras literárias) está repleto de palavras do outro, caracterizadas, em graus variáveis, pela alteridade ou pela assimilação, também em graus variáveis, por um emprego consciente e decalcado. As palavras do outro introduzem sua própria expressividade, seu tom valorativo, que assimilamos, reestruturamos, modificamos. (BAKHTIN, 2000, p. 313, 314)
Ao dar-me conta deste processo pela narrativa apresentada, faz um
movimento de rememoração evidenciando as suas articulações e significações
vividas que também ecoaram em mim e nas escolhas que fiz e faço até então.
Ao escrever, a professora potencializou sua subjetividade e proporcionou um
distanciamento temporal do que de fato a constituiu e da constituição da
parceria a qual estava inserida.
Ao partilhar suas impressões, sentimentos, opções,
permitiu a cada um isolar as diferenças e semelhanças nos meandros das vidas e em particular quanto a maneira de orientar a sua existência, de reagir a acontecimentos, de fazer opções. (JOSSO, 2010, p. 148)
Nessa intensidade de escolhas feitas ao longo dos anos, a professora
participa ativamente do processo de formação que provoca em cada um, novas
141
interrogações fazendo com que possa avançar continuamente no seu processo
de formação individual e coletivo.
Ao ler as palavras de Maria, inicio a procura daquilo que gera a
singularidade na generalidade (JOSSO, 2010, p.179) e vou identificando em
mim algumas marcas que impulsionam uma reflexividade quando diz que “como
é bom e enriquecedor poder contar com o olhar da parceira-auxiliar, que traz outras
visões ou confirma a minha, com seus ouvidos para o desabafo necessário que
antecede a reflexão, que revê ou prepara a ação educacional.”
Como é raro quando estamos nesta posição de fazer, de viver a
docência, de expressar o que fazemos ou vivemos, encontrar pessoas
dispostas a partilhar, ao mesmo tempo, a busca e a procura de um ou vários
sentidos no trabalho que desenvolvemos no cotidiano da escola que constitui
aos poucos o nosso desenvolvimento pessoal e profissional.
Ao dizer sobre a importância do sucesso como bem público, Maria
evidencia a competência profissional que envolve “a apropriação de saberes
plurais num sentido mais amplo” (FOERSTE, 2005, p. 106) e, consolida assim,
um espaço de negociação consigo mesma e com os sujeitos e espaço de
trabalho ao qual está inserida.
Ao procurar o Outro para compreender o trabalho que estava sendo
realizado - trabalho real - era (ainda é) organizar os novos métodos e regras de
trabalho - trabalho prescrito -, ou seja, estava interpretando as experiências
resultantes desses confrontos pessoais e coletivos e renormalizando-os.
Como outro trabalhador, quando retoma as normas prescritas, está
dando outra dimensão ao trabalho, pois faz julgamentos, interpretações, micro-
escolhas e micro-decisões necessárias para encaminhamento do trabalho.
142
8.1.4. A parceria como charneira
O bom do caminho é haver volta. Para ida sem vinda
Basta o tempo. Mia Couto
(2003)
Luma se apresenta no movimento do que nunca foi e do que ainda está
nascendo...
Sempre me encantei com ensinar e aprender. Percorri outra língua. Pensei estar no lugar errado, ser da terra que o vocabulário me revelava.
O tempo passou e o encanto do ensinar ler e escrever me fisgou. Ver o crescer e participar destes momentos...me prendeu.
Ser parceira de parceiras que assim sentem é complementar desejos...um despertar diário.
Ensinar é aprender sempre, perceber que tudo muda, que vivemos um eterno novo.
Essa sou eu. Luma. Apelido que no nome esconde outros nomes. Tudo complementar.
143
Parceria: O que você vê? O que você pensa? O que faz com tudo isso?
Vejo diversidade, mas pouco crescimento e aproveitamento pela diversidade no
grupo de minha parceria.
Vejo parceria com pessoas inseguras que têm medo de dizer “ eu não sei, me
ensina fazer”. Vejo que se apóiam no glamour da formação acadêmica, mas tal
confiança não se remete a práticas.
Vejo pessoas que julgam o outro pela aparência do que fazem. Ou aprofundam
demais onde não precisam, ou raso onde necessita de profundidade.
Penso que parceria é diversidade e abertura. Aprender com o outro e uma
grande vontade de mudar através da mudança ou estagnação do outro.
Penso que parceria não é divisão, mas é ouvir e se inspirar no outro e fazer o
seu, com sua cara de sentimento, crenças pedagógicas e clientela.
O que faço com tudo isso ?
Divido muito, falo muito, conto com entusiasmo, pois sou entusiasmada no que
faço, mas se vejo pouca atenção do outro, desanimo e me calo. Minhas
palavras são caras e as deixo para quem quer ouvi-las.
Faço parcerias transversais sem restrições hierárquicas, colegas, coordenação.
Aproveito o que posso da experiência do outro, pois assim se dá o crescimento,
na troca.
Não tenho medo de falar e nem do outro na parceria. Tenho confiança no que
penso e quando não tenho vou em busca e me intriga.
Faço de minha convivência na parceria um ambiente bom. Descarto o que é
negativo com facilidade. Faz mal, adoece guardar. Tenho segurança para
enfrentar minhas crenças.
Ao ler as palavras de Luma, me remeto à imagem de charneira. Mas o
que é uma charneira?
144
Charneira é um ajustamento de duas peças de madeira ou de metal,
encravadas uma na outra reunidas por um eixo, de modo que uma delas pelo
menos possa girar; dobradiça. Assim, podemos dizer que a charneira, no
sentido figurado, é algo – a parceria - que une pessoas diferentes, que serve à
união de pessoas ou mundos diferentes.
Depois de tantos anos de experiência docente, o eixo desta charneira, é
possível olhar para o grupo ao qual estamos inseridos e colocando o que de
fato pensamos e sentimos.
Luma vê um grupo que pode ser impiedoso em determinados momentos
quando diz que é diverso, mas com pouco crescimento ou, que ainda, as
pessoas se valem da formação acadêmica para se colocarem em palavras que
não são mostradas nas ações. Concordo com ela que, muitas vezes, o grupo
ao qual você está inserido faz com que as pessoas que ali estão criem
máscaras evidenciando uma falsa segurança perante os que demonstram maior
fraqueza, seja ela, profissional ou pessoal.
Ao mesmo tempo, ao dizer que não há crescimento profissional, e olha
que muitas vezes usamos este “rótulo”, realiza-se um pré-julgamento que nem
sempre é real porque, muitas vezes, o Outro não revela no momento ou, a
seguir dele, um deslocamento esperado, mas que no decorrer do caminhar,
poderá apresentar indícios ou tentativas de mudanças.
(...) conhecer-se um pouco melhor, poder pensar-se em sua subjetividade, manter um sentimento de individualidade, adquire uma importância ainda maior, acredito, pelo fato de se ficar menos exposto a uma relação totalizadora com um grupo(...) (PETIT, 2008, p. 77)
Mas a parceria é assim mesmo, não é Luma?
Cheia de contradições que nos permite tê-la como um como momento de
transição, de evolução, de transformação como uma charneira que possibilita o
fechamento e a abertura de novos encaminhamentosdesafios quando afirma
145
que “(...) parceria é diversidade e abertura. Aprender com o outro e uma grande
vontade de mudar através da mudança ou estagnação do outro.”.
Veja que o aprender contínuo é essencial e se baseia na própria pessoa,
como agente, e na escola, como lugar de crescimento profissional permanente,
como nos alerta Nóvoa (2002)53. A formação continuada se dá neste espaço de
parceria que é individual e coletiva ao mesmo tempo. Das ações solitárias que
geram certo desânimo em Luma se tornam coletivas quando encontra a
experiência do Outro em diferente espaço da parceria da série, as parcerias
transversais, reforçando a ideia de que temos que exercitar o que vivemos para
aprender com o Outro.
As parcerias transversais podem ser mais bem compreendidas quando
me deparo novamente com as palavras de Michèle Petit (2008, p.52):
Cada um de nós não está apenas ligado a um grupo, um espaço ou um lugar na ordem social, do qual propagamos os traços, gostos, maneiras de fazer e de pensar característicos de sua classe ou de seu grupo étnico. Ele, ou ela, se constrói de maneira singular e tenta criar, com as armas que possui, com maior ou menor êxito, um espaço em que encontre seu lugar; trata de elaborar uma relação com o mundo, com os outros, que dê sentido a sua vida.
Usando desta estratégia de parcerias transversais, Luma explicita que
aproveita “(...) o que posso da experiência do outro, pois assim se dá o
crescimento, na troca.”. Com certeza, é da reflexão da experiência pessoal
partilhada com os outros parceiros de trabalho é que surgem novas práticas
educativas eficazes que vão constituindo outro ponto importante da parceria
que já trouxe anteriormente, a confiança em si mesma e no Outro que está
trilhando o caminho com ela.
Vale ressaltar que a confiança revela as certezas que temos ou não em
nós mesmos ou no Outro. Confiança que pode e deve ser construída perante as
53
Ver palestra de António Nóvoa (2002) disponível em: http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/materias_296377.shtml. Acesso em: 21 nov. 2014.
146
experiências de vida pessoal e profissional que temos, dos valores éticos e
morais que delineiam uma conduta aceitável ou não.
Ao se ter confiança, Luma, mesmo tendo um olhar crítico sobre a
parceria, mostra que conhece a si mesma e desvela uma qualidade da escola
democrática, como nos coloca Freire (1997), a segurança. A segurança que se
apresenta em vários momentos: segura de si, segura da autoridade que
necessita, segura do que irá dizer ou até mesmo se calar...exercendo assim
uma sabedoria.
Uma sabedoria que se alia à escuta sensível ao se dispor a receber e a
buscar o Outro, abrindo-se com confiança ao dizer que “Minhas palavras são
caras e as deixo para quem quer ouvi-las.”. Pois é Luma? Até para ouvir o
Outro você se mostra sensível quando percebe que necessita de tempo para
processar as suas próprias palavras, pois o silêncio é “um lugar de recuo
necessário para que se possa significar, para que o sentido se faça sentido.
Reduto do possível, do múltiplo, o silêncio abre espaço para o que não é ‘um’,
para o que permite o movimento do sujeito” (ORLANDI, 1995, p.13).
8.1.5 Parceria como espaço de pertencimento
A vida me fez de vez em quando pertencer, como se fosse para me dar a medida do que eu perco não pertencendo. E então eu soube: pertencer é viver. Experimentei-o com a sede de quem está no deserto e bebe sôfrego os últimos goles de água de um cantil. E depois a sede volta e é no deserto
mesmo que caminho. Clarice Lispector
54
Professora, natural de Campinas, São Paulo. Ainda na infância dirigi minhas atividades de brincar ao encanto de ensinar as bonecas e depois as irmãs mais novas.
54
Disponível em: http://pensador.uol.com.br/clarice_lispector_pertencer/. Acesso em: 29 nov. 2014.
147
Já na adolescência, com a troca de informações com as professoras da família; tias, madrinha e primas percebi que ser professora era mais, era também troca de informações. E com dedicado estudo vivo hoje o ser professora com muita vontade, alegria e procurando fazer com que cada dia na Escola, seja sempre um novo dia. É esse o trabalho que acredito, marcado por esforço, muitas trocas e de constante busca, pois o professor está em constante aprendizagem.
Acredito que a relação entre as pessoas ainda é o grande desafio da
vivência humana, daí o grande número de pesquisas, livros, novelas, filmes,
desenhos, teatro e outros meios de comunicação e informação social que
abrangem e exploram este tema. E em nosso trabalho a vivência maior se
expressa e acontece no trabalho em parceria.
Na verdade vejo que o trabalho em parceria tem como objetivo e foco a
colaboração mútua. Custei um pouco a entender estes aspectos, pois a
colaboração mútua esbarra em critérios pessoais: o que vejo como colaboração
e troca e o que pode ser ameaça caso um parceiro use a minha ideia e faça
melhor ou apareça mais que eu. Levei tempo para entender porque acho que
co-participação é colaboração, sem medo do outro, penso sempre em agregar e
partilhar, todas somos co-autores, co-participantes nas atividades, projetos,
módulos e demais empreitadas que nos envolvem e que somos envolvidos
diariamente.
Quando não temos reunião de parceria, sinto falta e quando temos, às
vezes, me causa raiva. Raiva em sentir de perto, em algumas situações e
parceiras, a falta da troca motivada pelo medo do outro que parece nos dizer:
tenho o que contribuir, mas será que você não fará situações de trabalho
melhores com estas ideias e daí, como eu fico? Afinal, fui eu que fiz . . .
Mas a força do trabalho e troca são maiores para mim, hoje consigo não
mais me apegar nesse tipo de situação e respeitar que assim o faz. Observe
148
que somos uma parceria mais colaborativa do que receosa. Que busca mais a
ajuda mútua e a troca, deixando de lado os receosos.
Sinto falta da parceria pelo próprio momento do encontro das pessoas, é
bom saber como cada um vai e depois fazermos o trabalho. Nos dias atuais os
computadores, e-mails, mensagens instantâneas, celulares a qualquer hora e
em qualquer lugar tentam substituir aquela conversa gostosa. Os
relacionamentos dessa forma ficaram mais frios e um tanto egoístas!
Precisamos de colo e de carinho das parcerias e ainda descobrir no espelho da
face do parceiro a revelação de nós mesmos enquanto pessoas e educadores
que somos. É bom sentir a alegria de um projeto iniciado, daquela atividade
que deu certo, do texto lido e das reflexões alcançadas e também saber do
dissabor da atividade que a coordenação não aceitou e fez criticas em algo que
já havíamos revisto, na atividade que ainda está com erros, mesmo depois de
várias revisões e leituras, do trabalho com as atitudes que ainda não estamos
vendo as interiorizações e mudanças e por aí seguem. . .
Dessa maneira, sinto a importância da parceria e que nada substituirá
uma conversa descontraída e sincera. Esses encontros são ricos e nos trazem
lembranças indescritíveis.
O encontro afetivo se deu ao ler as palavras da professora quando se
apresenta: “Ainda na infância dirigi minhas atividades de brincar ao encanto de
ensinar as bonecas e depois as irmãs mais novas.”
Aqui se estabelece um ponto em comum que temos de experiência de
vida que fez com que olhasse para as palavras da professora de um jeito que
não tinha sentido ainda e percebesse a evolução de nós duas no espaçotempo
de vida de cada uma e do grupo ao qual fazemos parte.
Tenho certeza de que fui me apropriando do texto pelos desejos e
sentimentos presentes entre as linhas e as palavras tão marcantes.
149
Trabalhar em parceria não é fácil como nos coloca a professora.
Demanda tempo, muita negociação e muito empenho de todos os sujeitos
envolvidos.
A parceria, que não deixa de ser uma comunidade grupal, proporciona
uma retomada de lembranças, revelando a coexistência de elementos de
escolha e rejeição que a constituem. (BOSI, 1993)
Assim, ao se compartilhar os sentimentos tão contraditórios presentes na
parceria propicia-se um sentimento real de pertencimento.
(...) o sentimento de pertencimento tem sua origem vinculada aos estudos sobre socialização e especialmente se reporta a estudos sobre organização e funcionamento de comunidades chamadas de “comunidades reais”, baseadas no contato face a face, localizadas no tempo e no espaço sociais. (SOUSA,1999, p.13)
É através de pertencimento que os professores legitimam suas
identidades nos mais variados espaçotempo da escola. Para pertencer tem que
partilhar o que se vive e o que se experiência para que assim possa-se criar um
laço afetivo e profissional com referências e valores que podem ou não se
estender para além do cotidiano escolar.
Quando a professora narra o medo e a raiva “Quando não temos reunião
de parceria, sinto falta e quando temos, às vezes, me causa raiva.” revela que
pertence a parceria. O encontro e o confronto. A vontade de estar junto e, ao
mesmo tempo, não estar. O dar e o não receber em troca.
É neste espaço de contradições que o trabalho em parceria se constitui.
É nele que as relações de confiança ou não são construídas e estabelecidas,
mas o que não se pode negar é que é um espaço de diálogo, de escuta e de
negociação.
Esta situação de diálogo é um ato educativo que traz a possibilidade do
momento do pensar que é viabilizado pela maleabilidade, pelo convite e
aceitação ao diálogo por todos os sujeitos envolvidos.
150
(...) uma razão dialógica cuja função principal é colocar-se em movimento (...) e se manter como uma atividade em que a única coisa que você aprende é o mesmo movimento de perguntar com relação ao saber (esse movimento que, por vezes, produz o pensamento) com tudo o que isso implica de inquietude, de exigência e de desassossego.(LARROSA, 1997, p.47, tradução livre).
Pode-se dizer que é nesta relação com o Outro que se abre para o novo,
que aceita e conduz ao pensar, assim como o olhar para acontecimento da
experiência.
Experiência esta que não atinge somente a pessoa que está passando
por ela, mas que carrega toda uma formação de atitudes, de desejos e
intenções.
Atitude de ouvir, de estar com o Outro, de respeitar as ideias do Outro,
de descobrir novos caminhos junto ao Outro, de exercer o olhar para o Outro,
de esticar as mãos e dizer venha comigo, de criar momentos efetivos de escuta
e partilha de experiências...
Desejos de aprender com o Outro, de dizer que não sabe e precisa de
ajuda para trilhar aquele caminho, de ouvir e compreender o que o Outro quer
dizer, de admirar o que Outro faz....
Intenção de criar um ambiente de trabalho profícuo e efetivo, de criar
novas relações de trabalho e de amizade, de navegar outros mares antes não
navegados por estar só, de vivenciar a coletividade como bem maior para o seu
trabalho.
Pois, como a professora mesma disse “Esses encontros são ricos e nos
trazem lembranças indescritíveis.”
151
8.2. 1ª parada com.par.t(r)ilhada:
O registro e a importância do Outro no olhar
Nenhuma palavra
alcança o mundo, eu sei.
Ainda assim ,
escrevo.
Mia Couto
(1981)
Como já disse, o registro faz parte do meu cotidiano, seja escolar ou não.
Registro as ideias iniciais de um trabalho, as citações teóricas do que leio, as
dificuldades e os sucessos de trabalhos anteriores, as imagens do fazer
fazendo, as dúvidas, as expectativas, as produções das crianças...
Ao registrar, me afasto da vida cotidiana, suspendo o acontecimento e
deixo os sentidos fluírem para constituírem o registro em si e quem sou/estou
naquele momento. O registro é um momento de silêncio e de encontro com
outras vozes.
Para cada registro feito, não quer dizer que está acabado, trilho um
caminho irregular e desigual que muitas vezes se entrecruzam.
Estes registros possibilitam um olhar mais crítico/sensível sobre o vivido
já que quanto mais me assumo, mais me percebo nas palavras, mais me
aproximo de possíveis mudanças.
152
8.2.1. Episódio: No meio do caminho teve o seu olhar que
melhorou o meu...
Com as questões da pesquisa em foco, fui manusear a produção de
dados arquivados no computador quando me deparo com minhas próprias
palavras guardadas do dia 27-04-2012:
Essa semana o lema foi Educação vem de casa!
Como o trabalho vai se perdendo quando não temos o respeito no trabalho que
estabelecemos junto com o outro. O mundo gira em volta do umbigo, me disse Renato.
Isso mesmo! Por que será que esse aspecto vem se tornando uma constante em
nossas assembleias e conversas diárias Tenho buscado trabalhar junto com as crianças
com diferentes estratégias para que possamos cada um construir sua ação e repensá-
la, descontruí-la...mas parece que não acontece.
Mas hoje ao relatar à Silvia, me senti como diante da figura 3D que não consigo
ver. “Silvia, estou tão cansada. Essa sala não consegue se controlar em atitudes básicas.
Se alguém chega perto na porta, vêm cinco para ouvir. Se um fala, o outro
interrompe... isso tem me chamado muito a atenção.”
Silvia me olha e diz que já tinha tido sala assim por várias vezes, mas me deu
uma lição quando quase estava entrando em sala “Mari, você tem feito tanta coisa que
não fiz. Costurou, fez ditado, caminhou no projeto...”
Termino dizendo ”Nossa, Silvia, acho que tenho que olhar com outro olhar.”
Agora, 20h32m, do dia 27-04, estou aqui ouvindo as palavras da Corinta55 e
vendo que me faltou o excedente de visão!
55
Professora Corinta Maria Grisolia Geraldi ministrou a disciplina ED 419: Conhecimento, Ensino e Pesquisa, no 1º semestre de 2012, na Faculdade de Educação – UNICAMP – SP a qual estava matriculada como aluna do Programa de Pós Graduação da Faculdade de Educação, UNICAMP. Este relato aparece em meus registros.
153
Nesta busca trouxe naquele momento a letra da música “O seu olhar”,
música de Arnaldo Antunes e Paulo Tait, interpretado por Marisa Monte.
O Seu Olhar
Marisa Monte
O seu olhar lá fora
O seu olhar no céu
O seu olhar demora
O seu olhar no meu
O seu olhar
Seu olhar melhora
Melhora o meu...
Onde a brasa mora
E devora o brêu
Como a chuva molha
O que se escondeu
O seu olhar
Seu olhar melhora
Melhora o meu...
O seu olhar agora
O seu olhar nasceu
O seu olhar me olha
O seu olhar é seu
O seu olhar
Seu olhar melhora
Melhora o meu...
O seu olhar lá fora
O seu olhar no céu
O seu olhar demora
O seu olhar no meu
O seu olhar
Melhora
Melhora o meu...
Onde a brasa mora
E devora o breu
Como a chuva molha
O que se escondeu
O seu olhar
Melhora o meu...
O seu olhar agora
O seu olhar nasceu
O seu olhar me olha
O seu olhar é seu
O seu olhar
Melhora!
Melhora!...
154
É bem assim que acontece!
Os versos de Arnaldo Antunes e Paulo Tait, na voz de Marisa Monte “O
seu olhar / Seu olhar melhora / Melhora o meu...” ecoam e direcionam meu
olhar ao ler as palavras registradas em meu diário de campo.
Percebo/sinto/vivo a presença do Outro no cotidiano escolar. Neste caso
em específico com a outra professora com a qual compartilho alguns dos meus
medos, preocupações e o entrelaçamento de lugares que ocupo no dia-a-dia
da professora-pesquisadora que sou/estou: a da professora do 4º ano das
séries iniciais do Ensino Fundamental I e a aluna/pesquisadora da
universidade. Pode parecer que são parcerias diferentes em espaços
diferentes, mas não são, pois sou a professora-pesquisadora o tempo todo.
Então, as experiências vividas por mim se complementam, dialogam e
disparam um jeito novo de olhar para o que está acontecendo/incomodando no
chão da escola.
É nesta vivência horizontal estabelecida que vou me apropriando e
vendo/sentindo o que isso reflete em minha prática pedagógica que constitui o
processo de formação docente contínuo no qual acredito.
É através do olhar do Outro que consigo me distanciar de mim mesma e
da situação que acredito estar vivendo, para olhar de outro jeito para o que
compartilhei com a pessoa que partilha alguns momentos, dúvidas, medos e
desejos da sala de aula e da escola em que trabalhamos.
155
Quando digo o que está acontecendo comigo e
com meus alunos, a professora se coloca em meu lugar
empaticamente e com a situação, proporcionando uma
identificação que, em seguida, o olhar da professora
modifica o meu olhar, fazendo com que eu dê um novo
significado ao vivido em outro momento já que este foi
possível frente o registro feito por mim e provocado a
olhar diante das palavras do Outro – Corinta56 e Bakthin
(1986, 1988, 2000).
Bakhtin (2000, p. 46) afirma que ao “Relacionar o
que se viveu ao outro é a condição necessária de uma
identificação e de um conhecimento produtivo, tanto ético
como estético.”
Ao olhar de fora da situação foi possível ter um guia
de identificação como já disse anteriormente e um
princípio de acabamento ao Outro que no decorrer do
registro feito por mim estão em equilíbrio, mas que ao me
dizer “Mari, você tem feito tanta coisa que não fiz. Costurou,
fez ditado, caminhou no projeto...”, a professora faz com
que, a partir da sua consciência perante meu trabalho, eu
possa ir buscando outras formas de olhar quando anuncio
”Nossa Silvia, acho que tenho que olhar com outro olhar.”
Em aula, busco nas palavras ditas pela professora
Corinta as palavras de Marisa Monte para externalizar a
importância do olhar do Outro naquele momento onde não
conseguia perceber as ações positivas sobre o trabalho
docente desenvolvido com as crianças em sala de aula.
56
A professora Corinta estava dialogando conosco em sua aula sobre questões do professor-pesquisador relacionando com algumas palavras de Bakthin.
Ao me identificar com o
Outro, assumo o
horizonte concreto
desse Outro para
acessá-lo interiormen-
te. Em seguida, volto a
mim mesmo,
recuperando meu
próprio lugar e diante
das informações
recolhidas com a
identificação se pensará
sobre a questão a partir
dos planos ético,
cognitivo ou estético.
Dessa forma, o
processo de
identificação proporcio-
na o principio de
completude e
acabamento do Outro
que não acontece
necessariamente em
uma sequência
cronológica. (Bakhtin,
2000, p. 46-47)
156
Este olhar de fora, em outro momento – aula na
universidade, com outros valores/referenciais faz com que
eu veja mais em mim mesma do que estava conseguindo
ver ao partilhar os meus sentimentos com Silvia que
contribuiu com seu excedente de visão permitindo-me
complementar como sujeito que na individualidade não
conseguiria sozinha. (BAKHTIN, 2000)
Hoje, leio novamente as palavras escritas em 27/04
daquele ano e vejo que anuncio algumas estratégias de
trabalho: assembleias e conversas diárias. Além disso,
incorporo a fala do aluno Renato no meu registro. Sinal de
que o diálogo, a escuta sensível e as negociações
ocorreram naquele momento de compreender o que me
incomodava: o respeito. No entanto, ainda não conseguia
perceber os pequenos avanços conseguidos com a turma
e que foram sinalizados pela Silvia acionado assim a zona
de desenvolvimento potencial57.
57
Nível de desenvolvimento potencial: determinado através de solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com outro companheiro.
Excedente de visão é a
possibilidade que o sujeito
tem de ver mais do Outro
sujeito do que o próprio vê
de si mesmo, devido à
posição exterior do Outro
para a constituição de um
indivíduo. Bakhtin (2000, p.
44) afirma que o excedente
de minha visão, com
relação ao Outro, instaura
uma esfera particular da
minha atividade, isto é, um
conjunto de atos internos
ou externos que só eu
posso pré-formar a
respeito desse Outro e que
o completam justamente
onde ele não pode
completar-se. Enfim, o
sujeito olha o Outro de um
lugar, de um tempo e com
valores diferentes; vê nele
mais do que o próprio
consegue ver. Quando
alguém atribui a Outro seu
excedente de visão,
permite-lhe completar-se
como sujeito naquilo que
sua individualidade não
conseguiria sozinha.
157
Imagens que retratam um pouco do trabalho realizado na minha sala de aula no ano de 2012
Para continuar o diálogo busquei no Diário de Bordo da classe, as
palavras registradas pela aluna Maria na semana que antecede ao meu próprio
registro e fui tentando olhar as minúcias para compreendê-lo melhor.
158
159
Imagens do registro feito pela aluna Maria no Diário de Bordo de 2012
Abaixo, trago transcrito as palavras da imagem para facilitar a leitura.
16-04-2012
Hoje a gente aprendeu que a Terra tem a forma geóide e não esférica como nós
achamos. Meio no final da aula, a Marissol viu algumas pessoas que estavam conversando.
Não sei que dia vamos parar de conversar. No final da aula tivemos aula de Artes e a Tina nos
levou para aquela exposição perto da Biblioteca.
17-04-2012
Hoje a gente aprendeu sobre substantivo. Eu acho que ninguém conversou na aula.
Milagre!!!E também tivemos Cantina, Biblioteca e Ed. Física e a Sandra separou grupos para
fazermos alguma dança para os 3º anos. Que difícil!!!!
160
18-04-2012
Hoje lemos um livro chamado “Faz muito tempo”. Descobrimos que vamos fazer um
texto. Mal posso esperar!!! Meus amigos estão com ‘não conversite aguda’. Meu pai do céu!!!
Tivemos Inglês e Música e, no final da aula, a Marissol passou umas contas de Matemática.
Para meus amigos, a ‘demônio’ das operações é a divisão, mas desde o dia que minha mãe me
ensinou a tal conta ‘demônio’, a divisão está virando minha best friend.
19-04-2014
Hoje tivemos o texto “Faz muito tempo”. Até que minha ideia foi legal. A ‘não
conversite aguda’ dos meus amigos está sarando. Xarope ‘conversite’!!! Estudamos um pouco
os mapas e tivemos Ed. Física e, no final da aula, a Marissol passou uma atividade de sílabas.
Hoje aprendi o que é oxítona, paroxítona e proparoxítona.
20-04-2012
Hoje tivemos Informática e aprendemos sobre magnetismo. Retomamos uma folha de
tabuada. A minha última nota foi M!!! Também descobrimos que na segunda-feira nós vamos
fazer avaliação de Português. Mal posso esperar!!!
Maria usa de uma maneira divertida e provocativa as palavras que me
faz vê-la dizendo ao mesmo tempo que dialogo comigo mesma com as
questões que anuncio no meu próprio registro “Essa semana o lema foi Educação
vem de casa”. É um registro vivo do que aconteceu naqueles dias. No dia 16-04,
ela diz “Não sei que dia nós vamos parar de conversar.” Aponta, no dia
seguinte “Eu acho que ninguém conversou na aula. Milagre!!!” e, acrescenta no
dia 18-04, “Meus amigos estão com ‘não conversite aguda’ que complementa
no dia 19-04, “A ‘não conversite aguda’ dos meus amigos está sarando.”
Interessante esta última fala de Maria. Neste momento de análise dos
dados fui pega por ela e ao procurar meus (guar)dados me deparo com um
registro do dia 09 de março de 2012 onde esta questão aparece como tema
central.
161
09-03-2012
Por que será que minha sala anda tão falante Hoje, 6ª feira, 20h30, estou aqui ouvindo as palavras de Luiza Cortesão58 e fico a pensar a respeito dessa questão.
Será que não estou dando espaço para que meus alunos falem
Será que estou ouvindo meus alunos
Por que as crianças não conseguem realizar as atividades como pensamos Será que minhas estratégias não estão atingindo aquilo a que venho me
propondo Tenho uma certeza: estou buscando caminhos para chegar aos objetivos propostos, mas ainda assim estou no meio do caminho. Volto o meu olhar e vejo que meu aluno precisa sempre estar em primeiro plano e, acredito, que em algumas vezes ele não foi. Que tristeza ver isso! Mas que alegria poder perceber isso!!!
Vamos lá! Quais estratégias posso alterar para descobrir os novos caminhos Primeiro, retomar o que aconteceu hoje. A perda da aula de Informática e a reflexão que cada um fez. Já disse aos meus alunos ao final do dia o quanto a situação me incomoda, que tenho pensado a respeito.... Tenho certeza de que depois de ouvir∕escutar cada um, poderemos “gritar” para que possamos reaver os laços e a alegria que precisa ser, novamente, instaurada em mim e muito mais em vocês, meus queridos alunos!
Vejo que em seu registro de 16 a 20 de abril, Maria revela um lado meu
que chama a sua atenção e a minha neste momento, a importância do silêncio
e do ouvir o outro, o que com esta classe foi um intenso trabalho realizado ao
longo do ano porque não paravam de falar nem para ouvir as orientações.
Impossível trabalhar no silêncio total quando se trabalha tendo postura
democrática com projetos uma vez que a participação do aluno é intensa e se
concretiza na relação dialógica ali estabelecida.
Vejo que em meu registro de 09 de março faço perguntas pertinentes a
mim mesma que se tornaram foco do trabalho pelo que Maria sentiu e
registrou.
58
Luiza Cortesão é Professora Emérita da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto ministrou algumas aulas na disciplina ED 419 a convite da Professora Corinta Maria Grisolia Geraldi no primeiro semestre de 2012. .
162
Hoje, olho e vejo que a “conversite aguda”, como registra Maria, que a
conversa eraé uma oportunidade de deixar fluir as emoções e o raciocínio,
fundamentando as ações uma vez que produzimos intensamente naquele ano
de 2012. A “conversite aguda” mostra uma relação estreita entre o papel da
linguagem, do conversar e da cooperação no grupo.
Tem outro ponto interessante relatado por Freire (1997, p. 104105) que
relacionei à conversite aguda e resolvi trazê-lo na íntegra.
A autoridade coerentemente democrática, fundando-se na certeza da importância, que de si mesma, quer da liberdade dos educandos para a construção de um clima de real disciplina, jamais minimiza a liberdade. Pelo contrário, aposta nela. Empenha-se em desafiá-la sempre e sempre; jamais vê, na rebeldia da liberdade, um sinal de deterioração da ordem. A autoridade coerentemente democrática está convicta de que a disciplina verdadeira não existe na estagnação, no silencio dos silenciados, mas no alvoroço dos inquietos, na dúvida que instiga, na esperança que desperta. (...) O educando que exercita sua liberdade ficará tão mais livre quanto mais eticamente vá assumindo a responsabilidade de suas ações. (...) Mas, por outro lado, a autoridade coerentemente democrática jamais se omite. Se recusa, de um lado, silenciar a liberdade dos educandos, rejeita, de outro, a sua supressão do processo de construção de boa disciplina.
Isso se confirma quando Maria relata tudo o que fizemos durante a
semana de aula, mostrando o trabalho realizado naqueles dias, sem deixar de
expressar seus sentimentos, confirmando o olhar de Silvia quando me mostrou
o quanto estava trabalhando e avançando com as crianças.
Nas diferentes parcerias estabelecidas nesta parada – professora Silvia,
alunos Maria e Renato, a professora Corinta e as palavras de Bakhtin e Marisa
Monte – é possível perceber que o meio cultural ao qual estou inserida vai
enriquecendo o olhar e a própria percepção sobre o percurso pessoal e
profissional que venho desenvolvendo. É neste ir e vir para compreender o
registro e as escolhas que faço, que vou reconstruindo, reelaborando os
significados que são transmitidos pelo grupo cultural que me fornece um
ambiente estruturado, onde todos os elementos são povoados de significados.
(VIGOTSKI 1991, 1995, 1999)
163
Para Vigostki (1991, 1995, 1999), nestas interações sociais
estabelecidas, o desenvolvimento individual se dá num ambiente social
determinado – a escola, a sala de aula na universidade – e a relação com o
outro, em diferentes esferas e níveis da atividade humana, vão constituindo o
processo de construção do ser psicológico individual.
Assim, podemos dizer que há um aprendizado e um desenvolvimento
dos sujeitos envolvidos que são evidenciados nas palavras apresentadas nos
registros, a linguagem.
Não tem como não me recordar do que Vigostski (1995) traz sobre as
funções da linguagem ao analisar estes registros trazidos por mim neste
momento.
A minha escrita e a de Maria desempenham a função do intercâmbio
social onde o objetivo é a comunicação com seus pares através dos sistemas
de linguagem (sons, gestos e expressões) que anunciam suas emoções,
desejos, ideias, pensamentos de maneira mais precisa.
Outra função a ser destacada é a do pensamento generalizante onde a
linguagem ordena o real, agrupando todas as ocorrências de uma mesma
classe de objetos, eventos, situações, sob uma mesma categoria conceitual.
Assim, a linguagem passa a ser mediadora entre o objeto de conhecimento e o
sujeito.
Também é importante destacar que o trabalho, atividade
especificamente humana, faz com que o haja uma indissociação entre
pensamento e linguagem para que os homens possam trocar experiências,
informações entre si.
As palavras são povoadas de significados e são nelas que o
pensamento e a fala se unem em um pensamento verbal. É a partir das
palavras, dos seus significados, que a mediação se dá entre o sujeito e o
mundo real para que possa compreendê-lo e agir sobre ele.
164
Dessa forma, para compreender as minhas palavras e as palavras do
Outro, é preciso compreender seu pensamento porque a relação entre
pensamento e palavra não é um simples acontecimento, é um processo, um ir
e vir intenso do pensamento para a palavra e vice-versa.
(...) Nesse processo, a relação entre o pensamento e a palavra passa por transformações que, em si mesmas, podem ser consideradas um desenvolvimento no sentido funcional. O pensamento não é simplesmente expresso em palavras; é por meio delas que ele passa a existir. Cada pensamento tende a relacionar alguma coisa com outra, a estabelecer uma relação entre as coisas. Cada pensamento se move, amadurece e se desenvolve, desempenha uma função, soluciona um problema. Esse fluxo de pensamento ocorre como um movimento interior através de uma série de planos. Uma análise da interação do pensamento e da palavra deve começar com uma investigação das fases e dos planos diferentes que um pensamento percorre antes de ser expresso em palavras. (VIGOTSKI, 1995, p. 108)
Assim, baseada nos estudos de Vigotski, posso dizer que os registros
realizados por mim e por Maria possibilitaram um diálogo posterior, uma vez
que ambas vivenciaram o relatado por meio das palavras que expressaram o
pensamento daquele momento de uma forma mais elaborada, exata que é a
escrita.
A escrita que possibilitou ampliar as perspectivas de análise uma vez
que, naquele momento, a minha atenção estava focalizada em outras coisas
que nem sempre foram percebidas ou dada a devida importância no cotidiano
da sala de aula.
165
8.3. 2ª parada com.par.t(r)ilhada:
Assembleia Docente e a importância do Outro no diálogo e nas reflexões
SER,PARECER
Entre o desejo de ser e o receio de parecer
o tormento da hora cindida
Na desordem do sangue a aventura de sermos nós
restitui-nos ao ser que fazemos de conta que somos.
Mia Couto
(1981)
A Assembleia Docente é um dos espaços possíveis que pode
potencializar o trabalho coletivo. É um espaço de experiência e de escolha que
determina em função de ideias veiculadas pelas heranças da história e pelos
projetos futuros que poderão ou não acontecer.
É neste espaço de trabalho concreto que evidenciam os graus de
aceitação do que está sendo discutido e da extensão que pode vir a ter. É aqui
também que o sujeito continua sua formação em função dos laços, de
incompatibilidades, de potencialidades de vida que as relações sociais geram
na sua própria história. (SCWARTZ, 2000).
Vale ressaltar que cada professor entra na Assembleia Docente com
exigências diferentes diante das condições de trabalho apresentadas
demandando de cada um o que está disposto a fazer contribuindo com sua
singularidade na gestão do coletivo.
166
8.3.1. Episódio: É pau... é pedra... a
Assembleia Docente é um dos caminhos
Eu sempre guardei nas palavras os
meus desconfortos. Manuel de Barros
59
Tudo começou no dia 24 de setembro de 2012 com
a Assembleia Docente do grupo de professores do Ensino
Fundamental 1. Diante da complexidade do vivido – crítica
da ausência das pessoas na Assembleia e das relações
vividas em classe entre professora auxiliar e professora
titular - e das relações estabelecidas e do incômodo
gerado em mim, escrevi um texto que no dia seguinte
partilhei com as professoras da série em que dava aula.
Recebi um retorno. Isso não gerou um incômodo em mim
porque a minha única intenção naquele momento era
partilhar.
No dia 28 de setembro, socializei com a
Coordenação o que tinha feito que incentivou o
compartilhamento com os demais professores do Ensino
Fundamental I como está retratado no e-mail abaixo:
Querid@s, tudo bem com vcs? Semana passada, na 3ªf, escrevi um texto que compartilhei com minha parceria de série e, ao conversar com a coordenação, sugeriu que compartilhasse com todos. Aqui está! Caso alguém queira dialogar por aqui...será excelente! bjo a todos e bom domingo. Mari
59
Frase disponível na timeline do Facebook: “PoetaManoelDeBarros” https://www.facebook.com/photo.php?fbid=497714330340971&set=a.219257374853336.43395.218581751587565&type=1&theater. Acesso em: 16 mar. 2014.
A Assembleia Docente
segue as mesmas
orientações da
Assembleia de Classe:
Eu crítico - Eu felicito –
Eu sugiro. Eu considero
uma importante
estratégia que auxilia na
construção de uma
ambiente de trabalho
democrático, solidário,
crítico, autônomo e
participativo entre
professores (as),
Coordenação e Direção
da escola. É também
neste espaço que é
possível pensar nos
valores e práticas da/na
escola perante
princípios pautados na
democracia, justiça,
respeito, ética,
cidadania, solidariedade
e cooperação para um
ambiente reflexivo e
formador.
167
Apresento, a seguir, o texto que enviei ao grupo de professores e
coordenadores de área do Ensino Fundamental 1.
Este texto nasceu durante a leitura do livro Experiências de vida e de formação, de Marie-Christine Josso ao levantar três questões:
- O que aconteceu para que eu viesse a ter as ideias que tenho hoje? - Como as experiências da minha vida contribuem para os sentidos que dou aquilo
que vivi? - Que podemos dizer da formação e de uma teoria da formação?
Experiência com.par.t(r)ilhada Marissol Prezotto
Após a assembleia de curso fiquei, aqui, pensando sobre as questões levantadas
em relação ao compromisso com a assembleia docente e a avaliação de parceria ocorrida no 1º semestre.
Acredito que precisamos sempre retomar o processo feito para ver o que de fato aconteceu com cada uma de nós e olharmos para o futuro com possibilidades, não é mesmo?
Mesmo assim, meus pensamentos não pararam e hoje (25-09) caí da cama sem sono e fui ler um texto que provocou em mim a necessidade de escrever e partilhar.
Pensei em duas questões relacionadas ao assunto da assembleia e ficaria feliz em dialogar com quem quiser participar...
Em que a experiência realizada foi formadora? O que eu aprendi com essa experiência?
Para mim, estar na assembleia docente marca o lugar que ocupo no grupo e no meu processo de formação. Digo que, muitas vezes, o encaminhamento dado me incomoda, me irrita... porém o distanciamento me faz ver coisas que não vi na hora. Coisas boas e nem tão boas. Ficarei atenta ao assunto de ontem (24-09). Por que será que uma pessoa leva para o grupo o questionamento da presença de um integrante da equipe? Por que será que as pessoas têm dificuldade em se colocar para a coordenação? O que será que a coordenação tem feito sobre isso? O que cada um tem feito para que não gere esse sentimento no outro? Tenho ouvido e me colocado claramente com o outro sobre questões positivas e/ou negativas? Quem perde com a ausência nas assembleias? O que gera essa necessidade da ausência? Qual o grau de pertencimento ao grupo?
168
Eu mesma me ausentei neste ano, mas não tem como não dizer que são tantas as questões que passam em minha mente que não posso desarticular o eu profissional e o eu pessoal já que acredito que ambos estão entrelaçados e entranhados na pessoa olhar para o que acontece a minha volta e melhorar o meu trabalho e das pessoas com as quais convivo.
Dizer que não me chateio ou que não me magoo seria hipocrisia da minha parte, pois sou intensa no que vivo e no que acredito, mas nada que me impeça de retomar o acontecido e tirar lições dali. Por isso sempre me pergunto: que lições aprendi?
Aprendi muitas lições e uma delas reafirma a opção pelo diálogo para compreender os medos, as angústias, as alegrias, as descobertas, os fracassos, as escolhas...
Parece-me que ao lidar com a reflexão que fizemos de nós mesmas e das pessoas com as quais trabalhamos gerou um desconforto muito grande nas pessoas. Que ótimo!!! Momento que saímos da nossa zona de conforto e passamos a olhar para nós mesmos com o olhar do outro. Olhar que pode encontrar eco em nossas ações ou não. Que pode gerar movimento de melhora ou não. Olhar que me faz olhar para as minúcias do próprio trabalho, de como estou conduzindo as relações que me constituem como pessoa e profissional que sou.
Não sei o que cada um fez com sua avaliação, mas eu consegui guardar as minhas e ler nas férias. Por que essa opção? Não queria me chatear no momento já que meu foco era uma questão de postura com meus alunos. Como trabalhar postura se eu não estivesse à vontade com minha própria postura de professora?
Ao ler as avaliações, não nego que fiquei curiosa para saber quem escreveu, mas a rememoração de acontecimentos me levou a ter ideia de quem seria. Isso foi se afastando do meu campo de visão quando passei a procurar indícios que me levassem a compreender a escrita da pessoa que partilha comigo meu cotidiano profissional e foquei em como posso melhorar o trabalho que realizo em sala de aula e contribuir com o grupo ao qual estou inserida.
Novamente mais lições vão desabrochando... algumas em processo de maturação, outras mais solidificadas e outras que foram desabando.... vocês conseguem pensar sobre isso?
Reafirmo minha escolha profissional.
Questiono o que é trabalhar em parceria.
Dialogar e escrever me ajuda no processo de formação
A literatura me traz respostas para possíveis atitudes.
Será que convivo em um ambiente totalmente democrático?
169
Sou constituída pelo outro, mas será que esse outro percebe isso?
Falar do jeito de trabalhar do outro causou estranheza? Por quê?
Partilhar trabalho, ideias, dúvidas, descobertas me deixa feliz.
Ouvir o outro e ver como pensa, como observa e analisa a situação gera em mim a
vontade de conhecer mais sobre o trabalho da pessoa.
Enfim, são tantas questões que poderiam estar aqui colocadas que não impedem que possam surgir em outro momento de escrita... só acho que este instante possibilitou/possibilita atualizar e repensar meus conhecimentos e competências.
Ainda no mesmo dia 30-09 recebi algumas respostas que se encerraram
no dia 3-10. Para aqueles que se pronunciaram dizendo que gostaram do que
havia escrito, não respondi.
Gostei do seu texto! Boa maneira de se colocar... Beijinhos Cida
Obrigada por compartilhar Mari. Vou ler com calma. Bjs Andrea
Olá, Marissol. Li o seu texto e gostei muito!! Bjs, Valéria
Olhando para este material teria que ter mandado uma resposta
instigando com uma questão e não ignorar, já que as palavras e o simples fato
de se pronunciarem coletivamente, também ecoaram em mim. Essas pessoas
tiraram um tempo do seu dia para ler e dizer de algum modo o que acharam.
170
Não houve uma escuta sensível da minha parte naquele momento, mas hoje,
ao reler as palavras, sinto-me provocada a perguntar:
O que você gostou?
Qual sua opinião?
Por que usar a escrita é uma boa maneira de se colocar?
Você já leu o texto que compartilhei com calma? O que achou?
Já para aqueles que ficaram em silêncio, não se pronunciando por e-
mail, também deixaram marcas em mim:
Por que não se manifestaram?
Por que em alguns momentos o silêncio diz tudo ou diz nada?
Será que consigo olhar para a experiência do não se colocar como
aprendizado?
Mas outras respostas foram sendo tecidas e serei sincera em fazer uma
escolha neste momento. Achei melhor trazer todas e na ordem que recebi e
respondi. As respostas recebidas estão em caixa de texto assim como as
minhas que estão com uma linha mais grossa, em negrito para diferenciar. Mas
como analisar tudo isso? Caminharei com e entre elas, sublinhando o que se
destacou nessa leitura diante de tudo o que apresentei no texto enviado por e-
mail e pelas leituras que fiz sobre o trabalho com.par.t(r)ilhado.
Obrigada, Marissol por esse momento de partilha e compartilha. Você consegue expressar suas reflexões, ideias, questionamentos, indagações, inquietações e nelas construir, reconstruir, avançar na produção de conhecimentos e de novas indagações. Nesse vai e vem saímos sempre ganhando e compreendendo o outro e seu tempo. Vejo que em tudo há que se ter a capacidade de compreensão e desta maneira entendermos que cada um tem seu momento. Morin ao falar sobre a Ética da compreensão diz que é a arte de viver que nos demanda em primeiro lugar, compreender de modo desinteressado (demanda esforço, pois não pode esperar
171
nenhuma reciprocidade).”se descobrirmos que somos todos seres falíveis, insuficientes, carentes, então podemos descobrir que todos necessitamos de mútua compreensão”. Assim vamos nos (re)construindo com o outro. Bjs e muito obrigada por compartilhar tb comigo. Bom final de domingo. Marina
Marina, suas palavras ecoaram em mim outros sentidos despertados na reflexão inicial...obrigada pela devolutiva e de tocar no aspecto da ética...bjo gde. Marissol
Querida. gostei do texto e das questões nele colocada, mas como não estive na assembleia, não sei o que aconteceu. De tudo, tenho para mim que conviver não é muito simples. Luto com as minhas exigências e cobranças, mas nem sempre consigo. Gosto quando o outro me coloca para pensar ou quando refuta minhas ideias. Nem sempre aceito, sou terrível, mas penso e repenso, quero acertar. Conto com sua ajuda. abraço Alice
Alice, dialogar com vc é sempre bom!!! Vc mexe com minha base e faz com que repense onde estou, como estou trabalhando, com quem estou lidando...adoro quando podemos nos ver pelos olhos dos outros e tentar compreender o que se passa...nem sempre é preciso aceitar, mas compreender os porquês se faz necessário!! Bjo Marissol
Olá Marissol, Obrigado pela reflexão compartilhada. Ofereço aqui também uma reflexão. Sabemos que cada um de nós tem suas reflexões, constatações, percepções, sentimentos, colocações e indagações de acordo com o próprio ponto de vista. Sabemos também que, na base de qualquer relacionamento grupal civilizado, está o respeito pelos diferentes pontos de vista que existem. Penso que uma das coisas que podemos desenvolver quando vivemos em grupo, além do respeito, é a capacidade de ampliar o próprio ponto de vista de uma esfera menor para uma esfera maior. Podemos, por exemplo, fazer o exercício de transcender a esfera do próprio ego, do eu pessoal, e alcançar a esfera da consciência de grupo. Na esfera do eu pessoal sempre predomina a vida do ego: minhas necessidades, minhas satisfações, minhas dores, meu bem estar, minhas frustrações, meus sucessos,
172
meus medos, minha segurança. Na esfera da consciência de grupo não se nega a vida do ego, mas ela sempre será vista como algo relativamente menor, subordinado e redimensionado dentro de uma consciência mais ampla. Cada um de nós pode aprender muitas coisas na esfera de consciência em que vive. Porém, um nível superior sempre estará nos atraindo e nos aguardando. Nunca estaremos totalmente satisfeitos nessa evolução. Uma insatisfação serena me parece ser a melhor postura nessa situação. Na nossa última assembleia, enquanto a reunião acontecia, o João, sentado ao meu lado, abriu a sua agenda e lá estava escrito o seguinte pensamento de Albert Einstein: Nenhum problema pode ser resolvido no nível de consciência em que foi gerado. Que possamos desenvolver nossa capacidade de transcender. Um abraço Felipe
Felipe, demais essa reflexão e a colocação desse grande pensador....vc sempre me faz ver um outro jeito de ver e perceber os acontecimentos,,,,,tem uma sensibilidade ímpar que deveria expor... Obrigada pela partilha! Marissol
Olá, Mari.... Obrigada por compartilhar sua reflexão conosco. Confesso que também fiquei incomodada com as críticas da assembleia docente, pensei bastante sobre o que levaria uma(s) pessoa(s) a tamanha exposição.... sinceramente não consegui ver motivos que justificasse. Mas ao mesmo tempo fiquei pensando, quem poderia estar passando por essa situação desesperadora.... Esse ano procurei a coordenação, estava precisando de orientações e sei que não é muito fácil( expor nossas fraquezas, compartilhar nossas aflições...) , e hoje vejo que foi a melhor atitude que tomei. Sinto por não poder fazer nada por essa(s) pessoa(s) e também por não conseguir compartilhar com ela(s) essas aflições (talvez tenha tomado tal atitude por não saber lidar com suas aflições, frustações, etc... - o que não é fácil para ninguém, ne?). Essa é uma reflexão muito complicada, pois temos que tomar cuidado para não julgarmos sentimentos alheios, e você conseguiu com maestria, expor suas reflexões com muita transparência e sabedoria. Concordo com você, em gênero, número e grau...... beijos, boa semana Andiara
173
Andiara, nem me fale, expor o que sentimos e o que pensamos não é fácil...mas o caminhar e o tempo nos ensina e neles vamos aprendendo a lidar com as pessoas e com o lugar que ocupa onde estamos inseridos e, assim, vamos nos constituindo como pessoa e profissional.... Acredito que o diálogo é o melhor caminho... Bjo.Mari
Mariiiiiiiiiiiii, Não estava presente, estava ausente! Por aqui, virtualmente presente. Especial obrigada por isso!!! Fico pensando, ao ler seu texto, que primeiro temos que abdicar da premissa de que os problemas são simples. Se temos uma resposta pronta, possivelmente não entendemos direito a pergunta. Aprofundar a análise do problema, antes de propor soluções, é uma velha e boa máxima da metodologia que ainda retém toda a sua validade. Segundo: abdicar da premissa que todos os problemas são insolúveis. Uma das grandes vantagens de reconhecer a complexidade será compreender que todas as partes são interligadas e sendo assim, as ações de cada um juntam-se às ações de outros para formar movimentos??? E agora, me pego pensando em quais (iguais, diferentes, semelhantes, diversos, comuns, incomuns, velhos, novos?) e quantos são os movimentos possíveis??? Bjocas Caroline P.S.: Os desafios são enormes, não é mesmo??? Há trabalho, e muito, para quem tiver disposição para se lançar nas empreitadas!
É Caroline, a empreitada é longa, necessária e se despir de qualquer premissa nos faz ver as possibilidades e limitações de qualquer assunto. Tarefa fácil? Não! Não é! Mas acredito muito no diálogo e na busca de caminhos conjuntos para que possamos consolidar -desmistificar - desconstruir maneiras de trabalho, de organização, de pensamento....que bom que no incômodo podemos crescer, não é mesmo??? bjo gde
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Olá Marissol, Obrigada por compartilhar com todos este texto e estas reflexões. Também saí da última assembleia com milhares de perguntas, dúvidas, e algumas certezas...Senti que o momento foi precioso, pois pudemos expressar ou mesmo pensar em como estão nossas relações pessoais e de trabalho, como entendemos e recebemos as críticas que nos são feitas, como lidamos com as nossas fraquezas e como nos posicionamos perante nossos colegas e superiores. Foi um momento rico e que deveríamos retomar sempre que possível. Acredito muito no diálogo – através dele crescemos – mas para isso temos que ter um espaço aberto, maduro, positivo, voltado ao estudo, ao aprendizado, à troca, à reflexão, ao crescimento. Esta construção em nossa escola é feita através das assembleias, parcerias, encontros. Há muito a se aprender...Sinto-me privilegiada por fazer parte desta equipe! Beijo. Silvana
É Silvana...saber o local, a maneira, ver as qualidades e dificuldades do/no trabalho são essenciais para que a reflexão aconteça, não é mesmo!!! Acredito que cada um com seu olhar, com seu jeito vai mexendo conosco/comigo e fazendo entender ou desentender o que se propõe...mas o mais importante é a busca, a busca do diálogo, do trabalho compartilhado, da escola em que estamos inseridos... Obrigada pela partilha! Bjo Marissol
Li seu texto, mas acho que você fez uma reflexão bem pessoal e não sei se consigo (quero) contribuir de maneira aberta. Particularmente, achei aquela assembleia um absurdo, uma alfinetada pessoal e que só ganhou outro foco porque realmente somos uma equipe muito criativa e, para o bem e para o mal, muitas vezes tendemos a viajar em questões e sempre buscar diferentes lados de uma mesma moeda. Mas, se precisar de algo, saiba que sempre estarei por aqui. Beijos, Giuliana
Obrigada amore...é uma reflexão pessoal mesmo!!! A intenção em compartilhar e despertar algo....concordo com vc...somos criativas mesmo!!! Dá-lhe nós!!! Sei que sempre posso contar com vc.... bjo Marissol
175
Gostei muito do produzido por você. Li apenas agora, gostaria de ter lido antes, quando todas aquelas questões estivessem ainda mais fortes em minha mente. Passei a semana toda me perguntando o que levaria pessoas denominadas parceiras, que são professoras, experientes, eximiamente formadas a colocar críticas como aquelas, que pareciam tão pessoais, quanto as que nossos alunos colocam utilizando o nome do colega a quem querem ferir... A visão dessa ou dessas pessoas me vinha de forma negativa mas, eu não poderia ignorar o fato de eu também estar ali, sendo um sujeito presente e partícipe daquela situação. Coloquei-me nesse momento a pensar...e sigo pensando...(e o seu texto contribui para isso) que cada ação, discussão ou palavras ali ditas tem de alguma forma a ver comigo e terão de servir para que eu construa algo sobre aquilo, uma opinião, uma lição, uma postura melhor ou diferente e etc... Esse é o meu primeiro ano na escola, tudo é muito novo, embora minhas experiências profissionais não sejam nada longas, me sinto, ainda sim recomeçando no zero, mas isso não quer dizer que eu não saiba distinguir as posturas que acredito e procuro aprender, daquelas que condeno ... As partilhas de experiências me constituem a cada momento uma profissional diferente e melhor, e o desafio é dosar as tantas relações postas à prova. Novamente agradeço pelo seu texto, confesso que senti necessidade de lê-lo depois que, no horário do café, você se propôs a conversar comigo, se eu sentisse essa necessidade. Agradeço por isso também!! Bjs Roberta
Diante da complexidade do assunto e das palavras lidas, me lembrei de
Edgar Morin (1997), citado por Marina.
No ambiente escolar, assim como em outros espaços de trabalho,
vivenciamos uma relação complexa onde o conhecimento se torna cada vez
mais necessário e relevante quando está inserido em um contexto global da
realidade, porém, não precisamos ficar isolados para que não possamos ser
conduzidos ao erro e ao devaneio. (MORIN, 1997)
Ao partilharmos o que estamos pensando e/ou fazendo podemos ser
chamados a olhar de maneira mais “racional”/prática para o que está
acontecendo. Assim, muitas vezes reorganizamos as ideias para que
176
possamos efetivamente praticá-las. Pode até ser que em um futuro próximo ou
distante, ao revisitarmos o ocorrido possamos avaliar como erro ou devaneio.
Uma das maneiras encontradas por mim e pelos professores que
responderam ao meu convite é o diálogo. Diálogo compreendido em um
sentido amplo do termo, aquele que estabelece uma interação, não
necessariamente, face a face, como nos coloca Bakhtin (1986), mas uma
conversa onde cada um traz o seu olhar, sua vivência, o seu jeito de expressar
suas ideias e reflexões e, seus princípios, pois assim é possível se sentir
sujeitos participantes do grupo que estão disponíveis a repensarem algumas
questões levantadas naquele momento.
No instante em que esta troca se instaurou, nos tornamos uma rede de
aprendizagem, pois cada um teve força de participação o suficiente para expor
para mim ou para o grupo todo, suas maneiras de pensar e ver o ocorrido na
Assembleia Docente e, comigo, no momento em que registro as impressões e
os sentimentos gerados em mim. Com uma atitude desta, de partilha, de
diálogo, de solidariedade ou de comunidade, podemos ressiginificar a própria
ação, sem medo de se aventurar nela. (MORIN, 1997)
Nesta relação dialógica estabelecida, ao tomar conhecimento das
palavras alheias, cada professor pôde uni-la a sua para ampliar o campo de
visão e de reflexão, assim, como o caminho inverso também é potencializador
de novas possibilidades de organização e elaboração de conhecimento que se
revela um jogo permanente entre forças de estabilização que tendem a
reproduzir sentidos dominantes consolidados com forças de dispersão e
ruptura, que apontam para possibilidades emergentes.
Neste sentido, as palavras registradas por cada um no e-mail enviado e
com.par.t(r)ilhado anteriormente pode ser compreendido como uma enunciação
concreta assim como o instante histórico em que foi produzida.
Qualquer enunciação, por mais significativa e completa que seja, constitui apenas uma fração de uma corrente de comunicação verbal ininterrupta (concernente à vida cotidiana, à literatura, ao conhecimento, à política, etc.). Mas essa comunicação verbal
177
ininterrupta constitui, por sua vez, apenas um momento na evolução contínua, em todas as direções, de um grupo social determinado. (BAKHTIN, 1986, 123)
É lógico que ao ler as palavras naquele momento, em 2012, pude dar
diferentes significados a elas assim como quem as leu. Hoje, posso dar outras
significações ao que leio uma vez que as palavras estão sendo lidas em outro
momento e contexto. Neste processo intenso de compreensão das palavras,
“fazemos corresponder uma série de palavras nossas, formando uma réplica.”
(BAKHTIN, 1989, p. 132) que vai constituindo a enunciação já que para esta
acontecer precisa de pelo menos dois sujeitos.
É importante ressaltar que toda palavra comporta dois caminhos já que
ela acontece porque procede de alguém e se dirige para alguém. Ela é “o
produto da interação do locutor e do ouvinte”, como destaca Bakhtin (1986,
p.113).
Com lugares sociais diferentes ocupados por cada sujeito – professores,
coordenadores de curso e de área -, a palavra se torna um espaço de
discussão, uma arena de luta onde se entrecruzam e confrontam-se valores
sociais contraditórios que compõem um discurso ideológico e polêmico, pois
representa os sentidos de um determinado grupo social com ideias e valores já
definidos como já anunciou Bakhtin (1986).
Ao apreender o discurso do outro, analisa o autor, instaura-se o
processo dialógico de confrontação entre os sentidos produzidos por mim no e-
mail e os sentidos elaborados pelo outro.
Compreender a enunciação de outrem significa orientar-se em relação a ela, encontrar seu lugar adequado no contexto correspondente. A cada palavra da enunciação que estamos em processo de compreender, fazemos corresponder uma série de palavras nossas, formando uma réplica. (BAKHTIN, 1986, p. 131-132)
Nesse processo único de compreensão ativa, que se materializa nas
enunciações, articulam-se dialeticamente a atividade psíquica (dos sujeitos) e
os signos exteriores (o ideológico).
178
Dessa maneira, toda enunciação está relacionada à atividade mental
que constitui uma expressão potencial que utiliza do recurso dos signos reais e
tangíveis para serem compreendidas e explicadas. (BAKHTIN, 1986).
Assim, não se cria um abismo, uma ruptura do caminho entre a atividade
psíquica interior e sua expressão. Essa passagem se dá de maneira qualitativa
e quantitativa de um código a outro já que o quadro da expressão semiótica
está povoado de gestos, pensamentos, sentimentos que são formalizados,
diferenciando-se, assim, no meio social. É por isso que a palavra ocupa um
lugar privilegiado no campo semiótico do psiquismo, pois ela entrecruza com
uma variedade de reações gestuais com valor semiótico, tornando-se assim
essencial da base da vida interior.
Um ponto a ser destacado é que ao me expor no e-mail mostro-me
como pessoa detentora dos conteúdos da minha consciência, autora e
personalidade responsável dos meus pensamentos, desejos, preocupações,
questionamentos e vou marcando o sujeito sócio-ideológico que sou assim
como os demais sujeitos que interagiram comigo. Essa etapa marca a
conscientização da minha individualidade e dos direitos que me pertencem
como professora inserida em um grupo de docentes que compõem uma escola
que retoma constantemente seus valores e princípios de diálogo e construção
do ser humano, cidadão. (BAKHTIN, 1989)
Participar da Assembleia Docente e organizar meu pensamento através
do texto que compartilhei com meus pares, fez com que eu tivesse uma
compreensão mais ampla do que estava sendo posto. Fui convocada pelas
falas a me encontrar com outras palavras, as de Josso (2010) que foram
compreendidas em um novo círculo do que tinha sido compreendido,
delimitando uma “série de inter-relações complexas, de consonâncias e
multissonâncias com o compreendido” (BAKHTIN, 1998, p. 91), enriquecendo-o
de novos elementos.
Cada resposta dada ao e-mail enviado, por mais simples que fosse,
voltava-me para o que havia escrito e para as palavras do outro,
179
amadurecendo e compreendendo, assim, as ideias iniciais e trilhando alguns
novos caminhos e horizontes. Muitas vezes, este encontro com o discurso de
outrem gerou um encontro e/ou um confronto que foi se tornando organizador e
orientador da própria enunciação.
Enunciação esta que pode ser a propulsora de uma experiência
completa, como nos coloca Dewey (2010) uma vez que nasceu de uma
necessidade momentânea, de uma impulsão e de uma demanda individual que
só pode ser saciada quando estabelece interação com o meio. Sempre que nos
expressamos, ultrapassando os limites do corpo, nos deparamos com um
mundo estranho e ficamos entregues às circunstâncias.
Neste caso, especificamente, ao enviar o e-mail para a parceria de série
obtive uma resposta escrita e uma manifestação pessoal. Já quando enviei
para o grupo de professores não esperava receber todas aquelas respostas
uma vez que não tinha recebido em um grupo menor de professores. Com o
olhar atento, procurei agregar o que está sendo colocado para que se
tornassem condições favoráveis de discussão ou de ampliação do olhar. Nesta
intenção de circulação de espaços é possível se dizer que encontrei um
ambiente resistente e acolhedor ao mesmo tempo. A resistência inicial invocou
uma reflexão partilhada com a coordenação de curso gerando uma curiosidade
e um empenho da minha parte em expor para todos o que se passava comigo,
porém, ao ser acolhida e ser instrumento de diálogo e reflexão, tive uma alegria
de ter partilhado o que pensava tornando este momento uma experiência
revestida de significado.
Essa maneira de me apresentar ao grupo – socializando as minhas
escritas e leituras – eu revelo alguns princípios norteadores da minha prática
docente: o diálogo, a partilha, a importância do Outro na minha constituição, a
sinceridade sem a intenção de cair nas graças do Outro... é nesta interação
intensa que vou produzindo no espaçotempo o jeito de trabalhar em parceria –
com os outros professores, alunos, direção, coordenação, familiares... que
repercute no cotidiano da minha sala de aula.
180
Mas o que aprendi com tudo isso que vivi e refleti?
Aprendi que o espaço das palavrasnarrativas -
cada e-mail é uma narrativa – é possível teorizar as
práticas que temos no cotidiano da escola porque é nela
que estão as suas leis de funcionamento.
Digo ainda que esta troca de e-mails fez que uma
contra-memória fosse construída quando a identidade de
cada um e do grupo do qual fazemos parte se revelasse
na história vivida e, assim, nos reconhecer como uma
comunidade que ainda está aprendendo a lidar com as
diferenças de todos os tipos evidenciando as
singularidades.
Outro ponto importante é que ao publicar a
experiência, seja no e-mail ou aqui, nesta pesquisa, a
experiência está sendo acolhida, aumentando a
possibilidade de partilha contribuindo para outras
iniciativas que tenham a prática como ponto de produção
de conhecimento.
Quando retomo o que grifei de mais importante nas
narrativas sobre as marcas de um trabalho
com.par.t(r)ilhado, vejo o quanto é possível refletir sobre a
experiência e o desenvolvimento de atitudes necessárias
para um professor reflexivo que tem um jeito de organizar
o trabalho docente de forma com.pa(r).trilhada como um
dos seus princípios.
Para cá trago meus grifos, para que eu e você,
caro(a) leitor(a) possamos refletir neste outro momento de
releitura.
Tenho o hábito de
escrever em lista alguns
aprendizados que
aprendoapreendo
durante as
experiênciasleituras
que vivi ou fiz.
Dessa forma, organizo
os meus saberes e o
que pode ser retomado
um dia ou logo a seguir.
Esse tipo de
organização da escrita
me possibilita uma
reflexão sobre
determinado assunto,
me ajuda a organizar os
dadosinformaçõesapre
ndizadossaberes e
servem de apoio à
memória em diferentes
situações do cotidiano.
181
Expressar suas reflexões.
Nesse vai e vem saímos sempre ganhando e compreendendo o outro e
seu tempo.
Ética da compreensão.
Conviver não é muito simples.
Gosto quando o outro me coloca para
pensar ou quando refuta minhas ideias.
Ofereço, aqui, também uma reflexão.
Relacionamento grupal.
Respeito pelos diferentes pontos de vista.
Capacidade de ampliar o próprio ponto de vista de uma esfera menor
para uma esfera maior.
A esfera do próprio ego, do eu pessoal, e alcançar a esfera da
consciência de grupo.
Capacidade de transcender.
Sensibilidade ímpar que deveria expor.
O caminhar e o tempo nos ensinam.
Aprendendo a lidar com as pessoas e com o lugar que ocupam.
Virtualmente presente.
Aprofundar a análise do problema, antes de propor soluções, é uma
velha e boa máxima da metodologia que ainda retém toda a sua
validade.
Grandes vantagens de reconhecer a complexidade será compreender
que todas as partes são interligadas.
Com milhares de perguntas, dúvidas, e algumas certezas.
Diálogo.
Espaço aberto, maduro, positivo, voltado ao estudo, ao aprendizado, à
troca, à reflexão, ao crescimento.
Reflexão bem pessoal.
Se precisar de algo, saiba que sempre estarei por aqui.
182
Me perguntando o que levaria pessoas denominadas parceiras, que são
professoras, experientes, eximiamente formadas a colocar críticas como
aquelas, que pareciam tão pessoais, quanto as que nossos alunos
colocam utilizando o nome do colega a quem querem ferir...
Não poderia ignorar o fato de eu também estar ali, sendo um sujeito
presente e partícipe daquela situação. Coloquei-me nesse momento a
pensar... e sigo pensando...(e o seu texto contribui para isso) que cada
ação, discussão ou palavras ali ditas tem de alguma forma a ver comigo
e terão de servir para que eu construa algo sobre aquilo, uma opinião,
uma lição, uma postura melhor ou diferente.
Experiências profissionais.
As partilhas de experiências me constituem a cada momento uma
profissional diferente e melhor, e o desafio é dosar as tantas relações
postas à prova.
Bakhtin (1986, p.77) novamente contribui quando aponta que “Cada
enunciação, cada ato de criação individual é único e não reiterável, mas em
cada enunciação encontram-se elementos idênticos aos de outras enunciações
no seio de um determinado grupo de locutores.” Isso faz com que haja um
tema da enunciação que repousa sobre a significação que foi tomada pela sua
concreta amplitude.
Dessa forma, podemos compreender melhor a importância do Outro no
diálogo e nas reflexões, pois quando nos vemos pelos olhos do Outro, nos
identificamos ou não com ele, voltamo-nos a nós mesmos, recuperando o
nosso lugar e percebendo o quanto que este Outro se faz presente na nossa
vida.
Tendo este olhar atento a todas às questões e reflexões aqui trazidas,
afirmo que admiro aqueles que se colocaram, tomaram uma posição, uma
decisão, uma escolha quando leram o e-mail enviado por mim. Compreendo e
respeito os que permaneceram em silêncio. Mas não posso deixar de dizer que
183
sou a favor do diálogo, da luta constante contra qualquer forma de
discriminação ou julgamento, da esperança de ter constantemente pessoas
comigo para me sentir menos imobilizada ou consumida com os fatos que
vivemos no cotidiano da escola. Prezo o que digo, o que escrevo e o que faço.
Garanto que aprendi a escutar o que as palavras diziam e falar com os
parceiros de trabalho transformandoalterandoadaptando o meu discurso
quando necessário sem perder de vista o princípio que assumo de estar com o
Outro, independente da situação vivida.
8.4. 3ª parada com.par.t(r)ilhada: a
importância do Outro para a partilha
Somos todos escritores, só que alguns escrevem e outros não. José Saramago
(1997)
Episódio: Com coragem, sobre as palavras, atravessamos o ano. Não há distância para as pessoas nem para quem cisma ousar.
Chegou o final do ano de 2011. Estava em plena produção acadêmica,
revisitando algumas produções de dados e organizando algumas tentativas de
escrita com tudo o que lia e com aquilo que tinha se tornado mais claro e
evidente após a entrada no Doutorado e a minha efetivação como professora
titular, fui tomada por uma necessidade de dialogar com as famílias para me
aproximar de como sentiam/percebiam/viam o trabalho daquele intenso ano.
Assim, escrevi um texto, que está entre os pontilhados a seguir, que
compartilhei com as crianças em um momento de Assembleia de Classe onde
184
avaliávamos os caminhos tomados ao longo do ano para que levassem para
casa com o intuito de conversarem e registrarem com os pais.
............................................................................................................................................
Senhores pais,
Durante esse ano, vivenciamos juntos muitas descobertas. Momentos de sentimentos diversos como alegria, tristeza, angústia, euforia. Dentre outros fatores, podemos evidenciar como algo importante para que este ano se concretizasse, a parceria entre mim, as crianças e vocês, familiares. Com as crianças, tenho como dialogar diariamente e já fizemos vários momentos de pausa para pensar / repensar o trabalho desenvolvido ao longo desses 200 dias letivos. Estas pausas têm nos mostrado a importância de narrar o que sentimos, como nos vemos, o que pensamos a respeito das práticas desenvolvidas entre educador e educandos.
Hoje proponho que, se possível, cada família faça, juntamente com seu filho, um pequeno registro reflexivo sobre esse ano letivo. Sugiro que ao narrar suas memórias e pensamentos, considerem três pontos como norteadores:
- o que vocês viram acontecer este ano? O que viveram, com relação à
escola?
- o que sentiram e pensaram a respeito do que foi vivido?
- o que fazem com aquilo que foi vivido, pensado e sentido este ano?
Para estimulá-los, escrevo o meu.
Esse ano foi um momento especial para mim onde pude compartilhar com novas famílias e com a escola, novos desafios. O desafio de assumir a sala, de voltar a universidade efetivamente para refletir sobre a minha formação, de reorganizar os conteúdos escolares e buscar novos caminhos de trabalho. Vi em minha prática muitos acertos e alguns obstáculos que me moveram em retomar o caminho que estava sendo trilhado para redirecionar e seguir em frente. Impossível não dizer que o vínculo afetivo criado foi imprescindível em alguns momentos, mas esse é outro aspecto que posso falar pessoalmente a cada um de vocês. O que posso de fato dizer é que a cada vez que uma criança chegava com sua estratégia (um bilhete, um recadinho no material, um pedido de falar a parte, o levantar a mão para dizer em voz alta algo que gostava ou não ou que não tinha compreendido...) isso me mobilizava para buscar a melhor maneira de atender a cada um e aos propósitos que tínhamos com o grupo. Posso garantir que o melhor foi feito e que tenho muito a aprender e a melhorar, mas,
185
a parceria estabelecida, em muitos momentos, foi essencial para que me sentisse acolhida e apoiada em algumas decisões que foram tomadas. Alegria, medo, angústia, felicidade são alguns dos sentimentos que começaram e que finalizam o ano comigo, só que cada um redimensionado diante de tantas experiências que tivemos juntos.
Vamos lá Beijo carinhoso Marissol
............................................................................................................................................
Despida do desejo de retorno - este foi um dos aprendizados que tenho
vivido e exercitado até então, de não esperar nada em troca do Outro, mas de
fazer para que possa expressar pensamentos, ideias e vontades que tenho
com as pessoas com as quais convivo no cotidiano da escola e da vida - recebi
12 escritas de um todo de 30 alunos e outros retornos orais na reunião de final
de ano.
Imagens dos registros feitos pelas famílias
186
O que compartilhar aqui novamente? Difícil, mas exercitarei aqui esse
espaço de escolha. Como destacar os principais pontos levantados pelas
famílias e alunos neste momento?
Dessa maneira, li as 12 narrativas recebidas e fui levantando os
principais pontos constituintes de uma parceria de trabalho que foram se
convergindo. Então, fiz a opção em trazer 5 narrativas aqui apresentadas que
revelam os princípios - confiança, diálogo, negociação, afetividade e escuta
sensível - que facilitam a concretização de um trabalho com.par.t(r)ilhado e que
foram destacados, por mim, em forma de item logo após a apresentação da
narrativa.
Narrativa 1:
Esse ano foi um desafio para nós. Mudança de escola para as crianças. Trabalho e
faculdade para mim, não nos encontramos muito em casa – nossos horários não
“batiam”. Sei que muitos pontos foram falhos, mas também reconheço que vencemos
alguns obstáculos, conseguimos chegar ao fim do ano com o sentimento de dever
cumprido. No ano que vem a estória se repete: crianças estudam cedo, mãe trabalha à
tarde e estuda à noite. Vamos tentar fazer o melhor.
Assumir o desafio diante da mudança
A presença-ausência do outro – família
A superação de obstáculos
O que está por vir
Afeto, amizade, diálogo
187
Narrativa 2:
Este ano foi marcado por mudanças em nossa família. Eu vivi um momeno de assumir
um novo trabalho, novos relacionamentos. Foi um grande desafio, porém gratificante,
pois veio ao encontro daquilo que eu buscava para minha vida profissional. Meu
marido também mudou de emprego o que gerou expectativas. Mas a mudança de
escola do meu filho, posso dizer que foi o que mais me angustiou. Eu tinha muitos
receios quanto à mudança de ambiente, de metodologia e do social com novos
amigos. Mas me surpreendi com o meu filho, pois se mostrou muito seguro com o
novo ambiente e como os amigos.
As dificuldades de uma nova metodologia estão sendo sanadas pouco a pouco,na
escola e em casa fazemos o possível para ajudar.
Vi que o meu filho cresceu com esta mudança e os beneficios são visíveis.
Aprendi que apesar de gerar medo, as mudanças nos fazem progredir.
Só tenho a agradecer por este ano, a Deus em primeiro lugar, a escola e a você,
Marissol, que com carinho e dedicação fez parte de nossas vidas!
Assumir novos encaminhamentos pessoais
Afeto
A busca pelo melhor jeito de trabalhar com diferentes situações
O ensino
A presença do outro para auxiliar em um novo momento de vida
Escuta sensível
Narrativa 3:
Mari, este ano apesar das tarefas... Foi um ano de “paz escolar”. Eu tinha plena
certeza que você daria conta do recado assumindo a sala. Nunca tive dúvidas
188
sobre sua capacidade! Fico feliz em ter acertado de confiar plenamente em
você e na nova parceria. Meu filho te ama muito e isso para nós já basta! O
ensino, o crescimento dele são frutos disto. Sabe aquela professora que a gente
nunca esquece? Tenho certeza que você será a dele. Vamos sentir saudades.
Também você acompanhou toda a família. Este ano tenho a primeira se
formando! Que Deus te abençoe e lhe dê muita luz para continuar cada vez
melhor. Beijos.
O crescimento profissional
Afeto, saudade
Confiança
O ensino e a aprendizagem
A presença do outro
Narrativa 4:
O ano começou um pouco tenso para nós. Com a mistura de classes, os amigos
mais próximos do meu filho ficaram separados dele. Mas, desde o primeiro dia
de aula, ele parecia disposto a enfrentar este desafio. E parece ter conseguido.
Sentimos que não só neste momento, mas em outros desafios que apareceram
Marissol estava presente e muito próxima. O meu filho se sentiu confiante com
isto e sempre comentava conosco. E, enfim, o ano teve também momentos
memoráveis. O nosso favorito foi o Sarau. Foi uma iniciativa muito feliz da
Marissol. Foi uma atividade interdisciplinar ou multidisciplinar muito criativa e
de muita sensibilidade. Atividades assim, com certeza, devem inspirar as
crianças a buscar sempre conhecimento e cultura.
189
Ensino: reorganização de classes – relações pessoais
A presença do outro
Confiança
Processo de ensino-aprendizagem: Sarau
Narrativa 5:
Querida Marissol, este ano foi um ano de importantes decisões “escolares”,
amadurecimento e caminhar. O meu filho diz que aprendeu a se esforçar e a
dar maior importância para a lição de casa e para a escola. Eu, como mãe,
aprendi a enxergar melhor meu filho, a tentar perceber como seria a melhor
forma de estar ao lado dele em momentos de coragem. E, como já disse, a sua
presença nos ajudou muito nesse caminho. Nós desejamos um 2012 muito
alegre, com muitas conquistas e muito trabalho!!
Decisões importantes
O compromisso com a escola
O olhar a partir do outro
A presença do outro
Escuta sensível
Ainda tomada pelo olhar atento de Rancière (2002) e de Jatotot e, pela
distância que o tempo e o espaço me proporcionam ao retomar o material,
procurarei caminhar com as três questões propostas para expressar o vi, o que
pensei e o que fiz com tudo isso.
190
8.4.1. O que vejo? O que
penso e o que sinto? O que faço
com tudo isso?
Me vejo, a professora, parando e rememorando o
momento vivido em 2011 com meus outros pares, que são
as famílias, algo que não tenha dado muita importância ou
que não tenha muita clareza do ato em si que revela a
coerência do momento pessoal vivido por mim permeando
a vivência profissional que propõe, como nos coloca
Freire (1996, p.124) um “endereçar-se até sonhos, ideais,
utopias e objetivos” que nomeia de politicidade da
educação e de quanto esta não é neutra, mas que tem
que haver respeito pelas escolhas/ações, sejam elas no
espaço da escola pública ou privada.
Vejo que, na narrativa apresentada por mim, trago
informações referentes à vida pessoal e profissional
revelando que, como professora, caminho com clareza na
minha prática ao informar um pouco do jeito de
organização do trabalho docente e os princípios que
assumo perante as crianças que desvelam o cotidiano
escolar que muitas vezes é desconhecido da família.
Desse jeito, acredito que vou mostrando às famílias uma
maior segurança diante das escolhas pessoais e
profissionais que venho fazendo. Com a intenção de
apreender o todo do que se propõe, proponho uma
A família, Outro par presente no meu trabalho com.par.t(r)ilhado, desempenha um papel importante no trabalho que realizo no cotidiano da escola, pois mesmo tendo uma função diferente da escola, a família tem um papel importante na formação e na educação das crianças que preciso estar atenta para ouvir e repensar o caminho trilhado. Ao ter a família como parceira, o aluno é chamado a assumir suas responsabilidades com maior compromisso. A família, por mais variada que seja sua formação ou diante de outras demandas que tenha, precisa estar presente na vida do filho. Estar presente é se envolver, é se comprometer e com.par.t(r)ilhar os sucessos e as dificuldades dos filhos para que, junto com a escola, ambos possam pensar e encaminhar da melhor forma possível o desenvolvimento e a proteção integral da criança.
191
reflexão aos pais e às crianças que podem me mostrar o redirecionamento de
escolhas e/ou aprofundar outras que se mostraram significativas para cada um.
Quando me exponho ao Outro e o convido a dialogar, revelo que sei por
quais caminhos venho percorrendo. Mostro que a parceria pode ser
estabelecida respeitando a vontade de se colocar nas palavras.
Ao mostrar meu gosto pela vida, meus desafios, minhas esperanças,
meus medos, minhas limitações mostro que respeito cada um quando reafirmo
que a experiência vivida na escola é mais um momento importante que precisa
ser considerado porque é legitimado.
Dessa maneira, este momento de troca de experiências se torna
formador para todos os envolvidos, pois a curiosidade foi instaurada uma vez
que houve um respeito à privacidade de cada família sem expô-las aos demais.
Este momento fez com que redescobrisse que aprender é “construir,
reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à
aventura do espírito”. (FREIRE, 1996, p.77)
Outro ponto importante é que ao utilizar as palavras para nos
mostrarmos uns aos Outros, revelamos que o ser humano é um ser inacabado
que busca esperançosamente ter a melhor experiência mediante o presente
que pode ser problematizado para gerar ações para um futuro melhor.
Acredito que, como professora, preciso ler cada vez melhor o mundo no
qual eu e meus pares estamos inseridos, para que assim possa considerar a
experiência singular de cada sujeito ali presente como elemento de
compreensão da minha própria existência no mundo. É nesta relação/interação
intensa do diálogo que procuro lidar com certos saberes ali apresentados e
constituintes da prática pedagógica que tenho em sala de aula e fora dela.
Desse jeito, é possível potencializar uma releitura do que ocorreu/ocorre no
cotidiano da escola e da família que atentamente esteve presente o ano inteiro.
Penso que ao partilhar, deixo meu locus de trabalho, o espaço da
escola, e dou o tempo de estar em um espaço de possível discussão ‘pública’
que delineia e constitui a identidade do ser professor.
192
Penso que as narrativas que chegaram até mim revelam sutilezas e
“confidências” familiares demonstrando uma confiança no papel que ocupo, o
de ser/estar professora.
De serestar professora que estuda, que se esforça para estar a cada dia
mais atenta ao que está sendo dito no cotidiano da escola, de desenvolver
habilidades e competências para mediar as atividades a serem desenvolvidas
em classe.
Penso que a amizadeafetividade auxiliam o desenvolvimento das
pessoas como um todo - seja eu, a professora, sejam os alunos e suas famílias
– já que esta ocorre de maneira contínua. Para cada momento da vida, a
amizadeafetividade e o conhecimento se tornam indissociáveis mostrando o
quanto podem ser importantes no processo de aprendizagem, seja ele qual for.
Penso que o professor quando é afetivo com seus alunos os respeita e
lhes proporciona uma relação de segurançaconfiança que faz com que o aluno
supere a dificuldade mostrando que o erro faz parte do processo de ensino-
aprendizagem.
Penso que a partilha foi uma partilha do sensível, como nos coloca
Rancière (2005, p.2) uma vez que acontece quando “se determina no sensível
a relação entre um conjunto comum partilhado e a divisão de partes
exclusivas.” Neste sentido, a participação também difunde a comunidade que
se estabeleceu ao longo do ano escolar vivido já que as relações pessoais e
profissionais foram sendo construídas a partir do diálogo e da confiança.
Penso que o comum partilhado e as partes exclusivas passaram pelo
mesmo caminho legitimando a mudança que permeou a escrita que circulou
entre as famílias e eu.
Mas o que é uma mudança?
193
Mudança60 é o ato ou efeito de mudar, de dispor de outro modo. É um
substantivo feminino que dependendo do contexto que se emprega pode ter
diferentes sentidos:
1. Pôr em outro lugar, remover, deslocar;
2. Dar outra direção, desviar;
3. Tirar para por outro, substituir;
4. Transferir para outro local;
5. Alterar, modificar;
6. Trocar, deixar para outro, cambiar;
7. Fazer apresentar-se sob outro aspecto, transformar;
Mudança de vida, de aquisição de novos hábitos, de estar aberto para
aprender coisas novas, buscar novo estilo de vida, rever os valores, as regras e
os compromissos junto ao Outro para a concretização de desafios individuais
que perpassaram pelo coletivo.
Mais uma vez sinto a importância da união entre o saberconhecer e o
ensino dos conteúdos da formação ética do sujeito que é concretizada quando
se depara com a indissociabilidade da teoria e da prática, da autoridade e da
liberdade, da ignorância e do saber, de ensinar e de aprender...
Sinto que não é possível exercer a docência sem expor o que acontece
comigo como pessoa, “sem me pôr diante dos alunos, sem revelar com
facilidade ou relutância minha maneira de ser, de pensar politicamente”, como
nos alerta Freire (1997, p. 108).
Sinto que ainda é difícil para as pessoas se disporem a escrever, mas
para aquelas que aceitaram o convite/desafio revelaram um pouco do seu jeito
de ver e sentir o mundo – o escolar e o pessoal mostrando que o partilhar com
as crianças e suas famílias foi uma estratégia potente e reveladora do quanto
precisamos um do Outro neste intenso processo de ensino e de aprendizagem.
60
Disponível em: http://www.significados.com.br/mudanca/. Acesso em: 23 nov. 2014.
194
Na escrita imprimiram o próprio pensamento sobre suas experiências
refletindo sobre elas quando exercem a autoria, delineando a própria
identidade, tornando esta experiência formativa, tanto para quem escreve como
para quem lê.
A leitura atenta revela que cada um, no meio do caminho tinha algo a ser
removidomudadotransformado e que...
Cada um no seu canto
com o seu canto
nos chamou.
E nenhum de nós,
nunca mais, ficou sozinho.61
61
Trecho do livro Abrindo caminho, de Ana Maria Machado.
195
Capítulo 9:
Não era pau. Não era pedra.
E não era o fim do caminho -
Lições apre(e)ndidas no caminhar
197
No Meio do Caminho
Carlos Drummond de Andrade
No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
No meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
Tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra.
É bem assim mesmo! No meio do meu caminho, pessoal e profissional,
tudo assim, junto e misturado, tinha a vontade de retomar os estudos e não é
que nele encontrei o Doutorado?
Com vários caminhos a serem tomados, um deles foi escolhido para
trilhar e, com o olhar atento, não poderia perder o foco da escolha:
Como se dá o processo de construção da parceria no cotidiano do
trabalho docente? Quais os seus elementos que são constitutivos e quais as
implicações educacionais deste processo?
Lógico que é muito fácil se perder entre tantas possibilidades de
caminhos a serem seguidos, mas juntocomnopelo Outro sempre fui
redirecionada e voltando ao caminho.
Caminho fácil de trilhar?
Não. Com ele fui tomada por eclosões de sentimentos que reverberaram
em minha pele sentindo as angústias, as alegrias, o medo, a ousadia, a
198
generosidade, a honestidade que reafirmavamreafirmam minhas escolhas
sobre um jeito de trabalhar. Trabalhar juntonocompelo Outro e, assim,
marcando a importância do trabalho com.par.t(r)ilhado no cotidiano da escola.
Não sei pensarfazer de outro jeito. Sou assim.
A escola sempre esteve presente e com ela, minhas obrigações
profissionais: estar com o material didático elaborado para o projeto acontecer,
os módulos organizados e revistos, os registros das aulas e do que era feito
nelas em dia, as correções, as avaliações.... sempre ali junto ao caminho
teórico percorrido que estavaestou percorrendo.
Este momentomovimento me deu fôlego e impulsionava as leituras que
realizava, os encontros que participava com o grupo de pesquisa... Assim, o
cotidiano da escola e da universidade andaram lado a lado, de mãos bem
dadas para que essa pesquisa pudesse acontecer.
Você pensa que se encerra por aqui? Não. Isto é uma parte do caminho
percorrido e que escolhi com.par.t(r)ilhar. Continuarei a trilhar porque reafirmo
a minha escolha de que para falar da escola temos que estar nela.
Esta profissão precisa de se dizer e de se contar: é uma maneira de a compreender em toda a sua complexidade humana e científica. É que ser professor obriga a opções constantes, que cruzam a nossa maneira de ser com a nossa maneira de ensinar; e que desvendam na nossa maneira de ensinar a nossa maneira de ser. (NÓVOA, 1992, p.3)
A formação do professor não se dá somente no âmbito escolar, se dá
desde o início do nosso caminhar como pessoa e, aqui, comecei a ter minhas
primeiras lições como professora-pesquisadora que foram sendo ampliadas
quando revistei meu Memorial, que para mim, é a parte disparadora essencial
dessa narrativa que me dá sinais de parceria desde então. Pensa que estou no
final do caminho? Não. Estou no meio do caminho, com olhar mais distante,
199
mas imerso pelas vivências e inquietações me expondo nas lições
apre(e)ndidas62.
O Memorial de Formação é uma fonte infindável de guar.dados
que devem ser retomados para encontrar a essência de si mesmo
e da pesquisa. São páginas especiais da minha história que
revelam meu passado, a minha identidade, minhas análises,
minhas reflexões e inquietações.
Ao optar por pesquisar minha própria prática, evidencio a
pessoalidade, a profissionalidade e a singularidade de todos os
sujeitos nela envolvidos, inclusive a importância da minha
presença e de minha atuação no grupo de trabalho que estava
inserida.
O registro feito por narrativas quando não são suficientes para
compor a produção de dados da pesquisa, recorro à memória que
carrega todas as lembranças, sensações e sentimentos que
dialogavam o constante ir e vir da professora-pesquisadora, mãe,
esposa, amiga, filha, irmã....
Reafirmo que é importante que os professores narrem suas
experiências, sejam quais elas forem porque
o saber dos professores – como qualquer outro tipo de saber de intervenção social – não existe antes de ser dito. A sua formulação depende de um esforço explicitado e de comunicação, e é por isso que ele se reconhece, sobretudo, através do modo como é contado aos outros. Os professores possuem um conhecimento vivido (prático), mas que é dificilmente transmissível a outrem. Ora, na medida em que, no campo educativo o saber não preexiste à palavra (dita ou escrita), os conhecimentos de que os professores são portadores tendem a ser desvalorizados do ponto de vista social e científico. (NÓVOA, 1997, p.36)
62
Optei em usar um marcador que representa uma possibilidade de caminho: o ir e o vir.
200
É nopelo cotidiano da escola que produzimos conhecimento. É
nele que conheço minhas próprias ações e criações, por isso, é
impossível antecipar caminhos a serem percorridos. É o cotidiano
que me coloca diante do acaso sem poder me recuar.
Diariamente mergulho nessa imensidão que me faz duvidar e
olhar com curiosidade, morrer e ressuscitar, ir e vir, aproximar e
me distanciar daquilo que escolhi vivenciar, o trabalho
com.par.t(r)ilhado.
A narrativa é uma experiência singular que revela tantas outras
experiências singulares que se tornam contínuas com o tempo.
Trocar experiências é fundamental e é um dos princípios do
trabalho com.par.t(r)ilhado.
O profissional reflexivo delibera os problemas aparentemente
técnicos utilizando estratégias claras e consistentes em si
mesmas entrelaçando-as e organizando-as de um jeito que o
instigue a resolver o problemaconflito ali presente.
O processo reflexivo me ajudou a compreender o meu próprio
pensamento e a refletir criticamente sobre minha prática,
construindo e (re)significando meu saberfazer, tecendo a ele
novos instrumentos de ação tendo em vista as mudanças nas
práticas de ensino, do meu jeito de planejar e organizar o
cotidiano da sala de aula.
O trabalho com.par.t(r)ilhado, em Parceria,:
é possível mediante a presença, a valorização e a
confiança nodopelo Outro. É com o Outro que dialogo para
compreender o que se passa ou que está por vir. É com o Outro e
201
comigo mesma que negocio constantemente o que precisa ser
feito, as escolhas que tenho que fazer e quais caminhos trilhar.
Independente do caminho, a relação humana é repleta de
afetividade. Uma das formas de afeto é a amizade que aos ser
vivida, me torno cúmplice do Outro e experiencio o espaço político
da escola com mais amorosidade tornando-o mais ameno diante
da dominação presente, pois ao apoiar um no Outro, posso dar
outros sentidos ao que está sendo imposto e reinventar a situação
e a mim mesma. Mas tudo isso é possível porque exerço a escuta
sensível nos mais variados espaços de conversa com o Outro.
acontece na escola em que atuo, portanto, é possível
considerar essa experiência para uma escola outra, desde que
haja organização e propósito claro do uso do horário destinado ao
trabalho pedagógico coletivo legitimando-o como espaço de
conversa e de formação contínua, onde o professor aprende a
dialogar, a negociar, a escutar sensivelmente, a ter vínculos
afetivos e a desenvolver sua confiança e, consequentemente,
com os que estabelece relações diariamente no cotidiano da
escola.
pode ser visto como uma estratégia a ser utilizada para
alterarmodificartransformar a escola em uma outra que tenha o
aluno como parceiro efetivo de trabalho.
pode ser visto como:
- janela: que abre para a multiplicidade de culturas e jeitos
de diferentes de trabalhar
- espaço diverso: de busca e partilha
- charneira: momento de transição, de crescimento, de
parcerias transversais, de diálogos e de silêncios.
202
- pertencimento: a constituição do grupo e as contradições
presentes.
acontece em diferentes parcerias. A parceria pode ser
transversal, que tem como caminho um objetivo em comum, como
referência o trabalho pedagógico. Ela pode acontecer quando
estamos na mesma série, mas também quando não estamos.
Quando temos clareza do que queremos, estabelecemos
parcerias transversais com pessoas que estejam na mesma
escola, mas em outra série ou até mesmo de outra escola. O
importante é ter espaço de conversa, de diálogo com pessoas
que ajudem a olhar para as inquietações e redimensionar as
práticas pedagógicas e dando um novo sentido para o trabalho
que realiza.
precisa do registro seja ele qual for: narrativas, fotos,
músicas, produções das crianças como uma das possibilidades
de organização do trabalho docente e como material de reflexão
para encaminhamentos futuros e para o próprio processo de
formação.
dá valor ao que o aluno sente, pensa e sinaliza em suas
ações e produções para que o processo de ensino e de
aprendizagem se torne cada vez mais significativo. É importante
dar a voz que o aluno tem para juntos pensarmos nas
possibilidades de trabalho e encaminhamentos no cotidiano da
escola.
precisa de espaços de conversa, como a Assembleia
Docente, assim como utilizar outros meios de comunicação, como
o e-mail, para dialogar e compreender os caminhos que estão
203
sendo trilhados. São nestes espaços de conversa que me recordo
de Pierini (2014) quando ressalta que são nestes espaços que
residem os sujeitos que com suas palavras são acolhidos e a
partir delas produzem outros sentidos, recriando a realidade
presente.
permite que você contemple o seu trabalho pelo olhar do
Outro.
trabalha na essência do Outro que está impressa em cada
um de nós.
possibilita que o professor desenvolva suas habilidades e
competências no âmbito pessoal e profissional.
faz com que o professor encontre fôlego para ver outras
possibilidades quando tudo parece desabar.
oportuniza o encontro do professor com a leitura como
fruição e como estratégia de formação e de trabalho.
fez com que a minha autonomia fosse se constituindo para,
nas brechas do cotidiano, criar e viver possibilidades de encontro
comnopelo Outro e criasse outros espaços de conversa na
escola.
E para mim, a última lição, a última não, porque sempre estamos em
constante processo de inacabamento, então, diria que é a penúltima, mas
penúltima também não, mas a que está no meio do caminho que desperta na
minha memória palavras de alguns trechos da música “Caminhos”, de Raul
Seixas, Paulo Coelho e Eládio Gilbraz.63
63
Disponível em: http://letras.mus.br/raul-seixas/83547/. Acesso em: 23 nov. 2014.
204
Você me pergunta Aonde eu quero chegar
Se há tantos caminhos na vida E pouca esperança no ar E até a gaivota que voa
Já tem seu caminho no ar O caminho do fogo é a água
O caminho do barco é o porto (...)
O da luz é o túnel O caminho da fera é o laço
O caminho da mão é o punhal O do santo é o deserto
O do carro é o sinal O do errado é o certo
(...)
O caminho do risco é o sucesso O do acaso é a sorte O da dor é o amigo
O caminho da vida é a morte!
E você ainda me pergunta: aonde é que eu quero chegar, se há tantos caminhos na vida
e pouquíssima esperança no ar! E até a gaivota que voa
já tem seu caminho no ar!
(...)
Pois é... são tantos os caminhos possíveis, com tantas perguntas que
ainda continuam me incomodando, mas que sinto a sustentabilidade do
trabalho quando falo dele, sobre ele e com ele.
Novamente, dialogar comjuntono Outro se faz necessário e, ao me
encontrar Renata Cristina Oliveira Barrichelo, no meio do caminho, na parada
necessária da qualificação da Tese, fui presenteada pelas suas palavras
reafirmando o que faço e acredito.
205
Penso e sinto que o seu trabalho de pesquisa sustenta que o:
Coletivo, enquanto trilha e partilha
Organiza e dá a ver
Modos de versentir o mundo, a escola, as relações
Parceria como JANELA e como espaço diverso institui
Angústias, dificuldades, expectativas e também
Recomeços, alegrias, aprendizagens: brisa e tempestade!
Trabalhar “juntos” a favor da
Reflexividade que potencializa a (re)construção permanente da
Identidade do grupo: suas escolhas, omissões
Lutar por uma escola OUTRA implica compartilhar
Histórias, registros, reflexões que vão
Abrindo Caminho! Trabalho COM.PAR.T(R)ILHADO é CAMINHO!
Deslocando-nos entre selva escura, pedra e rios
O(s) outro(s) nos ajuda a (re) encontrar estradas, tunéis e pontes
Quem disse que no final da picada não se abre a imensidão?
A imensidão se abre e, ao olhar para o passado e o futuro, não tenho
como não dizer, sou uma professora-pesquisadora que vem sendo formado no
trabalho com.par.t(r)ilhado, em PARCERIA.
Acredito no trabalho com.par.t(r)ilhado como possibilidade de formação
e de melhores estratégias de ensino e de aprendizagem. Valorizo todas as
experiências que tive ao longo da minha vida. Situações que me levaram a
querer o Outro comigo sempre, nas tristezas de não ser ouvida ou
compreendida, ou na alegria da concretização de um trabalho. No olhar de
desconfiança e dos sentimentos não partilhados ao ouvir algum dos meus
relatos ou inquietações que são constantes. Nas tempestades vividas que
206
parecem sem fim e sem sol como caminho de retomada. Sei dizer que o que é
claro e dito não sai caro a ninguém e, por isso, insisto sempre em declamar
que quando nos respaldamos no trabalho com.par.t(r)ilhado não há quem
desmereça o trabalho pedagógico feito nas minúcias do cotidiano da escola e
da formação contínua que ali ocorre.
É COM.PAR.T(R)ILHADO porque estou sempre vivendo e aprendendo
a com.par.t(r)ilhar, nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas,
aprendendo a com.par.t(r)ilhar pensando sempre em uma escola outra.
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em: 21 nov. 2014.
227
Anexos
Anexo 1. Termo de informação sobre a pesquisa
Campinas, 30 de julho de 2012.
INFORMAÇÃO SOBRE A PESQUISA
Esta pesquisa integra o projeto de Tese de Doutorado de Marissol Prezotto,
aluna regularmente matriculada no programa de pós-graduação da Faculdade de
Educação da Universidade Estadual de Campinas, intitulada Trabalho com.par.
t(r)ilhado: focalizando a parceria.
O trabalho que ora se apresenta tem como foco o processo de formação do
professor com um zoom mais direcionado ao conhecimento que é construído dentro
da escola, através das parcerias de trabalho e pergunto: como os professores se
apropriam desse saber-instrumento no dia-a-dia em sala de aula Como o professor se
(in)forma diante da alteridade do outro (alunos, pais, professores...) com quem
trabalha Quais são os processos de participação do outro e de tomadas de decisão O
que implica o trabalho coletivo no cotidiano escolar Como e com quem se estabelece
a parceria no cotidiano do professor? Que caminhos são compartilhados nesta
parceria?
Esta pesquisa busca ampliar a compreensão do papel do trabalho
compartilhado como uma das estratégias promotoras da reflexividade sobre a prática
dos educadores na escola.
228
A proposta do trabalho será realizada a partir da análise de encontros
realizados com o grupo de professores nos horários de parceria do CP com o objetivo
de construir, coletivamente, conhecimento sobre nosso trabalho na escola a partir da
reflexão sobre momentos de coletividade.
As reuniões áudio-gravadas, bem como os registros reflexivos produzidos a
partir dos encontros de parceria serão analisados a partir do Paradigma Indiciário,
sustentando-se em argumentos que revelam a importância dos pormenores ou dados
marginais de um fenômeno para interpretá-lo e compreendê-lo, valorizando
componentes de singularidade e detalhes secundários situados muitas vezes na
aparência das coisas, reconhecendo e remontando uma dada realidade em elos
conectivos.
Vale ressaltar que as respostas serão tratadas de forma confidencial,
garantindo-se o seu anonimato, bem como serão resguardados todos os
procedimentos éticos de pesquisa.
Sua colaboração é de extrema importância para o desenvolvimento desta
pesquisa e colocamo-nos à disposição para prestar outros esclarecimentos que se
fizerem necessários.
Atenciosamente,
Marissol Prezotto
Faculdade de Educação
Universidade Estadual de Campinas
Ana Maria Falcão de Aragão
Faculdade de Educação
Universidade Estadual de Campinas
229
Anexo 2. Termo de autorização
TERMO DE AUTORIZAÇÃO
Eu,_____________________________________________________________
professora da Escola _________________ , declaro estar ciente das informações sobre
a pesquisa de doutorado desenvolvida por Marissol Prezotto, aluna regularmente
matriculada no programa de pós-graduação da Faculdade de Educação da
Universidade Estadual de Campinas, intitulada “O trabalho com.par.t(r)ilhado:
focalizando a parceria”.
Declaro ainda ter sido informada sobre a temática, referencial teórico e metodologia
da pesquisa, assim como me foram prestados todos os esclarecimentos necessários.
Autorizo, portanto, que sejam utilizados os dados coletados em gravações dos CPs de
Parceria e textos produzidos por mim sem identificação.
Campinas, _____de ____________________ de 2012.