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20/02/14 21:59Objetos verbais no identificados: um ensaio de Flora Sssekind - Prosa: O Globo
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Enviado por O Globo - 21.09.2013 | 07h50m
Objetos verbais no identificados: um ensaio de Flora Sssekind
Enquanto mercado e crtica privilegiam formas homogneas e estveis,afirmam-se na literatura brasileira contempornea experincias commultiplicidades de vozes e registros. Autores que trabalham com formascorais, em obras onde se cruzam falas, rudos e gneros, conectam-se a umalinhagem instabilizadora da literatura brasileira e produo recente decinema, teatro e artes plsticas. Assim, contrapem-se a movimentos atuaisde reafirmao de poticas tradicionais e de reforo ao que pesa no mercado
Por Flora Sssekind*
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Antes mesmo da ecloso das jornadas de junho, e das manifestaes aindaem curso no pas, um conjunto significativo de textos parece ter posto emprimeiro plano uma srie de experincias corais, marcadas por operaes deescuta, e pela constituio de uma espcie de cmara de ecos na qual ressoao rumor ( primeira vista inclassificvel, simultneo) de uma multiplicidade devozes, elementos no verbais, e de uma sobreposio de registros e demodos expressivos diversos. Coralidades nas quais se observa, igualmente,um tensionamento propositado de gneros, repertrio e categorias basilares incluso textual em terreno reconhecidamente literrio, fazendo dessasencruzilhadas meio desfocadas de falas e rudos uma forma de interrogaosimultnea tanto da hora histrica, quanto do campo mesmo da literatura. Eque no toa conectam este campo a outras reas da produo cultural. produo cinematogrfica recente basta lembrar, por exemplo, a presenasonora do mundo em filmes como O som ao redor, de Kleber MendonaFilho, ou A alma do osso, de Cao Guimares, pautados, respectivamente, naescuta da cidade e do silncio. atuao de coletivos artsticos, como oChelpa Ferro e seus experimentos com a arte sonora. reinveno do coro noteatro brasileiro das ltimas dcadas, como no trabalho de Jos CelsoMartinez Corra (neste milnio egoico, competitivo, de fim do neoliberalismo(...) um trabalho imenso reencontrar essa matria coral) e do Teatro OficinaUzyna Uzona no sentido de coros-protagonistas. A ele se acrescentando aao de grupos, como o XIX ou o Teatro da Vertigem, ou alguns trabalhospontuais (como Labirinto, verso de Moacir Chaves e da Cia Alfndega 88para dois textos de Qorpo Santo). Ou, ainda, a ao de companhias nosentido de outros modos, expansivos, de associao e troca de experincias(como o Coletivo Improviso), ligados com frequncia tambm a dilogosdiversos com o espao urbano (envolvendo por vezes, como em No olheagora, intervenes bastante breves, e em lugares pr-definidos).
No que no haja outras irrupes de modos corais na cultura literriabrasileira. Com frequncia, ligadas a certa instabilizao das formas e docampo cultural de modo geral. Lembre-se, nesse sentido, da dramatizaointerna em O Guesa, por exemplo. Um adensamento sonoro de tal ordemque parece tornar insustentvel qualquer horizonte ideal de univocidade.Lembre-se, igualmente, dos recortes de vozes em Oswald de Andrade, dacomposio por colagem de O homem e o cavalo, e da produo dos anos1920 de modo geral, momento de redefinio da prtica literria no pas.Assim como o momento da Tropiclia, que talvez possa ser pensado em seudialogo interartstico, em suas operaes coletivas, todo ele, como uma formade interveno coral. Assim como as vozes polimorfas em Francisco Alvim, odesdobramento do poema em vrias materializaes, como acontece na obrade Augusto de Campos, ou a belssima dramatizao interna da poesia deCarlito Azevedo, em especial depois de Versos de circunstncia.
A alguns dos textos dos ltimos anos que trabalham com uma lgica coraltalvez se pudesse associar a expresso objetos verbais no identificados,empregada por Christophe Hanna ao tratar dos processos, dos contextos e dofuncionamento crtico de certos experimentos literrios de difcil classificao.De difcil enquadramento, sobretudo, quando o seu campo de insero parecereforar no a especulao, mas a classificao, e os dispositivosinstitucionais, as normatividades, eixos conceituais ou interpretativos queprivilegiem homogeneizao, estabilidade, expanso controlada.
Nas formas corais, h uma interrogao
simultnea tanto da hora histrica quanto
A literatura na
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Impresses de um
observador literrio
Gibizada
As histrias em
quadrinhos no seu
devido lugar
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Contrastem-se a essa preferncia pelo identificvel os deslocamentosoperados por essas formas corais. Dentre as quais destacam-se a produorecente de Andr SantAnna (mesmo em monlogos mnimos, comoComentrio, na rede, sobre tudo o que est acontecendo por a); a deAntonio Geraldo Figueiredo Ferreira (As visitas que hoje estamos); VeronicaStigger (de que particularmente exemplar, nessa linha, Delrio deDamasco); Beatriz Bracher (No falei, Antonio, Cloc, Clac (o velho, obeb, voc, ela e eu)). Exemplos aos quais se poderiam acrescentar odesdobramento de estados de exceo, o eco interno de ditaduras, queconstitui (entre o ensasmo, o comentrio crtico, o testemunho, a fico) umlivro que estranhamente no encontrou ainda recepo mais vasta comoHistria natural da ditadura, de Teixeira Coelho. Ao lado do trabalho emregistro duplo (plstico/verbal) de Loureno Mutarelli (visvel, nas invasesgrficas de A arte de produzir efeito sem causa; e suposto, na srie demaos de cigarro de O natimorto), da bela flutuao de vozes por meio dasquais se arma (entre erros geogrficos e acasos fundamentais) o poema-relato de viagem que Engano geogrfico, de Marlia Garcia. Alm, claro,de Nuno Ramos, em cujo trabalho, para alm da dobra estrutural entre modosmeditativo e narrativo num livro como , h toda a srie de Falas,algumas das quais composies explicitamente corais que se ouvem em suasinstalaes plstico-sonoras.
No deixa de ser curioso observar, nesse sentido, em comentrios voltadospara a produo atual, a resistncia a por em xeque poticas incapazes decompreender o radicalmente novo (Hanna). Mesmo brevemente, talvez sejao caso de mencionar dois textos divulgados recentemente em O GLOBO, noSegundo Caderno. Como a defesa da profissionalizao do escritor e de umaexpanso do mercado literrio brasileiro, por parte de Luiz Ruffato, sem queesse elogio de um lugar profissional de atuao indique que lugar esse e oque significa ocup-lo. Tal defesa no parece envolver uma discusso maisampla sobre o que sustenta essas inseres, sobre o critrio de obra bemfeita, com temtica autojustificada, e sobre o respeito a modelos textuaispassveis de reaplicao pouco problemtica que parece guiar a possibilidadeda manuteno de contratos com grandes editoras e com o mercado externo.O que parece explicar, por outro lado, a perda de vigor de tantos escritoresque, por vezes, em seu perodo de formao, pareciam capazes de por prova os padres de inteligibilidade e interferncia disponveis na vidacultural. curiosa, igualmente, a ressurreio velada da literatura comorepresentao especular, apoiada em viso finissecular das noes de pontode vista e de gnero literrio, e numa compreenso sem ambiguidades, semcomplexidade, de literatura mesmo (vista como territrio afirmativo,homogeneizador, pautado por leitura temtica e por coeses identitrias nao, gnero, classe etc.), como sugeriu Regina Dalcastagn. Nesse sentido,as formas corais, muitas delas propositadamente desfocadas, muitasenvolvendo mltiplas formas de refigurao material (no adaptaes) ouuma suspenso propositada da formalizao, criam um problema paraesforos de encaixe crtico imediatos e sem ajuizamento (pois a alocao dasobras s prescinde de anlise se as gavetas de armazenamento semostrarem inalterveis), para compreenses restritivas de literatura queparecem no ir alm de oposies binrias sistmicas como as que opemfico e testemunho, sequencialidade e fragmentao, construtivo eexpressivo, e assim por diante.
Mesmo num texto com outra amplitude de observao, como A literaturaexigente, de Leyla Perrone-Moiss, divulgado na Folha de S. Paulo em 25de maro de 2012, que aponta rachaduras relevantes no campo literrio,
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estas se veem reduzidas, porm, a contraste talvez simplificador entreliteratura de entretenimento e literatura exigente, de proposta. E a umadefinio de exigncia regulada por generalizaes temtico-estilsticas(desconfiana, meias palavras, resduos, ausncia paterna) capazes de juntar,num mesmo grupo, obras de fato exigentes, autores para os quais cadaprocesso de formalizao igualmente problemtico, e outros cuja aparenteexperimentao apenas uma espcie de prt--porter literrio baseado emtcnicas j mais do que assimiladas, compradas prontas.
Produo complexa em meio
a uma retomada de linhas regressivas
no meio literrio brasileiro
Leyla Perrone sublinha, no entanto, um movimento de diferenciao. O que importante inclusive para se compreenderem movimentos reativos dereafirmao de poticas tradicionais ou de reforo ao que pesa no mercado.Pois, de fato, se parece assistir, nos ltimos anos, a desestabilizaesconsequentes que no se tem conseguido neutralizar. E que se contrapem aoesforo de reinstitucionalizao, de retomada de linhas regressivas decontinuidade na cultura literria brasileira (dentre elas, naturalismossimplistas, testemunhos empticos, inventrios de tipos, usos e costumes, opoema como tcnica pr-definida), o que se fortaleceu curiosamente aomesmo tempo em se desenhava, no plano poltico, o movimento deredemocratizao do pas. O que se pode perceber, no entanto, que est emcurso uma complexificao da produo, processo a que talvez no se tenhadado ainda, na mesma proporo, uma resposta crtica e conceitualsuficientemente vigorosa.
Da, talvez, em vrias dessas obras, explicitar-se, de sada, uma resistncia aqualquer captao formal mais imediata. o que anunciam as epgrafes deAs visitas que hoje estamos, de Antonio Geraldo Figueiredo Ferreira: asvozes todas num ouvido s (annimo), o romance uma espcie de coralde surdos-mudos em que autor e leitores imaginam ocupar a posio docorifeu (annimo), com os haveres de uns e outros que se enriquece opeclio comum (Machado de Assis). evidente, a, uma espcie de figuraoinforme de vozes distintas, inclusive regionalmente distintas, algumasevocando um universo interiorano, outras explicitando sua extrao citadina.Trata-se, em geral, de monlogos intencionalmente pela metade, pedaos devida que parecem dialogar uns com os outros. Mas se h essa explicitaocoral, por outro lado, o texto inteiro do livro oferece, ainda, outro inventrio.O livro se afigurando uma compilao de formas narrativas, de exerccio como aforismtico, com o poema breve, com o dilogo teatral, a rubrica, oemblema. Parte desses textos envolveria autores fictcios um com o nomedo escritor, mas outro sobrenome (Levi), que descreve uma pgina doromance (Ningum escreveu isso) como capa do seu, e o outro, EusbioSousa, autor defunto de um conjunto de sofismas e de uma pea, movidapelo incesto e por referncia constante ao universo rodrigueano, talvez asequncia narrativa mais longa, e mais prxima de alguma concluso, de todoo livro.
A exposio do entroncamento problemtico do rural e do urbano, de duasrealidades que so uma s, um esforo de releitura da tradio narrativabrasileira, e de contraponto entre compilao e esgaramento, marcam Asvisitas que hoje estamos. O que levaria Antonio Geraldo Figueiredo Ferreira arevisitar Machado de Assis, Guimares Rosa, Graciliano Ramos, Nelson
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Rodrigues, Francisco Alvim, em exerccios de evidente retomada, masindescartvel incompletude, observando-se, a cada um, certa nostalgia deformas que, j se sabe, no se podem empregar a no ser como relquias. Ocoro apontando, ao mesmo tempo, assim, tanto para certa aspiraocomunitria (desmentida em pequenas maldades aqui e ali), para aabrangncia ansiada do painel social, quanto para os limites de um pico queengenhosamente se esboa e inevitavelmente se esgara e teatraliza.
O livro recm-lanado de Bernardo Carvalho, Reproduo, tambm j abrecom duas referncias diretas (e conflituosas) a uma escritura vocal. Paraaumentar seu saber, escute o que dizem os outros e S ouvimos o queescutamos e s escutamos o que nos interessa: a segunda epgrafe anulandoironicamente a ideia de uma escuta vasta, desinteressada, exposta pelaprimeira. Anulao ampliada, ainda, ao longo do relato, pelo carter poucolcido e reacionrio do monlogo do protagonista, um estudante de chinsdetido durante um check-in pela Polcia Federal, e cuja lgica parece moldadapelos comentrios, na internet, sobre tudo o que est acontecendo por a.Evidencia-se, nesse livro, interlocuo intencional com o trabalho de Andr
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SantAnna, cujo interesse Bernardo foi dos primeiros a perceber. Em particularcom alguns dos narradores que Andr chama de famosos annimos imbecis,e que definiu, certa vez, como aqueles que antes viviam escondidos, masque, agora, com a internet, acham que tm opinio prpria e viramcomentaristas de sites, blogs etc., sempre repetindo opinies formadas,opinies imbecis normalmente. essa voz do lugar comum, de uma fraofrequentemente conservadora, autoritria, preconceituosa, racista, misgina,da opinio pblica, que funciona como uma espcie meio assustadora defigurao coral da maioria silenciosa nos textos de Andr SantAnna. E queecoa em textos-monlogos como Rush, O importado vermelho de No,mas tambm em narrativas mais longas, como Sexo, livro movido por umaespcie de mquina textual de clichs, tensionada, porm, por umaconstruo rtmica difcil e pautada, toda ela, em listas de repetiesincansveis, de expresses formulaicas e tipificaes diversas s quais seanexam mnimos fiapos de enredo, mnimos mesmo.
Esforo de figurao de dimenso
coletiva, a que talvez no se tenha
dado ainda resposta crtica vigorosa
H, pois, nesse contraponto entre lugar comum e ritmo exigente, umaestruturao segundo a qual a coralizao no se define apenas via vozplural, annima, como a princpio se poderia supor, observando os textos deAndr, mas, especialmente, via decalagem, repetio quase igual, massubmetida a pequenas variaes internas, um conjunto-em-diferenciao desegmentos quase idnticos. H economia rtmica igualmente exigente,estrutural, pautada numa voz, nas inflexes de uma voz, s que, desta vez,elusiva e individualizada, em Engano geogrfico, de Marlia Garcia. Umpoema-relato em que se vai do ele diz, ela diz, do ouve uma mulherdizer, a uma tenso constante entre a primeira e a segunda pessoas verbais,entre declaraes (acabo de ver dest, tudo opaco de um trem a 300km/h), hesitaes (falar falar falar/mas sobre o que se pergunta),interrogaes (lembra daquela vez?, o que foi fazer ali pergunta, o que foifazer no centro do mundo se pergunta). Um livro no qual, como no anterior,20 poemas para o seu walkman, Marlia Garcia, tendo a voz e a escuta comohorizontes de escritura, realiza exerccios narrativos que talvez devessem serlidos com mais ateno, fora do mbito da poesia tambm. Agora de extensomais vasta, amplia-se, no poema, o jogo de deslizamentos (geogrficos,focais) e porosidades (uma cidade em outra, vozes mltiplas numa voz) pormeio do qual, mais do que o percurso, um reajuste constante de entonaoe de percepes que empresta configurao dinmica a essas observaes.
Em O natimorto, de Loureno Mutarelli, uma forma-mercadoria que seapresenta simultaneamente como enunciao coletiva e orculo (a sucessode pacotes de cigarro, e de advertncias sanitrias e ilustraes mdicasdesastrosas que as acompanham) e com a qual dialoga tanto a sucesso derelatos em primeira pessoa do protagonista (um agente musical queinterpreta sua maneira as advertncias, como se fossem quase cartas detar), quanto a sequncia de dilogos entre ele e sua protegida (tambmfumante), a cantora cuja voz no soa. E via sucesso de cigarros (e deilustraes) e via alternncia discursiva (entre texto-propaganda, descrioimagtica, relato pessoal e conversa a dois ou a trs) que se constri comovaivm entre pequenos fios verbais um dos melhores textos de Mutarelli,no qual converte em dobra narrativa o que, em geral, constitui um processode composio em diferentes linguagens (grfico-verbal), como costuma ser oseu nas histrias em quadrinhos. Mas no a. A isso se insinua,
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mentirosamente.
H, tambm, transferncia material em Delrio de Damasco, de VeronicaStigger, que foi originalmente uma exposio de parte dos textos compiladosno livro, realizada, em 2010, em tapumes da unidade 24 de maio do SESCSo Paulo. Se o carter verbal dos fragmentos de conversa ouvida ao lu, dasfrases recortadas ou inventadas, semelhante na mostra e no livrinho, dadimenso minscula da publicao parece emergir a ideia de uma apropriaomeio secreta, indevida, fantasiosa s vezes, do rumor da rua. O queassinalam, mais uma vez, de cara, as epgrafes beira do contraditrio sobre o que a frase ouvida casualmente conteria de pressgio (De Quincey) eo comentrio de Oswald A gente escreve o que ouve nunca o quehouve. Livro composto inteiramente de vozes, que dialoga, assim, tanto comas apropriaes oswaldianas, quanto com a poesia coral de Francisco Alvim. Eassinala um processo de composio via ready-made como o seu emDestinos (extrado das linhas de nibus paulistas) ou Luana, de GranCabaret Demenzial, em toda a seo Histrias da Arte de Os anes, nosreclames, conselhos caseiros, ilustraes de poca que irrompem, vez poroutra, em Opisanie Swiata, e se mantm ali, soltos, desencaixados, quasecoisas, como Bopp, o senhor Andrade, Opalka, cujo decalque obrigatrio criauma espcie de relevo, de rugosidade, em narrativa enganosamente ligeira,plana.
No trabalho de Nuno Ramos, as apropriaes no tendem propriamente aodecalque derretem, afundam, colidem, esfacelam-se. No apenas quandose pensa nas colees de objetos quebradios (como em O globo da mortede tudo), nos pedaos de casas (de Ai, pareciam eternas! (3 lamas)), nosmateriais de textura visivelmente conflituosa. Tambm, em meio aos seusescritos, h os pedaos de coros trgicos (Mar Morto), de textos de vriaextrao (Carolina), de trechos de canes populares (em Vai Vai, ChoroNegro), que intervm crescentemente nas instalaes. Figuraes corais que,no seu caso, apontam para uma espcie de trava crtica prpria objetivaoda obra, num processo de formalizao dramatizado e redramatizado a cadanovo trabalho. Coralizaes reincidentes, como as que se verificam na vidacultural brasileira recente, sinalizando, no difcil perceber, um esforo defigurao de dimenso coletiva, apresentada, por vezes, de modo espectral,como comunidade ausente (para empregar expresso de Martin Megevand),e por vezes, no entanto, como falta ativa que, no campo literrio, temintensificado processos de redefinio movidos a formas diversas de prticacoral.
*Flora Sssekind crtica literria, pesquisadora da Fundao Casa deRui Barbosa, professora de Teoria do Teatro na UniRio e autora de "OBrasil no longe daqui", "Literatura brasileira e vida literria" e"Papeis coloridos", entre outros.
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