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IMPRESSO Notícias do Povo da Rua Rede Rua de Comunicação - Rua Sampaio Moreira, 110 – Casa 9 – Brás – 03008–010 São Paulo SP – Fone - 3227-8683 - 3311-6642 - [email protected] Ano XXI Abril de 2013 - Nº 215 Será que agora vai? Fotos: Alderon Costa/Rede Rua O prefeito Fernando Haddad lançou programa de formação e emprego e institui o Comitê Interse- torial da Política Municipal para a População em Situação de Rua (Comitê PopRua) No dia 25 de fevereiro, a Fa- culdade de Direito situada no Largo de São Francisco (USP), espaço de tantos conflitos ocor- ridos, nos últimos anos, entre a Guarda Civil Metropolitana (GCM) e a população de rua, abriu as portas de seu salão nobre para recebê-la. Antonio Magalhães Gomes Filho, dire- tor da faculdade, a pedido do Secretário Municipal de Direi- tos Humanos, Rogério Sottilli, não só cedeu as dependências do prédio como participou da solenidade. Em clima de festa, o prefeito Fernando Haddad anunciou a parceria com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) para formar, em 2013, pelo menos dois mil profissionais da população em situação de rua em áreas como a confecção de bolsas de couro e tecidos, mecânica, Estamos mudando os rumos e realizando as prioridades do município para garantir direitos humanos para todas as pessoas que vivem nesta cidade eletrotécnica, pintura e encanamentos, entre outras. Os cursos terão duração de dois meses para turmas de aproximadamente duzentos inscritos e serão realizados com verbas do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) do Ministério da Educação. O diretor da faculdade saudou os presentes e afirmou que vá- rios governantes trataram a questão social como atribuição da polícia, mas a faculdade tem a tradição da defesa da liberda- de, da democracia e dos direitos humanos. “Portanto, quando o prefeito começou a tratar a questão social como uma questão de direitos humanos, a Faculdade se sente honrada, porque ela está cumprindo o seu papel”, concluiu Magalhaes. Robson César Mendonça, representante do Movimento Es- tadual da População de Rua, fez um repente anunciando que “mendigos não eram e que albergue era prisão e que quem está na rua quer cidadania para ganhar pão, somos seres humanos”. Para Sottili, o prefeito colocou a população de rua no centro de sua agenda política e de suas prioridades. “Vamos trabalhar para garantir dignidade e construir autonomia do povo da rua”. Lembrou que, além do Pronatec, o prefeito estava instituindo o comitê intersetorial. “Hoje, o prefeito assina o decreto que cria o Comitê PopRua, composto por representantes de secretarias municipais e da sociedade civil para dar as diretrizes do traba- lho do governo, auxiliar na construção, implementação e moni- toramento das políticas públicas. Estamos mudando os rumos e realizando as prioridades do município para garantir direitos humanos para todas as pessoas que vivem nesta cidade”, fina- lizou Sottilli. Anderson Lopes Miranda representando o Movimento Nacio- nal da População de Rua (MNPR) afirmou que a população de rua já trabalhou, muitos têm diplomas e que todos que estavam ali queriam trabalhar. “Queremos a política de saúde integral, CAPS 24 horas com dignidade, repúblicas terapêuticas, casas de cuidados”, afirmou Anderson. Destacou ainda a importân- cia da prefeitura articular o recebimento de recursos federais. “Isto aqui não vai ficar em São Paulo, vai para o Brasil inteiro”, finalizou. O presidente da Fiesp, Paulo Skaf, falou da determinação do prefeito com o projeto de formação das pessoas em situação de rua. “É um absurdo, me sinto desconfortável sendo prefeito da cidade e tendo pessoas em situação de rua”, declarou o prefeito segundo Skaf. Concluindo sua fala, Skaf reafirmou seu com- promisso em trabalhar pela parceria em torno do Pronatec. Ao final do evento, o prefeito Haddad, antes de iniciar sua fala, num gesto simbólico, vestiu a camiseta do MNPR. Afir- mou a importância da parceria com a Fiesp e falou sobre a complexidade do trabalho com as pessoas em situação de rua, mas que sua gestão nunca vai desistir de encontrar o melhor caminho discutindo com os movimentos e outros segmentos sociais. “Temos que assumir um único compromisso: em ne- nhum momento, nós não vamos desistir”, declarou Haddad. A ofensiva midiática: monopólios e higienização Em visita ao Brasil para parti- cipar de um seminário sobre In- fância e Mídia, em Brasília, de 6 a 8 de março de 2013, organizado pela Agência de Notícias dos Di- reitos da Infância (ANDI), Frank la Rue, jornalista, advogado, ati- vista pelos direitos humanos na Guatemala e relator especial das Nações Unidas para a Liberda- de de Opinião e Expressão con- versou com O Trecheiro sobre a responsabilidade da mídia na construção de estereótipos sobre a população em situação de rua, o impacto dos megaeventos na hi- gienização das cidades e o papel da imprensa na incitação ao ódio. O mandato de La Rue na ONU é falar sobre liberdade de expres- são dos setores vulneráveis com os quais ele trabalha, que são os povos indígenas, as minorias ét- nicas, raciais, culturais ou reli- giosas, mas também as pessoas em situação de rua. De acordo com sua perspectiva de luta, a importância da liberdade de expressão implica no acesso aos meios de comunica- ção mas, também, que as pessoas precisam ter os meios próprios de comunicação e de expressão. La Rue é contundente ao cri- ticar os meios de comunicação que se utilizam de “expressões de ódio, de incitação à violência, de discriminação e de hostilidade” e nos recorda que a luta contra a in- tolerância “é uma tarefa urgente e permanente”. No Brasil, é visível essa forma preconceituosa de abor- dar as questões sociais e combater tais estereótipos é um ponto cen- tral se quisermos que haja mudan- ça na percepção da sociedade em relação à população em situação de rua. La Rue afirmou que se a sociedade percebe que a imprensa tem interesse em estigmatizar as pessoas que vivem em situação de rua porque afetam o turismo, a va- lorização imobiliária etc. então a sociedade pode condenar isso, ar- gumentando que primeiro é neces- sário resolver a situação econômi- ca de pessoas que são obrigadas a viver nas ruas. “Os grandes donos dos meios de comunicação, os chamados mono- pólios, são uma ameaça à liberda- de de expressão porque o direito à liberdade de expressão não é só um direito individual, mas um di- reito social”, enfatiza La Rue. É um direito coletivo da sociedade de ser informada com pluralis- mo de ideias, portanto, não pode ser de um só proprietário. Assim, deve haver meios públicos a ser- viço da comunidade e meios co- munitários, meios de todo o tipo e esse equilíbrio deve ser regulado pelo Estado, comenta La Rue. Frank la Rue informa que o arti- go 19 do Pacto de Direitos Civis e Políticos e o 13 da Convenção Americana dos Direitos Huma- nos estabelecem que o direito à liberdade de expressão implica na liberdade de opinião, de ter acesso à informação e expressar ideias e informações de forma livre e democrática e, principal- mente, com transparência. Esse processo permite a participação ativa. “A liberdade de expressão nesse sentido, para mim está to- talmente vinculada ao direito de participação”, concluiu Frank. “A visão excessivamente co- mercial das telecomunicações na América Latina ameaça tan- to o princípio da diversidade e pluralismo como a liberdade de expressão, o que impacta direta- mente no manejo democrático, colocando em risco a própria de- mocracia” Rose Barboza Alderon Costa Os grandes donos dos meios de comunicação, os chamados monopólios, são uma ameaça à liberdade de expressão ANDI/Divulgação

O Trecheiro - Abril de 2013 #215

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jornal da Rede Rua de Comunicação

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Page 1: O Trecheiro - Abril de 2013 #215

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Notícias do Povo da Rua

Rede Rua de Comunicação - Rua Sampaio Moreira, 110 – Casa 9 – Brás – 03008–010 São Paulo SP – Fone - 3227-8683 - 3311-6642 - [email protected]

Ano XXI Abril de 2013 - Nº 215

Será que agora vai?Fotos: Alderon Costa/Rede Rua

O prefeito Fernando Haddad lançou programa de formação e emprego e institui o Comitê Interse-torial da Política Municipal para a População em Situação de Rua (Comitê PopRua)

No dia 25 de fevereiro, a Fa-culdade de Direito situada no Largo de São Francisco (USP), espaço de tantos conflitos ocor-ridos, nos últimos anos, entre a Guarda Civil Metropolitana (GCM) e a população de rua,

abriu as portas de seu salão nobre para recebê-la. Antonio Magalhães Gomes Filho, dire-tor da faculdade, a pedido do Secretário Municipal de Direi-tos Humanos, Rogério Sottilli, não só cedeu as dependências

do prédio como participou da solenidade.

Em clima de festa, o prefeito Fernando Haddad anunciou a parceria com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) para formar, em 2013, pelo menos dois mil profissionais da população em situação de rua em áreas como a confecção de bolsas de couro e tecidos, mecânica,

Estamos mudando os rumos e realizando as prioridades do município para garantir direitos humanos para todas as pessoas

que vivem nesta cidade

eletrotécnica, pintura e encanamentos, entre outras. Os cursos terão duração de dois meses para turmas de aproximadamente duzentos inscritos e serão realizados com verbas do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) do Ministério da Educação.

O diretor da faculdade saudou os presentes e afirmou que vá-rios governantes trataram a questão social como atribuição da polícia, mas a faculdade tem a tradição da defesa da liberda-de, da democracia e dos direitos humanos. “Portanto, quando o prefeito começou a tratar a questão social como uma questão de direitos humanos, a Faculdade se sente honrada, porque ela está cumprindo o seu papel”, concluiu Magalhaes.

Robson César Mendonça, representante do Movimento Es-tadual da População de Rua, fez um repente anunciando que “mendigos não eram e que albergue era prisão e que quem está na rua quer cidadania para ganhar pão, somos seres humanos”.

Para Sottili, o prefeito colocou a população de rua no centro de sua agenda política e de suas prioridades. “Vamos trabalhar para garantir dignidade e construir autonomia do povo da rua”. Lembrou que, além do Pronatec, o prefeito estava instituindo o comitê intersetorial. “Hoje, o prefeito assina o decreto que cria o Comitê PopRua, composto por representantes de secretarias municipais e da sociedade civil para dar as diretrizes do traba-lho do governo, auxiliar na construção, implementação e moni-toramento das políticas públicas. Estamos mudando os rumos e realizando as prioridades do município para garantir direitos humanos para todas as pessoas que vivem nesta cidade”, fina-lizou Sottilli.

Anderson Lopes Miranda representando o Movimento Nacio-nal da População de Rua (MNPR) afirmou que a população de rua já trabalhou, muitos têm diplomas e que todos que estavam ali queriam trabalhar. “Queremos a política de saúde integral, CAPS 24 horas com dignidade, repúblicas terapêuticas, casas de cuidados”, afirmou Anderson. Destacou ainda a importân-cia da prefeitura articular o recebimento de recursos federais. “Isto aqui não vai ficar em São Paulo, vai para o Brasil inteiro”, finalizou.

O presidente da Fiesp, Paulo Skaf, falou da determinação do prefeito com o projeto de formação das pessoas em situação de rua. “É um absurdo, me sinto desconfortável sendo prefeito da cidade e tendo pessoas em situação de rua”, declarou o prefeito segundo Skaf. Concluindo sua fala, Skaf reafirmou seu com-promisso em trabalhar pela parceria em torno do Pronatec.

Ao final do evento, o prefeito Haddad, antes de iniciar sua fala, num gesto simbólico, vestiu a camiseta do MNPR. Afir-mou a importância da parceria com a Fiesp e falou sobre a complexidade do trabalho com as pessoas em situação de rua, mas que sua gestão nunca vai desistir de encontrar o melhor caminho discutindo com os movimentos e outros segmentos sociais. “Temos que assumir um único compromisso: em ne-nhum momento, nós não vamos desistir”, declarou Haddad.

A ofensiva midiática: monopólios e higienizaçãoEm visita ao Brasil para parti-

cipar de um seminário sobre In-fância e Mídia, em Brasília, de 6 a 8 de março de 2013, organizado pela Agência de Notícias dos Di-reitos da Infância (ANDI), Frank la Rue, jornalista, advogado, ati-vista pelos direitos humanos na Guatemala e relator especial das Nações Unidas para a Liberda-de de Opinião e Expressão con-versou com O Trecheiro sobre a responsabilidade da mídia na construção de estereótipos sobre a população em situação de rua, o impacto dos megaeventos na hi-gienização das cidades e o papel da imprensa na incitação ao ódio.

O mandato de La Rue na ONU é falar sobre liberdade de expres-são dos setores vulneráveis com os quais ele trabalha, que são os povos indígenas, as minorias ét-nicas, raciais, culturais ou reli-

giosas, mas também as pessoas em situação de rua. De acordo com sua perspectiva de luta, a importância da liberdade de expressão implica no acesso aos meios de comunica-ção mas, também, que as pessoas precisam ter os meios próprios de comunicação e de expressão.

La Rue é contundente ao cri-ticar os meios de comunicação que se utilizam de “expressões de ódio, de incitação à violência, de discriminação e de hostilidade” e nos recorda que a luta contra a in-tolerância “é uma tarefa urgente e permanente”. No Brasil, é visível essa forma preconceituosa de abor-dar as questões sociais e combater tais estereótipos é um ponto cen-tral se quisermos que haja mudan-ça na percepção da sociedade em relação à população em situação de rua. La Rue afirmou que se a sociedade percebe que a imprensa tem interesse em estigmatizar as

pessoas que vivem em situação de rua porque afetam o turismo, a va-lorização imobiliária etc. então a sociedade pode condenar isso, ar-gumentando que primeiro é neces-sário resolver a situação econômi-ca de pessoas que são obrigadas a viver nas ruas.

“Os grandes donos dos meios de comunicação, os chamados mono-pólios, são uma ameaça à liberda-de de expressão porque o direito à liberdade de expressão não é só um direito individual, mas um di-reito social”, enfatiza La Rue. É um direito coletivo da sociedade de ser informada com pluralis-mo de ideias, portanto, não pode ser de um só proprietário. Assim, deve haver meios públicos a ser-viço da comunidade e meios co-munitários, meios de todo o tipo e esse equilíbrio deve ser regulado pelo Estado, comenta La Rue.

Frank la Rue informa que o arti-

go 19 do Pacto de Direitos Civis e Políticos e o 13 da Convenção Americana dos Direitos Huma-nos estabelecem que o direito à liberdade de expressão implica na liberdade de opinião, de ter acesso à informação e expressar ideias e informações de forma livre e democrática e, principal-mente, com transparência. Esse processo permite a participação ativa. “A liberdade de expressão

nesse sentido, para mim está to-talmente vinculada ao direito de participação”, concluiu Frank.

“A visão excessivamente co-mercial das telecomunicações na América Latina ameaça tan-to o princípio da diversidade e pluralismo como a liberdade de expressão, o que impacta direta-mente no manejo democrático, colocando em risco a própria de-mocracia”

Rose Barboza

Alderon Costa

Os grandes donos dos meios de comunicação,

os chamados monopólios,

são uma ameaça à

liberdade de expressão

ANDI/Divulgação

Page 2: O Trecheiro - Abril de 2013 #215

O Trecheiro página 2 Abril de 2013

O Trecheiro Notícias do Povo da Rua

Rua Sampaio Moreira,110 - Casa 9 - Brás - 03008-010 - São Paulo - SP - Fone: (11) 3227-8683 3311-6642 - Fax: 3313-5735 - www.rederua.org.br - E-mail: [email protected]

Conselho editorial:Arlindo Dias editorAlderon CostaMTB: 049861/0157Cleisa Rosa

equipe de redação: Alderon CostaCarolina FerroDavi AmorimFabiano VianaLéa TosoldLennita RuggiRose Barboza

revisão Cleisa Rosa

FotograFia: Alderon Costa diagramação: Fabiano Viana

ApoioFelipe MoraesJoão M. de OliveiraLuíza Ferreira da Silva

impressão: Forma Certa5 mil exemplares

Hoje é muito fácil saber onde têm serviços da prefei-tura para as pessoas em situação de rua. Por conta da grande demanda nos serviços e da falta de efetividade dos projetos, as pessoas acabam se juntando uns aos outros nos cantos da cidade. Em alguns casos, montam barracas, improvisam “casas” dando a impressão de um grande acampamento. Chegando próximo de um desses espaços, foi possível ver uma senhora de, aproxi-madamente, 60 anos sentada em um tapete estendido na calçada com várias sacolas ao lado e escorada no muro.

Depois das devidas apresentações, ela fez uma per-gunta. “O senhor sabe se é verdade que o prefeito vai tirar todo mundo da rua e dar casa”? Conversa vai, conversa vem, dona A. Cruz queria saber se realmente ela teria a possibilidade de ter um lugar para morar com o companheiro que trabalha na catação de mate-rial reciclável. Infelizmente, tive que ser realista (e pes-simista) com aquela senhora que nunca poderia estar

naquela situação. O prefeito não vai tirar todos da rua e nem vai dar casa, respondi expressando minha incredulidade acerca da efe-tividade de qualquer política pública. O que a senhora pode fazer, continuei, é começar a participar das reuniões com os movimentos de moradia e da população de rua e tentar inscrição em algum programa habitacional. A conversa se prolongou, mas não conse-gui convencer dona A. Cruz que seu sonho da casa própria seria de difícil realização.

De toda forma, gostei da ideia de ver que uma cidade sem pessoas morando em situação de rua já está nas mentes e nos corações daqueles que estão nessa situação. Se eles já estão sonhando com essa possibilidade é bom sinal.

Já defendemos aqui que as pessoas em situação de rua devem pegar os sonhos nas mãos para que se tornem realidade. Se a po-pulação que está em situação de rua começar a sonhar com uma cidade onde ela possa ser incluída dignamente pode ser um bom começo, ao lado de uma gestão que tem se mostrado positivamente interessada em mudar o olhar para esta realidade.

Já estamos chegando no inverno, período no qual o frio pode ser cruel, mas ao mesmo tempo uma possibilidade de se ter mais pessoas procurando abrigos. O inverno requer do poder público, sensibilidade, criatividade e investimento. É importante construir um programa especifico para este período, mas conectados com a política mais ampla.

A inclusão de pessoas em situação de rua no Programa Nacional de acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) e a implanta-ção Comitê Municipal da População de Rua – Comitê PopRua, mesmo que de forma tardia e sem consulta ampla, são iniciativas altamente positivas. No entanto, é urgente a reformulação da rede socioassistencial para garantir mais qualidade e efetividade na acolhida das pessoas.

Sabemos que uma das principais tarefas do Comitê PopRua será a de “elaborar o Plano Municipal da Política da População em Situação de Rua, especialmente quanto às metas, objetivos, respon-sabilidades e orçamentos”, segundo o artigo 3º, inciso I do Decreto Municipal nº 53.795, de 25 de março de 2013, que instituiu o Co-mitê PopRua.

O sonho da dona A. Cruz tem mais possibilidades de se concre-tizar nesse momento, ao contrário da situação de outras cidades brasileiras nas quais a violência vem se agravando.

Nesse momento, estamos de olho em Goiânia por conta da possi-bilidade da existência de um grupo de extermínio que vem matando pessoas em situação de rua. Só nos últimos oito meses, foram mais de 20 pessoas assassinadas em Goiânia. Já tivemos os massacres de São Paulo, Espírito Santo, Maceió, Rio Grande Sul e de tantas outras cidades. Enquanto os governos nas três esferas não toma-rem um posicionamento firme, vamos continuar tendo as chacinas, os massacres e grupos de extermínio.

Uma das reivindicações do Movimento Nacional da População de Rua que precisa ser pensada com responsabilidade pelo gover-no federal é a “federalização dos crimes contra essa população”. Não podemos mais adiar essa ação, pois os governos estaduais não estão dando conta e manifestam pouco interesse em resolver essa questão. Impossível continuar tal matança, porque ela pode se con-figurar em política pública de limpeza e extermínio de um segmento da sociedade brasileira.

VIDA NO TRECHO“Fiz da literatura e da cultura

uma trincheira de luta”

Edi

tori

al

APOIO:

Sonho distante

Rose Barboza

Raúl Ernesto Larrosa Balles-ta, jornalista, escritor, tradutor, artesão e contador de historias encontrou sua luta e seu lar em Brasília, a “cidade das paixões roubadas” como ele a identifi-ca e onde vive há mais de sete anos. Raul afirmou que ter uma causa é seu antídoto contra a desesperança. “Se eu não tiver uma causa para defender, sinto--me vazio. Eu sempre vou pre-cisar de uma luta onde me en-gajar”.

A bandeira atual de luta de Raúl e sua esposa, Gacy Simas, é pela inclusão cultural de jo-vens no Distrito Federal, ofe-recendo ferramentas para que eles desenvolvam seus talentos, além do esforço para que o tra-balho da Academia de Letras do Distrito Federal seja mais coletivo e abrangente. Nessa instituição, Raul ocupa a ca-deira “Paulo Freire” de nº 25 e comenta: “Fiz da literatura e da cultura uma trincheira de luta”.

Raul faz histórias como quem caminha, ouve e observa muito. Aliás, não é à toa que ele diz que suas histórias surgem de seus pés: cada trecho que pisou lhe ofereceu uma forma diferente de entender e sentir a vida, sua e de outros e outras.

Raul nasceu no Uruguai, no Departamento de Lavalleja (J. B. y Ordoñez), em 24 de outu-bro de 1962 e, ainda muito jo-vem deixou seu país para ver o mundo. Com uma mochila “vagabundeou” por vários paí-ses. “Sou trecheiro desde muito

cedo”, constata. Dessa época, lembra com exatidão a viagem que o trouxe do Rio de Janei-ro a São Paulo, quando após uma briga com o rapa, em 2003, teve seu artesanato apreendido e a ida a um albergue decretada como única alternativa.

No albergue, Raúl começou a compreender o que é viver no “limiar entre a cidadania e o submundo” e onde teve de en-carar a visão preconceituosa que tinha de quem vivia nas ruas. “Aquilo foi chocante. Para mim, rua era coisa de vagabundo, mas em pouco tempo eu comecei a compreender que ali é onde se pode entrar em contato com as maiores tragédias humanas. Na prisão, você conta os dias para sair, no albergue, cada dia você tem de tomar uma decisão, o que pode ser o tudo ou o nada”, recorda-se.

Foi no albergue que Raul co-meçou a estudar e, logo, a es-crever. Com a escrita ele buscou exorcizar seus fantasmas: “Eu escrevia sobre tudo o que eu via e sentia, sobre minha relação com as drogas. Sobre a dificul-dade que é não julgar, apenas aprender e respeitar”. Hoje, ten-do publicado o seu sexto livro,

Raul diz que suas primeiras his-tórias carregam as marcas do que testemunhou nesse tempo.

Sobre a importância da escrita para a saída das ruas, Raúl diz que não existe uma fórmula, mas no seu caso, o Grupo de Arte So-lidária que ele ajudou a organi-zar no albergue e, uma viagem para o Fórum Social Mundial de Porto Alegre, em 2005, com mais vinte companheiros da rua, foram decisivos. Fortalecido pela organização coletiva e en-tusiasmado com as reviravoltas, Raúl seguiu viagem e após 20 anos retornou ao Uruguai.

Desde 2005, as mudanças não pararam e após vencer um con-curso nacional de contação de histórias, Raúl foi escolhido para representar seu país no Chile. Então, decidiu que “não bastava mais ler contos de outros auto-res” e, apoiado por Gacy, Raúl levou a sério seu talento como escritor e começou a escrever seus próprios contos.

Hoje, membro da Academia de Letras do Distrito Federal e do Recanto das Emas, onde fundou a cadeira “Mario Benedetti” e sócio de uma editora, Raúl con-tinua se reinventando e diz que “não basta mais só escrever, é necessário produzir os próprios programas”. Além das produções que divulga em seu canal no You-tube, nos planos para 2013, está o lançamento de um documentário sobre literatura.

Para saber mais: http://www.alvoradadelivros.com

“Eu escrevia sobre tudo o que eu via e sentia, sobre

minha relação com as drogas. Sobre a dificulda-

de que é não julgar, ape-nas aprender e respeitar”

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END

A

Drogas e Direitos Huma-

nos Encontro sobre Políti-

cas Públicas de Atenção

PsicossocialDias: 24 e 25 de abril de

2013 – das 9 às 18 horas

Local: Assembleia Legisla-

tiva de São Paulo

Contato: [email protected]

Consulta Pública sobre a internação compulsória em vista da aprovação do Projeto de Lei 7663/2010Dia: 18 de abril (quinta-feira) às 14 horasLocal: Ministério Público

FederalRua Brigadeiros Luiz Antonio, 2020

Curso de cartões artísticos e espanholA Associação de Apoio à Promoção Humana Novos Rumos está com inscrições abertas para os cursos de cartões artísticos (Quiling) e de espanhol.Informações: Rua Canuto do Val, 170 - Tel: (11) 3824-0736 – Santa Cecília. E-mail: [email protected]

Rose Barboza

Page 3: O Trecheiro - Abril de 2013 #215

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Morador de rua é agredido e morto em Porto Alegre

Wolney Ciro de Souza Salgueiro, 47, foi espancado até a morte no centro da cidade na madrugada do dia 5 de abril. Registradas por câmeras de segu-

rança, as cenas mostram cinco pessoas, entre elas uma mulher, agredindo o homem com socos e pon-tapés e com uma pedra usada em calçamentos dão um golpe na cabeça. Antônio Carlos Moraes, 50, preso sob suspeita negou ser o autor da violência que o levou à morte e alegou ter sido ameaçado; Moraes tinha um corte na cabeça e chegou a ser

atendido num hospital.

Coordenação do MNPRA coordenação se reuniu em Curitiba nos dias 5, 6 e 7 de março para avaliar e planejar as ações do movimento. Foram discutidos a internação compul-sória e o fortalecimento do movimento. O professor do Donizete, do MST frisou a importância da inser-ção das lideranças juntos as bases e declarou que “movimento que não tem conquistas pode perder sua bases”, declarou Anderson Lopes Miranda. A pró-xima reunião do MNPR será na cidade de Cajamar nos dias 6,7, 8 e 9 de junho para dar continuidade ao fortalecimento da organização do MNPR

Representada no Conselho da Cidade

Ao contrário do que foi publicado na última edição, Anderson Lopes participa do conselho a convite do prefeito. “A popula-ção de rua faz parte pela primeira vez de um conselho e pode influir em assuntos da cidade e levar as demandas da popula-ção de rua”, afirmou Anderson após a primeira reunião que aconteceu no dia 26 de março.

Defensorias em São LuizAs defensorias estadual e federal do Maranhão e a Secretaria Municipal da Criança e Assistência Social (Semcas) prepa-ram termo de cooperação para atender a população em situa-ção de rua. (Jornal Pequeno, 23/03/2013)

Catadores protestam com máscaras

O Trecheiro página 3 Abril de 2013

Cleisa Rosa e Alderon Costa

Davi Amorim

A gestão de resíduos sólidos foi tema de debate realizado no dia 3 de abril na Universidade Metodista em São Bernardo do Campo (SP). O tema em ques-tão era a incineração de resíduos para a geração de energia.

Na mesa, estavam Tarcísio Se-coli, secretário de Serviços Ur-banos de São Bernardo do Cam-po e Dan Moche, especialista em Resíduos Sólidos e membro da Coalizão Nacional contra a inci-neração de lixo. A mediação foi feita pelo presidente da OAB de São Bernardo do Campo, Luiz Davanzo.

Os debatedores apresenta-ram suas considerações durante quinze minutos e fizeram duas perguntas entre si com direitos à réplica. Foram selecionadas três perguntas vindas de um público de mais que 1.000 pessoas, dire-cionadas aos debatedores.

O secretário Tarcísio ressaltou o atual plano de resíduos que, se-gundo ele, atende à Política Na-cional de Resíduos Sólidos, pois prevê reciclagem de 10% do re-síduo seco, compostagem de 7% do resíduo úmido e a incineração restante dos resíduos, além de disposição das cinzas e da escó-ria (resíduo perigoso derivado da queima) nos aterros sanitários

Dan Moche, por sua vez, argu-menta que o plano não atende à lei em sua plenitude, pois inverte a hierarquia de prioridades ao re-servar a maior proporção – 85% – dos resíduos para a incineração quando é possível a reciclagem até 87% dos resíduos, sobran-do apenas 13% de rejeito para a disposição final. De acordo com sua análise, essa opção tecnoló-gica tira a oportunidade de gera-ção de trabalho e renda para os catadores, destinando os recursos

públicos para a empresa de inci-neração.

“O secretário não respondeu a minha pergunta sobre por que não reciclar a maior parte dos resíduos ao invés de incinerar a maior parte? Também não defendeu o Plano de Gerencia-mento que, em minha opinião, está induzindo a prefeitura para um caminho ruim. O estu-do tem erros sérios e lacunas”, avalia Dan Moche.

Tarcísio Secoli argumentou que apesar de pouco, os 10% previstos de recuperação pela reciclagem é maior do que o vo-lume realizado hoje pela admi-nistração municipal, que é cerca de 1%. O serviço será realiza-do por meio de uma Parceria Público-Privada (PPP) por 30 anos e engloba todo o sistema de limpeza da cidade. O inves-timento da Prefeitura na Usina de incineração será que 600 mi-lhões de reais e o custo total do empreendimento será de quatro

Davi Amorim/MNCR

As cruzes do povo da ruaNo dia 29 de março (Sexta-Fei-

ra Santa), a Pastoral do Povo de Rua da Arquidiocese de São Pau-lo realizou a Via-Sacra do Povo da Rua na região da Luz.

Participaram da caminhada, aproximadamente 200 pesso-as, entre elas representantes de grupos, como Sefras (Chá do Padre), Arsenal da Esperança, Casa de Oração do Povo da Rua, Casa São Martinho e a Aliança de Misericórdia, além de religio-sos, defensores dos Direitos Hu-

manos e pessoas em situação de rua. O objetivo foi denunciar as diversas formas de violência e o descaso com a população de rua, atualizando assim, a Paixão de Cristo, quando a elas são impos-tas a condenação, a cruz, a prisão e a morte.

“Incinerador de lixo em debate”

Catadores foram impedidos de participar de debate

Um grupo de 150 catadores de materiais recicláveis e mora-dores do antigo lixão do Alvarenga foram impedidos de entrar no auditório da Universidade Metodista. O reitor alegou que o local não comportava mais pessoas. Ao final do debate, como forma de protesto, a representante do MNCR no ABC, Maria Mônica da Silva, tomou a palavra à revelia dos organizadores e repudiou a falta de respeito aos catadores que ficaram do lado de fora. “Não podemos admitir isso. São 150 pessoas que ficaram sem informação, serão as primeiras pessoas a sentir o impacto do incinerador, pois são moradores do Jardim Alvarenga, onde será construída a usina. Exigimos respeito”, denunciou Mônica ao público pre-sente. Durante o debate, os catadores que conseguiram entrar no lo-cal, aproximadamente 30 pessoas usaram máscaras cirúrgi-cas sobre o rosto em referência à poluição e ao risco à saúde humana gerados pelo incinerador.

De acordo com sua análise, essa opção

tecnológica tira a opor-tunidade de geração de trabalho e renda para os catadores,

destinando os recursos públicos

para a empresa de

Um dos momentos marcan-tes da Via-Sacra foi quando a caminhada passou pelas ruas onde as pessoas, vítimas do uso do crack naquele momento se drogavam. Alguns educadores sociais e religiosos aproxima-ram-se e as acolhiam.

Segundo padre Júlio Lancellot-ti, do Vicariato Episcopal do Povo da Rua da Arquidiocese de São Paulo, a paixão de Cristo e a paixão do Povo da Rua são refletidas e vivenciadas na dura realidade do dia a dia. Durante

o percusso aconteceram vários testemunhos de construção de esperança e da vida que resiste, avaliou Lancellotti.

O cardeal arcebispo de São Pau-lo, Dom Odílio Scherer participou de toda caminhada Via-Sacra e denunciou a violência presente na cidade. “São tantas chacinas, tantas matanças e tantos desca-sos com a vida do próximo. Basta dessa violência que está ceifando a vida em nossa cidade, principal-mente, dos jovens”, denunciou o cardeal.

Fabiano Viana

Um dos momentos marcantes da Via-Sacra foi quando a caminhada passou pelas ruas onde as pessoas , vítimas do uso do crack, se drogavam

Fotos: Fabiano Viana/Sefras

Davi Amorim

Page 4: O Trecheiro - Abril de 2013 #215

Carolina Ferro

Alderon Costa/Rede Rua

O Trecheiro página 4 Abril de 2013

Para os norte-americanos, “a situação de homeless” abarca as habitações precárias,

como moradores de ocupações e de favelas, portanto,

um conceito mais abrangente que aquele utilizado no Brasil.

No dia 8 de março, alunos do Pratt Institute, de Nova York (NY), apresentaram no Centro Gaspar Garcia de Direitos Hu-manos estudos sobre a realidade da população em situação de rua dessa cidade.

Segundo apresentações, os da-dos oficiais, de janeiro de 2013, do NYC Department of Ho-meless apontaram a existência de 50.135 pessoas vivendo em abrigos na cidade de Nova York. Destas, aproximadamente, 21% são adultos sozinhos, 37% são adultos em família e 42% são crianças. Existem 233 abrigos

atualmente na cidade de NY, sendo que uma minoria é admi-nistrada diretamente pelo poder público local e a grande maioria por entidades conveniadas com a prefeitura, cujos convênios não cobrem todos os gastos.

Segundo a ONG Picture the Homeless, o município gasta em serviços para pessoas em situa-ção de rua o equivalente a 2.730 dólares por mês, por pessoa. Outro dado que conecta esta re-alidade com a problemática ha-bitacional em São Paulo é que existem na cidade cinco vezes mais unidades habitacionais va-

zias em edifícios abandonados do que o número de pessoas em situação de rua.

Na perspectiva comparativa com a realidade de São Paulo, foi debatido o conceito de pes-soas em situação de rua utili-zado no Brasil, que é diferente da expressão homeless utiliza-da nos Estados Unidos. Para os norte-americanos, “a situação de homeless” abarca as habita-ções precárias, como moradores de ocupações e de favelas, por-tanto, um conceito mais abran-gente que aquele utilizado no Brasil.

Outra questão comparativa foi a diferença no número de pessoas consideradas em situa-ção de rua. Em São Paulo, de acordo com o censo de 2011, realizado pela Fundação Escola de Sociologia, existem 14.478 pessoas em situação de rua vi-vendo em abrigos e dormindo diretamente na rua. Os núme-ros de NY são muito maiores e apontam apenas pessoas que dormem em abrigos.

No Brasil, as diferenças, além de numéricas também são con-ceituais. No censo de São Paulo, as crianças não foram contadas. Além disso, as famílias em situa-ção de extrema pobreza vivem em ocupações ou em favelas e não em abrigos como nos EUA e não são contadas como em situação de rua.

Esse é o terceiro ano conse-cutivo que ocorre a parceria do Centro Gaspar Garcia com o Pratt Institute. Os alunos do Pratt são dos cursos de Plane-jamento Urbano e Gestão de Sistemas Ambientais Urbanos e vieram acompanhados do pro-fessor Perri Winston e do assis-

tente Leonel Ponce. Nessa visita, a proposta era

conhecer experiências de mo-radia popular, projetos sociais para a população em situação de rua e a luta de movimentos orga-nizados da cidade de São Paulo. Durante uma semana de visita, debates e apresentações geraram reflexões sobre a problemática da habitação direcionada à po-pulação de baixa renda e discus-sões da condição dos sem-teto e da população em situação de rua dos dois países.

Para aprofundar o conheci-mento sobre a realidade da po-pulação em situação de rua, os alunos conheceram as ativida-des do Programa Reviravolta do Centro Gaspar Garcia que visa à reinserção socioprodutiva de pessoas em situação de rua. Além disso, visitaram o centro de convivência São Martinho de Lima do Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto e o Cen-tro de Acolhida João Paulo II em São Paulo.

Constituição húngara criminaliza população em situação de rua

Léa Tosold e Lennita Ruggi

Debate e reflexão sobre a situação de rua

Com todas as diferen-ças históricas entre a Hungria e o Brasil, te-mos em comum a mes-ma luta contra as injus-tiças e os maus-tratos sofridos pela população em situação de rua. Es-tamos todos juntos nes-ta luta!

Desde junho do ano passado, O Trecheiro vem noticiando a luta da população em situação de rua na Hungria, em especial, a luta contra os processos de cri-minalização que estão em curso no país, como a proibição da permanência no espaço público.

No fim de 2012, depois de muitos anos de mobilização, a Corte Constitucional da Hun-gria declarou inconstitucional e contra os direitos humanos os regulamentos vigentes em dife-rentes localidades na Hungria que tratavam a situação de rua como um crime. Mas essa con-quista infelizmente não durou muito: o atual governo húnga-ro conservador aprovou sem consulta popular uma emenda constitucional que invalida as decisões tomadas anteriormen-te pela Corte Constitucional e criminaliza a situação de rua “a fim de preservar a ordem, a se-gurança e a saúde públicas, bem como valores culturais”. Isso foi feito mesmo contra os enormes protestos da sociedade civil or-ganizada e da comunidade inter-nacional.

Nada está ganho: a luta por direitos é contínuaPor ter sido um país socialista

durante a maior parte do século passado, a assistência social es-tatal era minimamente garantida na Hungria, incluindo moradia, alimentação, trabalho e saúde a seus habitantes. Apesar de todas as dificuldades vividas durante o socialismo, o fato de as pes-soas haverem tido um dia asse-gurado pelo Estado o acesso aos seus direitos é crucial para a luta atual. Observamos isso no con-tato com a organização “A Vá-ros Mindenkié” – “A Cidade é para Todas e Todos” –, formada por pessoas em situação de rua e seus apoiadores na cidade de Budapeste.

Já no Brasil, apesar de as leis teoricamente contemplarem es-

ses mesmos direitos, em grande parte eles jamais foram efetiva-dos. Assim muitas vezes acha-mos que as desigualdades são naturais, não problematizamos o acesso desigual aos direitos ou, até mesmo, vemos a assistência social como uma espécie de fa-vor dos governantes.

Solidariedade na Hun-gria: a luta também é

nossa!No Brasil, sabemos que há

uma distância muito grande en-tre as leis e a enorme violação de direitos que ocorre de fato na vida cotidiana das pessoas. Mesmo assim, a legislação não é inútil. Os princípios constitu-cionais e dos direitos humanos são importantes na luta contra as injustiças sociais. Se a pró-pria constituição criminaliza certos grupos da sociedade fica mais difícil a luta pela conquis-ta de direitos. O Estado dá “si-nal verde” para toda a sorte de discriminação e segregação já existentes na sociedade contra os grupos mais vulneráveis.

É isso o que está acontecendo na Hungria: estar em situação de rua pode ser crime de acordo com a constituição. Como afir-

mou Magdalena Sepúlveda, re-latora da ONU sobre a pobreza extrema e os direitos humanos, essa legislação na Hungria “terá um impacto desproporcional sobre as pessoas que vivem em condições de pobreza como um todo e, especialmente, sobre as pessoas que vivem em situação de rua (...) impedindo que usufruam dos di-reitos humanos e incentivando pre-conceitos contra essa parcela da população”.

Com o que acontece atual-mente na Hun-gria, vemos que a existência de leis que têm por

Você conhece a Hungria?- Capital: Budapeste- Número de habitantes: 10.064.000- Língua oficial: magyar (húngaro) – segundo o ditado, a única língua que o diabo respeita- Principal rio: Danúbio

Fatos sobre o país:- Perdeu a I e a II Guerra Mundial- Foi um país socialista de 1944 a 1989- Faz parte da União Europeia desde 2004

Já no Brasil, apesar de as leis teorica-

mente contemplarem esses mesmos direi-tos, em grande parte

eles jamais foram efetivados

princípio a garantia da digni-dade humana está longe de ser uma conquista consolidada para sempre. A luta é constante, pois a qualquer momento estamos sujeitos a perder o respaldo que as leis dão para a luta por maior justiça social para todas e todos.

Nova York e São Paulo:O mundo das ruas

nas ruas do mundo

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