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1
O USO E A ORDEM DOS CLÍTICOS NA ESCRITA DE ESTUDANTES DA
CIDADE DO RIO DE JANEIRO
por
ANA CARLA MORITO MACHADO
Dissertação apresentada à Coordenação do
Programa de Pós-Graduação em Letras
Vernáculas da Universidade Federal do Rio de
Janeiro como requisito parcial para obtenção
do título de Mestre em Língua Portuguesa.
Orientadora: Profa. Dra Silvia Figueiredo
Brandão
Co-orientadora: Profa. Dra. Silvia Rodrigues
Vieira
Rio de Janeiro
UFRJ - Departamento de Letras Vernáculas
Agosto de 2006
Livros Grátis
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2
DEFESA DE DISSERTAÇÃO
MACHADO, Ana Carla Morito. O uso e a ordem dos clíticos na escrita de estudantes da cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras. 136 p. mimeo. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa.
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________________________Profa. Dra. Silvia Figueiredo Brandão (Orientadora)
Departamento de Letras Vernáculas / UFRJ
______________________________________________________________________Profa. Dra. Silvia Rodrigues Vieira (Co-orientadora)
Departamento de Letras Vernáculas / UFRJ
______________________________________________________________________Prof. Dra. Christina Abreu Gomes
Departamento de Lingüística e Filologia / UFRJ
______________________________________________________________________Profa. Dra. Maria Eugênia Lamoglia DuarteDepartamento de Letras Vernáculas / UFRJ
______________________________________________________________________Profa. Dra. Márcia dos Santos Machado Vieira
Departamento de Letras Vernáculas / UFRJ
______________________________________________________________________Prof. Dra. Maria Maura da Conceição Cezário
Departamento de Lingüística e Filologia / UFRJ
Defendida a dissertação:Conceito:Em: / / .
3
Esta dissertação é dedicada à minha irmã, Ana
Carolina Morito Machado, apoio
imprescindível ao meu retorno ao meio
acadêmico e que, apesar de ter nascido depois
de mim, é minha “irmã mais velha”, meu
norte, minha luz. “Carol, quando eu crescer,
quero ser como você”.
4
AGRADECIMENTOS
A Deus, em primeiro lugar.
A toda a minha família - pais, marido, filha, irmãos, cunhados e tios – pelo
enorme carinho:
Meu pai, Léo Carlos, por sua luta constante, pelo eterno sacrifício e por
me ensinar os valores que hoje trago tão fortes dentro de mim;
Minha mãe, Ana Lúcia, por seu amor imenso e por, tantas vezes, ter sido
minha mãe e mãe da Ana Clara ao mesmo tempo;
Minha irmã, Ana Carolina, pelo apoio incansável;
Meu marido, Rondineli, pelo companheirismo;
Meus tios, Luiz Adauto, Cláudia Maria (in memorian) e Márcia, pelo
carinho de sempre;
Ana Clara, minha vida, pela espera e compreensão nos meus momentos
de cansaço e ausência.
A amiga Edna Silva pelo carinho com a família e a ajuda com a casa.
Às minhas amigas, irmãs de coração, Márcia Rumeu, Orjana Moreira e Zelimar
Rodrigues pelo grande apoio e doze anos de amizade, construída desde a graduação,
nesta casa.
Ao amigo Leonardo Pardal, pela ajuda com os gráficos e tabelas.
A Bianca Andrade, pela amizade incondicional e enorme carinho por minha
filha.
Aos professores desta casa por todo apoio ao longo dos cursos.
Aos meus alunos, por compreenderem tantas vezes meu cansaço em sala de aula.
Aos colegas de profissão, supervisoras e diretoras dos colégios em que trabalhei:
5
Santa Mônica Centro Educacional (unidades Ilha e Campo Grande),
em especial a Jussara Quaresma, Márcia Brandão, Elisabeth Gil, Maria Genésia de
Almeida e Vera Lúcia Marques
Colégio Estadual Professora Luíza Marinho, em especial a
Hermínia Giranda, Márcia Mello e Maria Cláudia Chantre.
Às minhas orientadoras, Silvia Figueiredo Brandão e Silvia Rodrigues Vieira,
que foram, nestes tempos, muito mais do que orientadoras. Foram amigas que me
apoiaram em tantos momentos difíceis (e não foram poucos), compreendendo minhas
falhas, problemas e limitações e, acima de tudo, me impedindo de desistir.
6
SINOPSE
Estudo, na perspectiva sociolingüística variacionista, sobre o uso e a ordem dos clíticos pronominais no Português brasileiro. Análise de dados da escrita de estudantes do Ensino Fundamental e Médio de escolas particulares e públicas da cidade do Rio de Janeiro.
7
SUMÁRIO
1 . INTRODUÇÃO 10
2. A ORDEM DOS CLÍTICOS PRONOMINAIS 172.1 A questão teórica 172.2 A questão do uso 22
2.2.1 Na perspectiva da gramática tradicional 222.2.2 Na perspectiva da lingüística atual 25
2.3 A questão da norma 432.3.1 A face lingüístico-social 432.3.2 A face político-cultural 47
3. FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS 543.1 Pressupostos teóricos 543.2 Pressupostos metodológicos 57
4. ANÁLISE DOS DADOS 634.1 Uso e produtividade dos clíticos 634.2 A ordem 76
4.2.1 Descrição das variáveis 764.2.1.1. Variável dependente 764.2.1.2 Variáveis independentes 77
4.2.2 Ordem: resultados gerais 894.2.2.1. Variáveis selecionadas 914.2.2.2 Variáveis não-selecionadas 109
5. CONCLUSÃO 117
6. BIBLIOGRAFIA 126
7. ANEXO 131
8
LISTA DE QUADROS, TABELAS E GRÁFICOS
QUADRO:Quadro 1: Constituição do corpus: distribuição das redações pelas variáveis extralingüísticas consideradas
59
TABELAS:
Tabela 1: Distribuição geral dos dados quanto às estratégias de preenchimento do objeto 64
Tabela 2: Freqüência das diferentes estratégias de preenchimento do objeto direto anafórica quanto ao tipo de escola
65
Tabela 3: Freqüência das diferentes estratégias de preenchimento do objeto direto anafórico quanto ao gênero do informante
66
Tabela 4: Freqüência das diferentes estratégias de preenchimento do objeto direto com base no cruzamento das variáveis gênero e escolaridade.
67
Tabela 5: Freqüência das diferentes estratégias de preenchimento do objeto direto anafórico quanto à série escolar
69
Tabela 6: Freqüências relativas a diferentes estratégias de preenchimento do objeto em quatro pesquisas de natureza sociolingüística
71
Tabela 7: Freqüência das diferentes estratégias de preenchimento do objeto direto anafórico quanto ao tipo de texto
72
Tabela 8: Freqüência das diferentes estratégias de preenchimento do objeto direto com base no cruzamento das variáveis tipo de texto e escolaridade.
74
Tabela 9 : Freqüência de ênclise quanto à presença de atrator: versão inicial 92
Tabela 10: Aplicação da ênclise quanto à presença de atrator: versão reformulada 93
Tabela 11: Freqüência de ênclise quanto ao tipo de clítico: versão inicial 96
Tabela 12: Aplicação da ênclise quanto ao tipo de clítico: versão reformulada 97
Tabela 13: Freqüência de ênclise quanto ao tipo de oração: versão inicial 100
Tabela 14: Freqüência da ênclise quanto ao tipo de oração: versão reformulada 102
Tabela 15: Freqüência de ênclise com base no cruzamento das variáveis tipo de clítico e tipo de oração.
103
Tabela 16: Freqüência de ênclise com base no cruzamento das variáveis tipo de clítico e série.
104
Tabela 17: Aplicação da ênclise quanto à escolaridade do informante 105
Tabela 18: Aplicação da ênclise quanto ao tipo de texto 108
Tabela 19: Freqüência da ênclise quanto ao gênero do informante 110
Tabela 20: Freqüência da ênclise quanto ao tipo de escola 111
9
GRÁFICOS:
Gráfico 1: A ordem dos clíticos pronominais em redações escolares com base em 590 dados. 90
Gráfico 2: Aplicação da ênclise quanto à escolaridade do informante 106
Gráfico 3: Distribuição dos dados quanto ao tipo de texto – pesos relativos 108
Gráfico 4 : A ordem dos clíticos quanto ao gênero do informante 111
Gráfico 5: A ordem dos clíticos quanto à modalidade escolar 112
10
1 . INTRODUÇÃO
Esta pesquisa tem por objetivo principal observar a ordem dos clíticos
pronominais no desempenho escrito de estudantes dos níveis Fundamental e Médio de
Ensino, de modo a determinar, com base nos pressupostos teórico-metodológicos da
Sociolingüística Variacionista, os fatores lingüísticos e extralingüísticos que
condicionam o uso da ênclise em redações escolares. Em segundo plano, o estudo
avalia, também, a produtividade dos clíticos no “corpus”, a fim de dar a real dimensão
desses elementos lingüísticos em relação às outras estratégias de preenchimento de
objeto direto.
Tendo em vista que a próclise constitui norma na modalidade oral do
Português do Brasil, testam-se, entre outras, as hipóteses (a) de que o processo de
ensino/aprendizagem implicaria mudança(s) no desempenho lingüístico dos alunos no
que se refere à produtividade e à ordem dos clíticos, sobretudo na modalidade escrita; e
(b) de que, nas redações escolares, a maior freqüência de uso da ênclise nos contextos
especificados pela norma idealizante estaria vinculada ao maior grau de escolaridade do
estudante.
O ponto de partida deste estudo é o trabalho de VIEIRA (2002), que, por
sua vez, faz uma revisão dos estudos que tratam da ordem dos pronomes, observando as
variedades brasileira, européia e moçambicana. A pesquisa apresenta os
condicionamentos que favorecem a próclise ou a ênclise nas referidas variedades,
desenvolve uma análise prosódica do fenômeno e fornece subsídios para o
conhecimento da natureza dos clíticos pronominais quanto a seu estatuto
11
morfossintático na Língua Portuguesa. A comparação entre as variedades brasileira e
européia do Português é importante para que se observem afirmações como a de
MATEUS et alii (2003: 847) de que, no Português moderno, “os padrões de colocação
dos pronomes clíticos são uma das propriedades sintácticas que distinguem as
gramáticas de diferentes nacionalidades da língua Portuguesa.”
VIEIRA (2004) aborda as diferenças entre o Português do Brasil e o Português
Europeu (doravante, respectivamente, PB e PE), explicando que se trata de um
fenômeno variável “aquém e além-mar” e que, no Brasil, tanto a colocação pré-verbal
quanto a pós-verbal constituem variantes possíveis para a mesma ocorrência. Nesse
sentido, é relevante sua observação de que “é necessário conhecer os elementos
favorecedores do uso de cada variante, sejam eles de natureza lingüística ou
extralingüística, na Língua Portuguesa como um todo e na variedade brasileira
principalmente” (p. 179).
O tema já foi focalizado segundo diversas perspectivas, porém ainda há muito a
observar sobre a questão, especialmente no que se refere ao conhecimento das normas
reais que presidem à ordem dos clíticos na modalidade escrita do PB.
Ao buscar apontar os contextos favorecedores da ênclise por parte dos estudantes,
procura-se compreender os motivos de sua opção, tendo em vista, de um lado, que esta
é uma variante pouco produtiva na fala, circunscrevendo-se, conforme demonstram as
pesquisas, a contextos específicos, e de outro, que os alunos, no processo de
escolarização, são apresentados a um modelo que não praticam, que não faz parte dos
dados a que são expostos na aquisição da língua.
12
O tema deste estudo tem implicações de natureza vária. KATO (2004) mostra que,
no Brasil, a gramática da fala e da escrita estão muito distantes, tão distantes que a
aquisição da escrita ganha quase o status de aquisição de uma segunda língua.
Desta forma, este estudo verifica se os textos escolares apresentam indícios de que
a ênclise seria um dos fenômenos que comprovem a afirmação de KATO, tendo em
vista que ainda não há estudos comparativos entre o conhecimento da criança e o dos
letrados contemporâneos. Não se sabe ao certo o que a criança traz consigo e o que
adquire na escola. Partindo-se do pressuposto de que, de acordo com o padrão
normativo, idealizante, a ênclise seria a ordem preferencial nos contextos em que não
ocorrem os chamados atratores de próclise ou proclisadores, pretende-se investigar se,
no processo de ensino/aprendizagem, há uma gradativa produtividade da ênclise, a
despeito de a próclise constituir a ordem vernacular.
A concepção que subjaz a algumas propostas pedagógicas – que continuam
ensinando os fatos lingüísticos, em alguns pontos, sob a ótica de regras em
funcionamento no Português Europeu e como se a língua não fosse passível de variação
e mudança – acaba por ocasionar dificuldades para o aluno, pois, na verdade, o que se
aprende na escola, em grande parte, não é efetivamente o que se usa.
Observa-se, muitas vezes, pelo comportamento “vacilante” de alguns alunos,
conforme se constata em (1) a (7), a tentativa de resgate da ênclise, em busca de um
padrão normativo que não faz parte da realidade lingüística dos falantes do PB:
(1) “Me encontrava numa escola nova, turma nova, novos amigos. Aos
poucos me enturmava com todos da classe, me identificando mais com
uns que com outros.”
13
(2) “Com muita paciência, trabalho e dedicação, o menino ao (sic) poucos
conquistar ela e tirá-la do mundo das drogas.”
(3) “Eles ficaram tão entusiasmados com a onda que a maconha os
deram.”
(4) “Estava chorando e pedindo que ele me perdo-e . ”
(5) “Ele respondia a mãe como se não a conhece-se.”
(6) “...começaram a oferecer outros tipos de bebida sem que ele percebe-
se . ..”
(7) “Saíram e convidaram-o para ir com eles.”
Verifica-se, em (1), o uso do clítico em início de período (uso condenado pela
gramática normativa); em (2), a alternância do pronome do caso reto com o clítico
acusativo em um mesmo período e muito próximo um do outro. Em (3), o pronome
empregado na forma acusativa (em vez da forma dativa lhes) e o verbo na forma plural,
a despeito de o sujeito “maconha” vir no singular. Nos exemplos (4), (5) e (6),
percebemos uma tentativa de utilização do pronome em posição de ênclise, embora o
“elemento enclítico” seja uma desinência verbal. Finalmente, em (7), o clítico não
recebe o “n”, acarretando um desvio do padrão.
As dificuldades apresentadas por nossos estudantes são compreensíveis na medida
em que se entende que a aprendizagem dos clíticos não é um processo natural. Em
busca de aprender uma norma “ideal”, preconizada pela escola e tão distante da norma
“real” por eles utilizada, acabam por cometer erros.
A distância entre o ideal e o real não ocorre somente entre os estudantes que,
porventura, possam não ter assimilado os conceitos passados pela escola. CASTRO
14
(2002:11), no artigo “O lingüista e a fixação da norma”, afirma já ter utilizado
“incorretamente” o clítico: “já me interrompi duas vezes a meio de um verbo no
condicional ou no futuro, tarde demais para entremeter o pronome átono no sítio justo,
aninhado entre o radical e a desinência”. Embora em contexto diferente (Ivo Castro
refere-se à oralidade), a afirmação do lingüista demonstra a grande diferenciação entre
fala e escrita com relação aos aspectos sintáticos da língua e, especificamente, com
relação à colocação pronominal, remetendo-nos a uma situação mais particular com
relação ao uso dos clíticos: o emprego da mesóclise.
A mesóclise, ou posição intraverbal, tem seu uso condicionado aos futuros do
presente e do pretérito, o que já delimita bastante seus contextos. Além disso, há o fato
de que esses tempos verbais têm sido substituídos por perífrases. MATEUS et alii
(2003: 865-866) afirmam que a mesóclise constitui um traço de “uma gramática
antiga, claramente em desaparecimento”. Ainda segundo as autoras, o que ocorre no PE
Moderno é uma tendência à ênclise como em: “Telefonarei-te mais vezes.” No PB,
pode-se dizer que ela também esteja desaparecendo. Embora não se espere encontrar a
variante intraverbal nas redações dos alunos, não se pode esquecer de que também se
trata de uma variante prevista pela gramática tradicional.
As autoras afirmam, ainda, que as gerações mais jovens tendem a produzir
crescentemente pronomes enclíticos em contextos em que a variedade padrão exige
próclise: “porque não apercebeu-se que...”. Tal fato seria uma demonstração de que a
ênclise é a posição natural para os portugueses, ocorrendo, inclusive, em casos em que
seria recomendável a próclise, assim como a próclise é a posição natural para os
brasileiros.
15
Desta forma, verificando a diferenciação entre PB e PE com relação ao uso dos
clíticos, percebe-se que a influência do modelo europeu sobre nossa escola é muito
grande. Dadas as dificuldades dos alunos, supõe-se que seria produtiva uma mudança
no ensino da ordem dos clíticos – de uma posição prescritivista, baseada nos moldes
lusitanos, para uma posição descritivista, calcada na realidade lingüística brasileira,
realidade que esta pesquisa tem por finalidade revelar.
Assim, para tratar da ordem dos clíticos em redações escolares e, mais
especificamente, para verificar os contextos em que ocorre a ênclise, desenvolve-se o
presente estudo em quatro capítulos, além deste de caráter introdutório.
No capítulo 2, focalizam-se não só questões teóricas referentes à definição do
fenômeno da clíticização, mas também questões relativas à ordem dos clíticos
pronominais na perspectiva tanto da gramática tradicional quanto da lingüística atual.
Tecem-se, ainda, considerações sobre o conceito de norma, ressaltando-se suas
implicações lingüístico-sociais e político-culturais.
No capítulo 3, apresentam-se os fundamentos teóricos e metodológicos que
nortearam a pesquisa, com uma breve apresentação da Sociolingüística Variacionista,
do “corpus” utilizado e das etapas da pesquisa.
O capítulo 4 é dedicado à análise dos dados, apresentando-se, preliminarmente, a
descrição das variáveis e, em seguida, a distribuição das ocorrências quanto ao uso e à
produtividade dos clíticos, bem como a análise variacionista do fenômeno da ordem,
com as variáveis relevantes no que concerne ao emprego da ênclise.
16
No capítulo 5 – conclusão –, tecem-se as considerações finais sobre os resultados
obtidos e, no capítulo 6 – bibliografia –, elencam-se as obras consultadas para o
desenvolvimento da pesquisa.
17
2. A ORDEM DOS CLÍTICOS PRONOMINAIS
2.1 A questão teórica
A discussão e a investigação da natureza dos clíticos tem o objetivo de identificar as
características que determinariam a ligação desses elementos a outras formas no enunciado.
No caso dos pronomes átonos, busca-se depreender os critérios que prevaleceriam na ligação
desses pronomes ao verbo, favorecendo, assim, a próclise ou a ênclise.
KLAVANS (1985) estabelece três parâmetros de cliticização: (a) o parâmetro de
dominância, que expressa a possibilidade de que o clítico se ligue ao constituinte inicial
ou final dominado por um sintagma específico; (b) o parâmetro de precedência, que
especifica se um clítico ocorre antes ou depois do hospedeiro escolhido pelo primeiro
parâmetro; e (c) o parâmetro de ligação fonológica, que dá a direção da ligação:
proclítica (para a direita) ou enclítica (para a esquerda).
Utilizando os parâmetros apresentados, VIEIRA (2002) observa que, no PB, o
clítico está na dominância do hospedeiro, que é o verbo. Ao aplicar o segundo
parâmetro ao comportamento da ordem dos clíticos nas variedades européia e brasileira
do Português, propõe que: (a) em orações do tipo raiz/coordenada, no PE, o clítico tende
a ocorrer depois do hospedeiro e, no PB, antes dele; (b) em ambas as variedades, nas
orações dependentes, o clítico tende a aparecer em posição pré-verbal.
Quanto ao parâmetro de ligação fonológica, os resultados de VIEIRA (2002), com
base em análise prosódica, sugerem que o Português Europeu é enclítico – o pronome
átono tende a apoiar-se no elemento que está à esquerda do verbo, sendo esse elemento
18
um verbo ou não –, enquanto o Português do Brasil é proclítico – o pronome átono
tende a apoiar-se no elemento que está à direita do verbo.
Trabalhos como os de ZWICKY & PULLUM (1983) e ZWICKY (1985), também
com o intuito de estabelecer a natureza do clítico, propõem critérios para diferenciar as
categorias palavra, clítico e afixo.
ZWICKY & PULLUM (1983) estabeleceram seis critérios – dentre os quais cinco
serão a seguir focalizados1 – para distinguir clíticos de afixos, aqui exemplificados,
quando for o caso, com base em dados do corpus desta pesquisa:
(a)Seletividade em relação ao hospedeiro
Os clíticos apresentariam baixo grau de seletividade, ao contrário do que ocorre
com os afixos. Em (8) e (9), observa-se que os clíticos selecionam verbos como
hospedeiros, o que constitui comportamento típico de um afixo.
(8) “não se envolvem com drogas”.
(9) “a população brasileira está envelhecendo, isso deve-se também ao aumento da
expectativa de vida...”
(b)Lacunas
No conjunto de combinações hospedeiro-clítico, as lacunas ocorreriam, no caso
dos clíticos, com menos freqüência. Já no conjunto raízes-afixos, as lacunas seriam mais
características.
1 Em função de o quadro teórico gerativista já ter revisto o critério de aplicação de regras sintáticas, não se menciona aqui o quinto critério.
19
Em Português, de fato, o conjunto raízes-afixos apresenta certo grau de
arbitrariedade nas combinações, de modo que se verificam algumas lacunas, como, por
exemplo, no caso dos verbos defectivos (tem-se parto, mas não *explodo; cantarolar,
mas não *falarolar).
No conjunto hospedeiro-clítico, por princípio, verbos transitivos diretos e
indiretos podem selecionar um clítico como complemento, em todos os tempos e modos
– como se nota em (10) –, à exceção da forma participial, em (11):
(10) Solucionei o problema e tudo ficou mais calmo. / Solucionei-o e tudo ficou mais calmo.
(11) Solucionado o problema, tudo ficou mais calmo. / * Solucionado-o, tudo ficou mais calmo.
(c) Alterações morfofonológicas
Os autores propõem que idiossincrasias morfofonológicas são mais características
das combinações com afixos do que das com clíticos.
De modo geral, os pronomes átonos do Português não apresentam tais
idiossincrasias. Deve-se lembrar, entretanto, que o clítico acusativo de terceira pessoa
tem sua forma alterada em relação ao segmento que finaliza a forma verbal. Como
mostram os exemplos (12) e (13), formas terminadas em /R/ e /N/ fazem com que a
forma do clítico se altere. Nesse sentido, pode-se supor que o clítico acusativo de 3ª
pessoa assumiria um caráter mais afixal do que os demais pronomes átonos.
(12) “Eles continuam usando drogas, apesar da sociedade descriminá-los.”
(13) “Os traficantes chamaram-no para trabalhar com eles”
20
(d) Alterações semânticas
Segundo esse critério, as alterações semânticas seriam mais características dos
afixos do que dos clíticos. Enquanto a combinação raiz-sufixo, por exemplo, pode
redundar em diferentes interpretações semânticas (grau, afetividade, pejoratividade), o
conjunto verbo-clítico recebe, normalmente, a mesma interpretação, que se relaciona ao
valor do verbo e de seus complementos.
(e) Contexto de ligação
Os clíticos poderiam vir ligados a material que já contenha clíticos, enquanto os
afixos não se ligariam a material com afixos de mesma natureza categorial.
No âmbito do sistema, é possível combinar dois pronomes átonos, como, por
exemplo, me e o, em “não mo deu”, embora esta seja uma construção só raramente
encontrada no PB.
Ao que parece, de acordo com seu comportamento em relação ao conjunto de
critérios acima, o pronome átono em Português parece evidenciar um caráter mais
clítico do que afixal.
SPENCER (1991), levando em conta somente o critério morfológico, classifica os
clíticos como elementos que não podem existir independentemente, e que, portanto,
deveriam ser considerados um tipo de morfema dependente: “Um clítico típico
adjunge-se a uma outra palavra ou estrutura tida como hospedeira”. (p.14). Em
relação a alguns aspectos, não se pode negar a semelhança do comportamento do clítico
pronominal com os afixos, tais como:
(a) ser seletivo quanto a seu hospedeiro;
21
(b) provocar alterações morfofonológicas na forma verbal e na do pronome, no
caso das formas o(s)/a(s);
(c) encontrar-se adjacente ao verbo, seu hospedeiro;
(d) pertencer a um grupo relativamente fechado (os pronomes do português).
Em contrapartida, de acordo com KLAVANS (1985), duas características dos
pronomes átonos do português impedem seu tratamento como afixo, no sentido estrito
da palavra: (a) não se ligam a raízes vocabulares, mas a uma instância sintática; (b) não
constituem efetivamente “formas presas”, pois têm mobilidade relativa no vocábulo,
podendo antepor-se ou pospor-se ao verbo. Por essas razões, a autora classifica os
clíticos como “afixos sintagmáticos”, observando que a ligação sintagmática é uma
propriedade dos clíticos.
A princípio, pode-se admitir que os clíticos fazem parte do vocábulo fonológico,
mas não da palavra morfológica: os elementos que formam uma palavra são
rigidamente ligados uns aos outros, não admitindo mudança de posição ou interferência
de outro elemento; já os clíticos podem mudar de posição, como em viu-me/me viu, ou,
no caso específico da variedade européia, admitir, ainda, elementos intervenientes –
como se pode observar em (14) e (15), dados extraídos do “corpus” VARPORT2, em
que se encontra o fenômeno denominado interpolação:
(14) Faz-se a pior das ditaduras: a que se não confessa, a de que se não toma leal e claramente a responsabilidade. (E-P-92-Je-002)
(15) Mostrou-o hontem em toda a evidencia o povo de Lisboa concorrendo em tamanho numero - como ainda se não vira! - ao comicio promovido pelo partido republicano. (E-P-91-Je-002)
2 O projeto VARPORT – Análise contrastiva de variedades do português – disponibiliza on line os corpora no seguinte endereço eletrônico: www.letras.ufrj.br.
22
2.2 A questão do uso
Tendo em vista os parâmetros de cliticização e as características de um clítico,
sintetizadas no item anterior, cabe, nesta seção, apresentar as propostas descritivas da
ordem dos clíticos pronominais no Português do Brasil, segundo a visão tradicional e
segundo outros estudos lingüísticos diversos.
2.2.1 Na perspectiva da gramática tradicional
De acordo com CUNHA & CINTRA (1985), o pronome – que pode estar
enclítico ou proclítico em relação ao verbo – tem como posição lógica, normal, a
ênclise, já que o pronome átono funciona como objeto direto ou indireto do verbo.
Segundo os autores, a mesóclise é a posição normal do pronome átono quando o verbo
se apresenta nas formas de futuro do presente e futuro do pretérito, desde que não
antecedido de elemento proclisador.
Deve-se dar preferência à próclise nos seguintes casos: diante das palavras
negativas não, nunca, jamais, ninguém e nada; em orações iniciadas por pronomes e
advérbios interrogativos quem, por que e como; em orações iniciadas por palavras
exclamativas, bem como nas que exprimem desejo (optativas); nas orações
subordinadas desenvolvidas, mesmo que a conjunção esteja oculta; com gerúndio regido
pela preposição em.
Os autores reconhecem a tendência à próclise pronominal com certos advérbios,
como bem, mal, ainda, já, sempre, só, talvez, ou com expressões adverbiais, quando não
há pausa que os separe; quando a oração se inicia por objeto direto ou predicativo;
23
quando o sujeito da oração contém o numeral ambos ou algum dos seguintes pronomes
indefinidos: todo, tudo, alguém, outro, qualquer, etc; e, por fim, nas orações
alternativas.
De outro lado, CUNHA & CINTRA (1985) tratam como legítima a ênclise nos
casos em que ocorre pausa entre o atrator e o verbo. Com relação às formas nominais,
os autores afirmam que, em caso de gerúndio regido pela preposição em, a preferência é
a próclise; com particípios, não se dá próclise nem ênclise, pois quando este “vem
desacompanhado de auxiliar, usa-se sempre a forma oblíqua regida de preposição” (p.
302), e, nos casos de infinitivos soltos, “é lícita a próclise e a ênclise, embora haja
acentuada tendência para esta última colocação pronominal”. (p. 303), especialmente
se estiverem regidos pela preposição a.
ROCHA LIMA (2003 [1972]: 450) inicia suas considerações afirmando que a
posição normal dos pronomes átonos é “depois do verbo”. A ênclise se dá nos casos
em que o verbo abre o período; quando o sujeito – substantivo ou pronome – vier antes
do verbo, desde que não seja constituído de palavra negativa; e nas orações coordenadas
assindéticas. Após essas considerações, o gramático faz a seguinte observação: “em
qualquer desses casos, pode, contudo, por puro arbítrio ou gosto, ocorrer anteposição,
salvo em início de período”. (ROCHA LIMA, 2003 [1972]: 451).
24
Após classificar a ênclise como posição “normal”, o autor lista como contextos
obrigatórios para o uso da próclise os seguintes casos: orações negativas iniciadas por
palavras negativas; orações exclamativas ou optativas iniciadas por palavras desses
tipos; orações interrogativas começadas por pronomes ou advérbios interrogativos;
orações subordinadas; verbos antecedidos de advérbios e pronomes indefinidos, sem
pausa.
No caso das formas nominais, propõe que a ênclise é obrigatória com infinitivo,
sendo facultativa quando este vier precedido por preposição, e também com gerúndio,
exceto quando antecedido de preposição ou de advérbio.
BECHARA (2004 [1999]) inicia suas observações com o caso particular da forma
o e variantes, propondo que a colocação dos pronomes átonos e do demonstrativo o é
questão de fonética sintática. Além disso, considera “falsa” a questão da atração
supostamente exercida por palavras como o não e o quê, além de certas conjunções e
diversos outros vocábulos. O autor recorre a SAID ALI, afirmando que, graças a ele,
passou-se a considerar o tema da ordem dos clíticos privilegiando sua face fonológica.
Com o desenvolvimento dos estudos sobre vocábulos átonos e tônicos, chegou-se
à conclusão de que muitas das regras estabelecidas pelos puristas ou estavam erradas ou
se aplicavam em especial ao falar lusitano. Ao propor algumas normas que seriam
usadas na linguagem escrita e falada das pessoas cultas, sugere que, não havendo
infração a tais normas, o problema se relacionaria a uma “questão pessoal de escolha”,
que atenderia às exigências da eufonia. Afirma, ainda, a urgência de se afastar a idéia de
que a colocação brasileira seria inferior à portuguesa, com uma citação de ALI: “a
pronúncia brasileira diversifica da lusitana; daí resulta que a colocação pronominal
25
em nosso falar espontâneo não coincide perfeitamente com a do falar dos portugueses”
(apud BECHARA 2004: 587).
BECHARA (2004 [1999]: 588-590) propõe, ainda, os seguintes critérios para a
colocação pronominal:
(a) o de que não se inicia o período por pronome átono;
(b) não se pospõe pronome átono a verbo: (i) flexionado em oração subordinada
ou em oração iniciada por palavra interrogativa ou exclamativa, (ii) modificado
diretamente por advérbio ou precedido de palavra de sentido negativo, (iii) no futuro do
presente e do pretérito (condicional); e
(c) não se pospõe ou intercala pronome átono a verbo flexionado em oração
iniciada por palavra interrogativa ou exclamativa.
Quanto às locuções verbais, admite as seguintes possibilidades: próclise ao
auxiliar, ênclise ao auxiliar e ênclise ao verbo principal. Observa que a última
possibilidade não se aplica às construções com a forma participial.
O autor conclui suas considerações sobre a colocação pronominal admitindo que o
fenômeno toma feições particulares no Brasil, que devem ser explicadas levando em
consideração um conjunto de fatores que as envolvem, como o rítmico, o estilístico, o
histórico, dentre outros.
De modo geral, o tratamento tradicional ora sintetizado baseia-se na norma
lusitana de colocação de pronomes. A Gramática, fundamentada na tradição literária,
ainda não assumiu a norma objetiva do Português do Brasil e, no máximo, se dispõe a
fazer concessões a algumas tendências do falar culto brasileiro.
26
2.2.1 Na perspectiva da lingüística atual
A despeito do que as gramáticas normativas preconizam, diversos pesquisadores
da atualidade verificam, através de estudos recentes, o comportamento particular da
variedade brasileira em diferentes amostras. A diferenciação entre o que se prescreve e
o que efetivamente se usa, no que diz respeito à ordem dos clíticos pronominais, é
sentida quando se tenta seguir, na escola, uma norma que não faz parte da realidade
lingüística dos alunos.
A fim de descrever o que considera a norma de uso do Português do Brasil,
PERINI (2001), na obra que considera uma tentativa de descrição da variedade culta
escrita brasileira, destaca que há restrições quanto ao uso da próclise e da ênclise no
Português do Brasil.
O autor classifica como mal formulada toda oração que “contenha proclítico no
início de estrutura oracional não subordinada ou logo após elemento topicalizado.” (p.
229). Os casos de ênclise não são abonados para todo e qualquer uso: também é
considerada mal formulada a oração que contiver elemento enclítico quando o elemento
verbal (seja auxiliar ou núcleo do predicado) for gerúndio precedido de “em”, quando o
auxiliar for particípio, ou a oração se iniciar com atrator, como em (16):
(16) “Não desperdice-a!”
O autor comenta que a gramática tradicional considera normalmente como
proclisadores os relativos e interrogativos; o item não; nunca, só, até, mesmo e também;
tudo, nada, alguém, ninguém; que (complementizador). Alguns compêndios
acrescentam outros itens, como: SNs acompanhados de pré-determinante (“Todos os
rapazes”); SNs iniciados por qualquer, nenhum, ou ainda bem, mal, ainda, já, sempre.
27
Segundo PERINI (2001: 232), “na falta de estudos detalhados sobre o assunto, teremos
de deixar a lista em aberto; fica a sugestão de pesquisa”.
Quanto aos complexos verbais, o autor também se queixa da falta de resultados
científicos, sugerindo, apenas, que, no Português do Brasil, pode ocorrer a próclise antes
do auxiliar ou antes do verbo principal. Dadas as dúvidas quanto ao comportamento da
norma brasileira nos diversos tipos de perífrases verbais, o autor insiste em que seria
necessário fazer um levantamento do uso dessas construções na língua escrita para a
obtenção de um “retrato fiel da situação”.
Embora ainda não se tenha acesso à desejável descrição do uso brasileiro quanto
às variadas estruturas com clíticos pronominais, diversos estudos científicos
objetivaram descrever a ordem dos pronomes átonos em amostras do Português do
Brasil.
PEREIRA (1981) justifica sua pesquisa pelo fato de os gramáticos não chegarem
a um consenso sobre a colocação pronominal. A autora compara a fala e a escrita e
propõe que a língua falada serviria para “detectar a tendência natural na colocação dos
pronomes” (p. 4), já que a modalidade escrita se mostraria mais conservadora.
Observa que os gramáticos se referem à ênclise como posição natural e aventa a
possibilidade de, com sua pesquisa, observar qual seria realmente a tendência do PB.
Para tratar o fenômeno, que considera essencialmente variável, utiliza-se da Teoria da
Variação, calcando sua análise na hipótese de que a ênclise seria favorecida pelos
seguintes fatores:
28
(a) a tendência do padrão vocabular do PB à formação de vocábulos paroxítonos,
havendo maior probabilidade de uso da variante pós-verbal em vocábulos oxítonos ou
monossílabos tônicos;
(b) a pausa, quando se tratasse de textos escritos;
(c) a tendência conservadora de algumas pessoas mais idosas;
(d) a obediência às normas gramaticais por parte dos falantes mais escolarizados;
(e) o tipo de texto, no caso, o escrito formal.
Seu corpus, para um estudo preliminar, foi composto por textos poéticos
populares presentes na obra “A ebulição da escrivatura”. Primeiramente, testou-se a
hipótese citada em (a) e, em seguida, o contexto anterior ao clítico, observando-se a
forma verbal, a pausa, palavras “não-atraentes” e “palavras atraentes”. A hipótese
baseia-se na proposta das palavras de atração, postulada por Cândido de Figueiredo,
tomando como fatores: palavras ou expressões negativas, pronomes relativos, pronomes
indefinidos, conjunções subordinativas, advérbios, pronomes interrogativos, numerais e
palavras exclamativas.
A segunda parte do estudo deu-se a partir da coleta de dados em crônicas e
editoriais do Jornal do Brasil, aplicação de questionários a alunos de colégios
particulares e oficiais de Juiz de Fora e da cidade do Rio de Janeiro, consulta a
manuscritos e periódicos na Biblioteca Nacional e teste de repetição aplicado pela
equipe do Projeto do Atlas Lingüístico de Minas Gerais.
29
Sobre os questionários e testes, após a apresentação dos primeiros resultados, a
autora observa que a equipe do Atlas ainda não tinha concluído a pesquisa ao fim de seu
trabalho e que os testes dos alunos apresentavam várias “inconsistências” que a
impossibilitavam de chegar a uma conclusão mais segura.
A autora observa que, nos textos do Jornal do Brasil, quase todos os cronistas e
editorialistas usaram o pronome de acordo com a gramática normativa. Percebe-se que
o tema dos textos foi preponderante para definir as diferenças percentuais, uma vez que
se observou uma linguagem mais natural e espontânea na seção de Esportes; uma
obediência mais rigorosa às regras gramaticais na de Política e uma certa flexibilidade,
quanto à normatividade, na denominada de Diversos.
Com relação aos manuscritos e periódicos da Biblioteca Nacional, a autora, ao
analisar correspondências pertencentes a signatários dos séculos XVII, XVIII e XIX e
algumas crônicas retiradas de periódicos do século XX, constatou que a próclise
predomina em quase todos os documentos.
Após este estudo, PEREIRA (1981) analisa um corpus oral constituído por
informantes de diversas idades, pertencentes a diferentes níveis de escolaridade – de
analfabetos ou semi-analfabetos até pessoas com formação universitária – e procedentes
de várias regiões do país, principalmente do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Alagoas. A
autora faz uma descrição detalhada das características de cada informante e observa
que, nas entrevistas, estava interessada em verificar se, na língua falada, ocorreria
variação na colocação dos pronomes átonos.
Observa que a variação se dá somente em termos de próclise e ênclise. Verifica
que, quando se cruzam as variáveis idade e escolaridade, a escolaridade tem atuação
30
mais fraca na escolha da colocação pronominal, e que, ainda mais importante, segundo
sua hipótese, é a questão da formalidade e da atividade profissional.
Após essa fase, observa que há outras formas de preenchimento e passa a analisar
procedimentos que tomassem o lugar do pronome: o uso e/ou a repetição de outros
pronomes e SNs e o cancelamento deste (apagamento).
Destaca, ao fim de seu estudo, os seguintes aspectos:
(a)na fala, a próclise é o processo mais geral; a ênclise encontra-se restrita a
determinadas formas lingüísticas cristalizadas;
(b)há alguns fatores que implicam a manutenção da ênclise nessas formas: a idade, a
atividade profissional e o sexo;
(c)na língua escrita, observada nos manuscritos dos séculos XVII, XVIII, XIX e
XX, a posição pronominal a dar demonstração de desaparecimento é a mesóclise,
enquanto a próclise e a ênclise continuam presentes, sendo a próclise predominante;
(d)a hipótese da “paroxitonização” – a de que a formação de vocábulo paroxítono
seria mais significativa para a colocação pronominal – só encontrou comprovação
em textos mais “coloquiais”, como no caderno de Esportes do Jornal do Brasil;
(e)nos textos menos coloquiais, prevaleceu a hipótese dos atratores, ou seja, a
próclise se deu em maior número quando “abonada” pelos contextos gramaticais já
previstos;
(f)na comparação entre fala e escrita, a próclise foi mais geral em ambos os casos,
sendo que, na escrita, o fator escolaridade influencia no aumento da ênclise;
Os itens a seguir referem-se somente à fala:
(g)me e se são as formas mais produtivas, sendo me predominantemente proclítico;
31
(h)nos e te não puderam ser suficientemente analisados,devido ao pequeno número
de dados;
(i)lhe e o aparecem apenas como “resquícios” nas formas tanto proclítica quanto
enclítica e estão em processo de apagamento ou substituição.
Ao fim do estudo, conclui que não há como optar por hipóteses fonéticas ou
sintáticas: ambas influenciam a colocação.
LOBO (1992) pretende oferecer mais uma contribuição para a resolução do
problema da diferenciação entre o que é prescrito e o que é usado, no que se refere à
questão da colocação pronominal.
A autora considera esse aspecto muito importante para a diferenciação das
variantes brasileira e européia do português. Também alude à necessidade de se saber
qual teria sido a situação da língua no período em que começa a vigência do Português
no Brasil, em situação de língua transplantada. Para tanto, trata o problema da colocação
pronominal de uma perspectiva diacrônica, buscando um diálogo entre os séculos XVI e
XX, considerando, principalmente, a variedade brasileira.
Observa a caracterização do Português no Brasil de língua transplantada e das
interpretações controversas em relação ao Português Europeu. Cita o Romantismo
como divisor de águas em relação à postura que se adotava em relação ao PB, seguido
pelo Modernismo. Através das definições do que seria conservador ou inovador, traça
as características de PE e PB.
32
Seu trabalho, essencialmente descritivo, tem o objetivo de, a partir da descrição
do clítico no Português Quinhentista e no PB culto contemporâneo, estabelecer um
quadro geral do desenvolvimento divergente da Língua Portuguesa, no que tange a esse
aspecto da sintaxe, identificando as mudanças operadas nos dois momentos históricos
de cada uma das variedades. A análise comprova a importância do fenômeno lingüístico
em questão para a compreensão da história da Língua Portuguesa e, particularmente, da
constituição de suas variedades européia e brasileira contemporâneas.
De modo geral, o estudo demonstra que o padrão de colocação do clítico no PB
contemporâneo culto oral se caracteriza por ser variável em quase todos os contextos
considerados, com nítida preferência pela variante pré-verbal.
As variáveis extralingüísticas controladas na análise – faixa etária, o local de
origem dos informantes, e a (des)obediência à norma-padrão – não demonstraram
comportamento relevante no condicionamento do fenômeno. No que se refere ao
condicionamento estrutural, o estudo oferece as seguintes conclusões:
(i) a próclise foi categórica nos enunciados com verbo precedido por SN sujeito
pronome pessoal e por SAdv de negação;
(ii) são condicionamentos bastante favoráveis à próclise: orações subordinadas
desenvolvidas, enunciados com verbo precedido por SN sujeito nominal e por Sadvs /
Spreps circunstanciais (sobretudo quando não se separam do verbo por pausa);
(iii) A colocação pós-verbal do clítico foi categórica no contexto de clítico
acusativo de terceira pessoa o, a (s) diante de infinitivo verbal;
33
(iv) são condicionamentos bastante favoráveis à ênclise: posposição do clítico se
ao verbo, como estratégia para indicar sujeito semanticamente indeterminado; e orações
subordinadas reduzidas de gerúndio. (cf. LOBO, 1992: 210)
Segundo a autora, as estruturas com gerúndio, clítico acusativo de 3ª pessoa
junto ao infinitivo e clítico “se” nas construções de sujeito indeterminado destacam-se
como “ilhas de resistência ao padrão observado para o PB culto contemporâneo”.
(p.211)
SCHEI (2003) investigou a colocação pronominal com base na observação de seis
romances brasileiros do fim do século XX. Segundo a autora, na apresentação de seu
livro – fruto de sua tese de doutorado, defendida em 2002 –, o trabalho “mostra o
descompasso existente entre as recomendações da gramática tradicional e os livros
analisados.” (p.22).
A autora ressalta que muitas gramáticas expõem comentários sobre as
particularidades do PB, como se pode observar, segundo as resenhas feitas pela autora,
em: BECHARA (1967), CUESTA & LUZ (1983), CUNHA (1985), CUNHA &
CINTRA (1991), LUFT (1985), ROCHA LIMA (1980) e SAID ALI (1964).
Ao estabelecer a comparação entre as sete gramáticas, SCHEI destaca os pontos
de concordância e discordância em relação à colocação pronominal. Observe-se que,
nos itens (a) e (b), seguintes, há uma unanimidade, segundo a autora, sobre tais regras
de colocação:
34
(a) casos em que predomina a ênclise: início de período, início de outra oração
(exceto oração intercalada), início de oração intercalada de oração, depois de pausa,
oração coordenada a oração principal, sujeito sem fator de próclise;
(b) casos em que predomina a próclise: negação, advérbio, pronome indefinido,
“ambos”, “mesmo”, oração subordinada, oração exclamativa, oração optativa, oração
coordenada a oração subordinada.
Em outros casos, no entanto, não foi possível propor uma síntese baseada na
descrição dos mesmos gramáticos.
(c) outros casos: numeral, complemento deslocado para a esquerda, pronome
pleonástico, gerúndio, infinitivo, locuções verbais, interpolação, eufonia e ênfase.
Segundo a autora, os comentários em relação ao tema são muito gerais e nem
sempre deixam claro se se referem à língua literária ou à língua falada. Todas as
gramáticas tomam como ponto de partida o fato de que a ênclise seria a posição normal
do pronome e descrevem o fenômeno apontando os contextos em que a próclise deve
ocorrer. Com base nesse levantamento, afirma que, no PB, a colocação pronominal
difere do modelo proposto pelas Gramáticas Normativas, não somente na fala, mas
também na escrita.
De forma geral, reconhece que, apesar de ter desenvolvido sua pesquisa com um
corpus reduzido, por meio dela podem ser depreendidos alguns traços típicos da língua
literária contemporânea do PB no que diz respeito à colocação pronominal. O corpus,
constituído por seis romances brasileiros, foi assim escolhido por ser o modelo literário
aquele que mais se aproxima do prescrito pelas gramáticas.
35
Os seis romances selecionados foram: Confissões de Narciso [1977], de Autran
Dourado (1926); Vastas emoções e pensamentos imperfeitos [1988], de Rubem Fonseca
(1925); Exílio [1988], de Lia Luft (1938); Enquanto o tempo não passa [1996], de Josué
Montello (1917); Dora Doralina [1975], de Rachel de Queiroz (1910); e Os voluntários
[1979], de Moacyr Scliar (1937). A autora observa, além das datas de publicação dos
romances, as datas de nascimento dos autores (entre parênteses, ao lado de seus nomes)
e justifica que, entre o mais velho (Rachel de Queiroz) e o mais jovem (Lia Luft),
medeiam 28 anos. Ainda sobre os romances, classifica-os de acordo com a linguagem,
do mais coloquial (Rachel de Queiroz) ao menos coloquial (Josué de Montello), e
verifica que tal característica pode influenciar a colocação pronominal.
Levando, ainda, em consideração o fato de que as gramáticas se baseiam em
moldes literários para justificar sua prescrição, a autora analisa também três romances
portugueses: Os cornos de Cronos [1980], de Américo Guerreiro de Sousa (1942);
Notícia da cidade silvestre [1984], de Lídia Jorge (1946); e Os cus de Judas [1979], de
Antonio Lobo Antunes (1942). Assim, a comparação não se dá somente entre os
romances brasileiros e as gramáticas, mas entre eles e o PE literário.
Muitos dos fenômenos encontrados no corpus estudado não são citados pelas
gramáticas tradicionais, de modo que estas não dão conta do que efetivamente ocorre na
variedade brasileira. Na realidade, não há regras absolutas e o estudo pretende observar
os contextos de ocorrência de próclise ou ênclise. Tomando por base as concordâncias e
discordâncias entre os gramáticos, a autora constituiu os fatores sintáticos que
fundamentaram sua análise.
Entre suas observações iniciais, destacam-se:
36
(a) houve somente 03 ocorrências de mesóclise em 8800 dados;
(b) não houve ocorrências de vos na fala;
(c) é menos freqüente, atualmente, o uso de te devido à inserção do você no lugar do tu;
(d) na fala, os clíticos têm sido substituídos pelas formas retas.
A autora apresenta os resultados da pesquisa considerando, inicialmente, amostras
parciais e, com base nas semelhanças entre os dados, reagrupa-os, de modo que melhor
se depreendam os fatores que determinam seu comportamento. SCHEI utiliza tal
procedimento porque teme que a apresentação de percentuais gerais possa comprometer
a interpretação do leitor, dado que, em seu corpus, não se encontrariam todos os
contextos possíveis. Conclui seu trabalho com a confirmação da hipótese de que a
colocação pronominal do PB difere da dos modelos apresentados nas gramáticas:
(a)nos casos em que a gramática recomenda a ênclise – verbo em posição inicial (de
período ou de outra oração), verbo em início de oração coordenada com a conjunção
e verbo antecedido de sujeito, sem fator de próclise – também se observa a variante
pré-verbal; nas orações subordinadas, em que a próclise é quase categórica, vez por
outra dá-se a ênclise, que ocorre tanto com causais, consecutivas e integrantes,
quanto com temporais como quando, enquanto e até que. A ênclise ocorre, ainda,
em dois casos de oração subordinada iniciada pelo relativo que;
(b)nas formas nominais – gerúndio e infinitivo –, a maioria dos escritores desvia-se
da colocação recomendada pelas gramáticas, o que depende muito do tipo de
pronome;
37
(c)com relação aos complexos verbais, o corpus escrito apresenta semelhanças com
o PB falado: verifica-se mais próclise ao verbo principal do que ênclise ao verbo
auxiliar em contextos sem atrator;
(d) me, o mais proclítico dos pronomes, é o único a ser colocado em posição inicial
pelos escritores;
(e)se tende à ênclise nos romances analisados, mas é preciso que se façam estudos
mais minuciosos a respeito de alguns contextos como, por exemplo, construções
passivas e locuções verbais com se indeterminador;
Diante do que expôs, a autora afirma que, embora limitado, o corpus demonstra
haver bastantes diferenças entre os escritores quanto à colocação pronominal. Tais
diferenças, no entanto, não impediam de já se observarem traços típicos da ordem dos
pronomes no PB.
VIEIRA (2002) estuda a ordem dos clíticos em três variedades do Português: a
européia, a brasileira e a moçambicana, nas modalidades oral e escrita com base em
dados de pronomes átonos em lexias verbais simples e complexas.
A autora desenvolve sua pesquisa – realizada com base nos princípios da
Sociolingüística Variacionista e da Fonética Acústica – considerando a interface
morfologia-sintaxe-fonologia, pois acredita ser esse tema um dos mais produtivos para
que se observe a inter-influência dos diversos planos da língua.
Lembra que a colocação pronominal foi e é, ainda hoje, utilizada como um forte
caracterizador das diferenças entre o Português do Brasil e o Português Europeu e
demonstra ser ela um fenômeno variável “aquém e além-mar”.
38
No Português do Brasil, a colocação pré-verbal e a pós-verbal constituem
variantes possíveis, formas alternantes para um mesmo contexto estrutural. Desta forma,
busca identificar, com seu estudo, os elementos favorecedores de cada variante, sejam
eles de natureza lingüística ou extralingüística.
Observando a perspectiva tradicional, o trabalho apresenta as propostas de
FIGUEIREDO (1917) [1909] (europeu) e ALI (1966) [1908] (brasileiro), ambos do
início do século XX, para, depois, sintetizar as recomendações apresentadas em
gramáticas tradicionais utilizadas no ensino da língua em Portugal e no Brasil, a saber:
ROCHA LIMA (1999) [1972], CUNHA & CINTRA (1985), BECHARA (1999),
FERREIRA & FIGUEIREDO (1995) e PINTO et alii (1997).
A autora, ao fazer a análise das gramáticas, observa que
Apesar de já haver no início do século, como se pôde observar, a consciência de que as regras de colocação pronominal brasileiras divergem das portuguesas, as gramáticas prescritivas atuais ainda estabelecem normas que, aparentemente, se aplicariam tanto no Brasil quanto em Portugal. (p. 34)
Sob a perspectiva descritivista, apresenta, ainda, o tratamento dado ao fenômeno
pelas gramáticas de MATEUS et alii (1983), referente ao PE, e PERINI (2001),
relativo ao PB, procurando destacar a necessidade de tratamento diferenciado do tema
consoante a variedade, se brasileira ou européia.
A autora traça um panorama do tratamento do tema a partir de diversos estudos,
dentre eles: DUARTE (1983), LOBO (1991) e GALVES (1993), observando o
Português Europeu, e PAGOTTO (1992), LOBO (1992) e MONTEIRO (1994),
observando o Português do Brasil.
39
Os corpora utilizados em VIEIRA (2002) compõem-se basicamente de dados
eliciados de:
(a)na modalidade oral: Corpus de Referência do Português Contemporâneo
(CRPC) – para o PE; e (ii) Norma Urbana Culta Carioca (NURC), Programa para
Estudos do Uso da Língua (PEUL), Atlas Etnolingüístico dos Pescadores do
Estado do Rio de Janeiro (APERJ) – para o PB;
(b) na modalidade escrita, utilizaram-se textos extraídos de revistas e/ou jornais:
(i) Jornal de Notícias, Diário de Notícias e O Público, para o PE; (ii) Jornal do Brasil e
O Globo – para o PB.
O trabalho contou com um total de 5196 ocorrências de pronomes átonos.
Consideraram-se, separadamente, as lexias verbais simples, com um total de 4167
dados, e os complexos verbais, que somam 1029 casos.
Quanto à modalidade oral, a autora observa, inicialmente, o fato de não ter
surgido qualquer ocorrência de mesóclise no PB e no PE.
Na variedade brasileira, o estudo confirma a opção pela próclise (89%). As
variáveis condicionadoras do fenômeno demonstram os contextos em que a ênclise
(11%) aparece. Desta forma, a descrição do comportamento de cada variável estudada
esclarece o que determina a distribuição dos dados.
Quanto ao PE oral, os resultados apresentam uma distribuição equilibrada dos
dados pelas duas variantes, ocorrendo uma manifestação de ênclise um pouco abaixo da
metade dos dados (47%).
40
Na modalidade escrita, a mesóclise não ocorreu no PB e ocorreu sem expressividade
no PE. Quanto à próclise e à ênclise, as diferenças no comportamento das duas
variedades verificadas na modalidade oral praticamente se neutralizam. A semelhança
entre os padrões de uso confirma, segundo a autora, a força niveladora da modalidade
escrita, que regula o comportamento dos usuários da língua.
Foram controladas as seguintes variáveis: (i) lingüísticas (comuns aos “corpora”
oral e escrito): tipo de oração, presença de possível “atrator” na oração, distância
entre o “atrator” e o grupo clítico-verbo, tempo e modo verbais, tipo de clítico, função
do clítico, tonicidade da forma verbal; e (ii) extralingüísticas: para o “corpus” oral,
faixa etária e escolaridade e, para o “corpus” escrito, tipo de texto.
O estudo de VIEIRA mostra que o PE apresenta um condicionamento muito
sistemático quanto à ordem dos clíticos, não só na modalidade oral, mas também na
escrita, o qual se restringe a elementos de natureza estrutural. Os contextos de
subordinação com os chamados elementos “atratores” são os favorecedores da próclise.
O condicionamento da ordem é favorecido, ainda, pelas variáveis presença de “atrator”
na oração e distância entre o “atrator” e o grupo clítico-verbo; atua, de forma
secundária, o grupo “tempo e modo verbais”. O grupo “tipo de clítico” mostra-se
relevante apenas para o PE oral.
Para o PB, os dados confirmam que, de modo geral, a ordem não-marcada é a
próclise. Poucos contextos determinam a concretização da ênclise no PB oral:
(i) de ordem lingüística – os pronomes o/a(s) e se, este principalmente em estrutura de indeterminação/apassivação e, com menos expressividade, os contextos sem a presença de um tradicional “atrator”; e (ii) de ordem extralingüística – a fala de indivíduos com mais de 55 anos de idade. (p.232)
41
Na modalidade escrita, além do tipo de clítico, passa a atuar, com expressividade,
a variável presença de “atrator” e distância entre o “atrator” e o grupo clítico-verbo.
Na ausência de um atrator ou em contexto antecedido de conjunção coordenativa ou
locução adverbial, especialmente quando distantes do clítico, este tende a aparecer em
ênclise. Quanto ao tipo de oração, quanto mais “independente” for a construção em que
se encontra o clítico, maior a produtividade da ênclise.
Para a investigação da ordem nos complexos verbais, a autora postulou, para a
variável dependente, os fatores colocação pré-complexo verbal; colocação intra-
complexo verbal; colocação pós-complexo verbal.
Percebe-se que, no PE, os dados se distribuem pelas três variantes, sendo a intra-CV a que reúne o maior número de dados. Quando o pronome se encontra entre duas formas verbais, ele se liga ao elemento que o antecede (tinha-me espontaneamente dito); em outras palavras, o PE oral admite, de modo geral, ênclise a V1. (p.277)
A presença do atrator é determinante para a existência da variante pré-CV,
também produtiva. Essa variante tende a ocorrer, ainda,
quando o pronome em questão é o <se> do tipo indeterminador/apassivador e quando a forma de V2 é o particípio (o assunto de que se tinha falado). A variante pós-CV tende a ocorrer se a segunda forma verbal for o infinitivo e se o pronome em questão for o clítico acusativo de 3a pessoa (ele vai encontrá-lo) ou o <se> reflexivo/inerente (ele vai encontrar-se com alguém). (p. 295)
Segundo a autora, no PB oral, predomina a variante intra-CV em 90% dos casos,
independentemente da atuação de qualquer tipo de elemento condicionador.
42
De modo geral, a análise dos complexos verbais revela que são variáveis
fundamentais no condicionamento da ordem dos pronomes, nas duas variedades, os grupos de
fatores tipo de clítico, forma do verbo não-flexionado e constituição do complexo verbal. O PE
conta, ainda, com a atuação da presença de possível ‘atrator’ do pronome no contexto anterior
ao complexo verbal.
VIEIRA (2002) também realiza um tratamento do fenômeno de natureza fonético-
fonológica, com base nas seguintes suposições: (a) no PB, o clítico seria semelhante a
uma sílaba pretônica, de modo que se ligaria preferencialmente à sílaba à direita; (b) no
PE, a sílaba do clítico teria duração e intensidade semelhantes à duração e à intensidade
de qualquer sílaba átona, visto que a pretônica e a postônica não se diferenciam de
forma expressiva na variedade européia.
Por meio de métodos específicos da Fonética Acústica – com base na utilização
do pacote de programas CSL e pela análise da síntese de fala –, a autora chegou aos
seguintes resultados:
(i) O pronome átono do PB assume, quanto à duração e à intensidade, as mesmas feições de uma sílaba pretônica vocabular; o pronome átono do PE assume, quanto à duração e à intensidade, as características de uma sílaba postônica/pretônica vocabular.
(ii) O parâmetro de ligação fonológica do pronome átono no PB é reconhecido como inclinado para a direita (tinha me-visto), enquanto o parâmetro compatível com as características da pronúncia do pronome no PE é reconhecido como inclinado para a esquerda (tinha-me visto).
(iii) O parâmetro acústico do acento que determina a cliticização do pronome à esquerda é, em primeiro lugar, a duração (reduzida no PE); em segundo plano, atua a intensidade (menor no PE). (p.380)
43
VIEIRA, NUNES E BARBOZA (2004) investigaram a ordem dos clíticos
pronominais analisando 268 redações das últimas séries dos níveis Fundamental, Médio
e Superior de ensino, aplicadas em escolas do Rio de Janeiro. O estudo contou com 869
ocorrências de clíticos. Quanto ao uso do clítico, as autoras observam que seu número
aumenta de acordo com o aumento da escolaridade.
O “corpus” utilizado registrou percentuais de ênclise de 7%, 18% e 52%,
respectivos aos níveis estudados. Como se pode observar, a opção pela próclise é bem
maior no Ensino Fundamental, chamada pelas autoras de “estágio inicial”.
Duas variáveis exerceram maior influência sobre o condicionamento da ênclise:
tipo de clítico e presença de “atrator”. O estudo demonstra que a aprendizagem da
variante pós-verbal na escrita escolar começa pelos contextos mais artificiais
considerando-se a modalidade oral do PB, como: contextos com os pronomes o,a(s)
(estruturas normalmente acompanhadas de infinitivo verbal – encontrá-lo) e se
indeterminador/apassivador. No estágio que as autoras chamam de intermediário,
verificou-se o aumento do uso da variante pós-verbal, ampliada para o pronome se
reflexivo/inerente. Nos textos universitários, encontra-se a variante pós-verbal com
todos os pronomes átonos, ainda com mais produtividade no caso de estruturas com se
indeterminador/apassivador.
As autoras propõem, ainda, que a escolha das variantes pré e pós-verbal se dá de
acordo com o que BORTONI-RICARDO (2004) denomina contínuo “oralidade-
letramento”, em que, num extremo, estaria a variante pré-verbal, própria da oralidade na
maioria dos contextos, e, num outro, a pós-verbal, na escrita mais padrão.
44
2.3 A questão da norma
2.3.1 A face lingüístico-social
Tendo em vista a variedade de usos e a distância entre o que propõem as
gramáticas brasileiras e o que efetivamente se usa, o tema da colocação pronominal
enseja, sem dúvida, o debate sobre a determinação do que seria uma norma lingüística.
Vale observar, em princípio, o que, efetivamente, constitui norma. De acordo com
LUCCHESI (2002: 65), a noção de norma tem duas “facetas”: normal seria tudo aquilo que
é habitual, costumeiro, tradicional numa comunidade; e, normativo, o sistema ideal de valores
que, não raro, é imposto em uma comunidade. Sendo assim, propõe duas classes de norma: a
objetiva, relativa aos padrões observáveis na atividade lingüística de um grupo determinado; e
a subjetiva, referente a um sistema de valores que norteia o julgamento subjetivo do
desempenho lingüístico dos falantes em uma comunidade.
Acrescente-se a essas noções duas outras: a de norma padrão, que consistiria no
conjunto de regras e formas contidas nas gramáticas normativas e por elas prescritas; e a de
norma culta, que congregaria as formas efetivamente depreendidas da fala dos segmentos de
mais alto nível de escolaridade.
Segundo ROSENBLAT (1967), esse conjunto de valores subjetivos, profundamente
determinado por fatores sociais, culturais e ideológicos, que é a norma, está intimamente
relacionado às tendências e aos padrões de comportamento lingüístico que se observam numa
comunidade, o que também é norma.
Em outras palavras, norma é tudo aquilo que tradicionalmente se diz ou se disse em
uma comunidade. Segundo o autor, o erro se dá em relação à norma e não ao sistema. É um
45
juízo de valor, aplicado por questões que não são lingüísticas, mas de “certa ressonância
moral”.
Aqui, deve-se observar que, segundo COSERIU (apud CUNHA, 1985), o sistema é
uma entidade abstrata, um conjunto de funções distintivas, de estruturas em oposição; pode
ser entendido também como um conjunto de possibilidades que indicam “os caminhos
abertos e os caminhos fechados do sistema” de expressão de uma comunidade. Desta forma,
o aluno, ao optar pela próclise ou ênclise, não fere o sistema, pois as duas possibilidades estão
previstas nesta entidade. O aluno pode ou não seguir a norma, que é entendida como o
conjunto de estruturas presentes no sistema e realizadas sob formas socialmente determinadas
e mais ou menos constantes.
A noção de erro, ainda segundo ROSENBLAT (1967), vem da noção de aquisição da
linguagem. A língua se adquire também por aprendizagem, e toda aprendizagem é, por
natureza, imperfeita ou incompleta. “A sociedade não pode deixar a língua em paz” (p.121);
a convivência e a colaboração de setores sociais diversos trazem, inevitavelmente, um
nivelamento. E o problema lingüístico e cultural é nivelamento “por baixo” ou “por cima”.
Desta forma, entende-se que o problema não é exatamente o que se fala, mas sim quem fala.
Segundo o autor, “que privilégios teriam os cultos para ditar normas e condenar as formas
de expressão dos demais e por que sua norma deveria ser superior às outras?” (p.122)
ROSENBLAT (1967) chega a questionar o uso de termos como correto e
incorreto. Na luta contra a correção, chegou-se a rechaçar violentamente toda a
prescrição, toda a intervenção correcionista da língua, observando-se que não haveria
critérios para determinar o que seria bom ou mau em termos lingüísticos. Segundo esse
ponto de vista, a fala de cada um seria legítima e irreprovável como a de qualquer
46
suposta autoridade e toda intromissão seria danosa. Além disso, a prescrição de correto
ou incorreto aumenta a divisão entre classe superior e inferior, justamente quando é
necessário manter cada vez mais a unidade. Não haveria nenhum problema em
substituir os controvertidos termos “correto” x “incorreto” por termos como “aceitável”
x “inaceitável” ou “admissível” x “inadmissível”, entre outros; no entanto, haveria o
perigo de se impregnar esses termos com uma carga mais violenta e desqualificadora do
que a existente nos dois primeiros.
Não é por acaso, a língua, por natureza, uma instituição social? A sociedade mantém-
se, constitutivamente, por um amplo sistema de usos ou hábitos de vigência coletiva. A partir
daí, entende-se que a polarização sociolingüística é fruto de um preconceito atrelado à não
aceitação da variabilidade, uma vez que esta não é concebida como geradora de diversidade,
mas, sim, de erro.
ROSENBLAT (1967) afirma, ainda, que a escola tem uma missão nacional. A
imprensa, o rádio e a televisão se dirigem a todos os habitantes do país. O livro “aspira” a
repassar as fronteiras nacionais e, então, a “grande ilusão” de que essa norma será mantida
pelas gerações futuras continua viva. Por isso, a norma não pode ser rígida, automática,
monolítica. Deve ser flexível, harmoniosa, mutante.
De acordo com LUCCHESI (2002):
A vulgarização do ensino público e o fenômeno dos meios de comunicação de massa, nas últimas décadas, acabaram por consolidar uma tendência à variação na norma culta, que, assim, se afasta cada vez mais do padrão normativo, o qual, em consonância com o projeto de exclusão social das elites brasileiras, continua a reproduzir os modelos europeus, alterando apenas sua fundamentação retórica. (cf. PAGOTTO;1998 e GUIMARÃES; 1996)
47
LUCCHESI (2002) afirma, citando PAGOTTO (1998), que é exatamente na
tentativa de estabelecimento de um padrão lingüístico nacional que se revela o paradoxo
projeto político das elites brasileiras, dando continuidade à exclusão de uma grande
parcela da população enquanto uma pequena minoria assume a liderança do processo.
Em toda sociedade, entrecruzam-se um critério intralingüístico de correção e um
critério extralingüístico ou social, fato que pode ser verificado através da utopia escolar em
atingir a norma padrão citada pelo autor – uma abstração –, enquanto seus falantes buscam a
norma culta, a concretização.
As contradições da realidade social refletem-se no plano das normas lingüísticas. Ao
mesmo tempo em que se observa, no plano objetivo dos padrões coletivos de comportamento
verbal, uma tendência ao nivelamento das duas normas lingüísticas, o estigma ainda recai
sobre as variantes características da norma popular.
CASTRO (2002: 13) afirma que o lingüista deve se conscientizar de seu papel na
sociedade. Segundo ele, se os lingüistas cumprissem seu papel fundamental na fixação da
norma, haveria mais respeito pelos fenômenos de variação e pelos atos de fala reais e
verificáveis. O autor comenta que a norma portuguesa dotada de maior vitalidade e
capacidade de fazer adeptos é a transmitida pelos jornais, rádio e televisão. A escola tem,
nesse ponto, seu papel diminuído, pois ainda não teria se recuperado dos dois choques
sucessivos que teria enfrentado: a ilusão de que as aulas de língua poderiam ser aulas de
lingüística; e a “tonteria” de que o ensino deveria privilegiar o lúdico e o imaginativo.
O preconceito lingüístico reflete a discriminação econômica e a ideologia da exclusão
social. Assim, pode-se remeter a GAGNÉ (1983), que, diante de tal discussão, conclui que se
deve chegar a uma unidade na escrita e a uma unidade na fala, desenvolvendo, assim, o
48
plurilingüismo e propondo uma atualização da norma padrão com base nos padrões reais de
uso, condição necessária para a verdadeira democratização do ensino de língua.
2.3.2 A face político-cultural
PINTO (1978, 1981), observando a grande polêmica gerada pelas diferenciações entre
o PE e o PB, organizou uma coletânea de textos de diversos autores e épocas, a fim de
demonstrar que as questões hoje discutidas afligiam até os mais profundos conhecedores da
língua e seus mais importantes representantes.
A autora compilou textos de diversos autores com considerações sobre a Língua
Portuguesa. O Volume I (1820/1920) faz menção ao Romantismo como um movimento
de valorização do autenticamente nacional, a partir do qual começam os “ensaios” das
primeiras manifestações acerca das diferenças lingüísticas entre o PB e o PE.
Dentre os autores românticos, sobressai José de Alencar, que indica como
intencional o uso de determinadas variantes, em busca de uma língua mais nacional. O
autor faz detalhado levantamento de alguns aspectos do PB, dentre eles a colocação
pronominal.
É também matéria de escândalo a colocação dos pronomes pessoais que servem de complemento ao verbo, me te, lhe e se. Entendem que nós os brasileiros afrancesamos o discurso, fazendo em geral preceder o pronome, quando em português de bom cunho a regra é pospor o pronome. (1870, apud PINTO, 1978: 79)3
E, sobre isso, continua a manifestar-se:
Tal regra não passa de arbítrio que sem fundamento algum se arrogam certos gramáticos. Pelo mecanismo primitivo da
3 Nas citações selecionadas de PINTO (1978 e 1981), a primeira data, presente antes da indicação da fonte, remete ao ano em foram expressas as idéias nelas contidas
49
língua, como pela melhor lição dos bons escritores, a regra a respeito da colocação do pronome e de todas as partes da oração é a clareza e a elegância, eufonia e fidelidade na reprodução do pronome. (1870, apud PINTO, 1978: 79)
No período realista, a consciência dessas diferenças continua atuante. Machado de
Assis (1873, apud PINTO, 1978:187), que não considera seus livros exemplos de
“pureza lingüística”, afirma que o escritor, embora não precise “copiar” as modificações
populares, deve estar atento a elas.
“Não há dúvida que as línguas se aumentam e alteram com o tempo e as necessidades dos usos e costumes. Querer que a nossa pare no século de quinhentos, é erro igual ao de afirmar que a sua transplantação para a América não lhe inseriu riquezas novas. A este respeito a influência do povo é decisiva.”
No entanto, ainda se encontram opiniões bastante controvertidas a respeito do
assunto, talvez pelo tratamento um tanto ou quanto empírico dado ao tema. Joaquim
Nabuco (1875, apud PINTO, 1978) manifesta-se da seguinte forma: “...com o tempo,
com a influência lenta, mas poderosa, do meio exterior, há de se tornar cada vez mais
sensível a divergência entre a nossa literatura e a de Portugal.” (p. 196) E ainda: “A
raça portuguesa, entretanto, como raça pura, tem maior resistência e guarda assim
melhor seu idioma; para essa unidade/uniformidade de língua escrita devemos tender.”
(p.197).
Silva Ramos (1921, apud PINTO, 1978: 445), no Colégio Pedro II, em discurso de
paraninfo aos alunos que completaram o curso em 1918, diz o seguinte:
Que poderão, entretanto, fazer nossos mestres neste momento histórico da vida do português na nossa terra? Ir legitimando, pouco a pouco, com a autoridade das nossas gramáticas, as diferenciações que vão se operando entre nós, das quais a mais sensível é a das formas casuais dos pronomes pessoais regidos por verbos de significação transitiva e que nem sempre coincidem lá e cá: além da fatalidade fonética que origina
50
necessariamente a deslocação dos pronomes átonos na frase, o que tanto horripila o ouvido afeiçoado à modulação de além-mar.
Said Ali (1919, apud PINTO, 1978: 451-456) também compara o PB e o PE
quanto à colocação dos pronomes. Segundo ele, o pronome átono “é pospositivo”: ou se
encosta ao verbo, ou a outro vocábulo anterior. Cita Fernão Lopes, João de Barros e até
Camões como modelos de ênclise. O autor classifica a relação com o verbo como uma
construção usual dos complementos e que, quando deslocado, o faz por atração
puramente fonética. Além disso, alega que a colocação pronominal no Brasil deve ser
diferente da de Portugal, pois a pronúncia é diferente. E afirma que “QUE e SE são
considerados atratores”, Portugal e Brasil estão certos com relação à colocação
pronominal, por ser esse o uso geral” e que, na linguagem literária, a coincidência entre
as duas línguas é o fato de não iniciarem período por pronome oblíquo.
No primeiro volume da obra de PINTO (1978), verifica-se que a questão da
ordem dos clíticos é abordada por poucos, pois a maioria dos autores se prende a
diferenças lexicais entre as duas variedades nacionais. Tem-se a impressão de que a
consciência das diferenças lingüísticas começa pelo léxico para depois chegar à sintaxe.
A que fatores se deveria a pouca referência ao uso dos clíticos por esses autores? Não
haveria variação ou a variação ainda não tinha sido vista como fenômeno?
O volume II focaliza o período de 1920 a 1945. No texto selecionado de sua obra,
Sousa da Silveira (1920, apud PINTO, 1981:15-29) trata das diferenças entre língua
falada e escrita, dizendo que a escrita se conserva mais fiel ao Português Europeu,
porém, ao comentar as diferenças entre o PE e o PB, não cita os clíticos.
51
João Ribeiro (apud PINTO, 1981: 32-43) observa a diferença na posição dos
clíticos entre o PE e o PB de um ponto de vista bastante curioso. Observa que não pode
afirmar que nossos intelectuais escrevam mal, “mas que escrevam indiferentemente,
com certa independência divina ou diabólica que não se compadece com os padrões
lusitanos”. (1926, apud PINTO, 1981: 32)
E ainda:
O brasileiro diz comumente:- Me diga... me faça o favor...É esse um modo de dizer de grande suavidade e doçura ao passo que o – “diga-me” – e o “faça-me” – são duros e imperativos.O modo brasileiro é um pedido; o modo português é uma ordem. (1921, apud PINTO, 1981:34)
Monteiro Lobato (1924, apud PINTO, 1981: 66) expressa sua opinião através do
conto “O colocador de pronomes”: “Os pronomes, ai! eram a tortura permanente do
professor Aldrovando. Doía-lhe como punhalada vê-los pré ou pospostos contra
regras elementares do dizer castiço.”
Mário de Andrade (apud PINTO, 1981: 128-185) também opina a respeito dos
“brasileirismos”, citando o artigo “Me parece que pra M. de A . ”, em que outro autor
ironiza não só seu emprego de pronomes em início absoluto, mas também o uso de ele
como complemento: “Encontrei ele doente”. Afirma que não usa sempre o pronome
proclítico, mas “geralmente”. Mário de Andrade trata da próclise em início absoluto
citando todos os pronomes – me, te, se, nos, vos e até o, a – e menciona, inclusive, a
possibilidade de generalização desta “regra”. (1925, apud PINTO, 1981: 141-142).
Também Gilberto Freyre (1940, apud PINTO, 1981: 317) manifesta-se sobre a
questão:
52
Na verdade, os que no Brasil desejamos não uma idiota “língua brasileira”, pomposamente oficializada com esse título para gozo de uma minoria cada vez mais reduzida e ridícula de lusófobos, porém uma língua escrita e ridícula de lusófobos, porém uma língua escrita mais aproximada daquela que falamos, agimos sob a necessidade de uma expressão mais livre e mais natural, que corresponde a um meio diverso do Português da Europa.
Tais discussões surgem da consciência da diferenciação entre o PB e o PE no que
diz respeito à ordem dos clíticos, mas é preciso voltar ao passado para identificar essas
diferenças.
O Português Clássico era predominantemente proclítico, apesar de a próclise não
ocorrer em contexto inicial ou, em uma locução, ocorrer em relação ao verbo principal, nas
locuções. Desta forma, o PB segue a tendência proclítica do Português Clássico, inovando,
no entanto, com relação aos aspectos acima.
No PE moderno, observa-se o predomínio da ênclise, na fala e na escrita, o que
demonstra os diferentes caminhos seguidos pelo PB e pelo PE. Discussões acerca desse
tema, como se viu, remontam à época do Romantismo, quando, em busca de uma identidade
nacional, o Brasil passou a assumir uma postura lingüística diversa da do PE.
PAGOTTO (1998) refere-se a esse período como um verdadeiro “paradoxo” em nossa
história lingüística, uma vez que, nesse momento, o país, independente de sua metrópole,
tentava afirmar sua identidade. No entanto, para tal, precisava mostrar maturidade, e uma das
formas de mostrar isso era através da língua. De um lado, queria tornar-se independente
politicamente; de outro, tentava imitar o modelo da língua falada pelos europeus.
53
O que ocorre é que, nesse momento, como foi dito acima, a língua em Portugal estava
passando por modificações – estava deixando de se caracterizar pela ordem proclítica, para
adotar a enclítica. Talvez a perda das vogais átonas finais justifique as mudanças ocorridas na
preferência dos falantes pela ênclise, fato que passou a ser retratado na escrita.
Ainda segundo PAGOTTO, a partir do século XIX, com a codificação de uma nova
norma culta, gerou-se uma discrepância entre o português falado e o escrito no Brasil,
discrepância que tem disseminado grandes problemas na escolarização de nossos alunos, no
que tange ao aprendizado da norma culta.
TEYSSIER, em História da Língua Portuguesa, ao comentar as diferenças entre o PB
e o PE, chama a atenção para o fato de que, em alguns aspectos, quando se pensa que o PB
teria se distanciado da norma culta lusitana, o que ocorre, na realidade, é que o PB está sendo
mais conservador que o próprio PE.
De acordo com PAGOTTO, em Portugal, na passagem do século XVIII ao XIX, as
variantes em mudança foram alçadas à condição de norma culta, ou seja, a expansão das
mudanças no português falado ganhou novo status. Em outras palavras: o que era comum na
fala lusitana, a ênclise, passou a ser considerado norma. Com isso, assim como em alguns
outros aspectos, em relação à colocação pronominal, Portugal mostrou-se bastante inovador.
Já o Brasil, que no início do século XIX passou por um processo de independência (em
1808, a chegada da família real ao Brasil; em 1822, a proclamação da independência), queria
negar os valores de sua antiga metrópole, mas, ao mesmo tempo, desejava tornar-se uma
nação “branca e europeizada”4. Assume a norma culta de Portugal como modelo para a sua,
mas mantém-se conservador em uma série de aspectos sintáticos e, principalmente, em
relação à colocação pronominal, ostentando sua preferência pela próclise.4 Palavras do historiador Varnhagen, citadas por Pagotto.
54
Diante do exposto, não há como negar a explícita diferença entre a norma falada e a
escrita no Brasil, que só se mantém por conta de uma norma imposta, que não reflete a fala
brasileira, ao contrário do que aconteceu com os portugueses.
Sem poder precisar em que momento se deu essa mudança, resta encarar o fato de que a
norma culta estabelecida para o PE é reflexo das tendências verificadas na fala dos habitantes
locais – apesar das diferenças que evidentemente acontecem entre as modalidades oral e
escrita. A do PB, a despeito disso, continua garantindo o processo de exclusão social.
55
3. FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
3.1. Pressupostos teóricos
Tendo em vista os resultados de diversos trabalhos e o debate acerca do tema da
colocação pronominal, apresentados no capítulo 2, esta pesquisa tem por objetivo
contribuir para a descrição da norma empregada por brasileiros em fase escolar. Essa
opção justifica-se pelos motivos a seguir elencados:
a)a distância entre o que propõem as gramáticas normativas e os diversos estudos
que trataram a cliticização pronominal reflete-se no contexto escolar;
b)o tema enseja, ainda hoje, instigantes debates acerca da necessidade de rever
normas, de modo a torná-las compatíveis com a realidade lingüística brasileira. A
produção escolar nos diversos níveis apresentaria o processo de aprendizagem
formal em direção a uma norma que não seria a prescrita nos livros (“nem a
dominada pelo próprio professor”), nem a que efetivamente se usa na modalidade
oral.
Para cumprir o propósito estabelecido e vincular a questão satisfatoriamente ao
debate sobre a norma, desenvolveu-se a pesquisa com base nos pressupostos teórico-
metodológicos da Sociolingüística Quantitativa, de inspiração laboviana.
A sociolingüística é um campo interdisciplinar entre a lingüística e a sociologia. É
o estudo do efeito de todos e de cada um dos aspectos sociais e lingüísticos sobre a
maneira como se usa a linguagem, incluindo suas normas culturais e os contextos de uso
dos falantes.
56
Os estudos sociolingüísticos consideram a diferença entre os usos lingüísticos
adotados por grupos segmentados consoante determinadas variáveis sociais, como o
gênero, a faixa etária, o nível de escolaridade, o status sócio-econômico. Além disso,
levam em conta o fato de que um mesmo indivíduo pode utilizar diferentes variedades
da língua de acordo com a situação sócio-cultural e o contexto de produção.
William Labov é considerado o pai da vertente sociolingüística norteadora desta
pesquisa. Essa vertente surgiu durante a década de 1960, a partir de seus estudos sobre
mudanças em progresso, sob a orientação de Uriel Weinreich. Tais estudos, que
discordavam do modelo estruturalista em vigor até aquela época, tinham o objetivo de
superar a idéia de que a variação era livre.
O objetivo era determinar a sistematicidade da variação e, para tanto, era
necessário que se considerassem os fatores “externos” – sociais – e os lingüísticos. A
evolução dos estudos fez com que, em 1968, a sociolingüística chegasse a seus
“fundamentos empíricos,” constituindo uma nova teoria da mudança – em “Empirical
Foundations for a Theory of Language Change” –, proposta por Uriel Weinreich,
William Labov e Marvin Herzog.
De modo geral, a Sociolingüística refuta dois importantes princípios teóricos: a
visão de que “a comunidade de fala é normalmente homogênea” e a “definição do
idioleto como o objeto próprio da descrição lingüística”. Desta forma, a gramática da
comunidade de fala passa a substituir a da língua, que era o objeto da análise
estruturalista. Passa-se a priorizar, então, a noção de heterogeneidade que, no entanto,
não se associa à variação livre, na medida em que os fatos variáveis podem ser
correlacionados com fatores externos e internos da língua. Toda análise sociolingüística
57
passa, então, a se orientar pela noção de variação sistemática, baseada numa
heterogeneidade estruturada, uma vez que se parte da premissa de que a variação é
inerente à língua e não ocorre aleatoriamente. Tal modelo leva em conta, na relação
entre língua e sociedade, a heterogeneidade e a diversidade em situações reais de
comunicação, podendo ser a variação sistematizada através do estabelecimento de
regras que determinem a escolha do falante por uma ou outra variante. Nos estudos
sociolingüísticos, essa opção do falante, que ora se aplica, ora não, é denominada regra
variável.
A investigação da regra variável pressupõe que as variantes se encontrem em um
mesmo contexto e com o mesmo valor de verdade. Para a depreensão e o entendimento
de uma determinada regra variável, o estudo leva em consideração os diversos fatores
que possam influenciar a escolha dos falantes por uma das variantes.
No caso deste estudo em particular, postulou-se como hipótese a preferência dos
estudantes pela próclise, apesar da intensa “pressão normativa” (exercida pela escola)
em favor do uso da ênclise em determinados contextos. Uma vez que tanto a posição
pré-verbal quanto a pós-verbal constituem construções possíveis em relação à ordem
dos clíticos5 no mesmo contexto sintático, podem-se considerar ambas como legítimas
variantes lingüísticas.
Tendo em vista a suposição de que a variante pós-verbal seja a menos produtiva,
optou-se por determinar os fatores que a favorecem; em outras palavras, a ênclise é o
valor de aplicação. A determinação desses fatores, em consonância com o método
5 Na realidade, também há, no fenômeno estudado, a mesóclise como variante possível. Como tal variante fica circunscrita à modalidade escrita e de forma pouquíssimo produtiva, o comentário centrou-se apenas nas variantes pré e pós-verbal.
58
sociolingüístico, parte da análise de variáveis de natureza estrutural e extralingüística,
que serão descritas no capítulo 4.
Para o tratamento quantitativo dos dados, utiliza-se o Pacote de Programas
GOLDVARB para computadores. Esse pacote torna possível (i) a observação da
distribuição dos dados pelas variantes da regra variável, (ii) a análise percentual das
ocorrências quanto às variantes estabelecidas em cada grupo de fatores, (iii) o
estabelecimento das variáveis relevantes ao condicionamento da regra, de acordo com a
projeção que se dá por meio dos índices relativos, e (iv) o cruzamento de grupos de
fatores.
3.2. Pressupostos metodológicos
A escolha de redações condiz com o objetivo de investigar a interferência direta
da escola na questão da colocação pronominal, fenômeno mais abordado, no caso da
sincronia contemporânea, em textos literários (SCHEI, 2002), em textos jornalísticos
(VIEIRA, 2002) e em documentos e inquéritos (LOBO, 1992).
Foram aplicados e coletados, ou simplesmente coletados, textos narrativos e
dissertativos em escolas públicas e privadas. Constituiu-se um corpus de 590
ocorrências de clíticos junto a lexias verbais simples, selecionadas de 360 redações de
alunos da quarta e oitava séries do Ensino Fundamental e da terceira série do Ensino
Médio, sendo 180 de escolas públicas e 180 de escolas privadas (15 meninos e 15
meninas em cada série de cada escola).
Para a constituição do “corpus”, não se levaram em conta aspectos relacionados à
localização geográfica das escolas nem à classe social nelas predominante. A escolha
59
das instituições de ensino – que se situam em Oswaldo Cruz, Vila da Penha, Ilha do
Governador (Jardim Guanabara) e Campo Grande – teve como principais critérios
norteadores (a) o conceito de que gozam na sociedade, que deveria ser mediano e (b) o
fato de terem como alunos indivíduos das classes baixa e média, por se acreditar que
estes constituem o maior contingente da população em idade escolar (não se trabalhou,
portanto, nem com estudantes muito carentes, nem com os pertencentes à classe alta).
Buscou-se, de certa forma, priorizar sua orientação metodológica, o que se deu por meio
da variável tipo de escola – pública/privada –, partindo-se do princípio de que a escola
pública estaria mais comprometida com os PCN e, portanto, mais aberta a propostas de
ensino mais inovadoras.
Também não se tomou como ponto de partida a variável faixa etária dos alunos.
Uma vez que já se opunham as séries escolhidas, foi possível delimitar que os alunos da
quarta série do Ensino Fundamental teriam de 9 a 12 anos, os da oitava série, de 14 a 16
anos, e os da terceira série do Ensino Médio, de 17 a 19 anos.
A distribuição dos textos pelas variáveis extralingüísticas consideradas está
sistematizada no quadro a seguir.
60
NÚMERO DE REDAÇÕES ESCOLARES POR VARIÁVEL EXTRALINGÜÍSTICA
ESCOLA SÉRIE TIPO DE TEXTO
GÊNERO
MENINOS MENINAS
TOTAL
PARCIAL
PÚBLICA
4ª narrativo 15 15 30
dissertativo 15 15 30
8ª narrativo 15 15 30
dissertativo 15 15 30
3ª narrativo 15 15 30
dissertativo 15 15 30
PARTICULAR
4ª narrativo 15 15 30
dissertativo 15 15 30
8ª narrativo 15 15 30
dissertativo 15 15 30
3ª narrativo 15 15 30
dissertativo 15 15 30TOTAIS GERAIS 180 180 360
Quadro 1. Constituição do corpus: distribuição das redações pelas variáveis extralingüísticas consideradas
Quanto às redações utilizadas, cabe informar que a pesquisa teve de se adaptar às
dificuldades de recolha de material, utilizando-se o que foi possível recolher no prazo
estabelecido.
Percebeu-se, algumas vezes, certa hesitação por parte de professores e,
principalmente, de dirigentes de colégios em colaborar com a pesquisa ao tomarem
conhecimento de que as redações de seus alunos serviriam para traçar um perfil sobre o
ensino da norma na escola.
61
Em função dessas dificuldades, não foi possível, em alguns casos, aplicar uma
proposta de elaboração de texto que pudesse, especificamente, servir a esta pesquisa.
Desse modo, foi preciso ampliar o leque de temas e aproveitar textos que já haviam sido
produzidos em sala por sugestão dos professores das turmas. Isso ocorreu, sobretudo,
com as dissertações, uma vez que esse é o tipo de redação mais trabalhado nas escolas.
As propostas de redação utilizadas são, portanto, variadas, em função das peculiaridades
de cada realidade escolar no cumprimento do que seria considerado o conteúdo
programático da área.
Para o conhecimento dessas propostas, segue uma breve descrição.
A elaboração do primeiro texto recolhido, na quarta série, baseou-se no estatuto do
idoso: os alunos teriam que contar uma história qualquer de que teriam conhecimento –
algum fato bom ou ruim que tenha ocorrido com um idoso.
O primeiro texto produzido pelos alunos da oitava e da terceira séries foi de cunho
narrativo, baseado na adaptação de uma proposta de redação do vestibular da PUC/SP:
Escreva um texto narrativo, com um mínimo de 25 e máximo de 40 linhas, contando a história de um adolescente que tenha se envolvido com o mundo das drogas e sofrido as conseqüências por seu ato. O texto deve começar assim: « Com licença, mas este caso eu preciso contar.
Cabe esclarecer que não houve direcionamento para a narração em primeira ou
terceira pessoa. Os alunos deveriam decidir se o “caso” que contariam teria ocorrido
com eles mesmos ou com outra pessoa.
O segundo texto coletado foi de natureza dissertativa. Embora seja esse o tipo de
redação predominante nas aulas de produção textual, houve a já referida necessidade de
62
aproveitar textos de temas variados trabalhados pelos professores, especialmente no
caso da oitava e da terceira séries. Entre os temas abordados, encontram-se política, uso
de drogas, clonagem e terceira idade. A quarta série, novamente, focalizou o tema “o
idoso”, desta vez, dando sua opinião sobre o tratamento dispensado a esse segmento
social no Brasil.
Após a coleta das redações, passou-se ao levantamento dos dados de pronomes
átonos, todos em contextos com lexias verbais simples. Os grupos de fatores
lingüísticos fixados para o tratamento dos dados – devidamente descritos no capítulo 4 –
tomaram por base os propostos nos estudos anteriores e, principalmente, os
considerados no trabalho de VIEIRA (2002).
Em seguida, realizou-se a codificação das ocorrências, de acordo com os fatores
estabelecidos para cada variável, como preparação para o tratamento computacional. Os
dados foram submetidos à “rodada geral”, que forneceu os percentuais totais.
A análise dos percentuais suscitou a observação mais aprofundada de um aspecto
lingüístico que não constituía, a princípio, o tema desta pesquisa, qual seja o da questão
da produtividade dos clíticos pronominais no Português do Brasil, especialmente os
acusativos (o, a, os, as) e dativos (lhe) de 3ª pessoa. Tendo em vista que o
preenchimento do objeto direto pode se dar, além do clítico, por um sintagma nominal,
por anáfora zero e, ainda, por um pronome tradicional do caso reto, constituiu-se, à
parte, um “corpus” de 396 ocorrências de contextos em que o aluno teria por opção um
clítico, a fim de avaliar a produtividade dos pronomes átonos escolhidos e das outras
opções de preenchimento do objeto na escrita escolar. Os resultados desse levantamento
de dados se encontram no início do próximo capítulo.
63
Quanto à ordem dos clíticos pronominais, procedeu-se à identificação dos
contextos favorecedores da variante pós-verbal, já que a intenção do trabalho é
justamente a de observar o impacto da divulgação da norma idealizante no meio escolar.
Observados os percentuais gerais, foram retirados os contextos categóricos
(“knockouts”) para que se pudesse chegar ao peso relativo de cada fator na aplicação da
ênclise. Após esse procedimento, em que alguns fatores com comportamento
semelhante foram reunidos, passou-se à análise das diversas rodadas efetuadas com o
objetivo de estabelecer os grupos relevantes no condicionamento da ordem dos clíticos
pronominais.
Efetuaram-se, entre outras, rodadas em que:
(a) foram excluídas as variáveis sociais, para a identificação dos contextos
lingüísticos mais relevantes;
(b) foram excluídos os dados de contextos altamente favorecedores de próclise,
como o caso das construções com clíticos pronominais de primeira pessoa (me/nós);
(c) foram isolados os contextos favorecedores de ênclise para a observação desta
tendência no corpus;
(d) foram excluídas da análise variáveis que contêm fatores superpostos, como,
por exemplo, tempo verbal e tipo de oração;
(e) foram consideradas apenas as ocorrências do clítico se.
Com base na sistematicidade dos dados, passou-se à análise, cujos resultados
serão apresentados no próximo capítulo.
64
4. ANÁLISE DOS DADOS
4.1. Uso e produtividade dos clíticos
Embora o tema central do trabalho gire em torno da aprendizagem e do uso dos
clíticos no que se refere à ordem, esta seção apresenta, especificamente, a distribuição
dos dados de pronomes átonos de 3ª pessoa em relação a outras variantes de
preenchimento do objeto direto anafórico. Esses resultados, relativos à produtividade,
apresentam um panorama geral do uso desses pronomes nas redações escolares de modo
a dar a real dimensão de seu emprego nos textos, tendo em vista o fato de pesquisas
sobre o tema virem demonstrando sua baixa freqüência no PB. O propósito é observar
que estratégia de preenchimento do objeto é mais produtiva na amostra para, depois,
analisar a ordem dos clíticos. Em outras palavras, busca-se relativizar a presença dos
clíticos de terceira pessoa em relação às demais possibilidades de preenchimento.
O tema do preenchimento do objeto foi investigado por diversos pesquisadores,
dentre eles, OMENA (1978), PEREIRA (1981) DUARTE (1986), GALVES (1984;
1988), CORREIA (1991); MONTEIRO (1994); AVERBUG (2000).
Na presente pesquisa, para a análise da produtividade, constituiu-se um corpus
com 396 dados, também oriundo das 360 redações (180 textos narrativos e 180 textos
dissertativos) de alunos de escolas públicas e privadas, da cidade do Rio de Janeiro.
Observou-se o uso de clíticos acusativos em oposição a outros tipos de preenchimento.
As estratégias de preenchimento observadas foram as seguintes:
mesmo SN: (17) “O adolescente comprava a droga e oferecia a droga para mim.”
65
outro SN: (18) “Ele passou a usar a droga... e sempre usava essa porcaria.”
pronome reto: (19) “E meu amigo já estava no mundo do crime há muito tempo, com os 'policia' já querendo mata ele.”
clítico acusativo: (20) “Descobriu que a droga é uma droga, que nunca o ajudou.”
categoria vazia: (21) “Entrou para o mundo das drogas, comprava* e não pagava*”
De acordo com as referidas estratégias de preenchimento, a distribuição geral dos
dados de produtividade apresenta-se da seguinte forma:
Tipo de preenchimento
Oco. Valor percentual
mesmo SN: 66/396 17%
outro SN: 23/396 06%
pronome reto: 78/396 20%
clítico acusativo: 147/396 37%
categoria vazia: 82/396 21%
Tabela 1: Distribuição geral dos dados quanto às estratégias de preenchimento do objeto
De modo geral, chama a atenção o fato de a estratégia de preenchimento do
objeto por clítico obter o índice mais alto: 37%. As demais variantes – se forem
amalgamados os fatores que abrangem sintagma nominal – ocorrem em cerca de 20%
(23%: SNs; 20%: pronome reto; e 21%: categoria vazia.).
66
A fim de compreender melhor a distribuição dos referidos dados pelas variantes
relativas ao preenchimento do objeto, foram, também, quantificadas as ocorrências de
acordo com as variáveis extralingüísticas consideradas neste trabalho.
a) Uso do clítico em relação ao tipo de escola: Pública / Privada
A comparação entre a produção de textos em uma escola particular e uma pública
deu-se com a intenção de observar em qual delas o uso dos clíticos seria mais produtivo.
Acreditava-se que, nos textos da escola particular, a produtividade do uso dos clíticos
fosse maior do que na escola pública, pelo menos no que se refere às séries iniciais.
Tipo
de escola
mesmo SN sinônimo pron. reto clítico vazio
oco. freq. oco. freq. oco. freq. oco. freq. oco. freq.
pública 46/239 19% 17/239 07% 62/239 26% 67/239 28% 47/239 20%
particular 20/157 13% 06/157 04% 16/157 10% 80/157 51% 35/157 22%
Tabela 2: Freqüência das diferentes estratégias de preenchimento do objeto direto anafórica quanto ao tipo de escola
As ocorrências de clítico e seu percentual de uso foram bem maiores na escola
particular. Essa significativa diferença talvez possa estar refletindo procedimentos
metodológicos variados quanto à valorização da norma por parte desses
estabelecimentos.
A tabela acima demonstra que estratégias não-estigmatizadas, como o uso de
mesmo SN, SN sinônimo ou o não-preenchimento do objeto direto anafórico, não
apresentam diferença percentual relevante quanto ao tipo de escola. A estratégia mais
67
padrão (uso do clítico) é a mais produtiva tanto na escola pública quanto na escola
particular. Há, no entanto, uma diferença de 23 pontos percentuais entre ambas,
demonstrando que, na escola particular, o uso do clítico – que surpreendentemente
corresponde à metade dos dados (51%) – é bem mais produtivo do que na escola
pública (28%). Percebe-se, também, que a estratégia mais estigmatizada
(preenchimento do objeto com pronome reto) é mais freqüente na escola pública (26%)
do que na escola privada (10%).
b) Uso do clítico em relação ao gênero do informante: masculino / feminino
A hipótese que sustenta a comparação entre o uso e a ordem dos clíticos por
homens e mulheres, conforme se verifica em outros estudos, é a de que as mulheres
sejam menos conservadoras, isto é, adotem formas inovadoras, em se tratando de fatos
lingüísticos cuja mudança não afete o prestígio da variante. Assim sendo, acredita-se
que, entre as estratégias de preenchimento anafórico, as alunas utilizem o clítico com
maior produtividade do que os alunos, tendo em vista que as diferentes estratégias de
preenchimento do objeto refletem diferentes valorações sociais.
Gênero do informante
mesmo SN sinônimo pron. reto clítico vazio
oco. freq. oco. freq. oco. freq. oco. freq. oco. freq.
Masculino 31/148 21% 11/148 07% 21/148 14% 62/148 42% 23/148 16%
Feminino 35/248 14% 12/248 05% 57/248 23% 85/248 34% 59/248 24%
Tabela 3: Freqüência das diferentes estratégias de preenchimento do objeto direto anafórico quanto ao gênero do informante
68
Embora com uma diferença percentual pouco acentuada com relação ao uso do
clítico, os percentuais demonstram que as alunas não só utilizaram menos o clítico
pronominal (34%) do que os alunos (42%), mas também empregaram mais o pronome
reto (23%) – a forma estigmatizada – do que os homens (14%). No entanto, observando
a tabela de uma forma geral – sem dar relevância às estratégias consideradas, de um
lado a mais valorizada socialmente (o clítico), de outro, a mais estigmatizada (o
pronome reto) –, percebe-se que as mulheres, por exemplo, apesar de empregarem o
pronome reto em maior número que os homens, deixam a posição de objeto vazia (a
estratégia inovadora menos estigmatizada) em maior número que os homens.
A fim de compreender melhor os resultados obtidos para a variável gênero do
informante, procede-se ao cruzamento dos grupos de fatores gênero e escolaridade,
cujos resultados se expõem na tabela a seguir:
Série
mesmo SN sinônimo pron. reto clítico vazioMasc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc FemOco.Freq.
Oco.Freq.
Oco.Freq.
Oco.Freq.
Oco.Freq.
Oco.Freq.
Oco.Freq.
Oco.Freq.
Oco.Freq.
Oco.freq.
Quarta 10/17
59%
17/91
19%
00/17
00%
01/91
01%
02/17
12%
44/91
48%
04/17
24%
11/91
12%
01/17
06%
18/91
20%
Oitava 06/66
09%
08/63
13%
05/66
08%
03/63
05%
16/66
24%
10/63
16%
23/66
35%
17/63
27%
16/66
24%
25/63
40%
Terceira 15/65
23%
10/94
11%
06/65
09%
08/94
09%
03/65
05%
03/94
03%
35/65
54%
57/94
61%
06/65
09%
16/94
17%Tabela 4: Freqüência das diferentes estratégias de preenchimento do objeto diretocom base no cruzamento das variáveis gênero e escolaridade.
69
Observando-se o comportamento de cada gênero em relação à escolaridade, pôde-
se perceber que o comportamento aparentemente instável das mulheres em relação à
adoção de estratégias mais ou menos padrão fica, de certa forma, atenuado. As
mulheres, com o aumento da escolaridade, passam a adotar a variante clítica de forma
mais acentuada (da 4ª série do ensino fundamental para a 3ª série do ensino médio,
aumentam 46 pontos percentuais) do que os homens (aumentam 30 pontos percentuais).
Em relação à variante mais estigmatizada, as mulheres reduzem drasticamente seu uso –
de 48% para apenas 3%; já os homens registram um comportamento mais instável – de
12% passam a 24% e reduzem a 5%.
Esses resultados levam a crer que o inovadorismo e a conservação do
comportamento feminino em relação ao masculino precisa ser observado de forma mais
detalhada nos estudos sociolingüísticos, por meio de uma investigação pormenorizada
da inter-influência de variáveis, especialmente as extralingüísticas, propósito que não
cabe nos limites desta pesquisa.
c) Uso do clítico em relação à escolaridade: 4ª série EF / 8ª série EF/ 3ª série EM
Toma-se por hipótese que o uso de clíticos seja proporcional ao aumento do
nível de escolaridade, pelo fato de os alunos da 3ª série do EM terem tido maior
exposição à norma padrão.
70
Série mesmo SN sinônimo pron. reto clítico vazio
oco. freq. oco. freq. oco. freq. oco. freq. oco. freq.
Quarta 27/108 25% 01/108 01% 46/108 43% 15/108 14% 19/108 18%
Oitava 14/129 11% 08/129 06% 26/129 20% 40/129 31% 41/129 32%
Terceira 25/159 16% 14/159 09% 06/159 04% 92/159 58% 22/159 14%
Tabela 5: Freqüência das diferentes estratégias de preenchimento do objeto direto anafóricoquanto à série escolar
A tabela demonstra que a escolha do clítico em detrimento de outras estratégias
anafóricas é evidente na escrita dos alunos de terceiro ano, o que mais uma vez
comprova a hipótese de que a escolaridade influencia nessas escolhas. Os índices
passam de 14%, na quarta série, para 31%, na oitava, e alcançam 58% das ocorrências,
no 3º ano.
Quanto ao pronome reto, verifica-se que tal estratégia passa a ser evitada com o
aumento da escolaridade: de 43%, na quarta série, passa-se a 4%, no 3º ano.
Embora se costume esperar que os alunos do terceiro ano não se utilizem dessa
estratégia, seis ocorrências surgiram no “corpus”:
(22) “Só não entendia por que achavam ele diferente.”
(23) “Lá conheci Fernando (...) estava indo em direção para fora do show, quando
vejo ele.”
(24) ”...eles viriam e matariam ele e sua mãe.”
(25) “...os que encontravam ele na rua”
(26) “Levei ele para casa.”
(27) “...foi aí que a diretora pegou ele em flagrante.”
71
Duas observações precisam ser feitas com relação aos exemplos citados acima: a
primeira é a de que todos foram retirados de textos narrativos, o que poderia determinar
uma certa proximidade com a oralidade, e a segunda é que todos pertencem a textos de
alunos de escola pública.
Percebe-se, ainda, que, da quarta série para o terceiro ano, a utilização do mesmo
SN cai 14 pontos percentuais, indicando que os alunos, ao longo de sua trajetória
escolar, adquirem um vocabulário mais extenso, deixando de lado, de certa forma, as
repetições quando se referem a estratégias anafóricas. Tal evidência pode ser
comprovada pela aquisição de SN sinônimo, que cresce de 01% para 09%, passando por
06% na oitava série do Ensino Fundamental.
Uma primeira conclusão que se pode tirar da análise da produtividade é a de que
o uso dos clíticos acusativos não foi tão baixo quanto se esperava e que a escola vem
contribuindo para implementar essa estratégia de preenchimento do objeto direto na
escrita dos estudantes, uma vez que, conforme apontam estudos específicos sobre o
tema (NUNES, 2003, entre outros), os clíticos acusativos de 3ª pessoa não fazem parte
do vernáculo brasileiro.
Embora as demais pesquisas sobre o preenchimento do objeto não tenham
tratado corpora equivalentes, cabe, aqui, a título de curiosidade, uma breve comparação
dos índices obtidos neste trabalho com os de DUARTE (1986), CORRÊA (1991) e
AVERBUG (2000), resguardadas suas especificidades. Deve-se lembrar que o presente
trabalho não tem o objetivo de esgotar o tema da produtividade e sim o de perceber o
fenômeno da colocação pronominal como um tema aliado à produtividade, já que o tipo
de clítico costuma exercer influência sobre a ordem.
72
PESQUISA
SN pron. reto clítico vazio
freq. freq. freq. freq.
DUARTE(1986) 17.1% 15.4% 4.9% 62.6%
CORRÊA (1991) 17% 14% 9% 60%
AVERBUG(2000) 49% 07% 14% 30%
MACHADO (2006) 23% 20% 37% 21%
Tabela 6: Freqüências relativas a diferentes estratégias de preenchimento do objeto em quatro pesquisas de natureza sociolingüística
Primeiramente, percebe-se que, no intervalo de vinte anos que separam os
trabalhos de DUARTE (1986) e o presente estudo, os índices percentuais de categoria
vazia foram progressivamente diminuindo.Deve-se observar, no entanto, que os
percentuais de DUARTE referem-se à fala. De outro lado, os índices de preenchimento
com clíticos – excetuando-se o trabalho de CORRÊA (1991), que registra valor menor
do que o de DUARTE (1986) –, tendem a se elevar com o tempo. Somente uma
investigação mais minuciosa poderá responder se a escola realmente teve atuação
efetiva nesse caso.
De todo modo, os resultados obtidos precisam ser relativizados, tendo em vista
que as estratégias motivacionais para a composição dos corpora dos estudos são
diferentes. CORRÊA (1991), por exemplo, parte da elaboração de um texto narrativo,
enquanto os resultados do presente estudo levam em conta textos tanto narrativos
quanto dissertativos. O presente trabalho limita-se a analisar a modalidade escrita,
diferentemente dos demais, que também analisam a modalidade oral.
73
d) Uso do clítico em relação ao tipo de texto: Narração/ Dissertação
A hipótese que sustenta a variável é a de que, nas dissertações, a produtividade do
clítico seria maior, dado o caráter mais formal desse tipo de texto. Como no texto
narrativo se utilizam estruturas que reproduzem características da oralidade, a hipótese é
a de que o uso de SNs e pronomes retos como estratégias de preenchimento seria muito
maior. De acordo com NUNES (2003), os clíticos acusativos de terceira pessoa, não
fazendo parte do vernáculo do PB e sendo adquiridos no desenvolvimento escolar,
talvez sejam pouco utilizados em recursos anafóricos pelos alunos. A mesma hipótese
encontra sustento no argumento de MONTEIRO (1994), de que as formas o, a (s)
estejam sendo abandonadas na linguagem coloquial.
Tipo de texto
mesmo SN sinônimo pron. reto clítico Vazio
oco. freq. oco. freq. oco. freq. oco. freq. oco. freq.
dissertativo 30/100 30% 08/100 08% 06/100 06% 41/100 41% 15/100 15%
narrativo 36/296 12% 15/296 05% 72/296 24% 106/296 36% 67/296 23%
Tabela 7: Freqüência das diferentes estratégias de preenchimento do objeto direto anafórico quanto ao tipo de texto
Observando as possibilidades de preenchimento do objeto em relação ao tipo de
texto na tabela acima, verifica-se que as retomadas anafóricas por meio do clítico são
um pouco mais produtivas na dissertação (41%) do que na narração (36%). Esse
resultado pode estar em consonância com o fato de o texto dissertativo ser mais
trabalhado pela escola, especialmente nas séries mais avançadas.
O texto narrativo, dada a presença de muitos diálogos, acaba por registrar mais
variantes lingüísticas que se aproximam da oralidade, o que favorece a coloquialidade e,
por conseqüência, conforme propõe MONTEIRO (1994:170-173), o menor uso do
74
clítico e o maior emprego do pronome reto. Nesse sentido, a tabela apresenta um
percentual de preenchimento do objeto direto anafórico com o pronome reto muito mais
elevado em textos narrativos (24%) do que em dissertativos (6%). Observa-se, então,
que, nos textos narrativos, parece ser menor a preocupação em evitar formas
estigmatizadas.
Para melhor conhecer a distribuição dos dados, procedeu-se ao cruzamento dos
grupos de fatores tipo de texto e escolaridade (cf. tabela 8, abaixo), tendo-se obtido os
seguintes resultados:
(a) Na quarta série, o mesmo SN é a estratégia de preenchimento predominante nas
dissertações, enquanto, nas narrativas, prevalece o pronome reto (61%). O uso do
clítico, em ambos os tipos de texto, é idêntico: 14%.
(b) Na oitava série, em dissertações, só ocorre o clítico acusativo, devendo-se, no
entanto, ressaltar que pequeno é o número de dados (12). Em narrativas, embora
predomine a categoria vazia (35%), o clítico (24%) e o pronome reto (22%) estão em
concorrência.
(c) Na terceira série, em dissertações, as estratégias de preenchimento do objeto
são mais variadas, embora nela predomine o clítico (50%) e não ocorra o pronome reto,
a exemplo do que se verificou na oitava série. Em narrativas, também o clítico é a
estratégia mais utilizada (61%), com baixíssima freqüência do pronome reto (5%), a
mesma que se obtém para sinônimo.
75
série 4ª série 8ª série 3ºanotipo de texto
Dissertação Narração Dissertação Narração Dissertação Narração
mesmo SN
20/4248%
07/6611%
00/1200%
14/11712%
10/4622%
15/11313%
sinônimo 00/4200%
01/6602%
00/1200%
08/11707%
08/4617%
06/11305%
pron. reto
06/4214%
40/6661%
00/1200%
26/11722%
00/4600%
06/11305%
clítico 06/4214%
09/6614%
12/12100%
28/11724%
23/4650%
69/11361%
cat. vazia 10/4224%
09/6614%
00/1200%
41/11735%
05/4611%
17/11315%
Tabela 8: Freqüência das diferentes estratégias de preenchimento do objeto diretocom base no cruzamento das variáveis tipo de texto e escolaridade.
Confrontando-se a estratégia privilegiada pela gramática tradicional (o clítico) e a
por ela mais estigmatizada (o pronome reto), pode-se concluir que os estudantes, ao
longo do processo de escolarização, não só se vão familiarizando com o uso dos clíticos
e adequando seu emprego aos diferentes tipos de texto, mas também se vão dando conta
das estratégias mais ou menos estigmatizadas. Para maior clareza do que aqui se expôs,
formulou-se uma escala de produtividade (ascendente e/ou descendente) das duas
referidas estratégias, por tipo de texto, partindo-se da série inicial para a final, com base
nos dados percentuais da tabela 8.
(a) Dissertações: Pronome reto – 14% → 00% → 00%
Clítico – 14% → 100%→ 50%(b) Narrativas: Pronome reto – 61% → 22% → 05%
Clítico – 14% → 24% → 61%
De modo geral, os diversos estudos sobre o tema do preenchimento têm
demonstrado que o clítico acusativo, apesar de não ser produtivo na fala, aparece com
76
expressiva freqüência na modalidade escrita. O presente estudo confirma e até acentua
essa tendência, já verificada em outros estudos com redações escolares, sugerindo que a
escola acaba por implementar a estrutura com o clítico acusativo de 3ª pessoa.
RAMOS & DUARTE (2003) acreditam que a recuperação do clítico por parte da
escola aconteça essencialmente pela prática da leitura, além das atividades de produção
textual, que promovem a adoção dessas formas pronominais. Com base nessas
considerações, as autoras defendem a inclusão do tema na “agenda escolar”:
É importante ressaltar que a própria ocorrência sistemática de clíticos nos textos atuais, escritos por brasileiros, ainda que pouco freqüente, constitui, por sua vez, uma evidência de que esse traço faz parte do sistema lingüístico que o usuário do português brasileiro possui. (RAMOS & DUARTE, 2003: 95)
Sem dúvida, o papel da escola na apresentação de estruturas pouco utilizadas na
modalidade oral – seja pelas atividades de leitura e produção textual, seja pelas
atividades sistematicamente programadas para o trabalho com os recursos lingüísticos
empregados nos textos – é fundamental. Desse modo, assume-se, nesta pesquisa, o
pressuposto adotado em VIEIRA (2004:179) de que o contexto escolar deve promover o
contato do aluno com o maior número de variantes possíveis em relação aos diversos
fenômenos variáveis, consoante a diversidade de tipos e gêneros textuais, modalidades,
variedades e registros. Assim, o estudante poderá utilizar-se das diversas opções,
quando julgar necessário, e/ou reconhecê-las nos textos contemporâneos ou de outras
sincronias.
Com base nesses pressupostos, supõe-se que os professores devam ter acesso a
informações seguras a respeito dos contextos condicionadores de diversos fenômenos
77
variáveis para que, a partir de tais resultados, possam desenvolver seu trabalho em bases
mais seguras.
4.2. A ordem
4.2.1 Descrição das variáveis
A hipótese geral que norteia a pesquisa é a de que a ordem dos clíticos que se
observa nas redações escolares não corresponderia aos padrões preconizados pela
gramática tradicional, sobretudo no que toca ao emprego da ênclise, já que a próclise
seria preferencialmente usada na escrita dos estudantes.
Para investigar tal hipótese, definiram-se as variáveis a seguir.
4.2.1.1 Variável dependente
Próclise ou variante pré-verbal
(28) “Certo dia, Sani saía da universidade e seus amigos a convidaram para uma
festa.”
(29) “Um dia, quando sóbrio, sua mãe o levou para o Narcóticos Anônimos.”
(30) “ Me senti super mal no meio de tantos adolescentes irresponsáveis.”
(31) “... então a menina se tornou uma pessoa agressiva.”
Ênclise ou variante pós-verbal
(32) “Vejo-me, neste momento, em uma cadeira de rodas...”
(33) “Trata-se de um grande amigo, na verdade, quase um irmão.”
78
(34)“ A vida é bela e não vale a pena desperdiçá-la.”
(35)“Meu tio é um sujeito bom, ele levou-o com ele para ir trabalhar.”
Mesóclise ou variante intra-verbal
(36) Mudar-se-ia de cidade caso fosse necessário.6
4.2.1.2 Variáveis independentes
A) Variáveis extralingüísticas (sociais):
a) Modalidade da escola: Pública/ Privada
Partiu-se da hipótese de que as propostas de cada escola influiriam no fenômeno –
a da escola pública, mais globalizante, baseada nos PCNs e voltada para a produção
textual, e a da escola privada, com uma proposta mais específica de conhecimento
gramatical, com a utilização de nomenclaturas e conceitos tradicionais. Desse modo, o
comportamento dos alunos da escola particular, quanto à ordem dos clíticos, estaria
mais próximo ao preconizado pela norma padrão, e se registraria maior uso de ênclise
nos contextos sem a presença de elementos ‘atratores’.
b) Gênero: Masculino/Feminino
A hipótese que sustenta a investigação da ordem dos clíticos por homens e
mulheres, conforme se apontou no estudo da produtividade, é a de que os homens sejam
6 Embora constitua uma das realizações possíveis para a colocação pronominal, não foram encontrados exemplos de mesóclise no corpus.
79
menos conservadores e as mulheres mais conservadoras em se tratando de fatos
lingüísticos cuja mudança não afete o prestígio da variante. Assim sendo, as mulheres
empregariam mais a variante pós-verbal, especialmente nos contextos indicados nas
gramáticas tradicionais.
c) Nível de escolaridade: 4ª série EF / 8ª série EF / 3ª série EM
Acredita-se que, com o aumento do nível de escolaridade, se encontre maior uso
de pronomes enclíticos, pelo fato de os alunos da 3ª série do Ensino Médio (EM), terem
tido maior exposição à norma padrão do que os do Ensino Fundamental (EF).
d) Tipo de texto: Narração/ Dissertação
A hipótese que sustenta essa variável é a de que, no texto dissertativo, haverá
maior ocorrência de ênclise, devido ao caráter formal que este tipo de texto “exige” e
pelo fato de essa exigência ser freqüentemente reforçada pela escola.
B) Variáveis lingüísticas:
a) Tipo de clítico
Os tipos de clíticos analisados foram os seguintes:
o, a, os, as (37) “ Quando encontravam com ele na rua fingiam que não o conheciam...”
me (38) “Ele me disse que estava numa boa...”
te (39) “Não te interessa!”
80
se reflexivo (40) “Aproximadamente aos 17 anos ele se envolveu com drogas.”
se apassivador (41) “Estava se tornando uma situação difícil de se controlar.”
se indeterminador (42) “É preciso conversar bastante para que assim se chegue a um comum acordo”
se inerente (43) “Eles depois não teriam do que se queixar .”
lhe/ lhes (44) “E para ele ficar calmo lhe deram o bagulho pra fumar”
nos (45) “Ele nos mostrou um quarto dizendo que nós podíamos passar a noite ali.”
vos * não foi encontrada qualquer ocorrência no corpus
Para o tipo de clítico, há várias hipóteses:
▪ A primeira diz respeito ao clítico acusativo de 3ª pessoa. Conforme já citado na
seção relativa à produtividade, de acordo com NUNES (2003), os clíticos acusativos
de terceira pessoa não fariam parte do vernáculo do PB e seriam adquiridos no
desenvolvimento escolar. Desse modo, supõe-se que eles favoreçam, também quanto à
ordem, a realização tida como mais padrão, a ênclise, pelo fato de seu emprego estar
condicionado à aquisição da norma prescrita pela escola. Além disso, deve-se lembrar
que o pronome o/a (s), que ocorre bastante após infinitivo verbal, recupera, em posição
de ênclise, o padrão de sílaba mais comum na língua portuguesa, “consoante–vogal”
(CV), expresso em “lo” (ou em “no”, quando o pronome segue formas terminadas em
consoante nasal).
81
▪ A segunda, relativa à forma pronominal se, baseia-se na proposta de
MONTEIRO (1994) de que a tendência para a ênclise se daria com o se apassivador;
desta forma, observa-se, neste estudo, a tendência à ênclise em suas diferentes funções:
indeterminador, apassivador, reflexivo ou inerente.
A hipótese pode ser respaldada pela explicação de VITRAL (2003), em seu
estudo sobre gramaticalização, para a entrada da partícula SE na língua. De acordo
com VITRAL (2003: 186-187), o clítico SE, que, no português atual, participa de um
bom número de construções, é originário do pronome reflexivo latino SE, acusativo (e
ablativo), que, por sua vez, se vincula à raiz indo-européia *SE. SE, a partir da
construção reflexiva, expandiu-se na língua de maneira a formar, inicialmente, a
chamada construção passiva –se, com concordância e, posteriormente, a construção
conhecida como se impessoal. Essa construção se-impessoal, como se sabe, apresenta
seu sujeito indeterminado e se expande no português, seguindo, provavelmente, de
acordo com NUNES apud VITRAL (1990: 95), a ordem seguinte:
a)verbos transitivos diretos usados intransitivamente (ex.: Come-se muito no
inverno.);
b)verbos intransitivos (ex.: Trabalha-se bastante nesse lugar.);
c)verbos transitivos preposicionados (ex.: Precisa-se de empregados.);
d)verbos de ligação (ex.: É-se feliz quando se é jovem.);
e)verbos ergativos (ex.: Chegou-se tarde à reunião.);
f)verbos em construções passivas perifrásticas (ex.: Aqui se é visto por todos.);
Seguindo, desta forma, de acordo com a hipótese, um padrão mais enclítico;
82
▪ A terceira hipótese diz respeito aos clíticos de primeira (me, nos) e segunda
pessoas (te), que, por se referirem às pessoas do discurso, receberiam maior destaque e
ocupariam, assim, a posição mais proeminente. Desse modo, tenderiam à próclise.
▪ A quarta e última hipótese diz respeito ao lhe(s). Como esse pronome, à
semelhança do que ocorre com o, a(s), é adquirido “artificialmente”, em contexto
escolar, é de se esperar que ele apareça na posição preferida pela norma-padrão, a
enclítica.
b) Tipo de oração
Para a análise dos contextos, foram destacados os seguintes fatores:
principal (46) “Eu o chamei para ir ao Shopping....”
assindética (47) “Mas, alguns dias depois o seu pai o achou na boca de uma favela, seu pai o pegou, levou para casa e bateu muito nele.”
absoluta (48) “Não desperdice-a.”
coordenada sindética (49) “A população tem medo de sair nas ruas e em casa se tracam (sic) com medo.”
subordinada desenvolvida adjetiva (50) “Todos os exemplos positivos ou negativos nos transmiti a força que nos passam.”
subordinada desenvolvida completiva (51) “Abracei-o e finalmente disse que o amava.”
subordinada desenvolvida adverbial (52) “Eu sempre vou torcer para que tudo se resolva e dê certo.”
83
subordinada reduzida de gerúndio (53) “ Cada vez usava mais drogas a cada dia morria um pouco se isolando do mundo.”
subordinada reduzida de infinitivo (54) “Sani e seus amigos sempre saíam para se divertir.”
subordinada reduzida de particípio * não foi encontrada qualquer ocorrência no corpus
As hipóteses em que se baseia a formulação desta variável são as seguintes:
i)em orações subordinadas, o uso de ênclise seria menor, visto que o contexto
sintático de subordinação (que apresenta conectivo como “atrator”) favoreceria a
próclise;
ii)em orações absolutas, principais ou coordenadas, a próclise ou a ênclise seriam
favorecidas pelo contexto: a próclise e a ênclise ocorreriam de acordo com a
presença ou a ausência de atrator no contexto.
iii)em orações reduzidas, a hipótese é a de que prevaleça a ênclise - nas reduzidas
de infinitivo principalmente, pelo contexto da forma verbal.
84
c) Ausência / presença e tipo de atrator
A questão da “atração vocabular” é bastante controversa na Língua Portuguesa.
As Gramáticas Normativas, de certa forma, alegam ser o fenômeno um assunto da
alçada da sintaxe. Desde Cândido de Figueiredo, gramáticos afirmam ser a ênclise a
posição natural, podendo ser alterada quando da ocorrência de determinadas palavras
que atraem o pronome. SAID ALI (1927), no entanto, apesar de considerar também a
ênclise como colocação normal, explica as alterações como sendo de base prosódica, o
que Bechara confirma, além de afirmar a existência de um complexo de fatores
sintáticos que também afeta o fenômeno. Neste trabalho, interessa verificar a presença
dos chamados proclisadores, independentemente da questão prosódica, já que se trata de
modalidade escrita. Desta forma, entende-se que a presença dos chamados elementos
proclisadores constituiria um contexto desfavorável à ênclise.
nenhum atrator (55)“Afastou-se dos amigos de infância...”
SN sujeito nominal (56)“...alguns amigos a convidaram para uma festa que estava acontecendo naquele exato momento.”
SN sujeito pronome pessoal (57)“... fui para um baile ‘chapa-quente’, e eu me senti o rei.”
SN sujeito pronome indefinido
(58)“...onde não conhecia ninguém e ninguém o conhecia.”
SN sujeito pronome demonstrativo
* não foi encontrada qualquer ocorrência no corpus
conj. coordenada aditiva (59) “...ficava ligadão e me sentia o dono do mundo.”
85
conj. coordenada alternativa * não foi encontrada qualquer ocorrência no corpus
conj. coordenada conclusiva * não foi encontrada qualquer ocorrência no corpus
conj. coordenada explicativa * não foi encontrada qualquer ocorrência no corpus
adv. curtos, como aqui * não foi encontrada qualquer ocorrência no corpus
outros adv., como sempre (60) “Sua mãe (que era muito minha amiga) sempre me ligava.”
adv. terminados –mente (61) “Inexplicavelmente nos apaixonamos, e em menos de um mês já estávamos prometendo juras de amor.”
loc. adverbial (62) “Mais tarde se tornaram amigos...”
elemento denotativo (63) “...você não pensa em nada, você quer só se drogar.”
prep. a (64)“...e que leva os adolescentes a se envolverem com drogas e prostituição...”
prep. para (65) “... fizeram tudo o que estava ao alcance de suas condições para ajudá-la.”
prep. de (66) “estava na obrigação de ajudá-lo”
prep. por (67) “...mas que nunca me agradeceu por fazê-lo feliz.”
prep. sem (68) “... sem me preocupar com o que as pessoas irão pensar.”
prep. em * não foi encontrada qualquer ocorrência no corpus
86
part. de negação (69) “Não me esqueço até hoje o dia em que ele saiu da clínica.”
conj. subordinativa (70) “Quando se deu conta já estava envolvido com esse mundo das drogas.”
conj. integrante se * não foi encontrada qualquer ocorrência no corpus
conj. integrante que (71) “Eu não sabia que se conheciam.”
pronome relativo que (72) “ Meus amigos não tinham mais o gosto de viver e a única coisa que lhes faziam bem eram as drogas.”
locução conjuntiva (73) “Depois que se curou, voltou pra casa dos pais.”
palavra QU pronominal (74) “A vida é um dom muito precioso e foi Deus quem nos deu.”
palavra QU adverbial (75) “Quando fala-se de Brasil questiona-se logo a política.”
pron. adv. relativo (76) “... pedir ajuda numa clínica, onde internaram-o (sic) a força.”
d) Distância entre atrator e clítico
Testa-se a hipótese de que quanto mais distante o atrator estiver do clítico, maior
será a ocorrência de ênclise. Isto porque o efeito da chamada atração seria atenuado.
nenhuma sílaba (77) “Um menino que a viu disse que ela estava embriagada.”
87
1 sílaba (78) “Fugiu da polícia até que entrou numa rua e ninguém mais o viu”
2 sílabas (79) “Sua mãe conheceu um homem que logo tornou-se seu padrasto.”
3 sílabas (80) “A população tem medo de sair nas ruas e em casa se tracam com medo”
4 sílabas (81) “Só desse jeito se arrepende de ter feito tanta maldade.”
5 sílabas (82) “E ofereceram uma parada a menina, algo que segundo eles a faria relaxar e esquecer os problemas.”
6 sílabas (83) “Fabrício ao cair na real se viu numa grande roubada.”
de 7 a 10 sílabas (84) “E os amigos explicaram que para ele ficar calmo lhe deram o bagulho para fumar...”
de 11 sílabas em diante (85) “As pessoas não admitem que uma criança que sofre espancamento se torne um adulto diferente.”
e) Tempo/modo da forma verbal
As hipóteses que norteiam a análise das formas verbais são as seguintes:
▪ Os tempos do indicativo seriam neutros quanto à ordem dos clíticos
pronominais. Assim, outros fatores no contexto da própria oração, como, por exemplo, a
presença ou ausência de atrator, atuariam, ou seja, prevaleceriam sobre o tempo/modo
verbal.
88
▪ Os tempos do subjuntivo favoreceriam a próclise devido a sua natureza
subordinativa e ao próprio fato de ocorrerem em orações que demandam conjunções e
palavras QU, vocábulos favorecedores da próclise.
▪ As formas verbais no infinitivo favoreceriam a ênclise, especialmente quando
acompanhadas dos pronomes o, a, os e as.
As formas verbais analisadas foram as seguintes:
Presente do Indicativo (86) “Não me esqueço até hoje o dia em que ele saiu da clínica.”
Pretérito Perfeito do Indicativo (88) “...um tiro certeiro na cabeça o matou sem tempo de chorar.”
Pretérito Imperfeito
do Indicativo
(89) “Uma pessoa que se dizia meu amigo...”
Pretérito Mais-que-Perfeito do Indicativo
(90) “Márcio percebeu no que se metera.”
Futuro do Presente
do Indicativo
(91) “Uma droga se tornará mais fraca do que a outra.”
Futuro do Pretérito
do Indicativo
(92) “... contando a ele que se sentiria melhor.”
Presente do Subjuntivo * não foi encontrada qualquer ocorrência no corpus
Pretérito Imperfeito
do Subjuntivo
(93) “...resolvi ficar em casa e prestar atenção para que nada me acontecesse.”
89
Futuro do Subjuntivo (94) “Quando se encontrarem em uma situação difícil, vão correr para seus pais.”
Imperativo (95) “Não desperdice-a!”
Infinitivo (96) “...ele foi encaminhado para uns ‘isames’ e tratamento psicológico para se tratar com ‘cauma’.”
Gerúndio (97) “Não agüentava ver ela se afundando e cada vez pior.”
Particípio *não foi encontrada qualquer ocorrência no corpus
f) Tonicidade do verbo
Historicamente, constata-se a diferença entre o Português do Brasil e o Português
Europeu em relação à ordem dos clíticos. Segundo MONTEIRO (1994), essa diferença
se dá pelo ritmo próprio que cada uma dessas variedades lingüísticas passou a
desenvolver.
De acordo, ainda, com MONTEIRO (1994:195), os vocábulos fonológicos
paroxítonos instituem “um padrão de ritmo binário” que constitui um importante fator
estrutural para a colocação dos clíticos no PB.
A hipótese em que se fundamenta essa variável é a de que, com verbos
paroxítonos, a próclise seja preferencial para a manutenção dessa “pauta
paroxitonizante” do PB, enquanto verbos oxítonos favoreceriam a ênclise pela mesma
razão.
90
As formas verbais foram controladas, para a análise, da seguinte forma:
monossílabo (98) “Nem tudo está perdido, um menino que a viu no colégio se apaixonou.”
oxítono (99) “Minha tia disse que tudo começou depois que ela se envolveu com umas pessoas estranhas...”
paroxítono (100) “Inexplicavelmente nos apaixonamos, e em menos de um mês já estávamos prometendo juras de amor.”
proparoxítono (101) “Nós tínhamos quinze anos, íamos para a escola, e depois nos encontrávamos em uma praça.”
Após a apresentação das hipóteses e dos grupos de fatores constitutivos das
variáveis, passa-se à análise dos dados.
4.2.2 Ordem: resultados gerais
Para o estudo específico da ordem dos pronomes átonos, computaram-se 590
ocorrências, dentre as quais 118 são de pronomes enclíticos (20%) e 472 de pronomes
proclíticos (80%).
Percebe-se a preferência dos estudantes pelo uso da próclise, tendência apontada
por VIEIRA (2002), cujo estudo apresenta, na modalidade oral, 89% de próclise e 11%
de ênclise; na modalidade escrita jornalística, os dados não demonstram essa diferença,
tendo sido registrados 54% de próclise e 46% de ênclise.
91
A ordem dos clíticos
Ênclise 20%
Próclise 80%
Gráfico 1: A ordem dos clíticos pronominais em redações escolarescom base em 590 dados.
A partir da análise de regra variável, verificaram-se os fatores favorecedores da
ênclise na totalidade da amostra.
Apresentam-se, a seguir, as variáveis selecionadas – para um input geral de
ênclise de 0,094 e uma significância de 0,009 – com seus valores absolutos, percentuais
e relativos segundo a ordem de seleção. Sempre que necessário, apresentam-se os
valores obtidos para cada fator segundo a versão inicialmente proposta para a variável.
Após a análise desses índices iniciais, expõem-se os resultados segundo a versão final
proposta para o grupo de fatores.
92
4.2.2.1. Variáveis selecionadas
(A) P PRESENÇARESENÇA OUOU AUSÊNCIAAUSÊNCIA DEDE ATRATORATRATOR
A tabela a seguir diz respeito à primeira versão da variável, com a distribuição dos
dados de ênclise em relação a cada um dos fatores.
Tipo de atrator Oco. Valor percentual
nenhum 45/77 58%
SN suj. nominal 18/129 13%
SN suj. pronome pessoal 02/56 03%
SN suj. pron. indefinido 01/13 07%
SN suj. pron. demonstrativo 01/04 25%
Conj. Coord. ADITIVA 07/40 17%
Conj. Coord. ALTERNATIVA 02/02 100%
Conj. Coord. ADVERSATIVA 00/01 0%
Conj. Coord. CONCLUSIVA - -
Conj. Coord. EXPLICATIVA - -
S. Adv. AQUI - -
S. Adv. SEMPRE 00/06 0%
S. Adv. term. -MENTE 02/06 33%
loc adv. 05/22 22%
elemento denotativo 02/23 08%
prep. A 01/08 12%
prep. PARA 08/30 26%
prep. DE 08/19 42%
prep. POR 04/04 100%
93
Tipo de atrator Oco. Valor percentual
prep. SEM 00/02 0%
prep. EM - -
partícula de negação 04/52 07%
conj. subordinativas 01/06 16%
conj. integrante SE - -
conj. integrante QUE 05/11 45%
pron. relativo QUE 01/63 01%
loc. conjuntiva 00/02 0%
palavra QU pronominal 00/07 0%
palavra QU adverbial 01/06 16%
pron. Adv. relativo 00/01 0%Tabela 9 : Freqüência de ênclise quanto à presença de atrator: versão inicial
Como se pode observar, não se encontraram dados de pronomes átonos em muitos
dos contextos previstos. Para alguns fatores, verificou-se a ausência de variação;
entretanto, como o número de dados é muito baixo, não foi possível propor
generalizações quanto a tais resultados.
De modo geral, pôde-se perceber uma propensão à ênclise nos casos de ausência
de atrator (58%), contexto em que o percentual de ênclise sobe sensivelmente em
relação à tendência geral do corpus.
Para uma análise mais refinada da influência dos atratores de próclise no uso da
ênclise, alguns dos fatores foram amalgamados segundo a categoria lingüística a que
pertencem (cf. tabela 10); assim, foram reunidos da seguinte forma:
94
(a)todos os pronomes;
(b)todas as conjunções coordenativas, por sua “natureza” mais neutra, que
favoreceria a tendência geral do corpus;
(c)todos os elementos de natureza subordinativa, partículas de negação e palavras
QU-, que desfavoreceriam a ênclise;
(d)todos os SNs (nominais e pronominais);
(e)todas as expressões adverbiais;
(f)todas as preposições.
Desta forma, a tabela com os percentuais gerais e o peso relativo após a
reformulação da variável pode ser apresentada:
Presença ou ausência de atrator Oco. Valor percentual P. R.
Nenhum atrator 45/77 (58%) 0.91
Pronomes na função de sujeito 09/43 (20%) 0.59
Conjunções coordenativas 09/43 (20%) 0.59
Expressões adverbiais 09/57 (15%) 0.54
Preposições 21/63 (33%) 0.46
Todos os SNs (nominais e pronominais) 22/202 (10%) 0.41
Elementos de natureza subordinativa 08/96 (08%) 0.32
Tabela 10: Aplicação da ênclise quanto à presença de atrator: versão reformulada
Percebe-se que a tendência à ênclise está bem acentuada nos contextos em que
não há nenhum atrator (.91), conforme se observa nos exemplos abaixo:
(102) Iniciou-se o processo de diversificação racial brasileira
(103) Trata-se da história de um rapaz que desejava ter uma banda de rock
95
(104) Trata-se de um grande amigo, na verdade, quase um irmão.
Em relação ao favorecimento à variante pós-verbal, seguem-se os fatores
“pronomes na função de sujeito”, “conjunções coordenativas” (ambos com .59) e
“advérbios” (.54), com pesos relativos apenas um pouco acima do ponto neutro.
“Preposições” (.46) e SNs (.41) desfavorecem a ênclise. Locuções subordinativas
apresentam o menor peso relativo, bem como percentual, o que evidencia que esses
elementos tendem a se definir na escrita escolar como o fator mais desfavorecedor da
variante pós-verbal.
Um dado curioso deve ser destacado no que se refere ao contexto com a presença
de elementos subordinativos. Embora a tendência verificada no corpus seja compatível
com o que propõe a norma-padrão, ou seja, a concretização da próclise, ocorreu a
ênclise em oito dados. Observem-se alguns exemplos:
(105) Porém são poucos os eleitores que preocupam-se em dar atenção a elas.
(106) Quando fala-se de Brasil, lembra-se das desigualdades.
(107) Para crianças que são bem educadas basta que olhem-lhe de maneira um
pouco mais séria...
(108) Percebi que ajudá-lo era minha obrigação.
(109) Diante disso, apesar de amá-lo, terminei com ele.
Nesses exemplos, verifica-se que o falante, ao adquirir, na escola, a ênclise, passa
a tomar a variante pós-verbal como indicada, preferida, independentemente da atuação
do atrator, configurando o que se tem chamado de hipercorreção. Essa tendência tem
sido observada impressionisticamente na fala e na escrita de brasileiros, em especial
96
quando se encontram em contextos interacionais que exigem maior grau de
formalidade.
Observando-se as oito ocorrências referidas, verificou-se que cinco foram
produzidas por alunos da 3ª série do Ensino Médio e três, por alunos da 8ª série. Ao que
parece, o aumento da escolaridade deve favorecer a ocorrência da ênclise em contexto
com elemento proclisador, o que confirmaria a hipótese da hipercorreção.
VIEIRA (2002: 153), ao analisar o corpus escrito no PB, encontrou, entre outros
resultados, para o fator “nenhum atrator”, um percentual de 98% de ênclise, com peso
relativo de 1.00, o que indica a tendência à realização categórica da ênclise em tal
contexto. Os pronomes na função de sujeito têm um percentual de 0% de ênclise,
porém, há somente duas ocorrências no corpus da autora, o que impediu, inclusive, a
leitura do peso relativo. Quanto às preposições a, para e de, se reunidas, observa-se um
percentual de ênclise em torno de 40%, também elevando a tendência à ênclise se
comparada aos resultados acima. A presença de atratores tradicionais faz elevar os
índices de próclise significativamente.
Embora os índices verificados em VIEIRA (2002) não se aproximem, quanto aos
valores, dos detectados na presente pesquisa, pode-se afirmar que a tendência que eles
revelam quanto à atração do clítico pronominal é semelhante. Como a autora pesquisou
o tema em textos jornalísticos, o que se pode dizer é que a realidade apresentada nas
redações escolares é exacerbada nos textos da imprensa oficial.
A comparação dos estudos demonstra que a ênclise vem sendo adquirida pelos
alunos por meio da escola e, assim, passa a ser utilizada como modelo, de modo cada
vez mais produtivo, conforme a escolaridade e os contextos formais de uso. Como já se
97
comentou, há casos em que os contextos de uso são tão artificiais que chegam a
configurar casos de hipercorreção, como em: “A vida é uma dádiva!! Não desperdice-
a!!” , encontrados no corpus desta pesquisa.
B) T TIPOIPO DEDE CLÍTICOCLÍTICO
Observe-se, a seguir, a distribuição dos dados na versão inicial deste grupo
de fatores:
Tipo de clítico Oco. Valor percentual
o, a, os, as 64/147 43%
se inerente 24/166 14%
se apassivador 04/24 16%
se reflexivo 13/88 14%
se indeterminador 03/13 23%
me 02/85 02%
lhe (s) 07/34 20%
nos 0/25 0%
vos - -
te 01/07 12%Tabela 11: Freqüência de ênclise quanto ao tipo de clítico: versão inicial
Embora a ênclise seja pouco produtiva no “corpus” em geral, na análise
percentual dos dados, chama a atenção o índice referente a o, a, os, as, que aparece com
43% de freqüência de ênclise, seguido do se indeterminador e do lhe, fatores que, pelo
comportamento particular, devem figurar isolados na versão reformulada.
Os percentuais coincidentes dos fatores “se inerente” e “se reflexivo” (14%), bem
como sua semelhança morfossintática, fizeram com que esses dados fossem analisados
de forma conjunta na rodada seguinte. Não se utilizou o mesmo procedimento para os
fatores “se apassivador” e “se indeterminador”, devido ao fato de que, além de a
98
indeterminação e a apassivação tradicionalmente assumirem naturezas sintáticas
distintas, os percentuais obtidos são diferentes (16% e 23%, respectivamente).
A segunda tabela para o tipo de clítico, que se apresenta a seguir, é relativa às
junções de fatores feitas para a melhor análise dos dados. Foram amalgamados,
também, os fatores relativos aos pronomes me, nos e te – os dois primeiros, por se
referirem à 1ª pessoa e, o segundo, por ter uma baixa produtividade (apenas 7
ocorrências) no corpus. .
Tipo de clítico Oco. Valor percentual P. R.
o, a, os, as 64/147 (43%) 0.86
lhe, lhes 07/34 (20%) 0.62
se inerente/reflexivo 37/254 (14%) 0.50
se indeterminador 03/13 (29%) 0.49
se apassivador 04/24 (16%) 0.27
me, nos, te 03/117 (02%) 0.09
Tabela 12: Aplicação da ênclise quanto ao tipo de clítico: versão reformulada
Apesar dos baixos dados de ênclise em termos percentuais, a projeção estatística
no que se refere ao peso dos fatores no favorecimento à variante pós-verbal, confirma as
hipóteses estabelecidas: o pronome o figura como o clítico mais fortemente favorecedor
da ênclise, seguido de lhe e de se. Como elementos fortemente desfavorecedores da
ênclise, figuram os pronomes de primeira e segunda pessoas.
99
Observa-se que o peso relativo dos pronomes o, a, os, as (.86) eleva bastante a
tendência geral apontada pelos percentuais (43%). No caso de me, nos, te, pronomes
comumente proclíticos, diferentemente, o peso relativo encontrado (.09) confirma a
baixíssima freqüência de ênclise (2%). Saliente-se que, no estudo com textos
jornalísticos realizado por VIEIRA (2002: 222), os clíticos me e nos apresentam um
percentual de 14% de ênclise e um peso relativo de .00, confirmando a tendência geral
dos brasileiros à realização quase categórica da próclise com relação aos pronomes de
primeira pessoa.
Embora, de acordo com os estudos do preenchimento do objeto, os clíticos o,a/s
sejam formas em extinção na fala (dado seu caráter “artificial” e, portanto, segundo a
hipótese deste trabalho, pouco produtivos na escrita), ao que parece, MONTEIRO
(1994) tem razão ao afirmar que seus alomorfes continuam “vivos como nunca”
(p.195). Na pesquisa que ora se apresenta, parte-se do princípio de que a escola busca
implementar, pelo menos na realidade representada pela amostra sob análise, não só o
clítico acusativo de terceira pessoa, mas também este na posição enclítica.
Ainda de acordo com MONTEIRO (1994), tratando-se de texto escrito, pode-se
dizer que os pronomes o, a (s), após infinitivo verbal, são a estratégia preferencial dos
estudantes para os contextos de ênclise. Para ele, esse comportamento relaciona-se,
ainda, à manutenção da pauta acentual paroxitonizante: “A justificativa não é outra:
ocorrendo em formas verbais no infinitivo, produzem fatalmente vocábulos fonológicos
paroxítonos.” (p.195)
A forma pronominal lhe/ lhes apresenta peso relativo bem acima da média geral
do corpus (.62). Essa tendência pode ser explicada pela aprendizagem desse clítico, uma
100
vez que, não muito usado na fala e adquirido pela escola, pode ser associado ao uso de
ênclise.
De acordo com a análise do fenômeno em textos jornalísticos (VIEIRA, 2002)
quanto aos clíticos o, a, os, as, a tendência à ênclise é de .84, peso relativo quase
idêntico ao da tabela acima, em que se observa .86. No que se refere aos pronomes lhe,
lhes, os índices obtidos no estudo dos textos jornalísticos e os que se apresentam aqui
não coincidem. Na realidade, os resultados de VIEIRA referem-se a apenas 12
ocorrências de lhe, estando 9 delas (75%) em ênclise; o peso relativo (.28), entretanto,
não confirmou o favorecimento à variante pós-verbal. Ocorre que a observação dos
exemplos permitiu que a autora percebesse que a ocorrência da variante proclítica ou
enclítica se relacionava, fundamentalmente, à presença/ausência de atrator e à forma do
verbo. Na presente pesquisa, supõe-se que o fato de os alunos ainda perceberem tais
pronomes como artificiais faça com que os índices de ênclise obtidos para lhe/ lhes
sejam sempre mais expressivos do que os de VIEIRA (2002). Ao que parece, junto com
a aprendizagem dos pronomes o/a (s) e lhe(s), aprende-se também a empregar a ênclise.
No que se refere à forma pronominal se, o inerente/reflexivo e o indeterminador,
embora com percentuais diferentes, apresentam índices mais altos quanto ao
condicionamento da ordem do clítico (.49 e .50 respectivamente) do que o do se
apassivador, que, estatisticamente, se apresenta como elemento desfavorecedor da
ênclise (.27).
No estudo de VIEIRA, o pronome se, apresenta um percentual de 45% e peso
relativo de .56 para ênclise, o que confirma a média dos dados apresentados acima. A
autora advoga que o pronome se em contexto de indeterminação / apassivação possa
101
estar se cristalizando como uma estrutura altamente favorável à ênclise no Português do
Brasil.
C) T TIPOIPO DEDE ORAÇÃOORAÇÃO
A princípio, a definição dos fatores deu-se da seguinte forma:
Tipo de oração Oco. Valor percentual
Reduzidas de infinitivo 52/109 47%
Reduzidas de gerúndio 09/18 50%
Subordinadas adjetivas 02/78 02%
Subordinadas completivas 03/30 10%
Subordinadas adverbiais 06/29 20%
Absolutas 12/75 16%
Coordenadas Assindéticas 06/83 07%
Coordenadas Sindéticas 06/90 06%
Principais 22/78 28%Tabela 13: Freqüência de ênclise quanto ao tipo de oração: versão inicial
Como se observa pela tabela acima, os maiores índices de ênclise (acima de 10%)
encontram-se entre as orações reduzidas de gerúndio (47%) – as menos representadas
no corpus (18 dados) – e de infinitivo (50%) – as que nele ocorrem em maior número
(109 dados) –, seguidas pelas principais (28%), as adverbiais (20%) e as absolutas
(16%).
De acordo com a hipótese inicial, esperava-se que as orações que apresentassem
um elemento atrator tradicional mostrassem menor incidência de ênclise, o que
aconteceu com as adjetivas (2%) e as coordenadas sindéticas (6%), mas não com as
102
completivas (10%) e as adverbiais (20%). Por outro lado, as orações em que não há os
tradicionais atratores – as principais (28%), as absolutas (16%) e as assindéticas (7%) –
tiveram comportamento diversificado.
Acredita-se que isso se deva não só à pouca familiaridade dos alunos com os
clíticos – e, conseqüentemente, com as normas padrão quanto à ordem –, mas também à
sua própria dificuldade em lidar (e identificar) com os conectores interfrásticos.
KOCH (1992:84) afirma que “estudos recentes como os de Rocco (1981) e Lemos
(1977), entre vários, têm revelado que o uso inadequado dos conectivos constitui um
dos maiores problemas nas redações escolares”. Cita, ainda, algumas observações de
um estudo de Kleiman (1983) – realizado com 93 alunos de quinta e sexta séries do
antigo Primeiro Grau, cujas idades variavam entre 10 e 15 anos – em que esta afirma
que os “conectivos são de difícil acesso mesmo quando o contexto fornece as pistas
necessárias para determinar seu valor”, pois “a criança mostra-se incapaz de
explicitar o significado do conectivo, significado para o qual não há de fato pistas
estruturais, utilizando os outros componentes do texto (Halliday e Hasan, 1970),(p.
47)”.
Diante desses fatos, optou-se por reunir os dados conforme se explicita a seguir:
(a) orações independentes, que reúnem as orações absolutas, as principais e as
coordenadas assindéticas;
(b) orações dependentes, que reúnem as coordenadas sindéticas, subordinadas
adjetivas, adverbiais e completivas.
Não se amalgamaram as reduzidas de infinitivo e de gerúndio pelo fato de as
primeiras serem comumente mencionadas como um fator que possibilita mais variação
103
entre próclise e ênclise. Observem-se os resultados obtidos após a reformulação da
variável:
Tipo de oração Oco. Valor percentual P. R.
Reduzidas de infinitivo 52/109 (47%) 0.76
Reduzidas de gerúndio 09/18 (50%) 0.54
Independentes 40/236 (16%) 0.53
Dependentes 17/227 (07%) 0.32
Tabela 14: Freqüência da ênclise quanto ao tipo de oração: versão reformulada
Percebe-se que a tendência à ênclise é acentuada nas reduzidas de infinitivo,
tanto pelo valor percentual, bem acima da média geral do corpus, como em relação ao
peso relativo, com projeção de .76.
(110) Eles podem estar na cadeia por faltas de provas para inocentá-lo.
(111) Apesar da sociedade descriminá-los são seres humanos como outros
qualquer.
Nas reduzidas de gerúndio, a tendência à média se estabelece, tanto no percentual
(50%) quanto no peso relativo (.54), o que sugere uma neutralidade desse contexto no
que se refere ao condicionamento da ordem dos clíticos. Essa neutralidade também se
verifica no contexto com as orações independentes, em termos relativos (.53). Ao que
parece, no caso das orações reduzidas de gerúndio e nas orações independentes, a
atuação das demais variáveis, como presença de atrator e tipo de clítico, é definidora da
ordem.
104
Percebe-se que as orações dependentes constituem contexto desfavorecedor da
variante pós-verbal. A tendência à ênclise (.32) diminui, influenciada sobretudo pela
presença dos elementos subordinativos que atuam como operadores de próclise.
Observando os exemplos do “corpus”, suspeitou-se que o alto índice de
favorecimento à ênclise no caso das orações reduzidas de infinitivo podem estar
relacionados também ao tipo de clítico. Para investigar tal hipótese, procedeu-se ao
cruzamento dos grupos de fatores tipo de oração e tipo de clítico.
Tipo de clítico X
Tipo de oraçãoIndependentes Dependentes Reduzidas de
gerúndioReduzidas de
infinitivo
o 11/4624%
03/5106%
03/03100%
47/47100%
me 01/5402%
01/5102%
00/0300%
01/1010%
se reflexivo/inerente 21/10320%
09/10209%
05/1050%
02/3905%
se indeterminador 02/0633%
01/0617%
00/0000%
00/0100%
se apassivador 03/1225%
01/0714%
00/0000%
00/0500%
lhe 02/1513%
02/1020%
01/0250%
02/0729%
Tabela 15: Freqüência de ênclise com base no cruzamento das variáveis tipo de clítico e tipo de oração.
De fato, o cruzamento das variáveis revela que o contexto de forma verbal
infinitiva acompanhada da forma pronominal o, a (s) constitui forte condicionamento
da ênclise.
A fim de refinar a análise, procedeu-se também ao cruzamento dos grupos de
fatores “tipo de oração” e “série”. Desse modo, foi possível observar se, à medida que
105
aumenta a escolaridade do informante, aumentaria o respeito à norma-padrão no
condicionamento da próclise. Observem-se os resultados obtidos:
Série X Tipo de oração
Independentes Dependentes Reduzidas de gerúndio
Reduzidas de infinitivo
Quarta 06/0786%
02/1315%
00/0000%
02/2209%
Oitava 12/3931%
03/6605%
02/0729%
05/7207%
Terceira 34/6354%
12/14808%
07/1164%
33/14223%
Tabela 16: Freqüência de ênclise com base no cruzamento das variáveis tipo de clíticoe série.
No que se refere às orações reduzidas, verificou-se que, de fato, o aumento da
escolaridade corresponde à maior concretização da ênclise. No caso das reduzidas de
gerúndio, apesar de ocorrerem em número reduzido e não terem sido produzidas na 4ª
série, pode-se perceber um aumento da ênclise da 8ª série do ensino fundamental para o
3º ano do ensino médio. As orações reduzidas de infinitivo registram sensível aumento
do índice de ênclise especialmente no 3º ano (23%). Nas orações “dependentes”,
também se verifica que o comportamento dos alunos, ao menos parcialmente, se
encaminha em direção à norma: da 4ª série para a 8ª, a ocorrência de ênclise diminui de
15% para 5%, numa atitude que pode denunciar o reconhecimento da chamada atração
do clítico. As orações independentes não permitem maior generalização quanto à
atração gramatical porque elas também podem conter elementos proclisadores ou não.
Os resultados acima, especialmente no que se refere aos contextos com infinitivo
verbal, confirmam o que foi detectado por VIEIRA, NUNES & BARBOZA (2004), que
também investigaram o fenômeno em redações escolares. Ao que parece, a
106
aprendizagem da variante pós-verbal na escrita escolar começa pelos contextos menos
comuns na norma de uso do PB oral, como: contextos com os pronomes o,a(s),
especialmente em estruturas acompanhadas de infinitivo verbal.
D) ESCOLARIDADE: SÉRIE
Dentre as variáveis selecionadas pelo programa, duas são extralingüísticas.
Selecionada em 4º lugar, após as variáveis lingüísticas, pode-se atestar a importância de
tal variável para este estudo observando-se os resultados tanto com relação à ordem
quanto com relação à produtividade.
SSÉRIEÉRIE Oco. Valor percentual P. R.
Quarta sérieQuarta série 10/4210/42 (23%)(23%) 0.490.49
Oitava sérieOitava série 22/18422/184 (11%)(11%) 0.300.30
Terceiro anoTerceiro ano 86/36486/364 (23%)(23%) 0.600.60Tabela 17: Aplicação da ênclise quanto à escolaridade do informante
Com relação à freqüência de uso dos clíticos, verificou-se um aumento gradativo
na utilização dos pronomes átonos por parte dos alunos – conforme demonstrado na
análise dos dados de produtividade. O uso dos clíticos aumenta sensivelmente de acordo
com o aumento da escolaridade.
Quanto à ordem, o percentual de uso da ênclise foi maior na quarta série do
Ensino Fundamental e na terceira série do Ensino Médio (ambos com 23%) do que na
oitava série (11%). Embora haja uma “coincidência” de valores percentuais, a
107
relevância de cada um desses fatores no condicionamento da ênclise é esclarecida pelos
pesos relativos.
Com relação aos índices relativos, observa-se que o favorecimento ao uso da
ênclise é de .49 na 4ª série, decresce para .30 na 8ª série e passa a .60 no 3º ano do
Ensino Médio. Para melhor visualização desses resultados, observe-se o gráfico a
seguir:
49
30
6051
70
40
0
20
40
60
80
100
Ênclise Próclise
Distribuição de dados quanto à série: pesos relativos
4ª série8ª série3º ano
Gráfico 2: Aplicação da ênclise quanto à escolaridade do informante
Este aumento do peso relativo ao fim do Ensino Médio está de acordo com a
hipótese inicial. Para a diminuição do índice da 4ª para a 8ª série, não havia uma
pressuposição inicial específica. Observando-se os resultados, considerou-se a hipótese
de que, de certa forma, o fato de as crianças da quarta série ainda apresentarem uma
108
identificação muito grande com a escola e não estarem em uma fase de contestação
poderia justificar o fato de que iniciem o processo de “assumir” o modelo enclítico que
lhes está sendo imposto desde a alfabetização. Na oitava, os alunos, adolescentes,
fazem justamente o contrário, deixando de lado certos modelos. Por outro lado, os da
terceira série do EM, voltados para o vestibular, para outros concursos e para a entrada
no mercado de trabalho, estariam mais abertos à absorção de alguns modelos, ao menos
no contexto de escrita escolar. Desse modo, o percentual de ênclise volta ao patamar dos
23% na terceira série e a projeção estatística demonstra o favorecimento à ênclise (.60).
LABOV (1972) faz referência a uma certa oscilação entre o uso ou a negação de
modelo sociolingüístico com relação às faixas etárias, associando-as ao aumento da
escolaridade e à entrada no mercado de trabalho. Segundo o autor, o indivíduo, nessas
duas etapas da vida, estaria mais próximo das variantes de prestígio, devido às pressões
sociais sofridas nesses diferentes momentos. Obviamente, tal hipótese não foi aplicada
neste caso; no entanto, percebeu-se uma certa tendência a semelhante oscilação (ainda
que de forma bastante adaptada) pelas motivações citadas acima.
E) TIPO DE TEXTO
A variável tipo de texto apresenta-se relevante ao condicionamento do fenômeno.
109
TTIPOIPO DEDE TEXTOTEXTO Oco. Valor percentual P. R.
DissertativoDissertativo 54/15354/153 (35%)(35%) 0.650.65
NarrativoNarrativo 64/43764/437 (14%)(14%) 0.440.44
Tabela 18: Aplicação da ênclise quanto ao tipo de texto
Em nenhum dos dois tipos de texto, o percentual de uso de ênclise foi maior do
que o de próclise; no entanto, há um aumento de uso daquela (9 pontos percentuais)
quando se trata da dissertação, talvez pelo caráter mais formal e impessoal que a escola
imponha ao gênero dissertativo-argumentativo. Quanto aos pesos relativos, confirma-se
que o texto dissertativo (.65) favorece a variante pós-verbal em comparação ao peso do
fator relativo ao texto narrativo (.44).
Segue gráfico para mera ilustração:
65
4435
56
0
20
40
60
80
100
Ênclise Próclise
Distribuição dos dados quanto ao tipo de texto: pesos relativos
dissertaçãonarração
Gráfico 3: Distribuição dos dados quanto ao tipo de texto – pesos relativos
110
Consoante a hipótese que sustentou esta investigação, o texto narrativo, dado o
uso freqüente de reprodução de diálogos e o maior uso de estruturas produtivas na
oralidade, constitui um tipo de texto que favorece a próclise.
De modo geral, as variáveis extralingüísticas apresentaram o resultado esperado
segundo as hipóteses levantadas para o presente trabalho.
4.2.2.2 Variáveis não-selecionadas
As variáveis lingüísticas distância entre o atrator e o grupo clítico-verbo,
tonicidade da forma verbal, forma do verbo e as extralingüísticas gênero do informante
e tipo de escola não demonstraram comportamento relevante para o condicionamento da
ordem dos clíticos pronominais, conforme demonstraram as diversas rodadas do
programa que foram efetuadas.
Apenas para dar a dimensão dos fatos verificados na amostra estudada, adotaram-
se os seguintes procedimentos quanto às referidas variáveis:
(a) no que diz respeito às variáveis lingüísticas, apresentam-se, sob a forma de
tabela, os valores absolutos e percentuais referentes à ênclise obtidos para cada fator no
anexo, com um breve comentário.
(b) quanto às variáveis extralingüísticas, dada sua natural e inegável importância
em estudos de natureza sociolingüística, apresenta-se, a seguir, uma breve descrição dos
dados encontrados.
a) Gênero do informante
111
Observa-se, na tabela e no gráfico a seguir, que a diferença de comportamento
entre meninos e meninas não é expressiva.
GÊNEROGÊNERO Oco. Valor percentual
meninos 39/252 15%
meninas 79/259 23%
Tabela 19: Freqüência da ênclise quanto ao gênero do informante
Percebe-se que tanto o gênero masculino quanto o feminino têm preferência pela
próclise; no entanto, há uma pequena vantagem feminina em relação ao uso da ênclise.
Como a diferença é muito pequena (8 pontos percentuais) e como a variável não se
mostrou estatisticamente relevante, pode-se afirmar que os dados não confirmam a
hipótese laboviana de que o gênero masculino utilize mais as formas não-padrão do que
o feminino. Em outras palavras, os resultados obtidos não permitem afirmar que, no
fenômeno da colocação pronominal, as mulheres inovariam na implementação da
próclise, variante não estigmatizada no Português do Brasil.
112
1523
8577
0
20
40
60
80
100
Ênclise Próclise
Distribuição dos dados quanto ao gênero: percentuais
MeninosMeninas
Gráfico 4 : A ordem dos clíticos quanto ao gênero do informante
b) Tipo de escola
A hipótese de que o tipo de escola – pública ou particular – levaria a índices
diferentes de ênclise, devido à adoção de práticas metodológicas diferenciadas, não se
confirmou. Observe-se, na tabela e no gráfico a seguir, a semelhança de comportamento
entre os fatores.
MODALIDADE ESCOLAR
Oco. Valor percentual
escola pública 43/265 16%
escola particular 75/325 23%Tabela 20: Freqüência da ênclise quanto ao tipo de escola
113
Embora com uma diferença percentual muito pequena, é possível observar que os
alunos da escola particular utilizam um pouco mais a ênclise do que os da escola
pública. Não se pode, no entanto, com essa pequena diferença de sete pontos
percentuais, afirmar uma tendência à comprovação da hipótese levantada para este
trabalho: a da manutenção do status da norma padrão por parte da escola particular.
1623
8477
0
20
40
60
80
100
Ênclise Próclise
Distribuição dos dados quanto ao tipo de escola: percentuais
Colégio PúblicoColégio Particular
Gráfico 5: A ordem dos clíticos quanto à modalidade escolar
Na realidade, esse resultado leva a uma reflexão sobre a realidade escolar no Rio
de Janeiro como um todo. Em primeiro lugar, a diversidade de colégios e,
conseqüentemente, de modelos pedagógicos é muito grande. Uma observação
impressionística de escolas e o contato mais direto com algumas delas permitem supor
que o trabalho mais seguro com esse grupo de fatores requer uma amostra mais variada
e que seja estabelecida de forma a ser representativa dessas múltiplas realidades.
114
De acordo com os resultados apresentados, percebeu-se que a próclise foi a opção
preferencial na modalidade escrita escolar. Os resultados das variáveis selecionadas
foram, na maioria dos casos, compatíveis com as hipóteses estabelecidas e com outros
estudos sobre o fato.
Pôde-se concluir que a ênclise é mais produtiva em contextos muito específicos,
como, por exemplo, períodos com orações sem a presença de atrator e em construções
com o pronome o, a (s) após infinitivo verbal. Percebe-se, com isso, uma influência,
ainda que módica, da norma gramatical veiculada pela escola sobre a escrita desses
estudantes.
A partir das variáveis selecionadas pelo programa, pode-se finalmente refletir
sobre a questão da norma e variação no ensino da língua materna. É interessante que o
programa tenha classificado como primeiras variáveis selecionadas a presença de
atrator, o tipo de clítico e o tipo de oração, seguidas das extralingüísticas série e tipo de
texto.
A primeira reflete o conhecimento dos alunos dos ditos atratores. Tal
conhecimento pode ser fruto de uma contribuição da escola, uma vez que, se, de acordo
com MONTEIRO (1994), não existem palavras com o “poder” de atrair outras, esse
poder só pode ser dado por um ambiente conscientemente preparado para divulgá-las; a
escola coloca tais palavras como “imantadas” em relação aos clíticos, ou, pelo menos
como “abonadoras” dos contextos em que não há ênclise.
A variável série escolar também demonstra que, ainda que de forma modesta, a
escola exerce certa influência sobre a aprendizagem das normas da ordem dos clíticos,
visto que, ao fim da 3ª série do EM, os alunos apresentam tendência ao uso da ênclise
115
de forma um pouco mais produtiva. Percebe-se, no entanto, que tal influência não é
suficiente para que a próclise, como já se esperava, mesmo ao fim do ciclo escolar,
deixe de constituir o uso preferencial por parte desses estudantes em diversos contextos
morfossintáticos.
Então, cabe aqui uma reflexão sobre esse ensino. Será mesmo válido? Influirá a
posição do pronome no desempenho textual dos alunos? Mesmo não sendo o objetivo
do trabalho fazer uma comparação entre uso de clíticos e proficiência textual (o que,
aliás, seria um interessante estudo), essa reflexão sugere que o tempo que se emprega
para o ensino das regras da “ordem dos clíticos” às vezes se torna improdutivo, na
medida em que a norma divulgada não pode ser totalmente apreendida, uma vez
incompatível com a norma culta em uso no Português do Brasil.
Essa realidade, então, nos remete à questão levantada por LUCCHESI (2002),
sobre os usos no Português do Brasil: por que buscar uma norma idealizada, tão
distante, se podemos calcar nosso ensino numa norma objetiva, baseada no uso dos
falantes?
Desta forma, pelo menos com relação à escrita dos estudantes, é preciso
fundamentar a prática pedagógica nas diferenças entre a escrita e a fala, mas não entre
PE e PB. E o que se espera é que essa diferença seja relevante para o ensino da
gramática, no intuito de se buscar um ensino mais efetivo, calcado naquilo que
LUCCHESI (2002) chama de “normal”, como é o uso da próclise por nossos alunos.
Não se trata somente de estudar a colocação pronominal, mas também de levar o
aluno a reconhecer os clíticos como recursos anafóricos importantes para a construção
116
de um texto, sem, no entanto, colocar fala e escrita em patamares de importância e
correção diferentes, como se, na fala, tudo fosse permitido e, na escrita, nada.
A respeito do ensino da ordem, manifesta-se VIEIRA (2004), em artigo intitulado
O ensino da colocação pronominal: prescrição e uso. Deve-se, segundo a autora, ver,
no estudo da colocação pronominal, “uma oportunidade de evidenciar uma intrincada
rede de relações que se travam entre os diversos níveis gramaticais”. Desta forma,
deve-se observar que a fala é uma das realizações possíveis e não menos importante que
a escrita. A opção do aluno deve ser consciente, com base no (re-)conhecimento das
variantes, para que o mesmo se utilize da ênclise quando o contexto permitir e ele assim
o desejar.
Através de uma segura descrição científica, é possível, entre outros
procedimentos, dar à próclise o status de variante legítima, bem como explicitar que a
mesóclise é resultado de um processo de gramaticalização, por que passou o tempo
futuro, e por que passa até os dias atuais.
Acima de tudo, é preciso mudar a mentalidade repressora de alguns profissionais
de que pensam que, para se ter conhecimento da língua e valorizá-la, seja preciso partir
do conhecimento teórico de algumas de suas mais detalhadas particularidades ou seguir
modelos aleatórios, em vez de reconhecer seu uso e as múltiplas formas de emprego. Na
verdade, essa mentalidade tem sido produtora de instrumentos de opressão lingüística,
pois, ao invés de fazer com que o aluno se interesse por seu estudo, cada vez mais o
afasta dele.
Além disso, há que se questionar o fato de que muitos materiais didáticos de hoje
não têm como foco o domínio das diversas variedades e modalidades lingüísticas, que
117
vão do mais oral ao mais escrito; do mais informal ao mais formal, do mais rural ao
mais urbano, conforme propõem os contínuos estabelecidos por BORTONI-RICARDO
(2004) – oralidade-letramento, monitoração estilística, urbanização. Nesse sentido, a
escola por vezes restringe-se a apresentar a variante tida como de prestígio em manuais
normativos, não fazendo um trabalho com as diversas variantes dos fenômenos
lingüísticos.
De acordo com VIEIRA (2004), a escola deveria cumprir o propósito de oferecer
ao aluno as normas de uso depreendidas a partir da realidade sociolingüística, de modo
a possibilitar
... ao aprendiz o conhecimento do maior número possível de opções, respeitando-se os contínuos da variação e sem negar o estatuto social da linguagem, que é padronizador e variável a um só tempo. (VIEIRA & BRANDÃO, 2004: 204)
Ao trabalhar com base em resultados sociolingüísticos, os professores teriam
informações concretas a respeito dos contextos condicionadores dos usos lingüísticos
encontrados nas produções de seus alunos para, com base em tais resultados, apresentar
reflexões mais seguras acerca não só dos fatores que favorecem, por exemplo, a
preferência pela próclise em textos escritos, mas também do papel da escola no ensino
da colocação pronominal.
118
5. CONCLUSÃO
Este estudo desenvolveu-se na perspectiva da Sociolingüística Variacionista de
inspiração laboviana, tendo como objetivo observar, com apoio em corpus eliciado de
360 redações, a produtividade e, principalmente, a ordem dos clíticos pronominais na
escrita de estudantes distribuídos pelas séries finais do primeiro (4ª série) e do segundo
(8ª série) segmentos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio (3ª série). Desse modo,
o estudo pôde aquilatar a influência da escola na aprendizagem das normas de
colocação pronominal consideradas padrão no âmbito da Gramática Tradicional.
A análise constituiu-se de duas etapas. Na primeira, focalizou-se, com base em
amostra de 396 dados, a produtividade dos clíticos de terceira pessoa frente a outras
estratégias de preenchimento do objeto. Na segunda, tratou-se, com base em amostra de
590 dados, da ordem dos clíticos pronominais junto a lexias simples, buscando-se
depreender os fatores estruturais e extralingüísticos que condicionam o uso da ênclise.
A- No que se refere à análise do uso e da produtividade dos clíticos de terceira
pessoa, realizada com base na distribuição percentual dos dados de acordo com quatro
variáveis extralingüísticas, podem-se tecer as considerações a seguir elencadas.
(a) No cômputo geral, o clítico mostrou-se a estratégia de preenchimento mais
produtiva, com índice de 37%. Amalgamando-se o preenchimento pelo mesmo ou por
outro SN num só fator (23%), observa-se que esta variante apresenta índices bastante
próximos das demais: categoria vazia (21%) e pronome reto (20%).
119
(b) Tanto na escola pública (28%) quanto na escola privada (51%), a estratégia
predominante é o uso do clítico, embora na última ocorra com maior freqüência. Quanto
à variante mais estigmatizada – o pronome reto –, é na escola pública que atinge o mais
alto índice (26%).
(c) O controle da variável gênero demonstrou que as alunas não só utilizaram
menos o clítico pronominal (34%) do que os alunos (42%), mas também empregaram
mais o pronome reto (23%) – a forma estigmatizada – do que os homens (14%), embora
deixem a posição de objeto vazia (a estratégia inovadora menos estigmatizada) em
maior número que os homens. O cruzamento dessa variável com o grupo escolaridade
permitiu, no entanto, verificar que o comportamento feminino é apenas aparentemente
instável em relação à adoção de estratégias mais ou menos padrão, pois, com o aumento
da escolaridade, as alunas (i) passam a adotar a variante clítica de forma mais acentuada
(da 4ª série do Ensino Fundamental para a 3ª série do Ensino Médio) do que os alunos e
(ii) em relação à variante mais estigmatizada, reduzem drasticamente seu uso, sendo
neste caso os homens os que se pautam por um comportamento mais instável.
(d) Comprova-se a hipótese de que a escola influencia na escolha das estratégias
de preenchimento do objeto, e em especial, na aprendizagem do uso do clítico, haja
vista que seus índices de freqüência passam de 14%, na quarta série, para 31%, na
oitava, alcançando 58% das ocorrências, no 3º ano do Ensino Médio.
(e) Em relação ao tipo de texto, as retomadas anafóricas por meio do clítico são
um pouco mais produtivas na dissertação (41%) do que na narração (36%).
Observando-se essa variável à luz do grupo de fatores escolaridade e confrontando-se a
estratégia privilegiada pela gramática tradicional (o clítico) e a por ela mais
120
estigmatizada (o pronome reto), verifica-se que, ao longo do processo de escolarização,
os alunos, gradativamente, não só se familiarizam com o uso dos clíticos adequando seu
emprego aos diferentes tipos de texto, mas também se conscientizam das estratégias
mais ou menos estigmatizadas. Com base nos índices percentuais obtidos, pode-se
formular uma escala de produtividade (ascendente e/ou descendente) das duas referidas
estratégias, por tipo de texto, partindo-se da série inicial para a final. Assim, (i) em
dissertações, enquanto o emprego do pronome reto decresce (14% → 0% → 0%),
implementa-se o emprego do clítico (14% → 100% → 50%); (ii) em narrativas, o mesmo pode
ser observado: há um decréscimo de uso do pronome reto (61% → 22% → 5%), e um aumento
de uso do clítico (14% → 24% → 61%),
B- No que toca à análise variacionista sobre a ordem dos clíticos, realizada no
intuito de detectar os fatores que presidem ao uso da ênclise na escrita de estudantes e
com base no controle de quatro variáveis extralingüísticas e seis estruturais,
apresentam-se as conclusões a seguir.
(a) A ênclise ou variante pós-verbal apresenta baixa produtividade na amostra
(20% – 118 oco) em relação à próclise ou variante pré-verbal (80% – 472 oco), que, na
modalidade oral, como demonstram estudos como o de VIEIRA (2002), alcança altos
índices de freqüência no Português do Brasil; não foi registrado qualquer caso de
mesóclise, a variante intraverbal.
(b) Mostraram-se relevantes para a aplicação da regra, por ordem de
importância, as variáveis presença ou ausência de atrator, tipo de clítico, tipo de
121
oração, escolaridade e tipo de texto, confirmando-se as hipóteses quanto a elas
anteriormente formuladas.
(b1) Quanto à presença ou ausência de atrator, a tendência à ênclise é bem
acentuada nos contextos em que não ocorre atrator, decrescendo quando estão em causa
os fatores pronomes na função de sujeito, conjunções coordenativas (ambos com p. r.
.59) e advérbios (p. r. .54). Desfavorecem a variante pós-verbal as preposições (p. r.
.46) e os SNs (p. r. .41) e sobretudo, os elementos de natureza subordinativa (p. r. .32)
(b2) O controle da variável tipo de clítico mostra ser o pronome o/a(s) (p. r. .86)
o clítico mais altamente favorecedor da ênclise, seguido de lhe e de se; contrariamente a
essa tendência, os de primeira e segunda pessoas são os mais suscetíveis à próclise (p. r.
.09 de ênclise).
A forma pronominal se, o inerente/reflexivo e o indeterminador, embora com
percentuais diferentes, apresentam índices mais altos quanto ao condicionamento da
ordem do clítico (.49 e .50 respectivamente) do que o do se apassivador, que se
apresenta como elemento desfavorecedor da ênclise (.27).
(b3) No que se refere ao tipo de oração, verifica-se que a ênclise é acentuada nas
reduzidas de infinitivo (p. r. .76) e mediana nas reduzidas de gerúndio (p. r. .54), o que
também ocorre com as orações independentes (p. r. 53), provavelmente, no caso das
duas últimas, por influência de outras variáveis como tipo de clítico e presença ou
ausência de atrator. As orações dependentes, por outro lado, favorecem a próclise (p. r.
.32 de ênclise), por conta, certamente, da presença dos tradicionais operadores de
próclise.
122
O cruzamento dessa variável com o grupo tipo de clítico evidenciou que forma
verbal de infinitivo acompanhada de o/a(s) constitui forte condicionante para a ênclise.
Já seu cruzamento com o grupo escolaridade demonstrou, em relação às reduzidas
de infinitivo, que, à medida que aumenta a escolaridade, mais se aplica a ênclise nesse
tipo de oração. No caso das “dependentes”, ao menos parcialmente, tudo indica que os
alunos se encaminham em direção à norma: da 4ª série para a 8ª, a ocorrência de ênclise
diminui de 15% para 5%, numa atitude que pode denunciar o reconhecimento da
chamada atração do clítico.
(b4) A variável extralingüística escolaridade, fundamental no que tange à
hipótese central deste estudo, mostrou-se relevante também para a aplicação da ênclise.
Embora permita – conforme evidenciou a análise relativa à produtividade – que se
observe o aumento gradativo do uso dos clíticos consoante o aumento de escolaridade,
os resultados referentes ao condicionamento ao uso da ênclise por série (p. r. 49 na 4ª
série; .30 na 8ª série e .60 no 3º ano do EM) requerem uma interpretação à luz das
características do grupo social objeto desta análise.
O maior uso da ênclise por parte de alunos do Ensino Médio vai ao encontro da
hipótese inicial, uma vez que, voltados para o vestibular, para outros concursos e para a
entrada no mercado de trabalho, estariam mais abertos à absorção de modelos
considerados de mais prestígio, ao menos no contexto de escrita escolar.
O mesmo não se dá com a diminuição do emprego da ênclise da 4ª para a 8ª série
do Ensino Fundamental, que não coincide com as expectativas iniciais. Assim,
considerou-se a hipótese que, de certa forma, o fato de as crianças da quarta série ainda
apresentarem uma identificação muito grande com a escola poderia levá-los a “assumir”
123
o modelo enclítico que lhes estaria sendo imposto desde a alfabetização. Na oitava série,
os alunos, já adolescentes, por estarem em fase de contestação de modelos de toda
ordem, fariam justamente o contrário, deixando de lado as estruturas consideradas
padrão.
(b5) A variável tipo de texto, que, na etapa de análise da produtividade, ensejou
interessantes observações sobre a aprendizagem do uso dos clíticos, também foi
selecionada como relevante para o emprego da variante pós-verbal.
Em nenhum dos dois tipos de texto, o percentual de uso de ênclise foi maior do
que o de próclise; no entanto, há um aumento de uso daquela (9 pontos percentuais)
quando se trata da dissertação, talvez pelo caráter mais formal e impessoal que a escola
imponha ao texto dissertativo-argumentativo. Quanto aos pesos relativos, confirma-se
que o texto dissertativo (.65) favorece a variante pós-verbal em comparação ao peso do
fator relativo ao texto narrativo (.44).
(c) Não se mostraram relevantes para a aplicação da regra as variáveis
lingüísticas distância entre o atrator e o grupo clítico-verbo, tonicidade da forma
verbal, forma do verbo e as extralingüísticas gênero do informante e tipo de escola.
(c1) Quanto às variáveis lingüísticas não selecionadas (cf. anexo), verificou-se
que as diferenças entre os índices obtidos para os fatores relativos à distância entre o
atrator e o grupo clítico-verbo e à tonicidade da forma verbal não confirmaram as
hipóteses anteriormente formuladas.
O comportamento dos fatores da variável forma do verbo – em sua versão inicial e
na versão reformulada segundo o modo e as formas nominais do verbo – demonstrou
124
que esse grupo apresentava nítida superposição com o grupo tipo de oração, motivo que
determinou sua exclusão em diversas rodadas.
(c2) A variável extralingüística gênero do informante, que apontou uma pequena
vantagem feminina em relação ao uso da ênclise, também não se mostrou
estatisticamente relevante, de modo que não se confirmou a hipótese laboviana de que o
gênero masculino utilize mais as formas não-padrão do que o feminino.
Quanto à modalidade escolar, os resultados demonstram uma pequena vantagem
dos alunos da escola particular em relação aos da escola pública, vantagem que não
permite a comprovação da hipótese da manutenção do status da norma padrão por parte
da escola particular. Assim, o estudo propõe que o trabalho com esse grupo de fatores
requer uma amostra mais variada e que seja estabelecida de forma a ser representativa
das múltiplas realidades escolares do Rio de Janeiro.
C- Tomando por base os resultados obtidos nesta pesquisa, percebe-se a influência
da norma gramatical veiculada pela escola (pública ou particular) sobre a escrita dos
estudantes (alunos ou alunas), influência que se torna cada vez mais nítida consoante o
aumento da escolaridade, o modelo implementado para cada tipo de texto e os contextos
lingüísticos que se mostraram relevantes.
Tais resultados ensejaram reflexões diversas sobre a questão da norma e variação
no ensino da língua materna. Além da aprendizagem de determinados clíticos, que não
são adquiridos de forma natural no Português do Brasil, os resultados demonstraram que
o conhecimento dos alunos (i) dos contextos morfossintáticos em que a escrita padrão
tem por opção preferencial a ênclise e (ii) da atuação dos elementos proclisadores no
125
condicionamento da variante pré-verbal pode ser considerado fruto da influência dos
meios escolares.
Com a implementação de tal conhecimento, não se pode negar que a escola acaba
por ser fortemente reprodutora dos valores lingüísticos e sociais das formas que adota,
especialmente na modalidade escrita. A esse respeito, cabe a reflexão sobre o
aproveitamento dos resultados sociolingüísticos na realidade do ensino da Língua
Portuguesa, no que tange (a) ao desenvolvimento da proficiência textual dos alunos, e
(b) à divulgação do que se configuraria a norma culta em uso no PB.
Quanto ao primeiro aspecto, é preciso assegurar que todo conhecimento
lingüístico divulgado pela escola deve colaborar com o aprimoramento do desempenho
dos estudantes como leitores e produtores de textos, textos que são produzidos com
diferentes estratégias lingüísticas a depender da modalidade, do grau de formalismo e da
variedade adotada. Além disso, considera-se que o ensino do uso e da ordem dos
pronomes átonos deva levar o aluno a reconhecer os clíticos como recursos anafóricos
importantes para a construção de um texto, falado ou escrito.
No que se refere à divulgação do que se configuraria a norma culta em uso no PB,
o contexto escolar deve ter o cuidado de não propor o ensino das “regras da ordem dos
clíticos” sem qualquer contextualização sociolingüística. Supõe-se que tratar do tema
como um fenômeno obrigatório e invariável constitui estratégia indesejável
pedagogicamente e improdutiva, uma vez que a norma divulgada é, muitas vezes,
incompatível com a norma em uso na realidade lingüística vivenciada pelo estudante.
Nesse sentido, deve-se, na apresentação de variantes desconhecidas, adotar
procedimentos que estejam calcados no conhecimento já adquirido pelos alunos.
126
Acredita-se que a correlação dos fenômenos lingüísticos à variedade de textos
empregados nas salas de aula e a divulgação de informações fundamentadas nos
resultados sociolingüísticos constituem procedimentos que podem colaborar para
reverter a mentalidade desmedidamente prescritivista que ainda se verifica em algumas
práticas pedagógicas. Desse modo, busca-se evitar uma postura que só tem servido
como instrumento de opressão lingüística, pois, ao invés de fazer com que o aluno se
interesse pelo conhecimento lingüístico, cada vez mais o afasta dele.
No caso do uso e da ordem dos clíticos pronominais, espera-se que, com base
nesta pesquisa e nas diversas descrições sociolingüísticas desenvolvidas, os professores
possam ter informações a respeito dos contextos condicionadores de cada variante para,
a partir de tais resultados, desenvolver procedimentos que façam do aluno um eficiente
usuário da língua nos diferentes contextos comunicativos a que diariamente é exposto.
Tais investigações apontarão os caminhos a serem seguidos para que se respeite a
opção consciente dos alunos pelo uso de determinada variante em textos orais ou
escritos e para que, em última instância, a escola cumpra seu papel educacional.
127
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132
7. ANEXO
Distribuição dos dados quanto às variáveis lingüísticas não selecionadas
A) Distância entre o atrator e o grupo clítico-verbo
DISTÂNCIA Oco. Valor percentual
nenhuma sílaba 62/471 13%
1 sílaba 01/04 25%
2 sílabas 02/07 28%
3 sílabas 04/09 44%
4 sílabas 01/02 50%
5 sílabas 00/02 0%
6 sílabas 00/05 0%
de 7 a 10 sílabas 00/03 0%
de 11 sílabas em diante 02/07 28%Tabela I: Freqüência da ênclise quanto à distância entre o atrator e o
grupo clítico-verbo.
O objetivo dessa variável era testar se a distância entre o atrator e o grupo
clítico-verbo realmente favorece a ênclise. A tabela acima demonstra que à medida que
o grupo clítico-verbo se “afasta” do atrator, pelo menos até a distância de 4 sílabas, o
percentual de ênclise aumenta. No entanto, já a distância de 04 sílabas tem uma
freqüência muito baixa (somente 02 ocorrências) e tal tendência continua, o que
impossibilita uma análise mais profunda. Qualquer afirmação mais segura sobre uma ou
outra tendência, diante de tão poucos dados, é pouco confiável. No decorrer da análise,
133
os fatores foram amalgamados, mas, ainda assim, a hipótese estabelecida não pôde ser
confirmada.
B) Tonicidade da forma verbal
TONICIDADE Oco. Valor percentual
monossílabo tônico 04/41 09%
oxítono 71/248 28%
paroxítono 43/300 14%
proparoxítono 00/01 0%Tabela II: Freqüência da ênclise quanto à tonicidade da forma verbal
Os resultados estatísticos obtidos quanto à tonicidade da forma verbal não
comprovam a afirmação de MONTEIRO (1994), de que o PB tenderia a uma “pauta
paroxitonizante”.
Em termos absolutos e percentuais, verificou-se a improdutividade de formas
proparoxítonas no “corpus” – houve apenas uma ocorrência, com a qual se deu a
próclise. As formas monossílabas tônicas registraram apenas 9% de ênclise; a alta
incidência da variante pré-verbal acarreta a formação de palavras fonológicas oxítonas e
não paroxítonas. Quanto às formas paroxítonas, verifica-se, também, baixo índice de
ênclise (14%). Nesse caso, evita-se a formação de proparoxítonos, conforme a hipótese
estipulada. Comparando todas as formas verbais, pode-se destacar que são as oxítonas
as que mais registram dados de ênclise (28%), casos em que se formam vocábulos
paroxítonos, de acordo com a hipótese.
134
Entretanto, de modo geral, como a tendência à próclise é muito expressiva em
contextos com todas as formas verbais, não se pode, de fato, confirmar a hipótese
motivadora do grupo de fatores “tonicidade”.
C) Forma do verbo:
FORMA DO VERBO Oco. Valor percentual
Presente do Indicativo 21/141 14%
Pret. Imperfeito do Indicativo 05/82 06%
Pret. Perf. do Indicativo 29/209 13%
Pret. Mais que Perf. 00/01 0%
Futuro do Pretérito 00/02 0%
Futuro do Presente 00/02 0%
Presente do Subj. 01/11 09%
Pret. Imp. Subj. 00/01 0%
Infinitivo 52/109 53%
Gerúndio 09/23 39%
Particípio - -
Imperativo 01/06 16%Tabela III: Freqüência da ênclise quanto à forma do verbo
A análise detalhada deste grupo de fatores fez com que se agrupassem as variantes
por modo verbal e por formas nominais do verbo. Mesmo após a recodificação, o
comportamento dos dados, de modo geral, demonstrou que esse grupo apresentava
nítida superposição com o grupo tipo de oração. Por esse motivo, esta variável foi
excluída em diversas rodadas, conforme se esclareceu na metodologia.
135
A realização da ênclise é maior quando se trata de verbo no infinitivo, em
primeiro lugar, e no gerúndio. As formas verbais mais usadas pelos estudantes, como
Presente e Pretérito Perfeito do Indicativo, apontam para a média geral de ênclise do
corpus. As formas do subjuntivo registram índices baixos de ênclise.
136
MACHADO, Ana Carla Morito. O uso e a ordem dos clíticos na escrita de estudantes
da cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras. 136 p.
mimeo. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa.
RESUMO
Esta dissertação estuda a colocação dos clíticos pronominais na modalidade escrita da Língua Portuguesa, com base na análise de redações escolares de estudantes do ensino Fundamental e Médio de escolas públicas e particulares da cidade do Rio de Janeiro.
Por meio de uma análise sociolingüística, observam-se, dentre os condicionamentos lingüísticos e extralingüísticos, os contextos favorecedores da ênclise.
As hipóteses testadas relacionam-se ao objetivo geral do trabalho e procuram dar conta de que o processo de ensino/aprendizagem implica mudança(s) no desempenho lingüístico dos alunos no que se refere à produtividade e à ordem dos clíticos, sobretudo na modalidade escrita. Espera-se que, nas redações escolares, a maior freqüência de uso da ênclise nos contextos especificados pela norma idealizante esteja vinculada ao maior grau de escolaridade do estudante.
Tais hipóteses foram confirmadas pelos resultados deste estudo, que comprovaram um gradativo crescimento do percentual de uso da ênclise de acordo com o nível de escolaridade dos alunos. Com base nos resultados, são discutidos os conceitos de norma, variação e ensino, bem como a necessidade de se reconhecer a variedade brasileira como legítima.
137
MACHADO, Ana Carla Morito. O uso e a ordem dos clíticos na escrita de estudantes da cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras. 136 p. mimeo. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa.
ABSTRACT
This research concerns pronominal clitic order in Portuguese writing, by taking into consideration texts produced by students from primary and secondary grades in Rio de Janeiro public and private schools.
Based on the approach of Variacionist Sociolinguistics, social and linguistic constraints to the ocurrence of clitic pos-verbal position are investigated.
Hypothetical presumptions related to the research general proposal are made; it is generally assumed that educational learning process implies linguistic change in relation to clitic productivity and order, especially in written material. It is supposed that, in scholar texts, highest frequency of pos-verbal variant is correlated to idealized normative contexts, especially in the texts produced by higher grade students.
Results provided by the research confirm stablished presumptions in the sense that they prove gradual increasing of enclitic ocurrences proportionally to formal educational level. Relevant questions about linguistic norm, variation and learning process are raised by sociolinguistic analyses; in general terms, the research determines Brazilian variety legitimacy.
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