5

Click here to load reader

Oficina de fotografias

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Oficina de fotografias

Arrebentação, um aluno em pleno curso

Renato Horta Nunes

“Eu volto ao mar envolto pelo céu, o silêncio entre uma e

outra onda estabelece um suspense perigoso: morre a vida,

se aquieta o sangue até que rompe o novo movimento e

ressoa a voz do infinito”

Neruda

“O Carteiro e o Poeta”

de Antônio Skármeta

Não pude fugir às águas, envolto pela força da arrebentação, como “Mário”, em

“O Carteiro e o Poeta”. Nesse meu ofício de mestre, o refluxo da água sobre a areia puxa

a arte em pequenos redemoinhos, como uma corrente, trazendo a vida por entre grãos

movediços. Desenhos que se inscrevem! Uma escrita que se estabelece.

A poesia e a arte continuam a desvendar lógicas profundas e

insuspeitadas do inconsciente coletivo, do cotidiano e do destino humano.

A ciência é apenas uma forma de expressão desta busca, não exclusiva,

não conclusiva, não definitiva. (MINAYO, 1994, p.9)

Há vários anos sinto a necessidade de me realimentar dos ares da ciência, assim

como me nutre a arte. Desde que me tornei professor, e ultrapassei ‘os muros’ da

universidade, ou mesmo antes, senti uma cisão estabelecida entre a escola e a academia.

“Os “professores” se dizem “ensinadores”, porque na universidade foram obrigados a

apenas aprender” (Demo, 2005). Assim, um vazio entre a teoria e a prática, o ensino e a

pesquisa, o erudito e o popular, a arte e a ciência. Por conta disso, busquei tornar mais

concreto os estudos realizados.

Page 2: Oficina de fotografias

Então, na escola, a docência! Trilhei caminhos ‘próprios’, levando a tira-colo

meus mestres, e outros também, munido assim, de suas produções. Ali senti as

resistências quanto às discussões ‘teóricas’, as ‘da academia’, como alegam. Da

disposição de discutir, fez-se o exercício de culpar, salvo algumas exceções - Na vitrine

do conhecimento. Pasmem! Mas, a recíproca também é verdadeira.

Hoje, começa a se tornar menos reticente essa busca por um espaço de discussão

construtivo na escola, graças ao empenho colaborativo de alguns pares. Soma-se, agora, a

possibilidade dada pelo curso “A pesquisa e a Tecnologia na Formação Docente”, uma

parceria entre a rede pública e a universidade. ‘Caiu como uma luva’, num duplo sentido:

possibilitar um tempo relativamente duradouro, dois anos, em que o professor,

diretamente ligado à prática escolar, pudesse refleti-la, discuti-la, com seus pares e à luz

da academia; dirimir, aprofundar conhecimentos, discutir sobre diferentes linhas de

pensamento, suas teorizações, instrumentos metodológicos e as possibilidades de práticas,

de forma, ao professor, e também à universidade, possam reunir informações e

instrumentos que aprimorem suas relações, produções e práticas pessoais, individuais e

coletivas, a formação.

Há assim, uma perspectiva no horizonte, de avanços no modo de gerir dessas

instituições, pois, “a instituição gere. Ela pode gerir de diversas formas, mas há uma

constante: ela gere. Ora, a lógica da administração não é a da educação ou a do

ensino.” (Bernard Charlot, 2005). Entretanto, apesar de organizações singulares, são

próximas, interdependentes, pela partilha colocada no conhecimento e sua produção,

ainda que possam ou não resistir a esta aproximação.

No curso, dentro da disciplina, “A pesquisa científica como instrumento

pedagógico I”, logo de início, uma primeira expectativa satisfeita. A discussão sobre a

história “A Cotovia e o Sapo”. A política presente! Uma abertura inprescindível,

entendo, que nos remete à responsabilidade, no tocante a tudo a que esperasse

pessoalmente e ao que pudesse vir depois. E veio! Com competência, humildade e de

forma cativante.

O professor precisa investir na idéia de chegar a motivar o aluno

a fazer elaboração própria, colocando isso como meta da formação. Caso

contrário, não mudamos a condição de analfabeto no aluno, que apenas

lê, sem interpretar com propriedade. Pior que o analfabeto literal, é o

Page 3: Oficina de fotografias

analfabeto político. A letra em sociedade, é sempre também arma

política.”(DEMO, 2005, p.89)

Foram vários seminários, e, cada um, envolvendo autores diferentes. Incursões

sobre práticas muitas vezes complementares - Demo, Kramer, Geraldi, Zaichner. Por

outras, a retratar os problemas e peculiaridades a serem enfrentadas, consideradas –

Bernard Charlot ; e também novas propostas, Hernandez, Machado, Gallo.

As apresentações, na forma de seminários, foram instigantes e contribuíram de

modo a permitir se apropriar e debruçar sobre as idéias dos autores. Comentá-las, debater

e produzir novos sentidos. Algumas vezes, provavelmente se sentiriam ‘arrepiados’,

contrariados. Outras até, ignorados. Mas, creio, tenha sido muito importante. Uma prática

com respeito à autonomia e a liberdade, até porque, por vezes, as questões colocadas por

nossa anfitriã, Professora Cida, ou pelo grupo, levavam-nos de volta ao eixo do central

do trabalho.

A orientação, o sentido colocado na dinâmica de condução do curso agradou

muito, por estimular posicionamentos, a produção individual e coletiva pelo mesmo. Arte

de quem compreenda o papel de ser “pesquisador e pesquisado na prática de sala de

aula” (Damin). Tenha, visto, a exposição! Sem um direcionamento rígido, e até por isso,

marcado por referências que nos fizessem refletir e questionar, pressupostos

imprescindíveis a uma retomada de posturas.

Pessoalmente, tive dificuldades em articular os tempos do trabalho e dos estudos,

no sentido do cumprimento de prazos e da entrega de algumas produções. Tanto pela

necessidade de dedicação há alguns momentos de questionamentos surgidos no ambiente

de trabalho, na escola, e de marcação de espaço a novas práticas, bem como, a outros

compromissos já anteriormente assumidos. No entanto, a relação entre as questões

tratadas no curso têm possibilitado uma argumentação mais consistente no sentido de

ocupação desses espaços, de organização de novas práticas e de perspectivas que

vislumbrem alterações num plano mais macro.

O trabalho com o projeto na escola, nesse sentido, tem demandado algumas

preocupações. Nem tanto possibilidade de realizá-lo, ou mesmo, pela falta de

compromisso do grupo de professores envolvidos, inclusive a que me cabe. Vem, mais,

pelas dificuldades que a organização dada pela escola, o sistema escolar, ao trato com as

disciplinas tem afetado a dinâmica do trabalho. Como argumenta Gallo, para tal é preciso:

Page 4: Oficina de fotografias

Que os professores construam lugares de partilha e de

reflexão coletiva, particularmente no seio das escolas, que dêem

corpo a dinâmicas de autoformação participativa; trabalhar em

conjunto é a melhor maneira de imaginar práticas inovadoras de

formação, e estas são essenciais à produção de uma nova

profissionalidade docente. (GALLO, 2001, p. 34)

Menos, até, pelo apoio dado pela equipe de gestão, que possibilitou a inserção da

proposta de trabalho e a destinação de algumas horas de trabalho para a reunião do

trabalho pedagógico do grupo envolvido. Mas, vem, sim, pelo fato que o horário em que

todos os outros professores podem se reunir para tratar as questões do projeto coincide

com o meu horário de atendimento das turmas que me foram atribuídas.

Desse modo, temos buscado encontrar formas alternativas de discussão, ao menos

no que se refere a minha participação, sobre o andamento do projeto e a delineação das

ações. Temos utilizado uma comunicação via e-mail, basicamente, entre eu e os

professores, além das conversas em breves períodos que nos encontramos, pois a maior

parte em que estou na escola é em período em que eles não estão.

Outra possibilidade a que estou me dispondo é estar trabalhando em conjunto com

eles dentro de alguns horários de aula em que eles estão com as turmas, que são comuns

dentro da abrangência do projeto.

Entretanto, há de se cogitar outras formas alternativas, como a possibilidade de

implantação de um grupo de discussão exclusivo para o projeto, envolvendo os alunos, e

em que estes possam de alguma forma participar na sua organização, junto com

professores e os envolvidos. Há de se pensar nas formas de viabilizá-lo, até porque há

uma questão legal a ser pensada, a de que se tratam de menores de idade.

Em meio a esse movimento de fluxo e refluxo, de idas e vindas, anseios e

conquistas, ..., tenho só agradecer a possibilidade da partilha.

“ Minha mãe me deu ao mundo

de maneira singular

me dizendo uma sentença:

pra eu sempre pedir licença,

mas nunca deixar de entrar.”

Caetano Veloso

Page 5: Oficina de fotografias

Bibliobrafia:

Candau, V.M. (org.). Linguagens, espaços e tempos no ensinar e aprender. Rio de

Janeiro: DP&A Editora, 2001

Charlot, Bernard. Relação com o saber, fomação dos professores e globalização:

questões para educação hoje. Porto alegre: Artmed, 2005

Damin, M.A.S. – Pesquisa sobre a prática de sala de aula

Demo, Pedro. Pesquisa: princípio científico e educativo. São Paulo: ed. Cortez, 2005

Minayo, M.C.S. (org). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Petrópolis, RJ: Ed.

Vozes, 4ª edição, 1994