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Nesta edição apresentamos os trabalhos de Rodrigo Hill, Marta Bosquet, Candice Japiassu, Roberto Joele, Eduardo Macarios, uma entrevista com André Hauck e um especial sobre narrativas fotografias, por Marco A. F.

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equipe editorial

direção de arte

texto e entrevista

capa

fotografias

entrevista

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instagram

Felipe Abreu e Paula Hayasaki

Tábata Gerbasi

Angelo José da Silva, Felipe Abreu, Marco A.F.

e Paula Hayasaki

Rodrigo Hill

Candice Japiassu, Eduardo Macarios, Marta

Bosquet, Roberto Joele e Rodrigo Hill

André Hauck

[email protected]

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@revista_old

www.revistaold.tumblr.com

@revistaold

revista OLD#número 52

expediente

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índice

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f.c.c. bandeirante

livros

analogias para narrativas

marta bosquet reflexões

rodrigo hilleduardo macarios

candice japiassu

andré hauck

roberto joele

exposição

especial

portfól io coluna

portfól io portfól io

portfól io

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carta ao leitor

Chegamos a mais um final de ano! Feliz Natal, um próspero ano novo e tudo de bom para todos vocês!Como de costume, publicamos 12 edições, com 60 fotógrafos de várias partes do mundo, trazendo visões das mais variadas, sempre acompanha-dos de uma entrevista especial.Este foi um ano muito bom para a OLD. Crescemos e mudamos muito graças ao Proac que recebemos no início do ano. Fica aqui, mais uma vez, nosso agradecimento à Mari e à Frida Prod. Culturais, que nos ajuda-ram muito nessa jornada, à Tabata e a todos os colaboradores que entraram para o nosso time. Bem, vamos para a nossa última edi-ção de 2015! Pensando nos movimen-tos típicos desta época do ano, apre-

sentamos uma série de trabalhos que buscam compreender o conceito de Lar e de como construir casas em lu-gares e ambientes novos. Estão nesta edição Rodrigo Hill, Marta Bosquet, Candice Japiassu, Roberto Joele e Eduardo Macarios.Entrevistamos para nosso número de Dezembro o fotógrafo André Hauck. Super premiado e com um trabalho belo e instigante, André nos conta um pouco mais sobre sua produção e sua visão sobre o fazer fotográfico.Aproveite esta edição e juízo neste final de ano!

por Felipe Abreu

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1ª edição esgotada.Publicado pela RIOT Books

101 páginas

Estamos vivendo um período de grandes me-dos e incertezas, não só no Brasil, mas em parte considerável do mundo. Esta avalanche

de transformações parece afetar parte considerável da população, mas há um grupo que permanece im-pávido: os mais ricos e poderosos de suas nações. Tentando quebrar está lógica, o fotógrafo espanhol Daniel Mayrit produziu o livro You Haven’t Seen Their Faces. Para criar a obra, Daniel se baseou em um triste episódio da polícia britânica que distri-buiu panfletos de jovens que estavam próximos a uma manifestação por toda a cidade, em busca de suspeitos. Subvertendo esta lógica, Daniel apresenta os rostos dos 100 homens e mulheres mais podero-sos da Inglaterra e convida o leitor a usar as fotos “como bem entender”. Este jogo de poder levou Da-niel ao prêmio de melhor livro de estreia do Paris Photo. Prêmio, aliás, pago pela JP Morgan, que tem seus principais executivos estampados no livro.

YOU HAVEN’T SEEN THEIR FACESde Daniel Mayrit

livros

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Disponível no site da Editions Xavier Barralvalor R$180240 páginas

IMAGES OF CONVICTIONde LE BAL e Éditions Xavier Barral

O vencedor de Catálogo do Ano no Photobook Awards da Aperture / Paris Photo apresen-ta uma detalhada catalogação do papel da

imagem na condenação de criminosos. O livro foi desenvolvido à partir de uma grande exposição rea-lizada no LE BAL, em Paris. O grande interesse do livro é a discussão de como a fotografia, em especial a científica, pode construiu uma determinada rea-lidade. Assim, as imagens usadas para condenar ou absolver pessoas são sempre uma construção visual, por mais que tentem chegar o mais próximo possível da realidade. O livro vale não só pelas imagens, mas pelos textos e as discussões que suscita, ajudando a construir uma visão cada vez mais crítica e objetiva da fotografia. O design é simples e ajuda a construir uma peça que busca neutralidade, apesar do forte tema discutido por ela.

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exposição

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Far

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logicamente de acordo com os salões pelos quais cada fotografia passou, a mostra constrói um belo movimento de recuperação destes trabalhos e, principalmente, do próprio Bandei-rante, ainda em atividade, mas com seus dias de glória cada vez mais dis-tantes. Estão na seleção nomes como Geraldo de Barros, German Lorca, José Oiticica Filho, Thomas Farkas e tantos outros que construíram não só a história do Bandeirante, mas tam-bém de um período de imensa criati-vidade na fotografia brasileira. Esta é a primeira vez que o MASP apresenta a totalidade do acervo do

No ano passado o MASP re-cebeu 275 imagens do Foto Cine Clube Bandeirante em

comodato. À partir deste ponto co-meça um movimento de revitaliza-ção, organização e catalogação deste incrível arquivo, que mostra a forma-ção de alguns dos principais nomes da fotografia modernista brasileira.Pouco mais de um ano se passou e em Novembro deste ano chegou ao primeiro andar do MASP a exposi-ção Foto Cine Clube Bandeirante: do Arquivo à Rede. A mostra conta com 279 obras de 85 artistas que passaram pelo Bandeirante. Organizada crono-

F.C.C. BANDEIRANTE: DO ARQUIVO À REDEMASP recupera arquivo do mais importante Foto Clube paulistano e apresenta uma retrospectiva impecável, com curadoria de Rosângela Rennó

O MASP fica na Av. Paulista, 1578. FCC Bandeirante:

do Arquivo à Rede segue em cartaz até o dia 20 de

Março de 2016.

Bandeirante recebido no ano pas-sado. Após 50 anos em comodato, o acervo será doado à coleção do mu-seu e será incorporado à coleção Pi-relli MASP de Fotografia. A importante mostra acaba de come-çar seu caminho no Museu e segue até Março do ano que vem. Não deixe de visitar a exposição que apresenta um dos grandes pilares da fotografia brasileira.

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especial

TRÊS ANALOGIAS POSSÍVEIS PARA A CONSTRUÇÃO DE NARRATIVA EM FOTOGRAFIAO presente texto é uma espécie de rascunho, uma primeira tentativa de refletir formalmente sobre algo que vem me inquietando há tempos: as possibilidades e estratégias narrativas em fotografia.

fotografias, formando assim um con-texto de e para que elas complemen-tem e amplifiquem umas as outras”, como aponta Lockemann, no livro Imprint: Visual Narratives in Books and Beyond. Em certa medida, todo trabalho fotográfico tem de passar pelo processo de edição ou sequen-ciamento, não importa qual suporte esteja sendo utilizado ou qual a natu-reza do trabalho. Segundo o editor estadunidense Doug Rickard, no contexto atual – onde há uma onipresença de ima-

Com “narrativa em fotografia”, refi-ro-me ao modo como as imagens são organizadas em relação umas às ou-tras para designar um determinado sentido. A criação de narrativa em fotografia pressupõe a disposição de uma se-qüência de imagens “dentro de um mesmo tópico, de uma certa perspec-tiva, ou de um momento específico, fotografado e selecionado pelo fotó-grafo com uma coerência intencio-nal, formando uma unidade. A sequ-ência permite o entrelaçamento das

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gere a existência de duas formas am-plas e distintas para se alcançar uma dimensão narrativa por meio de foto-grafias. A primeira seria a fundição de vários movimentos em uma mesma imagem, como os estudos científicos que Edward Muybridge (1830-1904) produziu no final do século XIX. Já na segunda forma, “a narrativa torna-se presente quando vemos não uma imagem isolada, mas uma série de imagens que passam a ter um signifi-cado horizontal, isto é, uma em rela-ção a outra. […] Entre duas imagens fixas pertencentes a uma mesma sé-rie ou seqüência, existe um intervalo temporal que serve para a maturação daquilo que foi visto na imagem an-terior. Partimos do princípio de que cada foto extraída da seqüência já tem uma história embrionária, que se manifesta a partir das escolhas do fotógrafo […].”

gens através das mídias e redes digi-tais – o papel do fotógrafo acaba por ser muito mais de “arquivista, criador e ‘remixer’” do que exatamente de “produtor de imagens”. “Enquanto as imagens se multiplicam implaca-velmente, e aumentam os canais de compartilhamento a […] capacidade [do fotógrafo] de manejar e organizar [imagens] com poder, beleza e con-trole se torna o seu maior ato.” Sai de cena a importância do gesto de foto-grafar, assim como da imagem única; entra a articulação das imagens e o discurso fotográfico.Porém, pensar em narrativas foto-gráficas acaba por nos colocar diante de um paradoxo: a ideia de narrativa parece ser indissociável de um certo desenrolar temporal. Sendo assim, como construir uma narrativa por meio de imagens estáticas?A pesquisadora Kátia Lombardi su-

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É a partir dessa segunda proposição que busco construir a presente re-flexão, problematizando as possibili-dades que se abrem ao pensar a es-trutura de uma obra fotográfica. Para tanto, como método de compreensão das particularidades do meio, busca-rei paralelos em outras linguagens, seja pelo que as aproxima ou distan-cia.

1. CinemaUma abordagem de aproximação en-tre fotografia e cinema parece evi-dente, dada a natureza comum que possuem como imagem técnica. Ar-tista e teórico da fotografia, David Bate assume primeiramente que há uma proximidade entre a narrativa fotográfica e a experiência cinemato-gráfica. Para ele, há um forte parale-lo principalmente entre um trabalho fotográfico e o – praticamente extin-

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to – cinema mudo, uma vez que este “trabalhava com uma seqüência de imagens para produzir narrativas e estórias que poderia ser compreen-didas por todos, como uma espécie de ‘linguagem universal’”. Segundo Bate, muitas obras fotográficas traba-lham como filmes mudos, “com um título, texto de introdução, e peque-nas legendas e ‘intertítulos’, para as-sinalar a direção e o fluxo do ‘filme’.”Porém, em seguida, Bate argumen-ta que o parentesco evidente entre as duas linguagens parece não ser suficiente para estabelecer um elo coerente no que tange a construção narrativa. A começar por uma consta-tação simples: cinema é, por nature-za, movimento. Não apenas imagens em movimento, mas uma seqüência de imagens que vão se sucedendo por si mesmas, restando ao espec-tador apenas “imergir-se nas cenas,

uma depois da outra, até que o filme acabe […]” Ou seja, além da questão do movi-mento (ausente na imagem fotográ-fica) a experiência de assistir a um filme se dá de forma linear, conforme concebido pelo autor. Em fotografia a ordem proposta pelo autor é facil-mente subvertida pelo expectador. Na verdade, ao contrário do cinema, o tempo de contemplação das imagens é ditada pelo expectador, nunca pelo fotógrafo. Segundo David Bate “em fotografia é o espectador que ‘anima’ as fotos ao olhar para elas […]. O rit-mo e a ordem para a visualização da sequência de cenas em um livro ou

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Longe de querer buscar fórmulas para a construção de narra-

tivas, a proposta foi refletir sobre essas possibilidades e, mais

do que isso, perceber e afirmar a potência poética presente no

ato de criação de uma narrativa fotográfica.

exposição de fotografias são funda-mentalmente diferentes que no ci-nema: é o espectador que em última análise, controla o fluxo de imagens. [...] Na fotografia o espectador deter-mina o que fazer com as imagens e, finalmente, tem mais controle sobre eles do que em um filme, embora obras fotográficas possuem também uma estrutura interna própria.” Por essa razão, Bate pressupõe que um livro de fotografia, por exemplo, ten-de a ser mais complexo de fruir do que um filme, dada a quantidade de decisões possíveis de serem tomadas pelo espectador. Sendo assim, pode-se considerar a experiência de assis-

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fragmentos não se unificam em um único ‘todo’ da história dos ‘ameri-canos’ é uma parte fundamental de sua voz crítica em relação à natureza fragmentária do país.”Dividido em quatro “capítulos” – to-dos introduzidos por fotografias onde aparece a bandeira estadunidense – , “The Americans” é uma espécie de colagem fragmentária não apenas decenas, mas de ideias, onde os pos-síveis significados se encontram nas relações possíveis entre as fotografia-se não nelas mesmas – assim como no livro de Evans, a quem Frank teve com uma espécie de “mentor”.Outro fotógrafo estadunidense, Alec Soth, também se utiliza da linguagem textual como analogia para a edição de seus livros. Para Soth, é na poesia que a narrativa fotográfica encontra uma correspondência no modo de contar histórias, com suas brechas, que, “por não ser uma mídia tempo-ral, mas onde o tempo é congelado, não conta histórias, mas as sugere.Ou seja, não é narrativo. Então ela

tir um filme como algo muito mais passivo que o folhear das páginas de um livro. “Deste modo, a liberdade oferecida por uma obra fotográfica, seja em relação ao sentido de leitura da sequência de imagens ou o tempo despendido sobre elas, oferece um desafio para nossos hábitos de leitu-ra.” Por um lado, essa dinâmica pa-rece criar uma série de dificuldades para aquele que se aventura em fruir uma obra fotográfica. Por outro, su-gere uma forte relação de troca entre fotógrafo e espectador.

2. LiteraturaUma segunda possibilidade ao se pensar sobre narrativa em fotogra-fia, seria a proposição de um parale-lo com a literatura, algo que Walker Evans apresentou na seqüência nar-rativa de seu primeiro livro, “Ameri-can Photographs”. Para a criação da narrativa do livro, o fotógrafo esta-dunidense trabalhou a relação das fotografias como em uma construção textual, em que imagens funcionam

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como frases que no andamento da “leitura” – ou seja, conforme o es-pectador vai virando as páginas –, podem suscitar metáforas, símbolos ou oxímoros. A leitura de “American Photographs” não ocorre nas ima-gens em si, mas nas relações entre elas – nos espaços entre uma e outra imagem, poder-se-ia dizer. Por essa razão, pode ser considerado, como argumenta Gerry Badger, o livro que “introduziu ‘dificuldade’ à fotografia, apontando em direção a uma arte fo-tográfica mais complexa e relevante que o formalismo modernista [vigen-te na época].”Analisando outro livro de fotografia, “The Americans” de Robert Frank, David Bate relaciona a construção narrativa do livro com a estrutura sintática encontrada na poesia beat e sua disposição fragmentada: “neste livro não há história, como habitual-mente definida, com começo, meio e fim, mas sim um conjunto de com-ponentes, fragmentos e destroços de diferentes histórias. O fato de que os

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acaba por funcionar mais como a po-esia do que como prosa. São apenas impressões que você deixa para o es-pectador relacionar.”Segundo o fotógrafo, é o próprio fato de a fotografia ter dificuldade para expressar uma narrativa que a torna tão interessante como meio de ex-pressão. É trabalhando com as lacu-nas, com as omissões e hiatos, queo fotógrafo sugere uma narrativa – sem jamais buscar impor-la. Assim como apontado anteriormente, a participa-ção do espectador é fundamental na construção da obra. Ao refletir sobre o paralelo possível com a literatura, Gerry Badger apon-ta a importância da narrativa em um projeto fotográfico como forma de aprofundar sentidos e sensações, o que não é possível quando se tra-balha na lógica da fotografia única: “uma palavra ou uma frase, [...] não

trata da música pareça distanciar as duas. Porém, como visto anteriormente, quando mencionada a analogia com a poesia, há uma dimensão de leitura abstrata inerente à fotografia, exata-mente devido a sua falta de sentido narrativo. Ao pensar a ideia de narrativa dentro do suporte livro, Gerry Badger afirma que a analogia com a música seria a mais adequada, uma vez que “uma peça de musical equipara-se mais com a forma semi-abstrata e não-programática que grande parte doslivros de fotografia são frequente-mente construídos. A maior parte das seqüências fotográficas são mais abs-tratas do que pode parecer, mesmo quando a fotografia é naturalmente ‘documental’.”Ao analisar o livro “Silent Book” do-fotógrafo brasileiro Miguel Rio Bran-

dizem muito ao leitor, e a fotografia única deve ser visto sob essa luz. É preciso uma série de fotografias, sele-cionadas com cuidado, discernimen-to e propósito, para unir a sentença da fotografia única em um parágrafo, e, em seguida, um capítulo.”Porém, sugere o autor, há que se pon-derar a relação entre fotografia e li-teratura. Por mais que seja possível alguns paralelos, fotografias não nar-ram como palavras.

3. MúsicaInicialmente, uma analogia musical parece não fazer muito sentido quan-do se fala em narrativa fotográfica. Primeiro pela própria ideia de narra-tiva, que não faz exatamente parte do vocabulário musical. Segundo, pela própria linguagem fotográfica, ainda tão ligada ao seu aspecto documen-tal, fazendo com que a natureza abs

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4. Considerações finaisOs três paralelos aqui sugeridas são apenas algumas das possibilidades que o meio fotográfico pode apre-sentar. Longe de querer buscar fór-mulas para a construção de narrati-vas, a proposta foi refletir sobre essas possibilidades e, mais do que isso, perceber e afirmar a potência poéti-ca presente no ato de criação de uma narrativa fotográfica.Walter Benjamin, no ensaio “O nar-rador” recupera uma dimensão ar-tesanal do ato de narrar. Segundo o filósofo alemão, a narrativa “não está interessada em transmitir o ‘puro em si’ da coisa narrada como uma infor-mação ou um relatório. Ela mergu-lha a coisa na vida do narrador para emseguida retirá-la dele. Assim se imprime na narrativa a marca do nar-rador, como a mão do oleiro na argila do vaso.” Ao trabalhar com fotografia,

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co, Katia Lombardi percebe quali-dades musicais no encadeamento da seqüência das fotos. Segundo a pes-quisadora “ao observarmos o conjun to da obra percebemos que ela é feita de imagens-chave que repetem cer-tos modos de representação, certas situações de luz, de cores e de tex-turas no decorrer da seqüência pro-posta pelo autor. É como se o autor, em um jogo combinatório, insistisse em utilizar os mesmos elementos, porém, de forma evolutiva. Como na música, quando um acorde se repete e vai se transformando sutilmente.”A analogia musical utilizada por Lombardi é algo próximo do que se denomina em música como leitmo-tiv (motivo condutor, em alemão), ou seja, uma frase ou melodia que, de tempos em tempos, é repetida, ser-vindo como “base” para a música. Ba dger nota uma estratégia semelhante

à utilizada no livro de Rio Branco em “Sleeping by the Mississipi”, primei-ro livro de Alec Soth. Não exatamente aspectos gráficos – como luzes e tex-turas – funcionam como leitmotiv no livro de Soth, mas um objeto que vai se repetindo nas fotografias ao longo do livro. Segundo Badger, “em ‘Mis-sissipi’, o leitmotiv aparece na tercei-ra fotografia, um objeto que perten-cia ao famoso [aviador] do meio-oeste [estadunidense], Charles Lindbergh: a cama de sua infância […]. Fotogra-fias de camas e colchões pontuam a narrativa, funcionando como símbo-lo tanto de lar como de jornada.”Porém, apesar de produzir uma co-erência na estrutura da obra, o uso do leitmotiv é uma questão mais de estratégia narrativa, do que necessa-riamente o cerne dela.

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não é diferente. A construção narra-tiva proposta por um fotógrafo é tão autoral quanto o ato de tomada – ou construção – da imagem em si.

ReferênciasImprint: Visual Narratives in Books and Beyond (Hasselblad Foundation, 2013). Documentário Imaginário (Disserta-ção de mestrado, 2007). Kátia Lom-bardi.

Marco Antonio Filho é fotógrafo, professor e mestrando em Poéticas Visuais na UFR-GS. Seu trabalho já recebeu prêmios como o VI Prêmio Diário Contemporâneo de Foto-grafia na categoria Tempo Movimento e o XII Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotogra-fia em 2012. Coordena com Tiago Coelho o Grupo de Estudos em Fotografia da Galeria Mascate, e é professor da Fluxo – Escola de Fotografia Expandida. Vive e trabalha em Porto Alegre. As fotos que ilustram o artigo fazem par-te do projeto em andamento “Aqui, onde o mar se acabou e a terra espera”.

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RODRIGO HILLThe Harbor

Rodrigo Hill é um fotógrafo viajante. Sua relação com a fotografia surgiu do outro lado do mundo, materializada em uma câmera Pentax. Deste dia até

hoje se passaram 13 anos e Rodrigo continua em trânsito. Atualmente vivendo na Nova Zelândia, Rodrigo apresenta na OLD seu trabalho The Harbor, projeto final de sua for-mação em fotografia Documental e Fotolivros na Wintec da Nova Zelândia. A série aborda a relação entre imigrantes e o espaço que vem ocupam no novo país que escolhem viver.

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A história de cada pessoa dentro do

projeto e crucial para sua constru-

ção, é a espinha dorsal do projeto.

Rodrigo, nos conte sobre seu começo na fotografia.Meu começo na fotografia foi meio instintivo. Lembro que um amigo um dia me mostrou uma câmera Pentax que havia comprado e naquele mo-mento senti um “click” , um daqueles momentos na vida que a pessoa sen-te algo forte e transformador, come-çou ali a minha caminhada. Na época estava morando na Austrália, isso foi em 2002. Alguns meses depois estava embarcando para a Indonésia, levava comigo uma câmera Pentax que ha-via comprado e que era igual a des-se amigo. Foi então nessa viagem de 2 meses pela Indonésia que minha fotografia apareceu. No fim daquele ano retornei ao Brasil, as viagens ti-nham me transformado e a fotografia

então passou a ser minha obsessão de vida, nesse momento tinha des-coberto meu caminho. O inicio não foi fácil, muitos paradigmas e ex-pectativas familiares precisavam ser quebrados e descontruídos. Nesse processo um tio meu que era foto-grafo amador, no melhor sentido da palavra, doou todo seu equipamento analógico, incluindo um kit comple-to para montar um laboratório preto e branco. Estava ali o incentivo que precisava.

Qual sua relação com os personagens da série? Como as suas histórias aju-dam a construir o sentido do ensaio?Alguns personagens da serie eu já conhecia por se tratar de viver em uma cidade pequena, todo mundo

mais ou menos se conhece. Portan-to, foi uma questão de contatar essas pessoas e estabelecer uma conexão. Outras pessoas eu acabei conhecen-do durante o projeto por indicação; ou mesmo pelo simples fato de eu me aproximar da pessoa e propor a parti-cipação no projeto. Foi uma mistura de abordagens que variaram desde fotografar amigos até pessoas “estra-nhas” que estavam caminhando na rua de passagem. A história de cada pessoa dentro do projeto e crucial para sua construção, é a espinha dor-sal do projeto. Por todos se tratarem de imigrantes que lidam constante-

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te os conflitos e tensões das vidas de seus personagens?Essa foi a parte mais difícil do proje-to. Como se fotografa um estado psi-cológico? Foi uma mistura de muita leitura teórica, principalmente o tra-balho do escritor Stuart Hall sobre identidade multicultural, com diálo-gos. As conversas com os participan-tes ajudaram muito na construção vi-sual do projeto à medida que à partir delas uma imagem era concebida. Ter palavras-conceitos como mantras na minha mente também foi útil na hora de fotografar as pessoas. Somado a isso, passei a refletir sobre os meus próprios dilemas e processos pesso-ais com o intuito de transformá-los em imagens fotográficas. Penso que a fusão dos retratos com as imagens metafóricas que circundam a narrati-va foi uma estratégia para represen-

mente com a questão da identidade multicultural, cada um representa um ponto na narrativa. Cada univer-so individual compõe uma complexa narrativa que só existe graças a cada um desses pontos. Cada individuo traz consigo uma rica narrativa pes-soal, histórias de imigrantes, suas ra-zões, suas ansiedades, seus processos psicológicos e culturais. Depois de ouvir muitas dessas histórias me dei conta que elas também fazem parte da minha própria história como imi-grante na Nova Zelândia. As histórias, portanto, servem de apoio à narrativa e também como base conceitual calcada nas ideias de dualidade cultural, o sentimento de pertencimento e a construção de no-vas identidades.

Como você buscou traduzir visualmen-

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tar os conceitos em questão. Os re-tratos, porém, integram a parte mais potente da narrativa. Para esses re-tratos busquei junto aos participan-tes incluir elementos que pudessem contribuir frente a suas identidades. Para cada retrato tentei criar um “mood” ou sensação que contribu-ísse com a ideia psicológica de ser/estar entre dois sistemas culturais. Um certo tom de ambuiguidade ou mistério aliado ao uso da narrativa não linear contribuem para criar esse ambiente psicológico dualístico. Por-tanto, as imagens buscam represen-tar o psicológico que se envereda no mutante universo da construção da “identidade diaspórica”.

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MARTA BOSQUETLar

Marta Bosquet é uma fotógrafa Catalã que escolheu São Paulo como sua morada pelos últimos anos. Esse embate afetivo entre suas casas se faz pre-

sente em sua fotografia e se torna seu motor criativo: buscar compreendemos o que é importante ao construirmos nos-so Lar. Marta une nesta série espaço, personagens e afeto, construindo uma narrativa delicada e mutante, que permite as mais variadas leituras na busca do lar de cada um.

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resulta impossível não deixar muito

de nós em cada imagem e trabalho

que elaboramos.

Marta, como começou seu interesse pela fotografia?O interesse nasceu graças à arte, mi-nha mãe é formada em artes e em casa sempre tive a oportunidade de brincar com pinturas, papeis e lápis. Quando cresci consegui uma câme-ra e junto com a música acabaram sendo duas das áreas de estudo mais importantes ao longo de minha for-mação.

Nos conte sobre a criação do ensaio Lar.O ensaio nasce como amadureci-mento de trabalhos anteriores nos quais venho refletindo sobre dife-rentes conceitos que são tangencia-dos pelo ato de se deslocar. No caso do livro Lar, me interessa a noção de

casa pensada sob o viés do noma-dismo. Quero pesquisar do que está constituída, se precisa ser um ponto físico no mapa ou se pelo contrário, pode ser uma bagagem que carrega-mos em forma de família, memória e outras idéias mais etéreas. Habitual-mente fotografo olhando de dentro para fora, circunstâncias pessoais que são extrapoláveis a tantas pes-soas que atualmente decidiram ter uma vida em movimento, seja mu-dando de bairro, cidade ou país.

Como foi o processo de transforma-ção do ensaio em livro? O que mais te marcou neste processo?Realmente desde o início deste pro-jeto pensei no resultado final como livro. Precisava criar uma narrativa

através da seqüencialidade dando um ritmo no passar das páginas. No final das contas o livro não deixa de ter um componente cinético muito importante que marca um tipo de leitura ao espectador, que ao mesmo tempo consegue criar um vínculo de intimidade com o objeto. Gosto dessa construção antagônica, que por mais que o artista aponte uma leitura atra-vés da seqüencialidade, o leitor pode escolher como ver e rever a obra e quanto tempo dedica a ela. Então, talvez foi o movimento oposto o que realizei, passar do livro para o ensaio. Acabou sendo um aprendiza-

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minhas paixões: a fotografia e o design.

O quanto de você está em cada uma dessas fotografias?Acho que provavelmente todo fotó-grafo vai responder com a mesma afirmação, pois resulta impossível não deixar muito de nós em cada imagem e trabalho que elaboramos.

do muito grande já que é minha pri-meira experiência na elaboração de um livro pessoal.

Como foi o processo de edição do en-saio? Como você buscou construir a sua narrativa?Acho que a edição foi o momento mais grato. Colocar as imagens enci-ma da mesa e brincar com elas, or-dená-las e organizá-las, ver o que es-tava faltando, construir uma história coerente sem entrar em obviedades mas também sem perder o foco. E sempre compartilhando o processo com outros fotógrafos e artistas para ter esse olhar externo que acho vital na elaboração de uma narrativa. Eu tive a sorte de construir o livro junto com o Walter Costa, foi um processo enriquecedor onde aprendi muito e consegui trabalhar conjuntamente

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CANDICE JAPIASSUConcavidades

Candice aborda em seu trabalho o sentimento - ou a ilusão - de segurança que uma casa nos proporcio-na. Partindo dessa lógica, ela desconstrói o espaço

e seu corpo, para assim unir-los em uma nova forma e um novo ambiente. Concavidades, série apresentada na OLD, é o trabalho de conclusão de Candice na Pós-graduação em fotografia na FAAP, terminada em 2013.

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Para alcançar tal morada sonhada, e me sen-tir compreendida, me vi numa necessidade de desconstruir para reconstruir, tanto o meu ser, quanto a minha morada.

Candice, como começou seu interesse pela fotografia?Isso foi há mais de 10 anos atrás. Eu cursava administração de empresas, me sentia deslocada e sabia que algo faltava. Resolvi, paralelamente, en-trar na faculdade de fotografia no Senac. Cursei um ano e por diversos motivos tranquei o curso. Mas minha relação com a fotografia já estava es-tabelecida. Ela estava sempre ali, me acompanhando, ainda que por vezes um pouco adormecida. Entre idas e vindas, fiz alguns workshops no Bra-sil e fora, e um curso de um ano em Barcelona-ES. Mas foi realmente em 2011 que considero que voltei 100% e me apropriei da minha identidade artista/fotógrafa. O que me impul-sionou para isso foi justamente essa

série Concavidades, iniciada neste mesmo ano e que virou tema da mi-nha pós-graduação em Fotografia na FAAP, concluída em 2013. Atualmen-te curso o mestrado em Fotografia na Central Saint Martins em Londres.

Nos conte sobre o desenvolvimento do ensaio Concavidades.O ponto de partida é o sentimento de vertigem que abate meu corpo e o desconecta de sua existência no mundo. Nessa desconexão, a consci-ência de morte se potencializa assim como a percepção da fragilidade do que é existir neste mundo. Instintiva-mente o corpo busca então um mora-da para se proteger. A casa vem como sinônimo de segurança, na verdade, um “devaneio de segurança”. O lu-

gar que me garantiria abrigo contra a indiferença do universo. Um ser que se vê na convexidade do mundo real, e precisa da concavidade de um lar para se proteger. Para alcançar tal morada sonhada, e me sentir com-preendida, me vi numa necessidade de desconstruir para reconstruir, tan-to o meu ser, quanto a minha morada. As performances vieram muito im-pulsivamente desencandeadas pelo desejo de fotografar. A ansiedade de pertencimento e segurança, provoca-ram em mim sentimentos intensos e urgentes que foram traduzidos com o registro fotográfico de todo esse

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de um ritual. Eu, em busca de um lu-gar e o lugar, em busca de um corpo.

Quais os papeis do tempo e da memó-ria nesta série?Aqui tudo é construção, a relação do corpo com o espaço, com o tempo e com a memória. Consciente da mi-nha ficção, a memória foi inventada. O embate/reconhecimento entre cor-po e espaço foi performado para que, no fim, eu tivesse o registro de todo esse processo, ou seja, uma memória afetiva criada pela fotografia. Foi um tempo inventado, retido unicamente nos limites daquele espaço. A poei-ra que dali sai faz tudo parecer ruí-na, uma ruína que não é ruína, dado seu caráter proposital e não fruto do tempo, ou seja, eu como responsável dessa destruição. O registro fotográ-fico final sempre foi a intenção por

processo. Era um ritual sempre soli-tário: ia ao apartamento em reforma e fazia a performance para a câmera, clicando através de um controle re-moto. Toda essa desconstrução/cons-trução era um modo de “reformular” minha existência no mundo, transfe-rindo esse processo para dentro dos limites e formas daquele espaço. As-sim como um ninho que é precário “desencadeia em nós um sentimento de segurança”, a casa – na precarie-dade de uma desconstrução, de uma reforma – refletia em mim a seguran-ça almejada. Queria dar uma forma e uma solidez ao meu corpo dentro das formas da morada.Enfim, era um conhecimento de ter-reno, na tentativa de ser reconhecida, compreendida, encaixada e acolhida; eu e minha futura morada nos mol-dando para nos recebermos através

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trás da minha performance. Foi um tempo-memória construído num em-bate, mas também numa convergên-cia, dado o seu devir otimista, afinal, eu construiria a minha casa sonhada, a casa do futuro, como define Gaston Bachelard em seu livro A Poética do Espaço:“Por vezes, a casa do futuro é mais sólida, mais clara, mais vasta que to-das as casas do passado. No oposto da casa natal trabalha a imagem da casa sonhada. No entardecer da vida e com uma coragem invencível, dize-mos ainda: o que ainda não fizemos será feito. Construiremos a casa.”

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André Hauck é um dos grandes pen-sadores e produtores de fotografia no Brasil. Seu trabalho versa sobre o pro-cesso de urbanização, na maioria das vezes desordenado, que vivenciamos diariamente. Sua produção já foi pre-miada diversas vezes e transita muito bem entre exposições e publicações. Conversamos com André por e-mail para conhecer um pouco mais da sua visão sobre fotografia e sobre sua pro-dução visual.

André, como começou seu interesse pela fotografia?Meu interesse em fotografia se ini-ciou em 2002 quando eu tive o conta-to na 25O Bienal de São Paulo com os trabalhos dos artistas Frank Thiel, Andreas Gursky, Michael Wesely, Thomas Ruff e David Goldblatt que apresentaram fotografias em grande formato que abordavam questões

relacionadas ao processo de urba-nização. A partir dai comecei a me interessar por este tema e forma de abordagem apesar de naquele mo-mento, estar cursando o bacharelado em escultura na Universidade Fede-ral de Minas Gerais UFMG-EBA em Belo Horizonte. Foi somente a partir de 2006 que assumi a fotografia como meio expressivo e realizei as séries Paisagem Morta que abordava terri-tórios ocupados por mineradoras e Desertos Urbanos e Arquiteturas em Declínio que partia de registros de interiores de casas e prédios desocu-pados em centros urbanos. Posteriormente, em 2010, realizei um mestrado em Artes Visuais abordan-do o tema da fotografia contemporâ-nea alemã partindo da obra do casal Bern e Hilla Becher, e foi nesta época, por influência, adquiri uma câmera de grande formato e iniciei o projeto

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Limítrofe.

Seu projeto Áreas de Intermitência foi um dos contemplados com o Prêmio Funarte de Arte Contemporânea 2014. Como foi o processo de realização da exposição e do catálogo? Ter recebido o prêmio foi bem gra-tificante e estimulante, pois pude concretizar um projeto que incluía alguns trabalhos que vinha desen-volvendo desde 2010. A exposição re-alizada em 2015, continha obras das séries Limítrofe, Sombras e Desvios. O processo de elaboração da expo-grafia permitiu explorar uma forma de montagem que se relacionava di-retamente com o espaço, ponto de partida das pesquisas que venho de-senvolvendo no campo da paisagem e arquitetura urbana. E contou com a curadoria de Júlio Martins.A produção do catálogo, realizada

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juntamente com Felipe Chimicatti foi bem frutífera porem, tive de acom-panhar a impressão de longe pois a impressão foi em Belo Horizonte e coincidiu com a realização da Resi-dência Artística na FAAP em São Paulo. De qualquer forma, foi bom poder pensar nas imagens impressas pois estou iniciando um processo de publicação de um livro que será lan-çado em Junho do próximo ano con-tendo fotografias realizadas por mim entre 2010 e 2015.

André, nos conte sobre a produção das séries Desvios, Limítrofe e Sombras.Venho a algum tempo propondo uma relação entre a fotografia documental e as artes visuais com o objetivo de instigar o pensamento sobre os di-versos aspectos das territorialidades das cidades, enfatizando as dinâmi-cas de integração e fragmentação do

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projeto Áreas de Intermitência? Como você constrói os diálogos entre cada uma delas? Acredito que os trabalhos se comple-mentam e de certa forma falam das mesmas questões, na exposição eles foram separados por expográfias dis-tintas. Em Desvios desloquei as fotos das paredes para o espaço por meio de cavaletes desenvolvidos especial-mente para isso, a ideia foi trazer a sensação espacial arquitetônica re-ferente às imagens da série. A série Limítrofe como era um trabalho mais extenso dividi as fotos em duas mesas e duas paredes, destacando o caráter da pesquisa. Já em Sombras mantive as fotos na parede.

As séries apresentadas na exposição foram produzidas entre 2010 e 2014, na grande BH. Você via o espaço que fotografava mudando ao longo do

da no entorno do bairro da Lagoinha em Belo horizonte, local que durante muitos anos abrigou a cultura boê-mia da cidade. Após a implantação de um túnel e de viadutos que ligavam o centro à zona norte, juntamente com o metro, o cenário do bairro entrou em extrema decadência, tornando um dos maiores pontos de consumo de crack da capital. Com isso, vários moradores de rua começaram a se abrigar embaixo dos viadutos cons-truindo barracas e fazendo fogueiras nos pilares de concreto. O objetivo desta pesquisa foi produzir registros fotográficos que não se apresentas-sem de forma direta sobre estas situ-ações sociais extremas e através dos vestígios, refletir sobre a situação de visibilidade e invisibilidade destes indivíduos.

Como estas três séries constroem o

espaço urbano. Penso a fotografia de forma alegórica como propulsora de significados que muitas vezes estão fora da imagem.Neste sentido, o projeto limítrofe tem como objetivo mapear diferentes áreas periféricas de grandes cidades e propor um questionamento sobre a produção e o descarte de resíduos gerados pelo processo de urbani-zação, bem como os habitantes das cidades moldam e configuram os es-paços onde vivem. Em Desvios, pro-curei abordar a ocupação do espaço urbano pela arquitetura construí-da por não-arquitetos. A ideia deste trabalho é propor uma reflexão so-bre como as características técnicas fragmentárias destas estruturas, bem como a ausência de um projeto pré-vio, possibilitam que cada construção tenha uma aparência própria e mu-tante. Já a série Sombras foi realiza-

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desenvolvimento do projeto? Como o longo período de trabalho alterou a produção das séries?Na verdade, algumas imagens foram realizadas em outras cidades mas a grande maioria foi em Belo Horizon-te. De qualquer forma, acredito que as problemáticas que os trabalhos apresentam podem ser encontradas na maioria dos países que têm confi-gurações parecidas com o Brasil. O projeto limítrofe ainda esta em andamento e como tenho o costume de retornar às áreas fotografadas fica claro as transformações, pois elas es-tão relacionadas com o crescimento das cidades e as relações sócio econô-micas da população. Os resíduos ge-rados pelo processo de urbanização são quase sempre empurrados para as bordas das cidades acompanhan-do o alargamento de seus limites, e as estruturas arquitetônicas abordadas

estão em constante transformação, mudam conforme a situação finan-ceira ou familiar dos moradores, e, em outros casos, são demolidas para dar espaço a uma nova avenida.

Como foi o processo de produção e re-alização de Escavar o Invisível? Como começou sua parceria com Camila Otto?A parceria com a Camila se iniciou em uma residência artística que re-alizamos em 2012 em Buenos Aires. Inicialmente eu tinha proposto foto-grafar com a minha câmera de grande formato o entorno do bairro San Fer-nando, local da residência. A Camila tinha um projeto mais voltado para a população e que não envolvia dire-tamente a fotografia. Mas durante o processo eu a emprestei uma câmera de 35mm amadora que tinha levado e ela me acompanhou alguns dias pelo

bairro fotografando. No final perce-bemos que as nossas fotos se relacio-navam de forma muito interessante e dai surgiu o coletivo. Posteriormente, realizamos uma outra residência no JA.CA Centro de Arte e Tecnologia onde propusemos uma abordagem que envolvia procedimentos arqueo-lógicos. Logo depois fui contempla-do pelo XIII Prêmio Marc Ferrez e convidei a Camila para participar do projeto Entre Lugares, realizado na região de tríplice fronteira em Foz do Iguaçu e que teve como resultado um livro.O processo do projeto Escavar o In-visível, contemplado pela Bolsa Fu-narte de Estímulo as Artes Visuais 2014, proposto por nós dois, foi bem interessante e enriquecedor, propu-semos um retorno ao bairro Jardim Canada onde realizamos a residência do JA.CA, mas desta vez desenvolve-

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mos uma documentação visual do espaço que também resultou em um livro.

Como a edição de Walter Costa aju-dou a dar forma ao trabalho? Quais as vantagens de ter um editor, auxilian-do os fotógrafos neste processo?Durante o processo de produção do livro fizemos várias parcerias, o Yudi Rafael escreveu o texto, o Fábio Mes-sias nos ajudou com o design da capa e o Walter Costa com a edição. Tra-balhar com eles foi incrível e muito enriquecedor. O Walter nos ajudou não só na edi-ção mas também na concepção es-tética do livro. Fomos em sua casa e ficamos analisando as diversas possi-bilidades de publicações em sua bi-blioteca pessoal composta por diver-sos títulos no campo da fotografia.

Penso que ao desenvolver um proje-to, normalmente ficamos muito imer-sos no processo e, muitas vezes, um olhar externo pode ser importante. Acredito que um bom editor deve trabalhar conjuntamente com o fo-tografo apresentando novas possibi-lidades de leitura, complementando o projeto.

O livro da série acaba de ser lançado. Como foi a experiência de produção? Como o projeto se transformou dentro do processo de realização do livro?Acredito que desenvolvemos o proje-to gráfico do livro em tempo recorde, editamos, definimos o design, dia-gramamos, imprimimos e lançamos tudo em menos de dois meses.Inicialmente a ideia era uma publi-cação parecida com a do Entre Lu-gares, capa dura e pequeno formato.

Posteriormente mudamos o design após as conversas com o Walter e optamos por um papel melhor, um formato maior e uma montagem sem costura. A parte da impressão gráfica também é bem importante e acompa-nhamos tudo de perto. O lançamento foi no prédio da residência artística da Faap com um bate papo com to-dos envolvidos.

Você e a Camila Otto irão realizar um workshop de processos metodológicos na fotografia contemporânea em De-zembro. Como surgiu o curso? Quais são os principais pontos que vocês querem tocar?Após a realização do workshop no Paraty em Foco 2015 eu e a Camila fomos convidados pelo Estúdio Ma-dalena para realizar outro workshop. A proposta é discutir sobre alguns

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processos metodológicos emprega-dos no campo da fotografia contem-porânea que em alguns casos envol-vem outras áreas do conhecimento ligados a ciência como a arqueolo-gia, antropologia, geografia, biologia, arquitetura, urbanismo, topografia, astrofísica, dentre outros. Posterior-mente, iremos analisar as propostas desenvolvidas pelos participantes fo-cando sempre na ideia de instigar a pesquisa e a confluência de concei-tos interdisciplinares. Destacando a importância do dispositivo como método de trabalho mas também dis-cutindo a inserção de conceitos com-plementares ou antagônicos afim de repensar parâmetros pré-estabeleci-dos e deslocar expectativas e propo-sições.

Como o uso e o conhecimento de áre-

as como a arqueologia, a antropologia e a geografia podem transformar a produção de um fotógrafo? Para você, qual a importância de desenvolver trabalhos multidisciplinares?Ao meu ver o trabalho de um foto-grafo, assim como de qualquer outro profissional, aproxima de uma rea-lidade multidisciplinar. Pensar con-ceitos da antropologia, geografia, ar-queologia ao trabalho em fotografia e pensar no fotografo de uma maneira mais ampla, é contemplar o espaço,

ambiente, corpo, lugar, tempo, etc. Algo que se faz necessário também para repensar o uso da imagem, a fotografia, dentro da contemporanei-dade.

Penso que ao desenvolver um projeto, normalmente ficamos muito imersos no processo e, muitas vezes, um olhar externo pode ser importante. Acredito que um bom editor deve traba-lhar conjuntamente com o fotografo apresentando novas pos-sibilidades de leitura, complementando o projeto.

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ROBERTO JOELEYou Are Welcome

A Europa tem um papel central na fotografia de Ro-berto Joele. Foi ao mudar-se para o velho conti-nente que a relação nasceu, ainda na busca pela

construção de diários de viagem. Depois deste primeiro contato, Roberto se viu estudando fotografia em Madrid, em um master, no qual desenvolveu esta série com trabalho final. You Are Welcome fala de distância, de adaptação e das dificuldades e satisfações de migrar, conhecer e construir uma nova casa.

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Muitos me disseram que as visitas eram como ir a um psicólogo, pois nestes encontros refle-tiam e falavam sobre coisas que, em muitos casos, não estavam acostumados.

Roberto, nos conte sobre seu começo na fotografia.A fotografia entrou com mais força na minha vida quando fui morar na Europa. Tinha 20 anos, estava pas-sando por um momento de muitas mudanças pessoais e descobrimen-tos. Comprei a minha primeira reflex e meu maior interesse eram os diá-rios de viagens. Estava chegando ao velho e desconhecido mundo para mim até o momento, e muitas coisas me fascinavam. Este foi o combustí-vel necessário para aprimorar meus conhecimentos básicos e descobrir algumas possibilidades da fotografia. O namoro durou cerca de três anos e, por circunstâncias da vida come-cei a estudar fotografia na escola EFTI, em Madrid, Espanha. Foram

dois anos de intenso contato e estu-do que me fizeram descobrir a imen-sidão que é a fotografia hoje em dia, assim como as infinitas possibilida-des na hora de escolher um tema e de como desenvolvê-lo.

Como foi o processo de criação de You Are Welcome?You Are Welcome surge, basicamen-te, no meu segundo ano de estudos na EFTI, quando cursava o Máster em Fotografia Contemporânea e Projetos Pessoais. Éramos incenti-vados a desenvolver um projeto com tema que fosse de nosso interesse. O tema da imigração na Europa já era algo que me fascinava desde que lá cheguei, pois quando morava no Brasil não tinha a oportunidade de

conviver com tantas pessoas de dife-rentes partes do mundo. Contudo, na Europa isto é muito mais comum e corriqueiro, e me chocava de maneira positiva a possibilidade de relacionar-me com pessoas com as quais seria impossível se não estivesse morando lá. Decidi que gostaria de conhecer mais pessoas de outros países que, por consequências da vida, estavam vivendo na Espanha, principalmen-te em Madri. Interessava-me saber seus motivos para deixar o país de nascimento e para não voltar, de que maneira o fato de estar vivendo em outro país ia mudando e moldando

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motiva o nascimento desta. Mui-tos me disseram que as visitas eram como ir a um psicólogo, pois nestes encontros refletiam e falavam sobre coisas que, em muitos casos, não es-tavam acostumados. As fotos são uma representação ilustrativa dos encontros. Mostram o entorno onde vivem os participantes, que para mim tem um valor simbólico muito impor-tante. Por mais que existam algumas imagens visualmente potentes na sé-rie, este não é o objetivo principal. Portanto, creio que o mais importan-te não são as fotos e nem as histórias transcritas, mas sim a troca de ideias e reflexões que acontecem em cada encontro, algo que infelizmente acho quase impossível ser transcrito ou fo-tografado. Recentemente comecei a fazer entrevistas com alguns dos par-ticipantes. Essa ideia surge de uma

suas personalidades, discutir sobre as maiores dificuldades e também as melhores recompensas, etc... As re-des sociais têm uma especial impor-tância neste trabalho, pois a maioria dos participantes foram encontrados na web. O desafio aqui era encontrar pessoas que estivessem dispostas a abrir as portas de suas casas para um completo estranho que queria con-versar com elas sobre suas experiên-cias pessoais como imigrante e, para completar, tirar uma foto. É fácil ima-ginar que muitas das pessoas que re-ceberam o convite simplesmente me ignoraram!

Você vê as histórias de seus persona-gens como mais ou igualmente impor-tantes às fotografias da série?O desejo de compartilhar minha his-tória e escutar a dos outros é o que

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necessidade pessoal de compartilhar um pouco mais sobre cada história que me comoveu. A carta parecia pouco. O vídeo é um dispositivo que permite, de alguma maneira, trans-mitir uma grande quantidade de sen-sações e emoções em pouco tempo. Não pretende ser um substituto da foto ou da carta, mas sim um complemento.

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EDUARDO MACARIOSChaos and Classic

Eduardo Macarios encontra na rua e no contato cor-riqueiro com as pessoas que encontra as principais inspirações para o seu trabalho. Munido de sua len-

te normal e seus filmes PB, Eduardo apresenta uma visão irônica e divertida do mundo público das grandes cidades. Chaos and Classic é uma seleção de suas imagens produzi-das entre 2008 e 2014, criando um universo próprio sobre as ruas constantemente visitadas pelo autor.

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Sempre busquei os grandes centros

urbanos e como as pessoas desses

lugares se relacionam com isso tudo.

Eduardo, nos conte sobre seu começo na fotografia. Tive pequenos encontros com a fo-tografia a partir de 2004, fiz cursos, etc. Mas foi só em 2008 que desco-bri o que realmente queria trabalhar com ela. Nesse período eu mora-va na Inglaterra e estudava no Arts University Bournemouth. Foi nesse momento que conheci o “The Ame-ricans”, do Robert Frank e lembro que me influenciou demais, eu tinha 22 anos. Até então, eu só tinha foto-grafado com câmera digital e deci-di ir pelo caminho inverso: troquei meu equipamento por uma câme-ra 35mm, uma lente normal e filme preto e branco. Durante um ano, fo-tografei assim praticamente todos os dias. Revelava e ampliava tudo que

eu produzia. Experimentava muito e estudava muito também. Quando não estava no laboratório, estava na biblioteca. Sempre achei Bourne-mouth uma cidade bem sem graça e isso me ajudou muito a focar, não tinha distrações. Nos finais de sema-na, ia para Londres fotografar e ver exposições, vivia na Photographer’s Gallery e na National Portrait Gal-lery. Foi o melhor aprendizado. No ano seguinte, de volta ao Brasil, co-mecei a trabalhar profissionalmente com fotografia e continuei desenvol-vendo projetos autorais.

Como foi a produção do ensaio Chaos and Classic? Chaos & Classic é um recorte do meu trabalho produzido entre 2008

e 2014. Durante esses anos, fotogra-fei praticamente todas as cidades por onde passei. Sempre busquei os grandes centros urbanos e como as pessoas desses lugares se relacionam com isso tudo. Nessas situações qua-se ninguém percebe você fotografan-do, e por isso eu chegava muito per-to das pessoas. Elas achavam que eu estava fotografando algo muito além delas. Estava sempre em movimento, aos poucos aprendi a controlar isso e trabalhar melhor a cena. Raramente me aprofundava na história das pes-soas, não me interessava o nome ou a história delas, mas sim aonde e como

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Da forma como eu vejo, é exatamen-te isso. Quando eu estou completa-mente envolvido não penso em mais nada.Écomoumvício. Nãosoutãoape-gadoaoresultado,nafotografiaderua,o que sair, saiu. Gosto do processo e do desafio da imagem. Das cenas inusi-tadas que se apresentam na sua fren-te ou aquelas que só a gente como fotógrafo pode criar. A minha estra-tégia é bem simples e discreta, não falo muito, sorrio bastante. Fotografo com uma Leica M6, uma lente 35mm e mais nada.

Como você buscou construir uma nar-rativa unindo fotografias de pontos e momentos tão distintos? Esse é um dos processos que eu mais gosto na fotografia, aquele momento em que as cópias estão espalhadas na mesa e a gente começa a construir a

elas estavam em relação aos outros e ao espaço público. Em 2014, fui con-vidado a expor na Galeria Portfolio, em Curitiba, e aproveitei essa chan-ce para rever tudo que já tinha feito. De certa forma, a exposição Chaos & Classic foi o encerramento desse período. O processo de rever as fotos antigas foi incrível, a gente aprende muito sobre si mesmo fazendo esse exercício.

O que mais te instiga na fotografia de rua? O ato fotográfico em si. Pra mim é quase um estado de transe. O Garry Winogrand dizia que ao fotografar na rua ele se sentia “completamente fora de si mesmo, era o mais próximo que ele chegava da sua não-existên-cia” (“Iget totally out of myself. It’s the closest I come to not existing”).

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narrativa. Pra mim é como fotografar de volta. No caso da exposição Chaos & Classic, o processo foi natural. Eu tinha uma quantidade de imagens e faltava amarrar tudo isso. Fiz uma das fotos mais antigas desse série no Guggenheim de Nova York em 2010. Naquela época, tinha uma exposição em cartaz chamada “Chaos & Clas-sicsism”. Encontrei essa fotografia em uma folha de contato antiga. Ao rever, notei a foto pela primeira vez. Por causa do corte que eu fiz naque-le momento a frase ficou incompleta: “Chaos & Classic”. Isso resultou no título do ensaio/exposição e deu o tom da edição. Busquei no meu ar-quivo fotografias que dialogam com o caos e o clássico, com o inusitado e o clichê.

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“O caminhar, mesmo não sendo a construção físi-ca de um espaço, impli-

ca uma transformação do lugar e dos seus significados. A presença física do homem num espaço não mapeado – e o variar das percepções que daí ele re-cebe ao atravessá-lo – é uma forma de transformação da paisagem que, embo-ra não deixe sinais tangíveis, modifica culturalmente o significado do espaço e, consequentemente, o espaço em si, trans-formando-o em lugar”. Francesco Careri, Walkscapes – o ca-minhar como prática estética.

“A ruína cria a forma presente de uma vida passada, não segundo seus conteú-dos ou restos, mas segundo seu passado como tal. Isto constitui também a sedu-ção das antiguidades (...) O passado com seus destinos e suas mudanças é reunido neste momento de observação estética”. Georg Simmel, A Ruína.

A partir desse mix de ideias, sensa-ções, caminhadas e fotos brota esse texto sobre o caminhar pela cidade e fotografar. Como revivemos senti-mentos ao caminhar/fotografar pelas ruas de uma cidade. Como ressenti-mos. A foto fala ao inconsciente porque fixa em sais de prata o que o olho não vê. A imagem fala diretamente ao desejo. O que o olho vê ele afasta do incons-

ciente. O que a foto mostra, às vezes, fratura a racionalização tranqüiliza-dora. Atravessa o inconsciente. A foto a seguir é de meu último fil-me em preto e branco fotografado. O contato tem a ordem das tiras inver-tidas pela pessoa que o revelou e co-piou. As fotos, que “abrem e fecham” a tira do filme, são de bonecos, re-presentações humanas. A primeira uma marionete chinesa. A última, um iogue cobrindo o rosto com as mãos. Consegui encontrar apenas uma pessoa “de verdade” nas fotos observadas apressadamente. A pres-sa da cidade que imagina ver tudo. As fotos foram tomadas mais ou me-nos ao acaso, sem um projeto a me guiar, apenas meus olhos. Ruínas, destroços, futuras ruínas, imagens que evocam sentimentos.

Angelo José da Silva é professor de socio-

logia na Universidade Federal do Paraná e

fotógrafo. Suas pesquisas mais recentes fo-

cam o espaço urbano e o grafite.

FOTOGRAFANDO RUÍNAS

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A foto fala ao inconsciente porque fixa em sais de prata o que o olho não vê. A imagem fala diretamente ao desejo.

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Fotografia de Danilo Luna.Ensaio completo na OLD Nº 53.

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