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O velho do ResteloIV Canto
Os LusíadasCamões
Episódio do Velho do Restelo
Estrutura externa – canto IV (94-104)
Estrutura interna - Reinado de D. Manuel
- Após os preparativos
da viagem
- Despedida de Belém
Restelo é o nome da praia de onde, no dia 8 de julho de 1497, partiram as caravelas de Vasco da Gama em busca do perigoso e desconhecido caminho marítimo para a Índia.
O Discurso Histórico
Na época da expansão mercantilista, entre os séculos XV e XVI, havia duas correntes de opinião em Portugal: uma voltada para os valores medievais, mais
preocupada com a agricultura e com os princípios da velha nobreza fundiária ;
outra voltada para a renovação do perfil económico do país, mais preocupada com o comércio e com os princípios flutuantes da burguesia em ascensão.
Sentido do Episódio
O episódio do velho do restelo é um fragmento da sequência conhecida como a partida das Naus, em que se narra o embarque oficial dos navegantes, antecedido de procissão solene e despedidas espontâneas.
A partida das Naus inicia–se na estrofe 84 e termina na estrofe 93 do canto quarto. Na despedida dos navegantes havia mães, esposas, filhas, crianças, meninos e velhos, entre eles o velho do restelo.
O Discurso Literário
Quando as Naus já se encontram no Atlântico, surge um grito vindo da praia: é o velho do restelo, homem austero do povo, que não consegue calar-se diante da imprudência da viagem. Aquela aventura não encontrava justificação senão no desejo de mando e na ambição de glória
Perfil do Velho
Em termos extremamente simplificados este é o conteúdo do velho do restelo:
‘’A vaidade do rei confundia-se com a vaidade comum de todos os mortais, sempre enganados pela ilusão de progresso e de inteligência. Teria sido melhor o homem jamais ter inventado a caravela do que expor todo um povo a tão arriscada viagem”
O protesto do velho do restelo
O episódio é constituído por duas partes:
1- apresentação da personagem ( est. 94) 11- discurso do Velho do Restelo (est. 95 a 104).
94"Mas um velho d'aspeito venerando,
Que ficava nas praias, entre a gente, Postos em nós os olhos, meneando Três vezes a cabeça, descontente, A voz pesada um pouco alevantando, Que nós no mar ouvimos claramente, C'um saber só de experiências feito, Tais palavras tirou do experto peito:
Caracterização do Velho do Restelo- a idade ("velho"), - o aspecto respeitável ("aspeito venerando"),- a atitude de descontentamento ("meneando a cabeça, descontente"), - a voz solene e audível ("A voz pesada”) - a sabedoria resultante da experiência de vida (“Cum saber de experiências feito; experto peito”)
11- Discurso do Velho
a) Primeira parte (est. 95-97) - condena o envolvimento do país na aventura dos descobrimentos
b) Segunda parte (est. 98-101) - propõe uma alternativa à geração de Adão: o Norte de África. c)Terceira parte (est.102-104) - recorda figuras míticas do passado
que representam a ambição
95"Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta vaidade, a quem chamamos Fama! Ó fraudulento gosto, que se atiça C'uma aura popular, que honra se chama! Que castigo tamanho e que justiça Fazes no peito vão que muito te ama! Que mortes, que perigos, que tormentas, Que crueldades neles experimentas!
96"Dura inquietação d'alma e da vida,
Fonte de desamparos e adultérios, Sagaz consumidora conhecida De fazendas, de reinos e de impérios: Chamam-te ilustre, chamam-te subida, Sendo dina de infames vitupérios; Chamam-te Fama e Glória soberana, Nomes com quem se o povo néscio engana!
97"A que novos desastres determinas
De levar estes reinos e esta gente? Que perigos, que mortes lhe destinas Debaixo dalgum nome preminente? Que promessas de reinos, e de minas D'ouro, que lhe farás tão facilmente? Que famas lhe prometerás? que histórias? Que triunfos, que palmas, que vitórias?
a) Visão negativa dos descobrimentos
Causas da aventura marítima« -"vã cobiça", “glória de
mandar”,"vaidade", « - "fraudulento gosto", “inquietação de
alma”, “digna de infames vitupérios" « - "Fama", "honra",“chamam-te ilustre,
chamam-te subida", « - “chamam-te Fama e Glória soberana"
“Nomes com quem se o povo néscio engana".
Consequências da aventura marítima:
- mortes, perigos, tormentas,
- crueldades, desamparo das famílias,
- adultérios, desastres,
- empobrecimento material,
- destruição de fazendas e impérios.
98"Mas ó tu, geração daquele insano,
Cujo pecado e desobediência, Não somente do reino soberano Te pôs neste desterro e triste ausência, Mas inda doutro estado mais que humano Da quieta e da simples inocência, Idade d'ouro, tanto te privou, Que na de ferro e d'armas te deitou:
99"Já que nesta gostosa vaidade
Tanto enlevas a leve fantasia, Já que à bruta crueza e feridade Puseste nome esforço e valentia, Já que prezas em tanta quantidades O desprezo da vida, que devia De ser sempre estimada, pois que já Temeu tanto perdê-la quem a dá:
100"Não tens junto contigo o Ismaelita,
Com quem sempre terás guerras sobejas? Não segue ele do Arábio a lei maldita, Se tu pela de Cristo só pelejas? Não tem cidades mil, terra infinita, Se terras e riqueza mais desejas? Não é ele por armas esforçado, Se queres por vitórias ser louvado?
101"Deixas criar às portas o inimigo,
Por ires buscar outro de tão longe, Por quem se despovoe o Reino antigo, Se enfraqueça e se vá deitando a longe? Buscas o incerto e incógnito perigo Por que a fama te exalte e te lisonge, Chamando-te senhor, com larga cópia, Da Índia, Pérsia, Arábia e de Etiópia?
b) Razões para uma alternativa
- religiosa ("Se tu pola Lei de Cristo só pelejas?"),
- material ("Se terras e riquezas mais desejas?"),
- militar ("Se queres por vitórias ser louvado?").
Novas consequências maléficas
- fortalecimento do inimigo ("Deixas criar às portas o inimigo") - despovoamento e enfraquecimento do reino.
102"Ó maldito o primeiro que no mundo
Nas ondas velas pôs em seco lenho, Dino da eterna pena do profundo, Se é justa a justa lei, que sigo e tenho! Nunca juízo algum alto e profundo, Nem cítara sonora, ou vivo engenho, Te dê por isso fama nem memória, Mas contigo se acabe o nome e glória.
103 "Trouxe o filho de Jápeto do Céu
O fogo que ajuntou ao peito humano, Fogo que o mundo em armas acendeu Em mortes, em desonras (grande engano). Quanto melhor nos fora, Prometeu, E quanto para o mundo menos dano, Que a tua estátua ilustre não tivera Fogo de altos desejos, que a movera!
104 "Não cometera o moço miserando
O carro alto do pai, nem o ar vazio O grande Arquiteto co'o filho, dando Um, nome ao mar, e o outro, fama ao rio. Nenhum cometimento alto e nefando, Por fogo, ferro, água, calma e frio, Deixa intentado a humana geração. Mísera sorte, estranha condição!"
c)- Exemplificação através de figuras míticas
- o inventor da navegação à vela - "o primeiro que, no mundo, / Nas ondas vela pôs em seco lenho!".
- Prometeu, criador da espécie humana -"Fogo que o mundo em armas acendeu”.
- Os casos de Faetonte e Ícaro, “Não cometera o moço miserando e o grande arquitector co filho”
MALDITOS / SE ACABE O NOME E GLÓRIA
Simbologia
do Velho do Restelo
O que representa este Velho?
- a voz do bom senso - contrária à viagem para a Índia- opção pela ligação à terra-mãe
- voz do próprio Camões - o poeta humanista- o plano da sabedoria
- tese (antítese) a que a epopeia se contrapõe
- lealdade ao Rei e à pátria (amor da pátria)- procura de um ideal (Ilha dos Amores)
A queda do homem associa-se ao mito de Prometeu, aludido como filho de Jápeto na estrofe 103 do episódio.
A sua fábula é essencial ao entendimento do ideário do velho do restelo: Prometeu era um dos Titãs que se revoltaram contra o domínio de Júpiter. Tendo feito uma estátua de barro, Prometeu roubou o fogo dos deuses para animar sua criação. Como castigo pela ousadia, júpiter ordenou que Vulcano, o ferreiro dos deuses, o amarrasse no cáucaso, onde os abutres lhe comiam o fígado, que renascia e era de novo comido. Prometeu é o símbolo da civilização, da indústria , da sabedoria e do desejo humano.
Relação entre os Lusíadas e “os Deuses”