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OPPENHEIMER E A BOMBA ATÓMICA - paul strathern.pdf

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  • C I E N T I S T A Sem 90 minutos

    por Paul Strathern

    Arquimedes e a alavanca em 90 minutos

    Bohr e a teoria quntica em 90 minutos

    Crick, Watson e o DNA em 90 minutos

    Curie e a radioatividade em 90 minutos

    Darwin e a evoluo em 90 minutos

    Einstein e a relatividade em 90 minutos

    Galileu e o sistema solar em 90 minutos

    Hawking e os buracos negros em 90 minutos

    Newton e a gravidade em 90 minutos

    Oppenheimer e a bomba atmica em 90 minutos

    Pitgoras e seu teorema em 90 minutos

    Turing e o computador em 90 minutos

  • OPPENHEIMERE A BOMBA ATMICA

    em 90 minutos

    Paul Strathern

    Traduo:Maria Helena Geordane

    Consultoria:Carla Fonseca-Barbatti

    Mestranda em fsica, CBPF/CNPq

  • SUMRIO

    Sobre o autor

    Introduo

    Vida e bomba

    Fatos e rumores sobre a bomba

    A histria da bomba

    Leitura sugerida

  • SOBRE O AUTOR

    PAUL STRATHERN foi professor universitrio de filosofia e matemtica na Kingston University e autor das sries Cientistas em 90 minutos e Filsofos em 90 minutos, esta traduzida em mais deoito pases. Escreveu cinco romances (entre eles A Season in Abyssinia, ganhador do PrmioSomerset Maugham), alm de biografias e livros de histria e de viagens. Foi tambm jornalista free-lance, colaborando para o Observer, o Daily Telegraph e o Irish Times. Tem uma filha e mora emLondres.

  • INTRODUO

    Oppenheimer mais lembrado atualmente como o pai da bomba. Foi ele quem dirigiu o maiorgrupo de intelectuais j reunido em qualquer poca para produzir a primeira bomba atmica noslaboratrios secretos de Los Alamos, nas remotas montanhas do estado do Novo Mxico. Muitostambm se recordam dele como o cientista morto prematuramente, perseguido at o tmulo por umacaa s bruxas comunista. O que com muita freqncia se ignora, alm disso, que Oppenheimer deuimportante contribuio fase inicial da mecnica quntica e publicou um dos primeiros modelostericos de um buraco negro.

    De tempos em tempos, Oppenheimer foi tambm um professor carismtico, que inspirou umagerao de fsicos americanos; mais tarde, foi diretor do Instituto de Fsica Avanada, em Princeton,durante quase 20 anos, na poca em que gigantes como Einstein, von Neumann e Gdel alitrabalhavam.

    Carreira extraordinria, homem idem. Pessoalmente, Oppenheimer era um indivduo algo singulare de grande cultura. Quando viu a primeira nuvem luminosa em forma de cogumelo lanando suafalsa aurora sobre o deserto, apanhou-se murmurando algumas palavras do Bhagavad-Gita referncia que provavelmente escapou aos demais cientistas, generais e pessoal de inteligncia alireunidos. Oppenheimer era um homem sofisticado mas tambm introvertido. Capaz de inspirargrande lealdade, era por outro lado, na opinio de muitos, elitista e arrogante, o que no fez grandediferena enquanto tudo permaneceu restrito ao laboratrio. (A cincia no desenvolve apersonalidade per se e tende a tornar seus praticantes mais tolerantes em relao a taispeculiaridades do que os atores da selvagem cena social.) Quando, porm, tornou-se um figuro emWashington, rapidamente cultivou inimigos polticos. Foi sua arrogncia que o levou runa, assimcomo suas opinies de esquerda, independentemente do quanto possam ter sido destrambelhadas ouambguas. Oppie, como era conhecido entre os amigos, permaneceu um homem dividido at o fim.Tinha orgulho em ser o pai da bomba, mas jamais se iludiu em relao a seu terrvel potencial.

  • VIDA E BOMBA

    J. Robert Oppenheimer nasceu em 22 de abril de 1904, na cidade de Nova York. Seu pai, Julius, eraum judeu-alemo imigrante que fizera fortuna no ramo de importao de txteis. A residncia dafamlia era um apartamento luxuoso na elegante Riverside Drive. Os Oppenheimer eramassimilados, tendo trocado a cultura e a religio ortodoxas pelo benefcio de se tornaremplutocratas americanos. A me de Robert, Ella, era pintora de genuno talento e havia estudado emParis. Era extraordinamente bela salvo pela mo direita deformada, sempre vestida numa luva decamura.

    Um amigo da famlia a retratava como uma pessoa muito delicada, bastante vulnervel em suasemoes, que sempre presidia a mesa com grande delicadeza e graa, mas sempre melanclica. Opai era descrito como exageradamente cordial, ansioso por ser agradvel e no fundo um homemmuito bondoso. Mas a casa tinha uma tristeza: havia um tom melanclico.

    O jovem Robert seria herdeiro de uma forte mistura dessas complexidades. Sugestivamente, foi(em suas prprias palavras) um garoto anormalmente repulsivo e bom. Durante os primeiros oitoanos, foi filho nico, at que um irmo chamado Frank nasceu em 1912. Robert estudou na EthicalCultural School em Nova York, que acreditava na adoo de padres acadmicos rgidos e em idiasliberais combinao ento possvel na sociedade sria e bem-intencionada da era anterior Primeira Guerra Mundial. Na escola, Robert revelou-se um aluno de temperamento circunspecto esolitrio. Rapidamente afirmou sua superioridade acadmica e social, fazendo poucos amigos nessapoca. Era alto, e esguio. Um tanto desprovido de coordenao motora, logo decidiu que no gostavade esportes. (No suportava perder.) Mas no era nenhum covarde e possua algumas habilidadesfsicas. Coerentemente, comeou a velejar sozinho na casa de frias da famlia em Long Island,exibindo ento uma ousadia que freqentemente beirava a temeridade, sempre que decidia enfrentaras rajadas de vento. noite, lia irrestritamente, de mineralogia a Plato. Apreciava sobretudo apoesia melanclica e intimista do modernista T.S. Eliot.

    Aos 18 anos, em frias com a famlia na Europa, foi vtima de disenteria. Sua recuperaodemorou um ano, durante o qual aflorou tardiamente sua rebeldia de adolescente. Nas palavras desua me, sob a forma de grosseria e freqentemente de rejeio total das minhas atenes. Oingrato invlido trancava-se em seu quarto e lia.

    Finalmente, o superintelectualizado e pedante jovem foi despachado para um extravagante ranchono Novo Mxico para se recobrar. A ele se revigorou como s acontecera antes quandoenfrentava, em seu iate, as ressacas cortadas pelo vento. Costumava caminhar dias a fio pelas trilhassinuosas, rompendo canyons e subindo montanhas, e acampar noite sob as estrelas.

    Em 1922, Robert Oppenheimer matriculou-se em Harvard para estudar qumica. Umcontemporneo registra: Suponho que se sentia s e percebi que no se adaptava bem ao ambientehumano. Em todos os demais ambientes, entretanto, era extraordinrio. Ainda no estava totalmenteseguro acerca do que queria fazer da vida. Alm de superar o restante da turma em qumica,mostrava-se superior em fsica, filosofia oriental, grego e latim clssicos e arquitetura. De vez emquando pintava, imitando a me, e chegou a escrever poesia de vanguarda, publicada na revista

  • literria na universidade. Tudo isso tomava tempo, mas sendo jovem, no se dignando ter vida sociale estando acima de interesses como uma carreira esportiva, descobriu que tinha razovel energiapara gastar. Chegava aos laboratrios pontualmente s oito da manh, passava o resto do diafreqentando aulas e pesquisando sobre os temas de sua predileo na biblioteca e continuava lendonoite adentro. Trocava as refeies por breves paradas para um rpido black and tan :um sanducheaberto, torrado, coberto com manteiga de amendoim e uma poro caprichada de calda de chocolate.Isso sem dvida mantinha seu estomago suficientemente abastecido.

    Somente no terceiro ano Oppenheimer reconheceu que sua vida estava na fsica. Isto se deveuacima de tudo a um homem: o fsico Percy Bridgman. Excepcional professor, Bridgman produziu osprimeiros diamantes artificiais sob presso, recebeu depois o Prmio Nobel e finalmente se matou. parte seu temperamento, foi a compreenso que Bridgman tinha da filosofia da cincia que interessouOppenheimer. Segundo Bridgman: No sabemos o significado de um conceito a menos quepossamos especificar as operaes utilizadas na aplicao desse conceito a quaisquer situaesconcretas. Esse pensamento estava em total harmonia com a ltima filosofia de Wittgenstein e dospositivistas lgicos (o significado de uma palavra reside em sua verificao) e acompanhava osconstantes e rpidos progressos da teoria quntica, que destruam as pr-concepes da fsicaclssica. Era um homem cujo pensamento parecia combinar ambos os aspectos da vida deOppenheimer o cultural e o cientfico de forma tanto intelectualmente exigente quantoinstigante. Apelava tambm para o iconoclasta reprimido no esbelto Lord Fauntleroy de RiversideDrive. Assim como em muitas vidas excepcionais, cada parte fez sua contribuio ao todo.Oppenheimer jamais esqueceria as questes filosficas suscitadas por Bridgman e suas implicaesna prtica da cincia. Foi fisgado: da em diante, era a fsica que importava, pelo menos no que lhedizia respeito.

    Em 1925, aps completar o curso de quatro anos em apenas trs, Oppenheimer se graduou emHarvard summa cum laude. A Grande Cincia era ento desenvolvida na Europa, e ele partiu para aInglaterra e se inscreveu no Cavendish Laboratory, em Cambridge, na poca dirigido pelo expansivoneozelands Ernest Rutherford. Apenas quinze anos antes, Rutherford havia sacudido o mundocientfico provando a existncia do ncleo atmico, fundando a fsica nuclear, e reunira agora umgrupo de excepcionais tcnicos que estavam revolucionando nosso entendimento da estruturaatmica.

    Oppenheimer talvez fosse brilhante aos 21 anos, mas seu talento pouco impressionou Rutherford.Afinal, foi aceito por J. J. Thomson, de 70 anos, que descobrira a partcula subatmica daeletricidade negativa, conhecida como eltron, e fora designado para trabalhar no laboratriopreparando filmes finos de berlio (que seriam bombardeados com eltrons para que suaspropriedades subatmicas pudessem ser investigadas). Sentiu-se humilhado. No apenas a tarefa erainexpressiva, mas descobriu que sequer podia execut-la adequadamente. Suas deficincias comotcnico revelaram outras incertezas mais profundas em sua imatura personalidade fechada. Otrabalho no laboratrio um tremendo tdio, escreveu, e meu desempenho to ruim que impossvel sentir que esteja aprendendo algo. Essas palavras, flagrantemente atenuadas, encobriamo que na realidade era uma profunda crise emocional. Oppenheimer jamais falhara antes, em nada.Solitrio, saudoso de casa e prostrado, refugiou-se na Bretanha, onde, com o vento do invernobatendo em seu rosto e as ondas do Atlntico arrebentando contra as rochas, caminhava sobre osrochedos a ponto de me matar. Decidiu afinal retornar a Cambridge e consultar um psiquiatra.

  • O diagnstico apontou dementia praecox incurvel termo genrico ento usado pelospsiquiatras para designar os distrbios mentais desconhecidos (agora substitudo pelo vocbuloesquizofrenia). Sugeriu-se que um perodo de frias talvez lhe fizesse bem. Viajou para a Crsega,onde viveu um breve romance, e voltou com ligeira melhora em seu estado de esprito. Era seuprimeiro relacionamento, e jamais voltaria a se referir a ele a no ser para declarar que no fora deforma alguma uma aventura amorosa, mas amor. Esse aspecto estivera claramente ausente de suavida, sob qualquer forma de expresso. Oppenheimer sempre fora fortemente influenciado pela me,que partilhava seu temperamento frio, bem como uma parcela de sua inteligncia arrogante. Para ojovem de 22 anos, to superior externamente, mas sempre imaturo no ntimo, esse primeiro encontrocom a verdadeira emoo era algo a ser saboreado e meditado em segredo.

    Oppenheimer envolvera-se com um psiquiatra, uma amante e alguns dos mais arrojados talentoscientficos. No cabia qualquer dvida quanto categoria que considerava a mais importante, aquelade que se sentia mais prximo e com a qual mais se identificava. Mas Rutherford, Thomson eBridgman tinham todos idade suficiente para ser seu pai. Somente agora se deparava com umexcepcional talento cientfico da mesma idade que a sua.

    Paul Dirac nasceu na Inglaterra em 1902, dois anos antes de Oppenheimer, filho de imigrantesuo e me inglesa. De temperamento solitrio semelhante ao de Oppenheimer, preferia trabalharisolado em seus aposentos na parte de cima de uma remota ala do St. Johns College. Oppenheimerera excepcional, mas Dirac iria se tornar um dos maiores fsicos tericos do sculo XX. Os dois sederam bem desde o incio, embora Dirac considerasse a vasta gama de conhecimentos do amigo umdiletantismo desnecessrio, seno uma total perda de tempo. (No momento em que conheceu Dirac,Oppenheimer estava rapidamente somando o italiano sua coleo de idiomas, de modo a poder lerDante no original.) Quando Dirac soube que ele chegara a escrever poesia, perguntou: Como podese dedicar s duas poesia e fsica? Elas so opostas. Na cincia, pretende-se dizer algo queningum antes sabia, em palavras que qualquer um consegue entender. Na poesia, exatamente ocontrrio. Apesar desses sentimentos, o prprio Dirac no estava acima dos versos canhestros:

    A idade uma febre, ningum duvidaQue todo fsico deve temer. melhor a morte do que a vidaQuando mais de trinta se chega a ter.

    E havia alguma verdade nisso. A noo de gravidade de Newton, a Teoria da Relatividade Especialde Einstein e muitas outras grandes idias no campo da fsica tinham sido concebidas muito antes dotrigsimo aniversrio de seu autor. Dirac tinha 23 anos e Oppenheimer apenas 21 ainda: eram ambosjovens com pressa. Dirac j estava trabalhando nos limites da teoria quntica, que passava por umatransformao excepcionalmente complexa. Os anos de 1925 e 1926 estiveram entre os maisestimulantes da cincia do sculo XX. Progressos enormes, e muitas vezes aparentementeincompatveis, estavam sendo alcanados na teoria quntica com a participao depersonalidades como Bohr, Schrdinger, Heisenberg, Born e quem mais estivesse disposto a entrarno ringue com esses pesos pesados.

    A teoria quntica tivera incio com o fsico alemo Max Planck em 1900. Seu objetivo era

  • explicar as caractersticas da radiao eletromagntica (por exemplo, a luz) que no se adequavam mecnica newtoniana. Segundo Planck, a luz era ambgua: a fim de explicar seu comportamento, eranecessrio consider-la como dois elementos diferentes. Para dar conta de certos efeitos (como asvariaes de cor), era preciso conceber que viajava em ondas. Mas para compreender outrosfenmenos (como o efeito fotoeltrico, onde a luz bombardeia uma superfcie e arranca eltrons),tinha de ser entendida como um fluxo de partculas chamadas ftons, que consistiam em feixes ouquanta de luz.

    Mas por que a luz no podia simplesmente ser considerada pequenas ondas regulamenteinterrompidas de luz?

    Porque a fim de arrancar os eltrons (no efeito fotoeltrico) os quanta (ftons) tinham de possuirmomentum, e isso requer massa (momentum = massa X velocidade).

    Mas a luz no tem peso: como podem, ento, esses quanta (ftons) ter massa?

    Eles tm massa apenas quanto esto em movimento. Quando estticos, sua massa zero.

    Como pode acontecer isso? Isso outra impossibilidade. Primeiro, a luz consiste tanto em ondasquanto em partculas ao mesmo tempo. Portanto, esses quanta no tm peso e tm massasimultaneamente

    A teoria quntica estava repleta dessas ambigidades. Durante anos fizeram-se tentativas de ocult-las enxertando os princpios da teoria quntica nas equaes da mecnica clssica. Mas isso s levoua crescentes inconsistncias e paradoxos, principalmente no campo da fsica subatmica, queprogredia rapidamente e que se dedicava anlise da estrutura atmica. Os tomos tambm pareciamconter ondas-partculas. Esses problemas impossibilitavam a previso de eventos nesse nvel.

    Em 1925, ento, o menino-prodgio dos fsicos alemes, Werner Heisenberg, que era apenas umano mais velho que Dirac, resolveu o problema formulando uma teoria da mecnica quntica quecontornou eficientemente o problema da dualidade onda-partcula, concentrando-se apenas naobservao. Somente as propriedades mensurveis de um tomo seriam consideradas reais. Oconceito de tomo como um minsculo sistema solar, contendo um ncleo central semelhante ao Sol(com carga positiva) e eltrons em rbita (com carga negativa) foi abandonado. Por que falar deuma trajetria de eltrons invisveis em torno de um tomo invisvel? Se no podem ser vistos, noso significativos. Se qualquer coisa que fosse medida era considerada onda ou partcula, noimportava. As medidas dependiam de como eram tomadas, mas os resultados no podiam diferirentre si: eram simplesmente resultados.

    A intuio era brilhante, mas como expressar essas medidas de modo significativo sem vincul-las a uma imagem (ou seja, um modelo como o tomo do sistema solar)? O trabalho deHeisenberg foi visto por Max Born, professor de fsica em Gttingen, que, juntamente com o InstitutoBohr de Copenhague, era o principal centro de pesquisa quntica. Born sugeriu que as diferentes

  • medidas podiam ser dispostas em linhas e colunas de nmeros sob a forma de matriz. Ento,mediante a aplicao da teoria de matrizes, seria possvel prever novos valores para as variveisfsicas (como as aplicadas s partculas) e probabilidades matemticas para os diferentes estados daenergia (como as aplicados s ondas). Essas linhas e colunas retangulares de algarismosdemonstraram ser mais teis que a imagem de um tomo. Elas forneceram a primeira formacoerente de mecnica quntica, permitindo fazer previses de modo semelhante ao da mecnicaclssica.

    Tudo isso era matematicamente complexo e terico demais para o famoso fsico e notriomulherengo austraco Edwin Schrdinger. Assim como Casanova, ele queria visualizar a verdadenua, sem impedimentos fsicos. Schrdinger continuava convencido de que era possvel retratar todosos aspectos do universo fsico, mesmo no nvel subatmico. No final de 1925, ele havia formuladouma verso alternativa da mecnica quntica mediante a visualizao de uma partcula com uma ondaassociada a ela. As propriedades dessa partcula podiam, assim, ser derivadas tanto de sua naturezade partcula quanto de seu carter de onda. Era fundamentalmente uma partcula que se comportavacomo onda. Schrdinger formulou ento uma equao ondulatria que podia ser aplicada a qualquersistema fsico (ou seja, uma partcula apresentando natureza de onda e de partcula), desde quefossem conhecidos os valores matemticos de sua energia. Essa forma de mecnica quntica tornou-se conhecida como mecnica ondulatria, para distingui-la da mecnica matricial de Heisenberg.

    Heisenberg e Schrdinger logo passaram a se olhar como aqueles que sustentam teorias opostasem outros campos da religio administrao do futebol. Heisenberg chamou a teoria deSchrdinger de repugnante, enquanto Schrdinger reputava a teoria de Heisenberg repulsiva edeprimente.

    Essa situao foi parcialmente resolvida pelo novo amigo de Oppenheimer em Cambridge, Dirac.Em meados de 1926, Dirac apresentou uma terceira teoria, conhecida como lgebra quntica, quedemonstrava que as mecnicas matricial e ondulatria eram de fato matematicamente equivalentes(para grande desgosto dos dois autores).

    Oppenheimer no estava no mesmo nvel de seu amigo Dirac e dos gigantes da cincia do mundode lngua alem. Para comear, suas metas educacionais amplas o haviam deixado mal preparado emmatemtica. Seu crebro voltado para a fsica, porm, era capaz de apreender os conceitos maiscomplexos e estava na realidade ansioso por faz-lo, aps lutar com o aflitivo problema do filmede berlio. Comeou ento um curso intensivo sobre os ltimos progressos da teoria quntica, aomesmo tempo que os discutia com Dirac. Em maio de 1926, comeou a escrever uma srie de artigosmostrando como a mecnica quntica solucionava uma srie de tpicos complexos relacionados estrutura atmica. Esses artigos despertaram a ateno de Max Born, que ficou de tal formaimpressionado que convidou Oppenheimer para trabalhar com ele em Gttingen. A Oppenheimerconheceria gente como Bohr, Heisenberg e Fermi e com eles trocaria idias. A mecnica qunticaera algo to recente, e se desenvolvia to depressa, que nem mesmo os que conseguiam apreendersuas complexidades e acompanhar seus ltimos progressos eram capazes de contribuir com algonovo. De repente, Oppenheimer viu-se entre os grandes. Publicou artigos em parceria com Born eDirac e, entre 1926 e 1929, publicaria nada menos que 16 artigos (inclusive seis em alemo) sobrefsica quntica, apresentando vrias contribuies importantes. (A Aproximao de Born-Oppenheimer subsiste como uma das noes fundamentais da mecnica quntica.) A maior

  • conquista de Oppenheimer reside na aplicao da mecnica quntica ao conceito de spin do eltron.(Um eltron gira em torno de seu eixo enquanto se locomove ao redor do ncleo atmico, damesma forma que a Terra gira para produzir a noite e o dia enquanto orbita em torno do Sol.) O spineletrnico iria proporcionar a chave para se entender como um tomo se mantm unido.

    Em 1927, Oppenheimer recebeu seu PhD com louvor (de fato um elogio, vindo de Gttingen).Partiu em seguida em viagem turstica aos principais centros de pesquisa europeus, inclusive Leidene Utrecht, na Holanda (aprendendo holands ao mesmo tempo), onde se encontrou com o grandeespecialista suo em teoria quntica, Wolfgang Pauli, na Politcnica de Zurique (a Alma Mater deEinstein).

    J sabia ento exatamente o que queria fazer da vida. Decidiu retornar Amrica e dedicar-se aodesenvolvimento da mecnica quntica. Conseguiu um cargo de professor de fsica na ento poucoconceituada Universidade da Califrnia, em Berkeley. Pensei em ir para Berkeley porque era umdeserto, explicou. L no havia fsica terica e ele poderia desenvolver suas prprias pesquisas, sua maneira. Apenas para ter certeza de que no estava desligado dos ltimos acontecimentos,assumiu um emprego de meio expediente em Pasadena, no Caltech, que estava j em vias de se tornarum dos maiores centros mundiais de pesquisa cientfica. O fato de exercer esses dois cargos natranqila Califrnia, no lado oposto da Amrica em que recebera sua rgida educao elitista, noera coincidncia. Plenamente amadurecido aos 24 anos, Oppenheimer comeava a relaxar e a selibertar de seu passado. Sugestivamente, comeou a se assinar J. Robert Oppenheimer. O Jnaturalmente queria dizer Julius, o nome de seu pai mas, da em diante, sempre que indagadosobre seu significado, ele respondia nada.

    Embora continuasse pesquisando, sua carreira entrou efetivamente em uma segunda fase a deprofessor. Para comear, no demonstrava qualquer vigor quando ensinava. Tanto nas aulas quantonos seminrios mais restritos, murmurava, acompanhando as palavras com gestos desajeitados.Costumava se interromper, resmungando consigo mesmo. Mas o que ele tinha a dizer era estimulante,e era natural que ele prprio se deixasse estimular pelo assunto. Os que conseguiam acompanh-lologo se agarravam a cada palavra sua. Oppie, como veio a ser chamado, rapidamente alcanou ostatus de cult. A figura alta e magra como um graveto, de frios olhos azuis, que acendia um cigarroatrs do outro e roa as unhas, firmou-se como professor carismtico. No apenas escrevera artigoscom colegas da estatura de Born e Dirac e discutira a teoria quntica com o prprio Bohr, mastambm falava oito lnguas, lia filosofia e escrevia poesia de vanguarda. O rumor se espalhou e, empoucos anos, Oppie atraa alunos brilhantes dos lugares mais remotos.

    Esses alunos constituam um grupo mesclado. Corria ento a dcada de 1930: a Amrica seachava em plena Depresso, e refugiados comeavam a deixar a Europa, onde a situao poltica sedeteriorava com Hitler governando a Alemanha. Exemplo tpico dos brilhantes alunos de Oppie eramPhilip Morrison, que tinha sobrevivido plio e misria da Califrnia (conforme descrito porSteinbeck em As vinhas da ira); Rossi Lomanitz, o prodgio de 14 anos, proveniente da naturezaagreste de Oklahoma; Hartland Snyder, que trabalhara como motorista de caminho em Utah; e maistarde o judeu-alemo Bernard Peters, que escapara do campo de concentrao de Dachau para setornar estivador em Nova York, antes de partir para a Califrnia. Esses, e muitos outros, inspiraram-se em Oppie para se tornarem fsicos de primeira classe. medida que os alunos reagiamfavoravelmente, ele comeou a descobrir em si mesmo qualidades insuspeitas de liderana. Sua

  • educao elitista pretendia formar lderes da sociedade: Oppie sempre fora acostumado a isso,embora fumasse no corredor, tivesse os cabelos bastantes compridos e usasse camisa azul paratrabalhar. Seu pensamento era igualmente independente: ele liderava a partir do front.

    Mas nem todos estavam to impressionados. Outros, espritos mais perspicazes socialmente,detectaram falhas profundas em sua estrela cientfica. Para eles, seu olhar intenso e seu estilodesajeitado e impassvel indicavam um homem muito pouco vontade consigo mesmo. Alguns oconsideravam to-somente um notvel diletante. Nenhum homem que se esmerasse tanto em prepararseus martinis exatamente assim e eventualmente se dedicasse a aprender snscrito (como era ocaso de Oppie ento) podia ser um cientista realmente srio. Possivelmente teria tido intuiesinspiradas, mas isso no duraria muito. Ora, ele jamais escrevera um artigo longo ou formularaqualquer clculo de flego. Seria Oppie apenas uma estrela fugaz? Muitos se ofendiam com suaarrogncia intelectual: ele simplesmente ignorava os que no alcanavam os padres desejados. Paraestes, aparecia como um temperamento frio, calculista, totalmente egosta, sempre interpretando umpapel.

    Iniciou-se, assim, o desenvolvimento tardio da personalidade de Oppenheimer, com dois ladosdistintos emergindo. Mas qual dos dois era o verdadeiro o gnio sincero e brilhante ou o atorarrogante e calculista? Ningum saberia dizer: aparentemente nem ele prprio.

    A chave parecia ser a necessidade de disfarar sua insegurana emocional e, no entanto, era estaque agora estava sendo testada. Em 1936, Oppenheimer se apaixonou por Jean Tatlock, estudante deps-graduao na rea de psicologia. Jean tinha atraentes cabelos negros, olhos verdes e umapersonalidade igualmente sedutora. Filha de um conhecido professor conservador, voluntariosa einteligente, tornara-se membro do Partido Comunista.

    At ento Oppenheimer representara os princpios liberais de sua educao, embora estesparecessem de certo modo anacrnicos luz de sua arrogncia social. O fato que ele mantinhamuito pouco contato com o mundo real. Seu apartamento no dispunha de telefone ou rdio, e nuncalia jornais ou revistas. Um colega se recorda de que ele sequer soube da quebra de Wall Street, a noser seis meses depois.

    Com a entrada em cena de Jean Tatlock, tudo isso mudou. Oppenheimer logo mergulhou napoltica de esquerda, num envolvimento que duraria toda a sua vida. Essa transformao, porm, nopode ser atribuda inteiramente a seu novo amor, embora eles de fato tivessem se conhecido numareunio de militantes de esquerda, convocada com o objetivo de chamar ateno para o cenriopoltico europeu cada vez mais deteriorado (e que culminou na Guerra Civil Espanhola). Os fascistasperseguiam os comunistas, enquanto a velha guarda capitalista se fazia de desentendida. As alianascom a esquerda, e mesmo com os comunistas, eram comuns na Costa Oeste durante esse perodo.Parecia no haver outra forma de combater a injustia social na Amrica da sopa oferecida aospobres, dos lockouts e do desemprego em massa dos imigrantes.

    Oppenheimer passara por uma mudana. Suas atividades extracurriculares (o aprendizado dosnscrito, a leitura do Bhagavad-Gita) tornavam-se cada vez mais espaadas e pareciam noconduzir a lugar nenhum. Como de resto acontecia com toda a sua vida intelectual. Estavatardiamente comeando a compreender que jamais seria um fsico da mesma estatura de Dirac ouBorn. guisa de compensao, ocupava-se cada vez mais com seu crescente grupo de pesquisadoresuniversitrios. Oppie pode no ter sido um gnio, mas logo se tornou claro que tinha excepcional

  • talento para organizar pesquisas de alto nvel. Parecia ter aptido para extrair o melhor das mentesmais brilhantes, alm de saber fazer com que prima-donas intelectuais se constitussem em equipe. Ointeresse por um mundo poltico mais amplo era uma extenso natural disso.

    Oppenheimer evolua rapidamente. Em todos os sentidos. Seu curso intensivo em realidadepoltica era paralelamente acompanhado de outro curso intensivo em realidade emocional. Oromance com Jean Tatlock era uma experincia que o punha prova. Ela era capaz de desaparecerpor vrios dias, durante os quais Oppie padecia da agonia do cime. Quando voltava, lanava maislenha na fogueira, descrevendo os outros homens com quem tinha estado. Embora esses episdiostenham sempre dois lados, apaixonar-se por um tipo estranho como Oppie pode t-la levado a taisexcessos. Ficaram noivos duas vezes e duas vezes romperam. Bebiam muito e o tabagismoinveterado de Oppie assumiu uma intensidade manaca. Jean passava por depresses profundas efazia tratamento psiquitrico regular.

    Apesar de instvel e exigente, Jean era a nica mulher com fora emocional suficiente parapenetrar o esprito extraordinariamente reservado de Oppenheimer. significativo o fato de quepouco antes de a relao entre eles tornar-se sria, a me de Oppenheimer tivesse morrido deleucemia. Sou o homem mais solitrio do mundo, confessou ele na poca (embora essa parecesseuma condio permanente sua).

    Em 1937, seu pai morreu deixando-lhe considervel fortuna. Os remanescentes da famlia tinhamento abandonado as origens aristocratas da Costa Leste. O irmo mais moo, Frank, viera estudar noCaltech e no retornou. Frank adorava o irmo mais velho como a um heri e tambm era um fsicosuper-talentoso, embora no no mesmo nvel de Oppie.

    Oppenheimer usou parte da fortuna herdada para financiar organizaes antifascistas, sem se darconta de que muitas delas haviam ento se transformado em frentes comunistas. Embora tivesseopinies de esquerda, continuava um socialista e no um comunista. No incio de seu relacionamentocom Jean ele hesitou, mas o tratamento dado por Stalin aos cientistas russos logo fez com que sedecidisse, de forma irreversvel. Vale a pena salientar que, durante esse perodo, Oppenheimer tinhamuitos amigos comunistas entre os quais vrios eram seus assistentes de pesquisa, alm de seuirmo Frank , mas ele prprio jamais se filiou ao partido.

    No vero, costumava viajar para o Novo Mxico, onde subia as montanhas a cavalo, aumentandoseu conhecimento das trilhas que inicialmente seguira quando de sua primeira viagem ao Oeste, aos18 anos. Ele e seu irmo chegaram a comprar uma cabana escondida entre os pinheiros, no alto dasmontanhas, 130 quilmetros a nordeste de Santa F. Sugestivamente, Oppenheimer logo comeou areferir-se ao lugar como seu rancho e denominou-o Perro Caliente (Cachorro Quente),copiando a expresso que usara pela primeira vez ao se deparar com a vista extraordinria dosprados que o circundavam.

    Viajou tambm para lugares mais distantes, cruzando todo os Estados Unidos. Seu trabalhooriginal em mecnica quntica e sua amizade com pessoas como Dirac e Heisenberg abriram-lhemuitas portas. Seus amplos interesses culturais atraam especialmente os emigrantes que chegavamda Europa fascista. A polidez fria dos primeiros anos cedia lugar agora a um encanto mais cultivado.Na Universidade de Michigan, discutiu radiao com Enrico Fermi, que recentemente escapara daItlia de Mussolini. Em visita Universidade de Columbia, em Nova York, encontrou-se com oimigrante hngaro Leo Szilard, que em 1934 tentara sem sucesso patentear a reao da cadeia nuclear

  • que produziria mais tarde a bomba atmica. Encontrou-se tambm com Einstein e com o visitanteBohr no Instituto de Estudos Avanados de Princeton. No momento em que a nata dos cientistasjudeus da Europa fugia de centros como Gttingen e Berlim, o recm-fundado IAS firmava-serapidamente como o centro de fsica terica. Oppenheimer sabia o suficiente para conversar com osespecialistas, mas ao mesmo tempo seu trabalho original no estava exatamente ofuscado.

    Refletindo a transformao em sua vida pessoal, seus interesses haviam se deslocado da fsicasubatmica para a cosmologia. Em lugar da nfima introspeco atmica, ele se voltava agora para ouniverso. Em 1939, em parceria com Hartland Snyder, publicou um ensaio intitulado Sobre ocolapso gravitacional contnuo, relacionado Teoria da Relatividade Geral de Einstein e quemostrava que a luz se curvava quando passava perto de grandes objetos no espao. Isso queria dizerque o espao igualmente se curvava. (Simplificando: nada pode se locomover mais rapidamente quea velocidade da luz logo, se a luz se curva, no h distncia menor entre dois pontos do que aolongo dessa curva.) Como parte de sua Teoria da Relatividade Geral, Einstein formulou algumasequaes de campo que detalhavam a relao entre o espao curvo e a distribuio de massa atravsdo universo. Essas equaes eram diabolicamente complexas, englobando nada menos que 20equaes simultneas com 10 incgnitas.

    A soluo para essas equaes apresentadas por Oppenheimer e Snyder mostrava que, quandouma estrela consumida colapsava sob sua prpria fora gravitacional, vrios fenmenos estranhosaconteciam. O espao era curvado de forma to fechada que a luz emitida da superfcie da estrela eraenviada de volta ao interior da estrela. Dessa forma, qualquer coisa que acontecesse no interior daestrela seria completamente isolada do resto do espao exterior, formando um horizonte de eventosde mo-nica. Ou seja, partculas e radiao poderiam se aproximar da estrela, mas do interior dessehorizonte, no entanto, nada poderia sair. Nada poderia escapar terrvel fora de sua gravidade.Em lugar das dimenses normais de espao, haveria um vazio onde tudo simplesmente desapareceria.Porm, segundo a Teoria da Relatividade de Einstein, o tempo era uma dimenso do espao. Issosignificava que, junto com o espao, o tempo tambm desapareceria do outro lado do horizonte deeventos. Uma singularidade espao-temporal ocorreria dentro desse horizonte, onde a gravidadeinfinita comprimiria tudo densidade finita. Tudo espao, tempo, partculas, radiao desapareceria como se afundasse em um buraco negro invisvel.

    Essa soluo para as equaes de campo de Einstein contrariava abertamente todas as opiniesdos especialistas em cosmologia, inclusive a do prprio Einstein (que publicamente a descartoucomo ridcula). Na realidade, o fenmeno no foi de fato batizado como buraco negro seno nadcada de 1960, quando o conceito estava a preste a ser aceito. Oppenheimer e Snyder estavammuito frente de seu tempo.

    E assim permaneceriam mas no por culpa prpria. A edio da Physical Review na qualaparecia o artigo de Oppie foi publicada em 1> de setembro de 1939, o dia em que Hitler invadiu aPolnia precipitando a Segunda Guerra Mundial. Por uma coincidncia ainda mais sinistra, essaedio tambm continha um artigo de Bohr sobre o mecanismo da fisso nuclear, o processo queproduziria a primeira bomba atmica e finalmente poria termo guerra. Embora Oppenheimer nopudesse ter imaginado na poca, o tema do artigo de Bohr iria em breve absorver sua vida.

    A fisso nuclear fundamentalmente a quebra de um ncleo atmico em duas partesaproximadamente iguais, um processo que libera grande quantidade de energia. A base terica desse

  • fenmeno tinha sido prevista na primeira dcada do sculo XX por Einstein, como resultado de suaTeoria da Relatividade Especial. Essa reao encontra-se em sua clebre frmula:

    e = mc2

    onde e energia, m massa e c a velocidade da luz. Como a velocidade da luz deaproximadamente trezentos mil quilmetros por segundo, pode-se ver que uma quantidade mnima demassa m libera uma fantstica quantidade de energia e.

    Durante trs dcadas aproximadamente, essa hiptese persistiu como uma possibilidadepuramente terica. A situao s mudou em funo de experimentos conduzidos com o urnio,elemento descoberto um sculo antes por Martin Klaproth, o farmaclogo alemo que fundou aqumica analtica. A anlise feita por Klaproth da uraninita levou-o a concluir que ela continha umelemento novo, que ele denominou urnio em homenagem ao recm-descoberto planeta Urano. (Poruma nefasta coincidncia, essa descoberta aconteceu no mesmo ano em que a Revoluo Francesaprovocou a fisso social europia: 1789.) O urnio foi devidamente isolado e descobriu-se que tinhao ncleo mais pesado de que se tinha notcia. Descobriu-se tambm que possua certo nmero deistopos tomos do mesmo elemento que tm todos a mesma quantidade de prtons em seusncleos, mas quantidades diferentes de nutrons. Esses istopos de urnio eram naturalmenteradioativos ou seja, eram instveis, e seus ncleos atmicos eram passveis de desintegraoespontnea, emitindo partculas alfa, eltrons ou raios gama.

    Na dcada de 1930, essa instabilidade despertou o interesse do radioqumico alemo Otto Hahne de sua colega austraca Lise Meitner. Eles tentaram bombardear o ncleo do urnio com nutrons,na esperana de produzir algum elemento novo que fosse ainda mais pesado que o urnio. Em 1938,quando esses experimentos foram concludos, Meitner tinha sido forada a fugir de Berlim, por serjudia. Mas seu parceiro profissional de longa data, Hahn, que a tinha ajudado a fugir, manteve-ainformada dos resultados. Esses no haviam sido bem-sucedidos, na medida em que nenhumelemento mais pesado fora descoberto. Ao contrrio, os resultados apontavam para uma aparenteimpossibilidade. O urnio bombardeado com nutrons parecia ter produzido brio, um elemento depeso aproximado equivalente a cerca da metade do peso do urnio.

    Foi Meitner quem compreendeu o que havia acontecido. O ncleo do urnio se dividira em dois,processo que ela chamou de fisso nuclear. Meitner percebeu que, alm da produo de brio, umagrande quantidade de energia, que antes mantinha o ncleo coeso, fora tambm liberada. Ela chegou acalcular que cada ncleo individual de urnio tinha liberado uma energia de 200 milhes deeltronvolts.

    Bohr esboara o mecanismo terico da fisso nuclear. Hahn e Meitner demonstraram como elepodia ser obtido. Quando Bohr soube da notcia, percebeu imediatamente suas extraordinriasimplicaes. Esse processo podia ser usado para provocar uma exploso como nunca se vira, ousequer sonhara, antes. E esse processo era conhecido na Alemanha nazista.

    Bohr soube desses fatos pouco antes da ecloso da Segunda Guerra Mundial em 1939. Naocasio, ele deixara a Dinamarca, seu pas natal, para uma srie de conferncias nos Estados Unidos.Horrorizado com os acontecimentos, o antinazista Bohr entrou imediatamente em contato comEinstein em Princeton e o advertiu a respeito das possibilidades desastrosas que provinham de sua

  • clebre frmula. Einstein discutiu o assunto com Szilard e ambos secretamente escreveram uma cartaao presidente Roosevelt, prevenindo-o da situao.

    Aps rpidas consultas a especialistas das reas militar e cientfica, Roosevelt aprovou umprojeto visando a construo de uma bomba atmica americana antes que os nazistas fizessem a sua.Num procedimento irnico, mas no atpico, Einstein jamais foi informado do andamento do super-secreto Projeto Manhattan, como veio a ser conhecido. Os servios de inteligncia consideraramum risco muito grande permitir ao homem que os informara a respeito do perigo tomar conhecimentodo que ocorria. Esse era apenas o primeiro movimento de uma tragicomdia ininterrupta que iriaarruinar muitas vidas inocentes, enquanto aos verdadeiros espies era permitido conduzir suasatividades sem serem molestados. difcil conseguir extrapolar o nvel desse absurdo. Um fatoapenas ser suficiente. Nessa ocasio (e por quase cinqenta anos: de 1924 a 1972), o FBI eradirigido por um drag queen paranico que estava sendo chantageado pela mfia e que viria maistarde, ele prprio, a chantagear presidentes para manter seu emprego. Esse homem era obviamente J.Edgar Hoover.

    Enquanto isso, no aparentemente maravilhoso mundo da fsica nuclear, Szilard contatou seucolega Fermi e juntos comearam a verificar a viabilidade da fisso nuclear em larga escala. Szilardj havia desenvolvido um trabalho importante nesse campo, mostrando que, quando o ncleo dournio era atingido por um nutron, e dividido, ele liberava em mdia dois ou trs nutrons(juntamente com a grande quantidade de energia). Szilard compreendera a importncia disso. Se osncleos do urnio pudessem ser contidos, de modo que os nutrons liberados no escapassem, masprosseguissem para dividir outros ncleos, que liberariam ento mais nutrons, que iriam por sua vezdividir mais ncleos uma reao em cadeia auto-perpetuada poderia ser iniciada, liberandoquantidades gigantescas de energia.

    Mas tudo isso no era de forma alguma to simples quanto parecia. Bohr j havia sugerido que,quando a fisso nuclear ocorresse no urnio, ela de fato atingiria apenas o urnio-235 istopo (onmero se refere a seu peso atmico). Esse istopo formava meramente uma parte em140 do urnionatural. O principal componente, o urnio-238, na maioria dos casos absorveria apenas os nutronsbombardeadores.

    Em 1941, Fermi construiu um reator nuclear em uma quadra de squash na Universidade deChicago. Os primeiros experimentos de Fermi rapidamente confirmaram a previso de Bohr de queem circunstncias normais no haveria reao em cadeia com o urnio natural. Uma forma deassegurar que os nutrons livres conseguissem reagir com o urnio-235 teria de ser encontrada.

    Fermi encontrou-se face a uma formidvel srie de problemas afins. Qual a massa de urnionecessria para provocar uma reao em cadeia? Qual o melhor modo de usar os nutrons liberadose assegurar-se de que no escapariam? Como podia a reao ser controlada? Quando o ncleo dournio-235 se dividiu, os dois ou trs nutrons livres liberados por ele eram nutrons rpidos dealta energia, facilmente absorvidos pelo urnio-238. Esses nutrons rpidos tinham de serdesacelerados de alguma forma para que pudessem continuar a liberar os ncleos mais raros dournio-235.

    Fermi finalmente resolveu esse problema inserindo grandes quantidades de bastes de grafite nournio natural. Quando os nutrons rpidos livres colidiam com os tomos moderadores leves, degrafite, eles desaceleravam, o que lhes permitia estabelecer contato com o urnio-235. Isso

  • possibilitava a continuao da reao em cadeia, de forma controlada. No entanto, se os bastes decarbono no fossem inseridos na pilha de urnio de maneira precisa, poderia acarretar uma explosonuclear incontrolvel, o que provavelmente seria letal para os quarteires em redor e devastariagrande parte da cidade. Felizmente para os inocentes cidados de Chicago, Fermi estava bastanteconvicto do que fazia. Dedos cruzados e, no dia 2 de dezembro de 1942, o primeiro reator nuclear domundo produziu a primeira reao nuclear controlada e auto-sustentada.

    Tivesse Chicago sido devastada, os servios de inteligncia provavelmente teriam algumasexplicaes a dar. Fermi ainda era cidado italiano e, na ocasio, os Estados Unidos estavam emguerra com a Itlia. (O excludo Einstein era naturalmente cidado americano h vrios anos.)

    Para se chegar a uma eficiente fisso nuclear eficiente, em larga escala, era necessrio concentraro U-235 fssil acima da pequena proporo de 1 para 140 em que ele naturalmente ocorria.Infelizmente, isso no podia ser feito por nenhum processo qumico, uma vez que as propriedadesqumicas dos istopos eram virtualmente indistinguveis. Isso significava que eles teriam de serseparados fisicamente ou seja, separados segundo a massa atmica dos diferentes istopos.Empreitada difcil. No nvel atmico, a diferena em massa entre os dois istopos era mnima. Noentanto, vrios projetos foram implementados para investigar o problema.

    No Laboratrio de Pesquisa da Westinghouse, em Pittsburgh, comeou-se a tentar separar o U-238 mais pesado do U-235 por fora centrfuga. Engenhoso, mas ineficaz na prtica. NaUniversidade de Columbia, em Nova York, tentou-se um processo de difuso gasosa, o quesignificava forar o urnio sob a forma de gs atravs de uma barreira porosa muito fina. O mais levedos istopos U-235 fazia a passagem mais rapidamente e as primeiras quantidades reunidas do outrolado continham, assim, maior concentrao de U-235. Esse processo podia ser repetido,enriquecendo constantemente o urnio, at que se obtivesse U-235 quase puro.

    Parece simples mas, como sempre, os problemas eram enormes. Longe de ser um gs, o urnio na realidade um metal muito duro e pesado. Por isso, prepar-lo para o processo de difuso gasosasignificava convert-lo em fluoreto de urnio, que um gs. O problema era que o fluoreto de urnioprovou ser to violentamente corrosivo que nada podia det-lo. Nenhum continer fora aindaproduzido que pudesse armazenar esse gs. E o mesmo se aplicava inevitavelmente a qualquerbarreira de difuso a ser usada no processo, para no falar nos canos, torneiras ou bombasnecessrios para conter, transmitir e controlar o gs.

    Problemas extraordinrios, solues idem. Para superar esses problemas, nasceu uma novaindstria. Primeiro os qumicos tiveram de criar um tipo inteiramente original de usina qumica,planejada com materiais totalmente novos, para ento o processo de produo comear seriamente.Dois locais amplos e secretos foram selecionados para as usinas de difuso gasosa um emHanford, ocupando um vale deserto ao longo do rio Columbia, no estado de Washington, e outrocobrindo cerca de 210.000km2 na distante Oak Ridge, no Tennessee (onde o irmo de Oppenheimer,Frank, estava empregado). A escala desses projetos era estupenda. Algumas cifras podero dar umaidia. Cerca de 45.000 operrios da construo civil foram empregados em Hanford, e a usinaerguida em Oak Ridge era a maior edificao do mundo (como um amplo e slido arranha-curepousando em suas costas). Alm de Frank Oppenheimer, 25.000 tcnicos trabalhavam ali. AAmrica estava determinada. No comeo do Projeto Manhattan, o governo designou uma quantiapreliminar de 6.000 dlares para o projeto. O custo final chegaria a mais de dois bilhes. (Quantia

  • imensa, se considerarmos que muitos operrios recebiam menos de trs dlares por dia.) Essaconcentrao de fora de trabalho e capacidade tcnica jamais fora vista antes em toda a histria.(Fora semelhante tinha sido empregada nas pirmides e, no sculo XX, na escavao do Canal doMar Branco na Rssia sovitica, mas em ambos os casos quase todos os empregados eram escravossem qualificao e como tal eram tratados.) No final da guerra, o Projeto Manhattan era maior do quetoda a indstria automobilstica dos Estados Unidos.

    Mas esse era apenas o trabalho de preparao o suprimento do material necessrio e, paraque surtisse algum efeito, algum tinha de transform-lo em uma bomba. Surgiam problemascientficos em escala jamais encontrada antes. Para essa tarefa, seria necessrio reunir as maioresinteligncias cientficas do pas (exceto Einstein, naturalmente). E essas inteligncias teriam de sercontroladas para que trabalhassem juntas, em equipe.

    Quem tinha suficiente calibre e status cientfico para dirigir esse projeto? Quem conhecia asmaiores inteligncias cientficas da Amrica saberia como inspirar e dirigir equipes de jovenscientistas de primeira linha? Quem estava a par de todos os ltimos progressos na fsica nuclear? Umhomem tinha todas essas qualificaes: J. Robert Oppenheimer.

    O comando geral do Projeto Manhattan tinha passado ento para as mos dos militares especificamente para as mos pesadas e enormes do general Leslie R. Groves. Engenheiro militareficiente, o coronel Groves tinha recentemente construdo o Pentgono. Seguiram-se promoes eexpanso fsica produzindo um general de 110 quilos. Ningum queria passar a guerra cuidandode um bando de malditos cientistas, razo pela qual deram a Groves o posto de diretor do ProjetoManhattan. Outras promoes e expanses ocorreram. Nas palavras de um de seus colegas: Ele omaior filho da me que j conheci em toda a minha vida, mas tambm um dos indivduos maiscapazes. Sim, o general Groves era grande e o general Groves era um filho da me. Eu e todos osoutros detestvamos seu atrevimento, acrescentou o colega militar. Groves podia ser um homemmuito grande, mas agora tinha uma empreitada muito grande nas mos principalmente para algumcujo know-how a nvel de ps-graduao tinha de modo geral sido restrito a grandes construes.

    Groves e Oppenheimer eram gua e vinho, mas, para surpresa geral, o esbelto e brilhante fsico eo corpulento e impetuoso general se deram bem desde o incio. Entenderam-se a partir do primeiromomento. O que era uma grande sorte Groves no teve de aceitar Oppenheimer. A deciso foiinteiramente sua e foi absorvida.

    Oppenheimer imediatamente sugeriu que o desenvolvimento da bomba em si deveria seconcentrar em um nico local, que reuniria toda a pesquisa qumica e metalrgica, toda a fsicanuclear (tanto a terica quanto a prtica) e as experincias preliminares de detonao. Seria o localabsolutamente secreto onde eles de fato criariam a bomba.

    Mas onde estabelecer esse local? Oppenheimer conhecia o lugar perfeito e levou Groves smontanhas do Novo Mxico, 56 quilmetros a nordeste de Santa F. A ele lhe mostrou uma velhaescola indgena sobre um plat a quilmetros de distncia da habitao mais prxima, com umavista que atravessava o ar claro da montanha at os distantes picos nevados das sierras. Grovesficou satisfatoriamente impressionado: era impossvel maior isolamento. Oppenheimer, ento,realizou o sonho de sua vida unir suas duas obsesses: cincia e montanhas. O nome da escolaindgena era Los Alamos (os choupos).

    Los Alamos ficava a cerca de 2.000 metros de altitude, no final de uma trilha de burros. O

  • contato mais prximo com a civilizao era uma deserta estao ferroviria que ligava Santa F aonada. Ao se descer do trem, sentia-se como no cenrio de Matar ou morrer. No havia nada nemningum em qualquer direo, at onde os olhos podiam alcanar. Essa foi a viso encorajadora querecepcionou os 3.000 operrios da construo recrutados para construir a estrada montanha acima,ligando Los Alamos ao mundo exterior. O lugar em si transformou-se numa concentrao deindstrias, com grupos de edifcios baixos e fileiras de barracas erguidas ao longo das avenidasabertas, bem ao estilo militar. Groves supervisionava a construo com o pulso firme que o exrcitoaprendera a apreciar. (Ele colocara o Pentgono em operao bem abaixo do oramento. Mas quandoos ocupantes desse novo edifcio se depararam com as contas das usinas de difuso gasosa deGroves em Hanford e Oak Ridge, comearam a se perguntar se haveria algum saldo para utilizar naguerra. Groves recebeu uma severa reprimenda e instrues rgidas para diminuir todas asdespesas, exceto as relacionadas bomba propriamente dita.)

    A cidade crescia no deserto e tinha capacidade para acomodar 3.000 pessoas alguns dos maisbrilhantes jovens cientistas da Amrica eram amontoados em alojamentos metlicos projetados aoestilo dos barraces destinados a punies. Nesse centro de tecnologia moderna prescindia-se deluxos como caladas e iluminao pblica. Ar condicionado e calefao no foram de incioconsiderados necessrios at que as abrasadoras tempestades de poeira do vero deram lugar aosatoleiros gelados do inverno. Ainda assim, o suprimento de gua permanecia to escasso que eranecessrio bombe-la. (Durante o inverno os dutos congelavam com freqncia, mas Groves tinhaeconomizado pipas de gua.)

    Oppenheimer passou a dedicar-se ento a persuadir os melhores cientistas da Amrica atrabalhar e viver nesse lugar. A tarefa no teria sido fcil na melhor das pocas, mas ele se viuconfrontado com algumas dificuldades inusitadas. No tinha autorizao para informar a seusrecrutas aonde estavam indo. No podia dizer-lhes quando tempo ficariam l (ningum sabia). Eestava absolutamente proibido de lhes falar sobre o que fariam. Oppenheimer, no entanto,naturalmente possua poderes sutis de persuaso. Segundo um dos recrutas: Era romntico Tudoera revestido da discrio mais profunda. Todos teramos de nos alistar no exrcito e em seguidaretirar-nos para um laboratrio no alto de uma montanha no Novo Mxico. (O tom dava a entenderque Oppie no conseguia deixar de falar das belezas de seu amado Novo Mxico.) A relao denomes dos recrutados para trabalhar em Los Alamos pode ser vista como um quem quem dosfsicos de ponta da poca de Oppenheimer e da grande gerao ps-guerra que se seguiria. Fermie von Neumann talvez sejam os mais conhecidos da gerao mais antiga. Entre os jovens recrutasencontrava-se Richard Feynman, de 24 anos, o brincalho que iria se tornar uma das mentes maisaguadas da fsica; e, como parte do contingente recrutado da Inglaterra, veio Richard Wilkins, quemais tarde recebeu o Prmio Nobel por seu trabalho sobre a descoberta do DNA. Atuais e futuroslaureados com o Prmio Nobel pululavam no local. Foi o general Groves quem os denominou, daforma habitual, o maior grupo de intelectuais j reunido em qualquer poca. E ele estava certo.Nem mesmo no Cavendish Laboratory, em Cambridge, em Gttingen ou Berlim, ou ainda no Institutode Estudos Avanados de Princeton, houvera algum dia essa concentrao de gnios. Nem jamaishouve desde ento (o que uma sorte, quando se imagina do que eram capazes). No entanto, nemtodo mundo se deixava impressionar com a oferta de Oppenheimer. Szilard, que sabia o suficientesobre o que estava ocorrendo, a ponto de lhe darem detalhes sobre o local remoto, protestou: Todosque forem para l ficaro malucos.

  • Oppenheimer era logicamente a escolha perfeita para dirigir o projeto em Los Alamos. Ser queera? As dvidas logo comearam a aparecer. Ele no tinha nenhuma experincia administrativaprtica. Havia chefiado apenas alguns pequenos grupos de fsicos em Berkeley. Podia possuiragudeza de esprito e ser capaz de intuies que deixavam mentes brilhantes perplexas, mas havia oproblema recorrente da profundidade e da constncia de seu trabalho. Oppenheimer era umintelectual de flego curto: jamais se encarregara antes de um projeto grandioso e de longo prazo. (Equal poderia ser maior que esse?) E havia o aspecto de suas habilidades experimentais. A inaptidodemonstrada nos laboratrios em Cambridge crescera a propores lendrias. (Seu apelido BusterOppie referia-se aos episdios ao estilo Keaton assim como s contas do laboratrio.) E algumasvezes at seu trabalho terico se encaixava nessa categoria. Seus assistentes habituaram-se aprocurar os fatores de Oppenheimer: sinais e smbolos matemticos ausentes em seus clculos.

    Esses fatos logo se tornaram de conhecimento geral num terreno frtil para o surgimento deboatos como era Los Alamos. Nenhum outro homem ali, porm, tinha a mesma percepo dasquestes bsicas da fsica de partculas e da fisso nuclear. Ele sabia o que dizer a cada um coma possvel exceo do general Groves.

    No entanto, ironicamente foi o general Groves quem o apoiou quando os especialistas deWashington questionaram sua capacidade profissional. (Oppenheimer um gnio de boa f e quesabe o que diz.) Mas o pior estava por vir. Se ele tinha ou no capacidade para o trabalho erairrelevante aos olhos dos servios de inteligncia. Groves comeou a receber da Califrniaalarmantes relatrios confidenciais. Oppenheimer era espio comunista. Sua namorada era membrodo Partido Comunista, assim como seu irmo Frank. (Embora, estranhamente, isso no houvesseimpedido Frank de conseguir um alto posto na usina secreta de processamento de urnio em OakRidge.) Groves, de posse dos relatrios, confrontou Oppenheimer com os relatrios confidenciais eexigiu uma explicao. O general cabea-dura ficou profundamente impressionado com a franqueza eas convices de seu gnio favorito. Foi solicitado aos chefes de segurana da Costa Oeste quedesistissem (ou algo nesse sentido).

    Oppenheimer tinha ento 38 anos e sua vida passara por outra transformao. Pelo menos assimparecia. Durante um dos perodos de afastamento, em sua movimentada relao de idas e vindas comJean Tatlock, ele havia conhecido Kitty Harrison, uma princesa alem de 33 anos, naturalizadaamericana. Foi amor primeira vista. No chegou a causar surpresa que ao marido de Kitty notivesse agradado o rumo dos acontecimentos. Mas Kitty era especialista em divrcios (j passara pordois), e em alguns meses casava-se com o quarto marido tornando-se a primeira sra.Oppenheimer. No ano seguinte, 1941, tiveram um filho.

    Oppenheimer dedicou-se vida em famlia e conseguiu alguma estabilidade. Preferia ento ficarem casa em vez de freqentar reunies polticas, como fazia Kitty, que partilhava suas simpatias pelaesquerda. Em meados de 1943, a famlia se mudou para Los Alamos. Mas de tantos em tantos mesesele tinha de voltar a Berkeley para supervisionar a transferncia de equipamento e o recrutamento demais pessoal. Nessas viagens, era sempre diligentemente seguido pelo FBI. De vez em quandoencontrava-se com Jean Tatlock, que se tornava cada vez mais instvel e carente de apoio. Em maisde uma oportunidade, isso determinou que ele passasse a noite no apartamento dela. Nuncasaberemos o que acontecia nessas ocasies e talvez no seja de nossa conta. Embora semprepossamos tentar imaginar, como fez o FBI sua maneira peculiarmente violenta. Los Alamos foi

  • devidamente informado de que Oppenheimer deveria ser totalmente afastado do projeto e demitidode seu cargo junto ao governo dos Estados Unidos. O imaculado FBI no tolerava comunistas nemadlteros: o solteiro J. Edgar Hoover insistia nesse ponto.

    Mas isso era mais que uma simples farsa. Em 1944, Jean Tatlock suicidou-se. O FBI, claro,soube do fato imediatamente; porm, em meio ao calor das investigaes, a notcia de sua morte nofoi comunicada a Oppenheimer durante mais de um ms. Quando finalmente foi informado, saiu dolaboratrio silenciosamente e desapareceu durante vrias horas nas florestas de pinheiros quecercavam o lugar. A vida familiar no isolamento de Los Alamos no era vivida sem dificuldades.Kitty retomara o vcio da bebida, que j a levara a encerrar trs casamentos. noite, quando notrabalhava, Oppenheimer continuava a preparar seus martinis, gelados como sempre. Era essa a vidapessoal do homem que presidia o que iria se tornar a maior realizao intelectual coletiva dahumanidade. (Embora o que o objeto dessa realizao diga sobre a psicologia da humanidade sejabastante discutvel. No foi certamente acidental que, aps descobrir como destruir seu prprioplaneta, a grande proeza intelectual da humanidade viesse a se concentrar em como escapar a essadestruio.)

    Os gnios reunidos em Los Alamos defrontavam-se agora com uma tarefa de terrvelcomplexidade tcnica. Como converter a fisso nuclear em cadeia, que Fermi produzira em Chicago,em uma arma vivel? Ou, em termos militares simples, como os usados pelo general Groves: comotransform-la em uma bomba que se podia de fato atirar em algum?

    O primeiro problema a ser resolvido era a quantidade de urnio necessria. Abaixo de um certopeso (conhecido como massa crtica), o U-235 no provoca a fisso nuclear em cadeia. Nessasituao os nutrons liberados pelos ncleos quebrados normalmente se dispersam antes de atingiroutro ncleo. medida que a massa do U-235 aumentada, aumenta tambm a probabilidade deocorrer a reao em cadeia. Acima de uma certa massa crtica, um nutron liberado pela fissoinicial via de regra atingir outro ncleo, quebrando-o. Os nutrons liberados, por sua vez, iroquebrar outros ncleos, numa reao em cadeia que se multiplica rapidamente. Tudo isso ocorre emgrande velocidade, numa reao incontrolvel, liberando grande quantidade de energia e provocandouma exploso atmica.

    Estava claro que qualquer bomba atmica teria de conter duas massas subcrticas de urnio quepoderiam ento ser unidas. Pronto! Inevitavelmente nada era to simples assim. Para comear, omaterial fssil tinha de ser reunido para formar a massa crtica numa velocidade enorme ou areao em cadeia incontrolvel simplesmente no ocorreria. Para superar esse problema,desenvolveu-se um detonador de revlver. Essa bomba tipo revlver ficou conhecida como LittleBoy.

    O explosivo detonado, incendiando a bala de urnio. Quando esta alcana o alvo de urnio, amassa crtica ultrapassada e a exploso nuclear acontece.

    Infelizmente, logo se constatou que esse mtodo tinha um porm. Embora as duas massassubcrticas de urnio se juntassem quase instantaneamente, havia ainda um perigo que decorriados nutrons dispersos emanados do urnio antes de a massa crtica ser alcanada. Eles eramcapazes de causar uma exploso prematura muito menor, que ocorreria antes que o material pudesseexplodir totalmente. O efeito da bomba seria ento incomensuravelmente diminudo.

  • Esse problema fora previsto durante o meticuloso trabalho terico realizado pelos fsicos em LosAlamos. A soluo dependia deles e eles a encontraram. Se a bala de U-235 fosse disparada rpidoo bastante, o problema aparentemente no ocorreria. Mas em que velocidade a bala teria de serdisparada? Segundo os clculos mais precisos, seria necessria uma velocidade de 1.000 metros porsegundo. Infelizmente, o exrcito americano no dispunha de arma capaz de disparar a essavelocidade. Oppenheimer e sua equipe empreenderam a difcil tarefa de projetar uma armaadequada, que tambm pudesse se amoldar Little Boy.

    No incio do vero de 1943, um elegante e brilhante membro do grupo de artilharia trouxe aOppenheimer uma idia alternativa. Seth Neddermeyer sugeriu que, em lugar de usar uma bala parareunir a massa crtica, poder-se-ia alcanar o mesmo resultado mais facilmente usando a massa, quej se encontrava l, e concentrando-a at que alcanasse a densidade exigida para que a explosoocorresse. Isso podia ser feito mediante uma imploso. Um cano de metal cheio de urnio envolvidoem explosivo seria introduzido num cano maior. Quando o explosivo fosse detonado, implodiria ocano, concentrando instantaneamente o urnio na densidade crtica, e pronto!

    Infelizmente, a dificuldade nesse ponto era que o cano tinha de ser rompido de maneira uniforme.Caso contrrio, pedaos do urnio implodiriam antes do tempo, evitando assim a exploso nucleartotal. Von Neumann calculou que, se a imploso tivesse xito, a variao na simetria da onda dechoque no excederia 5%.

    Oppenheimer ficou impressionado com a soluo engenhosa de Neddermeyer, concluindo que eletinha originalidade e uma mente apurada. A equipe de gnios que trabalhava no mtodo da balase impressionou menos. Independentemente da fora com que o cano fosse interceptado, o efeitoexplosivo com certeza faria apenas com que o urnio fosse empurrado para longe das extremidades.Se era para fazer assim, por que ento no introduzir o urnio em uma esfera carregada de

  • explosivo?Neddermeyer descartou essa hiptese de imediato. Em sua opinio, as dificuldades tcnicas para

    se conseguir uma detonao uniforme em uma esfera no eram de modo algum insuperveis. Almdisso, seria impossvel conduzir experimentos para descobrir se a imploso tinha sidouniformemente distribuda isso s era possvel com um cano, que podia ser examinado aps tersido submetido a uma exploso experimental. Oppenheimer percebeu do que se tratava. Neddermeyere sua equipe foram despachados para o deserto com uma grande carga de explosivos.

    Durante todo o vero de 1943 uma srie de exploses dirias retumbava e ecoava atravs doscanyons em torno de Los Alamos, enquanto Neddermeyer e seu grupo tentavam dinamitar o caminhorumo a uma resposta adequada. No entanto, independentemente de como eles regulavam asexploses, o cano implodido sempre terminava retorcido, indicando que a fora explosiva no tinhasido uniforme. O engenhoso Neddermeyer, ento, percebeu que a soluo para esse problema era amesma que a exigida pelo mtodo da bala. Velocidade! E, para alcanar uma velocidade maior deimploso, ele no precisava produzir nenhuma arma especial superpotente: necessitava simplesmentede maior poder de exploso.

    Estrondos maiores comearam a repercutir em torno das colinas, mas infelizmente esse mtodode experimentao logo provou ser autodestrutivo. Acima de um certo nvel de poder de exploso, otubo era simplesmente destrudo explodia! Isso significava que no havia como controlar se aimploso tinha de fato ocorrido de modo uniforme, ou no. E Oppenheimer era inflexvel naexigncia de que nenhum aspecto fosse negligenciado no que dizia respeito engenhoca comotinham passado a apelidar a bomba em Los Alamos. Engenhoca, Little Boy e, mais tarde, FatMan para a bomba de imploso. Em retrospectiva, esses nomes parecem particularmentesugestivos: como tudo parecia inocente! Os que trabalhavam em Los Alamos dizem que a presso eratanta que no havia tempo para pensar a respeito do que estavam realmente fazendo. Mesmo aquelesque mais tarde teriam dvidas sobre o efeito da bomba, e sobre suas conseqncias na histriamundial, s conseguiram articular essas preocupaes nos estgios mais avanados do projeto e,mesmo assim, apenas entre eles mesmos. Ainda no haviam comeado a perceber a enormidade doque faziam.

    Enquanto isso, o programa de produo dos ingredientes da bomba prosseguia celeremente. FatMan exigia uma dieta substancial. Os problemas de produo, e suas solues, continuavam emescala gigantesca. O processo de difuso gasosa, mediante o qual o urnio natural era enriquecido emconcentraes mais altas de U-235, requeria que imensas quantidades de gs de fluoreto de urniocorrosivo fossem sugadas atravs de um obstculo poroso. No entanto, toneladas de urnio (quetinham ento de ser transformadas em gs) foram usadas meramente para produzir menos de umacolher de ch de U-235 (e mesmo este era apenas 15% puro). A usina em Oak Ridge, alojada em seuinclinado e montono Empire State, demandava o maior sistema de vcuo j concebido. Para mant-lo, era necessrio mais fora do que a exigida pela cidade de Pittsburgh, e suas necessidades decobre rapidamente exauriram todas as reservas dos Estados Unidos. Para compensar essa carncia,6.000 toneladas de lingotes de prata das reservas americanas foram enviadas de Fort Knox ereduzidas a fios. (Esse material seria devolvido aps a guerra, descontada a evaporao naturalque ocorre sempre que a prata manipulada por operadores hbeis.) Os ms em que esses fios deprata eram usados pesavam at 10.000 toneladas e eram to potentes que os trabalhadores da usina

  • sentiam-nos puxar os pregos de suas botas. Tudo isso para produzir um gro de caf de materialfssil. Mesmo nessa escala, simplesmente no era suficiente.

    Nem teria sido, no fosse uma importante descoberta de Fermi. Durante seus experimentos com oprimeiro reator nuclear do mundo em Chicago, Fermi tinha produzido pequenas quantidades dorecm-descoberto elemento plutnio, na forma de seu istopo radioativo P-239. Era um grandeprogresso, pois o P-239 tinha uma massa crtica que era apenas um tero da do U-235. Mais tilainda era o fato de o P-239 ser produzido em reatores nucleares, quando os nutrons bombardeavamas grandes quantidades dos resduos do U-238 no fssil, aps a extrao do U-235.

    Surgia outro material fssil que podia ser usado em uma bomba atmica. As slidas usinas deOak Ridge e Hanford comearam ento a produzir plutnio tambm. Essa operao era muito maisque apenas uma fora bruta produzindo quantidades minsculas de material utilizvel. Alm deexigir enorme habilidade (em grande escala), demandava tambm maior cuidado (em escala aindamaior). O plutnio fssil um implacvel assassino radiolgico, devido sua alta taxa de emisso departculas alfa que so absorvidas diretamente pela medula ssea, causando leucemia. Qualquerquantidade acima de 0,13 miligramas mortal para um ser humano (uma partcula de p podiadizimar um pavilho inteiro de empregados, o que realmente aconteceu).

    Apesar da entrada macia, e da adio do plutnio, a produo de material fssil continuoulamentavelmente pequena durante todo o ano de 1943. Os pesados dnamos de Oak Ridge, de difcilmanejo, paravam de funcionar por vrias semanas e, como se no fosse o bastante, um impulso aindamaior fora dado ao Projeto Manhattan, devido s notcias que Niels Bohr trouxe aos Estados Unidos.

    Em 1943, Bohr finalmente conseguiu fugir da Dinamarca ocupada pela Alemanha; da neutraSucia, foi secretamente levado de avio pelo Mar do Norte at a Inglaterra. Chegou a Los Alamosjunto com um grupo de cientistas nucleares britnicos que tinham sido enviados para colaborar com oprojeto. Tambm trouxe com ele informaes alarmantes. Pouco antes de fugir, recebera a visita deHeisenberg, um dos poucos cientistas eminentes que haviam permanecido em seu pas natal, aAlemanha. Bohr perguntou-lhe se os alemes estavam tentando fabricar uma bomba atmica.Heisenberg foi ambguo, o que levou Bohr a concluir que estavam num estgio avanado. To logochegou a Los Alamos, transmitiu essa informao a Oppenheimer.

    Oppenheimer sabia que no havia tempo a perder, mas tambm estava ciente de cada detalhe doque ocorria em Los Alamos: os problemas tcnicos eram ainda insuperveis. Alm disso,dificilmente se poderia dizer que ele tinha a cooperao da inteligncia de Los Alamos. Tambmeles tinham chegado concluso de que Oppenheimer sabia de tudo que acontecia e haviamigualmente concludo que se tratava de um espio comunista. Onde quer que fosse, Oppenheimer eraacompanhado por um grupo de zeladores, ostensivamente encarregados de sua segurana. Enquantoisso, entre os recm-chegados britnicos, encontrava-se o cientista nuclear Klaus Fuchs, querapidamente fez contato com um amigo da mesma ideologia, indo regularmente a Santa F paratransmitir os ltimos detalhes do projeto da bomba atmica americana que de pronto voavam at aRssia.

    Dirigir a equipe de dedicados e excelentes cientistas de Los Alamos era quase como gerir umgrupo de pessoas altamente especializadas em qualquer outra rea, da pera ao rgbi. Cada um sabiaa maneira certa de obter sucesso a seu modo. Da mesma forma, havia apenas uma resposta paratodos os problemas, e cada um sabia qual era. Raramente os cientistas so reticentes, sobretudo

  • quando so os melhores e esto trabalhando em seu prprio campo (qualificao que com freqnciase aplicava a todos os presentes s reunies em Los Alamos). Oppenheimer merecia respeito por serbastante versado em todas as reas relevantes e por saber o suficiente para permanecer caladodurante as rduas discusses. Mais tarde, em segredo, alisava o topete rebelde, explicando o quehavia decidido. Poucos foram demitidos, e os que eram afastados continuavam a colaborar suanova perspectiva acrescentando freqentemente uma dimenso crucial. Oppie demonstrou ser umpoltico extremamente capaz em todos os sentidos (exceto no que dizia respeito a seus interesses, queeram ignorados por todos, menos por seu inseparvel squito).

    No entanto, certos problemas permaneciam difceis de controlar. A crena de Oppenheimer emNeddermeyer e seu mtodo de imploso foi testada at o limite. No incio de 1944, trechos da regioem torno de Los Alamos comeavam a apresentar a aparncia de terem sido devastados por umaexploso atmica. Tudo sem qualquer finalidade, no entanto. A exploso fracassada seguinte apanhoua todos de surpresa, principalmente Neddermeyer. Pela primeira vez Oppie perdeu a calma.Neddermeyer foi repreendido aos gritos, exilado em um dos mais obscuros laboratrios de LosAlamos e proibido de detonar qualquer coisa que se aproximasse de um fsforo. Imploses estavamfora de cogitao!

    Mal se acalmara, Oppenheimer chegou concluso de que tinha de engolir suas palavras.Descobriu-se que o plutnio emitia grande quantidade de nutrons dispersos, que poderiamprovocar fisso prematura caso o mtodo da bala fosse utilizado. Dessa forma, tinha-se deencontrar um modo de fazer o mtodo da imploso funcionar. Em seu estilo severo, Oppenheimerreconheceu os fatos e mandou que o grupo da imploso retornasse ao trabalho. Menos Neddermeyer(havia limites).

    Com o afastamento de seu persistente lder, a equipe de imploso estava ento liberada pararealizar experimentos a partir do enfoque esfrico. Mas, como seria o explosivo reunido de modo aassegurar uma detonao uniforme? Excelentes fsicos jovens como Feynman, e velhos mestres docalibre do grande von Neumann, transformavam-se em computadores na tentativa de conseguir asrespostas. Qual a matemtica que descrevia os acontecimentos? Qual a frmula que permaneciaescondida naquele emaranhado de nmeros? Quais eram os efeitos de uma imploso esfricapassando atravs de uma massa do tamanho de uma pequena bola de futebol? Como podiam criaruma frmula exeqvel para a propagao de uma onda de detonao esfrica em um fluidocomprimvel? Sob uma presso maior do que essa no centro da Terra, o plutnio alcanava50.000.000C em microssegundos, tornando-se um fluido comprimvel. Os ganhadores do Nobel,passados e futuros, exauriam seus crebros em cima dos nmeros. noite, Feynman, o brilhanteterico da probabilidade, e Neumann, o grande terico dos jogos, relaxavam no pquer eperdiam, assim como os demais gnios, para o tcnico de laboratrio, evadido do servio militar, napenumbra de Las Vegas. Quando a tenso comeava a obscurecer o raciocnio, Feynman e vonNeumann costumavam caminhar pelo que restava dos canyons locais, tentando articular seusproblemas tericos examinando-os de algum ngulo aparentemente insignificante que pudesse semostrar proveitoso. Ambos haviam percebido que, quando uma onda de choque passava atravs domaterial, deixava em sua esteira certas ondas de presso que de algum modo no podiam serprevistas. Feynman computou isso como erro em seus clculos, mas von Neumann continuavaconvencido de que essa hiptese no estava correta. Entre os dois, em conversas informais,elaboravam os primeiros esboos da teoria do caos.

  • Finalmente, conseguiram assegurar que o mtodo de imploso produzisse uma detonaouniforme. O explosivo era distribudo em torno do material fssil em cunhas. Estas eram dispostassimetricamente, de forma a concentrar as ondas de choque de maneira precisa na parte central.

    Todas as cunhas seriam detonadas ao mesmo tempo. Para assegurar a exploso mais completa euniformemente distribuda seria utilizada uma mistura de explosivos rpidos e lentos; issoconcentraria as ondas de choque na superfcie do material fssil, fazendo com que seu impactofosse espalhado de modo uniforme sobre o centro curvado.

    O centro da onda diminui de velocidade medida que passa atravs do explosivo lento,garantindo que, no momento em que o padro de onda atinja a parte central, esteja completamenteadaptado sua superfcie esfrica. Fat Man estava pronta para ser testada.

    A tenso comeava ento a cobrar seus tributos por toda a parte. Alm dos mau-humores dasprimadonas, ocorriam ento intensos colapsos nervosos. Mesmo o impassvel Oppie estava chegandoao limite. Durante os primeiros meses de 1945, enquanto a engenhoca estava sendo montada,sofreu intensa perda de peso. Embora tivesse mais de 1,80m, logo passou a pesar apenas um poucomais de 50 quilos! Essas eram apenas as manifestaes fsicas: os efeitos mentais ficam por conta daimaginao. Oppie insistia em reserv-los para si mesmo. Continuava a fumar um cigarro aps ooutro independentemente do quanto a excluda Kitty guinchasse e quebrasse copos.

    A previso era de que a primeira bomba atmica do mundo fosse detonada a 200 quilmetros deAlbuquerque, em Alamogordo, no deserto do Novo Mxico o famoso Trinity Site. Seria uma

  • bomba de plutnio e seria detonada no topo de uma torre de ao de 300 metros de altura. A novequilmetros desse Ponto Zero, a exploso seria monitorada por Oppenheimer e seu grupo deespecialistas no interior de um bunker. Os VIPs e o pessoal menos votado veriam o show da Base, a30 quilmetros dali.

    Os clculos dos efeitos da exploso variavam, mas Szilard estimara que seria algo em torno de5.000 toneladas de TNT, o que foi aceito de maneira geral. Todos estavam preocupados com o efeitodas partculas radioativas, mas ningum de fato sabia ao certo como prever esse efeito ou suaintensidade. E esses no eram os nicos fatores imprevisveis. Todos estavam conscientes de queestavam se lanando no desconhecido.

    Nas primeiras horas do dia 6 de julho de 1945, Oppenheimer e seu grupo reuniram-se no bunker.A figura alta e longilnea de Oppie fumava incessantemente, engolindo caf preto, medida que aequipe realizava os ltimos preparativos. No silncio gelado das trevas que antecedem a aurora, acontagem regressiva finalmente chegou a zero s 5h30m da manh.

    A escurido da ltima hora da noite foi subitamente interrompida por um claro intenso eofuscante, seguido de uma estranha e silenciosa rajada de calor. Em minutos, o assustador bramidoda onda de choque se abateu sobre o bunker, ecoando e reecoando sobre o vale deserto, enquanto aterra estremecia e retumbava com sua potncia. Os rostos no abrigo olhavam com espanto a imensabola de fogo derretido que surgia no horizonte, mais brilhante que o Sol, lanando sua luz alaranjadasobre a superfcie do deserto medida que se lanava para o cu. Formou-se uma imensa nuvem emformato de cogumelo, subindo gradualmente 12 quilmetros em direo atmosfera. A aterrorizadaface esqueltica de Oppenheimer estava consciente das palavras do Bhagavad-Gita que lhe vinham mente:

    Transformei-me na Morte,A destruidora de mundos.

    Na Base, Fermi tinha realizado um pequeno experimento particular. Quando as ondas de choquepassaram sobre o local, j tendo atravessado 30 quilmetros de deserto, Fermi dissimuladamentedeixou cair o pedao de papel que tinha nas mos. Pela distncia a que foi deslocado, calculou que aexploso equivalera a 20.000 toneladas de TNT, o que significava quatro vezes a estimativa deSzilard mas quando foram verificados os instrumentos descobriu-se que o pequeno experimentode Fermi estava correto. A torre de ao de 300 metros de altura no Ponto Zero tinha simplesmente seevaporado e o calor intenso calcinara a areia do deserto num raio de 700 metros, transformando-anuma camada de vidro. O mundo acabava de entrar na Era Nuclear.

    Qual seria, porm, o efeito imediato dessa nova arma, que pela primeira vez deu humanidade opoder de se autodestruir? A notcia da rendio da Alemanha havia chegado a Trinity Site antes doteste de detonao justamente quando os ltimos experimentos preliminares com os explosivosestavam sendo realizados. Finalmente a corrida contra os alemes estava terminada! Havia, ento,necessidade de continuar com o teste?

    Oppenheimer, no entanto, foi informado de que nada mudaria. O presidente mudara (Rooseveltmorreu e foi sucedido por Truman), o alvo mudara (tornara-se o Japo, ao invs da Alemanha) mas nada havia mudado.

  • Fora assim, sempre. Desde o incio, o Projeto Manhattan mostrara-se incontrolvel. No muitodepois de sua chegada aos Estados Unidos, Bohr comeara a ficar apreensivo em relao s armasatmicas. Em 1944, escrevera a Roosevelt, induzindo-o a partilhar o segredo da fisso nuclear comos aliados (inclusive os russos), de modo a que se pudesse chegar a um acordo internacional sobre ocontrole dessas armas. Quando se tratava desse assunto, no entanto, os nimos ficavam exaltados.Quando Churchill tomou conhecimento da proposta de Bohr, declarou que ele deveria ser trancafiadonuma cela imediatamente. No comeo de 1945, Szilard enviou a Roosevelt uma petio, assinada porinmeros cientistas eminentes, exigindo o controle internacional das armas atmicas. Afirmou em tomproftico: O maior perigo imediato a probabilidade de que nossa demonstrao de bombasatmicas precipite uma corrida na produo desses artefatos entre os Estados Unidos e a Rssia.

    Oppenheimer no assinou a petio de Szilard. Ele tinha suas apreenses, mas quase sempreguardava-as consigo ou falava delas em por meio de aforismos. Os fsicos conheceram opecado, observou aps o teste de Trinity. Mais tarde, racionalizou sua posio: Descrevi minhasangstias e meus argumentos contra soltar (a bomba), mas no os endossei. A Truman, elefinalmente confessou: Senhor presidente, sinto que tenho sangue nas mos. Truman simplesmentepuxou o leno e disse: Gostaria de limp-las? (Embora fosse vice-presidente, Trumanpermanecera angelicamente desinformado sobre o Projeto Manhattan at assumir a presidncia,semanas antes do teste de Trinity.)

    Quando Truman chegou a Potsdam para a conferncia aliada que se seguiu vitria na Alemanha,informou a Stalin que os americanos tinham uma nova superarma. Orgulhosamente anunciou que elahavia sido testada com sucesso no deserto do Novo Mxico. Truman ficou perplexo diante da falta desurpresa de Stalin. No precisava ter ficado Stalin soubera do Projeto Manhattan anos antes dele!A nica reao de Stalin notcia da bomba foi que ele esperava que os americanos fizessem bomuso dela contra os japoneses.

    E foi precisamente o que aconteceu. Dentro da mais rigorosa segurana, que exclua todos osespies russos (que no estavam ainda operando de dentro), os militares americanos partiram para arealizao do desejo de Stalin exatamente como ele ento sabia que o fariam. (Havia j algunsmeses que a Klaus Fuchs juntara-se em Los Alamos o irmo dos Rosenberg, que se tornariam os maisfamosos espies russos.)

    s 9h14m do dia 6 de agosto de 1945, um solitrio bombardeiro norte-americano lanou a LittleBoy, uma bomba atmica de urnio, sobre Hiroshima. Em instantes, seis quilmetros quadrados dacidade foram arrasados, 66.000 pessoas foram mortas e 69.000, feridas. (Os efeitos retardados maisque dobrariam esse nmero de mortos e feridos, ao longo dos anos.) Trs dias mais tarde, FatMan, uma bomba atmica de plutnio, foi jogada sobre Nagasaki, e os japoneses se renderam no diaseguinte.

    Apesar dessa carnificina atmica, a rendio dos japoneses certamente salvou muitos milhares devidas, tanto japonesas quanto americanas. Os japoneses tinham recebido ordens para lutar at oltimo homem e, em Iwo Jima, haviam mostrado que estavam prontos para faz-lo. Contudo, um fatorelevante geralmente negligenciado: precisamente cinco meses antes de Hiroshima, um ataqueareo dos B-29 norte-americanos sobre Tquio havia matado 83.000 (ou seja, 17.000 mais queinicialmente em Hiroshima) e deixado um milho e meio de desabrigados. Deveriam os americanoster persistido nesse tipo de bombardeio convencional, em lugar de recorrer s armas nucleares? Se

  • os japoneses no haviam se rendido aps um reide que destrura tamanha extenso de sua capital,quando o fariam? Os historiadores continuam a discutir os prs e os contras do incio da guerranuclear o flagelo que constatou, alm disso, que os pioneiros da evoluo neste planeta, peloprximo milho de anos, so algumas espcies de baratas que se alimentam de excrementos e que soresistentes radioatividade.

    Em outubro de 1945, Oppenheimer se demitiu de Los Alamos, a fim de retornar vidaacadmica. Em seu discurso de despedida, diante dos gnios e da inteligncia reunidos, declaroucorajosamente: Se as bombas atmicas forem acrescentadas ao arsenal de um mundo em guerra, ahumanidade amaldioar o nome de Los Alamos.

    Estava de volta ao Caltech. Sabia, porm, que jamais se livraria do que havia feito ainda quequisesse. (Nesse ponto, permaneceria ambivalente: sempre se orgulhava de ser o pai da bomba,apesar de suas crescentes apreenses em relao bomba em si.) Em 1947, aceitou o cargo depresidente do Comit Geral Consultivo da Comisso de Energia Atmica.

    No mesmo ano, assumiu a chefia do Instituto de Estudos Avanados, indiscutivelmente ento omelhor centro de pesquisa terica do mundo, onde dirigia cientistas da estatura de Einstein, Gdel evon Neumann os deuses do universo matemtico. Ele conhecia esse tipo de companhia e gostavadela; mas de forma alguma se deixava impressionar pelo funcionamento do Instituto. Era uma casade loucos; seus luminares solipsistas brilhando na mais completa e irreparvel solido. Gdel, apsdestruir a matemtica, parecia ento fazer o mesmo consigo prprio (e de fato deixou-se finalmentemorrer de fome). E at o sofisticado von Neumann tornara-se to alienado que numa ocasio, quandose dirigia rumo a Nova York, teve de telefonar para casa e perguntar sua mulher por que estavaindo para l. Oppenheimer concordava com Einstein: tantos homens velhos estavam transformandoo Instituto numa instituio.

    Oppenheimer comeou a trazer mais jovens, que ficavam por perodos mais curtos. Achavatambm que havia matemticos residentes em demasia e tentou corrigir a balana a favor dos fsicos.Pela prpria natureza dos fatos, mesmo os fsicos tericos tendiam a ter mais contato com o mundo sua volta, e nesse ponto ele se ofereceu como exemplo. Morar no Instituto, em Princeton, significavapoder cultivar seus contatos em Washington, onde era considerado eminncia parda e era cada vezmais consultado sobre assuntos cientficos, tanto pelas autoridades locais quanto pelos estadistasestrangeiros em visita. Oppenheimer gostava desse status recm-descoberto, embora no arrefecesseem sua inclinao natural para a arrogncia.

    O mundo entrava ento no perodo mais duro da Guerra Fria, com tropas americanas lutandocontra comunistas na Coria e os russos anunciando que j tinham tambm sua bomba atmica.Apesar disso, o comit de Oppenheimer aconselhou Comisso de Energia Atmica que os EstadosUnidos no desenvolvessem uma bomba de hidrognio (que seria, pelos prognsticos conservadores,centenas de vezes mais potente que uma bomba atmica). Essa deciso no foi bem recebida, sendorapidamente descartada pelo presidente da Comisso, contra-almirante Lewis L. Strauss. Eramtempos difceis. Os Rosenberg acabavam de ser detidos pela venda de segredos atmicos Rssia eo senador McCarthy iniciara sua notria caa s bruxas anticomunista, que iria arruinar incontveiscarreiras inocentes.

    Iniciava-se a era McCarthy. No entanto, apesar de todas as dificuldades de Oppenheimer com osservios de segurana e o FBI, ele se sentia bastante seguro. Afinal, desempenhara papel importante

  • ajudando os Estados Unidos a ganhar a guerra. E tinha amigos em cargos elevados. medida quesubia, porm, seu nariz empinava mais e ele se tornava mais arrogante. Jamais tivera boa vontadecom os tolos e no via razo para mudar agora. Especialmente se esse tolo fosse o zeloso presidenteda Comisso de Energia Atmica e se opusesse ao enfoque mais sofisticado, menos agressivo,defendido pelo presidente de seu Comit Consultivo.

    No havia como esconder o fato: o ex-contra-almirante Lewis L. Strauss no suportava o Oppieintelectual. Strauss tinha comeado a vida vendendo sapatos, de porta em porta, na regio mineirade West Virginia. No freqentara qualquer universidade, mas quando foi para Nova Yorkrapidamente aprendeu como comprar e vender em Wall Street. Quando a guerra eclodiu, eramultimilionrio, o que o impulsionou a um cargo comissionado na marinha, onde chegou ao posto decontra-almirante, e, em seguida, ao poder em Washington. Strauss tinha uma diretriz bsica: quemno estava com ele estava fora. A bomba H era sua cria e a oposio de Oppenheimer fez com queStrauss mandasse investig-lo. O diretor do mais prestigioso instituto de pesquisa terica do mundo,o fsico nuclear que havia planejado e dirigido a conquista tcnica que permitira aos Estados Unidosganhar a guerra, mais uma vez tinha seu telefone grampeado, sua correspondncia devassada, cadamovimento seu acompanhado disfaradamente por policiais de chapus de aba larga.

    Oppenheimer julgou esse tratamento com o desprezo que merecia. Mas, infelizmente, e para seuprprio bem, sabia demais sobre desprezo. Em 1953, ao ser chamado para testemunhar perante aComisso de Energia Atmica numa audincia pblica, no conseguiu deixar de ser sarcstico emrelao a seu presidente. Sob interrogatrio, Oppenheimer friamente passou a expor a ignorncia docomit no tocante cincia nuclear, ao mesmo tempo que expunha a parania de seu presidenteanticomunista. Quando o comit o inquiriu sobre a importncia defensiva dos istopos, explicousarcasticamente que eles eram muito mais importantes do que, digamos, as vitaminas.

    Alguns deboches partiram do pblico, e Strauss exibiu sua carranca.Mas eles podiam ser usados para produzir energia atmica, insistiu o comit.Oppenheimer concordou, porm acrescentou: Pode-se usar uma p para produzir energia

    atmica. E de fato isso acontece.Acessos de risos. Strauss era o prprio trovo.Pode-se usar uma garrafa de cerveja para produzir energia atmica, prosseguiu Oppenheimer.Numa tentativa de acalmar a situao, outro membro do comit perguntou a Oppenheimer qual o

    melhor tipo de segurana.A melhor segurana o tmulo, frisou.Mais tarde, um dos leais colegas de Strauss declarou: O mais provvel que J. Robert

    Oppenheimer seja um agente da Unio Sovitica.Isso deveria naturalmente ter sido motivo de riso mas o estoque de humor andava baixo nos

    crculos polticos da Washington da dcada de 1950. (Levou algum tempo at que o pblico em geralpercebesse que McCarthy era uma piada. Quando apareceu na TV e se exps como o demagogobbado que de fato era, sua influncia diminuiu quase instantaneamente.)

    Strauss estava ento determinado a agarrar o grande convencido Oppenheimer. Em 1954,submeteu-o a interrogatrio perante as autoridades de segurana, onde foi acusado de se associar aconhecidos comunistas (seu irmo) e de se opor ao desenvolvimento da bomba de hidrognio (seu

  • trabalho). Ningum riu. Mas, com tais acusaes, era difcil imputar a Oppenheimer alguma culpagrave. O comit foi forado a declarar relutantemente que ele no era culpado de traio. (Razopela qual os Rosenberg tinham acabado de ser mandados para a cadeira eltrica.) Em compensao,num gesto vingativo, seu certificado de liberao foi cassado.

    Esse gesto significava que estava vedado seu acesso a todos os documentos confidenciais e queestava demitido de seus cargos no governo. Antes requisitado por altos funcionrios e dignatrios emvisita cidade, tornou-se de repente um pria em Washington.

    Terminava a vida de J. Robert Oppenheimer nas altas esferas, e ele se retirou furtivamente para oInstituto como um homem humilhado. O tratamento que lhe dispensaram nos meses seguintes abateu-o. Strauss, justamente ele, tinha sido nomeado conselheiro do Instituto de Estudos Avanados efazia ento o possvel para transformar a vida de Oppenheimer num inferno. Colocaram escuta (denovo) em seu escritrio, e sua corr