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1 ORGANISMOS ESPECIALIZADOS DE COMBATE E PREVENÇÃO DA CORRUPÇÃO RESUMO No contexto internacional e, particularmente, no contexto europeu, os organismos especializados no combate e prevenção da corrupção, também apelidados de Agências Anti-Corrupção (Anti- Corruption Agencies ACAs) ou de Specialized Anti Corruption Bodies, conforme terminologia da Convenção de Mérida, têm tido um papel determinante no desenvolvimento daquele que é o atual panorama do combate à corrupção. Estes novos integrity warriors 1 que surgiram na década de 90 são organismos públicos especializados, cujas atribuições são unicamente focadas para a prevenção e combate da corrupção, da criminalidade conexa e de comportamentos que possam gerar oportunidades favoráveis à sua ocorrência. A introdução destas novas estruturas organizacionais veio conferir ao Estados uma arma mais especializada, mais eficaz e, na maior parte dos casos, mais independente para a prossecução da corrupção e dos crimes económico-financeiros 2 . 1 De Sousa, Luís; Hindess, Barry; e Larmour, Peter (2009) Governments, NGOs and Anti-Corruption: The New Integrity Warriors. Londres/Nova Iorque: Routledge. 2 De Sousa, Luís (2009) ‘Anti-corruption agencies: between empowerment and irrelevance’, EUI Working Papers/RSCAS 2009/08, ISSN 1028-3625 (Disponível online: É de tal forma importante o papel das ACAs, que estas fizeram e têm feito parte dos programas de combate à corrupção dos países candidatos e recém-entrados na União Europeia, de forma a cumprir com os critérios estabelecidos para a entrada de novos Estados- Membros. Apesar da existência de estruturas, competências e atuação variáveis consoante o sistema jurídico ou político em que cada ACA se insere, a sua criação tem seguido padrões comuns, nomeadamente devido ao sucesso que têm tido em certas regiões ou países, como a ICAC em Hong Kong 3 . Portugal foi, de facto, um dos países pioneiros, criando uma das primeiras ACAs na Europa a Alta Autoridade Contra a Corrupção (AACC) que posteriormente veio a ser extinta em 1992. Após este momento, para suprir a inexistência de organismos especializados de combate à corrupção, foram criados a Direcção Central de Investigação da Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira, junto da Polícia Judiciária, (DCICCEF/PJ, posteriormente substituída http://cadmus.eui.eu/dspace/bitstream/1814/10688/1/EUI_RSCAS_2009_08.pdf, 17 Janeiro 2012). 3 De Sousa, Luís (2009) ‘Does performance matter to institutional survival? – The method and politics of performance measurement for Anti-Corruption Agencies’, EUI Working Papers/RSCAS 2009/09, ISSN 1028-3625 (Disponível online: http://cadmus.eui.eu/dspace/bitstream/1814/10689/1/EUI_RSCAS_2009_09.pdf, accessed 17 Janeiro 2012).

Organismos de combate e prevenção da corrupção (7 de maio)

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ORGANISMOS ESPECIALIZADOS DE

COMBATE E PREVENÇÃO DA CORRUPÇÃO

RESUMO

No contexto internacional e, particularmente, no contexto europeu,

os organismos especializados no combate e prevenção da

corrupção, também apelidados de Agências Anti-Corrupção (Anti-

Corruption Agencies – ACAs) ou de Specialized Anti Corruption

Bodies, conforme terminologia da Convenção de Mérida, têm tido

um papel determinante no desenvolvimento daquele que é o atual

panorama do combate à corrupção.

Estes novos integrity warriors1 que surgiram na década de 90 são

organismos públicos especializados, cujas atribuições são

unicamente focadas para a prevenção e combate da corrupção, da

criminalidade conexa e de comportamentos que possam gerar

oportunidades favoráveis à sua ocorrência. A introdução destas

novas estruturas organizacionais veio conferir ao Estados uma

arma mais especializada, mais eficaz e, na maior parte dos casos,

mais independente para a prossecução da corrupção e dos crimes

económico-financeiros2.

1 De Sousa, Luís; Hindess, Barry; e Larmour, Peter (2009) Governments, NGOs and Anti-Corruption: The New Integrity Warriors. Londres/Nova Iorque: Routledge. 2 De Sousa, Luís (2009) ‘Anti-corruption agencies: between empowerment and

irrelevance’, EUI Working Papers/RSCAS 2009/08, ISSN 1028-3625 (Disponível

online:

É de tal forma importante o papel das ACAs, que estas fizeram e

têm feito parte dos programas de combate à corrupção dos países

candidatos e recém-entrados na União Europeia, de forma a cumprir

com os critérios estabelecidos para a entrada de novos Estados-

Membros. Apesar da existência de estruturas, competências e

atuação variáveis consoante o sistema jurídico ou político em que

cada ACA se insere, a sua criação tem seguido padrões comuns,

nomeadamente devido ao sucesso que têm tido em certas regiões

ou países, como a ICAC em Hong Kong3.

Portugal foi, de facto, um dos países pioneiros, criando uma das

primeiras ACAs na Europa – a Alta Autoridade Contra a Corrupção

(AACC) – que posteriormente veio a ser extinta em 1992. Após este

momento, para suprir a inexistência de organismos especializados

de combate à corrupção, foram criados a Direcção Central de

Investigação da Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira,

junto da Polícia Judiciária, (DCICCEF/PJ, posteriormente substituída

http://cadmus.eui.eu/dspace/bitstream/1814/10688/1/EUI_RSCAS_2009_08.pdf,

17 Janeiro 2012). 3 De Sousa, Luís (2009) ‘Does performance matter to institutional survival? – The

method and politics of performance measurement for Anti-Corruption Agencies’,

EUI Working Papers/RSCAS 2009/09, ISSN 1028-3625 (Disponível online:

http://cadmus.eui.eu/dspace/bitstream/1814/10689/1/EUI_RSCAS_2009_09.pdf,

accessed 17 Janeiro 2012).

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pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção) e o Departamento

Central de Investigação e Acão Penal (DCIAP/PGR), junto da

Procuradoria-Geral da República4.

Como outros países Europeus, Portugal optou por uma separar a

prevenção da repressão e criar uma estrutura multi-dimensional de

combate à corrupção, na qual se incluem todos os organismos

acima mencionados. No entanto, esta estrutura funciona

atualmente como um agregado de organismos com baixos níveis de

especialização, cooperação e coordenação, já para não mencionar

as dificuldades funcionais e materiais que em muito limitam a sua

capacidade de resposta.

De momento, o Conselho da Prevenção da Corrupção é o organismo

que mais se assemelha a uma ACA na medida em que é um

organismo unicamente criado com o intuito de prevenção da

corrupção. A sua atuação, estrutura e recursos não permitem, no

entanto, que seja analisado e classificado em pé de igualdade com

outras agências congéneres noutros países. Como tal, a sua

análise, no âmbito do projeto Sistema Nacional de Integridade (SNI),

será colocada lado a lado com a análise de outros organismos

especializados no combate à corrupção com competências

complementares, nomeadamente o Departamento Central de

Investigação e Ação Penal do Ministério Público e a Unidade de

Combate à Corrupção da Polícia Judiciária, providenciando ao leitor

uma perspectiva abrangente do cenário atual relativo aos

organismos anticorrupção.

Alta Autoridade Contra a Corrupção

Como acima referido, a Alta Autoridade Contra a Corrupção (AACC)

foi um dos primeiros (senão o primeiro) exemplos europeus de

criação de um modelo de organismo com competência de combate à

corrupção, tendo sido criada por Decreto-Lei5 em 1983. Esta

entidade de caráter excepcional, transitório e independente tinha a

finalidade de fazer face ao crescente fenómeno da corrupção na

Administração Pública6, mediante a prevenção, averiguação e

denúncia às autoridades competentes dos crimes cometidos no

âmbito das funções públicas.

As competências da AACC foram-se alterando: inicialmente

desprovida de capacidade para investigar e dar seguimento a casos

sobre entidades soberanas, a revisão da sua lei estatutária em

1986 (Lei 45/86, de 01 de Outubro) que colocou a AACC na

dependência da Assembleia da República (inicialmente eleito pelo

Conselho de Ministros, o Alto Comissário passava agora a ser eleito

por maioria de dois terços na AR, por proposta de qualquer grupo

parlamentar e com candidaturas devidamente instruídas quanto à

4 De Sousa, Luís (2011) Corrupção. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos. 5 DL 369/83, de 06 de outubro. 6 Preâmbulo DL 369/83, de 06 de outubro.

elegibilidade dos candidatos) veio a conferir-lhe poderes de

investigação de entidades soberanas sob supervisão deste órgão

parlamentar.

Em 1992, os principais partidos políticos representados na AR

votaram, com a exceção do PCP, na extinção da AACC, ainda que

sem um debate elucidativo sobre esta decisão e sobre os

resultados obtidos pela agência. A sua extinção foi posta a

consideração da AR pelo Alto Comissário7, por considerar que as

instâncias tradicionais do Estado tinham nesse momento

disponibilidade para desempenhar as atribuições da AACC, os

partidos, por outro lado, consideraram que a AACC não passou de

um instrumento polémico e ineficiente no combate à corrupção.

Também no âmbito deste projeto, a maioria dos peritos

entrevistados pronunciaram-se sobre a AACC no sentido da sua

inadequação para o combate à corrupção, preferindo, quando

questionados sobre uma possível reorganização das estruturas do

combate à corrupção, apostar na atual estrutura melhorando-a, do

que seguir o exemplo da AACC.

Ainda assim, há críticas à inusitada extinção da AACC pela AR, por

um conjunto de razões:

pela demonstração de uma maior eficácia da AACC

quando existia uma maior distanciação do poder político,

sendo que os resultados começavam a ser visíveis pouco

antes da AACC ter sido extinta8;

pelo papel muito pouco proativo que os partidos tiveram

em denunciar casos de corrupção (apenas 0,61% de um

total de quase 3000 casos entre 1984 e 19929);

por, após a extinção da AACC, o seu Arquivo Geral, para

o qual vigorava um regime de «sigilo absoluto»10 e do

qual constavam os resultados de todas as informações

recebidas e produzidas pela AACC no âmbito das suas

averiguações, ter sido remetido para os Arquivos

Nacionais/Torre do Tombo, sendo impossível aceder às

suas informações durante um período de 20 anos11.

Departamento Central de Investigação e Ação Penal

O Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) foi

criado pelo Estatuto do Ministério Público (EMP)12 e estabelecido em

Setembro de 199913, 7 anos após a extinção da Alta Autoridade

7 Projecto de Lei 199/VI, 16 de julho de 1992, relativo à extinção da AACC (PS, PSD,

PSN e CDS). 8 Luís de Sousa, Does performance matter to institutional survival? The method and politics of performance measurement for anti-corruption agencies, European

University Institute, Florença, fevereiro de 2009. 9 AACC, Relatório Final, 18 de março de 1993. 10 Art. 7.º/1 da Lei nº 45/86 de 1 de outubro. 11 Art. 4.º/4 da Lei nº 26/92, de 31 de agosto. 12 Lei 60/98, de 27 de agosto. 13 Circular da PGR 10/99, de 16 de julho.

Page 3: Organismos de combate e prevenção da corrupção (7 de maio)

3

contra a Corrupção. Trata-se de uma estrutura interdisciplinar do

MP, que funciona na dependência da Procuradoria-Geral da

República14 em cujas competências se incluem funções de

coordenação, de direção da investigação (para crimes

transdistritais ou de maior complexidade) e de prevenção da

criminalidade violenta, altamente organizada ou de especial

complexidade.

O DCIAP exerce as suas competências relativamente aos crimes

elencados no artigo 47.º n.º 1 do EMP15. A sua função de

coordenação compreende o exame e a execução de formas de

articulação com outros departamentos e serviços, nomeadamente

de polícia criminal, com vista ao reforço da simplificação,

racionalidade e eficácia de procedimentos, bem como a elaboração

de estudos sobre a natureza, o volume e as tendências de evolução

da criminalidade e os resultados obtidos na prevenção, na detecção

e no controlo. Exerce-se esta função com base na informação

remetida ao DCIAP, fundamentalmente através obrigação

(estabelecida pela Circular 11/99 de 3 de Novembro) de

comunicação dos serviços do MP ao DCIAP.

Existem, no entanto, obstáculos à prossecução eficaz das

competências do DCIAP, o primeiro deles sendo, principalmente, a

falta de recursos16, nomeadamente recursos de investigação

especializados como as perícias. De um modo geral, o DCIAP não

dispõe de verbas suficientes para uma investigação constante e

eficaz, dependendo muito dos próprios recursos (como o Núcleo de

Assessoria Técnica – NAT) ou dos recursos dos OPCs,

nomeadamente da Polícia Judiciária. O facto de não existir qualquer

retorno de verbas para o DCIAP quando uma investigação criminal

tem sucesso e resulta na recuperação de património pelo Estado

(por vezes em largos milhões de euros), torna a atividade de

investigação extremamente dependente de verbas orçamentais

previamente fixadas, não contribuindo para uma evolução do

momentum de investigação.

O segundo obstáculo é a inexistência de um gabinete de

intelligence17: o DCIAP, de acordo com as suas competências de

organismo centralizador de informação, recolhe grandes

quantidades de informações sobre todos os processos-crime

relacionados com um elenco de crimes previamente fixados. No

entanto, não existe qualquer tratamento dessa informação, seja a

nível de prevenção criminal, averiguação de áreas de risco, ou

14 Número 3 do artigo 9.º do EMP. 15 Especificados por via de uma tabela analítica, não exaustiva, presente nas

circulares 10/99 e 11/99 da PGR. 16 Entrevista com a Diretora do Departamento Central de Investigação e Ação

Penal, Dr.ª Cândida de Almeida, e Procuradora-adjunta Dr.ª Carla Dias, 10 de maio

de 2011. 17 Id.

definição do perfil comum dos arguidos. Esta informação recolhida

acaba, pois, por ficar estanque, não tendo uma utilidade

correspondente ao seu potencial.

O terceiro e último obstáculo é a falta de uma coordenação eficaz:

como anteriormente mencionado, o DCIAP é um organismo

centralizador e de coordenação da investigação criminal, cujas

competências deveriam caracterizá-lo como um bloco centralizador

de informação proveniente de uma extensa rede, que incluiria

todos os DIAPs, serviços e representações do MP, a PGR e os OPCs.

No entanto, tem sido apontado que esta função não é concretizada

pelo DCIAP, existindo uma grande desorganização principalmente a

nível do MP quando se trata de partilha de informação e

coordenação de investigações que necessitem de um papel proativo

de múltiplos organismos.

Unidade Nacional de Combate à Corrupção

Ainda antes da extinção da AACC ou da criação do DCIAP, foi criada,

em 199018 no âmbito da estrutura orgânica da PJ, a Direcção Central

de Investigação da Corrupção, Fraudes e Infracções Económico-

financeiras, uma unidade com competências de investigação

criminal e coadjuvação das autoridades judiciárias no âmbito de

crimes de corrupção, fraude e falsificação de moedas19 e no âmbito

do qual funcionava a perícia financeiro-contabilística da Polícia

Judiciária20.

Com as medidas anticorrupção de 199421, esta unidade veio a ser

redimensionada e a sua estrutura readaptada: a nova Direcção

Central de Combate à Corrupção, Fraudes e Infracções Económico-

financeiras (DCCCFIEF-PJ) já tinha competência para os crimes

conexos à corrupção22 (como o peculato, corrupção e outras

infracções económico-financeiras), e nos seus serviços centrais

incluía-se uma Unidade Nacional de Informação sobre Crime

Organizado (UNICEO), que tinha entre as suas competências a

recolha e análise de informação recolhida nos inquéritos e

averiguações realizadas23.

A Unidade de Combate à Corrupção (UNCC) veio, no ano 200824,

substituir a Direcção Central de Investigação da Corrupção e

Criminalidade Económico Financeira25 (DCICCEF-PJ), tendo sido

18 DL 295-A/90, de 21 de Setembro, que estabelecia uma nova orgânica para a

Polícia Judiciária. 19 Arts. 4.º/1 e 30.º/1 do DL 295-A/90, de 21 de setembro. 20 Art. 30.º/2 do DL 295-A/90, de 21 de setembro. 21 Arts. 10.º e 13.º Lei 36/94, de 29 de setembro. 22 Art. 10.º da Lei 36/94, de 29 de setembro. 23 Arts. 3.º e 4.º do DL 299/94, de 13 de dezembro. 24 DL 37/2008, de 06 de agosto que estabelece uma nova orgânica para a Polícia

Judiciária. 25 A denominação da DCCCFIEF havia sido, entretanto, rectificada para esta nova

denominação no ano 2000 (Rectificação 16-D/2000, de 30 de novembro).

Page 4: Organismos de combate e prevenção da corrupção (7 de maio)

4

criada com a finalidade de ser uma unidade cuja performance era

especificamente dedicada ao combate da corrupção e criminalidade

conexa, e que iria funcionar como uma complexo de especialistas e

peritos na matéria, aumentando assim o desempenho da Polícia

Judiciária na investigação criminal da corrupção.

Na prática, no entanto, a criação da UNCC não passou de uma

operação estética. As competências desta unidade em muito se

assemelham à anterior DCICCEF, pelo que a emblemática mudança

está na designação da unidade, e na forma como esta nova

designação poderá apaziguar quaisquer recomendações

provenientes de avaliações externas que seja críticas nesse

sentido.

À UNCC também cabe a investigação de um elenco de crimes

relacionados com a corrupção e outras infracções económico-

financeiras, e as ações de prevenção26 referentes a esses mesmos

crimes. Segundo o representante designado pela UNCC para este

estudo27, esta unidade tem à sua disposição meios e recursos

humanos, materiais ou financeiros adequados à investigação da

corrupção e da criminalidade económico-financeira. Para aumentar

a sua eficácia na comunicação e interação inter-institucional, a

UNCC tem destacados pontos de contacto28: inspetores para lidar

unicamente com certas entidades ou autoridades judiciárias (v.g.,

um inspecor dedicado para o DCIAP, um inspetor dedicado para o

DIAP de Lisboa, um inspetor dedicado para os restantes DIAPs).

Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC)

Introdução

O Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC) foi criado, acima de

tudo, na circunstância de ausência de uma entidade de prevenção

da corrupção em Portugal. Enquanto o DCIAP e a UNCC

desempenham o papel da repressão criminal, o facto de não existir

uma entidade com o propósito de ativamente prevenir e disseminar

informação sobre a corrupção tinha como significado o

incumprimento do artigo 6.º da Convenção de Mérida.

Como tal, procedeu-se à criação de uma agência29 com essa missão,

o CPC. Este organismo insere-se, deste modo, no grupo de agências

especializadas de combate à corrupção sem poderes de

investigação e prossecução criminal, capacitada exclusivamente

para prevenir e disseminar informação sobre a corrupção. Entre as

competências do CPC estão a recolha e organização de informações

relativas à prevenção e combate da corrupção e crimes conexos, o

26 Art. 1.º da Lei n.º 36/94, de 29 de setembro. 27 Entrevista com a Coordenadora de Investigação Criminal (CIC) da Unidade

Nacional de Combate à Corrupção, Drª Manuela Marta, 12 de maio de 2011. 28 Id. 29 O CPC foi criado pela Lei 54/2008, de 04 de setembro.

acompanhamento de instrumentos jurídicos e medidas

administrativas para a prevenção da corrupção, e a emissão de

pareceres sobre a elaboração de instrumentos normativos sobre a

prevenção e combate da corrupção e crimes conexos (art. 2.º da Lei

54/2008, de 04 de Setembro).

O enquadramento legal do CPC e a sua atividade está ligada, de

forma intensa, àquela do Tribunal de Contas. De facto, apesar de

serem entidades completamente autónomas, não existindo

qualquer vínculo expresso do CPC ao Tribunal de Contas, ambas as

instituições funcionam em consonância, partilhando a mesma

liderança e, dir-se-á, da mesma agenda política.

RECURSOS (LEI)

Em que medida é que existem normas que

assegurem que o CPC tem recursos adequados

para eficazmente prosseguir com as suas

atribuições e competências?

Resultado: 75

Segundo o artigo 4/1 da Lei 54/2008, de 4 de Setembro, todas as

despesas de funcionamento do CPC constituem encargos do Estado

através do orçamento. O orçamento do CPC é preparado por este

próprio organismo com base nos valores que considerar

necessários à adequada prossecução da sua atividade,

apresentando posteriormente ao Governo para a elaboração da

proposta de Lei de Orçamento.

Não existem quaisquer indicadores objetivos para mudanças no

orçamento, sejam baseadas em performance ou noutros possíveis

indicadores, nem existem outras formas de o CPC se financiar que

não sejam derivadas do Orçamento de Estado preparado pelo

Governo.

Os recursos humanos do CPC (o seu serviço de apoio técnico e

administrativo) são fixados por portaria do Ministério das Finanças

e da Administração pública sob proposta do CPC e recrutam-se com

recurso à mobilidade dentro da função pública, podendo ainda o

CPC deliberar contratar consultores técnicos externos para a

elaboração de estudos tendentes à realização dos seus objetivos30.

30 Art. 6.º da Lei 54/2008, de 4 de Setembro.

Page 5: Organismos de combate e prevenção da corrupção (7 de maio)

5

RECURSOS (PRÁTICA)

Na prática, em que medida é que o CPC tem

recursos adequados para prosseguir a sua

missão?

Resultado: 50

É difícil de aferir se na prática o Conselho de Prevenção da

Corrupção dispõe de recursos suficientes para o desempenho das

suas funções. Segundo declarações do seu Diretor-Geral, o CPC

dispõe de recursos suficientes31 e o mesmo se tem afirmado quanto

ao seu orçamento32, no entanto assiste-se a uma constante falta de

performance e de atividade do CPC face às suas competências,

levando a questionar se, não se tratando de falta de recursos,

tratar-se-á de falta de vontade política.

Como mencionado acima, a contratação de recursos humanos faz-se

com recurso à mobilidade dentro da função pública, não sendo

previstos quaisquer testes de seleção com base em critérios de

ética, e estando os contratados sujeitos à remuneração que

auferiam no seu cargo de origem.

RECURSOS (PRÁTICA)

Em que medida é que existem normas que

assegurem a independência do CPC?

Resultado: 25

Segundo o art. 1.º da Lei 54/2008 que cria o Conselho de Prevenção

da Corrupção, este organismo é um órgão dotado de autonomia

administrativa, sendo que as suas despesas de instalação e

funcionamento constituem encargo do Estado, através do respectivo

Orçamento.

Para a nomeação do presidente do CPC, do seu secretário-geral, ou

dos membros do CPC não existe um procedimento de seleção

competitivo ou aberto. De facto, todas estas posições são

determinadas por inerência de funções, sem recurso a qualquer de

pré-selecção e candidatos ou audições públicas: as posições de

presidente, secretário geral e três dos restantes seis membros

pertencem a outros cargos políticos (presidente do Tribunal de

Contas, Diretor-Geral do Tribunal de Contas, Inspetor-Geral das

31 Entrevista com os representantes do Tribunal de Contas e do Conselho de

Prevenção de Corrupção: Dr. Guilherme d’Oliveira Martins, Presidente do Tribunal

de Contas e do Conselho de Prevenção de Corrupção, e Dr. José Farinha Tavares,

Juiz Conselheiro do Tribunal de Contas e Secretário-Geral do Conselho de

Prevenção de Corrupção, 06 de junho de 2011. 32 LUSA, “Corrupção: Conselho de Prevenção considera ‘suficiente’ orçamento de

240 mil euros”, in Expresso Online, 16 de outubro de 2008. Disponível em

http://expresso.sapo.pt/corrupcao-conselho-de-prevencao-considera-suficiente-

orcamento-de-240-mil-euros=f426765#ixzz1qK0evDEU.

Finanças, Inspetor-Geral das Obras Públicas, Transportes e

Comunicações, Inspetor-Geral da Administração Local), sendo que

os restantes três membros são representantes de três sectores

diferentes com mandatos de 4 anos, renováveis: um representante

do Ministério Público (proposto pelo CSMP, e com mandato de 4

anos), um representante da Ordem dos Advogados e um jurista de

mérito na área da prevenção da corrupção (cujo método de

nomeação não é explanado)33.

Isto significa, então, que mais de metade dos membros do CPC são,

na realidade, escolhidos politicamente, por via da escolha dos

dirigentes políticos de outras instituições como a Inspeção-Geral

das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, a Inspeção-Geral

das Finanças, ou o Tribunal de Contas. Por outro lado, também

significa que os membros do conselho são, em regra

personalidades com experiência nas áreas de risco da corrupção.

Mas isto não deixa de afastar a sua nomeação política pelo

Executivo e consequente falta de independência na medida em que

o Governo poderá destituí-los dos seus postos originais e, por isso,

retirar-lhes o estatuto de membros do CPC.

Excluindo as referências legais à administração independente do

CPC e ao seu reporte individual (ou seja, independentemente do

Tribunal de Contas) ao Governo e Assembleia da República, não

existem outras normas no sentido da independência e autonomia

funcional do CPC. Como referido acima, apesar de o CPC propor o

seu próprio orçamento (independência financeira), cabe ao Governo

elaborar a Lei de Orçamento na qual ele se insere. Sendo, pois,

possível ao Executivo dar uma maior ou menor liberdade de

atividade ao CPC consoante o financiamento público que lhe é

disponibilizado. Esta situação agrava-se com a falta de outras

fontes de financiamento do CPC, ao contrário do Tribunal de

Contas34.

INDEPENDÊNCIA (PRÁTICA)

Em que medida é que o CPC é independente na

prática?

Resultado: 25

Na prática a independência do CPC é meramente aparente. Visto

que os cargos dirigentes são maioritariamente escolhidos pelo

Executivo (ainda que de forma indireta) não existe um verdadeiro

destacamento daqueles face a este poder político. Como tal a

percepção que o público tem do CPC é de um organismo

predominantemente político, que age consoante a agenda política

do Tribunal de Contas, junto do qual funciona, partilhando a sua

33 Art. 3.º da Lei 54/2008, de 4 de Setembro. 34 Vd. pilar Tribunal de Contas.

Page 6: Organismos de combate e prevenção da corrupção (7 de maio)

6

direção, e por vezes subsumindo-se a este tribunal como se de um

organismo acessório se tratasse.

A partilha da direção entre os dois organismos (CPC e Tribunal de

Contas) é uma das principais razões para esta percepção,

principalmente devido ao mediatismo atingido pelo Tribunal de

Contas em situações de derrapagens públicas e questões

orçamentais. Inevitavelmente, quaisquer juízos que recaiam sobre

a direção do Tribunal de Contas acabam por transmitir-se para o

CPC.

No entanto, dado a falta de competências do CPC para a

investigação e prossecução criminal, a atenção que este organismo

merece da parte do poder político é relativamente reduzida, não se

afigurando que existam exemplos graves de interferência política

na sua atividade. De facto, as atividades do CPC são de tal forma

reduzidas face às suas competências que a oportunidade para tais

interferências é muito reduzida.

É possível fazer denúncias de corrupção ao CPC sem medo de

represálias, que posteriormente serão reencaminhadas aos

serviços competentes do Ministério Público.

TRANSPARÊNCIA (LEI)

Em que medida é que existem normas que

assegurem que o público tem acesso à

informação sobre as atividades e processos

decisórios do CPC?

Resultado: 50

De acordo com o artigo 7.º da acima mencionada Lei 54/2008, o CPC

apresenta todos os anos um relatório das suas atividades, mas a

lei parece um pouco ambígua quanto à obrigação do CPC divulgar

estes relatórios. Refere o número 5 deste artigo 7.º que o “CPC só

pode divulgar os seus relatórios depois de estes terem sido

recebidos pela Assembleia da República e pelo Governo”, pelo que

não está presente na letra da lei uma verdadeira obrigação de

divulgar tais relatórios, mas apenas uma faculdade de o fazer, e

apenas após o escrutínio dos órgãos políticos.

TRANSPARÊNCIA (PRÁTICA)

E em que medida é essa informação

disponibilizada?

Score: 25

Na prática, o CPC serve-se do próprio website alojado no domínio

do Tribunal de Contas (www.cpc.tcontas.pt) para publicitar

documentos relativos ao fenómeno da corrupção e da sua

prevenção. No entanto, não se encontram no seu website os

relatórios anuais de atividades do CPC (organismo criado em finais

de 2008) e desconhece-se se de facto foram elaborados e

apresentados à Assembleia da República e Governo conforme

estipulado por lei.

Adicionalmente, além de constarem do website do CPC as datas das

reuniões do CPC, inicialmente publicavam-se também os

comunicados do conselho sobre as suas reuniões (ainda que com

um conteúdo extremamente genérico e breve), tendo sido emitidos

comunicados para as primeiras 5 reuniões35. No entanto essa

prática foi descontinuada, existindo agora completa ignorância do

cidadão sobre o conteúdo das reuniões do CPC desde Fevereiro de

2009 até aos recentes comunicados de início de 2012.

ACCOUNTABILITY (LEI)

Em que medida é que estão previstas normas

que assegurem que o CPC tem que prestar

contas pela sua atividade?

Resultado: 50

O CPC presta contas ao Governo e à Assembleia da República, por

via da preparação de um relatório anual de atividades, que deverá

ser apresentado até ao final de Março de cada ano (art. 7.º da Lei

54/2008). Também os programas anuais de atividades aprovados

pelo CPC deverão ser enviados ao poder executivo e legislativo (nº

1 do art. 5.º da Lei 54/2008).

É possível ao CPC elaborar relatórios intercalares relativas a áreas

específicas da sua atividade e que deverão também ser remetidos

ao Governo e Assembleia da República, mas esta faculdade fica ao

critério do próprio CPC e não das instituições às quais tem que

reportar (n.º 3 do art. 7.º da Lei 54/2008).

35 Disponíveis online em: http://www.cpc.tcontas.pt/actividades.html.

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7

ACCOUNTABILITY (PRÁTICA)

E como são respeitadas as regras de prestação

de contas na prática?

Score: 25

Como foi acima referido, o CPC não têm como prática publicar no

seu website nem os relatórios anuais de atividade nem o conteúdo

ou comunicados das suas reuniões, obstando assim à existência de

um escrutínio dos cidadãos e do público em geral face às suas

atividades. Por esta razão, não é sequer possível aferir se esses

relatórios foram de facto elaborados ou não. Até à data, não houve

qualquer divulgação da existência ou conteúdo dos mesmos à

comunicação social.

MECANISMOS DE INTEGRIDADE (LEI)

Em que medida é que estão previstos

mecanismos que assegurem a integridade dos

membros do CPC?

Score: 25

Não existem códigos de conduta específicos para o CPC. Os seus

membros são abrangidos pelo código de conduta genérico dos

funcionários públicos. Quanto ao recebimento de prendas ou outros

tipos de hospitalidade, aplica-se o regime do Código Penal

português, pelo que tal comportamento tanto poderá ser

considerado um crime ou não consoante a aplicação do critério de

adequação social ao caso particular, conforme previsto para o crime

de Recebimento de Vantagem Indevida (art. 372.º do Código Penal).

MECANISMOS DE INTEGRIDADE (PRÁTICA)

E como são aplicados na prática?

Score: 25

Como referido acima, não existe qualquer tipo de pré-seleção de

funcionários ou membros do CPC com base em standards éticos,

nem foi publicitada até à data qualquer formação específica dos

funcionários (serviços de apoio) do CPC no âmbito do combate à

corrupção, transparência e integridade.

Em que medida é relevante o papel do CPC no

combate à corrupção?

Resultado: 25

O desempenho do CPC ficou aquém das expectativas, resumindo-se

a duas principais atividades:

Por um lado, é realizada a recolha e análise superficial

dos planos de gestão e prevenção de riscos de corrupção

elaborados pelos institutos da Administração Pública,

acompanhadas de posteriores visitas às entidades

visadas para explicar o alcance e a necessidade de pôr

em prática estes planos. Neste programa é perceptível a

falta de poder deste organismo, cujas recomendações a

nível de prevenção da corrupção na Administração

Pública, não têm qualquer tipo de sanção acoplada,

passando a ser encaradas pelos organismos públicos

como meros incómodos administrativos.

Por outro lado, é realizada a emissão de opiniões

públicas sobre a tomada de iniciativas de corrupção, ou

outros casos conexos. Neste sentido, parece existir, em

certos casos, uma certa instrumentalização do CPC por

parte do Tribunal de Contas, nomeadamente mediante a

emissão de comunicações quase simultâneas às

comunicações do próprio tribunal, com um possível

objetivo de desviar a atenção dos media ou atenuar o

efeito negativo de certas informações.

Tendo em conta as suas atribuições e competência, é possível

verificar que o CPC não cumpre tudo aquilo que poderia ou deveria

cumprir. Como entidade de recolha de informação, tanto a nível

administrativo como criminal, e que tem uma ligação privilegiada

ao Tribunal de Contas e à sua atividade, o CPC não tem apresentado

quaisquer resultados úteis, seja na detecção de áreas de risco de

corrupção, seja na detecção de atuais casos de corrupção, ou na

contribuição para a criação de um gabinete de intelligence, que

consiga além de recolher, tratar a informação contribuindo para

aperfeiçoar a investigação criminal e a adoção de medidas

preventivas: a informação entra mas não sai36.

A inatividade do CPC não se basta por aqui, no entanto. Não

obstante o seu papel preventivo no âmbito dos planos de gestão de

riscos de corrupção e apesar de ter no seu conselho diretivo

representantes das Inspeções-Gerais do Estado, o CPC não contacta

regularmente com as entidades que concretizam a detecção e

investigação criminal, não beneficiando dos conhecimentos destas

entidades; por outro lado, o CPC não aproveita a sua especial

ligação com as instituições da administração pública, sendo que

poderia ter um papel proactivo e benéfico na criação de maiores

laços de cooperação, proactividade e coordenação entre MP, OPCs e

Administração Pública.

36 Entrevista com a Diretora do Departamento de Investigação e Ação Penal de

Lisboa (DIAP-Lisboa), Dr.ª Maria José Morgado, 24 de junho de 2011.

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8

Adicionalmente, o CPC peca por ser uma instituição estanque e

hermética37, cuja passividade transparece também dos seus

estatutos em que algumas das competências elencadas são só

efetiváveis a solicitação de outras entidades38:

o CPC só poderá dar parecer sobre a elaboração e

aprovação de novos instrumentos normativos a

solicitação da AR ou do Governo;

também só poderá ter um papel ativo na elaboração de

códigos de conduta e ações de formação nesta área

quando solicitado pelas entidades públicas interessadas;

no caso de conhecimento de crime, o CPC tem obrigação

de participação imediata, no entanto, não existe uma

obrigação de envio imediato de todos os documentos

pertinentes na sua posse, a utilização destes

documentos fica à discrição das autoridades que poderão

ou não solicitá-los;

por último, os relatórios e informações que são

comunicados às autoridades judiciárias são sujeitos a

contraditório, este tipo de praticas, também presente

nas Inspeções-Gerais, já foi anteriormente considerado

como uma má prática, na medida em que serve de pré-

aviso aos agentes corruptos ou corruptores para uma

eminente investigação criminal, podendo incitar à

eliminação da prova ou à concertação prévia de

testemunhas.

Tendo isto em conta, conclui-se que o CPC não só é uma instituição

estanque e passiva por falta de iniciativa abrangente por parte da

sua direcção, mas também pela própria natureza dos seus

estatutos que impedem uma séria pro-actividade no combate à

corrupção.

Reflexões e comentários finais

Perante os problemas encontrados a nível da prevenção, da

detecção, da investigação e da prossecução da corrupção, que

passos tomar para garantir uma melhor organização e eficácia

neste âmbito? Como acima mencionado, a cargo destas atribuições

estão o CPC, a UNCC, o DCIAP e os DIAPs, um conjunto de

organismos que apresentam problemas de comunicação, de auxílio

mútuo e de aproveitamento mútuo das suas capacidades. Os

problemas de coordenação, centralização e análise de informação

do DCIAP vêm piorar esta situação.

37 Id. 38 Art. 2.º da Lei 54/2008, de 04 de Setembro.

A solução poderá estar, como anteriormente já recomendado pela

TIAC39, na criação de uma instituição especializada de combate à

corrupção que reúna algumas ou todas as competências daqueles

organismos. Não se deixa, no entanto, de recomendar (como tem

sido prática da TI e da TIAC) o aperfeiçoamento dos organismos já

existentes e no terreno (como recomendado pelos peritos

entrevistados): a constituição de um organismo deste tipo, ou

agência de combate à corrupção, trata-se de uma medida paralela,

cuja adoção poderá ser suprida por um correto desempenho do

atual sistema judiciário e de prevenção da corrupção.

A tendência para adoção deste tipo de organismos tem vindo a ser

seguida em todo o mundo desde a década de 90, principalmente por

via do estabelecimento de organismos similares àqueles que têm

maior sucesso noutros países (veja-se o exemplo da Independent

Commission Against Corruption –ICAC de Hong Kong).

Contudo, como a TIAC teve a oportunidade de apurar, a criação

deste tipo de organismo tem sido fortemente desincentivada pelos

vários stakeholders entrevistados40, mais favoráveis da

manutenção e aperfeiçoamento das instituições já existente no

terreno. Refere-se que a criação deste tipo de organismo iria criar

apenas mais confusão e problemas41, num panorama que já tem

excessivas entidades a lidar com a corrupção, a existência de mais

uma autoridade iria gerar conflitos de competências e iria

igualmente gerar custos financeiros acrescidos.

No nosso entender, todas estas observações e receios são

justificáveis. Porém, a criação de tal instituição, perante uma

panorama tão caótico do combate à corrupção afigura-se-nos como

sendo mais vantajosa que perigosa, sendo que, para atingir

melhores resultados, será importante apostar nas falhas dos

organismos já existentes (como a falta de gabinetes de análise e

tratamento de informação, falta de peritos formados e

especializados, falta de independência assegurada, falta de códigos

de conduta específicos, etc.) enquanto se mantêm as boas práticas

(equipas multidisciplinares do DCIAP, existência de pontos de

contacto com os stakeholders mais importantes, estruturas de

apoio pericial como o Núcleo de Assessoria Técnica).

Para cumprir eficazmente competências de prevenção, uma

hipotética agência de corrupção deverá trabalhar de perto com a

39 Transparência e Integridade, Associação Cívica (2011), Corrupção Fora de Prazo: prescrição de crimes na justiça portuguesa. 40 Entrevista com o representantes do Sindicado dos Magistrados do Ministério

Público (SMMP), Dr. João Palma, Presidente do SMMP, e Dr. Rui Cardoso, Secretário-

Geral do SMMP, 05 de Junho de 2011; entrevista com a Directora do DIAP-Lisboa,

24 de Junho de 2011; e entrevista com a CIC Dr.ª Manuela Marta da UNCC, 12 de

Maio de 2011. 41 Entrevista com os representantes do SMMP, 05 de Junho de 2011.

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9

Administração Pública e os seus organismos fiscalizadores (Tribunal

de Contas e Inspeções-Gerais), e simultaneamente com os

Organismos de Polícia Criminal. Sendo essencial a atribuição não só

de plenos poderes de investigação, mas também de uma

capacitação a nível de competências e recursos para utilizar esses

poderes (recursos informáticos e materiais, tal como recomendado

para o Ministério Público).

Absorvendo assim as competências atuais do CPC, do DCIAP e da

UNCC, seria possível criar uma estrutura única, com todos os

benefícios daí decorrentes, tais como: a transferência de

conhecimento entre profissionais de diferentes áreas; o tratamento

multilateral das informações recolhidas (intelligence); a

independência face às anteriores instituições ou organismos

(Ministério Público e Ministério da Justiça). Adicionalmente, tirando

partido da transferência de conhecimentos e da experiência no

terreno, facilmente se poderia alargar as competências de um tal

organismo à educação, formação e sensibilização.

Por fim, e como forma a evitar casos similares à antiga AACC,

deverão ser estabelecidos indicadores e mecanismos transparentes

e eficazes de avaliação do desempenho de um organismo

especializado de combate à corrupção,42 de forma a que o seu

desempenho não esteja só sob o escrutínio dos órgãos de

soberania, mas também dos cidadãos; enquanto que,

simultaneamente, deverá ser estabelecida a independência do

organismo, tanto pela adoção de um sistema mais forte de

nomeação política (maioria de dois terços como é o caso do

Provedor de Justiça), como pela garantia de autonomia financeira,

pela previsão do orçamento mediante uma percentagem fixa (e

adequada) do Orçamento de Estado (como é o caso da ICAC de Hong

Kong).

É recomendação da TIAC a criação de um organismo especializado

de combate à corrupção – ou agência de combate à corrupção -, que

reúna competências de investigação, prevenção (no âmbito do

sector público e do sector privado), prossecução criminal, e

educação. Absorvendo assim as competências atuais do CPC, do

DCIAP e da UNCC, permitindo criar uma estrutura única, com todos

os benefícios daí decorrentes.

A estrutura e funcionamento deste organismo deverá

respeitar um conjunto de boas práticas internacionais,

entre outras:

42 Johnsøn, Jesper; Hechler, Hannes; De Sousa, Luís; e Mathinsen, Harald (2011)

How to monitor and evaluate anti-corruption agencies: Guidelines for agencies, donors, and evaluators. Bergen: U4/CMI em associação com PNUD (Disponível

online: http://www.u4.no/publications/how-to-monitor-and-evaluate-anti-

corruption-agencies-guidelines-for-agencies-donors-and-evaluators-2).

• Possuir códigos de conduta específicos, devidamente

fiscalizados e com sanções acopladas ao seu

incumprimento;

• Possuir mecanismos adequados de avaliação e

fiscalização interna, tanto a nível de desempenho

pessoal como da gestão do organismo como um todo,

mecanismos esses que devem ser supervisionados por

entidades ou órgãos independentes e com participação

externa (políticos, praticantes da justiça, sociedade

civil).

• Estruturação por equipas multidisciplinares (seguindo

o exemplo do DCIAP), com pontos de contacto

designados para os stakeholders envolvidos.

• Existir uma regulamentação detalhada sobre o

recrutamento de novos agentes, com concursos de

admissão público e processos transparentes.

• Obrigatoriedade de prestação de contas anual à AR.

• Garantias de independência:

• Pela forma de nomeação do cargo

máximo dirigente, por exemplo

seguindo o método de maioria de

2/3, como é utilizado para o

Provedor de Justiça.

• Pela autonomia financeira do

organismo, mediante a fixação do

seu orçamento com base numa

percentagem fixa do Orçamento de

Estado para cada ano.