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Ortopedia OMBRO DO ARREMESSADOR

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Ortopedia

OMBRO DO ARREMESSADOR

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• INTRODUÇÃO

O ombro do arremessador é uma expressão vinda do inglês, “Throwing Shoul-der” que define sintomas no ombro de pessoas que praticam esportes de arre-messo. O grande protótipo para justficar esse conjunto de complexas adapta-ções fisiológicas e mesmo fisiopatológicas é o beisebol, que não é um esporte de grande relevância no meio Brasileiro. Porém outros esportes muito pratica-dos no nosso meio levam a alterações similares, como o vôlei, peteca, tênis, handebol e natação (Figura 1).

Os problemas advindos dessa condição podem ser de origem na cadeia cinéti-ca (quadris, coluna e tronco), na sissarcose escapular e torácica (discinesias escapulares), da articulação do úmero com a glenóide (contraturas capsulares, retroversão da glenóide) e outras alterações anatômicas (lesões do manguito, do labrum e do bíceps). Claro que são mais comuns em praticantes dessas ati-vidades físicas desde a infância e adolescência, sendo esse um importante da-do epidemiológico a ser coletado na anamnese.

Figura 1

Movimentos repetitivos de arremesso podem resultar em lesões por uso repeti-tivo, com potencial para lesões agudas sobrepostas a alterações crônicas, uma combinação que pode ser um desafio terapêutico.

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• FASES DO ARREMESSO

Os atletas que realizam movimentos de tamanha amplitude e sob tamanha carga no ombro sofrem de um paradoxo, em que tem de haver delicado balan-ço entre mobilidade suficiente para fornecer rotações extremas enquanto tam-bém devem manter adequada estabilidade para prevenir subluzação da cabeça do úmero.

Antes de compreendermos o que ocorre no ombro desses desportistas e exer-citantes, vamos entender a cinemática por trás do ato de arremessar, divididas didaticamente e chamadas de fases do arremesso.

São elas: preparação (Wind up); Encaixe ou armação inicial (early cocking); ar-mação final (late cocking); aceleração, desaceleração e finalização (follow through) (veja a Figura 2).

As fases do arremesso foram estudadas extensamente no beisebol, esporte de interesse nos Estados Unidos da América. Descreverei as fases com foco na atividade da estrutura de relevância para a compreensão desse texto: o ombro.

O arremesso inicia na fase de preparação (Wind up), em que o atleta mantém o ombro aduzido e relaxado junto ao corpo. Nessa posição há mínima atividade muscular do manguito rotador e mínima força na articulação do ombro.

A fase de armação as vezes subdividida em armação inicial e armação final, consiste na fase em que o arremessador posiciona o membro superior acima e atrás da cabeça, atingindo máxima rotação lateral do ombro. Na armação inicial temos o pico de ativação do deltoide e na fase de armação final, pico de ação do supraespinal, infraespinal e redondo menor.

A essa fase estão associadas as patologias de impacto interno, e déficit de ro-tação interna glenoumeral (DRIG ou GIRD no inglês).

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A fase de aceleração inicia ao término da fase de armação final. É descrita como fase em que a bola sofre rotação até ponto em que se solta das mãos do atleta. São ativados os músculos tríceps – inicialmente – seguidos do peitoral maior, latíssimo do dorso e serrátil anterior.

Após o lançamento da bola, começa a fase de Desaceleração, em que há con-tração excêntrica de todos músculos do ombro e braço, para frear movimento da inércia do braço. É considerada a fase mais prejudicial do arremesso, e estão associadas as patologias: SLAP, do bíceps, do braquial, e redondo menor.

A fase de finalização (Follow-Trhough) é aquela em que o corpo foi capaz de parar movimento para anterior, voltando ao equilíbrio corporal e de atividades musculares.

Figura 2

A função e movimentação escapular são importantes para prevenir lesões. Ela deve estar retraída na fase de armação e deve se protrair durante o arremesso, participando ativamente inclusive da desaceleração.

A maioria dos arremessadores incorpora seu próprio estilo nos arremessos, particularmente durante as fases de preparação e de finalização. Porém, inde-pendente da aparência do arremesso, devem ser seguidos estritamente os fun-

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damentos mecânicos dos arremessos, para efetiva prevenção de lesões advin-das dessa prática.

• ADAPTAÇÕES E FISIOPATOLOGIA – PARTE 1

Sabemos que arremessadores profissionais podem gerar 92N-m de torque ro-tacional, maior do que o limite de torque para lesões do complexo bíceps e la-brum em modelos cadavéricos.

Cargas compressivas altas como 860 N podem ser criadas com velocidades angulares de 7000°/segundo. Para gerar forças contrárias e manter a cabeça umeral centrada na glenoide, há significativa contração excêntrica da porção posterior do manguito rotador (infraespinal, supraespinal e redondo menor).

Alterações da cadeia cinética de movimento são também cruciais na gênese de desbalanços que levem a alterações patológicas. Então uma pausa aqui para falarmos um pouco sobre o que é cadeia cinética.

• ENTENDENDO A CADEIA CINÉTICA

A cadeia cinética de movimento pode ser descrita como a ativação sequencial de todas as áreas do corpo através de um segmento conector, progredindo desde o membro inferior, pelo tronco e acelerando-se pela extremidade superi-or.

Atletas que realizam movimentos acima da linha da cabeça devem preservar de forma eficiente a transmissão de forças dos membros inferiores e tronco para força final através de uma cascata de movimentos coordenados. O tronco gera um momento linear e rotacional, produzindo significativa energia nesses movi-mentos. No tênis as pernas e troncos são responsáveis por 50 a 55% da gera-ção de força durante um saque forçado.

Uma variedade de estudos tem demonstrado que a perda de flexibilidade, ou desbalanço muscular na cadeia cinética de movimento, são encontrados em pacientes com lesões do manguito rotador, impacto e instabilidade do ombro.

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Dentre esses achados, podemos citar diminuição assimétrica da rotação do quadril, perda de força de abdutores dos quadris e outras musculaturas estabi-lizadoras do tronco. É por isso crucial que tenhamos um treinador experiente, atento as atitudes e técnica corretas dentro de cada esporte, com enfoque em prevenir as lesões possíveis.

• ADAPTAÇÕES E FISIOPATOLOGIA – PARTE 2

Agora que entendemos o que é a cadeia cinemática, podemos prosseguir com as adaptações e gênese das lesões de arremesso.

O ombro dominante de um arremessador possui diversas alterações adaptati-vas. Uma das mais bem documentadas é mostrada no exame físico, com o bra-ço abduzido a 90° e máxima rotação lateral há um aumento significativo (10°) em comparação ao contralateral, condição que é chamada de Déficit de Rota-ção Interna Gleno-umeral. O ganho de rotação lateral é geralmente acompa-nhado de perda de rotação medial equivalente, portanto mantendo arco de mo-vimento total igual mesmo em assintomáticos, porém modificado para rotação externa.

Em jovens arremessadores, são encontradas frequentemente alargamentos fisários do terço próximal do úmero, gerando inclusive aumento visível do com-primento do braço dominante quando mais velhos!

Ainda nos jovens arremessadores são achados: aumento da retroversão do úmero, com estudos mostrando até 17° em atletas maduros, muitas vezes acompanhados de maior retroversão da glenóide. Como no desenvolvimento da criança e adolescente ocorre derrotação da parte proximal do úmero, é uma hipótese que a prática precoce de arremesso a nível de competição iniba a adaptação fisiológica do desenvolvimento normal. AS alterações da rotação explicam como estruturas ósseas contribuem para déficit de rotação interna.

Por outro lado, estruturas capsulares e ligamentares justificam esse déficit de rotação, sendo encontrada contratura capsular posterior e frouxidão anterior.

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Uma teoria bem aceita para explicar esses achados é da carga aplicada as por-ções posteriores especialmente na fase de desaceleração.

Os músculos rotadores externos são sabidamente submetidos a extremas for-ças em contração excêntrica, porém com o passar do tempo, e possivelmente sob sua falência (ou perda de função propioceptiva por estar atuando como restritor estático ao invés de dinâmico), a carga também se dividiria sobre as estruturas não contráteis, como os ligamentos da porção posterior, gerando rigidez e contratura cronicamente.

Além do déficit de rotação interna, essa contratura capsular encontrada nesses atletas promove alteração no eixo de rotação do úmero, que se encontra deslo-cado posterior e superiormente quando em posição de abdução e rotação late-ral. Essa translação – que é de cerca de 3 mm em estudos com arremessadores profissionais - é o grande fator de risco para ocorrência de um raro tipo de im-pacto, o interno, que ocorre entre a tuberosidade maior e a borda posterior e superior da glenóide, propiciando lesões dessa porção do manguito rotador.

Com a translação anormal, podem ocorrer ainda o surgimento de micro-instabilidade anterior do ombro, além de predisposição a forças de cisalhamen-to e início de doenças articulares degenerativas do ombro.

Alterações escapulo-torácicas são outras adaptações encontradas em arremes-sadores assintomáticos, e potencialmente levam a lesões. Achados muito co-muns são abdução (rotação superior) e protração da escápula com o ombro junto ao corpo. Em teoria, a escápula assume essa posição nos arremessadores pois durante a fase de maior rotação externa, é provida maior congruência e estabilidade a articulação gleno-umeral. As alterações descritas acima podem ser encontradas na ectoscopia e denominadas de esápula alada (figura 3).

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Figura 3

• QUADRO CLÍNICO

Com a primeira alteração do ombro dos arremessadores - de limitação da rota-ção medial (ou interna) (Figura 4), podemos considerar que o ombro está “em risco”, pois pode ser iniciada toda a cascata de alterações do funcionamento do ombro durante o arremesso. Não necessariamente é um achado patológico, mas sim um aviso e deve ser tratado para evitar o início dessa cascata de alte-rações.

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Figura 4

Após longos períodos com essa restrição de movimento, o ombro passa a fun-cionar de modo alterado, e sua rotação não ocorre mais no centro da articula-ção. Com o desvio do eixo da rotação para posterior e superior, ocorre uma tor-ção excessiva do tendão da cabeça longa do bíceps.

Esse é um dos mecanismos pelos quais alterações do “ombro do arremessador” podem predispor a lesões do complexo bíceps e labrum, gerando lesões do tipo “SLAP” (Lesão do labrum superior anterior e posterior) – uma das mais preva-lentes patologias encontradas nos arremessadores.

A avaliação completa clínica e radiográfica (figura 5) das lesões do tipo SLAP, bem como seu tratamento específico são temas para outro texto.

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Figura 5

A partir desse momento, o indivíduo pode passar a sentir dor durante o movi-mento de arremesso, principalmente na fase de armação, em que o braço está posicionado atrás da cabeça. A dor pode ser inicialmente leve, apenas ao fim da prática desportiva, a mais intensa, e presente durante a atividade física e até em repouso. Em estágios avançados o arremessador notar perda de força e performance, sendo comum queixar-se da clássica sensação de “braço morto”.

Embora clássica, a síndrome de “braço morto” não tem uma etiologia clara, sendo mais provavelmente uma multitude de fatores, incluindo lesões do bí-ceps, do manguito, instabilidades, discinesia escapular, entre outras.

Outra evolução clínica usual é de queixas referentes a síndromes do manguito rotador. Como vimos nas alterações adaptativas, são comuns lesões na região posterior e superior, em especial se associado a síndrome do impacto interno onde a porção superior do infraespinal e posterior do supraespinal são mais acometidas. Outra particularidade das lesões dos tendões do manguito rotador no atleta é que elas tendem a ser iniciadas na face bursal do tendão, diferente das alterações degenerativas, em que a lesão é mais marcante na face articular destes.

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• OUTROS ESPORTES

Jogadores de tênis possuem também 5 fases bem definidas durante o saque. Porém de modo geral as lesões mais comuns são as de uso repetitivo. Eles tipi-camente apresentam rotadores internos mais fortes que os externos, predis-pondo a lesões durante a fase de desaceleração do braço.

Nos atletas profissionais de natação, as demandas sobre o ombro são imensas, com o número de “braçadas” chegando a mais de 500.000 por braço ao ano.

O nado posiciona o ombro repetidamente sob as condições da síndrome do impacto descritas por Neer e Walsh (assunto de outro texto). Consequente-mente, as disfunções e síndromes dolorosas do ombro de nadadores são tradi-cionalmente agrupadas como síndromes do impacto subacromial e tendinopa-tia do manguito rotador.

A lascidão encontrada em nadadores, tanto pela propensão natural desses atletas a frouxidão, como pelo posicionamento extremo do ombro sob tremen-das forças estabilizadoras das partes moles fazendo com que sejam atletas sob risco de instabilidade multidirecional do ombro.

O golfe é outro dos esportes que sob alta frequência – atletas e amadores assí-duos chegam a 2000 tacadas por ano - propicia doenças que se assemelham aos arremessadores, sendo mais comuns as lesões no braço condutor (o braço esquerdo, em um paciente destro).

Além desses e dos já citados handebol, peteca e vôlei, esportes como futebol americano, arremessos olímpicos são esportes com estudos específicos quanto a suas fases, riscos e tipos de lesões advindas.

• TRATAMENTO

Como uma mecânica inadequada em qualquer estágio durante a transferência de energia no esporte de arremesso, pode levar a lesões, é lógico pensar que o melhor tratamento inclui na verdade a prevenção primária de lesões.

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Infelizmente, muitos pacientes procuram atendimento já com alguma queixa estabelecida. Mesmo nesse momento, cabe ao ortopedista compor parte de uma equipe de avaliação para tanto tratar a lesão atual, como reeducar e pre-venir lesões futuras. As anormalidades podem ser tão sutis que avaliações por câmera lenta são uma ferramenta útil para fornecer o feedback ao jogador e equipe técnica.

Frente a qualquer tipo de lesão em estágio inicial, além de observar e buscar orientar corrigir alterações que seriam consideradas fatores de risco, é de bom tom compreender a frequência e o volume da prática desportiva, sendo por ve-zes necessário afastamento temporário de um atleta das atividades competiti-vas ou espaçamento entre treinos.

O déficit de rotação interna é bem tratado em estágios iniciais com fisioterapia, envolvendo inclusive protocolos de alongamento realizadas pelo próprio paci-ente (figura 6).

Figura 6

Um fisioterapeuta capacitado também é responsável por conduzir as discinesi-as escapulares e as lesões tendinosas e ligamentares, ao menos inicialmente.

Intervenções ortopédicas cirúrgicas podem ser necessárias, variando desde cirurgias abertas para instabilidades do ombro a até cirurgias por vídeo, visan-

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do reparo de lesões do labrum, do tendão do bíceps e dos tendões do manguito rotador.

Detalhes sobre o diagnóstico, terapêutica para as lesões encontradas no ombro do arremessador serão deixadas para outro e-book, onde o leitor poderá en-tender na íntegra a condução de todas essas patologias que estão envolvidas com os esportes de arremesso ou atletas que realizam movimentos acima da linha do ombro.