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Experiências de vida e formação na zona rural da região de Balsas no Maranhão
ODALÉIA ALVES DA COSTA
Apresenta-se 2 entrevistas com estudantes de programas para formação de professores leigos
(FPL) no Maranhão. As 2 alunas cursistas do EDURURAL/NE e LOGOS II, na cidade de
Balsas-MA narraram experiências como: escolha da profissão docente na zona rural,
dificuldades encontradas ao longo da formação, continuidade dos estudos pós-formação. As 2
entrevistadas realizaram o curso FPL em nível de 1º grau, pelo programa EDURURAL,
convênio MEC/BIRD. Posteriormente, cursaram o 2º grau pelo Projeto LOGOS II, convênio
MEC-DSU/Secretaria de Educação, obtendo o título de professoras do ensino de 1º Grau. As
docentes escolheram a docência rural por terem residência fixa naquelas localidades; a
principal dificuldade para cursar a formação quer seja através do EDURURAL e do LOGOS
II, era o deslocamento que faziam da zona rural até a zona urbana, por longos períodos, em
especial no EDURURAL, que aconteceu nos meses de férias (dezembro/janeiro e julho),
deixando para trás maridos e filhos pequenos. Conclui-se que estes projetos de FPL atingiram
um público específico, os docentes da zona rural e pelo menos nos casos analisados
cumpriram o seu papel, contribuindo com a FPL na zona rural do MA.
INTRODUÇÃO
O presente artigo é fruto de uma investigação em andamento sobre o Programa de
Expansão e Melhoria da Educação Básica do Nordeste (EDURURAL/NE), no Estado do
Maranhão, estudo de pós-doutorado realizado na Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho – UNESP, Araraquara.
O Estado do Maranhão possui um grande percentual de professores leigos, quando
comparado a outros Estados do Brasil, em especial, em escolas multisseriadas, escolas que
possuem um único professor para lecionar de 1ª à 4ª série, conforme Tabela 1.
Tabela 1 – Percentual de professores leigos, em salas multisseriadas, nos Estados do Maranhão e São
Paulo, anos 1977 e 1987
% de
professores
leigos
Ano 1977 Ano 1987
Total Urbano Rural Total Urbano Rural
Maranhão 97,36 80,28 98,07 92,98 82,16 93,64
São Paulo 2,08 2,09 2,08 0,35 0,00 0,36 FONTE: BARRETO, 1991, p. 49 e 59.
Doutora em Educação pela USP. Pós-doutoranda em Educação pela UNESP Araraquara. Profa. da área de
Educação do IFMA, Campus Timon. Este artigo é fruto de uma investigação realizada através do projeto de
pesquisa “História e Memória do EDURURAL/NE no Estado do Maranhão: 1980-1987”. Pesquisa financiada
pela Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA),
Edital Universal, 31/2016, processo: 01108/17. E-mail: [email protected]
1
A escassez de instituições para formação docente no Maranhão vem de longa data.
Haja vista que, em 1951, o Maranhão possuía apenas 2 escolas normais, enquanto São Paulo,
possuía no mesmo período 135 escolas normais (LOURENÇO FILHO, 2001, p. 82).
Não é por acaso que em 1979, 28 anos depois, no Maranhão 56,17% dos professores
eram leigos, ocupando a primeira posição, entre os Estados brasileiros. Enquanto que em São
Paulo o percentual de professores leigos era de apenas 13,06% (BRASIL, 1979, p. 40). Os
Estados que também possuíam altos índices de professores leigos eram: Bahia 55,08%, Rio
Grande do Norte 52,14%, Piauí 51,49%, Paraíba 48,50% (BRASIL, 1979, p. 40), mostrando
que os Estados com maior índice de professores leigos, todos estavam localizados na Região
Nordeste do Brasil.
Por conta do grande percentual de professores leigos no Brasil, sobretudo no Nordeste,
foram criados inúmeros programas de formação de professores leigos, a exemplo do
EDURURAL/NE (formação ginasial, com disciplinas pedagógicas) e LOGOS II (formação
em nível de 2º grau, com habilitação para o Magistério).
Para iniciar nossa discussão, buscamos os fundamentos legais sobre a formação de
professores. De acordo com o Decreto-Lei n. 8.530, de 2 de janeiro de 1946 (Lei Orgânica do
Ensino Normal), “o ensino normal seria ministrado em dois ciclos. O primeiro daria o curso
de regentes de ensino primário, em quatro anos, e o segundo, o curso de formação de
professores primários, em três anos” (BRASIL, 1946, Art. 2º).
Os professores regentes eram formados pelas escolas normais regionais, em cursos
ginasiais, primeiro ciclo do ensino secundário, e os professores primários eram formados
pelas escolas normais, em cursos de segundo ciclo do ensino secundário.
Posteriormente, em 1961, é promulgada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, a Lei 4.024 de 20 de dezembro de 1961. Segundo esta lei, a formação do
magistério para o ensino primário deve atentar-se para:
Art. 52. O ensino normal tem por fim a formação de professôres,
orientadores, supervisores e administradores escolares destinados ao
ensino primário, e o desenvolvimento dos conhecimentos técnicos
relativos à educação da infância.
Art. 53. A formação de docentes para o ensino primário far-se-á:
a) em escola normal de grau ginasial no mínimo de quatro séries
anuais onde além das disciplinas obrigatórias do curso secundário
ginasial será ministrada preparação pedagógica;
b) em escola normal de grau colegial, de três séries anuais, no
mínimo, em prosseguimento ao vetado grau ginasial.
2
Art. 54. As escolas normais, de grau ginasial expedirão o diploma
de regente de ensino primário, e, as de grau colegial, o de
professor primário.
Art. 55. Os institutos de educação além dos cursos de grau médio
referidos no artigo 53, ministrarão cursos de especialização, de
administradores escolares e de aperfeiçoamento, abertos aos
graduados em escolas normais de grau colegial.
Art. 56. Os sistemas de ensino estabelecerão os limites dentro dos
quais os regentes poderão exercer o magistério primário.
Art. 57. A formação de professôres, orientadores e supervisores para
as escolas rurais primárias poderá ser feita em estabelecimentos que
lhes prescrevem a integração no meio.
A posteriori, em 1971, a Lei 5.692 de 1971 prevê que:
Art. 29. A formação de professôres e especialistas para o ensino de 1º
e 2º graus será feita em níveis que se elevem progressivamente,
ajustando-se às diferenças culturais de cada região do País, e com
orientação que atenda aos objetivos específicos de cada grau, às
características das disciplinas, áreas de estudo ou atividades e às fases
de desenvolvimento dos educandos.
Art. 30. Exigir-se-á como formação mínima para o exercício do
magistério:
a)
no ensino de 1º grau, da 1ª à 4ª séries, habilitação específica
de 2º grau;
b)
no ensino de 1º grau, da 1ª à 8ª séries, habilitação específica de
grau superior, ao nível de graduação, representada por
licenciatura de 1º grau obtida em curso de curta duração;
c)
em todo o ensino de 1º e 2º graus, habilitação específica obtida
em curso superior de graduação correspondente a licenciatura
plena.
Art. 77. Quando a oferta de professores, legalmente habilitados, não
bastar para atender às necessidades do ensino, permitir-se-á que
lecionem, em caráter suplementar e a título precário:
a)
no ensino de 1º grau, até a 8ª série, os diplomados com
habilitação para o magistério ao nível da 4ª série de 2º grau;
b)
no ensino de 1º grau, até a 6ª série, os diplomados com
habilitação para o magistério ao nível da 3ª série de 2º grau;
c)
no ensino de 2º grau, até a série final, os portadores de diploma
relativo à licenciatura de 1º grau.
Parágrafo único. Onde e quando persistir a falta real de
professores, após a aplicação dos critérios estabelecidos neste artigo,
poderão ainda lecionar:
3
a) no ensino de 1º grau, até a 6ª série, candidatos que hajam
concluído a 8ª série e venham a ser preparados em cursos
intensivos;
b) no ensino de 1ºno té no ensino de 1º grau, até a 5ª série, candidatos habilitados em
exames de capacitação regulados, nos vários sistemas, pelos
respectivos Conselhos de Educação;
c)
nas demais séries do ensino de 1º grau e no de 2º grau,
candidatos habilitados em exames de suficiência regulados pelo
Conselho Federal de Educação e realizados em instituições
oficiais de ensino superior indicados pelo mesmo Conselho.
Como vimos na legislação temos o professor regente, com formação a nível ginasial,
que estava habilitado para ministrar aulas de 1ª a 4ª série de acordo com a Lei Orgânica do
Ensino Normal de 1946, e também de acordo com LDB 4.024 de 1961. Já com a Lei 5.692 de
1971, o professor com essa formação só era aceito a título precário, ou seja, aceitava-se o
professor regente para ministrar aulas no ensino primário, apenas nas localidades onde não
existiam professores normalistas, normalmente nas zonas rurais.
Os cursos de formação de professores leigos, tais como o LOGOS II, estavam
previstos na Lei 5.692/1971, Art. 77, parágrafo único, alínea a, como “cursos intensivos”.
Mas o que sabemos é que há uma grande diferença entre o que é previsto na legislação
e aquilo que acontece no cotidiano das escolas. Sabe-se que no Brasil, temos uma grande
quantidade de professores leigos.
Diante do exposto, é importante conceituar quem é o professor leigo: “professores que
não possuem as habilitações específicas previstas em lei” (BARRETO, 1991, p. 8). O
professor leigo é a incapacidade da escola normal em formar professores.
Por conta do grande percentual de professores leigos no Brasil, sobretudo no Nordeste,
devido à carência de escolas normais para formar professores, foram criados inúmeros
programas de formação de professores leigos, a exemplo do EDURURAL/NE (formação
ginasial, com disciplinas pedagógicas) e LOGOS II (formação em nível de 2º grau, com
habilitação para o Magistério).
O LOGOS I foi ofertado pelo Departamento de Ensino Supletivo através da educação
à distância, cujos alunos/professores leigos recebiam os módulos (apostilas) “em cinco
unidades federadas – Piauí, Paraíba, Rondônia, Roraima e Amapá – [...] cuja proposta foi
qualificar professores num processo de 12 meses. Tal testagem obteve excelentes resultados”
(GONDIM, 1982, p. 19-20).
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Após a implantação dessas experiências piloto, com o LOGOS I “foi então
implantado, em fase experimental, o projeto LOGOS II, voltado para habilitação de
professores a nível de 2º grau, via supletivo, utilizando o ensino à distância” (GONDIM,
1982, p. 20).
O objetivo do LOGOS II era:
Habilitar, a nível de 2º grau, para lecionar até a 4ª série do 1º grau, com avaliação no
processo, via ensino supletivo, mediante ensino à distância aplicado através de
módulos de ensino, professores não titulados, com exercício no magistério, nas
quatro primeiras séries do 1º grau, nos Estados do Piauí, Paraná, Rio Grande do
Norte e Território Federal de Rondônia (GONDIM, 1982, p. 20).
Embora, implantado inicialmente em apenas 4 Estados do Brasil, no ano de 1975, “o
projeto LOGOS II, do MEC, desenvolvido em convênio com Secretarias de Educação e
Cultura atingiu 19 unidades federadas” (STAHL, 1986, p. 21).
O LOGOS II fora organizado em “28 disciplinas, totalizando 208 fascículos”
(GOUVEIA, 2016, p. 37).
O LOGOS II foi um programa de educação à distância inspirado em modelos
europeus e norte-americanos que já vinham desenvolvendo esta forma de ensino
para “estudantes trabalhadores com custos mais baixos”. O programa tinha um
plano de atividades diversificado e flexível, no qual o aluno estabelecia seu próprio
ritmo de aprendizagem e os encontros com o orientador de ensino eram mensais,
para aplicação de testes, bem como, conforme a necessidade, para esclarecimento de
dúvidas em relação ao conteúdo proposto. Os professores que se matriculavam no
Logos II tinham níveis de escolaridade variados, sendo exigida como escolaridade
mínima para participar do projeto, a 4ª série do 1º grau (GOUVEIA, 2016, p. 58-59).
Outro programa de formação de professores leigos que daremos destaque neste texto é
o Programa de Expansão e Melhoria da Educação Básica do Nordeste (EDURURAL/NE).
O EDURURAL/NE foi desenvolvido nos 9 estados do Nordeste brasileiro, alcançando
248 municípios da região, conforme quadro 1:
Quadro 1 - Municípios abrangidos pelo EDURURAL/NE
ESTADOS
ABRANGIDOS
TOTAL DO
Nº DE
MUNICÍPIOS
NÚMERO TOTAL DA
PORCENTAGEM
Alagoas 94 13 14
Bahia 336 36 11
Ceará 141 53 38
Maranhão 130 22 17
Paraíba 171 31 18
Pernambuco 164 29 18
Piauí 114 35 31
Rio Grande do Norte 150 14 9
Sergipe 74 15 20
TOTAL 1.374 248 18
FONTE: QUEIROZ, 1997, p. 172 (apud Informações gerais MEC, 1983, p. 15)
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O EDURURAL/NE tinha os seguintes objetivos: “reorganização da rede física,
capacitação profissional, valorização funcional, incentivo financeiro, material didático e de
ensino e merenda escolar” (QUEIROZ, 1997, p. 11).
Neste texto vamos abordar apenas a capacitação profissional (formação de
professores) por ser a nossa preocupação enquanto objeto de estudo.
Segundo Barreto (1983, p. 27),
O objetivo do Edurural é concentrar os esforços na qualificação de professores
leigos pretendendo oferecer-lhes formação a nível de 8ª série de 1º grau. Essa
medida seria reforçada pela atuação do Projeto Logos II, do DESU, destinado à
habilitação ao magistério de 2º grau ao nível de suplência.
A seguir, iremos apresentar a metodologia e os resultados parciais da pesquisa de
campo realizada no Sul do Maranhão, onde entrevistamos professoras leigas, que participaram
do EDURURAL/NE e do LOGOS II.
METODOLOGIA
A pesquisa de campo para realização das entrevistas aconteceu entre 20 de dezembro
de 2017 e 28 de janeiro de 2018. Ao todo foram realizadas 19 entrevistas, nos municípios
maranhenses de Balsas, Loreto, São Domingos do Azeitão, Benedito Leite e São Luís, bem
como em Teresina, Piauí. Foram entrevistadas 5 coordenadoras, 11 alunas cursistas e 3
professoras formadoras. Deste total, selecionamos duas (2) entrevistas com alunas cursistas
egressas dos programas EDURURAL/NE e LOGOS II, entrevistas estas realizadas no
município de Balsas, Maranhão.1
O projeto de pesquisa e o roteiro de entrevistas foram submetidos ao Comitê de Ética
em Pesquisa (CEP), atendendo às Resoluções 466 de 2012 e 510 de 2016, ambas do Conselho
Nacional de Saúde. O projeto foi avaliado e aprovado pelo CEP da Faculdade de Ciências e
Tecnologia do Maranhão (FACEMA), possuindo como Certificado de Apresentação para
Apreciação Ética (CAAE), n. 76289317.6.0000.8007.
É importante registrar que as maiores dificuldades encontradas para a realização desta
pesquisa, diz respeito às condições impostas pelo Comitê de Ética, através do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). No modelo de TCLE da FACEMA, o
entrevistado precisa assinar o TCLE, e fornecer também o número de identidade e CPF. Parte
1 Participaram da coleta de dados o aluno bolsista FAPEMA, Elivelton dos Santos Silva e as alunas voluntárias:
Eulina da Silva Lima e Mariana Cardoso de Abreu.
6
das professoras leigas que entrevistamos eram mulheres muito simples, que atuavam como
trabalhadoras rurais e como professoras ao mesmo tempo. Algumas se aposentaram como
trabalhadoras rurais, e temiam gravar uma entrevista falando de suas experiências enquanto
professoras. Outras receavam que fizéssemos empréstimo bancário em suas aposentadorias,
uma vez que teríamos seus documentos pessoais. Houve também casos de lideranças que não
queriam se comprometer com o passado, que davam depoimentos interessantes sobre o
programa EDURURAL, mas não aceitavam gravar a entrevista. Ao todo 9 pessoas se
negaram a dar entrevistas, devido às imposições feitas pelo Comitê de Ética, o que é
lamentável.
O roteiro de entrevistas foi dividido em quatro partes: ficha técnica do entrevistado,
perguntas direcionadas às supervisoras ou coordenadoras, outra seção com perguntas para às
professoras formadoras, e por fim, perguntas feitas às alunas cursistas/professoras leigas.
Aqui neste artigo, vamos nos ater apenas às perguntas e respostas feitas pela
pesquisadora às alunas cursistas/professoras leigas: motivo para escolha da profissão docente
na zona rural, principais dificuldades encontradas pelas professoras para participar das
formações de professores leigos, continuidade dos estudos pós-formação, dentre outras
questões.
RESULTADOS
A primeira aluna cursista entrevistada, nesta pesquisa, foi Maria Aparecida Sousa
Costa, na cidade de Balsas-MA, no Hotel Santa Maria. Ao falarmos de nossa pesquisa com a
proprietária do hotel, a senhora Maria Alves Lopes (minha tia) nos indicou a senhora
M.A.S.C., moradora da Comunidade São Bento, município de Nova Colinas, MA, uma vez
que a mesma tinha sido aluna do EDURURAL/NE e do LOGOS II. Entramos em contato por
telefone e ela nos informou que tinha uma viagem pessoal para Balsas-MA. M.A.S.C. foi ao
nosso encontro onde livremente nos concedeu a entrevista, e ainda nos doou 6 módulos do
LOGOS II, foto 1.
7
Foto 1 – Capa de alguns módulos das apostilas do
programa LOGOS II
FONTE: Acervo pessoal da entrevistada Maria
Aparecida Sousa Costa (22/12/2017)
A segunda aluna cursista entrevistada nesta pesquisa foi Joana Santos da Silva, na
comunidade Belos Aires, em sua residência, zona rural de Balsas-MA. Em uma viagem que
fizemos para Balsas-MA e Loreto-MA, decidimos parar na comunidade Belos Aires para
conhecermos um prédio escolar construído com recursos do EDURURAL/NE, foto 2.
8
Foto 2 – Placa de inauguração
Grupo Escolar Raimundo L. dos
Santos, construído com recursos
do EDURURAL, comunidade
Belos Aires, zona rural de
Balsas-MA, 1984.
FONTE: Dados da pesquisa de
campo (21/12/2017).
Ao visitarmos o prédio escolar, a pessoa que se encontrava na escola nos disse: “se
vocês quiserem entrevistar a professora que trabalhou a vida inteira nesta escola, desde os
tempos em que ela foi construída, ela se chama Joana e mora aqui atrás da escola”. O
motorista que conduzia o veículo, o senhor Clodomir Alves Ferreira, (meu tio) nos levou até a
casa de Dona Joana, que nos recebeu prontamente, nos concedeu a entrevista e ainda nos
forneceu uma preciosa fonte, o convite de formatura da turma do EDURURAL/NE que
aconteceu em Balsas-MA, foto 3.
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Foto 3 – Convite de formatura EDURURAL: formandos de 84, Balsas-
MA
FONTE: Acervo pessoal da entrevistada Joana Santos da Silva
(21/12/2017)
Com este convite, tivemos conhecimento da lista dos formandos, lista dos professores,
patronos, paraninfos, enfim, a partir do convite seria fácil identificar quantos sujeitos
quiséssemos entrevistar.
No que diz respeito à primeira categoria, Escolha da profissão docente, Maria
Aparecida Sousa Costa, nos falou que escolheu ser professora “porque o professor ele é tipo
uma mãe, ele dá luz à comunidade, ele abre portas para o mercado, ele abre portas para a
felicidade e para o sucesso” (M.A.S.C., 2017, p. 2).
Nas palavras de M.A.S.C. ser professora está associado a inúmeros aspectos
sentimentais que perpassam desde a maternidade, até mesmo às orientações para o mercado
de trabalho. Por sua vez, Joana Santos Silva, destaca que escolheu ser professora por
necessidade da comunidade e por não ter a possibilidade de continuar seus estudos, uma vez
que o pai dela não tinha como mantê-la estudando na cidade de Balsas-MA.
No primeiro ano que eu fui ser professora, eu fui por necessidade da
comunidade, eu morava em outro interior e aí a comunidade precisou
de professor e eu nessa época só tinha a sexta série. Meu pai não
pode mais me colocar em Balsas para estudar, aí falou pra mim ir e
eu não queria assim, toda sem jeito, mas eu fui e passei a gostar e no
outro ano eu já não quis mais sair, só um ano eu já gostei (J. S. S.,
2017, p. 2).
Continuamos indagando às nossas entrevistadas, porque as mesmas optaram pela
docência na zona rural. Maria Aparecida afirma: “é porque lá onde eu morava, tinha uma
grande necessidade, tinha muitos alunos” (M.A.S.C., 2017, p. 2).
10
Os motivos pelos quais Joana optou por trabalhar na zona rural foram semelhantes
àqueles apresentados por Maria Aparecida.
Porque eu morava na zona rural, meu pai não tinha casa na cidade
para botar a gente para estudar lá, então a gente quase não tinha
opção assim de ter outro jeito. Hoje tem muita facilidade o aluno
mora na zona rural e estuda na cidade, tem ônibus para pegar e tudo
mais. Naquele tempo não tinha, no interior só tinha até a quarta série,
era muito difícil, aí eu optei para o magistério e graças a Deus deu
certo, que eu gostei (J.S.S., 2017, p. 3).
As nossas entrevistadas moravam na zona rural e exerceram a docência na zona rural,
diferentemente das características das professoras rurais entrevistadas pela pesquisadora
Sandra Cristina Fagundes de Lima (2012) em Uberlândia-MG. As professoras de Uberlândia-
MG quando se deslocavam da cidade para a zona rural, estranhavam os meios de transporte,
cavalo, por exemplo, a infraestrutura das salas de aulas, características essas corriqueiras para
as professoras que entrevistamos.
No que se refere às dificuldades encontradas ao longo da formação, Maria Aparecida
Sousa Costa relata que a principal dificuldade encontrada para cursar o ginásio pelo
EDURURAL era a distância entre o Povoado São Bento, onde ela residia e trabalhava e São
Raimundo das Mangabeiras, local de realização do curso intensivo no período de férias
(Escola São Raimundo Nonato). A distância entre as duas localidades era de
aproximadamente 130 quilômetros. Esse deslocamento era feito utilizando diferentes meios
de transporte. Assim relata a entrevistada:
[De São Bento] a gente vinha para Fortaleza [dos Nogueiras], vinha
a cavalo, [24 quilômetros] de lá pegava um carro que vinha para
Balsas, (D-20, camionete, caminhão) ficava no entroncamento. No
entroncamento [MA 006 com a BR 230, Rodovia Transamazônica]
pegava carona pra São Raimundo das Mangabeiras em kombis.
Joana Santos da Silva estudou o EDURURAL no polo de Balsas, onde as aulas do
ginásio aconteciam na Escola Luiz Rego. A distância entre a comunidade Belos Aires e
Balsas era 20 quilômetros. Sobre esse deslocamento a entrevistada relata: “daqui até Balsas
eu ia de carro, naquela época não tinha van, era pau-de-arara, chegava lá a pessoa ia tomar
banho porque o cabelo estava vermelhinho da piçarra, não tinha asfalto também” (J.S.S.,
2017, p. 6).
11
O deslocamento de Belos Aires até Balsas não era o maior empecilho para a formação
de Dona Joana. A maior dificuldade para ela era conciliar a formação e a atenção à família,
esposo e filha. Ela mesma descreve:
A dificuldade era grande assim porque eu já era casada, já tinha
filhos, tinha marido aí aquela confusão, marido uma hora quer que eu
vá, outra hora não quer que eu vá [...]. É difícil, eu tinha menino
pequeno, tinha menino de peito, quando eu comecei eu estava dando
de mamar, estava com um mês que eu tinha ganhado minha menina
mais velha, aí eu deixava ela na casa de uma tia minha e ia lá para o
Luiz Rego a pé de manhã, voltava meio dia, almoçava, dava de
mamar a neném e voltava de novo, foi difícil, mas eu consegui (J.S.S.,
2017, p. 4).
Quanto à continuidade dos estudos não podemos generalizar, porque aqui
apresentamos apenas dois casos de professoras rurais. Mas ambas as professoras que
participaram do EDURURAL/NE, cursando o ginásio, posteriormente, fizeram o magistério
em nível de 2º grau pelo LOGOS II, e posteriormente, fizeram curso superior de Licenciatura
pelo Programa de Capacitação Docente (PROCAD).
FONTES ORAIS
Entrevista com Joana Santos da Silva, concedida a Odaleia Alves da Costa, no dia 21 de
dezembro de 2017, duração 17 minutos e 36 segundos.
Entrevista com Maria Aparecida Sousa Costa, concedida a Odaleia Alves da Costa, no dia 22
de dezembro de 2017, duração 20 minutos e 53 segundos.
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BRASIL. Decreto-Lei n. 8.530, de 2 de janeiro de 1946. Lei Orgânica do Ensino Normal.
Disponível em: < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-8530-2-
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