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8/19/2019 OBALDIA, René de - O Defunto
http://slidepdf.com/reader/full/obaldia-rene-de-o-defunto 1/4
PERSONAGENS:
De René de Obaldia
JUUE
M D ME C VAN
FUNTO
Vitor.
.. Eu seria
capaz
de
lhe
ar
ranjar
todas
as mulheres
do mundo,
se isto
pudesse
fazê-lo s lt r
do
tú
mulo.
MME.
-
Você
seria.
capaz de
che
gar
a
este ponto?
JULIE
-
Mais longe
ainda,
Mme.
Cavan,
mais
longe ainda. A
paixão
não
se detém
a
pequenos detalhes.
O
pior
é
que enquanto ele vivia eu
-
nha
precisamente
que me conter.
Quando
eu
penso
na
cena
que eu fiz
com
avendedora de leite, no
velório,
com cenas de ciúmes
...
MME.
- A
vendedora
de
leite?
Ela
se deixa
resvalar
pela
cadeira.
Fica
de joelhos
e junta as mãos) Vi
tor, pelo amor de
Deus, me
perdoa.
JULIE
-
Por
favor, Mme., conte
nha-se.
Se alguém nos visse agora
...
lulie se levanta)
A dor
nos sufoca.
MME. -
Se eu
entendi b
em
, Vitor,
digamos .. , a negligenciava?
JULIE
- A
mim?
Absolutamente.
MME.
- Mas então .. .?
JULIE - Sabe, antes da
paralisia
meu marido já não
era
o mesmo. A
gente ficava
às
vezes dez, doze, treze
dias sem ...
MME. -
Ah
JULIE - Aprincípio eume acusa
va: Julie você é fria , Julie
você
não
alcança
as
alturas
do
teu
V
to
r.
Julie
,
você
não
tem fôlego.
MME.
-
Ele era mui to
exigente?
JULIE
-
Exigente? Sim
e não . ..
Rafiné,
sobretudo
r íiné . . O meu
querido
Vitor
tinha sang
ue azul
...
Mas,
d
epois
de
me acu
s
ar bastante
,
eu
comecei a achar
que
e
st
ava e
xage
rando. Afinal,
eu
era capaz de ali
mentar
uma fogueira respeitável.
Uma
noite
,
depois
que
ele
chegou,
ainda mais tarde que de
costum
,
fui
falar
com ele
no
banheiro. Fechei
a
J
ULIE
-
Sobretudo
à
noite.
MME. -
Nosso
querido Vitor. Dá
um suspiro)
JULIE
- Ele gostava
muito
da se
nhora.
Antes de
ficar
mudo,
falava
na senhora.
MME.
-
Mas meu Deus Que
idéia a dele de ficar mudo
J
ULIE
- A
paralisia,
querida, a
p r lisi Começou pelo lado di
reito ...
MME. - Olado do
fígado.
J
ULIE
-
Como é?
Nenhum
cenário.
lul
e
Madame
MME.
- O
lado
do
fígado.
À
Cavan
entram
pelos
dois lados do pal-
querda
éo coração, à direita é o
f
í
co,
cada uma trazendo uma cadeira.
gado.
Mme.
Cavan
tem cerca de cinqüenta
h
h
. JULIE
- É...
Parece
...
Muito
anos
e
usa c apeu extravagante,
c o
antes da
primeira crise
eu
devia ter
de
pássaros.
lulie,
de
luto, éuma
viú-
va ainda
mais
jovem.
Elas
tra
zem desconfiado .. .
cadeiras
até
o centro da cena. Colo- 1 MME. - Se
eu
pudesse saber
cem-nas lado
lado, sentam e ficam
JULIE
-
Nós
tínhamos cada vez
em s
êncio alguns segundos.
menos menos
relações . . .
Reconhecendo-se
de
repente,
le-
MME.
-
Ah
É?
Me
conta.
vantam-se
como duas molas.
Abra
JULIE - Mas isto fica entre nós,
çdm-se
e
se observam durante algum
hein,
Mme. Cavan?
tempo.)
i
MME. - Julie, você conhece mio
MME.
_ Que surpresa
agradável
nha discrição. Mas
você ia
dizendo
Como tem
passado?
qu
e
suas relações
.
JULIE
-
Oh
Asenhora s be JULIE -
n f i ~ Meu
marido
. . . era o que se podia chamar de
um
MME. -
Eu
sei
se
I
r e v ~
vai
coelho em
brasa.
fazer
um ano
que
VItor
nos
deixou
.
i
M
Ih
b
R )
O
ME
. -
Co
e o
em
ra
sa.
JULIE
-
Tres ano
s,Mme.
Ca
va
n.
Ado
ro essa expressão.
MME. - Quer
diz
er, três an.os.
JULIE
_ Muito quen
te
mesmo.
C ffiO o tempo
passa Oh
Querido
Acho que ele incendiou todo o
com
-
Vitor. bustível da redondeza.
JULIE
-
São
os
m
nutos
que
são
:
MM
E_
Oh
longos.
JULIE
- Onúmero de secretárias
MME.
- Pois
é.
e
de
datilógrafas que
fizeram carrei-
JU
I
E-
São
os
minutos
que s
ão
ra na
seção dele
. . ,
longos.
MME.
-
Não
é
pos
sível
MMB. - Realmente. Sobretudoà
JULIE
-
Não
pense a senhora que
36
noite.
eu estou falando mal do
meu pobre
8/19/2019 OBALDIA, René de - O Defunto
http://slidepdf.com/reader/full/obaldia-rene-de-o-defunto 2/4
p
orta
a chave e lhe disse: VITOR,
PRÁ MM JÁ CHEGA. ESCOLHE,
OU
EU
OUON
CANOR.
MME.
-
Nicanor?
JULIE
-
É. C
seu
novo
contador.
Manipulando os dedos ironicamente
MME.
-
Mas
o
Vitor
...
JULIE - Evidentemente o rapaz
era
lindo.
Os olhos,
sobretudo.
MME. -
Mas minha
pobre Julie,
você não sofre com
isso?
MME.
-
Me
cansar?
De
jeito
ne
nhum. Mas
o
que
Vitor
respondeu
quando
você falou no
Ncanor?
,
JULIE
-
Nada. Foi
a
partir daí
que
e
le ficou mudo. terríve
l do
en
ça
já
lhe
devorava
a medula e
eu
o
acusava com mesquinharias,
com mi
núsculas questões
, com
pequenos
pontos de
vista.
Cai de joelhos)
Vi
tor, me perdoa.
MME. - Por favor, Julie. Sente
se...
Se
alguém nos vê...
,
JULIE
-
Desculpe-me.
O
re
mo
rs
o
me mata.
um
pouco de
Vitor na senhora, Mme.
JULIE -
Por favor, querida
Cavan. Terrivelmente, subitamente
Vitor
MME. -
Escute
,
minha
amiga. Eu exige este chapéu.
já passei por dur as provas na minha MME.
Tremendo
-
Tom
a.
Já
. existência. MAS, REALMENTE, que isso deixa você
tão
feliz .
EU NÃO
EST
OU
MORTA
JULIE
Saltando sobre
a
cabeça
JULIE -
Mas
a
senhora
vai mor- -
Como
'é
que
você
tem coragem
rer, Mme. Cavan.
Pode crer.
A
se- I de me
falar
de felicidade?
Exami-
nhora vai morrer. ' nando ternamente o chapéu
-
Oh
M
ME S
I
M
que
belos pássaros.
. - llll,
sm,
vamos.
as ' . .
Julie você não
está
no
seu estado MME. - Fala mais
de
VItor, do
n o r ~ a
Ora, Ju lie, você ainda é jo-
q u e ~ d o
Vitor. Aprimeira vez,que
eu
JULIE - Eu canso a senhora com vem. Terra continua girando, as o VI fOI enterro de sua avo.
as minhas
estórias?
árvores nascendo
os
pássaros can-
gre
Voce
se
lembra do enterro de
tando,
o
UNIVERSO.
..
sua
avó?
Bons
tempos
JULIE -
Os
pássaros. Vitor
ama- JULIE
Pensativa
:
Lembro.
Foi
va
os pássaros.
Fixando
com um
ar
VItor que matou vo
vo.
distante o chapéu
de Mme.
Cavan
MME. - Hein? ..
Me
dá
esse chapéu. JULIE
-
Escuta,
a
partir de
uma
MME.
-
Meu chapéu? certa idade
é
indecente continuar vi-
JULIE
É
S h
, S h
vo.
E
mais
que indecente, é
imoral.
- .
eu
c
apeu. eu
c
a-
. ' .
p
éu qu
e é
mais
que um
chapéu
; é . MME.
AterrorIZada
-
É
s o
um bosque.
Mme.
Cavan ,
um bos
- Justo.
que.
Por favor.
..
JULIE
-
Quer que
eu
conte
a
bis-
, . ?
MME. -
Nem
sonhando tona.
JULIE -
Eu lhe dou
o
meu. Se ~
- Eu
te
nho
medo
que
fique
isso
lhe
agradar.
muno tarde.. . A g
ente fala, fala,
fala, as horas
passam.
.. Mas conte...
MME.
- Eu não preciso que nin-
ME.
Olhalldo com ternura para
I guém
me agrade. Afundando com JULIE
VItor
vovo
por
Juli
e
-
Meu querido
anjo, minha
firm
eza
o
chapéu
na
cabeça
Cada
um potezmho de gelem.
pobre tulipa
negra.
coisa em seu
devido
lugar. MME. - Meu coração me
aban-
JULIE
-
Como
a senhora é boa
JULIE
_
Ele
amava
tanto os
pás-
dona.
Eu
,sinto que
meu
coração me
M C ·
D
t
b
.
I
abandona.
me.
a
vsn. exa omlar aca e-
sara
s. 1
pnmeira vez que
ee
estu
- .
ça nos seios da
amiga
prou uma menina, eu lhe
perguntei, J ~ L I E
I m a g I ~ e a c ~ n t e c e u
no
M
ME O J
I'
E
muito delicadamente
é
claro para porao. VItor seduziu
vovo e abusou
. - ra,
vamos
, li ie. li I Q d ' h .,
não sou Vitor.
não
.magoá-lo. - Vitor,
por que você
e
d
l i ~ n
o nos c egamos
la
, . fez
ISSO?
senhora
sabe
o que
ele
tar e. Rmdo maldosamente
Ela fOI
JULIE - E o que se dIZ respondeu? Madame Cavan
pálida
diz envenenada. Com satisfação Nós
a
MME. - Recomponha-se , Julie.
que não
com a cabeça Ela parecia encontramos morta
Ainda
é
preci
so
um
pouco de digni-
um passarinho
.
Era
um poe ta o
meu
MME. - Morta?
dade.
Vitor.
JULIE - A
gulodice
é sempre
pu-
JU
LIE
-
Todas
as vez
e
s,
que
eu
MME.
Para
si mesma
-
Não
é
nida. Naturalmente que
ninguém
da
encontro
um amigo
de Vi
tor, é um possível Um homem tão
distinto,
tão família disse
nada. Em
matéria de
pouco
dele
que
eu
reenc
ontro.
Há
pontual, não gritava nunca. honra, são todos muito severos. 'EVi-
8/19/2019 OBALDIA, René de - O Defunto
http://slidepdf.com/reader/full/obaldia-rene-de-o-defunto 3/4
tor tinha
sido
condecorado
com
aLe- I eu o
cruel
destino
da
mulher
que
I
JULIE Observandoas cadeiras)-
gi
ãodeHonra. não pode ser sem ser.
Que
não pode Elas parecemboas.
Sen
tam-se fren-
MME. _ Morta se
encontrar
sem se perder. Como te a frente, na cena. Longo silêncio)
JULIE :
Ei, Madame Cavan, o
o ~ s o eu
não.
ser
.mais, d e s ~ e o MME. -
Iudo em
casa nos deixa
que a senhora está sentindo?
o b J ~ ~
da
minha perda nao
exste
supor
que
você
atrav
essou por terr í-
. .
maIS.
.
MME.
-
Ar
. A
.
A
br
a as
Janel
as.
v
as
pro
vas.
, JUL IE-
Ma
so
qu
eque há? Aviú-
'.- A sen
hora
perdeu algu- l
JU LIE
-
Sim,
descu
lpe
-me.. . é
va sou eu ou a senh
ora?
ma COIsa? que de
repente
eu fiq
ue
i
tã
o
lí
rica.
MME. _ Abra as jane
as.
D
ei
xe J
ULI
E C o n t i n u
- Eu finjo
Mas a senhora
diz
coisas tão estr
a-
en
tr
ar
os pás
saros. ser.. Mas fazendo assnn
, eu
engano o
nha
s. ..
JULIE -
É
oseu chapéu que a se- Universo, a
.menor folha
de erva, eu MME. ,- Um
cIi
c;.. que
me
nhora quer? Tome Madame Cavan e ~ g a n o nnm
m e s m ~ . eu
engano a aco
ntece
as
vezes
. . ,
Ia
den
tr
o.
repõe o
cha
péu). VIda, VItor, meu herói, perdoa-me. ..
I
JUIE- Clic?
MME. - Quan
do
eu pensoque fui MME. - Vitor Esse n
ome
parece MME. -
É.
Um
Clic
.
par
a a
cama
com esse
m
on
st
ro.
le
mbrar
a
go
doloroso
na sua
me
nt
e)
J E - , .
S IA
. . E h ., . ULIE - ntao e ISSO (
I
enclO)
JULIE - O
que
a senhora disse u ac o que ja OUVI esse nome em M h .-
M
dame Cavan?
' al
gum lu
gar. Mas
vamos,
vamo
s,
l
e- tâ
asba
~ e t n l
ora esta com um c apeu
V
A t ao 1lI
_ vante-se. oce na
ura mente
esta
~ Um homem
ta
o p o n t exagerando. . .
MME
. Tirando o chapéu) - A
Cal
de Joelhos)Vtor,
meu
querido . senhora a
cha?
P
ode
ficar comee.
Vi tor, diga que não é verdade JUIE- Ador faz vaclarmeu es- .
. . .
píri
to. As sombras se
abat
em sobre JU
LIE
- Obngada. Eu vou
guar
-
JULIE -
Me
u quendo VItor . . d ?
N
o
T
dá
-lo
nomeu v
v
eiro de
pás saro
s.
Agora pe
rcebo. Ah
Deve ter acon- mim ,
on
e estou. m E ?
tecido entre 21 de marco e meados verdade que os granadeiros de Napo- MME. - Como .
de
julho.
Eu
lhe
perguntava:
O
que
leão
fo
ra
mà ,
Es
panha
para
c
omer
. - Euvou
g
ua
rdá-lo
no
meu
você anda fazendo, meu herói? E ele pastel?
Qu
em e a senhora, Madame? Vveiro de pássaros.
sempre
me
responda: Cavando, Ca- - Sua ami
ga.
MME. -
Co
moa senh
ora me
toca
vando , Então era isso ., J .
JUIE- Eu
acho que
Jaa encon- ULIE - Pode ser... mas
nm-
.MME. - AI,.a minha cabeça. A trei emagum lugar.
gué
m
me
loca . .. Eu não
so
u mais
mnha cabeça Levanta-se).
, .
que
uma
simples
aparência.
. . MME. - O
mundo
e tao pequeno.
JULE - Vitor, me perdoa .Oque
MME.
- Asenhora
deve
ter ra-
eu
não
devia
andar fazen
do
prá você JULIE - q u a n ~ o
uma zã
o. Umasimples apa
rê
ncia
S
ilêll-
se consolar com
essa
velha coruja p
ena
do
orosa
e
mcom
en
sur
avel ha- cio. Noutro tOI11
M
Olh
bi
ta
este
mundo.
Diga-me
Ma
da
me
, .
ME.
a
em vo ta
com um
,
d d d f d d
MME.
-
Ful
ano
,
tra
ga meu
cha-
olhar perdido) _ Q
uem
falou em e ver a e que
to
o corpo aun a o ,
coruja? numlíquido
recebe
um impulso ver- peu
,
A
' .. . tical de bai
xo para
cima, capazde se JUIE- Seu o que?
JULIE -
Perdã
o,
Madame. FOI
,
I ? M
S'
. d .
heró i . b . d b
Joga
r a
te as
estreas.
ME
- im, eve ser
mas
ou
meu
ero
i,
cUJa som ra ama co
re
. h .
todas as
coisas
.
MM
E - Sim, minha amiga. menos
seis oras
. . .
, J E f JULIE - Você acha Belt rano.
MME. - Queme
essa
muher? Co- UIE- ntao, eu voume a
ogar
. I
mo ela
dev
e estar sofrendo Apro xi- M N- d' b tei I MME. - Seis
horas
equinze
minu
-
. , . M. - ao
Iga
es
eJras,
que -
tos
ma-se
de
Ju
l
e)
Que
me a senhora? rida . Sente-se
aqui
. Olha, aqui tem ' , .
JULIE
-
Quem
é a
sen
h
ora
,
Ma-
du
as
cadeir
as
,
que
par
ec
e
te
re
msido . J
ULJE.
-
Ah
,
uma
pena.
FI
qu
e
dame?
luli ab
ismada na sua dor feitas para mime para você.
Sente- cmco minutos
mas
c
Of
ltinua a falar assim) Quem sou se aqu. MME. -
Realmente, eu
preciso.
8/19/2019 OBALDIA, René de - O Defunto
http://slidepdf.com/reader/full/obaldia-rene-de-o-defunto 4/4
JULI
Não
tão logo. Hoje esta
mos
sublimes. Que diálogo Sinto
frêmitos .. .
MM Eu também.
Mas
o tem-
po
passa.
.. e
as
obrigações . ..
JULI
Obrigações
...
.
MM
Amáquina de lavar .. .
buscar a carne no açougueiro .. do-
brar os jornais ..
espanar
opó das
janelas ..
Levantando-se
Vam
os
Fulano ten
ha nervos
. Nós n
os
ver
e-
mos
amanhã
. Amanhã como ontem
como depois
de
a
manhã.
JULI E nós falaremos
de
Vi-
tor?
MM
Se
você
quiser. Vou tra-
zer o meu gato.
JULI
Ah
Sim.
Traga. Assim
teremos
uma audiência. Madame
Cavan
fazendo
menção de
sair
Po-
rei meu vestido de casamento
com
um
lenço
negro.
MM Está
bem
. Aé logo. F
u-
lano.
JULI
Até
logo Beltrano. Elas
s
abraçam.
Saem
cada uma
para
um
lado
se voltam no
mesmo
momen
-
to
MM Cavan Amanhã . ..
JULI
À
mesma
hora
. . Saem
IM