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Acampamento do movimento Occupy London na praa Finsbury, Londres, em novembro de 2011, Foto de Alan Denney.
Amar uma ideia1 Vladimir Safatle
Que tempos so estes,/ em que uma conversa
quase um crime,/por incluir/ o j explcito?
P a u l Ce lan , " U m a folha, desarvorada, para Bertolt Brecht"
O espao do universal
O que vocs esto fazendo aqui? E s s a me parece u m a boa m a -
ne i ra de comear. At porque no so poucos os que d i z e m que vo -
cs no sabem a resposta. M a s , p a r a m i m , se h algum que sabe
o que faz so vocs. N a verdade, vocs so peas d a engrenagem
Transcrio de uma conferncia improvisada no Vale do Anhangaba, em outubro de 2011, a pedido de estudantes que se mobilizaram atravs do movimento Ocupa Sampa. O texto guarda seu carter oral, acrescido em alguns pontos, para esta edio, de trechos que escrevi sobre as manifestaes de 2011.
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que se montou de m a n e i r a completamente inesperada e imprevisvel em vrias partes do mundo . E x i s t e m certos momentos n a histria em que u m acontecimento aparentemente l oca l i zado , reg ional , t em a for-a de m o b i l i z a r u m a srie de outros processos que se desencadeiam em diversas partes do mundo . O u seja, as ideias, quando comeam a c i r cu lar , desconhecem as limitaes do espao, pois tm a fora p a r a cons t ru i r u m novo. E , de certa f o r m a , vocs a q u i so peas de u m a ide ia que aos poucos constri u m novo espao por meio dessas m o b i -lizaes m u n d i a i s em cidades como N o v a Y o r k , C a i r o , Tnis, M a d r i , R o m a , Sant iago e agora So Paulo .
L e m b r o - m e de u m exemplo que expe claramente a m a n e i -r a como u m a ide ia pode ignorar seu espao or ig ina l . N o incio do sculo X I X , Napoleo enviou tropas colnia do H a i t i . 0 objetivo era retomar o poder da mo de escravos rebelados comandados por Toussaint L ' 0 u v e r t u r e e, com isso, re instaurar a escravido. N u m estu-do clssico, C y r i l James conta o momento em que os soldados franceses, imbudos dos ideais da Revoluo Francesa , ouvem a "Marse lhesa" ser cantada por seus oponentes, os negros. Desnorteados, os franceses se perguntam como era possvel ouvir sua prpria voz v i n d a do outro lado da bata lha . A f i n a l , contra quem eles estavam lutando, a no ser contra seus prprios ideais?*
Aquela experincia foi decisiva para quebrar-lhes o esprito de com-bate. A derrota foi u m a consequncia natural . Esse pequeno fato histrico nos ensina o que acontece quando u m a ideia encontra seu prprio tempo e constri u m novo espao. E l a demonstra que estava presente em vrios lugares, espera do melhor momento para dizer claramente seu nome. Quando os franceses ouvem sua prpria msica v i n d a do campo in imigo , eles, no fundo, descobrem que no so seus verdadeiros autores. Quem a comps foi u m a ideia que usa os povos para se expressar. Quando isso fica evidente, u m momento histrico se abre, impulsionado pela efetivao de exigncias de universalidade.
C. L . R. James, Os jacobinos negros (So Paulo, Boitempo, 2000). (N. E.)
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E s t a a fora impressionante das ideias: elas explodem contex-tos, do novas configuraes p a r a u m a relao r a d i c a l e fundamenta l de igualdade. M a s por que interessante l embrar disso agora? Talvez porque, de certa m a n e i r a , seja o que vocs fazem a q u i . Vocs p r o c u r a m fazer com que u m a ide ia que apareceu in ic ia lmente em u m lugar deter-m i n a d o - mais precisamente, n a Tunsia, c om suas manifestaes po -pulares contra a d i tadura B e n A l i , an imadas por slogans como " O povo exige" - comece a c i r cu lar de f o rma t a l que possa m o b i l i z a r populaes absolutamente dispersas e diferentes em torno de u m a noo central . A noo de que "nossa democracia no existe a i n d a , nossa democracia a i n d a no chegou, ns a i n d a esperamos u m a democracia por v i r " .
Democracia por vir
O regime que nos governa pode no ser u m a d i tadura nem u m sistema totalitrio, mas a i n d a no u m a democracia. E n e n h u m de ns quer viver nesse l i m b o , no purgatrio entre u m regime de absoluto autoritarismo e u m a democracia esperada. No queremos u m a demo-cracia em processo contnuo, incessante, de degradao, que j nasce velha. Por isso, quando as manifestaes de ocupao ins istem que a i n -da fa l ta muito p a r a alcanarmos a democracia rea l , elas co locam u m a questo que at o momento no p o d i a ter direito de c idadan ia , porque nos ens inaram que, se cr i t icarmos a democracia par lamentar t a l como ela func iona hoje, estaremos, no fundo, fazendo a defesa de a l g u m a for-m a velada de autoritarismo. Quantos no se comprazem em nos o lhar e dizer: o que vocs querem? Vocs no querem u m Estado democrtico de direito? Ento vocs querem o qu?
No entanto, se h algo que a verdadeira poltica democrtica nos exige s falar de democracia no tempo futuro, s fa lar de democracia como democracia por v i r . Quando se acredita que a democracia j est real izada no nosso ordenamento jurdico, j est real izada no nosso E s -tado, n a situao social presente, ento todas as imperfeies do presente g a n h a m o peso da eternidade, aparentam ser eternas e impossveis de
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superar. N a verdade, parece ser criminoso tentar super-las sem respei-tar os procedimentos jurdico-normativos criados, n a ma ior ia das vezes, exatamente para que nenhuma superao real seja efetiva.
essa conscincia de que as imperfeies do presente ganharam o peso da eternidade que levou manifestantes no Reino Unido , n a E s p a -n h a e n a Frana a exigirem "democracia rea l " . Vocs podem se pergun-tar o que h de fictcio n a democracia de pases que aprendemos a ver como exemplos de sistemas polticos consolidados. Por que largas par-celas de sua populao compreendem que h algo no jogo democrtico aparentemente reduzido exatamente condio de mero jogo?
Talvez os manifestantes t e n h a m entendido que a democracia p a r l a m e n t a r i n c a p a z de i m p o r l imi tes e res ist ir aos interesses do sis-t ema f inanceiro . E l a incapaz de defender as populaes quando os agentes f inanceiros comeam a operar, de modo cnico, c laro , a p a r t i r dos princpios de u m capi ta l i smo de espoliao dos recursos pblicos. No por outra razo que se ouve, cada vez m a i s , a afirmao de que a alternncia de part idos no poder no i m p l i c a mais alternativas de modelos de compreenso dos conflitos e polticas sociais. Por isso, o cansao em relao aos part idos t radic ionais no s i n a l do esgo-tamento da poltica. N a verdade, o s intoma mais evidente de u m a demanda de poltica, de u m a d e m a n d a de politizao da economia.
E m momentos assim, devemos lembrar que a democracia p a r l a -mentar no o ltimo captulo da democracia efetiva. A Islndia tem algo a nos ensinar sobre isso. U m dos primeiros pases atingidos pela c r i -se econmica de 2008 , a Islndia decidiu que o uso do dinheiro pblico para indenizar os bancos seria objeto de plebiscito. M a n e i r a de recuperar u m conceito decisivo, mas bem esquecido, da democracia: a soberania popular. O resultado foi o apoio massivo ao calote.
Mesmo sabendo dos riscos de t a l deciso, o povo islands prefer iu r e a l i z a r u m princpio bsico d a soberania popu lar : quem paga a orques-t r a escolhe a msica. Se a conta v a i p a r a a populao, ela quem deve dec id ir o que fazer, e no u m conjunto de tecnocratas que tero seu e m -prego garant ido nos bancos ou de par lamentares cujas campanhas so
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f inanciadas por estes. Gomo disse o presidente islands lafur R a g n a r Grmsson: " A Islndia u m a democrac ia , no u m sistema f inanceiro" . O interessante que, c o m isso, saiu-se dos impasses d a democrac ia p a r l a m e n t a r p a r a dar u m passo decisivo em direo a u m a democra-c ia plebiscitria capaz de i n s t i t u c i o n a l i z a r a manifestao necessria da soberania popular .
E t a l processo que nos s i tua nas vias de u m a democracia rea l . E l e a condio p r i m e i r a p a r a sair da crise, pois a verdadeira questo que esta nos coloca poltica: "Que regime poltico esse que p e r m i t i u tamanho descalabro n a ca lada da noite?".
Pensar a melhor maneira de agir
N o entanto, ao colocar questes dessa natureza necessrio de fato estar disposto a discutir . Esse u m ponto extremamente interes-sante, porque quando vocs a f i r m a m "ns queremos d iscut i r " , outros logo respondem "eis a prova de que eles no sabem o que querem". Por exemplo, observem que interessante, quem passa por a q u i no v ne-n h u m a pa lavra de ordem, n e n h u m a proposta no sentido forte do termo, "ns queremos isso, isso e isso!". E m princpio, pode parecer u m proble-m a , mas eu d i r i a que se t ra ta de u m a grande v i r tude .
Atualmente , boa parte da imprensa m u n d i a l gosta de transfor-m-los em caricaturas , em sonhadores vazios sem a dimenso concreta dos problemas. Como se esses arautos da ordem tivessem a l g u m a ideia realmente sensata de como sair da crise atual . N a verdade, eles nem sequer sabem quais so os verdadeiros problemas, j que preferem, por exemplo, nos levar a crer que a crise grega no o resultado da desre-gulamentao do sistema financeiro e de seus ataques especulativos, mas da corrupo e da "gastana" pblica. Nesse sentido, n a d a mais inteligente do que u m a pauta que afirme: "Queremos d iscut i r " .
Trata-se de d izer que, aps dcadas de repetio c o m p u l s i v a de esquemas l ibera is de anlise socioeconmica, no sabemos mais pen -sar e usar a rad i ca l idade do pensamento p a r a quest ionar pressups-
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tos, reconstru i r problemas, recolocar hipteses n a mesa. M a s , c om o objetivo de encontrar u m a verdade i ra sada, devemos pr ime i ro des-t r u i r as pseudocertezas que l i m i t a m a produt iv idade do pensamento. Q u e m no pensa contra si n u n c a ultrapassar os problemas nos quais se enredou.
Isso o que alguns realmente temem: que vocs aprendam a fora da crtica. Quando perguntam "af inal , o que vocs querem?", s para dizer, aps ouvir a resposta, "mas vocs esto loucos". Porm, toda grande ideia apareceu, para os que temem o futuro, como loucura.
Se vocs me permitem, eu gostaria de fazer u m pequeno parntese em direo histria da filosofia. E m Carta sobre o humanismo*, M a r t i n Heidegger confrontado com u m a pergunta a respeito da relao entre pensamento e praxis . M a r x j dissera que a funo da filosofia era t rans -formar o mundo , e no simplesmente interpret-lo**. Heidegger faz u m adendo de r a r a preciso: " O pensamento age quando pensa".
Esse ag i r prprio ao pensamento talvez seja o mais difcil e de-cisivo. No se t rata d a ve lha crena de o pensamento ser, no fundo, u m subterfgio contra a ao, u m a compensao quando no somos capazes de agir. Se podemos dizer que o pensamento age quando pen-sa porque ele a nica atividade com a fora de modif icar nossa compreenso do que, de fato, u m problema, de q u a l o verdadeiro problema que temos diante de ns e que nos impuls i ona a agir. o pensamento que nos permite compreender a existncia de u m a srie de aes que so, simplesmente, lances no interior de u m jogo cujo resul -tado j est decidido de antemo.
A sociedade capitalista contempornea procura dar aos sujeitos a impresso de possibilidades inf ini tas , de que eles podem decidir sobre tudo a todo momento. U m pouco como as escolhas de consumo, cada vez mais "customizadas" e part icularizadas. N o entanto, talvez seja correio
* So Paulo, Centauro, 2005. (N. E.)
** K a r l Marx , 'Ad Feuerbach", em K a r l Marx e Friedrich Engels, A ideologia alem. (So Paulo, Boitempo, 2007), p. 535. (N. E.)
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dizer que essa ao no u m verdadeiro "ag ir " , pois incapaz de m u d a r s possibilidades de escolha, previamente determinadas. E l a no produz seus prprios objetos, apenas seleciona objetos e alternativas j postos mesa. Por isso, essa ao no l ivre .
Quando realmente pensamos, conseguimos i r alm dessa l iberdade reduzida a u m simples livre-arbtrio, cujas escolhas so feitas no interior de u m quadro imposto, e no produzido por cada u m . Por isso, o pen-samento, quando aparece, exige que toda ao no efetiva pare, com o intuito de que o verdadeiro agir se manifeste, Nessas horas, entendemos como, muitas vezes, agimos para no pensar. Pensar de verdade significa pensar em sua radical idade, u t i l i zar a fora crtica e rad i ca l do pensa-mento. Quando a fora crtica do pensamento comea a agir, todas as respostas se t o r n a m possveis e alternativas novas aparecem n a mesa. Nesses momentos, como se o espectro das possibilidades aumentasse, pois para que novas propostas apaream necessrio que saibamos, a f i -n a l de contas, quais so os verdadeiros problemas.
O desencanto como afeto central do poltico
M a s por trs da necessidade de discusso, de reconstruo do ca -rter rea l da democracia, h u m afeto que vocs devem saber guardar sempre, porque o motor de toda crtica. Trata-se do profundo senti -mento de mal -estar e desencanto que todos vocs sentem e que os faz estar aqu i . E a angstia do desencanto que nos une, que faz c om que o mesmo sentimento aparea em Tnis e So Paulo , C a i r o e N o v a York.
Esse o sentimento mais verdadeiro que temos, aquele com mais fora para nos colocar em ao. N o entanto, vivemos n u m a sociedade em que o desencanto e o mal-estar so vistos imediatamente como sintomas de a l g u m a doena que deve ser tratada o mais rpido possvel, nem que seja preciso dopar todos com antidepressivos ou qualquer coisa dessa n a -tureza. Mas isso que vocs tm de mais concreto, de mais real . Esse o ndice de que h algo errado, no com vocs como indivduos, mas com a v i d a social da q u a l fazem parte. Por essa razo, muito importante que
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vocs sejam capazes de se mobi l i zar para dizer que esse mal-estar no u m problema i n d i v i d u a l , u m problema da sociedade, da v i d a social.
Nesse sentido, eu d i r i a que cada poca tem u m afeto que a carac-ter iza . Nos anos 1990, foi a euforia, m a r c a de u m mundo supostamente sem fronteiras, ps-ideolgico e an imado pelas promessas da g loba l i -zao capital ista . N a p r i m e i r a dcada do sculo X X I , os ataques terro-ristas aos E U A conseguiram trans formar o medo em afeto central da v i d a social . O discurso poltico reduziu-se a pregaes, cada vez mais paranicas, sobre segurana, perda de identidade e f i m necessrio da solidariedade social .
Agora , porm, vemos u m a mudana fundamental n a dimenso afetiva: graas a vocs, novos laos sociais paulatinamente apareceram, levando em conta a fora produtiva do desencanto. Esse u m dado novo. Desde o final dos anos 1970, as sociedades capitalistas no t i n h a m mais o direito de acreditar n a produtividade do desencanto. Fomos ensinados a ver nele u m afeto exclusivamente l igado aos fracassados, depressivos e ressentidos; nunca aos produtores de novas formas.
E m Suave a noite*, Scott Fitzgerald apresenta u m de seus perso-nagens dizendo que sua segurana intacta era a marca de sua incomple-tude. T a l personagem nunca sentira a quebra de suas certezas, a desarti -culao de seus valores, por isso continuava incompleto. E l e no t i n h a o desencanto necessrio para explorai - , sem medo, a plasticidade do novo.
No temos mais esse prob lema, pois sabemos que todo verda-deiro mov imento sempre comea com a mesma frase: "No acre-d i tamos mais" . No acreditamos mais nas promessas de desen-vo lv imento soc ia l , de resoluo de conflitos dentro dos l imi tes d a democrac ia par lamentar , de consumo p a r a todos. Sempre demora p a r a que t a l frase se transforme em u m : "Agora sabemos o que queremos". T a l demora o tempo que o desencanto exige p a r a m a t u r a r sua p r o -dut iv idade . C o m o sempre, essa maturao acaba chegando quando menos esperamos.
* Rio de Janeiro, Best Bolso, 2008. (N. E.)
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A gerao que quebrou o mundo
Termino lembrando o seguinte: hoje, nem acredito, estou chegando aos quarenta anos. L e m b r o que n a idade de vocs, dezoito, dezenove, vinte anos, costumava ouvir que no h a v i a mais luta poltica a ser feita, que o mundo estava globalizado e o que v a l i a era a eficcia, a capaci-dade de assumir riscos, de ser criativo, inovador, de preferncia em u m a agncia de publicidade ou no departamento de market ing de u m a gran -de empresa. Se assumssemos essa nova realidade, entraramos em u m futuro radiante onde s haveria vencedores e raves, onde os que ficassem pra trs ter iam, no fundo, u m problema mora l , pois no h a v i a m tido a coragem de assumir riscos, a necessidade de inovao e coisas do tipo.
B e m , ve jam que interessante. Exatamente essas pessoas que ouv i -r a m e acred i taram em t a l discurso h v inte anos e que, como eu, esto hoje perto dos quarenta anos foram t r a b a l h a r no sistema financeiro e conseguiram cr iar u m a crise maior que a de 1929, da q u a l ningum sabe sair. O u seja, eles simplesmente conseguiram quebrar o mundo .
P a r a essa gerao, no era possvel que o futuro fosse diferente do presente. E l a no acreditava, em hiptese n e n h u m a , n a capacidade de transformao da participao popular , considerava isso chavo ideo-lgico no l i m i t e do ridculo. Como ass im participao popular? Isso no existe mais ! Manifestaes, isso no existe! Vocs no dever iam exis-t i r . Por isso, essa gerao a p r i m e i r a a dizer que vocs no sabem o que fazem, que vocs so sonhadores que, no mximo, podem aparecer como fundo de u m comercial de jeans. Pois , se vocs mostrarem que a fora crtica do pensamento capaz de reconstruir nossas relaes sociais, ento eles se perguntaro: mas o que ns fizemos durante todo esse tempo? Como fomos capazes de acreditar piamente no que agora desmorona?
Agora , vejam que coisa interessante. Se t ivermos u m pouco de cuidado, notaremos que as manifestaes que ocorreram este ano t r ou -x e r a m pautas extremamente precisas. Santiago do C h i l e colocou 400 m i l pessoas n a r u a p a r a ped ir educao pblica de qual idade e gratu i ta
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p a r a todos. Esse u m belo exemplo. E i s u m a proposta que parece ser mui to regional , mas que no fundo modi f i ca radicalmente a estrutura econmica do pas. P a r a garant i r a educao pblica, o Estado tem de ter mais d inheiro . E como ele faz isso? Taxando mais dos ricos, que no p a g a m impostos em lugar n e n h u m da Amrica L a t i n a . N o fundo, u m a proposta como essa signif ica u m a redistribuio de renda r a d i c a l por meio do uso democrtico do Estado como aparelho de consolidao de servios pblicos que melhorem a v i d a do cidado. O u seja, u m a proposta extremamente precisa.
Ve jam, por exemplo, o que d izem os Indignados n a E s p a n h a : "Nos -sa democracia parlamentar f a l iu junto com o sistema econmico que ela sustentava". Por que a crise econmica ficou desse tamanho? Que m a l d i -to sistema poltico esse que permite u m a crise to grande, que no con-segue enquadrar a a la mais terrorista do sistema financeiro? Faam esse exerccio, acessem a internet e peguem os balanos dos bancos que esta-v a m quebrados h trs anos. Hoje, todos esto extremamente superavi-trios. De onde vem esse dinheiro? V e m do Estado! Ento devemos nos perguntar que tipo de sistema poltico esse que incapaz de colocar contra a parede quem destri a v i d a , a propriedade. Fala-se em defesa da propriedade pr ivada. Como b e m lembrou Slavoj izek, esses bancos conseguiram destruir a propriedade pr ivada de u m nmero maior de pessoas do que L e n i n t i n h a tentado fazer em 1917. Algum devia ter colocado esse pessoal para t raba lhar para ns.
Ve jam bem, as pautas so extremamente precisas e conscientes, de u m a clareza e viso cirrgica. E s t a mais u m a demonstrao de quando o pensamento comea a agir : as pautas reais aparecem. D a q u i a cinco anos vo se perguntar " C o m o acreditamos durante tanto tempo que n e n h u m acontecimento rea l pudesse ocorrer?" D a q u i a cinco anos, o nvel de descontentamento e a insatisfao sero tamanhos que vo se perguntar como se acreditou durante tanto tempo que a r oda d a histria estava parada , que no h a v i a muito mais a se esperar a no ser u m a espcie de acerto gerencial de rota a p a r t i r dos princpios postos pelo l ibera l i smo econmico.
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Vocs so o pr imeiro passo de u m grande movimento que s co-meou agora. Esses processos so lentos. N o entanto, como diz Freud , " a razo pode falar baixo, mas no se cala". Agora , percebemos algo fundamental : no d mais para confiar em partidos, sindicatos, estru-turas governamentais que podem ter suas funes em certos momentos, mas no tm nenhuma capacidade de ressoar a verdadeira necessidade de rupturas. Ve jam, por exemplo, o caso da Grcia: q u a l part ido governa a Grcia? U m clssico part ido social-democrata (Movimento Social ista Pan-Helnico, Pasok n a sigla original) , em princpio de esquerda. Q u a l partido governa a Espanha? U m clssico part ido social-democrata (Par-tido Social ista Operrio E s p a n h o l , P S O E ) , dito de esquerda. C o m u m a esquerda desse tipo, ningum.precisa de direita. Todos jogam no mesmo time. A nica diferena que u m faz isso com dor no corao, " O l h a vou ter de arrebentar seu salrio, no gostaria disso!", enquanto o outro o faz cantando "Voc era u m funcionrio pblico intil", e por a v a i .
Fora isso, a diferena mnima, retrica. Isso s igni f ica simples-mente o qu? A poca em que nos mobilizvamos tendo em vis ta a estrutura partidria acabou, acabou radicalmente. Pode ser que a i n d a no saibamos o que v a i aparecer, o que no v a i acontecer, como as coisas se daro d a q u i p a r a a frente. Podemos no saber o que v a i acon-tecer no futuro , que t ipo de nova organizao poltica aparecer, mas sabemos muito bem onde acontecimentos no ocorrero, C o m certeza no nas dinmicas partidrias. Voc tem u m a fora de presso en-quanto est fora do jogo partidrio. Quando entrarmos nele, t a l fora d i m i n u i . Ento, conservem este espao!
Centenas de manifestantes na Praa Tahrir, Egito em fevereiro de 2011. Foto de Mona Sosh.
Os rebeldes na rua: o Partido de Wall Street encontra sua nmesis*
David Harvey
O Par t ido de W a l l Street controlou os Estados Unidos sem d i f i cu l -dades por tempo demais. D o m i n o u completamente (em oposio a par -cialmente) as polticas dos presidentes por pelo menos quatro dcadas (para no dizer mais) , independentemente de presidentes ind iv idua i s terem ou no sido seus agentes por vontade prpria. C o r r o m p e u legal -mente o Congresso por meio da dependncia covarde dos polticos de ambos os part idos em relao ao poder do seu dinheiro e ao acesso mdia comercial que controla. Graas a nomeaes feitas e aprovadas
Traduzido por Joo Alexandre Pesohanski a part ir de "Rebels on the Street: The Par-ty of Wal l Street Meets its Nemesis", publicado originalmente no blog da Verso Books (http://www.versobooks.com/blogs/777), em 28 out. 2011. Disponvel tambm em www. boitempoeditorial.wordpress.com/category/colaboracoes-especiais/david-harvey, (N. E.)
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pelos presidentes e pelo Congresso, o Par t ido de W a l l Street d o m i n a mui to do aparato estatal , bem como o do Judicirio, em par t i cu lar a Suprema Corte , cujas decises partidrias esto crescentemente a favor dos interesses venais do d inheiro , em esferas to diversas quanto eleito-r a l , t r a b a l h i s t a , ambienta l e comercial .
0 Par t ido de W a l l Street t em u m princpio universa l de d o m i -nao: no pode haver n e n h u m adversrio srio ao poder absoluto do d inheiro de d o m i n a r absolutamente. E esse poder tem de ser exercido com u m nico' objetivo: seus detentores no devem apenas ter o privil-gio de a cumular r iqueza sem f i m e vontade, mas tambm o direito de herdar o planeta, com domnio direto ou indireto da terra , de todos os seus recursos e das potencialidades produtivas que nela residem, b e m como de assumir o controle absoluto, d ireta ou indiretamente, sobre o t rabalho e as potencialidades criativas de todos os outros que sejam necessrios. 0 resto da humanidade se tornar suprfluo.
Esses princpios e prticas no surgem de ganncia i n d i v i d u a l , fa l ta de horizonte ou abusos (por mais que todos esses ocorram aos montes). Eles f o r a m esculpidos no corpo poltico de nosso mundo pela vontade coletiva de u m a classe capital ista inst igada pelas leis coercivas da competio. Se meu grupo de lobby gasta menos do que o seu, rece-berei menos favores. Se essa jurisdio gasta p a r a atender s necessida-des das pessoas, ela ser considerada menos competit iva.
Mui tas pessoas decentes esto presas a u m sistema que est com-pletamente podre. Se querem u m salrio razovel, no tm outra op-o alm de render-se tentao do diabo: s esto "seguindo ordens", como n a famosa frase de Ado l f E i c h m a n n , ou "fazendo o que o sistema pede", como se d iz hoje em d i a , aceitando os princpios e prticas br-baros e imorais do Part ido de W a l l Street. As leis coercivas da compe-tio foram todos ns, em diferentes nveis, a obedecer s regras desse sistema cruel e insensvel. O problema sistmico, no i n d i v i d u a l .
Os favorecidos ideais de l iberdade e autonomia do part ido , garan -tidos pelos direitos propriedade pr ivada , ao l ivre-mercado e ao l i v r e --comrcio, n a real idade se t raduzem no direito de explorar o t raba lho
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alheio e desapropriar ao seu bel-prazer as pessoas de seus bens, assim como n a l iberdade de saquear o meio ambiente p a r a seus benefcios ind iv idua is ou de classe.
U m a vez no controle do aparato estatal, o Part ido de W a l l Street costuma pr ivat izar pequenas reas promissoras com baixo valor de mer-cado para abr i r novas frentes para a acumulao do capital . A r r a n j a es-quemas de subcontratao (o complexo m i l i t a r indus t r ia l u m exemplo claro) e de tributao (subsdios ao agronegcio e baixos impostos sobre os ganhos do capital) que lhe permitem l i m p a r livremente os cofres p-blicos. E s t i m u l a de maneira deliberada sistemas regulatrios complica-dos e nveis surpreendentes de incompetncia administrat iva no resto do aparato estatal {vide a Agncia de Proteo A m b i e n t a l sob Reagan, bem como a Agncia Federal de Gesto de Emergncias e o " b a i t a trabalho" de B r o w n sob Bush*), de modo a convencer u m pblico inerentemente ctico de que o Estado no consegue ter u m papel construtivo ou de apoio para melhorar a v i d a cot idiana ou as perspectivas futuras das pessoas. Por fim, usa o monoplio da violncia, que todo Estado soberano re iv in -dica, para excluir o pblico do espao pblico e para atormentar, pr sob vigilncia e, se necessrio, c r i m i n a l i z a r e prender quem no aceitar amplamente suas ordens. E exmio nas prticas de tolerncia repressiva que perpetuam a iluso de l iberdade de expresso, contanto que essa expresso no exponha implacavelmente a natureza verdadeira de seu projeto e o aparato repressivo sobre o q u a l repousa.
O Part ido de W a l l Street a r t i c u l a incessantemente a guerra de classes: " C l a r o que h u m a guerra de classes", disse W a r r e n Buffett , "e m i n h a classe, a dos ricos, que a est fazendo, e ns estamos vencen-
* Na gesto de Ronald Reagan (1981-1989), a Agncia de Proteo Ambiental, respon-svel pela proteo da natureza, manipulou decises tcnicas para favorecer empresas poluentes. A Agncia Federal de Gesto de Emergncias, que monitora e responde por situaes crticas relacionadas a catstrofes naturais, foi incapaz de conter e minimizar os danos humanos e materiais decorrentes do furaco Katr ina , em 2005, durante o governo de George W. Bush (2001-2009). Apesar do fracasso da agncia em lidar com o furaco, que destruiu bairros inteiros de Nova Orleans e deixou um saldo de quase 2 m i l pessoas mortas e desaparecidas, Bush declarou que seu diretor, Michael Brown, havia feito um "baita trabalho". (N. T.)
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do". E m grande parte , essa guerra ar t i cu lada em segredo, atrs de u m a srie de mscaras e obscurecimentos por meio dos quais os planos e objetivos do Par t ido de W a l l Street se disfaram.
O P a r t i d o de W a l l Street sabe mui to b e m que quando questes polticas e econmicas profundas se t r a n s f o r m a m em assuntos c u l t u -ra is no h como respond-las. Gera lmente ele aciona u m a enorme var iedade de opinies de especialistas cativos, em sua m a i o r parte empregados nos inst i tutos de pesquisa e nas universidades que ele financia e espalhados n a mdia que ele contro la , p a r a c r i a r contro-vrsias sobre todo t ipo de assunto que de fato no i m p o r t a e sugerir solues p a r a questes que no existem. E m u m momento, s f a la da austeridade necessria a todas as outras pessoas p a r a t ra tar do dficit e, em outro, prope a reduo de sua prpria tributao sem se i m -p o r t a r com o impacto que isso possa ter sobre o dficit. A nica coisa que n u n c a pode ser debat ida ou d i s cut ida abertamente a verdadeira natureza da guerra de classes que ele t em m a n t i d o de modo to i n -cessante e crue l . Descrever algo como "guerra de classes" s igni f i ca , no c l i m a poltico a t u a l e no ju lgamento de seus especialistas, colocar-se fora do espectro de consideraes srias e at mesmo ser t ido como i m b e c i l ou sedicioso,
M a s agora, pe la p r i m e i r a vez, h u m movimento explcito que enfrenta o Par t ido de W a l l Street e seu mais puro poder do dinheiro , A "streef [rua] de W a l l Street est sendo ocupada - , horror dos hor-rores - por outros! Espalhando-se de cidade em cidade, as tticas do Occupy W a l l Street so tomar u m espao pblico central , u m parque ou u m a praa, prximo localizao de muitos dos basties do poder e, colocando corpos humanos a l i , convert-lo em u m espao poltico de iguais , u m lugar de discusso aberta e debate sobre o que esse poder est fazendo e as melhores formas de se opor ao seu alcance. E s s a t-t i ca , mais conspicuamente r e a n i m a d a nas lutas nobres e em curso da praa T a h r i r , no C a i r o , alastrou-se por todo o mundo (praa do So l , em M a d r i , praa Syntagma, em Atenas, e agora as escadarias de Saint P a u l , em Londres , alm da prpria W a l l Street). E l a mostra como o po -
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der coletivo de corpos no espao pblico cont inua sendo o instrumento mais efetivo de oposio quando o acesso a todos os outros meios est bloqueado. A praa T a h r i r mostrou ao m u n d o u m a verdade bvia: so os corpos nas ruas e praas, no o balbucio de sentimentos no Twitter ou Facebook, que realmente i m p o r t a m .
O objetivo desse movimento nos Estados Unidos simples. D i z : "Ns, as pessoas, estamos determinadas a retomar nosso pas dos pode-res do dinheiro que atualmente o contro lam. Nosso intu i to provar que W a r r e n Buffett est enganado. S u a classe, os ricos, no v a i mais gover-n a r sem oposio e nem herdar automaticamente a terra . S u a classe, a dos ricos, no est destinada a sempre vencer",
D i z : "Somos os 9 9 % , Somos a m a i o r i a e essa m a i o r i a pode, deve e v a i prevalecer. U m a vez que todos os outros canais de expresso esto fechados para ns pelo poder do dinheiro , no temos outra opo a no ser ocupar os parques, praas e ruas de nossas cidades at que nossas opinies sejam ouvidas e nossas necessidades atendidas".
P a r a ter xito, o mov imento prec isa alcanar os 9 9 % . Isso ele pode e est fazendo passo a passo. P r i m e i r o , h todas as pessoas jo -gadas n a misria pelo desemprego e aquelas cujas casas e bens f o r a m ou esto sendo retirados pe la falange de W a l l Street. D e v e m se f o rmar grandes coalizes entre estudantes, imigrantes , subempregados e to -dos os que esto sob ameaa das polticas de austeridade, t o t a l m e n -te desnecessrias e draconianas , impostas nao e ao m u n d o p a r a atender ao P a r t i d o de W a l l Street, Deve-se focar nos nveis estarre-cedores de explorao nos locais de t r a b a l h o - desde os empregados domsticos imigrantes , explorados to cruelmente n a casa dos r icos , at os funcionrios de restaurantes escravizados por quase n a d a n a c o z i n h a dos estabelecimentos nos quais os ricos comem to f a r t a m e n -te - e deve u n i r os t rabalhadores cr iat ivos e art istas cujos talentos so tantas vezes transformados em produtos comerciais pelo grande poder do d inhe iro ,
O movimento deve, a c i m a de tudo, a t ing i r todos os alienados, insatisfeitos e descontentes, todos que reconhecem e sentem nas entra-
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nhs que h algo de muito errado, que o sistema criado pelo Par t ido de W a l l Street no s brbaro, antitico e moralmente errado, mas tambm est fal ido.
Tudo isso tem de ser unido de mane i ra democrtica em u m a opo-sio coerente, que tambm deve contemplar livremente o que aparenta ser u m a cidade alternativa, u m sistema poltico alternativo e, por fim, u m a forma alternativa de organizar a produo, a distribuio e o con-sumo para o benefcio do povo. D o contrrio, o futuro dos jovens, que se encaminha para u m a crescente dvida pr ivada e austeridade pblica profunda em benefcio do 1%, no pode ser considerado u m futuro.
E m resposta ao movimento Occupy W a l l Street, o Estado, apoiado pelo poder da classe capitalista, tem u m argumento surpreendente: ele, e s ele, tem o direito exclusivo de regular o espao pblico e dele dispor. 0 pblico no tem o direito comum ao espao pblico 1 C o m que direito os prefeitos, os chefes depolcia, os oficiais militares e as autoridades do Es ta -do dizem para ns, o povo, que eles podem determinar o que pblico, em "nosso" espao pblico, bem como quem pode ocup-lo e quando? Q u a n -do que eles presumem expulsar-nos, o povo, de qualquer espao que ns, o povo, decidimos coletiva e pacificamente ocupar? Eles dizem que agem de acordo com o interesse pblico (e usam as leis para prov-lo), mas ns somos o povo! Onde est "nosso interesse" em tudo isso? E , alis, no "nosso" dinheiro que os bancos e financistas usam to descaradamente para acumular "seus" bnus?
D i a n t e do poder organizado do P a r t i d o de W a l l Street p a r a d i v i -d i r e conquistar , o mov imento emergente tambm deve ter como u m de seus princpios fundamenta is no se d i v i d i r n e m se desviar de seu curso at .que o P a r t i d o de W a l l Street ca ia n a r e a l - p a r a ver que o b e m c o m u m t e m de prevalecer sobre os estreitos interesses venais - ou ca ia de joelhos. Os privilgios corporativos de possuir todos os d i r e i -tos dos indivduos, mas sem as responsabil idades de verdadeiros c i d a -dos, tm de ser e l iminados . Os bens pblicos, como educao e sa-de, devem ser oferecidos gratui tamente e de m a n e i r a acessvel a todos. Os poderes monopol istas n a mdia prec i sam ser abalados. A compra
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de eleies tem de ser considerada inconst i tuc iona l . A privatizao de conhecimento e c u l t u r a prec isa ser p ro ib ida . A l iberdade de explorar e espol iar as pessoas t e m de ser contro lada e, no fim, t o r n a d a i legal .
Os estadunidenses a c r e d i t a m n a igualdade . Pesquisas de op i -nio pblica m o s t r a m (independentemente da filiao partidria) que, p a r a a populao, os 2 0 % mais ricos podem ter razo em r e i v i n -d icar 3 0 % da r i q u e z a to ta l . Que os 2 0 % m a i s r icos detenham 8 5 % da r i q u e z a inaceitvel. Que a m a i o r parte desse montante seja contro-l a d a pelo 1% mais r ico totalmente inaceitvel. O que o mov imento Occupy W a l l Street prope que ns, o povo dos Estados U n i d o s , nos comprometamos a reverter esse nvel de desigualdade, no s a r i q u e -z a ou os salrios, mas , e a i n d a mais i m p o r t a n t e , o poder poltico que essa d ispar idade gera. O povo estadunidense tem orgulho , c om razo, de sua democracia , mas ela sempre esteve merc do poder c o r r o m -pedor do cap i ta l . A g o r a que ela d o m i n a d a por esse poder, o tempo de fazer outra Revoluo A m e r i c a n a , como Jefferson suger iu h mui to tempo ser necessrio, est se aprox imando : que seja baseada em jus -tia soc ia l , i gua ldade e u m a aproximao cuidadosa e consciente da relao com a natureza .
A l u t a que se c r i o u - o Povo contra o P a r t i d o de W a l l Street - c r u c i a l p a r a o nosso f u t u r o coletivo. A l u t a g l oba l , mas tambm l o c a l em sua n a t u r e z a . Rene estudantes chi lenos conf inados n u m a l u t a de v i d a ou morte contra o poder poltico p a r a c r i a r u m sistema de educao gratu i to e de q u a l i d a d e p a r a todos e, ento, comear a desmante lar o modelo n e o l i b e r a l que P inochet imps to b r u t a l -mente. E n g l o b a os at iv istas da praa T a h r i r que reconhecem que a queda de M u b a r a k (assim como o fim da d i t a d u r a de Pinochet) foi apenas o p r i m e i r o passo de u m a l u t a p e l a emancipao do poder do d i n h e i r o . I n c l u i os Indignados d a E s p a n h a , os t raba lhadores em greve n a Grcia, a oposio m i l i t a n t e que surge em todo o m u n d o , de L o n d r e s a D u r b a n , Buenos A i r e s , Shenzhen e M u m b a i . A do-minao b r u t a l do grande c a p i t a l e o poder do d i n h e i r o esto n a defensiva em todos os lugares.
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De qua l lado cada u m de ns, como indivduo, v a i estar? Que r u a vamos ocupar? S o tempo dir. Mas o que sabemos que o tempo agora. O sistema no est s quebrado e exposto, mas tambm incapaz de qualquer outra resposta que no a represso. A s s i m , ns, o povo, no temos opo alm de lutar pelo direito coletivo de decidir como o sistema ser reconstrudo e com base em q u a l modelo. O Partido de W a l l Street teve sua chance e fracassou miseravelmente. Construir u m a alternativa em suas runas tanto u m a oportunidade inescapvel quanto u m a obrigao que nenhum de ns pode ou v a i querer evitar.
O esprito da poca* Tariq Ali
" U m m a p a do mundo que no i n c l u a U t o p i a no merece ser o lha -do", escreveu Oscar Wi lde , " j que deixa de fora o nico pas no q u a l a humanidade est sempre desembarcando. E quando a humanidade chega a l i , o lha p a r a o horizonte e, ao ver u m pas melhor, z a r p a em sua busca. 0 progresso a realizao de Utopias" .
0 esprito desse sculo X I X social ista est vivo entre a juventude ideal ista que tem protestado contra o turb inado capital ismo g lobal que dominou o mundo desde o colapso da Unio Sovitica.
Os manifestantes do movimento Occupy W a l l Street, que se i n s -t a l a r a m no corao do distr ito financeiro de N o v a York , esto protes-
Traduzido por Lucas Morais para o Dirio Liberdade. Publicado originalmente no site CounterPunch, com o ttulo "The Spirit of the Age", em 31 out. 2011 (http://www, counterpunch.org/2011/10/31/the-spirit-of-the-age). (N. E.)
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tando contra u m sistema de capi ta l financeiro desptico: u m vampiro infectado pe la ganncia que sobrevive chupando o sangue de quem no r ico . Eles esto mostrando seu desprezo em relao aos banqueiros, aos especuladores financeiros e seus mercenrios da mdia, que cont i -n u a m insist indo que no h al ternat iva . J que o sistema de W a l l Street d o m i n a a E u r o p a , l tambm h verses locais desse modelo. (E cur i o -so que f o ram os ocupantes de W a l l Street, em vez de os Indignados da E s p a n h a ou os trabalhadores em greve n a Grcia, que t i veram impacto n a Gr-Bretanha, revelando mais u m a vez que as afinidades reais desta so mais atlantistas que europeias). Pode ser que os jovens atingidos pelo gs de p imenta da polcia de N o v a York no t e n h a m definido b e m o que desejam, mas eles seguramente sabem contra quem esto e isso j u m importante comeo.
Como chegamos aqui? Aps o colapso do comunismo em 1991, a ideia de E d m u n d Burke de que, "em todas as sociedades compostas de d i -ferentes classes, algumas devem estar necessariamente por c ima" e de que "os apstolos da igualdade apenas m u d a m e pervertem a ordem natura l das coisas" converteu-se n a sabedoria do senso comum da poca. Dinheiro corrompeu os polticos, muito dinheiro corrompeu tudo. Por todos os cen-tros do capital vimos surgir: republicanos e democratas nos Estados U n i -dos, novos trabalhistas e tories [conservadores] no vassalo Estado da Gr--Bretanha, socialistas e conservadores n a Frana, coalizes n a A lemanha , centro-esquerda e centro-direita n a Escandinvia, e assim por diante. E m quase todos os casos, u m sistema de dois partidos transformou-se em u m governo nacional efetivo. U m novo extremismo de mercado entrou em jogo. A entrada do capital nos domnios mais santificados dos benefcios sociais foi considerada u m a "reforma" necessria. As iniciativas financeiras p r i -vadas que castigavam o setor pblico se converteram em norma, e pases (como Frana e Alemanha) que no r u m a v a m rpido o bastante em dire-o ao paraso neoliberal eram denunciados frequentemente no Economist e no Financial Times,
Questionar essa situao, defender o setor pblico, argumentar a favor da propriedade estatal dos servios piblicos e desafiar a in ten -
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sa reduo dos preos da habitao pblica i m p l i c a v a ser considerado u m a espcie de dinossauro "conservador". Todo mundo agora cliente, mais do que cidado: os jovens, emergentes, acadmicos do Novo T r a -ba lh ismo se referiam t imidamente queles que se v i a m obrigados a ler seus l ivros como "clientes", querendo dizer que todos somos capitalistas agora. A s elites do poder econmico e soc ial ref let iam as novas r e a l i -dades. 0 mercado transformou-se no novo Deus, prefervel ao Estado.
M a s quem se deixou levar por essa l i n h a n u n c a se perguntou: como isso aconteceu? De fato, o Estado era necessrio p a r a fazer a transio. A interveno estatal p a r a consolidar o mercado e ajudar os ricos foi algo estupendo. E u m a vez que n e n h u m part ido oferecia a l -ternat iva , os cidados da Amrica do Norte e da E u r o p a conf iaram em seus polticos e m a r c h a r a m como sonmbulos r u m o ao desastre.
Os polticos de centro, intoxicados pelos tr iunfos .do capital ismo, no estavam preparados p a r a a crise de W a l l Street de 2008 . Por isso a m a i o r i a dos cidados, l u d i b r i a d a por imensas campanhas publicitrias que ofereciam crditos fceis e por meios de comunicao domestica-dos e acrticos, foi levada a acreditar que tudo estava bem. Seus d i r i -gentes p o d i a m no ser carismticos, mas s a b i a m manejar o sistema. D e i x e m tudo com os polticos. O preo dessa apat ia general izada est sendo pago agora. (Para ser justo, os irlandeses e franceses sent i ram o desastre nos argumentos apresentados sobre a constituio da Unio E u r o p e i a , que consagrava o neol iberal ismo, e v o t a r a m contra. F o r a m ignorados.)
Entretanto , p a r a muitos economistas foi bvio que W a l l Street planejou deliberadamente a b o l h a imobiliria, gastando bilhes em campanhas publicitrias com o intui to de encorajar as pessoas a fazer u m a segunda hipoteca e incrementar as dvidas pessoais p a r a consu-m i r cegamente. A bo lha t i n h a de estourar e, quando isso aconteceu, o sistema cambaleou at o Estado resgatar os bancos do colapso total . o socialismo p a r a os ricos. Quando a crise se estendeu pe la E u r o p a , o mercado nico e as normas de competio foram por gua abaixo enquanto a Unio E u r o p e i a montava u m a operao de resgate. As d i s -
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c ipl inas de mercado foram esquecidas convenientemente. A extrema d ire i ta pequena. A extrema esquerda praticamente no existe. E o extremo centro que d o m i n a a v i d a social e poltica.
E n q u a n t o alguns pases entravam em colapso (Islndia, I r landa , Grcia) e outros (Portugal , E s p a n h a , Itlia) encaravam o abismo, a U E [Unio Europeia] (na realidade U B , Unio dos Banqueiros) interveio p a r a i m p o r austeridade e salvar os sistemas bancrios alemo, francs e britnico. A s tenses entre o mercado e a responsabil idade democr-t i c a no p o d i a m mais ser mascaradas. A elite grega foi chantageada at a submisso to ta l , e as medidas de austeridade empurradas goela abaixo dos cidados l evaram o pas be ira da revoluo. A Grcia o elo mais fraco n a cadeia do capital ismo europeu e h muito tempo sua democracia est submersa sob as ondas do capital ismo em crise. As greves gerais e os protestos criativos d i f i cu l taram em grande m e d i d a a tarefa dos extremistas de centro. Observando as recentes imagens que chegam de Atenas, onde a polcia u t i l i z o u a fora p a r a i m p e d i r que dezenas de mi lhares de cidados entrassem no Par lamento , possvel sentir que os dirigentes do pas no sero capazes de governar como antes por muito tempo.
N o incio do ano, em Tessalnica, onde fiz u m a palestra em u m festival literrio, as principais preocupaes da audincia eram mais po -lticas e econmicas do que literrias. H a v i a alternativa? O que deveria ser feito? Inadimplncia imediatamente, respondi. Abandonar a zona do euro, re introduzir a dracma, ins t i tu i r o planejamento social e econmico em nveis local , regional e nacional , envolver as pessoas nas discusses sobre como estabil izar o pas sem ser s custas dos pobres. Os ricos deve-r i a m ter de restituir (mediante impostos especiais) o dinheiro acumulado por meios fraudulentos n a ltima dcada. Mas os polticos sem viso no centro do sistema esto longe de qualquer u m a dessas ideias. Muitos es-to n a folha de pagamento do pequeno nmero de pessoas que possui e controla os recursos econmicos de u m pas.
Os endividados Estados Unidos , sob O b a m a (um presidente que, p a r a todos os propsitos prticos, manteve as polticas de seu predeces-
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sor), v i u surgir u m novo movimento de protestos que se espalhou por todas s grandes cidades. A energia dos jovens ocupantes admirvel. H muito tempo que a p r imavera h a v i a fugido do corao poltico dos Estados Unidos . Os invernos gelados dos anos Reagan e B u s h no se derreteram com C l i n t o n ou O b a m a : homens ocos que governam u m sistema oco em que o d inheiro d o m i n a tudo e o Estado d i famado ser-ve pr inc ipalmente p a r a preservar o status quo financeiro e custear as guerras do sculo X X I .
A nvoa da confuso se dissipou a f ina l e as pessoas esto buscan -do alternativas, agora sem os part idos polticos, j que praticamente todos eles so deficientes. A s ocupaes em cena atualmente em N o v a York , Londres , Glasgow e outros lugares so mui to diferentes dos pro -testos do passado. So aes organizadas em tempos de crescente de-semprego, em que o futuro parece sombrio. A m a i o r i a dos jovens - no obstante os protestos histricos dizendo o contrrio - no conseguir u m a educao superior a menos que t ire da m a n g a imensas somas de d inheiro e logo, sem dvida, ser confrontada pela diviso do sistema de sade em pblico e privado. A democracia capita l is ta de hoje pres-supe u m acordo fundamenta l entre os pr inc ipa is part idos represen-tados no Par lamento a fim de que suas contendas, l im i tadas por sua moderao, tornem-se totalmente insignif icantes. E m outras palavras , os cidados j no podem determinar quem (e como) controla a r iqueza de u m pas, u m a r iqueza c r iada em grande med ida por eles prprios.
Se questes c ruc ia i s como a alocao de recursos, as provises de bem-estar soc ia l e a distribuio d a r i q u e z a j no so m a i s t e m a de debates reais nas assembleias representativas, por que a surpresa ante a alienao dos jovens em relao poltica d o m i n a n t e ou a i m e n s a decepo com O b a m a e seus clones globais? isso que t e m obrigado as pessoas a sarem s ruas e m mais de noventa cidades. Os polticos se n e g a r a m a aceitar que a crise de 2 0 0 8 t i n h a a ver c om as polticas neo l iberais que v i n h a m perseguindo desde a dca-da de 1980. P r e s u m i r a m que p o d e r i a m seguir como se n a d a tivesse acontecido, mas os movimentos de ba ixo desa f iaram t a l suposio.
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A s ocupaes e manifestaes de r u a contra o cap i ta l i smo so de a l g u m a m a n e i r a anlogas s Jacqueries (revoltas) camponesas dos sculos anteriores. Condies inaceitveis produzem insurreies, que geralmente so esmagadas ou ap lacam de l ivre e espontnea vontade. O. que i m p o r t a que elas em geral precedem o que est por v i r se as con-dies permanecerem as mesmas. N e n h u m movimento pode sobreviver menos que crie u m a estrutura democrtica permanente que assegure a continuidade poltica. Quanto maior for o apoio popular a tais m o -vimentos, ma ior ser a necessidade de a l g u m a f o rma de organizao.
O exemplo das rebelies sul-americanas contra o neol iberal ismo e suas instituies globais d iz mui to a esse respeito. A s enormes e bem--sucedidas lutas contra o F M I n a Venezuela e contra a privatizao da gua n a Bolvia e da eletricidade no P e r u c r i a r a m a base de u m a nova poltica que t r iun fou nas urnas nos dois pr imeiros pases, ass im como no E q u a d o r e no P a r a g u a i . U m a vez eleitos, os novos governos comea-r a m a implementar as reformas sociais e econmicas prometidas com variados graus de xito. E m 1958, n a Gr-Bretanha, o t raba lh i smo rechaou o conselho que o professor H . D . D i c k i n s o n deu ao Par t ido T r a b a l h i s t a no New Statesman; os dirigentes bol ivar ianos , entretanto, aceitaram-no quarenta anos mais tarde, n a Venezuela:
Se for para o Estado de bem-estar social sobreviver, o Estado deve encontrar, por sua conta, u m a fonte de arrecadao, uma fonte sobre a qual tenha mais direitos do que os receptores de benefcios. A nica fonte que posso visualizar a da propriedade produtiva. O Estado deve passar a possuir, de uma maneira ou de outra, grande parte da terra e do capital do pas. Essa pode no ser u m a poltica popular, mas, se no for seguida, a poltica de melhoria dos servios sociais, que popular, se tornar impossvel. No se pode socializar por muito tempo os meios de consumo se os meios de produo no forem socia-lizados primeiro.
Os governantes do mundo no conseguiro ver nessas palavras muito mais do que u m a expresso da utopia , mas esto enganados. Essas so as reformas estruturais realmente necessrias, e no aquelas
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que esto16'endo impuls ionadas pe la liderana iso lada do Pasok ( M o v i -mento Soc ia l i s ta Pan-Helnico) em Atenas. Pelo caminho em que esto indo , haver mais privaes, desempregos e desastres sociais. neces-sria u m a completa inverso precedida pela admisso pblica de que o sistema de W a l l Street no poder ia func ionar e no funcionou, por-tanto tem de ser abandonado. Seus seguidores britnicos, como todos os convertidos, f oram mais implacveis e insensveis n a aceitao do mercado como nico rbitro, respaldados por u m a m a q u i n a r i a estatal neol iberal . C o n t i n u a r por esse caminho ex ig i r ia novos mecanismos de dominao que r e d u z i r i a m a democracia a pouco mais do que u m a concha vaz ia . Os "ocupas" esto inst int ivamente cientes disso, por essa razo esto onde esto hoje. O mesmo no pode ser dito sobre os polti-cos extremistas do centro.
A d m i r o pro fundamente todos os jovens que o c u p a m praas e ruas em diferentes partes do p laneta . Esto desafiando nossos gover-nantes c om humor , br io e entusiasmo. M a s no fcil remover os b a n -queiros e polticos carrancudos que d o m i n a m o m u n d o . necessria u m a dcada de l u t a e organizao p a r a alcanar poucas vitrias. Por que no u n i r todos que pudermos por meio de u m a c a r t a de r e i v i n -dicaes - u m "grandioso protesto" ao par lamento que representa os interesses dos ricos - e m a r c h a r c om u m milho ou m a i s p a r a entre-gar o protesto em pessoa no prximo outono? A le i ( imposta aps a Restaurao de 1666) probe as manifestaes tumultuosas fora do par lamento , mas ns podemos interpretar " t u m u l t u o s a s " to b e m como qua lquer advogado.
O "O
A esquerda mundial aps 2011* Immanuel Wallerstein
Por qualquer ngulo, 2011 foi u m bom ano para a esquerda m u n -d ia l - seja qual for a abrangncia da definio de cada u m sobre a esquer-da mundia l , A razo fundamental foi a condio econmica negativa que atingia a maior parte do mundo, O desemprego, que era alto, cresceu a inda mais. A maior ia dos governos teve de enfrentar grandes dvidas e receita reduzida e como resposta tentaram impor medidas de austeridade contra suas populaes, ao mesmo tempo em que tentavam proteger os bancos.
O resultado disso foi u m a revolta g lobal daqueles que o m o v i m e n -to Occupy W a l l Street c h a m a de "os 99%" . Os alvos e ram a excessiva
Traduzido por Daniela Frabasile, para o site Outras Palavras (http;//www.outras palavras.net/2012/01/03/a-esquerda-mundial-apos-2011/), a part i r do original "The World Left After 2011" (http://www.iwallerstein.com/world-left-2011), publicado em 1 jan. 2012. (N. E.)
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polarizao d a r iqueza , 's governos corruptos e a natureza essencial-mente antidemocrtica desses governos - sejam eles de sistemas m u l t i -partidrios ou no.
No que movimentos como o Occupy W a l l Street, a P r i m a v e -r a rabe e os Indignados t e n h a m alcanado tudo o que esperavam. M a s conseguiram alterar discurso m u n d i a l , levando-o p a r a longe dos mantras ideolgicos do neol iberal ismo, p a r a temas como desigualdade, injustia e descolonizao. Pe la p r i m e i r a vez em mui to tempo pessoas comuns passaram a d iscut i r a natureza do sistema no q u a l v ivem. J no o veem como inevitvel.
A questo agora p a r a a esquerda m u n d i a l como avanar e con-verter o sucesso do discurso i n i c i a l em transformao poltica. 0 pro -b lema pode ser exposto de m a n e i r a mui to simples. A i n d a que exista, em termos econmicos, u m abismo claro e crescente entre u m grupo muito pequeno (o 1%) e outro muito grande (os 99%), a diviso poltica no segue o mesmo padro. E m todo o planeta, as foras de centro-direita a i n d a c o m a n d a m aproximadamente metade da populao m u n d i a l , ou pelo menos daqueles que so pol it icamente ativos de a l g u m a forma.
Portanto , p a r a transformar o mundo , a esquerda m u n d i a l prec i -sar de u m grau de unidade poltica que a i n d a no alcanou. H pro -fundos desacordos tanto sobre objetivos de longo prazo quanto sobre tticas a curto prazo. No que esses problemas no estejam sendo debatidos. A o contrrio, so discutidos acaloradamente e nota-se pouco progresso n a superao dessas cises.
Tais discordncias so antigas e isso no as t o r n a fceis de re -solver. E x i s t e m duas grandes divises. A p r i m e i r a em relao s eleies. No existem duas, mas trs posies a respeito. H u m grupo que suspeita pro fundamente das eleies, argumentando que p a r t i c i -p a r delas no apenas po l i t i camente inef icaz, mas refora a l e g i t i m i -dade do s istema m u n d i a l existente.
Outros acred i tam que c ruc ia l par t i c ipar de processos eleitorais e se d iv idem em dois tipos. De u m lado esto os que se a f i r m a m prag -mticos. Eles querem t r a b a l h a r a p a r t i r de dentro - dentro dos maiores
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partidos de centro-esquerda quando existe u m sistema multipartidrio func iona l , ou dentro do part ido nico quando a alternncia p a r l a m e n -tar no permi t ida .
De outro lado esto os que condenam essa poltica de escolher o m a l menor. Eles ins istem em que no existe diferena signif icat iva entre os pr inc ipais part idos e so a favor de votar em u m a agremiao que esteja "genuinamente" n a esquerda.
Todos estamos fami l iar i zados com esse debate e j ouvimos os argumentos vrias vezes. N o entanto, est claro, pelo menos p a r a m i m , que se no houver a l g u m acordo entre esses trs grupos em relao s tticas eleitorais, a esquerda m u n d i a l ter nfimas chances de prevale-cer, tanto a curto como a longo prazos.
Acredito que exista u m a forma de reconciliao que consiste em fazer u m a distino entre as tticas de curto prazo e as estratgias de longo prazo. Concordo totalmente com os argumentos de que a deten-o do poder estatal irrelevante p a r a as transformaes de longo prazo do sistema m u n d i a l e pode at comprometer a possibi l idade de realiz-las. Como u m a estratgia de transformao, t em sido tentada diversas vezes e falhado.
Isso no s igni f i ca que p a r t i c i p a r de eleies seja u m a perda de tempo. preciso considerar que u m a grande parte dos 9 9 % est so-frendo no curto prazo. E esse sofr imento sua preocupao p r i n c i p a l . T e n t a m sobreviver e a judar suas famlias e amigos a sobreviver. Se pensarmos nos governos no como potenciais agentes de t r a n s f o r m a -o soc ia l , mas como estruturas que podem d i m i n u i r o sofr imento a curto prazo por meio de decises polticas imed ia tas , ento a es-querda m u n d i a l estar obr igada a fazer o que puder p a r a conquis tar medidas capazes de m i n i m i z a r essa dor.
A g i r p a r a m i n i m i z a r a dor exige participao eleitoral. E o que dizer do debate entre os defensores do m a l menor e aqueles que apo iam os partidos verdadeiramente de esquerda? Esse ponto torna-se u m a de-ciso de ttica l o ca l , que v a r i a enormemente de acordo com fatores d i -versos: o t amanho do pas, a estrutura poltica f o r m a l , a demografia, a
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posio geopoltica, a histria poltica. No h u m a resposta padro. E a soluo p a r a 2012 tambm no ser necessariamente a mesma p a r a 2014 ou 2016. No , pelo menos p a r a m i m , u m debate de princpios. D i z respeito, mui to m a i s , situao ttica de cada pas.
O segundo debate fundamenta l que consome a esquerda entre o desenvolvimentismo e o que pode ser chamado de pr ior idade n a m u -dana da civilizao. Podemos observar esse debate em muitas partes do mundo. E l e est presente n a Amrica L a t i n a , nos embates fervo-rosos entre os governos de esquerda e os movimentos indgenas - por exemplo, n a Bolvia, no Equador , n a Venezuela. Tambm pode ser acompanhado n a Amrica do Norte e n a E u r o p a , nas discusses entre ambiental istas e s indical istas que do prior idade manuteno e ex-panso dos empregos disponveis.
Por u m lado, a opo desenvolvimentista, apoiada por governos de esquerda e por muitos sindicatos, sustenta que sem crescimento eco-nmico no possvel enfrentar as desigualdades do mundo de hoje -tanto as existentes dentro de cada pas quanto as internacionais , Esse grupo acusa o oponente de apoiar, d i r e t a o u i n d i r e t a m e n t e , os interes-ses das foras de dire i ta .
Os defensores da opo antidesenvolvimentista d i zem que o foco no crescimento econmico est errado em dois aspectos: u m a poltica que leva adiante as piores caractersticas do sistema capital ista e que causa danos irreparveis - sociais e ambientais .
E s s a diviso parece a i n d a mais apaixonada, se que possvel, que a divergncia sobre a participao eleitoral. A nica f o rma de resol -v-la com compromissos baseados em cada caso especfico. P a r a tor-n a r isso vivel, cada grupo precisa acreditar n a boa-f e nas credenciais de esquerda do outro. Isso no ser fcil.
Essas diferenas podero ser superadas nos prximos cinco ou dez anos? No tenho certeza. Se no forem, duvido que a esquerda m u n d i a l possa ganhar, nos prximos v inte ou quarenta anos, a ba ta lha f u n d a -menta l . E nela se definir que t ipo de sistema suceder o capital ismo quando este entrar definitivamente em colapso.
Democracia, segurana pblica e coragem para agir na poltica*
Edson Teles
Democrac ia c om violncia do Es tado e especulao imobili-r i a : u m a questo c r u c i a l que c h a m a a ateno nos recentes episdios de ao d a Polcia M i l i t a r do Estado de So P a u l o , cujo objetivo era "restabelecer a ordem e a legal idade" , mas que se c o n f i g u r a r a m como violentos e sem eficcia do ponto de v i s t a do interesse pblico.
A c h a m a d a Cracolndia (nome aparentemente c u n h a d o pe la grande mdia que, de modo s igni f i cante , remete a u m l u g a r de d iver -ses, no estilo de Disneylndia) e o b a i r r o P i n h e i r i n h o , em So Jos
Publicado originalmente no Blog da Boitempo (http://boitempoeditorial.wordpress. com/2012/02/01/democracia-seguranca-publica-e-a-coragem-para-agir-na-politica/), 1 fev. 2012. (N. E.)
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dos C a m p o s , tm algo em c o m u m alm do fato de terem sido palco das recentes violaes de direitos sofr idas pela p a r c e l a da populao que parece no ter " d i r e i t o a ter d i re i tos " (nas pa lavras crticas de H a n n a l i A r e n d t 1 ) . A m b o s os locais so reas de forte especulao imobiliria.
Os usurios de crack do centro de So P a u l o es tavam n a regio esco lh ida pelo governo p a r a a execuo do projeto " N o v a L u z " , em resposta ao d iscurso que a s s i n a l a a rea como decadente, repleta de m a r g i n a i s , suja. E m t a l projeto h i g i e n i s t a , a P r e f e i t u r a pretende vender ao s is tema p r i v a d o o d i re i to sobre desapropriaes no b a i r r o , alm de sobre o estabelecimento de pr ior idades nesse processo, sem-pre de acordo c o m interesses p a r t i c u l a r e s , em detr imento do b e m pblico . A rea, c lass i f i cada pelo governo como a b a n d o n a d a , sedia u m dos maiores centros bras i le i ros de comrcio de equipamentos eletrnicos e de informtica. Q u e m j foi r u a S a n t a Ifignia, ou mesmo 25 de maro , pde constatar a decadncia d a presena do poder pbl ico , c o m a f a l t a de servios essenciais, como os de sade pblica e l i m p e z a das ruas . A ao repressiva d a P M somente espa-l h o u os chamados craqueiros p a r a outros locais d a regio c e n t r a l , passando longe de ser u m a soluo, mas a b r i n d o a poss ib i l idade de f o r m a l i z a r o "progresso" imobilirio e c omerc ia l d a regio.
N o b a i r r o P i n h e i r i n h o , o conhecido especulador financeiro N a j i N a h a s detm, por meio de u m a empresa f a l i d a de sua p r o p r i e -dade, a rea e m que m o r a m quase 1.600 famlias. Pertencente a u m casa l de alemes mortos em 1969, no se sabe ao certo como o ter -reno, n a posse do E s t a d o por f a l t a de herdeiros legais , a cabou como propr iedade de N a h a s . Sabe-se que o E s t a d o de d i re i t o , v i a deciso
1 Segundo Hannah Arendt, em Origens do totalitarismo, o surgimento do totalitaris-mo tornou evidente a crise dos direitos humanos. Os aptridas, sujeitos desterrados do pertencimento a um coletivo poltico, colocaram em relevo a terrvel condio de seres humanos que, por no gozarem de direitos e no serem protegidos pelas leis de u m or-denamento nacional, no eram nada alm de meros seres viventes. Para a autora, h a necessidade de uma comunidade poltica para que o sujeito tenha direitos, de uma esfera pblica que valorize as opinies e torne suas aes eficazes.
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de u m a juza de So Jos dos C a m p o s , c o n f i r m a d a pelo T r i b u n a l de Justia de So P a u l o , d e t e r m i n o u o despejo desse enorme cont ingen -te de pessoas, no l h e g a r a n t i u o d i re i to m o r a d i a e a u t o r i z o u que fosse jogado n a incer teza d a ausncia de u m teto, inc lus ive c o m o uso de cassetetes, ba las de b o r r a c h a e gs de p i m e n t a . A u t o r i z a d o pelas le is , o governo optou pe la violncia e m l u g a r d a discusso de u m a a l t e r n a t i v a de m o r a d i a ou mesmo de permanncia no l o ca l .
E m vrias ocasies n a histria da humanidade , pudemos ver ce-nas de pessoas amontoadas, crianas, idosos, doentes, sem seus perten-ces, normalmente fruto de a l g u m t s u n a m i , de u m a catstrofe n a t u r a l ou mesmo de u m a guerra. E m P i n h e i r i n h o , a mesma cena foi v i s ta . Contudo, dessa vez provocada pelo Judicirio e pelo governo do estado, com o apoio do aparato repressivo da Polcia M i l i t a r . chocante!
De fato, o poder pblico, a l iado ao interesse pr ivado d a especu-lao, posiciona-se de m a n e i r a favorvel ide ia da expanso i m o b i -liria como s i n a l de desenvolvimento. E histrico que, em qua lquer rea u r b a n a , tais " re formas" levem a u m a valorizao financeira do metro quadrado e l a n c e m a populao pobre p a r a alm dos l imi tes das atuais condies j precrias de m o r a d i a . P a r a que o projeto es-peculat ivo se concretize, necessrio l i m p a r as reas d a presena dos pobres. L e i a m parte da notcia postada n a pgina da Secre tar ia de Segurana Pblica do Estado de So Pau lo :
Aps a limpeza, j era possvel circular tanto a p como de carro pelas alamedas Cleveland, Dino Bueno e Glete e a rua Helvtia, que ficam no entorno da praa Jlio Prestes. Locais que eram usados como esconde-rijos e moradia dos usurios de drogas foram desocupados e estabeleci-mentos comerciais funcionavam normalmente. 2
Sob o dis farce de u m d iscurso c o m vistas a g a r a n t i r a segu-rana pblica, o q u a l permi te a u t o r i z a r a higienizao das ameaas
" P M faz operao para sufocar trfico na Cracolndia'1. Secretaria de Segurana P-blica de So Paulo. Acesso em 3 jan. 2012. Disponvel em: http://www.ssp.sp.gov.br/ noticia/lenoticia.aspx?id=26531.
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o rdem e m o r a l , busca-se u m remdio eficaz cont ra os "desajus-tados" . Estes p o d e m , a q u a l q u e r momento , passar d a condio de vtimas da des igualdade soc ia l p a r a a categoria de i n i m i g o s . E m u m a sociedade r e g u l a d a pelos interesses do mercado e do t r a b a l h o , prec iso c r i a r u m l u g a r p a r a os sem lugar (sem teto, sem t e r r a , sem t r a b a l h o , sem direitos) . Nesse sentido, o B r a s i l r e a l i z a , ao menos desde os anos 1990 , a construo de u m E s t a d o s o c i a l 3 sob a i d e i a de que a democrac ia se conso l ida com base no d iscurso dos direitos h u -manos c o m b i n a d o c o m a lgica de mercado , o que l i m i t a a prpria i d e i a de h u m a n o . O novo modo de ag i r , corroborado pelo d iscurso em questo, v e m s u b s t i t u i n d o h a lgumas dcadas o mov imento soc ia l o rganizado independente do ordenamento do E s t a d o de d i -reito. N o l u g a r d a ao poltica, os novos atores sociais so instados a fomentar , no teatro de fabricao dos resultados , a governana do so fr imento por meio de mudanas contab i l i zadas nos ndices de desenvolvimento d a h u m a n i d a d e .
Desse modo, aparentemente se pretende a efetivao de aes de reduo da desigualdade, poltica de salrios e promoo de oportuni -dades de crescimento. Contudo, o indivduo beneficiado deve possuir qualidades que sejam-valorizadas no mundo da produo. Sem a posse de determinadas competncias, a poltica social de incluso colocada de lado e aquele mesmo Estado tentar diss imular ou apagar a presena do "deslocado". Anmico, ele levado gradativamente p a r a a periferia do sistema, mais distante, mais empobrecido, mais sem direitos. preciso questionar em que medida se pode construir u m a poltica de incluso social submissa lgica do mercado ou de u m a economia determinada pelas elites do sistema financeiro, indus t r ia l e da terra.
Refiro-me a um processo de reformulao do Estado iniciado com a promulgao da Constituio, em 1988, quando a assistncia social deixou de ser filantropia e passou a configurar corno modo essencial para lidar com o sofrimento da populao carente. Foi nesse contexto que o governo do presidente Jos Sarney (1985-1990) adotou o lema: "Tudo pelo social' 1. A construo desse Estado intensificou-se com a chegada do PT , que, em 2003, criou o Ministrio da Assistncia e Promoo Social e impulsionou o Programa Bolsa Famlia, entre outros.
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Observamos, nos casos da Cracolndia e do P i n h e i r i n h o , b e m como em tantos outros, a c l a r a demonstrao de u m projeto a u t o r i -trio p a r a as relaes entre o poder pblico (podemos ler, inc lus ive , o Estado de direito) e a populao. A p e s a r de a Constituio b r a s i l e i r a t ra tar o direito m o r a d i a como absoluto e o direito propriedade como relat ivo a sua funo soc ia l , o E s t a d o , por meio de seus diver -sos poderes, t e m atuado em favor do "desenvolv imento" em caso de confl itos. P a r a tanto , t e m feito uso sistemtico, especialmente em So Pau lo , de u m a Polcia M i l i t a r cada vez m a i s v io l enta (nunca, n a l-t i m a dcada, essa instituio m a t o u tanto quanto no ano de 2011) e repressiva (espanca estudantes d a U S P dentro do campus). S u a orga-nizao e d i s c i p l i n a , subord inadas ao regimento m i l i t a r do Exrcito, so regidas pelas mesmas regras impostas pe la Constituio outorga-d a pe la d i t a d u r a em 1969.
C o m a mudana do regime de exceo p a r a a democracia, no houve reviso ou reforma das instituies l igadas segurana nac iona l e pblica, as quais m a n t i v e r a m u m a ideologia agressiva contra a po -pulao no proprietria, garant indo a impun idade s violncias p r a t i -cadas por seus agentes. T a l situao evidencia o modelo que os setores patr imonia l i s tas e d a elite bras i l e i ra , com a anuncia da classe mdia e o silncio amedrontado de u m a parce la da esquerda que perdeu seus compromissos de classe, escolheram p a r a u m a democracia l i m i t a d a , muitas vezes de fachada, c om u m vern iz reluzente, outras vezes com caractersticas autoritrias.
No se t r a t a de u m a d i t a d u r a em meio ao E s t a d o de d ire i to . u m a democrac ia que p a r t i c i p a do consenso d a poltica contempo-rnea, no q u a l o d iscurso soc ia l e dos direitos h u m a n o s l e g i t i m a , paradoxa lmente , tanto a resistncia do indivduo e dos mov imentos d iante das violncias sofridas quanto a ao do E s t a d o , o m a i o r v i o lador de direitos . Dessa f o r m a , o m i l i t a n t e e o m i n i s t r o , o sem teto e a Polcia M i l i t a r e o destitudo e a grande mdia f a z e m uso d a ide ia de defesa de direitos sem, como v i m o s , necessar iamente a g i r em favor do interesse pblico.
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A ao repressiva do Estado, legit imada pela ideia de defesa dos direitos, a l imenta o sentimento de constante ameaa propriedade, ao emprego, ao salrio, ao consumo e ao poltica, gerando o medo para -lisante. como se u m fantasma rondasse a sociedade, obrigando-nos, em momentos de transformao, a adotar u m a poltica do possvel evitando as rupturas . Vivemos u m momento grave de nossa v i d a social, em que precisamos refletir sobre q u a l democracia queremos e, mais do que isso, agir com radical idade para denunciar u m modo autoritrio e m a n i p u -lador de se fazer poltica. .Conflitos como os vividos em So Paulo de-m a n d a m daqueles que se sentem ofendidos por t a m a n h a violncia u m a atitude corajosa de r u p t u r a com o modelo conciliatrio da democracia " lenta , gradual e segura", sob o q u a l construmos o Estado de direito.
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Crise capitalista e novo cenrio no Oriente Mdio*
Emir Sader
0 cenrio geral que englobou todo o ano de 2011 foi o novo ciclo da crise geral do capital ismo, in ic iado em 2008 . Pelo t ipo de medidas tomadas naquele momento, era de se esperar que houvesse u m a nova irrupo da crise, mesmo sem ser possvel i m a g i n a r u m a intensidade to forte como a que afeta especialmente a economia europeia.
A o sa lvar os bancos ao que detonou a crise e foi seu epicen-tro , os governos acred i tavam que s a l v a r i a m as economias e os pa-ses. Os bancos se r e cuperaram, mas as economias e os pases f i ca ram abandonados. Isso porque os bancos tm a seu favor os organismos
Verso reformulada pelo autor, para esta edio, a partir do original "2011: Crise capitalis-ta e novo cenrio no Oriente Mdio", publicado no site Carta Maior (http://www.cartam.aior. com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=l&post_id=848) em 26 dez. 2011. (N. E.)
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financeiros internac ionais e as agncias de r isco , que agem de f o r m a coerente e coordenada.
Por isso, a crise voltou como bumerangue, tendo agora diretamente os governos como epicentro, pressionados pelo sistema bancrio e pelos organismos que expressam seus interesses: F M I e Banco Central E u r o -peu. Pr ime i ro , em 2008 , f a l i r a m bancos e outras instituies financeiras; depois foram os pases, tendo a Grcia como caso paradigmtico e que estende sua sombra sobre quase todos os Estados da zona do euro.
A unificao monetria - essncia da unificao europeia, ao p o n -to de os referendos perguntarem diretamente se as pessoas q u e r i a m apenas a moeda nica e no a E u r o p a uni f i cada - revelou-se u m a ar-m a d i l h a tanto p a r a os pases mais fragi l izados , que, n a ausncia de polticas monetrias nacionais , no t iveram como se defender m i n i -mamente da crise, como p a r a os pases em melhores condies, que t i veram de acudi-los sob o risco de desabamento de toda a arqui te tura do euro, o que tambm os levar ia de roldo.
A s respostas se deram no marco das polticas neoliberais domi -nantes, combatendo centralmente os dficits pblicos, e no os efeitos econmicos e sociais dessas polticas: a recesso e o desemprego. Como tpico do neoliberalismo, a centralidade est n a estabilidade monetria, e no no desenvolvimento econmico e n a gerao de empregos.
Como resultado, a maior novidade de 2011 foi que a E u r o p a i n -gressou em cheio n u m a fase recessiva, que deve demorar pelo menos u m a dcada. Dramat i camente , essa situao tem levado os pases euro-peus a l i q u i d a r as polticas sociais e o Estado de bem-estar social , que os caracter izavam desde o ps-guerra. Os outros pases do centro do capital ismo - E U A , Inglaterra, Japo - defendem-se m i n i m a m e n t e por meio de polticas monetrias nacionais , mas esto envolvidos n a mesma tendncia que abrange a total idade dos pases capitalistas centrais.
A consequncia mais importante de 2011 a projeo de u m a re-cesso prolongada no centro do capitalismo, a q u a l ser o cenrio eco-nmico internacional por toda a segunda dcada no novo sculo. No signif ica que no haver oscilaes, mas elas sero sempre entre recesso,
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estagnao e crescimento baixo, com os problemas sociais corresponden-tes e a instabi l idade poltica de governos de turno que pagaro o preo das polticas recessivas.
Se no primeiro ciclo da crise capitalista, em 2008, no houve grandes mobilizaes populares, em. 2011 surgiram novos protagonistas, entre eles os Indignados e os "ocupas". Os primeiros, nascidos n a Espanha , onde tive-r a m sua expresso mais significativa de protesto contra as elites polticas, o esvaziamento da democracia l iberal e a exportao da crise para o conjunto da populao. Os "ocupas", surgidos em Nova York, estenderam-se para de-zenas de cidades norte-americanas, alm de. Londres, e dirigiram-se mais diretamente aos bancos, difundindo a verso da oposio entre o 1% domi-nante e a grande maior ia , os 99%. A i n d a no so movimentos com grande apoio popular, mas tm u m peso simblico importante, que pode funcionar como u m a chispa para estender a resistncia aos ajustes neoliberais.
O movimento estudant i l chileno conseguiu t rans formar suas re i -vindicaes especficas - l u t a contra a privatizao da educao - n u m tema nac ional que, juntando-se s reivindicaes de outros setores, promoveu u m a crise poltica geral e u m desgaste aparentemente i r r e -versvel do governo P inera .
No outro plano estrutural - o da hegemonia imper ia l no mundo - , 2011 trouxe a guerra da Lbia como nova modalidade de interveno imperial . Tomadas de surpresa pelas rebelies populares n a Tunsia e no Egito, que derrubaram alguns de seus aliados fundamentais n a regio, as potncias ocidentais revidaram com apoio macio, especialmente mi l i tar , contra a oposio n a Lbia. P a r a isso, contaram com o beneplcito da O N U - com sua cnica deciso de "proteo das populaes civis" - e a interveno mi l i ta r pesada da Otan , que bombardeou o pas durante mais de seis meses, contando com o protagonismo da Inglaterra, Frana e Itlia e o apoio logstico dos E U A , at obter o que buscava: a queda do regime de K a d a f i e sua morte. Foi u m a nova modalidade de interveno n u m a regio que passou a ter instabilidades polticas prolongadas. Renovou-se assim o arsenal de formas de interveno das potncias imperialistas, voltadas ago-r a para a Sria e o Ir, enquanto a sada das tropas dos E U A do Iraque no
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entt as f&||^^S.fgriias, violncia s t p r t f i ^ l & m i . emo no Afega-nisto. C o m o sucesso da derrubada do regime desses dois pases, os E U A conseguiram impor u m a vitria mi l i tar , mas no u m a vitria poltica.
A Pr imavera rabe trouxe u m elemento novo regio: sua par -ticipao popular estava como que congelada e, de repente, multides ocuparam praas para derrubar ditaduras. O movimento, inic iado em 2011, a inda deve ter longos desdobramentos j que as ditaduras bloquea-r a m o surgimento de foras alternativas durante dcadas e, nas eleies, tendem a t r i u n f a r aquelas que t i n h a m espao, mesmo restritas aos ve-lhos regimes: partidos e movimentos islmicos. M a s os processos em pa-ses como a Tunsia e o Egito esto longe de terminar , como demonstra o novo mpeto das mobilizaes egpcias, agora diretamente contra o papel que os mil i tares tentam manter n a transio poltica.
Como as ditaduras s p e r m i t i a m espao p a r a foras islmicas moderadas, so estas que tendem a ganhar as pr imeiras eleies, sem que as foras a l inhadas aos setores mais jovens e laicos possam, por enquanto, conseguir expresso poltica prpria.
O ano de 2011 acentuou a natureza prolongada e profunda da atual crise capitalista, porm os modelos alternativos ao neoliberalismo a inda tm existncias regionais - como o caso da Amrica L a t i n a e, de maneira distinta, da C h i n a . D a mesma forma, as debilidades da hegemonia impe-r i a l norte-americana - que no consegue manter e ganhar duas guerras simultaneamente, por exemplo no encontram ainda formas mult ipola-res com capacidade suficiente para superar o mundo unipolar existente. A s s i m , o perodo de instabilidades e turbulncias introduzidas pela crise do neoliberalismo e do imperial ismo se prolongar at que foras com ca-pacidade de superao possam se afirmar. Tm sido dados alguns passos, e a prpria capacidade de resistncia do S u l do mundo - em especial da Amrica L a t i n a e da C h i n a recesso no centro do capitalismo demons-t r a isso. Mas a disputa hegemnica a inda tende ase prolongar por u m tem-po longo. O certo que o mundo sair distinto desta segunda dcada do sculo X X I - melhor ou pior - , mas distinto, porque os sintomas de esgota-mento dos seus esquemas econmicos e polticos dominantes so evidentes.
Sobre os autores
David Harvey professor da Universidade da Cidade de Nova York (Cuny). Entre suas obras esto Condio ps-moderna (Loyola , 1992), O enigma do capital (Boitempo, 2011) eA companion to Marx's Capi ta l (Boitempo, no prelo).
Edson Teles doutor em Filosofia Poltica pela U S P e professor de tica e D i -reitos Humanos do curso de Ps-Graduao da U n i b a n . Coorganizador do l ivro O que resta da ditadura (Boitempo, 2010).
Emir Sader professor aposentado da F F L C H - U S P , coordenador do Laboratrio de Polticas Pblicas da Uerj e secretrio-executivo do Clacso. Publicou, entre outros, os livros A vingana da histria (2003) a A nova toupeira (2009), ambos pela Boitempo.
Giovanni Alves doutor em Cincias Sociais pela U n i c a m p , livre-docente em Sociologia e professor da Unesp, campus de Marlia. Entre seus l ivros est Trabalho e subjetividade (Boitempo, 2011).
Henrique Soares Carneiro professor de Histria Moderna da USP. Seu ltimo livro, Bebida, abstinncia e temperana na histria antiga e moderna (Senac, 2010), recebeu diversos prmios, entre eles o Gourmand World Cookbook Awards 2010.
Immanuel Wallerstein doutor em Sociologia pela Universidade Co lumbia e u m a das principais referncias dos movimentos antiglobalizao. E pesquisador--snior da Universidade Yale e autor de O universalismo europeu (Boitempo, 2007).
Joo Alexandre Peschanski doutorando em Sociologia na Universidade de Wisconsin-Madison e integra o comit de redao da revista Margem Esquerda. Organizou, com Ivana J inkings , As utopias de Mlchael Lwy (Boitempo, 2007).
Mike Davis distinguishedprofessor na Universidade da Califrnia e integra o conselho editorial da New Left Review. Autor de vrios l ivros, entre, eles Cidade de Quartzo, Apologia dos brbaros e Planeta Favela, publicados pela Boitempo.
Slavoj Mzek filsofo e psicanalista. Professor da European Graduate School e u m dos diretores do centro de humanidades da Universidade de Londres. Dele, a Boitempo publicou Em defesa das causas perdidas (2011), entre outros.
Tariq Ali jornalista, escritor, historiador, cineasta e ativista poltico. E especialis-ta em poltica internacional e tem se destacado com anlises sobre o Oriente Mdio e a Amrica Lat ina . Autor, entre outros, do livro O poder das barricadas (Boitempo, 2008).
Vladimir Safatle professor do Departamento de Filosofia da U S P . Autor de Cinismo e falncia da crtica e coorganizador de O que resta da ditadura, ambos pela Boitempo.