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92 ENGENHARIA/2005 569 e n g e n h a r i a METROLOGIA O uso incorreto de unidades de medida e suas grandezas Quais as regras para evitá-lo? WALFREDO SCHMIDT ENGENHEIRO ELETRICISTA, AUTOR DE LIVROS E AR- TIGOS TÉCNICOS, FOI CONSELHEIRO DO CREA-SP; ATUOU NA ELEVADORES ATLAS, SIEMENS E HMD (ME- TRÔ DE SÃO PAULO); FOI PROFESSOR TITULAR NO MACKENZIE, MAUÁ E FAAP; HOJE É CONSULTOR E PESQUISADOR, SECRETÁRIO DE COMISSÃO DA ABNT E MEMBRO DO CONSELHO DA ABEE-SP redação e a leitura de textos técnicos, tão freqüentes nas atividades profissionais de cada engenheiro, nos levam ao uso obrigatório de gran- dezas e de suas respectivas unidades de medida, associadas aos termos téc- nicos que se aplicam ao assunto trata- do. Somam-se a estes fatores, normal- mente valores numéricos que acompa- A RESUMO nham uma informação, um texto, uma proposta, cuja forma de redação tam- bém precisa ser observada. Porém, a escrita correta de todas es- sas informações, bem como a dos seus símbolos e plurais, “não fica a critério do seu autor”, e sim precisa atender a alguns documentos normatizadores, em que sua grafia é “padronizada”, do- cumentos estes que podemos exempli- ficar como sendo as normas técnicas da Associação Brasileira de Normas Técnicas, ABNT, da Comissão Eletro- técnica Internacional, IEC ou ainda da ISO, além das Resoluções Federais oriundas do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualida- de Industrial, Inmetro, este último en- focando o Quadro de Unidades de Me- dida do Sistema SI. Essas padronizações são em ge- ral de caráter internacional e, como tais, vigentes em todos os países que as adotam (como no Brasil), o que fa- cilita, entre outros, o entendimento entre esses países, razão pela qual também passam a ser adotadas pe- los setores técnicos do Mercosul, como também da União Européia, EU (Europe Union). O presente estudo visa comentar a aplicação destes documentos, ten- do em vista que, em diversos níveis e atividades, encontramos no Brasil ainda procedimentos conflitantes com essas determinações, “dando origem assim a erros”. Visa ainda tra- zer informações capazes de orientar os profissionais no uso correto dos documentos mencionados, indican- do as fontes de consulta existentes sobre o assunto. INCORREÇÕES MAIS FREQÜENTEMENTE ENCONTRADAS A análise das incorreções pode ser abordada de diversas maneiras mas, provavelmente, o modo mais direto é o de se apontarem os erros que são encontrados com maior freqüência, lembrando que “ninguém erra pelo prazer de errar”, e de apontar o ca- minho para evitá-los no futuro. O lei- tor, certamente, concorda que, no mí- nimo, esses fatos existem por uma “falha de formação”, que provavel- mente está ocorrendo desde que foi completado o ciclo básico e que se prolonga, comprovadamente, até de- pois de uma pós-graduação. Assim, vejamos alguns exemplos que bem enfocam o problema, para em seguida destacar as principais regras e a bibliografia disponível, encontrada na documentação das entidades normati- zadoras, citadas anteriormente. Exemplo 1 O uso do prefixo “quilo”, ou seja, 1 000, e que, como todo prefixo, “preci- sa ter associado a ele uma unidade de medida”, (por exemplo, quilograma, ou quilômetro), seja como uma moeda, um peso ou massa, força, velocidade, ten- são etc. Entretanto, com relação a esse ArtMetrologias.pmd 11/7/2005, 17:16 92

O uso incorreto de unidades de medida e suas grandezas - Quais as regras para evitá-lo?

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O uso incorreto de unidadesde medida e suas grandezasQuais as regras para evitá-lo?

WALFREDO SCHMIDTENGENHEIRO ELETRICISTA, AUTOR DE LIVROS E AR-TIGOS TÉCNICOS, FOI CONSELHEIRO DO CREA-SP;ATUOU NA ELEVADORES ATLAS, SIEMENS E HMD (ME-TRÔ DE SÃO PAULO); FOI PROFESSOR TITULAR NOMACKENZIE, MAUÁ E FAAP; HOJE É CONSULTOR EPESQUISADOR, SECRETÁRIO DE COMISSÃO DA ABNTE MEMBRO DO CONSELHO DA ABEE-SP

redação e a leitura de textostécnicos, tão freqüentes nasatividades profissionais decada engenheiro, nos levamao uso obrigatório de gran-

dezas e de suas respectivas unidadesde medida, associadas aos termos téc-nicos que se aplicam ao assunto trata-do. Somam-se a estes fatores, normal-mente valores numéricos que acompa-

ARESUMO nham uma informação, um texto, uma

proposta, cuja forma de redação tam-bém precisa ser observada.

Porém, a escrita correta de todas es-sas informações, bem como a dos seussímbolos e plurais, “não fica a critériodo seu autor”, e sim precisa atender aalguns documentos normatizadores,em que sua grafia é “padronizada”, do-cumentos estes que podemos exempli-ficar como sendo as normas técnicasda Associação Brasileira de NormasTécnicas, ABNT, da Comissão Eletro-técnica Internacional, IEC ou ainda daISO, além das Resoluções Federaisoriundas do Instituto Nacional deMetrologia, Normalização e Qualida-de Industrial, Inmetro, este último en-

focando o Quadro de Unidades de Me-dida do Sistema SI.

Essas padronizações são em ge-ral de caráter internacional e, comotais, vigentes em todos os países queas adotam (como no Brasil), o que fa-cilita, entre outros, o entendimentoentre esses países, razão pela qualtambém passam a ser adotadas pe-los setores técnicos do Mercosul,como também da União Européia, EU(Europe Union).

O presente estudo visa comentara aplicação destes documentos, ten-do em vista que, em diversos níveis eatividades, encontramos no Brasilainda procedimentos conflitantescom essas determinações, “dandoorigem assim a erros”. Visa ainda tra-zer informações capazes de orientaros profissionais no uso correto dosdocumentos mencionados, indican-do as fontes de consulta existentessobre o assunto.

INCORREÇÕES MAISFREQÜENTEMENTE

ENCONTRADASA análise das incorreções pode ser

abordada de diversas maneiras mas,provavelmente, o modo mais direto éo de se apontarem os erros que sãoencontrados com maior freqüência,lembrando que “ninguém erra peloprazer de errar”, e de apontar o ca-minho para evitá-los no futuro. O lei-tor, certamente, concorda que, no mí-nimo, esses fatos existem por uma“falha de formação”, que provavel-mente está ocorrendo desde que foicompletado o ciclo básico e que seprolonga, comprovadamente, até de-pois de uma pós-graduação.

Assim, vejamos alguns exemplosque bem enfocam o problema, para emseguida destacar as principais regras ea bibliografia disponível, encontrada nadocumentação das entidades normati-zadoras, citadas anteriormente.

Exemplo 1O uso do prefixo “quilo”, ou seja,

1 000, e que, como todo prefixo, “preci-sa ter associado a ele uma unidade demedida”, (por exemplo, quilograma, ouquilômetro), seja como uma moeda, umpeso ou massa, força, velocidade, ten-são etc. Entretanto, com relação a esse

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prefixo, encontramos uma série de in-correções, tais como:1.1. A grafia desta palavra não é“kilo”, como se vê freqüentemente, porexemplo, nos restaurantes, quitandas,feiras etc. Este fato é antes de maisnada, “um erro de grafia da línguaportuguesa”;1.2. O prefixo “quilo” vem freqüente-mente “sem uma unidade de medida”(como nos restaurantes, o “kilo” decomida), subentendendo-se tratar depeso ou de massa. Veja o que mostra afigura 1.1.3. A abreviatura ou o “símbolo” des-sa grandeza e seu prefixo, escrito comosendo KG ou Kg, ambas formas erra-das. O correto é escrever “kg”, ambasletras minúsculas, segundo determina-ção do Inmetro. Portanto, prefixo e uni-dade, com letras minúsculas. Isto por-que, o “K” maiúsculo é o símbolo daunidade kelvin, e o “M” maiúsculoidentifica o prefixo mega.

O exposto vem baseado nas seguin-tes regras contidas no Quadro de Uni-dades SI:

A grafia dos símbolos dos “prefixos”deve obedecer a tabela 1, do Sistema SI,e a “unidade de medida”, não sendoderivada de nome próprio, tem seu sím-bolo escrito com letra minúscula.

Todo valor numérico vem segui-do de uma unidade de medida, comou sem prefixo, a menos dos casos emque estamos usando valores relativos(por exemplo permeabilidade magné-tica relativa), onde não temos umaunidade de medida.

Cada unidade de medida se repor-ta a uma grandeza, que vem definidana norma ISO 31.

Exemplo 2Outra grandeza freqüentemente

usada é o “metro”, com ou sem prefixo(quilômetro, por exemplo). O seu sím-bolo é apenas um “m” minúsculo, es-tando “erradas” formas como M, MTS,MTs, e outras encontradas, ou ainda,no caso do quilômetro, formas comoKM, Kmts etc. Este erro se amplia quan-do do uso do símbolo da grandeza “ve-locidade”, redigida como sendo KM,KM/H, Km/H etc., pois, aplicando aregra antes enunciada, o “h” de hora éminúsculo como também o “k” e o “m”

desta unidade demedida. Veja osexemplos das figu-ras 2 e 3.

Exemplo 3Ainda aprovei-

tando a citação da“hora” na figura 1,e vale lembrar quea unidade de tem-po “segundo” temseu símbolo comosendo um “s”, sim-plesmente, e o “mi-nuto” tendo o sím-bolo “min”. Portan-to, está “errado”usar como símbolodo “segundo” a grafia “Seg.”, “seg.”etc. Se assim, tivermos t =1 minuto, oseu símbolo será t = 1 min. Se, poroutro lado, tivermos t = 10 minutos, oseu símbolo será t = 10 min, (e não 10mins), pois abreviando como indica-do no parêntesis, o seu significadoseria 10 minutos-segundos, o que evi-dentemente é um absurdo.

Assim, naquela figura 1, aparece“grs”, para informar o custo das “gra-mas” de alimento. Só que, interpre-tando “grs”, teríamos o “g” comosendo “gramas”, o “r” sozinho, mi-núsculo, não existe como símbolo deunidade de medida e o “s” é o símbo-lo de “segundo”.

Portanto, nova regra:Não existe plural do símbolo de

uma unidade de medida. O símbolo éo mesmo no singular e no plural.

Exemplo 4Na medição de energia, utiliza-se

o “watt”, cuja grafia é feita com to-das as letras minúsculas, com seusímbolo sendo o “W” maiúsculo, ten-do como um dos seus múltiplos maisfreqüentes, o quilowatt (kW). Formaalternativa que pode ser usada ain-da, apesar de não pertencer ao Siste-ma SI, é o “cavalo vapor”, símbolo“cv” minúsculos, não se admitindomais, (já há algum tempo), a unidade“horse power”.

Acrescente-se ainda o quilovolt-ampére, ou, no símbolo, kVA (k minús-culo e VA maiúsculos).

Exemplo 5Uma rápida referência aos “termos

técnicos”, encontrados com suas defi-nições nas respectivas normas técni-cas ou no Vocabulário Internacional deTermos Básicos e Gerais de Metrologia,também publicado pelo Inmetro. Voufazer a citação de alguns termosindevidamente utilizados em engenha-ria elétrica, apesar de haver exemplosem qualquer outra das áreas técnicas,a saber:5.1. O termo “voltagem”. Esse termo,que designa a grandeza “tensão elétri-ca”, não existe na terminologia brasi-leira “e não pode ser usado”. O únicotermo admitido é “tensão elétrica”,medido em “volt” (todas letras minús-culas), símbolo U maiúsculo (e não V),medido em “volts” com todas as letrasminúsculas (símbolo V maiúsculo).Veja a figura 4, de uma etiqueta em umhotel de uma das principais cidadesbrasileiras.

Na mesma situação de “termos téc-nicos não admitidos”, estão as pala-vras amperagem (usar corrente),wattagem (usar potência), conduit(usar eletroduto), tap (usar derivação),shunt (usar derivador), diagrama (usaresquema), e outros mais. Consulte a ter-minologia das normas, antes de se ex-por, ao empregar termos não existen-tes tecnicamente.

Os casos de erros são muitos, o quenos leva a propor uma atenção especialsobre o assunto, pois, lamentavelmen-te, quem utiliza unidades de medida,

Figura 1 - Uma placa de um restaurante, informando fornecer comida“p/kilo”. Encontramos aí quatro erros: o símbolo da palavra “kilo” (ocorreto seria “quilograma”), o símbolo de grama (é apenas um “g”minúsculo), a ausência da moeda em que a comida é oferecida, e ohorário de almoço, onde a abreviatura da unidade de tempo, a horano caso, está como “hs”, ao invés de simplesmente um “h” minúsculo,sem “s”

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termos técnicos e símbolos errados ex-põe claramente o seu desconheci-mento do assunto, “o que não é nadarecomendável no meio técnico em queatuamos”.

POR QUE ISSO ACONTECE?Se, de um lado, é raro encontrar-

mos textos errados quanto à sua orto-grafia e concordância, por que mos-tram-se assaz freqüentes os erros nouso de unidades de medida e de suasgrandezas? A resposta parece quepode ser encontrada em alguns fatosque cada um de nós pode constatar, eque são:1. Enquanto a língua portuguesa nos éensinada anos a fio, em diversos ní-veis, muitos dos profissionais de ati-vidades técnicas terminam o seu estu-do profissionalizante de 2o e 3º graus,ou mesmo de pós-graduação, sem umasólida informação quanto ao uso denormas técnicas, de unidades de me-dida e de suas grandezas, por absolu-to “descuido” de seus professores dasdisciplinas profissionalizantes. Per-gunto: “Quantos dos leitores deste ar-tigo utilizaram as normas técnicas emsuas aulas de projeto, de materiaisetc.?” Posso afirmar com segurança quenão corresponde à realidade a alega-ção que “o texto de norma não é ade-quado ao ensino”, sempre que, junta-mente com o uso da norma, sejam da-das explicações técnicas para o seu en-tendimento, o que, aliás, é basilar paraque o profissional use corretamente

Figuras 2 e 3 - É a de um luminoso na entrada de um túnel recém inaugurado em uma grande cidade brasileira, onde na primeira vista, aparece: “velocidademáxima”, e logo em seguida; “60 KM”. Portanto, a velocidade dada em quilômetros (que não é unidade de velocidade e sim de distância), com o “quilo” comsímbolo errado (deveria ser “k” minúsculo), o “metro” com símbolo de um M maiúsculo (deveria ser “m” minúsculo) e faltando a unidade de medida dotempo (supostamente deve ser neste caso a “hora”, ou seja, “h” minúsculo)

uma norma técnica! Umalerta, portanto, a algunsdos nossos caros profes-sores.2. O livro que, na formade texto-base, utilizamoscomo alunos, freqüente-mente está desatualizadoem relação às normas aque deve atender. “Essefato ocorre devido à faltade cuidado dos autores eeditores” desses livrosem mantê-los atualiza-dos e “válidos”, tantoquanto às normas quan-to ao que vimos em rela-ção ao uso correto de todos os deta-lhes que definidos no Sistema SI e naISO 31. O que está sendo afirmadoquanto aos livros se amplia conside-ravelmente se observarmos que nas re-vistas técnicas, com raras exceções,ocorrem as mesmas deficiências.Observe: um livro, um artigo, um re-latório, um texto enfim, que não res-peita os documentos mencionados,pode perfeitamente ser consideradosem validade.3. Sem entrar na análise dos critéri-os que devem ser adotados, gostarí-amos de observar que a redação cor-reta de “valores numéricos” tambémestá definida no Quadro de Unida-des SI, destacando-se modos diferen-tes de sua redação em documentostécnicos, documentos jurídicos e do-cumentos comerciais. Para se infor-

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Metrologia Aplicada – Engº.Profº. Walfredo Schmidt.(e-mail: [email protected]).2. Documentação técnica doInmetro e ABNT.

Figura 4 - Etiqueta informando, em português e em inglês, atensão existente nas tomadas. Informação muito útil, porém,usando um termo “que não existe” na terminologia, e o símbo-lo da unidade de medida, o volt, deveria ser um “V “maiúsculo,e não minúsculo, como está. Deveria ser “tensão 220 V ou ten-são elétrica 220 V”. Também não informa se é corrente contí-nua ou alternada

mar a respeito, sugerimos consultara bibliografia mencionada. Um e-xemplo de redação incorreta de umvalor numérico numa aplicação téc-nica: vem a indicação de uma dis-tância em “1.000 m”, ao invés de“1 000 m”. “Não se deve usar o pon-to separando os números de três emtrês”. A regra estabelece: deixar umsimples intervalo (1 000), ou escre-ver os números juntos (1000).

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