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Universidade Federal de Juiz de Fora
Faculdade de Serviço Social
Curso de Especialização na Área da Infância e Juventude
OFICINAS DE MATERIAL REAPROVEITADO:
uma alternativa para a capacitação para a cidadania da infância e juventude
A v a l i a çã o d e u ma ex per iênc ia min e i ra :
Limites e possibilidades das alternativas de geração de renda para
atendimento de crianças e adolescentes no Município de Goianá
por
André Maurício Sanábio Freesz
Juiz de Fora
2000
2
INTRODUÇÃO
Os veículos de informação nos bombardeiam com diversas questões bastante
atuais e para não dizer bem concretas: exclusão social, atendimento à adolescentes,
inclusão social, meio ambiente, lixo, reciclagem, desemprego, empregabilidade,
geração de renda entre outras tantas.
O processo de implantação da Usina de Triagem e Compostagem de Lixo de
Goianá em 1999 desencadeou uma série de questionamentos sobre as possibilidades que
projetos sociais voltados para geração de renda pudessem ser elaborados e
implementados.
A elaboração para uma ONG de um Projeto de Atendimento ao Adolescente no
Município de Goianá implicou na elaboração do presente trabalho.
A questão central que se coloca é se realmente as Oficinas de Materiais
Reaproveitáveis constituem-se em experiências exitosas e potenciais de geração de
renda.
O presente trabalho é uma primeira aproximação para a compreensão desta
propositura, da seguinte forma:
I – Os Processos de inclusão e exclusão social;
II - O ECA e a questão dos programas de capacitação dirigidos para a infância e
juventude
A – O ECA, a Política Neoliberal Brasileira e o Atendimento à Criança e ao
Adolescente
B - A Doutrina de Proteção Integral e o ECA
C – O ECA, a Profissionalização e a Proteção ao Trabalho
III – A Geração de Emprego e Renda envolvendo Reaproveitamento de Materiais
IV – Avaliação da experiência de Produção de Fios de Pet no Bairro Taquaril em
Belo Horizonte enquanto Oficina de Materiais Reaproveitáveis
V – Oficinas de Materiais Reaproveitáveis como alternativa de inclusão e geração
de renda: o Projeto Descritivo de Qualificação Profissional do Adolescente
e Geração de Renda – Goianá/ 2001
VI – CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIGRAFICAS
3
I - Os processos de inclusão e exclusão social
O debate sobre os processos de inclusão e exclusão social atualmente não
dominam só os meios acadêmicos e de setores articulados às lutas sociais na sociedade
brasileira, como também o processo de luta da implementação integral do Estatuto da
Criança e do Adolescente resultado de embates sobre estas questões que num processo
histórico tem seu continum.
A agenda política de diversos setores partidários após o pleito eleitoral de 2000
abarcou de vez estas questões.
“Em vez de combate à inflação, democratização ou
estabilização da moeda – temas que dominaram as campanhas
eleitorais passadas – a inclusão social está se tornando o mote
mais forte para as próximas eleições presidenciais”. (Azevedo,
2001: A-8).
Segundo o Deputado José Genuíno ( PT-SP):
“nos anos 80, a palavra-chave era democratização; nos 90,
ajuste... a constatação de que a democracia não suporta esse
grau de pobreza e de que globalização, privatização e
estabilidade não garantiriam uma vida melhor, a palavra dos
anos 2000 é exclusão”(Ibidem)
Entretanto Marcos Coimbra (Instituto Vox Populi), que realizou diversas
pesquisas sobre o estado de ânimo dos brasileiros assinala um contraponto:
“ pode estar havendo a leitura apressada de uma difusa vontade
popular. As pessoas demandam ações mais eficazes em saúde,
educação, emprego e há uma percepção de que os poderosos
nada fazem pelos pobres. Mas isso não significa que o tema
mobilizador de voto seja exatamente inclusão social”. (Ibidem)
Do ponto de vista das Organizações não-governamentais – ONGs destaca o
antropólogo Rubens César Fernandes (Viva Rio) a cautela de se comemorar com
antecipação a inclusão dos excluídos, ao menos, na pauta das eleições presidenciais,
“a proposta levada pela entidade ao presidente, no ano
passado, de criar um fundo para a educação de jovens, apesar
das promessas do governo, foi engavetada” (Ibidem)
Os processos de exclusão social podem ser objetivados em três fatores
determinantes: a reestruturação produtiva, o neoliberalismo1 e o processo de
globalização. ( Lebaupin, 2000: 15)
1 “O diagnóstico neo-liberal, segundo o qual, a perda de dinamismo do capitalismo estava ligado aos
gastos sociais, revelou-se inteiramente falso, como demonstrou Perry Anderson. Depois de quase 20 anos
4
Tais fatores têm transversalizado não só os países desenvolvidos como os também
em desenvolvimento e um profundo debate se dá no seio destas sociedades, pois trata-se
de uma questão estrutural da sociedade capitalista contemporânea.
Pobreza e exclusão social constituem-se questões sociais presentes na sociedade
brasileira, advindas de um modelo de desenvolvimento que aprofunda a desigualdade e
concentra riqueza.
Ao analisar o desemprego e a exclusão social na região metropolitana do Recife
assinala Ana Cristina que podem ser atribuídas ao processo as seguintes determinações:
(Arcoverde, 1998:10)
estruturais – inovações tecnológicas nos processos de trabalho, busca de
produtividade e competitividade das empresas, flexibilização, redução de custos de
produção, etc.;
conjunturais – mundialização, abertura de mercados, constituição de blocos
econômicos conformando uma nova geopolítica;
políticas – ajuste estrutural, reforma do Estado, privatizações, busca de
estabilização econômica, retomada de investimentos estrangeiros, redução dos encargos
que afetam o mercado de trabalho.
O presente trabalho não se furtou de acompanhar esse debate entendendo ser
imperativo seu conhecimento para uma visão mais crítica das questões postas quando da
análise do programa social pesquisado e do Projeto de Qualificação Profissional do
Adolescente e Geração de Emprego e Renda para o Município de Goianá - 2001.
A exclusão enquanto temática circunscrita na atual conjuntura tem sido interesse
de diferentes áreas do conhecimento e é merecedora de um estudo apurado, delimitando
suas fontes de construção.
Apressadamente pode comportar uso de concepções como a desigualdade –
resultante de deficiência ou inadaptação individual, falta de qualquer coisa ou como
injustiça e exploração social..
de políticas macroeconômicas neo liberais, aconteceu de tudo, menos uma coisa: a retomada global do
desenvolvimento, ou seja, a ordem do capital não se mostre mesmo capaz do crescimento que
caracterizou as 3 décadas gloriosas. Entretanto, as políticas neo liberais tiveram um efeito claro:
resgataram a lucratividade das empresas, como comprovou o mesmo Anderson, ou seja, o crescimento
econômico não foi recuperado, mas as taxas de lucros dos capitalistas voltaram a subir. Em poucas
palavras, o neo-liberalismo serviu para fazer crescer a parte do capital, no produto social em detrimento
dos trabalhadores”. Confira Neto, José Paulo. Construindo a inclusão e Universalizando Direitos. Anais
da II Conferência Nacional de Assistência Social. MPAS/CNAS, 1997. Brasília. Pág.33.
5
As concepções centradas em organismos ligados às esferas federal e estadual
elaboram análises centradas no econômico preponderantemente que acabam por
abordarem a exclusão como sinônimo de pobreza.
“A exclusão social é um processo complexo e multifacetado,
uma configuração de dimensões materiais, políticas, relacionais
e subjetivas. É um processo sutil e dialético, pois só existe em
relação à inclusão como parte constitutiva dela. Não é uma
coisa ou um estado, é processo que envolve o homem por inteiro
e suas relações com os outros. Não tem uma única forma e não
é uma falha do sistema, devendo ser combatida como algo que
perturba a ordem social, ao contrário, ele é o produto do
funcionamento do sistema. Todos os estudos reforçam a tese de
que o excluído não está à margem da sociedade, mas repõe e
sustenta a ordem social, sofrendo muito neste processo de
inclusão social. Deve-se evitar o modelo único, uniformizante,
nas explicações teóricas e nas políticas públicas”. (Sawaia,
1999: 4)
O conceito de exclusão demonstra aparente ambigüidade pois abarca a
complexidade e contraditoriedade que constituem o processo de exclusão social,
inclusive sua transmutação em inclusão social.
A conceituação de exclusão social tem origens européias e contempla as suas
especificidades enquanto teoria social estrutura em uma dada estrutura ideológico
societária, é necessário realizar uma análise criteriosa da mesma.
Em contraponto temos vertentes teóricas nacionais que muito competentemente
respondem por um construto teórico desta questão.2
Na literatura pesquisada tomo como referência a ótica adotada por Mariangela
Belfiore para referenciar o presente estudo. Sua pesquisa indica o pensador francês
René Lenoir como o precursor desta temática já em 1974, este inovou ao focalizar a
concepção de exclusão,
“não mais como um fenômeno de ordem individual mas social,
cuja origem deveria ser buscada nos princípios mesmos do
funcionamento das sociedades modernas. Dentre suas causas
destacava o rápido e desordenado processo de urbanização, a
2 Dupas,Gilberto. Economia Global e Exclusão Social – pobreza, emprego, estado e o futuro do
capitalismo. 2ª edição. São Paulo, Paz e Terra, 1999. Juncá, Denise Chrysóstomo de Moura. Ilhas de
exclusão: o cotidiano dos catadores de lixo de Campos. Serviço Social e Sociedade nº52, págs. 106-126.
São Paulo, Cortez Editora, 1996. Lebaupin, Ivo. Poder local X exclusão social: a experiência das
prefeituras democráticas no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. Véras, Maura Pardini Bicudo – Exclusão
social – um problema de 500 anos .Pág. 27-50 e Wanderley, Mariangela Belfiore – Refletindo sobre a
noção de exclusão. Pág. 16-26 e in Sawaia, Bader (org.). As Artimanhas da Exclusão: análise
psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis, Vozes, 1999. Wanderley, Mariangela Belfiore.
Refletindo sobre a noção de exclusão. Serviço Social & Sociedade, n.º 55, São Paulo, Cortez, 1997. Págs.
74-83.
6
inadaptação e uniformização do sistema escolar, o
desenraizamento causado pela mobilidade profissional, as
desigualdades de renda e de acesso aos serviços... não se trata
de um fenômeno marginal referido unicamente à franja dos
subproletários, mas de um processo em curso que atinge cada
vez mais todas as camadas sociais”.( Wanderley, 1999:16)
A exclusão se dá sob amplos aspectos seja física (imagem pessoal), geográfica ou
materialmente, não apenas do mercado e de suas trocas, mas sobretudo de todas as
riquezas espirituais, seus valores não são reconhecidos, ou seja, há também uma
exclusão cultural.
O processo de lutas sociais que marcaram o final do séc. XIX e primórdios do séc.
XX em todos os países ocidentais e alguns orientais irrompeu na construção de
sistemas de proteção social. Entretanto três fatores determinantes, a reestruturação
produtiva, o neoliberalismo e o processo de globalização abalaram os alicerces desta
construção.
O que se dá concretamente em escala mundial portanto é uma explosão de
“problemas sociais” aos quais os pressupostos de recomposição do construto capitalista
não dão conta.
Assinala Wanderley que o tratamento deste tema deve focalizar
preponderantemente o espaço de referência que provoca a rejeição.
Instaura-se a conceituação de “nova pobreza” compreendido como
“ os desempregados de longa duração que vão sendo expulsos
do mercado produtivo e os jovens que vão sendo expulsos do
mercado produtivo e os jovens que não conseguem nele entrar,
impedidos do acesso ao “primeiro emprego (grifo meu).”3
Wanderley destaca a conceituação adotada por autores franceses
contemporâneos:(Wanderley,1999:21-22)
A desqualificação contemplada na obra de Paugam; a “desinserção concebida por
Gaujlac e a “desafiliação” como elaboração teórica proposta por Robert Castel.
Castel é um crítico da concepção de exclusão e assinala que
“ ao se buscar conhecer os estados de despossuir (grifo meu),
são elaboradas análises setoriais, descontínuas e deslocadas
dos processos mais abrangentes da sociedade atual, e
consequentemente são construídas políticas políticas que não
consideram a relação entre a lógica econômica e a coesão
3 “No campo internacional, a passagem do predomínio do termo pobreza para exclusão significou, em
grande parte, o fim da ilusão de que as desigualdades sociais eram temporárias... A exclusão emerge
assim, assim, no campo internacional, como um sinal de que as tendências do desenvolvimento
econômico se converteram”. Confira: Ibidem pág. 19.
7
social anteriores às situações de ruptura representadas pela
exclusão”.(Wanderley,1999:22)
A utilização desta conceituação para a realidade brasileira comporta um destaque
no sentido de que coexistem diferentes causas de pobreza e exclusão social e a forma
histórica de como a questão social4 foi equacionada pela sociedade brasileira são
indicadores concretos sobre a causalidade referida.
Para pontuar melhor toda a problemática destaco que a pobreza não implica
necessariamente em exclusão.
A conceituação de exclusão social no âmbito da produção intelectual brasileira,
sobretudo na segunda metade dos anos 80, remonta aos trabalhos desenvolvidos por
Hélio Jaguaribe.
A investigação social levada à cabo por Aldaíza Spossati merece um especial
destaque pela sua atualidade e pelo rigor de sua implementação, tendo por foco a cidade
de São Paulo objetivando o fenômeno da exclusão social, reforçando seu caráter
estrutural passando a mesmo a ser objetivada como
“... uma impossibilidade de poder partilhar o que leva à
vivência da privação, da recusa, do abandono e da expulsão
inclusive, com violência, de um conjunto significativo da
população, por isso, uma exclusão social e não pessoal. Não se
trata de um processo individual, embora atinja pessoas, mas de
uma lógica que está presente nas várias formas de relações
econômicas, sociais, culturais e políticas da sociedade
brasileira. Esta situação de privação coletiva é que se está
entendendo por exclusão social. Ela inclui pobreza,
discriminação, subaternização, não eqüidade, não
acessibilidade, não representação pública”
(Wanderley,1999:20)
Podemos inferir então que nos anos 90 o conceito de exclusão refunda-se como
não-cidadania.
Véras em suas anotações sobre a problemática da exclusão social destaca o ponto
de vista funcionalista.
“Como se estivéssemos em uma área naturalizada, onde
competidores teriam as mesmas chances na luta pelo espaço, os
mais aptos ganhariam melhores posições nesse ambiente
construído e disso resultariam zonas segregadas, como os 4 “A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe
operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por
parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre
proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção, mais além da caridade e
repressão”. Iamamoto, Marilda Vilela e Carvalho, Raul. Relações sociais e Serviço Social no Brasil:
esboço de uma interpretação histórico-metodológica. São Paulo, Cortez/Celatz, 1983.Pág. 77.
8
círculos concêntricos de Burgess, os mais pobres excluir-se-iam
de um dos anéis urbanos e imediatamente passariam para o
próximo e, gradativamente, os melhores lugares estariam
ocupados pelos “vencedores”. Zonas de desorganização moral,
zonas de habitação operária, processos de desadaptação de
novos habitantes, todos enfeixados nessa explicação que
inspirou óticas funcionalistas e que foram muito questionadas.”
(Veras,1999:28)
O referencial adotado nesse estudo de programas alternativos de Geração de
Emprego e Renda voltados para atendimento de Crianças e Adolescentes tem como
suporte que a concepção de exclusão social tem seu foco analítico de compreensão das
contradições do sistema capitalista e não ser entendida como um estado de fatalidade.
A contradição inerente ao conhecimento desta questão implica em abarcar a noção
de totalidade, remetendo esta análise aos processos dialéticos de construção histórica e
no caso específico entender os processos históricos de como se deu a dinâmica social no
município de Goianá, tendo como marco referencial seu processo emancipatório.5
Abarcar o nexo dessa contradição histórica é entender e ter a possibilidade
concreta de demandar ações de ruptura dos processos de exclusão social envolvendo
crianças, adolescentes e sobretudo suas famílias.
Com relação às políticas econômicas atuais reforço a proposição de José de Souza
Martins ( Martins, 1997:20) onde estas
“acabam por provocar, não políticas de exclusão e, sim,
políticas de inclusão precária e marginal, ou seja, incluem
pessoas nos (...) processos econômicos, na produção e na
circulação de bens e serviços estreitamente em termos daquilo
que é racionalmente conveniente e necessário à mais eficiente (
e barata) reprodução do capital”.
A necessidade de pontuar a noção de exclusão e de inclusão social é fundamental
para entender alguns fundamentos de uma proposta alternativa de atendimento à
crianças e adolescentes inseridos em um município pequeno ( 4.000 habitantes
aproximadamente), recentemente emancipado, de base essencialmente rural e com
infra-estrutura urbana bastante ampla e completa.
A análise de Ivo Lesbaupin sobre as experiências das prefeituras democráticas no
Brasil despertou meu interesse em conhecer mais criticamente o termo exclusão social,
que como assinala Lebaupin
5 O município de Goianá situa-se na Zona da Mata Mineira, emancipou-se do município de Rio Novo em
21 de Dezembro de 1995, ocorrendo sua emancipação administrativa em 1997.
9
“poderia ser apenas uma expressão mais recente ou mais na
moda recobrindo o que antes era significado pelo termo
“marginalização”. A “teoria da marginalidade” dos anos 60,
em suas diferentes versões, visava exatamente explicar
fenômeno da “mão-de-obra marginalizada. A marginalidade
era pensada como fenômeno tipicamente latino-americano,
próprio ao capitalismo dependente ou periférico. Há aqui uma
primeira diferenciação entre “exclusão social” e
“marginalidade”: exclusão é um fenômeno típico da atual fase
do capitalismo, presente tanto nos países desenvolvidos como
nos países emergentes, tanto no Primeiro como no Terceiro
Mundo – embora agravado neste último. No entanto, há um
elemento comum, que é a percepção de um setor social que não
consegue se integrar no desenvolvimento capitalista – ou que é
expulso do seu setor dinâmico”.(Lebaupin, 2000:30-31)
10
II - O ECA e a questão dos programas de capacitação dirigidos para a infância e
juventude
A – O ECA, a Política Neoliberal Brasileira e o Atendimento à Criança e ao
Adolescente
Com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, um novo marco
jurídico e institucional em relação aos seus direitos fundamentais foi garantido.
As medidas do governo brasileiro na área social dão indícios das dificuldades em
se operacionalizar as prerrogativas do ECA, dado ao fato das inúmeras alterações no
aparato institucional do Bem-estar Social, com a extinção de diversos órgãos
(Ministério do Bem-Estar Social, LBA), e com o remanejamento de outros ( o extinto
Centro Brasileiro da Infância e do Adolescente - CBIA e o Conselho Nacional de
Direitos da Criança e do Adolescente - CONANDA foram para o Ministério da Justiça
– Secretaria dos Direitos da Cidadania), reproduzem uma ação fragmentada e
pulverizada das ações sociais, precarizando, ainda mais, o atendimento aos usuários dos
programas sociais e assistenciais ( crianças, adolescentes, deficientes e idosos).
Na realidade, o governo nesta década ignora os direitos garantidos pela LOAS e
pelo ECA lançando em contrapartida o Programa Comunidade Solidária, insignificante
frente as condições de miséria de grande parte da população brasileira(Alves,1999:12-
14). Comprova-se esta constatação no corte sistemático de recursos para programas da
área social, com a política de descentralização administrativa pela via da
municipalização do serviços e não também dos recursos.
Portanto, uma das maiores dificuldades da implantação de uma nova concepção
de atendimento a esse segmento reside na questão do financiamento, o que impede a
atuação dos Conselhos dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes.
Em dissonância com o estabelecido no ECA, o governo federal lança programas
isolados. O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI (Campos,2000:189-
190) é um exemplo e em contrapartida o Programa Brasil Criança Cidadã, quando
estava caminhando para constituir-se numa forma um pouco mais sistemática de
Atendimento à Criança, foi simplesmente extinto. É pois desenvolvida uma política de
assistência focalizada, fragmentada, depositando a maior parte da responsabilidade, para
sucesso de suas ações, na própria sociedade, apelando para a solidariedade social, tendo
tido adesão de grande parte da sociedade e de quase todos os órgãos da mídia, a qual
vem realizando um apelo à sociedade civil para o desenvolvimento de medidas de
11
caráter assistencialista e filantrópico. Exemplo mais do que cabal é o “projeto amigo da
escola” protagonizado pela Rede Globo de Televisão.
Portanto, as políticas sociais e ações prevencionistas preconizadas no ECA terão
ainda que avançar, mesmo tendo em vista o processo coletivo e histórico já alcançado
no que se refere à construção democrática, face às prerrogativas de desmantelamento da
estrutura do Estado rumo ao “Estado Mínimo” ou como queira o Grande Capital, o seu
“Estado Máximo” com o mínimo de compromisso social.
B - A Doutrina de Proteção Integral e o ECA
O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA enfatiza em seu primeiro artigo a
Doutrina da Proteção Integral, reconhecendo a criança e o adolescente como cidadãos.
Conforme assinala Cunha (CUNHA,1998:42):
“O ECA promoveu uma verdadeira revolução no atendimento
da criança e do adolescente. Este atendimento se dá pois em
sua totalidade, sem discriminações econômicas, sociais, étnicas
ou de qualquer outra ordem. Também inverte-se a ótica de visão
desta questão, antes se considerava a sociedade de sempre
correta e as crianças e adolescentes como incapazes,
transmutando para uma concepção em que se uma criança ou
adolescente não conseguiu se adaptar à sociedade, o problema
é da própria sociedade que não criou condições para que estes
se desenvolvessem plenamente. Entende-se então que o
atendimento à estes está inserido no próprio modelo de
desenvolvimento do país. A criança ou o adolescente é visto
dentro de sua construção histórico-social, dentro das relações
que se estabelecem com a mesma”.
Toda esta concepção está embutido no art. 277 da Constituição Federal:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
Criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de
colocá-los a salvo de toda a forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
A criança e o adolescente deixam o estigma de incapazes para assumirem sua
condição de cidadão e sujeitos de direito, capazes para exercerem seus direitos
fundamentais e os deveres que deles emanam, respeitando-se sua condição peculiar de
desenvolvimento de sua pessoa. Tal concepção abarca também a responsabilização à
família, à sociedade e ao Estado, no que diz respeito à garantia dos direitos da criança e
do adolescente, cada um em suas atribuições específicas.
12
A “absoluta prioridade” a que alude o artigo 227 da Constituição Federal, é antes
de mais nada um princípio constitucional que gera direitos e obrigações jurídicas. À
cada direito, cabe entre os atores família, sociedade e Estado prerrogativas de garantias,
haja vista que ao se estabelecido o direito à educação de que tem cada criança,
estabelece-se o recíproco dever do Estado garantir o ensino fundamental de boa
qualidade, o dever da família de matricular, acompanhar e estimular seu estudo e em
contrapartida o dever da própria criança de estudar.
Com relação aos seus direitos fundamentais, o artigo 3º do ECA dispõe sobre a
questão da Doutrina da Proteção Integral, que vai além da simples proteção social.
No artigo 4º do ECA, estão juridicamente obrigados tanto o Estado, quanto a
sociedade de priorizarem o atendimento à criança e ao adolescente no conjunto de suas
políticas.
Dentro da concepção da Proteção Integral, desponta a proteção especial, qual seja,
aquela voltada para a realidade e exigências específicas daqueles que padecem de uma
das formas de violação ( negligência, discriminação, exploração, violência etc.).
Embora todos os adolescentes e crianças tenham democraticamente direitos iguais, seu
atendimento deve ser diferenciado e personalizado segundo as diversas necessidades
que se apresentem. O ECA estabeleceu os mecanismos necessários para a garantia dos
direitos das crianças e dos adolescentes através de uma política de atendimento onde
órgãos e agentes interagem-se mutuamente em seu processo de construção histórica. O
Estatuto deve ser entendido como um constante processo de construção e mudança.
Portanto a elaboração de qualquer projeto, programa ou atividade que envolva o
atendimento de crianças e adolescentes deve ter como prerrogativa central a Doutrina de
Proteção Integral, sem a qual todo e qualquer propositura de práxis social estará sujeita
a reproduzir ações que remeteriam ao Código de Menores e seus predecessores,
incorrendo pois em ações setoriais e inócuas.
Implica portanto que se encare a criança e o adolescente como cidadãos de direito
e não como meros beneficiários de políticas assistencialistas e clientelistas.
Em suma, é fundamental alterar substancialmente a ótica de tratamento da questão
social envolvendo crianças e adolescentes para assumir uma postura e uma práxis social
de enfrentamento da questão social atuando de maneira estrutural sobre as contradições
geradoras, determinando ações concretas na análise dos limites e possibilidades de
construção de uma proposta de atendimento de crianças e adolescentes plasmados na
concepção de alternativas de geração de emprego e renda.
13
C – O ECA, a Profissionalização e a Proteção ao Trabalho
A análise das correlações entre o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, as
diretrizes legais que amparam a profissionalização e a proteção ao trabalho é o
parâmetro fundamental para embasar todo o qualquer projeto ou programa de
atendimento para crianças e adolescentes.
Antes de realizar uma análise crítica dos projetos selecionados, tomar como
referência este parâmetro torna-se essencial para a construção do Projeto de
Qualificação Profissional do Adolescente e Geração de Emprego e Renda para o
Município de Goianá - 2001.
O Capítulo V do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece as diretrizes
com relação ao Direito à Profissionalização e à Proteção no Trabalho. O artigo 67,
estabelece uma série de garantias trabalhistas, apresenta diversas denominações para os
adolescentes trabalhadores, a saber:
“Ao adolescente empregado, aprendiz, em regime familiar,
aluno de escola técnica assistido em entidade governamental ou
não-governamental...”
A Emenda Constitucional nº. 20 estabeleceu a idade mínima de 16 anos para o
trabalho.
O artigo 68 do ECA regula:
“o programa social que tenha por base o trabalho educativo,
sob responsabilidade de entidade governamental ou não-
governamental sem fins lucrativos, deverá assegurar ao
adolescente que dele participe condições de capacitação para o
exercício de atividade regular remunerada”.
Definindo o que venha a ser trabalho educativo, o artigo referido considera que
deve ser entendido como
“a atividade laborial em que as exigências pedagógicas
relativas ao desenvolvimento pessoal e social do educando
prevalecem sobre o aspecto produtivo”.
A legislação em vigor admite, inclusive, que o adolescente receba uma
remuneração pelo trabalho efetuado ou participação na venda dos produtos de seu
trabalho sem desfigurar o caráter educativo do programa. Nesta parte, a legislação não
utiliza o termo de aprendiz ou assistido, nem tampouco estabelece um limite máximo de
idade para o adolescente participar do programa social que tenha por base o trabalho
educativo, razão pela qual admite-se o entendimento de que os seus integrantes podem
ter quatorze anos e dezoito anos.
14
Cabe lembrar que o ECA protege o adolescente no sentido de impedir que ao
aspecto produtivo de sua atividade prevaleça sobre as questões pedagógicas.
Inicialmente, a entidade não-governamental responsável pelo programa social que tenha
por base o trabalho educativo somente poderá funcionar depois de registrada no
Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente,
“o qual comunicará o registro ao Conselho Tutelar e à
autoridade judiciária da respectiva localidade”(Art. 91 do
ECA).
O programa deverá ser registrado no Conselho Municipal dos Direitos da Criança
e do Adolescente, devendo o Conselho Tutelar e a autoridade competente, como no caso
anterior, serem cientificados de tal fato.
Com relação à questão da iniciação ao trabalho, continua o grande desafio da
criação de novos programas profissionalizantes destinados àquelas parcelas de crianças
e adolescentes que não apresentam condições concretas de serem tecnicamente
aprendizes nos termos fixados na legislação trabalhista (matriculados no SENAI,
SENAC ou SENAR).
Em 1987, procurou-se solucionar a questão editando-se o Decreto nº 94.338, de
18 de maio, que regulamentando o art. 4º do Decreto-lei 2.318/86, dispõe sobre a
iniciação ao trabalho do menor assistido e instituiu o Programa Bom Menino. Trata-se
pois de um exemplo típico da política social, conforme assinala Guareschi:
“praticada por um governo que, numa formação social
capitalista como a nossa, precisa legitimar, respondendo, duma
maneira extremamente inteligente e hábil, de um lado aos
interesses sempre dominantes do capital e, de outro, às pressões
sempre crescentes duma enorme massa de marginalizados”.
(GUARESCHI: 1988, 127)
O ECA estabelece apenas princípios gerais. Sua implementação depende da
revisão da CLT nos mecanismos de fiscalização para evitar a exploração da mão-de-
obra infantil e garantir acesso à profissionalização. Um dos itens fundamentais é a lei
que rege o sistema de aprendizagem e formação profissional, atualmente monopólio do
SENAI e SENAC – Decreto-lei n.º 2.218 de 30/12/86, que recebe subvenção do Sistema
Nacional de Formação de Mão-de-Obra do Ministério do Trabalho.
Após dez anos da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente temos
avanços, mas também como exposto no presente trabalho, existem inúmeras questões
sobre o Direito à Profissionalização e à Proteção no Trabalho que ainda precisam ser
vistas, como a adequação das prerrogativas do ECA no corpo da CLT durante o
15
processo de sua revisão para que instrumentos e mecanismos seja postos em ação para
assegurar a Proteção Integral a que alude o Estatuto.
Essa necessidade de adequação se remonta a algumas questões: as famílias pela
sua precariedade utilizam-se do trabalho de crianças e adolescentes como estratégia de
ampliação de seus parcos recursos, onde muitas vezes estes passam a ser os arrimos da
casa.
Embora se tenha feito o maior alarde com relação à ampliação das vagas no
ensino básico, temos um contingente amplo de crianças tanto fora das possibilidades de
inserção no ensino, como também muitas delas não conseguem desenvolver-se,
implicando em evasão e repetência.
Em regiões rurais temos duas situações: a das crianças e adolescentes que junto
com os pais exercem muitas das vezes atividades em plena idade escolar, embora
tenhamos políticas compensatórias que objetivam dar condições para que a renda
familiar “mínima” seja preservada e que a mesma tenha condições de inserção e
desenvolvimento escolar. Como também a de adolescentes que objetivando melhorar
sua condição submetem-se à exploração intensa de sua mão-de-obra pelo empresariado
rural, onde muitas vezes não possuem carteira assinada pois acreditam que “é mais
negócio receber mais um pouquinho”, esta visão estabelece um círculo vicioso que
passa de geração para geração.
Cabe ressaltar que nestes últimos anos muito se fez para a erradicação do trabalho
infantil e sobretudo pela efetivação de uma formação integral da criança para a futura
vida profissional, inúmeras entidades tem trabalhado neste sentido.
16
III – A Geração de Emprego e Renda envolvendo Reaproveitamento de Materiais
O Município de Goianá situado na Zona da Mata Mineira implementou um
processo de Educação Ambiental em 1999 inscrito dentro da Metodologia de
Implantação da Usina de Triagem e Compostagem de Lixo deste município,
constituindo-se como um ponto referencial para uma pesquisa documental as
potencialidades que este processo de tratamento do lixo urbano apresenta no que diz
respeito à possibilidade de projetos de geração de emprego e renda.(ZACARIAS, 1999).
Considero como experiência pioneira a que foi desenvolvida pelo município de
Curitiba – Paraná onde desde 1985 já se desenvolvia programas voltados para o
tratamento e reciclagem do lixo urbano desencadeando toda uma transformação na ótica
de enfrentamento do processo de exclusão social a que estavam inseridos os catadores
de lixo (papel e outros materiais). Tais cidadãos eram vistos como escória social, não
possuidores de dignidade, encarnavam o estigma da marginalidade impingido pela
sociedade.6
Em Minas Gerais tomo como referência as iniciativas da Prefeitura Municipal de
Belo Horizonte que em 1993 assumiu sua responsabilidade em gestar alternativas de
redução do impacto ambiental causado pelo lixo urbano, para tanto implementou um
Projeto de Coleta Seletiva de Recicláveis ( papel, vidro, metal e plástico).7
As potencialidades da reutilização de inúmeros materiais descartados pela
sociedade de consumo local demonstrou sua sustentabilidade econômica e sobretudo
social – pela via do resgate da cidadania – bastante efetiva. A Associação dos Catadores
de Papel, Papelão e Materiais Reaproveitáveis – ASMARE é um exemplo da
potencialidade de ruptura do processo de exclusão social demandando ações coletivas
concretas que aglutinando diversos parceiros com projetos societários próximos.
A questão do resgate da cidadania abarca também a criança e o adolescente que
desempenha atividades insalubres, indo de contra as prerrogativas do ECA no que se
refere às atividades sócio-educativas formadoras da cidadania plena.
Como optei por analisar um caso específico - a experiência de Produção de Fios
de Pet no Bairro Taquaril em Belo Horizonte enquanto Oficina de Materiais
6 Confira: (VISÃO: 34,1985) e (GLOBO ECOLOGIA: 26-31,1998)
7 Confira: (SPINK, 1997), (SEBRAE,2000) e (ASMARE,2000).
17
Reaproveitáveis – a questão ecológica do lixo urbano dentro da sua complexa dinâmica
não será aqui abordada.8
O estudo para a elaboração de um projeto social com vistas a Implantação do
Núcleo de Processo de Vassouras de Cerdas Plásticas utilizando-se de fios de frascos
de plástico de tipo PET-POLI (tereftalato de etileno), popularmente conhecidos como
PET, usados, principalmente, pelas indústrias de refrigerante e água mineral instigou-
me a aprofundar meus conhecimentos sobre a potencialidade do uso de materiais
reaproveitáveis num contexto de atendimento e capacitação de crianças e adolescentes
no município de Goianá.
Após realizar uma pesquisa documental na literatura especializada, junto ao
SEBRAE-JF, na internet e os contatos com diversos educadores ambientais em Juiz de
Fora, deparei-me com duas possibilidades.
A primeira foi a Vassouras Ecológicas na cidade de Itaberaí - Goiás onde um
empresário juntou algumas garrafas de dois litros e criou uma vassoura ecológica. “Ela
é feita de forma toda artesanal, aproveitando todos os recursos que a natureza
oferece”, explica o empresário Joaquim Soares Neto, que desenvolveu um método de
reutilizar garrafas plásticas descartáveis. 9
Foi testada e aprovada por moradores do município, tendo sido posteriormente
produzida em escala comercial. A empresa gera hoje 12 empregos diretos e ainda ajuda
mais 30 moradores da região, comprando o lixo reciclado. Ao todo são produzidas 300
vassouras por dia.
Foi registrada como Vassoura Ecológica pois é confeccionada somente com
garrafas usadas tipo "pet" (dois litros) que não são biodegradáveis.
A distância entre Goianá e a cidade de Itaberaí- Goiás, o fato de ser uma
tecnologia patenteada e já franqueada (custo aproximado de R$15.000,00 ) e
consequentemente possuir alto custo operacional de implantação e manutenção (taxa de
franqueamento) incorrendo no não atendimento do princípio da auto-sustentabilidade
inviabilizou temporariamente o projeto alternativo da fabricação de Vassouras de cerdas
plásticas utilizando-se fios de Pet reaproveitáveis proposto para o município de Goianá.
Dando prosseguimento à busca de outras alternativas a proposta pela Cherubino
Indústria e Comércio de Vassouras despontou como uma possibilidade concreta de
8 Confira: Zacarias, Raquel. Consumo, Lixo e Educação Ambiental: uma abordagem crítica. Juiz de
Fora:FEME, 2000 e Zacarias, Rachel dos Santos. Projeto Educar com o Lixo: Curso de Capacitação para
Gestão de Resíduos Sólidos – Prefeitura Municipal de Goianá. Goianá, 1999. 9 Vassouras Ecológicas Vitória: www.vassourasvitoria.com.br e www.bnaf.gov.br
18
viabilizar o Projeto de Qualificação Profissional do Adolescente e Geração de Emprego
e Renda no Município de Goianá – 2000, utilizando-se de materiais reaproveitáveis .
A Cherubino Indústria e Comércio de Vassouras Limitada surgiu em 1997, mas a
história da vassoura ecológica começa no ano de 1993, quando seu inventor, o Sr. Mário
Cherubino, idealizou e criou um protótipo. Desde então, foram quatro anos de pesquisa
para alcançar o objetivo de lançar no mercado uma vassoura inovadora, moderna,
diferente e que, além de tudo, fosse um produto de alta qualidade, resistente, leve e
econômico.
Após desenvolver o melhor processo de fabricação da vassoura ecológica,
patenteando seu invento, que mais tarde resultou na constituição da empresa Cherubino
Indústria e Comércio de Vassouras Limitada.10
A vassoura ecológica conquistou as grandes empresas consumidoras com sua
durabilidade e resistência, principalmente na varrição mais pesada, mas o que mais
impressionou foi o custo-benefício, que proporciona uma economia muito maior por um
produto melhor.
A verdade é que a vassoura ecológica tem uma série de vantagens sobre as outras
vassouras.
O volume de produção e venda de embalagens de PET no Brasil tende a aumentar
significativamente nos próximos anos, elevando ainda mais a quantidade disponível
deste poluente. Calcula-se que cada brasileiro é induzido a descartar uma média de
quarenta litros de embalagens plásticas de refrigerantes ao ano. atualmente, muito pouco
deste "lixo" é reaproveitado; cerca de 10% do total.
Para que a coleta das garrafas de PET fosse eficaz e abrangente, os núcleos
coletores não poderiam ficar concentrados em uma só região. Desta forma, surgiu a
idéia de levar a ferramenta desfiadora de PET a outros locais e, complementarmente,
realizar um trabalho social com os catadores e desfiadores da sucata. O processo é
simples. A empresa confecciona as ferramentas para o corte do fundo das garrafas e sua
transformação em fios. Após esta etapa, a empresa doa estas ferramentas às entidades,
fundações ou associações, com a condição de que estas revertam o fruto do trabalho ao
auxílio de pessoas carentes ou à comunidade local.
O interesse deve partir da entidade ou associação. A indústria se incumbe de fazer
uma avaliação prévia do potencial de fornecimento. O pagamento é feito por quilo. Na
etapa de desfiamento é que a entidade recebe da empresa a ferramenta para transformar
10
confira em www.cicvltda.hpg.com.br
19
as garrafas em fios, bem como os carretéis nos quais os fios deverão ser enrolados. O
pagamento também é feito por quilo, mas o preço do PET em fios é maior do que em
fardos, uma vez que o processo é mais trabalhoso.
Além do desfiamento, o fornecedor de fios deve levar os carretéis cheios à fábrica,
onde é feita a pesagem e o pagamento. O processo de confecção das vassouras é
realizado na indústria, que dispõe de um quadro de empregados treinados, uma vez que
a vassoura é totalmente artesanal.
Como o procedimento de coleta e desfiamento é extremamente simples e não
requer nenhuma qualificação, qualquer pessoa pode fazê-lo. Entre os beneficiados estão
presidiários em final de pena, deficientes mentais, deficientes físicos, famílias de
baixíssima renda, idosos aposentados, desempregados, enfim, toda uma camada social
desfavorecida pela situação atual do país.
Como todo custo deste processo é realizado com recursos próprios, sem subsídios
governamentais, a Cherubino busca alternativas para ampliar a lista de entidades sociais
que esperam por uma oportunidade de desenvolver o trabalho. Uma forma encontrada
pela empresa foi a do pagamento em mercadoria, pois é vantajosa para as entidades que
têm como trabalhar junto às prefeituras, uma vez que estas últimas têm um consumo
mensal de produtos de limpeza significativos.
Comparada à convencional de piaçava a vassoura ecológica apresenta
durabilidade e eficiência superiores, é mais leve, suas cerdas são indeformáveis, não se
soltam e resistem bem à água e a outras condições adversas. A vassoura já foi testada
por várias empresas, que emitiram laudos confirmando a excelência do produto.
A novidade já ultrapassou as fronteiras de Belo Horizonte, chegando a cidades
como São Paulo, Goiânia, Uberlândia, São Luís, Caratinga, Congonhas, Nova Era.
Algumas indústrias também substituíram as vassouras tradicionais pelas ecológicas
como a Belgo Mineira (unidade Sabará) e a BRASIMET.
Toda esta caracterização é necessária para o entendimento da estrutura de
sustentabilidade da Alternativa de Geração de Emprego e Renda proposta no Projeto
Descritivo Goianá-2001.
O termo Geração de Emprego e Renda empregado tem perpassado todo trabalho é
portanto necessário explicitar seu significado para entendimento da proposta contida no
presente estudo.
20
A Geração de Emprego e Renda
“refere-se à políticas que têm como objetivo ou resultado o
aumento da renda. Elas podem ocorrer através de qualquer um,
de seus quatro componentes: salários, lucros, juros e aluguéis.
O financiamento de uma nova indústria é uma ação geradora de
renda.”11
Cabe ressaltar que as iniciativas demandadas pelos municípios não possuem
condições de atuar sobre as causas estruturais do desemprego, pois estas extrapolam
seus limites e ao mesmo tempo se vêem à mercê de flutuações da empregabilidade na
atual política econômica neoliberal. Entretanto, tais administrações têm implementado
ações concretas na criação de novas oportunidades de emprego e renda.12
O incentivo à atividades econômicas geradores de emprego e renda tornam-se
portanto estrategicamente imperativas dentro de uma visão de desenvolvimento local
auto-sustentável.
A implementação de experiências êxitosas de geração de emprego e renda
dirigidas para as comunidades carentes representam concretamente alternativas
economicamente viáveis e auto-sustentáveis.
A elaboração e implantação do Projeto Social para Qualificação e Atendimento de
Adolescentes entre 16 e 18 anos em Goianá constitui-se como uma proposta alternativa
de geração de renda.
O princípio educativo preconizado pelo ECA é a pedra de toque para a
implementação de uma proposição que rompa com o caráter compensatório,
assistencialista e clientelista que tem marcado inúmeros programas antes da implantação
do ECA.
Sobre esta noção é que buscou-se responder à algumas indagações.
Quais são as potencialidades, no que diz respeito à capacitação para o trabalho de
programas desenvolvidos através de oficinas de materiais reaproveitáveis ?
Na avaliação da experiência pesquisada como se dá o cumprimento dos princípios
do ECA nas atividades educativas de capacitação para o trabalho voltado para
adolescentes?
11
Núcleo de Estudos sobre Trabalho e Educação da UFMG. Dicionário da Educação Profissional. Belo
Horizonte. Ano 2000. Pág. 172 12
Siqueira, Carlos Aquiles (coordenador). Geração de emprego e renda no Brasil – experiências de
sucesso. DP&A Editora. Rio de Janeiro, 1999. Spink, Peter e Clemente, Roberta ( organizadores). 20
experiências de gestão pública e cidadania. Editora Funda Getúlio Vargas, 1997. SEBRAE. Conexão
Empresarial: Lixo Resgata Cidadania. Brasília, nº 18, dezembro/2000.
21
As oficinas de materiais reaproveitáveis constituem-se realmente em alternativas
no que se refere à geração de renda e auto-sustentabilidade das famílias e dos
adolescentes participantes destas oficinas ?
De que forma constitui-se em real viabilidade a elaboração de uma proposta de
intervenção para atendimento e capacitação para a cidadania de adolescentes tendo por
base a agregação de valor, pela via de uma nova tecnologia à materiais considerados
sem valor de uso que ao serem transmutados transformam-se em mercadoria com valor
de troca diferenciado ?
Uma das questões que atentarei é não cair na armadilha de preparar mão-de-obra
barata e disciplinada enquanto força de trabalho requerida pelo mercado, mas apresentar
alternativas viáveis de construção de projetos sociais que avancem no enfrentamento da
exclusão social e não sejam mais um programa social de discurso inclusivo e prática
concreta de exclusão social .
Um engajamento futuro em formas de organização econômica como cooperativas
populares, empresas domésticas, trabalho autônomo e até não dizer em microempresas
em diversas experiências encontradas na literatura pesquisada demonstraram serem
viáveis.
O ponto de partida não é a empregabilidade e sim a geração de renda .
O balizamento do presente estudo está centrado na concepção de que o município
em questão desenvolve um contínuo processo de educação ambiental, concomitante a
uma política ambiental municipal de tratamento de resíduos urbanos utilizando-se de
uma unidade de triagem e compostagem de lixo.
A proposta de um Projeto Social para Qualificação e Atendimento de
Adolescentes em Goianá pela via da consecução de oficinas de materiais
reaproveitáveis coloca-se como um processo de formação da cidadania pela via do
princípio educativo da construção de uma nova forma de segmentação produtiva que
contêm dentro de si a “solução” concreta de um problema atual que é a questão do
tratamento de resíduos sólidos produzidos pela sociedade de consumo local e ao mesmo
tempo agregar novo conteúdo, nova roupagem mercadológica aos materiais
reaproveitáveis transmutando-os em novas mercadorias dotadas de valor de uso e valor
de toca diferenciados e socialmente re-consumidos por esta mesma sociedade local e na
região.
Tal propositura tem um suporte na criatividade, motivação e capacidade laborativa
inerente à qualquer adolescente, público a que destina-se este Projeto.
22
IV – Avaliação da experiência de Produção de Fios de Pet no Bairro Taquaril em
Belo Horizonte enquanto Oficina de Materiais Reaproveitáveis
A experiência originou-se de um grupo de produção de um Projeto Social
implantado pelo Projeto Desenvolver13
, idealizado pela Escola Técnica de Formação
Gerencial - ETFG do SEBRAE /MG em parceria com a Prefeitura Municipal de Belo
Horizonte. Trata-se pois de uma experiência de sucesso de Programa de Geração de
Emprego e renda, sendo este grupo composto de 86 famílias moradores do Taquaril,
bairro da região leste de Belo Horizonte que encontravam-se no Abrigo Granja de
Freitas tendo sido desabrigados pelas chuvas do ano passado e encontravam-se na linha
da pobreza.
Um dos trabalhos desenvolvidos consistia em duas vezes na semana reunirem-se
como um grupo de produção para extrair de garrafas plásticas recicláveis – pet – o
material necessário para confecção de Vassouras Ecológicas. Este grupo que já eram
supervisionados pela Secretaria de Desenvolvimento Social da PMBH, diante das
dificuldades em comercializar o produto passou a contar também com a consultoria da
ETFG-BH.
Nesse sentido avançou-se no processo educativo que ultrapassou a coleta de Pet e
seu desfiamento para fabricação da Vassoura Ecológica, utilizando-se da tecnologia da
Cherubino Indústria e Comércio de Vassouras, para comercializar e produzir outros
artigos com o mesmo tipo de matéria prima e conseguir agregar valor ao trabalho,
conforme declarações de Hilda Trindade docente da ETFG-BH e uma das
Coordenadoras do Projeto.(SEBRAE/MG, 2000: 7)
Foram feitos contatos com a Coordenadora do Projeto por parte da ETFG – BH,
com a Secretaria de Desenvolvimento Social da PMBH, com a Assistente Social que
atua diretamente neste projeto social no bairro Taquaril, entretando por diversas razões
não houve tempo hábil para coleta das informações necessárias para uma avaliação
desta experiência de geração de renda utilizando-se materiais reaproveitáveis
13
Este projeto – único trabalho brasileiro na área gerencial incluído entre os Projetos para o Mundo –
escolhido e premiado na Expo-2000 em Hannover como alternativa de capacitação voltada para
populações carentes na geração de renda e de meios de subsistência próprios, apoiados por uma política
municipal de não-assistencialismo. Confira: SEBRAE/MG. Múltiplas atividades: novos grupos de
produção ampliam a atuação dos alunos-consultores do Projeto Desenvolver. Revista Passo a Passo, nº
87, set/out de 2000. Pág.s 6-7. e também em www.projdesenvolver.hpg.com.br .
23
V – Oficinas de Materiais Reaproveitáveis como alternativa de inclusão e geração
de renda: o Projeto Descritivo de Qualificação Profissional do Adolescente e
Geração de Renda – Goianá/ 2001
A proposta de elaboração de um Projeto de Qualificação Profissional do
Adolescente e Geração de Renda – Goianá/2001 partiu de um estudo para
sistematização de um Projeto Social para ser financiado por uma ONG que apoia
projetos nas áreas de cultura, educação e promoção social.
A opção pela concepção de um projeto de geração de emprego e renda deveu-se
fundamentalmente à especificidade do município de Goianá, que sendo de base rural
possui um setor urbano bastante significativo, sendo uma cidade em que nos finais de
semana há grande fluxo de pessoas, sobretudo aquelas advindas de Juiz de Fora –
cidade polo da região – que buscam em seus sítios, chácaras e fazendas um refúgio para
seu descanso.
A demanda para atendimento de crianças e adolescentes em situação de risco,
conforme informações do Conselho Tutelar local não são tão significativos e contêm
dentro de si questões relativas à reprodução econômico-social das famílias destas
crianças e adolescentes.
De um outro lado temos os adolescentes oriundos do término dos ciclos básico e
fundamental do ensino regular, que devido à especificidade do município de não ser
empregador de mão-de-obra em larga escala tem seus projetos de vida profissional
bastante limitados. São poucos os adolescentes que possuem condições de
enquadrarem-se no mercado de trabalho atual.
Diante das inúmeras questões que envolvem a flexibilização da empregabilidade
no mercado formal, busquei aprofundar minhas pesquisas nesta questão.
A alternativa proposta, parte da concepção de geração renda – já assinalada
anteriormente – fundada no princípio da sustentabilidade do desenvolvimento local, de
maneira estratégica e planejada, levando-se em conta todas as variáveis que
dialeticamente incidem sobre a geração de emprego e renda locais.
Busca-se pois a superação da dicotomia entre o trabalho manual e o intelectual,
não pela via da qualificação com vistas a um mercado de absorção de mão-de-obra polo
- a cidade de Juiz de Fora, que encontra-se imersa num processo de desemprego em
larga escala.
Parto de uma propositiva do desenvolvimento local sustentável que tem amparo
na administração municipal local. A questão da implantação da Usina de Triagem e
24
Compostagem de Lixo de Goianá possibilitou vislumbrar alternativas concretas para o
planejamento e implantação de programas e projetos de geração de renda envolvendo
inicialmente adolescentes na faixa de 16 a 18 anos. A estratégia de desenvolver-se
ações, estruturando um complexo ligado à tecnologia do tratamento de resíduos sólidos
e as potencialidades de reutilização de materiais reaproveitáveis, mantêm e dinamiza
dialeticamente a consecução da diretriz de desenvolvimento local sustentável.
A implantação deste Projeto está centrado neste ponto.
Tendo como premissa que o trabalho educativo é aquele que contempla dentro
de si a dimensão produtiva que se encontra subordinada à dimensão formativa, é pois a
educação pelo trabalho e não para o trabalho ( Costa,1985). O caráter da formação para
a cidadania consciente e plena do adolescente inserido nesta proposta tem intrínseca
relação no processo de que cada um deve ter claro para si as suas potencialidades e
limites. Desenvolver uma práxis educativa inserida num processo de produção que não
se baseia no trabalho alienado é romper com o processo de exclusão cultural em que
são inseridos os adolescentes oriundos de pequenos municípios de base rural. A
criatividade, a curiosidade são potenciais a serem desbravados.
Potencializar direta e indiretamente a produção é trazer para perto do adolescente
a possibilidade desta expressar seu lado criativo, elaborados de processos intelectuais
que se fundem na práxis do trabalho como resultado dialético da produção material
idealizada.
A estrutura proposta deste projeto contempla alguns pontos: o princípio da
sustentabilidade do projeto, da sua configuração como alternativa de emprego e renda e
o fato de ser implementado e gerenciado por uma ONG local e não pelo órgão gestor do
município, prevenindo-se assim qualquer descontinuidade do projeto quando da
alternância de grupos na administração municipal local.
O corpo de estruturação do Projeto contempla os seguintes itens:
Apresentação;
Diagnóstico Social do Município;
Sistema Social;
Projeto Descritivo de Qualificação Profissional do Adolescente e Geração de
Emprego e renda
Tipo de Projeto;
Dados da entidade gestora;
Justificativa;
Objetivos;
Diagnóstico situacional;
Metas;
Metodologia;
25
CONCLUSÃO
Tendo em vista que o presente estudo constitui-se uma introdução a um amplo
debate sobre as possibilidades de projetos de geração de renda voltados para o
atendimento de adolescentes utilizando-se para este fim Oficinas de Materiais
Reaproveitáveis.
Que as dificuldades de avaliação da experiência desenvolvida no bairro Taquaril
– Belo Horizonte não permitiram um estudo mais detalhado da sua operacionalidade,
embora tenham sido resgatadas os pontos que dão sustentação teórica ao fato de que as
Oficinas de Materiais Reaproveitáveis contituem-se em alternativas concretas de
geração de renda.
O presente estudo terá sua continuidade dado ao fato que neste estudo não pôde
comportar uma avaliação de impacto da consecução do Projeto proposto para o
município de Goianá.
Entendo que somente o enfrentamento das questões sociais pela via de ruptura
dentro da própria lógica do sistema é que será possível apresentar alternativas concretas
de inclusão social e resgate da cidadania, sejam dos adolescentes, sejam de suas
famílias.
O tema em questão embora atual carece de bibliografia especializada, tal fato
incidiu diretamente na elaboração do mesmo, algumas questões foram postas no sentido
do questionamento e da indagação, questões que não proponho respondê-las, o processo
histórico em que tal propositura está inscrito o fará, cabe então ficar atento e realizar
avaliações constantes para que não se perca o conteúdo da experiência e que não se
torne mais um projeto social que começa e no ano seguinte acaba.
A questão está lançada e coloco-me aberto às críticas e sugestões que
construtivamente incidirão para a consecução deste Projeto de Atendimento ao
Adolescente no município de Goianá.
26
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Meio Ambiente: www.ambienteglobal.com.br
Projeto Desenvolver: www.projdesenvolver.hpg.com.br
Vassouras Ecológicas Cherubino:www.cicvltda.hpg.com.br
Vassouras Ecológicas Vitória: www.vassourasvitoria.com.br e www.bnaf.gov.br