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IMPRESSO 20 anos de comunicação da rua Rede Rua de Comunicação - Rua Sampaio Moreira, 110 – Casa 9 – Brás – 03008–010 São Paulo SP – Fone - 3227-8683 - 3311-6642 - [email protected] Ano XX Junho/Julho de 2012 - Nº 208 Léa Tosold e Rose Barboza Fotos: Alderon Costa/Rede Rua A revolta da sopa Impensável? Nem tanto Não é novidade para essa população nem para quem trabalha com ela que as ações aparentemente descabidas da gestão Kassab são, na verdade, resultado de uma política explicitamente higienista voltada aos interesses da elite e do grande empresariado. Uma política que, em seu último mandato, entregou o centro da cidade à gestão privada e fortaleceu ações de repressão como única resposta possível a uma questão social. É uma forma de reapropriação do espaço da rua contra sua gra- dual privatização por grupos da elite empresarial da cidade, que ocorre com a cumplicidade e o apoio do poder público municipal. Dia: 6 de julho às 17 horas Local: Em frente à Prefeitura de SP Além da sopa, o direito à cidade A medida não poderia ser mais impopular: proibir a doação de alimentos a pessoas que de- pendem dele para viver. O que motiva tal proibição? Segundo uma declaração do secretário de Segurança Urbana de São Pau- lo, Sr. Edsom Ortega, no último dia 20 de junho, em uma reunião com o empresariado que apoia a Associação Viva o Centro e sua Aliança pelo Centro Histórico, o principal motivo é a sujeira deixa- da por entidades e pessoas em si- tuação de rua após a “comilança”. Pode parecer impensável que alguém do poder público muni- cipal saia com essa em pleno ano de eleições, mas a administração Kassab vem se esforçando em demonstrar seu acervo vasto e diversificado de medidas higie- nistas, autoritárias e descabidas: da proibição de gritos em feiras livres à circulação de ônibus fretados no centro expandido da cidade. Diversificação, aliás, parece ser uma espécie de estra- tégia do atual poder público mu- nicipal, demonstrada claramente na nova atribuição da pasta de Segurança Urbana: a população em situação de rua. Em dezembro de 2009, foi cria- da pelo governo federal a Política Nacional para a População em Situação de Rua por decreto n° 7053, após muita luta dos movi- mentos sociais organizados e de seus apoiadores, considerando a população em situação de rua su- jeito de direitos e tema prioritário da Secretaria de Direitos Huma- nos da Presidência da República. Na contramão dessa Política Nacional, é de se estranhar que na maior cidade do Brasil, com mais de 14.478 pessoas viven- do na ruas (de acordo com o úl- timo “Censo da População em Situação de Rua da cidade de São Paulo 2011/2012”), o tema seja gerido por uma pasta que não tem sequer competência técnica para enfrentar a com- plexidade da questão. Diferente do que foi o proces- so oficial com a Conferência da ONU, chamada de Rio+20, a Cúpula dos Povos, realizada entre 15 e 23 de junho. discutiu questões estruturais, denunciou falsas soluções de desenvolvi- mento sustentável e, apontou alternativas para as crises eco- nômica, ambiental e social. Ao final, evidenciou a verdadeira causa desses problemas: o sis- tema capitalista patriarcal, ra- cista e homofóbico. Foi um momento simbólico e de produção de soluções a par- tir das experiências concretas e acertadas dos povos. Foram dias de convergências entre diversos movimentos e organizações so- ciais que lutam em defesa dos direitos das mulheres, indígenas, negros, juventude, agricultura familiar, camponeses, trabalha- dores, povos e comunidades tra- dicionais e as mais diversas ex- pressões religiosas. A antropóloga e diretora do Ins- tituto Brasileiro de Aálises Sociais e Econômicas (Ibase), Moema Miranda, integrante do Grupo de Articulação da Cúpula, explicou que, quando se percebeu regres- são de direitos e princípios asse- gurados na Eco 92, movimentos e organizações sociais se levan- taram para mobilizar discussões e críticas. “Não acreditamos que o processo oficial (Rio+20) res - ponda as reais necessidades dos povos, uma vez que as forças de poder que defendem a primazia do capital estavam pautando as linhas das discussões”. Para Moema Miranda, nenhu- ma das questões estruturais das diversas crises sociais, financeiras e ambientais, por exemplo, este- Cúpula aponta soluções ve no debate dos governos, mas, pelo contrário, eles pensaram em “soluções simples”, o que cha- mamos de falsas soluções, como os REDDs (Redução de Emissão por Desmatamento), a mercanti- lização dos serviços da natureza ou a economia verde. Além das diversas miniplená- rias, feiras de economia solidá- ria, atividades autogestionadas, e vivências, a Cúpula se destacou com assembleias de convergên- cias dos principais debates e a Marcha dos Povos que reuniu cerca de 80 mil pessoas, no centro do Rio de Janeiro. Ao término desse evento, foi lançada a Declaracão Fi- nal da Cúpula dos Povos na Rio+20, a respeito do enten- dimento como deve ser o pro- cesso de justiça social e am- biental no planeta. Fabiano Viana Em São Paulo, repressão à distribuição de alimentos. No Rio, propostas de segurança alimentar Sopaço diferenciado Foto:Alderon Costa/Rede Rua Foto:Fabiano Viana Foto: Fabiano Viana

O Trecheiro - Junho/Julho de 2012 #208

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IMPRESSO

20 anos de comunicação da rua

Rede Rua de Comunicação - Rua Sampaio Moreira, 110 – Casa 9 – Brás – 03008–010 São Paulo SP – Fone - 3227-8683 - 3311-6642 - [email protected]

Ano XX Junho/Julho de 2012 - Nº 208

Léa Tosold e Rose BarbozaFo

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A revolta da sopa

Impensável? Nem tantoNão é novidade para essa população nem para quem trabalha com

ela que as ações aparentemente descabidas da gestão Kassab são, na verdade, resultado de uma política explicitamente higienista voltada aos interesses da elite e do grande empresariado. Uma política que, em seu último mandato, entregou o centro da cidade à gestão privada e fortaleceu ações de repressão como única resposta possível a uma questão social.

É uma forma de reapropriação do espaço da rua contra sua gra-dual privatização por grupos da elite empresarial da cidade, que ocorre com a cumplicidade e o apoio do poder público municipal.

Dia: 6 de julho às 17 horas Local: Em frente à Prefeitura de SP

Além da sopa, o direito à cidade

A medida não poderia ser mais impopular: proibir a doação de alimentos a pessoas que de-pendem dele para viver. O que motiva tal proibição? Segundo uma declaração do secretário de Segurança Urbana de São Pau-lo, Sr. Edsom Ortega, no último dia 20 de junho, em uma reunião com o empresariado que apoia a Associação Viva o Centro e sua Aliança pelo Centro Histórico, o principal motivo é a sujeira deixa-da por entidades e pessoas em si-tuação de rua após a “comilança”.

Pode parecer impensável que alguém do poder público muni-cipal saia com essa em pleno ano de eleições, mas a administração Kassab vem se esforçando em demonstrar seu acervo vasto e diversificado de medidas higie-nistas, autoritárias e descabidas: da proibição de gritos em feiras livres à circulação de ônibus fretados no centro expandido da cidade. Diversificação, aliás, parece ser uma espécie de estra-

tégia do atual poder público mu-nicipal, demonstrada claramente na nova atribuição da pasta de Segurança Urbana: a população em situação de rua.

Em dezembro de 2009, foi cria-da pelo governo federal a Política Nacional para a População em Situação de Rua por decreto n° 7053, após muita luta dos movi-mentos sociais organizados e de seus apoiadores, considerando a população em situação de rua su-jeito de direitos e tema prioritário da Secretaria de Direitos Huma-nos da Presidência da República.

Na contramão dessa Política Nacional, é de se estranhar que na maior cidade do Brasil, com mais de 14.478 pessoas viven-do na ruas (de acordo com o úl-timo “Censo da População em Situação de Rua da cidade de São Paulo 2011/2012”), o tema seja gerido por uma pasta que não tem sequer competência técnica para enfrentar a com-plexidade da questão.

Diferente do que foi o proces-so oficial com a Conferência da ONU, chamada de Rio+20, a Cúpula dos Povos, realizada entre 15 e 23 de junho. discutiu questões estruturais, denunciou falsas soluções de desenvolvi-mento sustentável e, apontou alternativas para as crises eco-nômica, ambiental e social. Ao final, evidenciou a verdadeira causa desses problemas: o sis-tema capitalista patriarcal, ra-cista e homofóbico.

Foi um momento simbólico e de produção de soluções a par-tir das experiências concretas e acertadas dos povos. Foram dias de convergências entre diversos movimentos e organizações so-ciais que lutam em defesa dos direitos das mulheres, indígenas, negros, juventude, agricultura familiar, camponeses, trabalha-

dores, povos e comunidades tra-dicionais e as mais diversas ex-pressões religiosas.

A antropóloga e diretora do Ins-tituto Brasileiro de Aálises Sociais e Econômicas (Ibase), Moema Miranda, integrante do Grupo de Articulação da Cúpula, explicou que, quando se percebeu regres-são de direitos e princípios asse-gurados na Eco 92, movimentos e organizações sociais se levan-taram para mobilizar discussões e críticas. “Não acreditamos que o processo oficial (Rio+20) res-ponda as reais necessidades dos povos, uma vez que as forças de poder que defendem a primazia do capital estavam pautando as linhas das discussões”.

Para Moema Miranda, nenhu-ma das questões estruturais das diversas crises sociais, financeiras e ambientais, por exemplo, este-

Cúpula aponta soluçõesve no debate dos governos, mas, pelo contrário, eles pensaram em “soluções simples”, o que cha-mamos de falsas soluções, como os REDDs (Redução de Emissão por Desmatamento), a mercanti-lização dos serviços da natureza ou a economia verde.

Além das diversas miniplená-rias, feiras de economia solidá-ria, atividades autogestionadas, e vivências, a Cúpula se destacou com assembleias de convergên-cias dos principais debates e a Marcha dos Povos que reuniu cerca de 80 mil pessoas, no centro do Rio de Janeiro.

Ao término desse evento, foi lançada a Declaracão Fi-nal da Cúpula dos Povos na Rio+20, a respeito do enten-dimento como deve ser o pro-cesso de justiça social e am-biental no planeta.

Fabiano Viana

Em São Paulo, repressão à distribuição de alimentos. No Rio, propostas de segurança alimentar

Sopaço diferenciado

Foto:Alderon Costa/Rede Rua Foto:Fabiano Viana

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O Trecheiro Notícias do Povo da Rua

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REDE RUA DE COMUNICAÇÃO

Conselho editorial:Arlindo Dias editorAlderon CostaMTB: 049861/0157

equipe de redação: Alderon CostaArlindo Dias Cleisa RosaDavi AmorimLea Tosold Maria Carolina FerroRenata BessiRose Barboza

revisão Cleisa Rosa

FotograFia: Alderon Costa diagramação: Fabiano Viana

ApoioFelipe MoraesJoão M. de Oliveira

impressão: Forma Certa5 mil exemplares

O Trecheiro pag 02 Junho/Julho de 2012

Apoio

Edi

tori

alDe onde vem tanta gente para morar nas ruas?

A história levantada e conferida presencialmente por Joelma Couto, colaboradora do O Trecheiro, traz à tona o conflito entre o conceito de sustentabilida-de social, econômica e ambiental e nos aponta para uma das causas mais comuns do aumento da popula-ção de rua nas cidades brasileiras. A história do Sr. Luís Abílio da Silva e de todas as famílias que estão sendo desapropriadas para construção do complexo portuário de Suape em Pernambuco é uma clara con-tradição com tudo que se discute na Rio+20. Como essas famílias podem simplesmente serem retiradas de suas terras onde vivem em troca de um valor ín-fimo, que não lhes oferece condições de sobreviver com dignidade?

Como resultado de tais ações inconsequentes, essas famílias são obrigadas a se dirigirem aos grandes centros urbanos e, muitas vezes, com destino certo:

ruas e espaços públicos. No último “Censo da População em Situação de Rua de São Paulo” (2011) recentemente coloca-do à disposição apenas no site da Prefeitura, verificou-se que 7,4% vieram do Estado de Pernambuco. Esperemos que não tenha sido o destino do Sr. Luís Abílio e sua família.

Em São Paulo, depois de muito se cobrar, enfim, o prefeito liberou a pesquisa realizada pela Escola de Sociologia e Polí-tica. Já são quatro pesquisas realizadas na cidade e, em todas, há aumento expressivo das pessoas em situação de rua. Nessa nova pesquisa chegou-se a 14.478 pessoas em situação de rua. Mesmo com todas as controvérsias se o número divulgado está de acordo com a realidade, o certo é que está havendo aumento significativo. O que podemos concluir é que as políticas públi-cas atuais não estão sendo eficientes e que as causas que levam as pessoas a esta situação não foram afetadas.

Há notícias na imprensa escrita de que as pequenas cidades nunca tiveram tanta gente morando nas ruas e que estão sendo obrigadas a criarem espaços para acolher essa população. É o caso de Votuporanga em que um vereador encaminhou suges-tão à Casa Abrigo Irmão de Emaús e Paróquia Nossa Senho-ra Aparecida para que, juntas, estudassem a instalação de um novo abrigo para moradores de rua na cidade.

Voltar atrás não resolve o problema – política pública de segurança alimentar já!

Nesta última semana, deparamo-nos com três acontecimen-tos que confirmam a ineficiência de gestores públicos ao im-plementarem programas de atendimento para pessoas em situ-ação de rua. Primeiro, que a Secretaria de Segurança Urbana, coordenada pelo Sr. Edsom Ortega, realizou uma reunião com líderes comunitários e representantes da prefeitura, no dia 20 de junho de 2012, para debater sobre a situação de rua. Pela reportagem não ficou claro quem eram esses líderes.

Depois dessa reunião, foi publicado “Os donos do Largo de São Francisco”, na Folha de S. Paulo (26/06/2012). Este ar-tigo, relatado de forma simplificada a complexa situação das pessoas que sobrevivem no Largo São Francisco já preparava de maneira explícita, para o terceiro acontecimento que viria em seguida. A Prefeitura de São Paulo divulgou a proibição da distribuição de alimentação pelas organizações sociais nas ruas de São Paulo. Numa reação quase espontânea, ampla e eficiente, a sociedade civil organizada, o Ministério Público, a Defensoria Pública e outras instituições se colocaram contra esse autoritarismo do prefeito Kassab. Infelizmente, só tivemos a revogação por parte do prefeito dessa atitude insana.

Na realidade, seria muito oportuno se o prefeito tivesse anun-ciado uma ação da prefeitura para implantar uma verdadeira política de segurança alimentar para as pessoas de baixa ren-da, em especial, para a população de rua. O prefeito perdeu a oportunidade de começar a fazer uma gestão séria e eficiente na cidade. Só voltar atrás não resolve o problema de quem está nas ruas, por isso, a manifestação do SOPAÇO é muito bem--vinda!

VIDA NO TRECHO

Sr. Luís Abílio da Silva, 82 anos e sua esposa dona Maria Luiza da Silva, 92 anos, tiveram a casa derrubada no último dia 22 de maio. Cercado dos filhos e dos 18 netos, Sr. Abílio relembra como tudo aconteceu. “Estava em casa com minha esposa, nora, filhos e netos quando a guarda chegou com o oficial de justiça para nos retirar de lá. Eu estava sentado, fui retirado pelo braço. Minha nora com meu neto de 15 dias, também, foram obrigados a sair. A casa foi derrubada”.

A narração do Sr. Abílio mais parece uma história urbana, mas não. Essa história aconteceu no sítio do Engenho de Tiriri, re-gião do Complexo Portuário de Suape, em Pernambuco.

Segundo Sr. Abílio, as terras foram requisitadas para dar con-tinuidade às obras da ferrovia transnordestina, ferrovia que liga a região Nordeste ao Porto de Suape. Ele conta que no dia ficou transtornado e a família perambulava, sem rumo, sem destino. Hoje, ele passa o dia

Joelma Couto

Uma luta para não ir às ruas

Foto

: Joe

lma

Cou

to

Complexo Portuário de Suape, um exemplo de ação nada sustentáve!

sentado embaixo de árvores, an-dando de um lado para o outro e à noite vai para a casa do irmão, Severino, mas são muitas pesso-as para um só lugar. A casa do irmão também será demolida.

Ele conta que ainda não re-cebeu a indenização, mas tem notícias de que já depositaram 60 mil reais em um banco para pagar a indenização. O problema é que não sabem em qual banco está depositado. Segundo Sr. Abílio, a advogada, Dra. Con-ceição Gontijo disse que são 40 mil, mas não informou em qual banco foi depositado.

Na mesma situação está dona Margarida que também foi de-salojada e, ainda, não recebeu os R$ 1.800 pela casa. Todos estão com medo do futuro, não querem ir para a cidade, para rua, para a favela. Na mesma situação, estão milhares de fa-mílias que já perderam as terras ou estão para receber a ordem de reintegração de posse.

No sítio dos Minervino, En-genho de Algodoais, José Isaías Minervino dos Reis conta que Abílio e seu pai Antônio Miner-

vino dos Reis foram fundadores da cooperativa agrícola de Al-godoais na década de 1960. “Eu já era morador daqui mesmo antes de Suape chegar”, lem-bra Isaías. Afirma, também, que hoje a violência das desocupa-ções é maior que no período da ditadura militar. Isaías divide o sítio herdado do pai com cinco irmãos e irmãs que vivem nas terras e dela tiram o sustento.

São cinco residências cons-truídas no sítio. A administra-ção de Suape ofereceu apenas 10 mil reais por residência, não indenizaram as terras, nem as plantações e as aves. “Dizem que não temos direi-tos, que somos posseiros”, afirma Isaías. Minervino diz não ser contra o progresso e o desenvolvimento, mas quer receber o valor real do imó-vel para que possa continuar vivendo dignamente. O sítio já foi afetado duas vezes pelo complexo de Suape e teve seu tamanho reduzido. Agora a fa-mília luta não apenas contra uma redução de espaço, mas contra a perda total do lugar onde nasceram, cresceram e criam os filhos.

Há notícias das “boas inten-ções” do programa Suape Sus-tentável que pretende conci-liar “crescimento econômico, inclusão social e preservação do meio climático”, mas não foi o que se viu e ouviu de sua população, principalmente, de pessoas e famílias afetadas pe-las desapropriações.Mais informações: http://www.suape.pe.gov.br

Joelma Couto

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O Trecheiro pag 03

Renata Bessi

Pesquisa realizada pelo Cen-tro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, em parceria com o Instituto Pólis, aponta que o Programa de Locação Social é a principal alternativa para via-bilizar moradia digna no centro de São Paulo para famílias com rendimento mensal de até três salários mínimos.

O estudo, realizado com base em entrevistas com moradores de baixa renda da área central, gestores públicos e lideranças de movimentos sociais, teve

Pesquisa aponta Locação Social como alternativa de habitação popular no centro de SP

Junho/Julho de 2012

como objetivo identificar ex-pectativas, críticas, desafios e avanços do programa em São Paulo, cuja característica prin-cipal é manter o Município proprietário dos imóveis que são alugados a baixo custo para famílias de baixa renda. Assim, o aluguel é pago pelas famílias à Prefeitura.

“O acesso à moradia digna pelo Locação Social vincula às possibilidades de pagamento das famílias. Além disso, o fato de o imóvel manter-se como

propriedade pública, impede que a população beneficiada fique submetida à pressão do mercado imobiliário que a ex-pulsa quando há valorização das áreas centrais”, afirma Mar-gareth Uemura, da equipe téc-nica da pesquisa e arquiteta do Instituto Pólis.

Grande parte da demanda pelo programa vem da popu-lação de baixíssima renda que comprometia 50% da renda fa-miliar com o valor do aluguel, o que limitava o suprimento

Hoje existem cinco experiên-cias do programa. São elas: Re-sidencial Parque do Gato, 486 famílias; Olarias, com 137 famí-lias; Vila dos Idosos, com 145 fa-mílias; Asdrúbal do Nascimento, com 40 famílias; e Senador Feijó, com 45 famílias. “É claro para todos que as famílias de até três salários mínimos dependem de subsídio público e de acompanha-mento social. O Locação Social é hoje a única alternativa existente para esta faixa de renda na re-gião central da cidade”, explica Carolina Ferro, coordenadora da pesquisa e secretária executiva do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos. No entanto, a Prefei-tura não tem ampliado o atendi-mento desde sua implementação em 2004.

O programa deve ser conside-rado como uma etapa transitória

Pouco alcance

Residencial Parque do Gato entregue em 2004 para 486 famílias

Foto: Alexandre Hodapp (Cohab-SP)

Catadora recebe prêmio internacional na Rio+20Claudete Silva Ferreira discursou para chefes de Estado

A catadora e representante da Coordenação Estadual do MN-CR-RJ, Claudete Silva Ferreira, recebeu o prêmio “Mulheres Rio+20 – Prêmio Boas Praticas” (Women's Rio+20 Good Practi-ce Award) oferecido por ONGs europeias ligadas às causas das

mulheres durante a RIO+20.Os prêmios foram entregues

por ministras de Estado da Eu-ropa e líderes feministas a cinco mulheres nas categorias Energia Sustentável; Água e Saneamen-to; Adaptação Climática e Sobe-rania Alimentar; Trabalho De-

cente e Saúde, na qual Claudete foi escolhida entre 150 mulheres de todo o mundo que concorre-ram.

Em seu discurso para os chefes de Estado, Claudete quis mostrar "que o desenvolvimento susten-tável não existe se não conside-rar quem trabalha na base". Ca-tadora desde os 12 anos, ela foi indicada por uma ONG, que lhe assistiu nos momentos de maior carência e que, mais de 10 anos depois, tornou-se parceira de suas iniciativas em prol dos di-reitos dos catadores.

Apesar do simbolismo, a es-colha para o prêmio não a emo-cionou. "Não importa se vou discursar para Dilma ou Barack Obama. Minha preocupação é que pelo menos uma pessoa ouça o que tenho para dizer e se

conscientize. Senão na sexta ter-mina a Rio+20, eles voltam para casa e ninguém lembra mais dis-so", falou Claudete.

No Rio, desde os oito anos de idade, ela viveu na rua e foi pe-dinte para ajudar a mãe, também catadora, que saiu de São Paulo onde vivia com conforto para fu-gir do marido que a espancava. Aos 12, ela e seus outros cinco irmãos passaram a coletar ma-teriais pelas ruas do centro, para complementar a renda. Com 15 anos, Claudete engravidou do primeiro filho e saiu de casa para viver com o marido, que a incentivou a aprender a ler e a se engajar politicamente.

Criando os três filhos e traba-lhando à noite, ela participou de cursos de lideranças jovens, ci-dadania e capacitação. Em 2005,

tornou-se presidente de uma co-operativa e coordenadora cario-ca do movimento nacional dos catadores, o MNCR. O trabalho envolve, além da coleta de mate-rial reciclável, a ajuda e acolhi-mento a outros catadores de rua no Rio.

Claudete enxerga com des-confiança a conferência que vai homenageá-la. "Será que nossas propostas vão chegar até lá? E se chegar, eles vão dar a importância"? Ainda assim, não esconde o orgulho pelo re-conhecimento ao seu trabalho. "Sou mulher, negra, moradora de comunidade pobre, catadora de material reciclável, que para muitos deles é apenas lixo. Sofri todo tipo de preconceito. Mas agora, pela primeira vez, minha vida é reconhecida".

Qual é a parte que me cabe nesse latifúndio? “A sobrevivência na rua,

nesses 15 anos de rua não está sendo muito fácil, mas a gente sobrevive. A gente passa por altos e baixos. Com bastante humilhação, pessoas vêm dar o pão com interesses. O que mudou foi praticamente nada, só o número de pessoas que dormem aqui”, disse Aldair ao jornal O Trecheiro.

Aldair José Pereira da Silva já teria direito a usucapião do metro quadrado próximo à es-cada da Igreja São Francisco, espaço em que dorme todas as noites há muitos anos. Só sai desse local quando fica do-ente. Lamentavelmente, não conseguiu ainda a posse defi-nitiva.

Advogados e doutorandos

em Direito publicaram na Fo-lha de S. Paulo (26/06/2012) artigo com o título “Os donos do Largo de São Francisco”, condenando a presença de pessoas em situação de rua no tradicional largo, onde fica a Faculdade de Direto da USP e a Igreja de São Francisco.

Em resposta às concepções higienistas e preconceituosas, o professor livre-docente do curso de direito da Universida-de Estadual Paulista (Unesp) e promotor público, Antônio Alberto Machado, publicou reflexão crítica em seu blog.

“Essas posturas, tão comuns entre os bacharéris em direito, revelam que os cursos jurídicos no Brasil são mesmo elitizados e elitistas. Revelam que a nossa cultura jurídica está profunda-

mente assentada sobre os câ-nones do “contrato”, da “pro-priedade”, da “norma” e da “autoridade”. (...) Mas, além da alienação social e política revelada nesse malfadado arti-go dos mancebos da USP, cha-ma a atenção o desprezo, talvez o ódio de classe, e bem assim a violência verbal com que os ar-ticulistas colocaram na mesma categoria gramatical o “lixo”, os “dejetos” e as “dezenas de pessoas amontoadas” no Largo de São Francisco”.Era preciso ensinar a esses doutores juve-nis que os cursos de direito, e os cursos superiores em geral, têm o compromisso pedagógi-co de promover o desenvolvi-mento social e político do país, promovendo a igualdade e a justiça, não apenas a defesa da

das necessidades básicas da família. De acordo com a pes-quisa, a maioria das famílias que pagava aluguel antes do in-gresso ao Locação Social teve diminuição de seus gastos com este item, o que corresponde a 65% dos entrevistados. Para aquelas famílias que afirma-ram ter aumentado a despesa com moradia, 35%, a situação justifica-se pelo fato de serem

provenientes de favelas, ocu-pações ou situação de rua, onde não pagavam aluguel.

As áreas em que as famílias mais investiram o dinheiro fo-ram consumo de eletrodomésti-cos/ produtos e bens para o lar/vestimenta/telefone e internet etc.) 39%; saúde/remédios/ali-mentação, 31%; lazer/viagem, 14%; poupança/pagamento de despesas, 11%; e educação, 5%.

na conquista da moradia defi-nitiva. No entanto, a Prefeitura não tem ampliado o atendimen-to desde sua implementação em 2004 e, apesar do que prevê suas diretrizes, não houve transferên-cia de moradores para progra-mas de aquisição de moradia. A meta é que, após um período de tempo de no máximo oito anos, a família possa melhorar sua renda e ser encaminhada para progra-mas tradicionais de financiamen-to e de moradia. Uma alternativa para que o Locação Social não se torne única opção de política habitacional no centro seria a viabilização do Programa Minha Casa, Minha Vida – Entidades, como uma possibilidade positiva de encaminhamento das famílias para moradia definitiva.Mais informações: www.gaspargarcia.org.br.

propriedade, dos negócios, da tradição e do desenvolvimento econômico. Era preciso ensinar a eles que o direito deve ser an-tes um instrumento de justiça e de libertação humana, e não

apenas mecanismo de repres-são, controle e manutenção da ordem e da propriedade”.(Extraído do texto “Os `grileiros´ do Largo São Francisco”. (http://blogs.lemos.net/machado/)

Alderon Costa

Davi Amorim

Foto: Alderon Costa/Rede Rua

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Davi Amorim

O Trecheiro pag 04

MNCR faz intensa participação na Cúpula dos Povos/Rio+20

O mundo das ruas nas ruas do mundo“A Cidade É para Todas e Todos” A luta da população em situação de rua em Budapeste

Marcha dos Povos - Mais de 80 mil pessoas na Avenida Rio Branco, Rio de Janeiro

Fotos: Davi Amorim

Junho/Julho de 2012

Catadores de diversas partes do Brasil foram destaque no evento que discutia a sustentabilidade e justiça social e am-biental para o planeta.

No ultimo 22 de junho, o MNCR fina-lizou sua participação na Cúpula dos Po-vos na Rio+20 trazendo na bagagem um intenso aprendizado adquirido durante os dias em que esteve no Rio de Janeiro com uma delegação de 300 catadores e catadoras dos estados do Ceará, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Distrito Federal, Goiás, Amazonas, Pa-raná e Rio Grande do Sul.

Apesar das péssimas condições de alo-jamento e alimentação oferecidas, além de outros problemas de infraestrutura enfrentados no evento, os catadores dei-xaram sua marca na história da Rio+20 com uma participação implacável mos-trando para a sociedade a que vieram.

No período de 15 a 22 de junho, o MNCR manteve atividades em uma ten-da no Aterro do Flamengo, local destina-do à Cúpula dos Povos, evento da socie-dade civil organizada paralelo à Rio+20 oficial. A tenda, uma das mais visitadas, ao longo dos dias, reuniu convidados do MNCR, que debateram temas importan-tes para futuro do planeta, como os riscos trazidos pelos incineradores de lixo. Por dois dias, o MNCR recebeu especialistas e ativistas mobilizados na Coalizão Na-cional Contra a Implantação de Incinera-dores de Lixo no Brasil. Representantes da Aliança Global Alternativas à Incine-ração de Resíduos (GAIA) participaram, também, trazendo experiências de lutas

travadas contra a incineração em outros países do mundo. Experiências nacio-nais e internacionais mostraram métodos alternativos e sustentáveis de tratamento dos resíduos sólidos sem a necessidade da queima como destino final.

Outro tema de destaque foi a profis-sionalização do trabalho dos catadores como agentes imprescindíveis para o tratamento e destinação dos resíduos, economia de energia e movimentação da economia nacional pela cadeia produtiva da reciclagem. Foram apresentadas ex-periências de contratação e pagamento aos catadores por serviços prestados e perspectivas de novas áreas de geração de renda, como o tratamento dos resídu-os orgânicos para recuperação do biogás.

A delegação indiana expôs sua ex-periência de tratamento de resíduos orgânicos e entusiasmou a todos. Ci-cero Bley, diretor da Itaipu, também abordou o tema e acredita que a ener-gia que pode ser recuperada dos resí-duos orgânicos pertence aos catadores de materiais recicláveis.

Entre os convidados esteve uma delegação internacional com mem-bros da Red Latinoamericana de Re-cicladores e da Aliança Global de Recicladores que somaram esforços para impor a opinião dos catadores organizados do mundo em relação às soluções sustentáveis para o planeta. Para essas organizações, os líderes de Estado devem incorporar a inclusão social como elemento chave para o desenvolvimento sustentável.

Cerca de 400 catadores ligados ao MNCR somaram-se aos 80 mil par-ticipantes da Marcha dos Povos, no dia 22 de junho, no centro do Rio de Janeiro em um longo percurso embai-xo de chuva. Os catadores e outros movimentos sociais denunciaram as falsas soluções de proteção ao meio ambiente propostas na Rio+20 e a in-clusão da incineração de lixo no do-cumento final da ONU, como forma de tratamento de resíduos sólidos no mundo.

“Recicla movimento, não pare de lutar contra esse governo que só quer incinerar”; “Incinerar é uma burrice”;

Catadores na Marcha dos Povos contra a Rio+20 e a incineração do lixo

“É o movimento contra a Rio+20” eram gritos de ordem que animavam a marcha que chamava muita a atenção das pessoas por onde passava.

Com uma bandeira gigante de cerca de 30 metros de comprimento, os cata-dores receberam o apoio da população carioca que aplaudia e ajudava a car-regar a grande bandeira já encharcada pela chuva. Os catadores do MNCR finalizaram a marcha na Cinelândia com um imenso abraço coletivo em volta de sua bandeira. De alma lavada comprometeram-se a levar a luta para seus estados de origem com ânimo e coragem para vencer os obstáculos.

Léa Tosold e Lennita Ruggi

“Estar em situação de rua deixou de ser uma questão social para o Estado húngaro: agora somos encarados como um problema policial”, afirma Gábor Takács, ativista em situação de rua. Ele faz parte de um grupo de trabalho e pes-quisa da organização “A Város Min-denkié”, que em português significa “A Cidade É para Todos e Todas”, criada,

em 2009, por pessoas em situação de rua ou com trajetória de rua em Budapeste, capital da Hungria. Ela tem como obje-tivo engajar essa população como prota-gonista na luta por dignidade e direito à moradia e é mantida exclusivamente por doações voluntárias.

No dia em que a equipe de O Tre-cheiro chegou à sede da associação para uma conversa, 15 ativistas – em sua maioria, pessoas em situação de rua – estavam terminando sua reu-nião semanal, em que trabalhavam no desenvolvimento de uma pesquisa com pessoas em situação de rua e re-presentantes de diversas áreas do go-verno a fim de visibilizar o problema da discriminação e da violência con-tra a população de rua no país. “Nós sabemos que há discriminação, mas as autoridades não acreditam, então estamos fazendo essa pesquisa para comprovar sua existência”, diz Gábor.

Na Hungria, viver em situa-ção de rua vem sendo

criminalizadoMesmo ferindo abertamente os princí-

pios mais básicos da Declaração Univer-sal dos Direitos Humanos e da Constitui-ção Europeia, é cada vez maior o número de políticos em diferentes cidades da Hungria que vêm introduzindo regula-ções e ordenamentos que criminalizam e tornam ilegal estar em situação de rua. Entre eles, a proibição da distribuição de alimentos, da mendicância e até mesmo da presença de pessoas em situação de rua em certas zonas da cidade. Recen-temente, foi aprovado um regimento na cidade de Budapeste que criminaliza estar em situação de rua, sob pena de uma multa de 500 euros (o equivalente a aproximadamente R$ 1.300) que, no caso de não ser paga, implica em seis meses de prisão. Gabór conta que o fim do regime socialista e a crise econômica

levaram a um enorme acréscimo de pes-soas em situação de rua no país: atual-mente, estima-se que sejam pelo menos 10 mil somente em Budapeste.

“Deveria ter muitas pessoas lutando contra as práticas

de violência no Brasil”Apesar de já saberem de antemão so-

bre os problemas que a população de rua vem sofrendo no Brasil por conta dos processos de urbanização ligados à Copa do Mundo, o grupo de ativistas mostrou--se surpreso com os relatos das práticas de violação de direitos da população de rua no Brasil, tais como o uso de jatos d'água para remover as pessoas das ruas. Além de considerarem uma forma de violência extremamente agressiva, fi-caram espantados com a aceitabilidade dessas práticas por parte da população: “Deveria haver muitas pessoas protes-tando contra isso no Brasil”.

Léa, Tessza, Linda, Lennita, Schádi e Szabó, na associação “A Cidade É para Todas e Todos”

Foto: Debora Ortega