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Série Fascículos OCTA, 7, Novembro de 1991. Edição revista e atualizada em Abril de 1993. ESTUDO DE CASO DA USINA HIDROELÉTRICA SAMUEL (RONDÔNIA) FASCÍCULO OCTA 7 Boa Vista Cuiabá Manaus Porto Velho Rio Branco UHE Samuel

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Série Fascículos OCTA, 7, Novembro de 1991.Edição revista e atualizada em Abril de 1993.

ESTUDO DE CASO DA USINAHIDROELÉTRICA SAMUEL

(RONDÔNIA)

FASCÍCULO OCTA 7

Boa Vista

Cuiabá

Manaus

Porto VelhoRio BrancoUHESamuel

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APRESENTAÇÃO

Este fascículo, o sétimo da Série Fascículos OCTA, contém um resumobásico do estudo de caso efetuado pela OCTA para a ELETROBRÁS sobre aUsina Hidroelétrica Samuel, localizada no rio Jamari, em Rondônia, nasproximidades de Porto Velho, construída pela ELETRONORTE

Tal estudo teve por finalidade precípua avaliar as questões sócio-ambientais mais relevantes sobre o empreendimento, tendo em vista subsidiar oque seria a participação do Setor Elétrico Brasileiro na Conferência Mundial daONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio/92). O estudo desenvolveu-se de acordo com os termos de referência da ELETROBRÁS, no qual seestabelecia que o trabalho deveria contemplar, numa visão crítica abrangente,os seguintes aspectos básicos:

• contexto histórico em que se deu a implantação do empreendimento;

• caracterização da realidade local e regional afetada peloempreendimento, e uma avaliação dos programas ambientaisestabelecidos pela ELETRONORTE e a realidade atual, ou sejaestabelecer um balanço entre o planejado e o executado;

• balanço dos custos e benefícios sócio-ambientais decorrentes daimplantação da usina;

• avaliação das atuais condições operacionais da usina.

Este trabalho assume importância significativa para a OCTA, na medidaem que se pôs em prática um vasto acervo de experiências e vivências de seusconsultores nas lides do Setor Elétrico, em especial na avaliação e solução deproblemas sócio-ambientais de variadas magnitudes e importâncias,possibilitando que se estabelecem paralelos entre as experiências brasileiras eaquilo que se pode planejar em outros países, em condições similares.

De fato, o estudo de caso aqui resumido foi iniciado ao mesmo tempo emque OCTA desenvolvia os estudos referentes ao Projeto Hidroelétrico Bakun(Malásia), relatado em outros fascículos desta série. Com isso, na medida emque se observavam e analisavam os problemas que ocorrem em Samuel, ou quesão associados a este empreendimento, adquiria-se um visão bastante críticados erros graves cometidos pelo Setor Elétrico em reservatório tropicais,possibilitando que se incorporasse ao planejamento de Bakun (ver Fascículo nº5) diversas recomendações de caráter preventivo, tendo em vista oplanejamento construtivo daquele projeto.

No caso da UHE Samuel, observaram-se inúmeros problemas, cujasorigens remontam aos anos 60, quando se tomaram importantes decisõesreferentes ao desenvolvimento hidroenergético de Rondônia, segundo umavisão que privilegiava os grandes empreendimentos sem que se desseimportância às questões sociais de âmbito local, tendo em vista os objetivos deacabar com deficiências energéticas crônicas na região.

Contudo, o desenvolvimento do projeto da UHE Samuel consumiu prazosexcessivos de maturação e de implementação, com atrasos significativos na

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construção, e com problemas de planejamento que, hoje, não resistiriam acríticas e avaliações ambientais sérias, significando com isso, simplesmenteque, tal como concebido, a UHE Samuel jamais deveria ter sido implantada daforma como foi executada.

O Estudo de Caso desenvolvido procurou avaliar todas essas questões,num trabalho complexo e minucioso de "garimpagem" de informações nãodocumentadas, que permitissem estabelecer com razoável precisão o quadrohistórico do desenvolvimento do projeto. Além disso, pesquisas de campo foramefetuadas na área do reservatório e suas imediações, tendo em vista avaliarcomparativamente o quadro da situação atual com o que fora previsto eplanejado, tendo se constatado que a realidade difere bastante das propostasiniciais do empreendimento.

As questões sociais despontam como as mais graves, na medida em quenão se cuidou adequadamente do reassentamento das cerca de 500 famíliasafetadas pelo empreendimento, estando hoje a área destinada aoreassentamento, dentro do que se chamou de Projeto de Reassentamento deRio Preto do Candeias, completamente abandonada e sem qualquer tipo deassistência, tanto da ELETRONORTE, como do INCRA, os quais eramcorresponsáveis pelo projeto, na forma de convênio.

A crítica situação dos reassentados foi avaliada diretamente por meio deentrevistas e da participação em reuniões com a associação comunitária local,onde se pode perceber a distância entre as promessas e planos e a realidadeatual, expondo de maneira pungente as mazelas do Setor Elétrico.

E aí cabem comentários à louvável iniciativa da ELETROBRÁS, quedecidiu, justamente às vésperas da importante conferência da ONU, expor estasmazelas de forma autocrítica, justamente para demonstrar que está ocorrendouma séria mudança de mentalidade e de posturas no Setor, o que ficaevidenciado em seu II. Plano Diretor de Meio Ambiente para 1991/1993 (II.PDMA). Há que se conviver com as necessidades de progresso econômico eatendimento dos legítimos anseios das pessoas quanto às suas expectativassociais e materiais, sem se deixar de lado o respeito aos que compulsoriamenteacabam cedendo seus espaços e meios de vida em benefício de parcelascrescentes da sociedade.

OCTA sente-se honrada em poder de, alguma forma, estar contribuindopara esta mudança de posturas e para a a evolução no trato das questõessócio-ambientais associadas a empreendimentos elétricos, que assumirãoimportância crescente, e direcionarão, doravante, os planejamentos de forma aprivilegiar as questões sociais, sem deixar de lado o fato de que a energiahidráulica, farta e abundante no Brasil, ainda apresenta imensos potenciais deaproveitamento, que não poderão ser abandonados.

São Paulo, outubro, 1991.

Sylvio Lopes da Rosa.

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Sumário GeralRESUMO ......................................................................................................................................................... 11. INTRODUÇÃO............................................................................................................................................. 22. DESCRIÇÃO SUCINTA DO PROJETO ......................................................................................................43. ESTUDOS QUE SUBSIDIARAM A DECISÃO DE IMPLANTAÇÃO DO EMPREENDIMENTO.................. 5

3.1. HISTÓRICO DOS ESTUDOS REALIZADOS ....................................................................................... 53.2 ESTUDOS DE MERCADO .................................................................................................................... 63.3 ESTUDOS ECONÔMICOS.................................................................................................................... 73.4 SITUAÇÃO ATUAL ............................................................................................................................... 8

4. CRONOLOGIA DO EMPREENDIMENTO...................................................................................................95. OS ASPECTOS SÓCIO-AMBIENTAIS NO CASO DA UHE SAMUEL ..................................................... 126. ASPECTOS DO PLANEJAMENTO AMBIENTAL..................................................................................... 137. TRÂMITES LEGAIS DO EMPREENDIMENTO ......................................................................................... 168. O IMPACTO EFETIVO DO EMPREENDIMENTO, OS PROGRAMAS REALIZADOS E A SITUAÇÃO

ATUAL...................................................................................................................................................... 179. BALANÇO ENTRE O PLANEJADO E O EXECUTADO........................................................................... 18APRIMORAMENTO DA ATUAÇÃO SETORIAL........................................................................................... 21

SÉRIE FASCÍCULOS OCTANúmeros publicados:1. A análise ambiental nos processos decisórios como metodologia de

planejamento.2. Plano de manejo ambiental do Estado do Tocantins.3. A questão do lixo no planejamento da nova capital do Estado do Tocantins.4. Estado do Tocantins: aportes para o desenvolvimento harmônico e auto

sustentado.5. Análise ambiental do Projeto Hidroelétrico Bakun (Malásia).6. Aspectos limnológicos do reservatório de Bakun (Malásia).7. Estudo de Caso da Usina Hidroelétrica Samuel (Rondônia)

OCTA Consultoria e Planejamento S/C Ltda.Rua Vergueiro, 3.086, sala 82Vila Mariana04102-001 São Paulo, SPFone/FAX: (0-XX-11) 5579-6462

A utilização, a reprodução e a divulgação dosfascículos é livre, desde que citadas as fontes, para o

que rogamos mencionar os mesmos, quando for ocaso, como referência bibliográfica.

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ESTUDO DE CASO DA USINA HIDROELÉTRICASAMUEL (RONDÔNIA)

por: OCTA Consultoria e Planejamento S/C Ltda.

Equipe:Engenheiro Civil Sylvio Lopes da Rosa (Coordenação geral)Sociólogo César Augusto Oller do NascimentoEconomista Raul de CarvalhoEngenheiro Agrônomo Zilmar CardosoEngenheiro Agrônomo Samuel Ribeiro GiordanoEngenheiro Eletricista Olympio Barbantti - Consultor

RESUMOOs trabalhos envolveram a realização de análises de documentos referentes aoprojeto, visita às instalações da usina, pesquisas de campo no reservatório e nasua área de influência, e tomadas de depoimentos junto a moradores locais.Foram realizadas diversas entrevistas em Porto Velho, Brasília e São Paulo,com pessoas que estiveram direta ou indiretamente envolvidas com o projeto e aconstrução do empreendimento. Resgataram-se diversas informações históricasde fatos tornados públicos na ocasião em que ocorreram, por meio de pesquisaem arquivos de jornais de São Paulo e Porto Velho

Das análises efetuadas, decorrem considerações de caráter geral eespecífico, as quais induziram às seguintes conclusões principais:

• Em termos econômicos e financeiros, o modo pelo qual deu-se atomada de decisão sobre a implantação da UHE Samuel, ligada a umaconcepção de grandes empreendimentos, acabou por elevar,substantivamente, os custos de investimentos dessa usina. Tal fato foiresultado da realização tardia de estudos topográficos maisadequados, bem como do não escalonamento das obras.

• Como consequência dessa forma de tomada de decisões, os impactossobre o meio ambiente natural foram mais significativos do que sepoderia prever inicialmente, quando do estudo de viabilidade, uma vezque a área do reservatório teve que ser substancialmente ampliadaafetando áreas cobertas por florestas.

• Além disto, apesar dos custos adicionais incorridos em função danecessária construção de diques marginais para confinamento doreservatório, questões relativas ao lençol freático ocasionaram ahidromorfização de áreas adicionais externas à bacia de inundação emmontantes muito significativos.

• Em relação ao meio sócio-econômico, afetaram-se as populaçõesrelocadas sem que as contrapartidas previstas fossem efetivamenteimplementadas, visando minimizar os impactos negativos gerados pelaprópria relocação.

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• No que concerne ao atendimento às demandas do mercado de energiaelétrica, os sucessivos atrasos na implantação e motorização da UHESamuel acabaram ou por não atender áreas inicialmente previstas oupor exigir investimentos suplementares na manutenção e/ouimplantação de usinas térmicas necessárias à geração de energia parao mercado de Porto Velho e outras comunidades do Estado deRondônia.

Barragem de terra da margem esquerda

Bloco de montagem

Tomada d'água e casa de máquinas

Vertedouro e dissipador de energia

Barragem de terra e enrocamento

/ margem direita

Barragem de terra da margem direita

1. INTRODUÇÃOO presente fascículo OCTA resume o Estudo de Caso da Usina HidroelétricaSamuel, localizada no rio Jamari, Estado de Rondônia, nas proximidades dacidade de Porto Velho, construída e operada pela Centrais Elétricas do Norte doBrasil S.A. (ELETRONORTE), cuja operação comercial iniciou-se em julho de1989. Os trabalhos ora relatados foram realizados de acordo com contratofirmado entre a ELETROBRÁS e a OCTA Consultoria e Planejamento S/C Ltda.

Os estudos foram desenvolvidos segundo uma sistemática de pesquisase levantamentos, tendo em vista o resgate documental e oral de informaçõesdispersas sobre o histórico do empreendimento, tratando das decisões iniciaisque conduziram à sua implantação, das atividades iniciais de pesquisas e

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investigações de campo para o início da construção, a construção em si e aatual situação da usina e seu reservatório.

As informações obtidas foram analisadas e reunidas de forma sistemáticacomo abaixo:

• Resenha histórica de Rondônia e da UHE Samuel:

Contém uma resenha histórica do Estado de Rondônia, correlacionadacom a ocupação da Amazônia, e fornece elementos históricos para acompreensão dos fatos e decisões do Setor Elétrico que culminaramcom a decisão de se construir a UHE Samuel no rio Jamari.

• Evolução da questão ambiental no Brasil e o caso da UHE Samuel:

Aqui, analisam-se as questões de caráter legal e institucionalassociadas aos problemas ambientais decorrentes da implementaçãode empreendimentos quaisquer, os aspectos formais correlatos, asistemática de estudos ambientais e o aparato legal em vigor,rebatendo-se o assunto especificamente para o Setor ElétricoBrasileiro e, por fim, analisando-se o caso da UHE Samuel face àsquestões apontadas, confrontando-se os problemas previstos e assoluções apontadas com o que foi efetivamente verificado e realizado.

• Estudos de mercado e dimensionamento do empreendimento:

Procurou-se levantar e analisar o conjunto de estudos técnicosrelativos à caracterização da demanda prevista de energia elétrica,bem como os estudos de dimensionamento do empreendimento e asavaliações econômicas que justificaram o conjunto de decisões quelevaram à atual configuração do Sistema Acre-Rondônia.A ocupação econômico-demográfica de Rondônia serve como pano defundo para a implantação da UHE Samuel, e está analisada em carátersumário. A programação de investimentos previstos para o SistemaAcre-Rondônia está analisada com base na situação atual que foiconstatada.

• Análise referente à população atingida pela implantação da UHESamuel, envolvendo relocação, reassentamento e efeitosdecorrentes das ações da ELETRONORTE:

Aqui, analisou-se especificamente a questão sócio-cultural eeconômica associada à construção e posterior operação da UHESamuel, com considerações sobre as populações diretamenteatingidas e as providências efetivadas para sua relocação e/oureassentamento.

• Saúde pública:

Tratando de forma sumária as questões específicas associadas aoempreendimento, incluindo constatações feitas no curso de visita decampo e verificações realizadas em outubro de 1991.

• Patrimônio histórico e arqueológico:

Tratando das questões históricas locais, pré-históricas e atuais doshabitantes da região do empreendimento e suas imediações, que por lá

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passaram ou viveram em diferentes épocas, e os vestígios dessaspassagens, a partir de dados das investigações realizadas pelaELETRONORTE, em convênio com o Governo de Rondônia.

• Programa de educação ambiental:

Discute-se a questão da Educação Ambiental face ao Programa deEducação Ambiental planejado e executado pela ELETRONORTE,analisando-se os seus escopos e ações planejadas e o papel do SetorElétrico nesta questão.

• Conclusões recomendações:

Resumo dos estudos efetuados, conclusões principais e detalhadas erecomendações de caráter geral e específico, apresentadas de forma ageneralizar-se para o Setor Elétrico, tendo em vista evitar-se arepetição dos erros verificados no caso da UHE Samuel e de outrosempreendi mentos na Amazônia.

2. DESCRIÇÃO SUCINTA DO PROJETOA UHE Samuel consiste no aproveitamento hidroelétrico do rio Jamari no localdenominado Cachoeira do Samuel, distante cerca de 52 km da cidade de PortoVelho pela rodovia BR-364, e a 96 km da confluência do rio Jamari com o rioMadeira. A potência instalada prevista é de 216 MW, estando hoje (1991)instaladas duas máquinas de 43,2 MW.

O aproveitamento é assegurado mediante obras de barramento do rioJamari e por diques laterais destinados a confinar um reservatório , cuja áreatotal no nível normal de operação (cota 87) cobre cerca de 560 km², atingindo osmunicípios de Porto Velho e Ariquemes, neste último caso em pequenaproporção, correspondente ao estirão de montante do reservatório.

O arranjo geral das obras do aproveitamento configura-se por barragensde terra na margem direita; barragem de terra e enrocamento na margem direita;vertedouro e dissipador de energia; tomada d'água e barragem principal deconcreto; casa de força; barragem de terra margem esquerda; subestação, linhade transmissão Samuel - Porto Velho e diques auxiliares de fechamento emambas as margens do reservatório. As características dessas estruturas sãodadas abaixo:

• Barragem na margem direita, com um segmento de terra/enrocamento,com 190,8 m de comprimento incluindo transição, e estendendo-se dovertedouro ao canal de desvio, e um segmento de terra a partir destecanal, com 387,0 m.

• Vertedouro com 70,5 m de comprimento e 42,5 m de altura, implantadonuma antiga ilha situada na calha do rio, dispondo de 5 comportas desetor de 10,5 x 13,5 m, projetado para escoar a vazão de 5.200 m ³/s.

• Tomada d'água e casa de força em estrutura compacta, comcomprimento de 174,0 m, seccionada em 8 blocos, 5 dos quaisdestinados às unidades geradoras, 2 à área de montagem e 1, com10,0 m, destinado aos serviços auxiliares e à separação do vertedouroda casa de máquinas. Cada unidade tem 43,2 MW, totalizando 216

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MW de potência quando todas estiverem instaladas. Atualmente,somente duas unidades estão instaladas e uma terceira encontra-searmazenada na área de montagem.

• Barragem de terra na margem esquerda, com 187,7 m de comprimentoe 19,5 m de altura máxima.

• Subestação, localizada na margem esquerda, ocupando uma área de34.000 m². a ligação transformadores - elevadores - pátio de manobrasprevê a utilização de 5 linhas trifásicas de 230 kV.

• Sistema de transmissão associado: atualmente, dispõe apenas da linhaSamuel - Porto Velho, em 230 kV, com 41 km de extensão. As demaislinhas, destinadas a ligar Samuel a Ariquemes e a Abunã, Guajará-Mirim, Ji-Paraná e Rio Branco (AC), não foram implantadas.

• Diques auxiliares: um na margem direita, com 37.995 m de extensão,dividido em 5 segmentos, e outro na margem esquerda, com 21.605 mem 4 segmentos, com alturas compreendidas entre 4 e 8m. Sãoconstituídos por aterros homogêneos, dispondo de filtros e proteção deenrocamento nos taludes de montante, quando as alturas superam 4m. Em locais onde houve interceptação de drenagens (em geral comalturas superiores a 10 m), a proteção de enrocamento contempla osdois taludes e existem trincheiras de vedação, de acordo com o projeto.

O reservatório, para o volume total de 4,5 km³, tem um tempo dedetenção médio de 154 dias e profundidade média de 7,0 m.

A energia gerada na UHE Samuel, bem como a que é produzida noparque gerador térmico de Porto Velho, operado pela ELETRONORTE, évendida à concessionária local, Centrais Elétricas de Rondônia S.A. (CERON),que se encarrega da distribuição aos consumidores.

3. ESTUDOS QUE SUBSIDIARAM A DECISÃO DEIMPLANTAÇÃO DO EMPREENDIMENTO

3.1. HISTÓRICO DOS ESTUDOS REALIZADOS

Os primeiros estudos oficiais para o aproveitamento da Cachoeira do Samueldatam de 1965/66 (DNAEE), tendo sido retomados e intensificados a partir daseleção das cidades de Porto Velho (RO) e Rio Branco (AC) como pólos dedesenvolvimento da Amazônia Ocidental, no âmbito do 1o Plano Qüinqüenal deDesenvolvimento (março de 1967).

A retomada dos estudos foi levada a efeito pelo Comitê Coordenador dosEstudos Energéticos da Amazônia (ENERAM), considerando a área polarizadapor Porto Velho e por Rio Branco, concluindo pela indicação de três alternativaspara o abastecimento de Porto Velho:

• suprimento exclusivamente térmico com usina a carvão;• suprimento térmico e hidráulico, sendo a geração hidráulica obtida a

partir de uma usina em Salto Teotônio, no rio Madeira, com potência

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instalada de 24 MW, operando a fio d'água e que seria desativadaposteriormente;

• suprimento exclusivamente hidráulico, obtido a partir da implantaçãode uma usina em Cachoeira do Samuel, no rio Jamari, com potênciainstalada de 60 MW.

A terceira alternativa mostrou-se mais econômica, embora com umavantagem reduzida em relação à segunda.

Para Rio Branco, os estudos mostraram que seria economicamente maisviável realizar o abastecimento de energia elétrica mediante interligação com osistema a ser implantado para Porto Velho.

Em 1973, com a criação da ELETRONORTE, a ELETROBRÁS passa aesta a responsabilidade pelos estudos, projetos, construção e operação deusinas de energia elétrica e sistemas associados de transmissão, bem comopela coordenação dos programas de energia elétrica na Região Amazônica.

Em 1976, a ELETRONORTE chegou a um primeiro dimensionamento daUHE Samuel, baseado no inventário do ENERAM, com 100 MW instalados,representados por quatro máquinas de 25 MW, com espelho d'água doreservatório na cota 80.

Ainda em 1976, no mês de agosto, a ELETRONORTE assinou com aSondotécnica contrato para a realização dos estudos hidroelétricos do rioJamari, tendo por base as recomendações do relatório final do ENERAM.

Em dezembro de 1978 emite-se o Relatório Condensado do ProjetoBásico da UHE Samuel, o qual propõe o seu redimensionamento.

Em janeiro de 1979, emite-se o "Estudo de Suprimento às PrincipaisLocalidades da Área de Influência da UHE Samuel" no qual se propõe estendero atendimento até Rio Branco.

Em fevereiro do mesmo ano a ELETRONORTE emite um relatórioespecial denominado "UHE Samuel: Estudos para Determinação dosParâmetros Básicos de Dimensionamento", no qual, face à inexistência de umestudo específico sobre a viabilidade técnico-econômica do empreendimento,analisa-se a ampliação da Usina com relação ao recomendado pelos estudos doENERAM.

O inventário hidroelétrico do rio Jamari foi concluído em março de 1979 eo projeto básico em dezembro do mesmo ano, tendo os estudos indicado umaproveitamento de 216 MW de potência instalada, representada por cincomáquinas de 43,3 MW e potência firme de 59,5 MW.

Previa-se, ainda, que o aproveitamento hidroelétrico do rio Jamari seriafeito mediante a implantação de dois reservatórios, um na Cachoeira de Samuele outro na Cachoeira de Monte Cristo, o primeiro com nível máximo normal deoperação na cota 87m e o segundo, a montante, na cota 120m.

3.2 ESTUDOS DE MERCADO

Os estudos de mercado efetuados ainda no âmbito do ENERAM (1970), tendopor horizonte o suprimento dos mercados de Porto Velho e Rio Branco até 1985,

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previam um incremento populacional e uma demanda de energia que foramamplamente ultrapassados pela realidade. Basta dizer, quanto a esse fato, quea população de Porto Velho, estimada em 81.000 habitantes para 1980 alcançounaquele mesmo ano, segundo o recenseamento geral do IBGE, a 125.000habitantes.

Os sucessivos estudos de demanda desenvolvidos até 1986incorporaram constantemente significativa subestimação da demanda, porbasearem-se essencialmente em projeções estatísticas sobre coeficienteshistóricos de consumos e estimativas de evolução da demanda potencial dosauto produtores de energia.

Desta forma, não incorporaram integralmente as grandes transformaçõesque ocorriam no conjunto da área de influência e o conseqüente consumoreprimido, representado pelo surgimento de inúmeras cidades ao longo da BR-364 e a rápida urbanização do conjunto da população de Rondônia.

Assim, a UHE Samuel, que foi avaliada como suficiente para garantir em98% o suprimento de sua área de influência, fez com que o sistema Porto Velho- Rio Branco visse decrescer seu alcance rapidamente.

Com base nos estudos de mercado realizados em 1979, incluindo nosistema as cidades de Ariquemes, Ji-Paraná e Pimenta Bueno, concluía-se, já,que a energia firme oriunda do empreendimento em estudo, operandoisoladamente, seria absorvida antes de 1990, ocasião em que também seesgotaria a capacidade de atendimento de ponta da usina.

Com a complementação térmica proporcionada pelas usinas instaladas apartir de 1980 em Rio Branco e Porto Velho (12 MW de energia firme e 24 MWde ponta), o mercado estaria suprido até o final de 1991. Apenas com amotorização do reservatório a montante garantir-se-ia o atendimento até 1994.

Em 1986, a interligação de Rio Branco ao sistema elétrico associado àUHE Samuel é prevista para 1989, coincidindo o início da LT Porto Velho -Abunã - Rio Branco com a data da entrada em funcionamento da 2 ª unidadegeradora da usina. Paralelamente, recomendava-se o adiantamento para 1995do início da operação da UHE Ji-Paraná. Por último, estudo datado de 1990recomendava a interligação com Rio Branco, apenas a partir da adição aosistema de outra fonte significativa de geração de energia (gás de Urucú ou UHEJi-Paraná).

Os constantes atrasos na implantação da UHE Samuel e o crescimentoda demanda em níveis muito superiores aos previstos levaram, como visto, auma completa descaracterização do sistema inicialmente planejado.

3.3 ESTUDOS ECONÔMICOS

No que se refere aos estudos econômicos que basearam as decisões, seja paraa opção hidroelétrica, seja para o dimensionamento do empreendimento e,ainda, no que se refere à oportunidade da construção em etapa única ou oplanejamento da extensão das linhas de transmissão para os novos municípiosde Rondônia ao longo da BR-364, a análise dos mesmos evidencia a existênciade uma decisão estabelecida "a priori", privilegiando a hidrogeração e os ganhosde escala.

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O conjunto dos estudos de viabilidade, realizados em seqüência àsanálises iniciais do ENERAM, baseia-se em comparações entre o valor atual daopção hidráulica de Samuel (a ser construída em uma ou mais etapas) e o valoratual de energia térmica obtida com combustível fóssil (única alternativaconsiderada confiável naquele momento) (1), aplicando-se uma taxa de descontode 10% ao ano e preços constantes para o petróleo. No caso das LT's, acomparação baseava-se no custo da energia térmica em confronto ao custoincremental da extensão do suprimento.

Constatou-se que no conjunto dessas comparações foram obtidos índicesde diferenciação entre alternativas não significativos do ponto de vistaeconômico (inferiores a 10% e, com maior frequência, inferiores a 5%), sendo aopção hidráulica - bem como a construção e motorização em etapa única -justificada essencialmente em termos de economia de petróleo e de divisas.

Evidencia a preferência pela opção hidráulica a não consideração dasdificuldades para captação de recursos e as seguidas elevações das taxas dejuro que ocorriam naquele momento, a desconsideração de alternativasdiferentes da opção diesel - elétrica, bem como a retórica baseada na economiade petróleo, numa conjuntura em que o discurso institucional proporcionavagrande ênfase à questão estratégica da superação da dependência desse tipode recurso.

3.4 SITUAÇÃO ATUAL

O sistema Acre-Rondônia permanece constituído por dois subsistemas isolados,com participação de geração térmica e hidráulica.

Os sucessivos adiamentos na implantação da UHE Samuel e suamotorização parcial, com a implementação de apenas 2 das unidades geradorasprevistas, aliados à paralela não construção das LT's (seja no sentido de RioBranco, seja no sentido dos mercados do interior de Rondônia), e os aumentosda demanda muito superiores ao previsto nos estudos iniciais, fizeram esvair-sea questionável economicidade prevista e justificadora do empreendimento .

Atualmente (outubro de 1991), prevêem-se os seguintes principaiseventos:

• implantação das unidades 3, 4 e 5 da UHE Samuel (1992/93),disponibilizando energia para Ariquemes e Ji-Paraná;

• adiamento da interligação com o Acre para 1999;• entrada em funcionamento das unidades seguintes:• Rio Branco: 3 unidades térmicas de 20 MW - 1992;• UTE Rio Madeira: implantação da 4a unidade de 20 MW - 1995;• entrada em funcionamento da UHE Ji-Paraná, com 512 MW de

potência, em 1999;• Linhas de Transmissão:

1 Nessa análise de alternativas, foi considerada a expansão do parque térmico com base na

adição de unidades a vapor e a gás, de modo que as primeiras operem na base, e assegundas, exclusivamente em complementação de ponta.

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• LT Samuel - Ariquemes (230 kV) em 1992;• LT Ariquemes - Ji-Paraná (230 kV) em 1992 (com duplicação a partir

de 1999)• LT Porto Velho - Abunã, em 1999;• LT Abunã - Guajará-Mirim, em 1999.• A previsão de aumento da demanda de energia é da ordem de 18,9%

nos próximos 5 anos (praticamente igual à observada no período1981-1990), e de 14,9% no período 1996-2001.

4. CRONOLOGIA DO EMPREENDIMENTOO histórico do empreendimento resume-se na cronologia abaixo, a qual sebaseia também em pesquisas realizadas em campo em outubro de 1991:

• 1965 - Estudos topográficos, climatológicos, geológicos e hidrológicose concepção inicial do aproveitamento hidroelétrico do rioJamari em Cachoeira do Samuel (DNAEE);

• 1966 - Anteprojeto do aproveitamento da Cachoeira do Samuel(DNAEE);

• 1967 - Nova indicação para o aproveitamento do potencial de Samuel(Sondotécnica);

• 1968 - Criação do ENERAM e designação da ELETROBRÁS comoagente executivo;

• 1969 - Contrato entre a ELETROBRÁS e a Sondotécnica para estudoshidroelétricos nas áreas de influência de Porto Velho, Guajará-Mirim e Rio Branco;

• 1969 - Criação da CERON;• 1970 - Sobrevôos realizados pela LASA para obtenção de fotos

aéreas na escala 1:70.000;• 1970 - Estimativas preliminares do mercado energético de Porto Velho

e Rio Branco até 1985; (Etapa A do Estudo do ENERAM);• 1971 - Inventário hidroelétrico de Rondônia e Acre (Etapa B do estudo

ENERAM), para o atendimento das demandas de energia dePorto Velho e Rio Branco até 1985;

• 1971 - Revisão do estudo de mercado de Porto Velho, Guajará-Mirime Rio Branco (Etapa C do estudo do ENERAM);

• 1973 - Criação da ELETRONORTE;• 1974 - Publicação do "Manual de Inventário" da ELETROBRÁS;• 1975 - Estudos de eixo em Samuel realizados pela Geotopo e pela

Sondotécnica;• 1976 - Instalação de Rede de estações hidrométricas no rio Jamari;• 1976 - ELETRONORTE prossegue trabalhos para equacionar o

suprimento de energia elétrica às regiões de Porto Velho e Rio

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Branco. Primeiro dimensionamento da UHE Samuel com 100MW de potência, com 4 máquinas de 25 MW;

• 1976 - ELETRONORTE dá início ao projeto básico da UHE Samuel,conforme contrato com a Sondotécnica (agosto);

• 1977 - Início, em março, dos estudos em Porto Velho com escritórioconjunto ELETRONORTE/Sondotécnica e a implantação decanteiro de apoio em Samuel para investigações de campo(escritórios, alojamentos, laboratórios e ambulatório);

• 1977 - Novo aerolevantamento realizado pela TRANSCON para aELETRONORTE na área, com base nas fotos do vôo realizadopela LASA em 1970 (esc. 1:70.000);

• 1977 - Segundo o aerolevantamento, o reservatório de Samuel nacota 80 (aproximada) ficaria contido na calha inundável do rioJamari. A potência prevista instalada era da ordem de 70 a 100MW (específico para Porto Velho);

• 1977 - Proposta de ampliar a cota operacional (máxima) para 87m, oque demandaria a construção de alguns diques de baixa alturae pequena extensão para contenção do reservatório. Apotência total instalável poderia ser superior a 200 MW;

• 1978 - Relatórios intermediários e condensados do projeto básico sãoelaborados para a ELETRONORTE propondo-se oredimensionamento da UHE Samuel;

• 1978 - Verificações com topografia de campo constataram erros daordem de 10m nos trabalhos de restituição, verificando-se queos diques necessários para o lago na cota 87 teriam grandesextensões;

• 1979 - Concluem-se os estudos sobre o abastecimento de energiaelétrica de origem hidráulica e térmica para Rio Branco e PortoVelho, materializados em relatório da Sondotécnica para aELETRONORTE;

• 1979 - ELETRONORTE emite relatório especial "UHE Samuel -Estudos para determinação dos parâmetros básicos paradimensionamento";

• 1979 - Da mesma forma, conclui-se o inventário hidroelétrico do rioJamari (março);

• 1979 - Concessão à ELETRONORTE para a exploração dos recursoshídricos do rio Jamari em Cachoeira do Samuel (setembro);

• 1979 - Conclusão do projeto básico pela Sondotécnica (dezembro);• 1979 - Com base nas verificações topográficas de 1978,

desenvolveram-se análises sobre o custo incremental dosdiques necessários (cerca de 15%) para a cota 87m, comacréscimos significativos na potência instalável, em relação aonecessário para a cota 80m;

• 1980 - Preparação dos documentos básicos de licitação (DBL);

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• 1981 - Licitação da obra; segundo depoimentos, na ocasião o entãoGovernador Jorge Teixeira tinha como meta o asfaltamento daRodovia BR-364 e a construção da UHE SAMUEL:

• 1982 - Início da construção (março); relocação dos moradores da áreado canteiro para Vila Candeias;

• 1984 - Questionamentos levantados pelas mineradoras da região, quetinham seus levantamentos topográficos e alegavam queteriam suas áreas inundadas pelo reservatório na cota 87.ELETRONORTE autorizou a verificação topográfica dostrabalhos de restituição: seções topográficas comespaçamentos variados confirmaram que haveria errossignificativos no volume do reservatório, sendo o volume real ea área de inundação menores do que os previstos inicialmente(sic);

• 1987 - Montagem da primeira máquina;• 1988 - Relocação dos residentes na área do reservatório para o

projeto de Reassentamento Rio Preto do Candeias;• 1988 - Início do enchimento do reservatório (novembro);• 1989 - Início da operação comercial (julho);• 1990 - Início da operação da 2ª máquina da UHE (março).De acordo com a seqüência usual de maturação de projetos hidroelétricos

— inventário, viabilidade, projeto básico, projeto executivo —, é fácil perceberque o desenvolvimento do projeto da UHE Samuel não a seguiu, de acordo coma sua cronologia, pois o inventário da bacia do rio Jamari a montante de Samuelfoi concluído pouco antes do término do projeto básico, não tendo sido realizadoformalmente um estudo de viabilidade, a não ser que se considerem as etapasdos estudos realizados pelo ENERAM como tal.

Entretanto, tais estudos objetivavam apenas as análises de mercado e adefinição de alternativas de suprimento energético. A partir da alternativaconsiderada mais interessante pelo ENERAM, que preconizava a instalação deuma potência final de 60 MW em Cachoeira do Samuel (1971), desenvolveram-se estudos específicos do eixo no sítio previsto (1975), iniciando-se, logo após(1976) o projeto básico correspondente à configuração atual (216 MW depotência final instalada), concluindo em 1979, com os DBL's elaborados nocurso de 1981.

Os estudos ambientais, como mostrado adiante, tiveram início por voltade 1984 sem, contudo, configurarem um EIA formal, o qual só foi estruturado apartir de 1987, tendo o respectivo Relatório de Impactos Ambientais (RIMA),necessário ao licenciamento ambiental do empreendimento, sido concluído em1988. A cronologia do empreendimento pode ser resumida a seguir. Comrelação aos estudos ambientais, verifica-se que os mesmos tiveram início porvolta de 1984 sem, contudo, configurarem um EIA formal, o qual só foiestruturado a partir de 1987.

O respectivo Relatório de Impactos Ambientais (RIMA), necessário aolicenciamento ambiental do empreendimento, foi concluído em 1988.

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ATIVIDADE 65/70 71/75 76/80 81/85 86/90Estudos iniciais e anteprojeto nnnnnnnnEstudos de mercado e inventário hidroelétrico deRO e AC nnnn

Estudos de eixo no sítio Cachoeira do Samuel nnInventário hidroenergético do rio Jamari amontante de Samuel nnnnnnn

Projeto básico nnnnnnnElaboração dos documentos básicos de licitação(DBL's) nn

Construção nnnnnnnnnnnnnnEstudos ambientais e formalização do EIA/RIMA nnnnnnnnnn

5. OS ASPECTOS SÓCIO-AMBIENTAIS NO CASO DA UHESAMUEL

Em 1979, ocorreram discussões entre a ELETRONORTE e o Banco Mundialpara o estabelecimento de diretrizes para estudos ambientais para o projeto daUHE Samuel. Não houve qualquer iniciativa relativa à questão ambiental emdata anterior, a menos dos estudos sócio-econômicos atrelados aos estudosenergéticos desenvolvidos anteriormente para o projeto.

Por ocasião do início dos trabalhos de campo, em 1977, houve inúmerosproblemas com o pessoal oriundo do Rio e de Brasília, devido à altíssimaincidência de malária na região do aproveitamento, tendo sido elevada arotatividade entre os técnicos, que - desconhecedores da Amazônia - não tinhamo devido preparo para enfrentar as adversidades do ambiente que lhes eratotalmente desconhecido. Por essa época, houve até apoio do Exército para oatendimento médico-sanitário das equipes.

Em 1982 foi estabelecido convênio com o Instituto Nacional de Pesquisasda Amazônia (INPA) para a implantação de programas de estudos ambientaisem Samuel. Nesse mesmo ano, com a implantação do canteiro de obras, fez-sea relocação dos moradores da área para Vila Candeias, situada próxima.

Em 1983, iniciaram-se o inventário florestal e estudos paraaproveitamento do potencial madeireiro da área do reservatório, tendo aSondotécnica assumido alguns segmentos do estudo.

No segundo semestre de 1984, o INPA, por meio do convênio com aELETRONORTE, iniciou levantamentos de campo relativos a ictiofauna,limnologia, climatologia e entomofauna. Em 1986, com base em contrato com aELETRONORTE, a Sondotécnica iniciou trabalhos de levantamentoscomplementares aos trabalhos do INPA, e incluindo também geologia,pedologia, fauna e sócio-economia.

Por essa ocasião, foi outorgada a uma empresa do Paraná concessãopara exploração de madeira na área do reservatório, o que ocorreu entre 1986 e1988. Esta madeira destinava-se à comercialização e ao suprimento da usinatérmica instalada no canteiro de obras.

O inventário florístico da área do reservatório foi realizado em 1986 peloINPA e em 1989 pelo Museu Paranaense Emílio Goeldi, segundo aELETRONORTE. Em decorrência da Resolução CONAMA 06/87, o EIA e

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respectivo RIMA foi elaborado pela Sondotécnica e concluído em 1988, tendosido previstos vários projetos ambientais.

No ano 1988, ainda, foram efetuadas as relocações de moradores daárea do reservatório, os quais foram reassentados no Projeto Rio Preto doCandeias.

Em 18.07.89, foi criada a Estação Ecológica de Samuel, pelo Decreto nº4.247 do Governo do Estado de Rondônia, como forma de reparação a danosambientais causados pela destruição de florestas e outros ecossistemas.Segundo a ELETRONORTE, presentemente estão em andamento tratativascom a Secretaria de Meio Ambiente de Rondônia (SEMARO) para suaimplantação e gerenciamento.

Quanto ao licenciamento ambiental, constata-se que somente a Licençade Operação foi concedida pela SEMARO, em 31.10.88, com validade para doisanos, tendo a usina entrado em operação (primeira unidade) em 26.07.89.

Em 28.11.90, a ELETRONORTE solicitou a renovação da LO,apresentando os projetos ambientais a serem desenvolvidos, envolvendo usosmúltiplos do reservatório, monitoramento ambiental e manejo ambiental,previstos no RIMA. Alguns dos projetos haviam sido implementados por ocasiãoda construção do empreendimento e posterior enchimento do reservatório.

De acordo com a Lei 7.990 de 28.12.89, o setor hidrelétrico é obrigado apagar "royalties" para os Estados e Municípios diretamente atingidos pelas áreasinundadas.

A Prefeitura Municipal de Porto Velho está reivindicando daELETRONORTE o pagamento das compensações financeiras (" royalties") quelhe são devidas, por estar o empreendimento contido quase totalmente noterritório do município. Desconhecem-se quaisquer manifestações do GovernoEstadual e do Município de Ariquemes a respeito. O pagamento dos " royalties"deve ser feito diretamente e mensalmente, segundo percentuais definidos na Lei8.001 de 13.03.90, e conforme fórmulas definidas no Decreto no 1 de 11.01.91.

6. ASPECTOS DO PLANEJAMENTO AMBIENTALAs principais questões associadas a planejamento resultam das experiênciasoriginadas da construção do empreendimento, e que podem e devem serconsideradas para outros empreendimentos similares na Amazônia, a saber:

• Topografia e Volume do Reservatório:Dificuldades de mapeamentos topográficos precisos a partir delevantamentos aerofotogramétricos em áreas planas e de florestasdensas: além dos problemas apontados na cronologia doempreendimento, constatou-se que, de acordo comaerolevantamentos, os divisores de águas nas imediações dos diquesestariam por volta da cota 90, o que possibilitaria o alteamento dabarragem. Os levantamentos topográficos de campo, mais precisos,apontaram a cota mínima 82,00, que indicou a necessidade deconstrução de diques de fechamento do reservatório (total de 55,5 km,com altura média entre 4 e 6 m).

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Em função de imprecisões topográficas, o volume útil do reservatório équestionável: segundo a ELETRONORTE, este é de cerca de 3,2 km³,ao passo que o real é de cerca de 2,2 km³. Este dado carece deconfirmação documental, mas há números conflitantes em documentosda própria ELETRONORTE, sendo também citados os valores de 3,5km³ e 3,0 km³. Em documento de 1979 (2), cita-se o valor de 1,4 km³. NoRIMA do empreendimento, é mencionado o valor de 2,3 km³ para ovolume útil. É evidente que esses números refletem-se objetivamenteno valor real da energia firme disponível no aproveitamento ,principalmente por ser o reservatório de Samuel significativamentelargo e raso, com profundidade média de apenas 7,0 m, em área detopografia acentuadamente plana.Também se constata que o dique da margem direita interceptoualgumas drenagens, formando áreas alagadiças devido à falta decondições de escoamento, tanto das águas de chuva como asprovenientes de infiltrações e vazamentos do dique. A vegetação dafloresta aí presente deteriorou-se, com grande quantidade de árvoresmortas devido à submersão total ou parcial de suas raízes e trechosinferiores dos troncos, além de terem ocorrido processos dehidromorfização de solos.

• Escavações Biológicas:A ocorrência de paleocanais na área do reservatório e de canalículos ede cavidades nos solos da região, produzidas por escavaçõesbiológicas (minhocoçus, cupins, formigas, pequenos roedores, raízes,etc.), são capazes de causar sérios problemas quanto à estanqueidadedos diques, agravados pela lixiviação físico-química de compostosminerais. O possível comprometimento de sua estanqueidade foicombatido, segundo a ELETRONORTE, com aplicação de soluçõesconvencionais de engenharia, consistindo de adaptações nas seçõestransversais típicas das obras de terra e implantação de tapetes deimpermeabilização a montante. Aparentemente, estas soluções foramadotadas "pos facto", quando os vazamentos tornaram-sesignificativos.A própria ELETRONORTE informa que pagou indenizações a novepropriedades rurais situadas às margens da BR-364, entre a rodovia eo dique da margem esquerda, por terem sido alagadas por vazamentosdo dique.

Aparentemente, os vazamentos não estão evoluindo, e aELETRONORTE mantém alguns pequenos vertedores de medição devazão em locais específicos. Não foram obtidos dados documentaismas, segundo consta, o problema está sendo monitorado.

• Vegetação:Segundo a ELETRONORTE, a cobertura, vegetal da área de influênciaé composta principalmente de floresta densa de terra firme (88%),seguida em ordem de importância por floresta ciliar (9%), pelas

2 UHE Samuel - Estudos para determinação de parâmetros básicos para

dimensionamento. Brasília, ELETRONORTE, março de 1979.

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florestas de várzeas (2%) e pela floresta secundária (1%). No caso deSamuel, pode-se especular a respeito do significado volumétrico davegetação remanescente no corpo do reservatório face ao seu volumeútil, por tratar-se de um reservatório raso e largo e do qual apenas umaparcela mínima de vegetação foi removida, ficando a maioria dasárvores com seus troncos semi-submersos.Conforme dados oficiais, o reservatório tem as seguintescaracterísticas (aproximadas):

COTA REFERÊNCIA ÁREA VOLUME(m) (km²) (km³)87 NA MÁX. 645 4,52880 NA MIN 230 1,52865 LEITO EM

SAMUEL~45 ~ 0

Ao volume utilizável, de 3,0 km³, corresponde a área incremental acimada cota 80 de 415 km². Como o NA MÁX. normal está na cota 87,praticamente toda a vegetação de porte arbóreo contida nesta área eque não foi removida ficou semi-submersa. Estando a quase totalidadedo fundo do reservatório acima da cota 65, e considerando-se que osindivíduos arbóreos das florestas da região apresentam alturas médiassuperiores a 15m, mesmo a vegetação contida no volume morto doreservatório penetra significativamente no volume útil (acima da cota80).Verifica-se que, apesar das limpezas efetuadas nas proximidades dosdiques, da barragem principal e das demais estruturas, previamente aoenchimento, e das retiradas de madeira de valor comercial entre 1986e 1988 (que não abrangeu a totalidade da área de inundação),permanece ainda na área inundada um volume apreciável de troncosde árvores, ocupando espaços do volume útil do reservatório.

De acordo com o RIMA, as matas de terra firme e as matas de igapópresentes na área do reservatório perfazem um total de 14 x 106 m³, jáconsideradas as áreas desmatadas anteriormente, que sãosignificativas. Admitindo-se que, deste volume, cerca de 2/3 estejamcontidos total ou parcialmente acima da cota 80, tem-se umcomprometimento de aproximadamente 0,3% do volume útil, o que épouco expressivo face ao seu valor "oficial". Entretanto, como estámostrado, há sérias dúvidas quanto ao real valor do volume útil doreservatório e este percentual pode ser maior, apesar de nãorepresentar nenhum problema quanto ao valor energético real doempreendimento.

• Elevação do freático:Segundo depoimentos obtidos em Porto Velho, não haviam sidoprevistas elevações significativas do lençol freático nas imediações doreservatório. Há hoje a constatação de amplas áreas periféricas comsolos hidromorfizados ou semi-alagadas, tanto em razão dainterceptação de drenagens pelos diques, como pelos efetivosafloramentos do freático em diversos locais. O INCRA teria detectadorecentemente, em trabalhos de interpretação de imagens do satélite

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SPOT, que uma área de cerca de 350 km², sobretudo na região damargem direita e a montante do reservatório, estaria semi-alagada.Esta área estaria destinada pelo INCRA a projetos de assentamentocom atividades extrativistas.Observações "in loco" feitas pela equipe em outubro/91 constataram,nas imediações da Vila Itapoã d'Oeste, junto à BR-364, elevações decerca de 8 m nos níveis d'água de poços, não se observandoafloramentos.

A isto, deve-se acrescentar o total, não quantificado, de áreasindenizadas pela ELETRONORTE, entre a BR-364 e o dique damargem esquerda.

• Projetos dos Diques:Informações não documentadas dão conta de que os diques defechamento do reservatório, inicialmente previstos com pequenasextensões para fechamento de algumas poucas "selas" topográficas,tiveram suas extensões atuais definidas somente após as verificaçõestopográficas ocorridas em 1978. Consta também que, além dosproblemas decorrentes das escavações biológicas já mencionadas, asadaptações introduzidas nos mesmos para melhorar suaestanqueidade também visavam adequar suas seções transversais amelhores condições de estabilidade que, eventualmente, não eramcompatíveis com as condições hidráulicas inicialmente previstas.

• Desvio do rio Candeias:Em face de problemas constatados em relação às imprecisõestopográficas e às dúvidas verificadas quanto ao real valor energético doempreendimento, a ELETRONORTE chegou a cogitar, durante odesenvolvimento do projeto, em desviar o rio Candeias, que é oprincipal afluente do rio Jamari pela margem esquerda, estando aconfluência de ambos a cerca de 45 km a montante da foz do Jamarino Madeira. Este desvio propiciaria um acréscimo de vazão firme e,conseqüentemente, maior energia firme ao empreendimento. Estahipótese foi abandonada pela ELETRONORTE e não se dispõe, nopresente Estudo de Caso, de maiores informações.

7. TRÂMITES LEGAIS DO EMPREENDIMENTOCom o advento da Resolução CONAMA 001/86, a ELETRONORTE iniciou oslevantamentos complementares aos trabalhos do INPA por contrato comSondotécnica, a partir de 1986. Tendo em vista que a questão do licenciamentoambiental para obras em andamento ou já concluídas só ficou esclarecida parao Setor Elétrico com a Resolução CONAMA 006/87, a partir daí estruturaram-seos estudos específicos que culminaram com a elaboração do RIMA, em maio de1988, já com as obras civis praticamente concluídas. Assim, do ponto de vistaformal e legal, a UHE Samuel tem hoje sua situação regularizada a partir daconcessão de Licença de Operação datada de 31.10.88, e cuja renovação foisolicitada em 28.11.90, mas ainda não tem sua situação legal referente aos"royalties" devidos regularizada.

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Os projetos ambientais relacionados à UHE Samuel reportam-se àsresoluções CONAMA 001/86, 006/87, 020/86 e 010/88, ao Manual de Estudosde Efeitos Ambientais dos Sistemas Elétricos da ELETROBRÁS, ao documentode orientação às entidades de meio ambiente para requisição de estudos deimpactos ambientais da SEMA (1988) e à legislação do Governo do Estado deRondônia sobre o Sistema Estadual de Meio Ambiente. Aqui, cumpre salientarque o Conselho Estadual de Meio Ambiente (CONSEMA) de Rondônia, ao qualcompete a orientação política estadual para o meio ambiente, somente foiinstalado em 1987.

Com relação à recente obrigatoriedade legal de pagamento decompensações financeiras, a questão ainda está pendente de solução, em vistado não atendimento às reivindicações da Prefeitura Municipal de Porto Velho, epor não terem sido tomadas as providências relativas ao pagamento dos"royalties" ao Governo de Rondônia, ao Município de Ariquemes, ao DNAEE e àSecretaria Especial de Ciência e Tecnologia.

Finalmente, dentro das considerações sobre o contexto da questãoambiental em que se insere a UHE Samuel, cabe comentar que não houveaudiência pública para análise e discussão do projeto, e que, por outro lado oprojeto não é questionado, sendo muito bem aceito pela população de um modogeral, de vez que, presentemente, apesar da demanda reprimida que se verifica,a população não sofre mais problemas crônicos de falta de energia.

Ressalte-se, entretanto, o elevado nível de insatisfação das populaçõesque foram relocadas da área do reservatório e do local das obras, dirigidaessencialmente à ELETRONORTE, dado que a empresa não cumpriusatisfatoriamente seus compromissos assumidos quanto a essas populações.

8. O IMPACTO EFETIVO DO EMPREENDIMENTO, OSPROGRAMAS REALIZADOS E A SITUAÇÃO ATUAL

A evolução do projeto da UHE Samuel não ocorreu em conformidade aosroteiros idealizados pelo Setor Elétrico, envolvendo as etapas de inventário,viabilidade, projeto básico e executivo. Conseqüentemente, a questão da análiseambiental do projeto ficou prejudicada e defasada, não só em relação aoseqüenciamento desejável, onde o EIA deveria realizar-se durante os estudosde viabilidade, mas também, e principalmente, tendo-o como instrumento deplanejamento e de tomada de decisões. Se, do ponto de vista formal oempreendimento está legalizado pelo licenciamento ambiental, isso apenassignifica que foi conferido endosso a uma solução para a qual não se discutiramalternativas.

Os projetos ambientais desenvolvidos apenas serviram para olicenciamento e pouco ou nada contribuíram para a melhoria ou adequação doempreendimento aos condicionantes ambientais, como mostra o quadro resumoadiante, no qual se retrata a sua situação atual. É importante notar que aELETRONORTE não dispõe de uma sistemática de aferição dos custos deações na área ambiental e, portanto, não se dispõe de informações sobre omontante dispendido na UHE Samuel.

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ESTUDO DE CASO DA UHE SAMUELPROJETOS AMBIENTAIS: SITUAÇÃO ATUAL (OUT/91) - RESUMO

CÓDIGO DESIGNAÇÃO DO PROJETO REALIZAÇÃOTotal Parcial Nula

PROJETOS DE MANEJO AMBIENTALMJ-01 Reassentamento Populacional ­MJ-02 Manejo de Fauna Terrestre ­MJ-03 Reintegração do Canteiro de Obras e recuperação de área degradadas ­MJ-04 Implantação de opções alternativas de abastecimento de água (*)MJ-05 Medidas compensatórias da redução da oferta de pescado ­MJ-06 Salvamento arqueológico ­

PROJETOS DE MONITORAMENTO E CONTROLEMC-01 Criadouros, reservatórios, e vetores de agentes etiológicos ­MC-02 Sanitário e epidemiológico ­MC-03 Zoneamento, (...) de uso do solo nas áreas do reservatório e

circunvizinhança­

MC-04 Melhoria de infra-estrutura básica da Vila São Carlos (*)MC-05 Capacitação de recursos humanos ­

PROJETOS DE MONITORAMENTO AMBIENTALMN-01 Atividades sísmicas ­MN-02 Erosão, transporte e disposição de sedimentos ­MN-03 Climatológico ­MN-04 Hidrológico ­MN-05 Qualidade de água ­MN-06 Ictiofauna ­MN-07 Fauna manejada ­MN-08 Sócio-econômico – cultural ­

PROJETOS DE USOS MÚLTIPLOSUM-01 Criação de opções econômicas alternativas ­UM-02 Conservação de recursos naturais ­UM-03 Aproveitamento científico e cultural da flora e de fauna ­UM-04 Aqüicultura e pesca comercial e recreativa ­UM-05 Extrativismo vegetal ­UM-06 Exploração agrícola ­UM-07 Turismo e lazer ­UM-08 Assistência técnica aos produtores rurais.. ­UM-09 Centro de Proteção Ambiental da UHE Samuel (CPA-SAM) ­

PROJETOS ESPECIAISES-01 Programa de Educação Ambiental ­ES-02 Projeto de Manejo de Fauna ­

AÇÕES EMERGENCIAIS PREVISTAS ­(*) Não era necessário, como se constatou posteriormente.

9. BALANÇO ENTRE O PLANEJADO E O EXECUTADOPara se estabelecer um balanço entre o planejado e o executado, é necessárioenfocar a questão sob a ótica institucional e a ótica de agentes externos aoSetor Elétrico.

É fato que o Setor Elétrico tem agido de forma pioneira, sem sombra dedúvida, no desenvolvimento de estudos ambientais integrados e abrangentes, nabusca de soluções para os seus empreendimentos, e esse pioneirismo reflete-senos instrumentos legais hoje disponíveis em relação à questão ambiental, comoas resoluções do CONAMA, e materializa-se no Manual de Estudos de EfeitosAmbientais dos Sistemas Elétricos da ELETROBRÁS. Por outro lado, arestruturação por que passou o Setor, com a agregação de áreas específicas deMeio Ambiente aos quadros técnicos das concessionárias de energia, significaque há uma postura objetiva voltada para a ampliação de ações ambientais, que

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passarão a ser consideradas nos estudos dos empreendimentos, tal comoexpresso no II Plano Diretor de Meio Ambiente do Setor Elétrico -1991/1993 (IIPDMA) da ELETROBRÁS.

Face ao que hoje se verifica quanto à UHE Samuel, estando oempreendimento regularizado com o licenciamento obtido, o Setor cumpriu comos compromissos para atendimento de requisitos legais e institucionais.Entretanto, do ponto de vista externo ao Setor, devem considerar-se outrosaspectos: o interesse sempre manifestado pelo Governo de Rondônia e pelaCERON para a solução das crônicas deficiências de suprimento energético doEstado e a aceitação do empreendimento pela população urbana de PortoVelho, sem questionamentos, já que hoje não há falta de energia na cidade. Istose contrapõe, entretanto, ao não atendimento de problemas básicos daspopulações diretamente atingidas, bem como à não implementação do projetotal como planejado, no que diz respeito à hidrogeração e à transmissão daenergia para outras áreas.

Por outro lado, deve levar-se em conta que grande parte dos problemasambientais verificados em Samuel decorre fundamentalmente da decisão deimplantação do empreendimento sem discussões aprofundadas referentes areais questões a considerar, principalmente no que diz respeito às populaçõesafetadas.

A decisão foi tomada com base em estudos realizados numa época emque os parâmetros decisórios envolviam, com maior ênfase, questõesrelacionadas ao mercado a ser atendido, priorizando o seu suprimento pelahidrogeração em um empreendimento de tal porte, utilizando argumentaçõesreferentes aos custos de combustíveis, inclusão dos consumos dos autoprodutores nas projeções de demandas a atender e quanto à energia firmedisponível.

Com isso, deixaram-se de lado hipóteses alternativas referentes àampliação e racionalização do pulverizado parque produtor de energia deRondônia, que poderiam ter sido baseadas em alternativas poupadoras decombustíveis fósseis, tais como usinas térmicas a lenha (aproveitando-se osabsurdos desmatamentos — realizados por meio de queimadas — para aagropecuária), ou pequenas e médias centrais hidroelétricas. Mesmo resultandoem vários sistemas isolados — a serem eventualmente integrados num futuromais distante —, com os inconvenientes decorrentes da falta (eventual) deequilíbrio nos mesmos, não se teria formado o grandes reservatório de Samuel,raso e largo.

No caso de Samuel, este tipo de opção resulta em um elevado indicadorpotencial de impactos (IPI), obtido pela razão entre o tempo de residência e aprofundidade média do reservatório.

A UHE Samuel, apesar de não representar o pior caso, quandocomparado com outros empreendimentos, possui um rendimento baixo, emtermos de potência instalada por área inundada . Este rendimento torna-seextremamente reduzido, se esta relação considerar a energia firme por área,reduzindo-se a apenas 0,09 MW/km². Tendo em vista as dúvidas verificadasquanto ao real valor do volume útil do reservatório, que se reflete na energiafirme disponível, este rendimento é provavelmente ainda menor. Além disso, se

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forem consideradas as áreas periféricas do reservatório, deterioradas pelaelevação do lençol freático, esse rendimento torna-se desprezível.

Considerando-se, por outro lado, que, com o fato consumado daimplantação do empreendimento, questões concretas deveriam ter sidoequacionadas, podem discutir-se os objetivos do conjunto das ações ambientaisencetadas pela ELETRONORTE, que priorizaram determinados aspectos emdetrimento de outros, como abaixo:

a) Já que a densidade de sítios arqueológicos na Amazônia ésupostamente elevada, o projeto de Samuel demandou grandequantidade de pesquisas e levantamentos, que resultaram emimportantes aquisições de conhecimentos e material adequado paradivulgação de ações ambientais da ELETRONORTE;

b) Quanto ao Programa de Educação Ambiental, verifica-se que o mesmofoi realizado segundo os conceitos tradicionais de educaçãoambiental, cuja base é essencialmente o aparelhamento escolar e -por esta razão - suas ações foram mais intensas no meio urbano, emáreas afastadas daquelas sujeitas aos impactos diretos e, portanto,com pequena efetividade sobre as populações diretamente afetadas;

c) Quanto às populações, é óbvio que, mesmo considerando-se que oreservatório de Samuel pudesse ser significativamente menor que oreal, caso não se tivesse estabelecido a cota 87 como nível máximooperacional, seriam apenas ligeiramente menores as quantidades depessoas a serem relocadas do que as que foram atingidas.Entretanto, o manejo a que foram submetidas essas populações épassível de discussões, na medida em que as mesmas foramdeslocadas de seu ambiente referencial (várzeas do rio Jamari) paralocais que pouco ou nada tem a ver com seus hábitos culturais esociais, passando a sofrer as consequências da falta de infra-estruturae de outras facilidades.Pode-se alegar que essas populações, eventualmente, passaram acontar com condições teoricamente melhores que as que possuíamanteriormente já que, de fato, o Projeto de Reassentamento do RioPreto do Candeias introduziu modificações importantes.Cabe considerar, no entanto, que as eventuais melhorias decorrentesdo processo de reassentamento vinculam-se fortemente a programasde apoio e assistência, que não foram implementados,comprometendo, dessa forma, as "boas intenções" dos planejadores.

Verifica-se, portanto, quanto ao conjunto de projetos ambientaisimplementados em Samuel, que - além de terem sido elaborados "a posteriori" esem a contemplação de alternativas, os mesmos estão muito mais vinculados aosenso comum ambientalista.

Isto é, viabilizaram-se preferencialmente diversas ações de impactojunto à opinião pública e agências ambientais, deixando-se de perseguir commaior eficácia a solução dos problemas mais graves e essenciais, como aquelesrelativos às populações atingidas e às questões de saúde pública, com destaquepara a grande incidência de malária.

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Se é inegável o fato de que a UHE Samuel consolidou para a cidade dePorto Velho a solução dos problemas emergenciais e críticos de falta de energia,é inegável também que a oferta de energia está restrita apenas ao município,estando o parque produtor (Samuel mais térmicas) com capacidade instaladamuito superior às demandas verificadas, mas sem condições de atender aorestante do Estado de Rondônia, devido à implementação apenas parcial dosistema de transmissão associado (Samuel - Porto Velho).

10.APRIMORAMENTO DA ATUAÇÃO SETORIALTendo em vista as questões apontadas no presente Estudo de Caso,estabeleceram-se subsídios metodológicos para o aprimoramento da atuaçãosetorial no planejamento, na implantação e na operação dos empreendimentoshidroelétricos, recomendando-se que várias ações sejam efetivadas pelaELETRONORTE no mais curto prazo possível. Essas recomendações podemgeneralizar-se para o Setor Elétrico, guardadas as peculiaridades da UHESamuel, como adiante se comenta:

a. Levantar minuciosamente os custos decorrentes de todas as açõesambientais desenvolvidas até agora em relação à UHE Samuel,envolvendo valores referidos a estudos, projetos e obras, para que osmesmos possam ser desagregados do custo atualizado doempreendimento, e tendo em vista a verificação da sua incidência novalor da energia produzida na UHE e vendida à CERON.Preliminarmente, sugere-se o levantamento de custos referentes a:

• Convênio com o INPA para os estudos ambientais;• Contrato ELETRONORTE/Jaako-Poyry (1983), para o inventário

florestal;• Contrato ELETRONORTE/Sondotécnica (1986), para os estudos

ambientais e elaboração do RIMA do empreendimento;• Convênio ELETRONORTE/Governo de Rondônia (1986) para as

pesquisas arqueológicas;• Convênio ELETRONORTE/INCRA para o reassentamento da

população afetada;• Valores pagos de desapropriação e de aquisição de terrenos;• Custos de relocação do trecho afetado da Rodovia BR-364;• Indenizações pagas;• Operação Jamari;• Desmatamentos efetuados pagos pela ELETRONORTE;• Valores efetivamente gastos pela ELETRONORTE na execução

dos projetos ambientais realizados total ou parcialmente.Estes custos deverão passar a integrar os planos de contas do SetorElétrico que, por sua vez, deverá estruturar-se para que este tipo deinformação seja sistematizado em bancos de dados, constituintes desistemas formais de acompanhamento e informações sócio-ambientais;

b. Dotar o CPA-SAM de recursos mínimos de pessoal e infra-estruturaque permitam seu funcionamento e operacionalização de acordo comsuas finalidades;

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c. Obter os resultados dos monitoramentos já realizados e proceder àsua análise integrada, para o estabelecimento de relações entre osdiversos atributos ambientais considerados, principalmente tendo emvista aferir corretamente a evolução das condições límnicas e bióticasdo reservatório;

d. Revisar os projetos de monitoramento previstos no RIMA, visandoadequa-los à realidade objetiva do reservatório em função de suasfinalidades principais como hidrogerador;

e. Estimular a realização de convênios de cooperação técnica para odesenvolvimento de pesquisas científicas, que tenham por base oempreendimento, mas sem ônus para a ELETRONORTE, que apenasconcede autorização para as mesmas, com a garantia de acessoformal aos resultados a serem obtidos;

f. Avaliar ou reavaliar os custos dos projetos ambientais previstos noRIMA, reanalisar suas finalidades em função da situação atual eplanejar a sua execução imediata, priorizando aqueles que se referemàs populações afetadas e às questões de saúde pública;

g. A questão da educação ambiental - entendida como função social quevisa levar a população a um estágio ético-moral mais elevado no quese refere à defesa e conservação do patrimônio ambiental - é funçãodo aparato estatal e das Organizações Não Governamentais em seuconjunto, não cabendo, pois a responsabilidade exclusiva desteprocesso ao Setor Elétrico.A ele cabem, contudo, funções mais estritas que venham a contribuirpara o avanço deste processo, tais como:

• Democratização da informação, viabilizando o debate dasquestões ambientais decorrentes ou associadas aosempreendimentos do Setor. Neste caso, haveria umacontribuição para a Educação Ambiental das comunidades, masnão o assumir a questão da E.A., uma vez ser este um projetosocial mais amplo;

• Ater-se, atuando diretamente ou via convênios(preferencialmente a segunda opção), às questões de E.A.vinculadas aos efeitos diretos do empreendimento - populaçõesatingidas e/ou afetadas;

• O Setor Elétrico deve aparelhar-se convenientemente para oexercício dessas ações;

h. Avaliar a necessidade e viabilidade da execução de estudos e cálculosdetalhados do reservatório, para obtenção do valor real de seu volumeútil e, com base neste e nos estudos hidrológicos efetuados para abacia do rio Jamari (a serem atualizados), estabelecer com segurançao valor da energia firme que a UHE Samuel é capaz de proporcionar;

i. Ativar o monitoramento das perdas de água através dos diques eestabelecer rotinas de inspeção das condições de integridade dosmesmos; estabelecer medidas físicas, com bloqueios e cercas, paraimpedir acessos não autorizados aos diques, principalmente o damargem esquerda. Estabelecer uma faixa mínima de proteção entre

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este dique e a BR-364, para impedir que o processo de ocupação aolongo da rodovia possa comprometer a integridade do mesmo;

j. Desenvolver tratativas com o Governo de Rondônia para ademarcação definitiva da Estação Ecológica e estabelecer medidasefetivas para sua proteção;

l. O projeto de Reintegração do Canteiro de Obras e Recuperação deÁreas Degradadas (MJ-03) contempla o estabelecimento de normas eprocedimentos para a recomposição do canteiro e áreas degradadas.Recomenda-se incluir no seu escopo todas as áreas afetadas pelaelevação do nível do lençol freático no entorno do reservatório, bemcomo desenvolver os projetos específicos de recuperação das áreasdegradadas e implementa-los. Desenvolver negociações para oconvênio com EMBRAPA, SEDAM e Universidade de Rondônia, comvistas a ações específicas deste projeto;

m. Verificar os valores reais dos "royalties" devidos pela ELETRONORTE,decorrentes da operação da UHE Samuel, de acordo com a lei, eefetuar imediatamente os pagamentos correspondentes, para evitarrepercussões negativas para a empresa no caso de se tornarempúblicas as (legítimas) reivindicações da Prefeitura Municipal de PortoVelho, do Governo do Estado e do Município de Ariquemes (que aindanão se manifestaram);

n. Estabelecer negociações com o Governo do Estado para que asdívidas de CERON com a ELETRONORTE sejam pagas;

o. Desenvolver negociações com o Governo do Estado e com aPrefeitura Municipal de Porto Velho, buscando envolver entidadeseducacionais e fundações privadas com fins culturais, para aimplementação do Museu de História Natural de Samuel e programasde ecoturismo na região.

p. Rever o programa de implementação para atendimento ao SistemaAcre-Rondônia, em função dos diferentes problemas apontados nesteestudo, bem como reavaliar as formas de atendimento dasnecessidades energéticas da região.

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