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Ortega y Gasset, a vida como realidade metafísica Artigos / Articles Trans/Form/Ação, Marília, v. 38, n. 1, p. 167-186, Jan./Abr., 2015 167 ORTEGA Y GASSET, A VIDA COMO REALIDADE METAFÍSICA José Mauricio de Carvalho 1 RESUMO: Neste artigo, estudamos as características que o filósofo espanhol Ortega y Gasset atribuiu à vida. Mostramos que o essencial de sua meditação girou em torno do assunto. No entanto, o tema ganhou densidade metafísica somente no final dos anos 1920, quando suas considerações foram inseridas na tradição filosófica do ocidente. Foi quando ele apontou a insuficiência do realismo e do idealismo na abordagem do fundamento pretendido pela Filosofia e apresentou a filosofia da razão vital como um passo adiante das duas grandes perspectivas filosóficas que marcaram a história da metafísica. PALAVRAS-CHAVE: Vida. Metafísica. Características. Realidade. Circunstância. I. CONSIDERAÇÕES INICIAIS 1. A Metafísica é disciplina filosófica, que a tradição reconhece como a mais importante, autônoma e fundamental, entre elas. O seu propósito é apontar o fundamento geral que sustenta o homem em meio à sua experiência do mundo e dos riscos de viver. Nesse sentido, a Metafísica espera propor verdades suficientes, isto é, que não dependam de outras para se sustentar e, ao contrário, porque se referem à totalidade do saber possível, sirva às outras verdades de suporte ou fundamento. Esse conceito remonta a Aristóteles, que, no livro de Metafísica, a define como a ciência das primeiras causas e princípios fundamentais. O mundo moderno concebeu uma outra visão de Metafísica, entendida como Gnoseologia. Sua expressão amadurecida foi obra de Emmanuel Kant, mas sua origem pode ser antevista no projeto de Francis Bacon, o qual esperava criar uma nova ciência universal que fosse a base de todas as outras. 2. Durante o século XIX, a meditação filosófica tratou a Metafísica como um saber crepuscular, compreensão concebida pelo filósofo alemão 1 Psicólogo, Pedagogo e Filósofo, com especialização em Filosofia e Filosofia Clínica, Mestrado e Doutorado (1990) em Filosofia, com estágios de Pós-Doutoramento na Universidade Federal do Rio de Janeiro (2002) e Universidade Nova de Lisboa (1994). Professor Titular de Filosofia Contemporânea do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de São João del-Rei, membro do Instituto Brasileiro de Filosofia (SP), do Instituto de Filosofia Luso Brasileira (Lisboa), da Academia de Letras de São João del Rei e da Academia Mantiqueira de Filosofia. E- mail: [email protected]

Ortega Y Gasset - Vida Como Realidade Metafísica

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  • Ortega y Gasset, a vida como realidade metafsica Artigos / Articles

    Trans/Form/Ao, Marlia, v. 38, n. 1, p. 167-186, Jan./Abr., 2015 167

    ORTEGA Y GASSET, A VIDA COMO REALIDADE METAFSICA

    Jos Mauricio de Carvalho1

    RESUMO: Neste artigo, estudamos as caractersticas que o filsofo espanhol Ortega y Gasset atribuiu vida. Mostramos que o essencial de sua meditao girou em torno do assunto. No entanto, o tema ganhou densidade metafsica somente no final dos anos 1920, quando suas consideraes foram inseridas na tradio filosfica do ocidente. Foi quando ele apontou a insuficincia do realismo e do idealismo na abordagem do fundamento pretendido pela Filosofia e apresentou a filosofia da razo vital como um passo adiante das duas grandes perspectivas filosficas que marcaram a histria da metafsica.

    PALAVRAS-CHAVE: Vida. Metafsica. Caractersticas. Realidade. Circunstncia.

    I. COnSIDERAES InICIAIS

    1. A Metafsica disciplina filosfica, que a tradio reconhece como a mais importante, autnoma e fundamental, entre elas. O seu propsito apontar o fundamento geral que sustenta o homem em meio sua experincia do mundo e dos riscos de viver. Nesse sentido, a Metafsica espera propor verdades suficientes, isto , que no dependam de outras para se sustentar e, ao contrrio, porque se referem totalidade do saber possvel, sirva s outras verdades de suporte ou fundamento. Esse conceito remonta a Aristteles, que, no livro de Metafsica, a define como a cincia das primeiras causas e princpios fundamentais. O mundo moderno concebeu uma outra viso de Metafsica, entendida como Gnoseologia. Sua expresso amadurecida foi obra de Emmanuel Kant, mas sua origem pode ser antevista no projeto de Francis Bacon, o qual esperava criar uma nova cincia universal que fosse a base de todas as outras.

    2. Durante o sculo XIX, a meditao filosfica tratou a Metafsica como um saber crepuscular, compreenso concebida pelo filsofo alemo

    1 Psiclogo, Pedagogo e Filsofo, com especializao em Filosofia e Filosofia Clnica, Mestrado e Doutorado (1990) em Filosofia, com estgios de Ps-Doutoramento na Universidade Federal do Rio de Janeiro (2002) e Universidade Nova de Lisboa (1994). Professor Titular de Filosofia Contempornea do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de So Joo del-Rei, membro do Instituto Brasileiro de Filosofia (SP), do Instituto de Filosofia Luso Brasileira (Lisboa), da Academia de Letras de So Joo del Rei e da Academia Mantiqueira de Filosofia. E- mail: [email protected]

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    Georg Hegel. O sistematizador do idealismo absoluto afirmava que a Filosofia somente entra no cenrio cultural quando os outros aspectos que o constituem j se encontram consolidados. A clebre alegoria da coruja de Minerva, que s ala voo ao entardecer, traduz o entendimento de que o filosofar tardio, quando comparado a outras criaes culturais. Nessa viso hegeliana, a Filosofia entra num cenrio j pronto, toma conscincia das coisas, mas no se pronuncia sobre o que elas devem ser. O seu contedo o que se produz no domnio do esprito, que, segundo Hegel, se encontra objetivado no mundo exterior e na intimidade da conscincia.

    3. Alm desse aspecto, o filsofo alemo entende que a conscincia histrica, o que no idealismo absoluto significa que o saber fundamental no alcanado pelas teorias do incio da tradio filosfica. Para Hegel, a meditao filosfica alcanara com o idealismo absoluto a maturidade, sua filosofia era fruto do evolver do Esprito em dois mil e quinhentos anos de Histria, num processo que ganha densidade no tempo, como um rio que ganha importncia medida que recebe seus afluentes.

    4. O resultado dessa compreenso, a saber, o surgimento tardio da Filosofia e a conscincia histrica da verdade, apontam para certezas ou verdades parciais que no ficam completas nos sistemas construdos no decorrer da histria da filosofia, pelo menos at o coroamento do processo no idealismo. A rejeio do papel final desempenhado pelo idealismo absoluto, porm, desconsiderar as outras concluses de Hegel, significa compreender que a misso da Filosofia buscar a verdade. O que foi admitido como certeza universal num certo tempo, mostra-se insuficiente com as andanas da histria. Enfrentar as mudanas da histria com uma proposta definitiva misso impossvel, porque necessrio formular sobre a realidade uma teoria evidente e nesse ponto que o projeto de certeza universal revela seu ponto frgil. Aspectos tidos por evidentes num momento histrico no so aceitos em outros. A perda da evidncia provoca a desconfiana nos princpios admitidos, restando o desafio de refazer as concepes antes tidas como verdadeiras. Assim revisadas, as sucessivas teorias da realidade elaboradas na histria da metafsica so muito menos contribuies complementares que sucessivas retomadas da razo universal2. Por outro lado, as teorias metafsicas s ficam claras quando devidamente contextualizadas.

    2 A reviso crtica da filosofia da histria, elaborada pelo idealismo alemo, foi feita pelo fenomenlogo portugus Joaquim de Carvalho, com as pistas fornecidas por Edmund Husserl. O fundamental de sua obra foi resumido no livro Histria da Filosofia e Tradies Culturais. A interpretao hegeliana da histria da filosofia indicava a relatividade de todas as filosofias, problema que ele resolveu, identificando Histria e Razo. Edmund Husserl notou que essa identificao culminava num

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    5. Alm desses elementos que permeavam a cultura filosfica, no incio do sculo XX, o filsofo espanhol Jos Ortega y Gasset concluiu que o grande problema a ser enfrentado pela Filosofia do seu tempo era uma nova forma de opor a subjetividade moderna perspectiva objetivista dos gregos. Faz-lo significava propor uma nova subjetividade indo alm do que fizera o criticismo de Emmanuel Kant, tarefa que, contudo, no podia negligenciar a novidade trazida pelo subjetivismo moderno. Adicionalmente, o princpio metafsico proposto devia amparar as ontologias regionais associadas por Edmund Husserl s cincias de fatos singulares como a Histria ou de experincias gerais como a Fsica. O princpio precisava ainda enfrentar a preocupante crise de civilizao sentida de vrios modos pelos filsofos de ento, com forte impacto sociolgico na vida do ocidente. A crise trazia mudanas profundas no modo de pensar e desmontava crenas antigas em verdades imutveis e na natureza estvel do mundo, herdadas da concepo metafsica aristotlica, a qual continha determinaes de todo ser e estava presente nas formas e maneiras particulares dos entes.

    6. Como a crise de civilizao atingia costumes sociais e a organizao poltica dos povos, o novo princpio precisava, alm de considerar os problemas ontognoseolgicos, solucionar as dificuldades ticas e polticas da sociedade europeia. Eram esses os desafios que Ortega y Gasset considerava devessem ser enfrentados pela filosofia do seu tempo. No eram poucos nem simples os problemas espera de soluo.

    7. Essas questes comearam a ser abordadas por Ortega y Gasset em seus primeiros trabalhos. Neles, a vida proposta como realidade fundamental. Em Meditaciones del Quijote (1914) e nos oito livros de El espectador (1916-1934), o filsofo apresenta o princpio metafsico que deveria orientar a meditao filosfica de seu tempo, mas em Qu es filosofa? (1929), Unas lecciones de metafsica (1933) e em La rebelin de las masas (1930), assim como no ensaio Pidiendo un Goethe desde dentro (1932), que ele sistematiza suas meditaes e d densidade terica relao entre o eu e o mundo que esto na base da vida. nos trs livros que ele apresenta sua concepo metafsica de forma rigorosa, inserida na tradio filosfica do ocidente e com a pretenso de apresentar uma nova teoria filosfica. Com ela, enfrentava os desafios de

    historicismo absoluto, o qual pedia uma justificativa rigorosa da reflexo filosfica e uma separao entre os conceitos, como j mencionamos em outra oportunidade. Conforme frisamos Joaquim de Carvalho fez precisa crtica das posies fenomenolgicas sobre a histria da filosofia. Escrevemos (2001): Joaquim de Carvalho explicou que Husserl tinha razo ao separar esprito e histria, mesmo reconhecendo que esta ltima o espao do esprito e que aquele possui histria (p. 61).

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    seu tempo, tanto os problemas trazidos pela compreenso parcial e histrica da verdade quanto a crise de civilizao.

    8. Neste artigo, vamos mostrar como o filsofo caracteriza o fundamento de sua teoria geral da realidade. A vida o modo de ser fundamental, pois a base sobre a qual as verdades do homem se estabelecem. Ao propor tal princpio, o filsofo critica os rumos da Metafsica tradicional, voltada para elementos estruturantes do real localizados no pensamento puro. Ele prefere tratar a vida como travamento do real, vida experimentada na primeira pessoa, ou melhor, na relao insupervel entre o eu e a circunstncia. Partiremos da qualificao de vida feita pelo filsofo, nos seus escritos iniciais. Neles, Ortega y Gasset j descreve a relao entre o eu e a circunstncia; em seguida, apresentaremos a insero de suas anlises na histria da metafsica, assunto dos trabalhos do final da vida, quando suas ideias ganham dimenso filosfica.

    II. A CARACTERIzAO DA VIDA COMO FunDAMEnTO

    9. No ensaio Julian Maras y la metafsica orteguiana, Helio Carpintero observa que a filosofia orteguiana est inteiramente impregnada pelo desafio metafsico de compreender a realidade. Ele destaca, dos comentrios de Maras, a avaliao do raciovitalismo como [...] um ponto de inflexo na histria da metafsica (p. 211). Trata-se, portanto, de uma mudana ou desvio, mas qual? O fundamental da mudana, sustenta ainda Carpintero, est consolidado nas obras Que s filosofa? e Unas lecciones de metafsica, pois, nelas, a vida aparece como a realidade fundamental que os filsofos buscam desde a antiga Grcia. A esses textos preciso acrescentar alguns outros, conforme indicaremos. Igualmente, sabemos que a utilizao da vida como eixo articulador das teses filosficas orteguianas, tratadas como inflexo por Carpintero, aparece em trabalhos anteriores aos livros mencionados. Praticamente toda obra orteguiana, desde as Meditaciones del Quijote (1914), se dedica a caracterizar a vida como o problema fundamental de nosso tempo. Essa afirmao pode ser comprovada no captulo VII de El tema de nuestro tiempo (1923). Ali, afirma o filsofo que a cultura humana comprometida com a busca da verdade estava diante de um novo desafio (1994a, v. 3, p. 179): [...] consagrar a vida, que at agora era s um fato nulo e como que um erro do cosmo, [...] um princpio e um direito. O filsofo esclarece, na sequncia do captulo, que a vida esteve a servio da religio, da cincia, da moral, da economia, da arte etc., apenas no foi tomada em si e fundamento de todo o resto. Tratar a vida como realidade

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    essencial foi prprio de um tempo que nela reconhece o sentido principal da realidade buscado pela Filosofia. Assim ocorreu porque, conforme observa Roger Garaudy (1966, p. 18), experimenta-se o sucesso [...] de uma concepo de cincia, a do positivismo, que a priva de sua significao humana. Por conseguinte, o conceito de metafsica como problema do conhecimento, pensado pelos modernos como tentativa de chegar a uma verdade irrecusvel, reaparece na procura do sentido necessrio e anterior prtica da cincia. A questo pede o exame da subjetividade e do modo como ela se relaciona com o entorno. O que a vida? Como caracteriz-la? Garaudy sugere que o problema de Ortega y Gasset era o de sua gerao.

    10. Tratar a vida como problema central a ser investigado desafio que vinha da herana kantiana e estava sendo enfrentado pela fenomenologia. O tema teve uma abordagem prpria nas Meditaciones del Quijote. Nessa obra, Ortega y Gasset define viver como resultado da relao entre o eu a circunstncia. A insero do eu no mundo faz da vida um compromisso que se deve estudar com determinao. Da a caracterizao da vida como o grande problema a ser desvendado. Dito de outro modo, viver realizar um programa, um destino, desenvolver um projeto vital num mundo que se encontra a. Esse eixo nuclear da ontologia orteguiana j aparece na introduo das Meditaciones del Quijote, lembra Gilberto Kujawski, e se expressa na frase que passou a caracterizar o raciovitalismo a partir de ento (1994, p. 39): Eu sou eu e minha circunstncia, se no salvo a ela tambm no salvo a mim. Assim, a caracterstica principal da ontologia raciovitalista conceber a vida como a tarefa de vencer a circunstncia no quanto ela impede a realizao do projeto vital. A ao humana guarda uma fidelidade ao ncleo interior do sujeito que o filsofo formula como obrigao tica. Quando escolhe, o sujeito est inevitavelmente vinculado circunstncia ou, como enfatizamos (2010, p. 113), [...] ao escolher vamos tecendo nossa vida, alterando a circunstncia. Circunstncia, para o filsofo, [...] tudo o que rodeia o eu: a realidade csmica, a corporalidade, a vida psquica, a cultura em que se vive, nela includo as experincias acumuladas no tempo (CARVALHO, 2009, p. 332). A tarefa vital , assinala Ortega y Gasset, em Ideas sobre Pio Baroja (1998b, v 2, p. 75), [...] querer ser, antes de tudo, a verdade do que somos. Em sntese, a primeira caracterstica da vida, para Ortega y Gasset, parece ser esta: vida tarefa, compromisso inadivel e irrecusvel que temos conosco de vencer a circunstncia, no que ela interdita meu projeto vital.

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    11. A realizao do projeto vital depende do tipo de vitalidade que se tem e que varia entre as pessoas, povos e pocas. Trata-se de imposio biolgica que diferente nas pessoas e sociedades, segundo esclarece o pensador, no ensaio El Quijote en la escuela. Ali, afirma (1998a, v. 2, p. 291): [...] antes que fale a tica, tem direito de falar a pura biologia. Sem sair dela, desde o ponto de vista estritamente vital, nos aparece um valor biolgico positivo, como vitalmente bom, e outro, como valor biolgico negativo, como vitalmente mal. Eis a segunda caracterstica da abordagem orteguiana vida, a realizao do projeto vital uma escolha que envolve mais coisas que uma deciso racional. Ela possui um aspecto tico, mas o mpeto com que a escolha realizada depende do impulso vital que biolgico. a vitalidade o que faz um povo ou um indivduo ser mais vibrante e emotivo, mais rpido ou lento na conduo do tempo vital. A vida possui um tnus vital e isso a caracteriza.

    12. A conduo do projeto vital no se realiza do mesmo modo em todos os perodos da histria. importante identificar os apelos de cada poca para apreender o modo como a vida conduzida. O entendimento de que o projeto vital singularssimo, porque diz respeito a cada indivduo, pede mais que a observao do tnus vital e os aspectos da personalidade. A compreenso exige que se considere tambm o tempo histrico, porque ele impacta a vida singular, conforme seja um momento de maior tranquilidade ou de crise, segundo seja um perodo mais preocupado com os prazeres do que em evitar as dores, ou mais ocupado em evitar dores que obter prazer. No s a existncia singular temporal, o horizonte social tambm , e afeta da vida pessoal. No ensaio Elogio del murcilago, escreve Ortega y Gasset (1998d, v. 2, p. 321): Algumas vezes me ocorreu pensar que h duas classes de pocas histricas: em umas, os homens se preocupam mais em buscar os prazeres que evitar as dores; em outras, acontece o inverso. De acordo com a orientao da poca, a vida ganha balizamentos distintos segundo vise mais ao prazer ou fugir das dores. Dessa maneira, a realizao do projeto vital obriga o homem a voltar-se sobre si porque, como destacamos (1996, p. 84), [...] a pergunta sobre si o que h de mais fundamental para Ortega y Gasset. Eis a a terceira caracterstica da meditao orteguiana: a vida s se esclarece quando se considera o momento histrico em que vivida, j que [...] o homem mergulhado na histria que procura intensamente compreender-se (p. 84). A vida singular temporal e vivida numa sociedade que tambm histrica e cujas caractersticas afetam o drama vital.

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    13. Ao pensar a vida como resultado de escolhas, Ortega y Gasset observa que as opes preferidas pelo sujeito formam uma espcie de trilha na memria pessoal. Tal trilha revela preferncias e d forma ao passado do sujeito. Todos podem conjecturar a respeito dos outros caminhos que seriam percorridos se, ao invs das escolhas feitas, tivessem outras sido feito. A vida seria distinta do que , mas vida mesmo o que . As escolhas podem levar a uma vida mais ou menos densa, mais ou menos charmosa ou mais ou menos profunda. Eis o que assevera o filsofo acerca das inmeras alternativas que compem as vidas no vividas que tnhamos disposio, no ensaio Intimidades (1998c, v. 2, p. 637):

    [...] minhas memrias contaram, junto minha vida efetiva, o que pude viver, vidas perdidas antes de nascer, pobres existncias que para sempre caram sem vida, sem ser cumpridas, espectros errantes que so nosso mltiplo ser fracassado. No se trata de abstratas possibilidades, seno que cada ser humano leva em torno ao ncleo de sua existncia efetiva um elenco concreto, individualssimo de outras possveis vidas, suas e s suas.

    Esta a quarta caracterstica da definio de vida: a existncia real um ncleo em torno do qual circundam outras vidas possveis que teriam sido vividas se, ao invs de um curso, tivesse o sujeito feito outro. Se, ao contrrio de me casar com algum, tivesse escolhido outro ou outrta parceira, se, ao invs de um trabalho, a opo fosse outra, minha vida seria outra. A vida do homem um fenmeno particularssimo que brota de escolhas e caracterizaes de possibilidades que acompanham o ncleo central no tendo sido, embora pudessem ser. A vida um destino construdo com escolhas entre muitas outras possveis.

    14. Vida ao, resultado de escolhas que se sucedem continuamente. Como faz-las? A questo considera a agilidade e vigor com que se age. Construmos uma trilha, com qual ritmo o fazemos? O filsofo prope uma espcie de tocada segura, contnua, mas sem afobamento, num dos discursos parlamentares no advento da Repblica. Em 4 de setembro de 1931, comentou sobre a renovao da vida na Espanha (1994e, p. 384): Faamos, como toda grande reforma [...] que vamos intentar com o tempo justo, sem acelerarmos, porm sem retardarmos, seguindo, pois, a norma que Goethe recomendava para toda nossa vida: avanar sem pressa e sem pausa, como a estrela. Estamos diante da quinta caracterstica da anlise orteguiana: a vida das pessoas e dos povos tem um ritmo que lhe prprio.

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    15. Aproximando a caracterstica anterior da primeira, conclui-se que a vida tem um ritmo timo. A realizao da tarefa vital coloca em evidncia o limite temporal, pois a vida um processo com durao e enquanto se vive que o projeto deve ser realizado. O resultado das combinaes que o tempo para realizar o projeto vital curto, e isso acirra a responsabilidade das escolhas. No h tempo a perder, porque morrer ou deixar de ser significa tornar-se indiferente a tudo. Assim, intimamente, o tempo vital sentido como pressa, explica o filsofo, no anexo de Idea del teatro (1997a, v. 7, p. 500): Vida humana , pois, de pronto, certa durao normal da pessoa, certo tempo que lhe concedido e que sempre escasso. nossa vida lhe falta sempre tempo, por isso essencialmente pressa. Chega-se, ento, sexta caracterstica: embora a vida tenha ritmo, enquanto percepo ntima, ela pressa, a vida pressa de realizar o projeto vital. O projeto, j foi frisado, no um plano intelectual, mas o autntico ser reconhecido por cada eu como sua trilha ou destino.

    III. A VIDA COMO pRObLEMA METAFSICO

    16. No livro Que s filosofa? Ortega y Gasset reafirma que a vida realidade radical que nasce da relao entre o eu e a circunstncia. Tema central de todos os seus estudos, desde Meditaciones del Quijote, a novidade expressa no livro, conforme sintetiza Amoedo (2002, p. 257), [...] a necessidade (filosfica) de expor a sua tese fundamental dando-lhe agora uma formulao to rigorosa que ela pudesse manifestar-se a todos como uma inovao radical da filosofia. A inovao, no que se refere metafsica, tratar a vida como realidade fundamental, isto , como elemento estruturador do real buscado por todos os filsofos. Sobre a vida, a Filosofia deve centrar a ateno e descrever as caractersticas principais. Afirma o filsofo (1997b, v. 7, p. 405): Viver o que ningum pode fazer por mim a vida intransfervel, no um conceito abstrato, meu ser individualssimo. E o que este ser? Como ele se tornou um problema filosfico?

    17. Ele comenta o que significa tratar a vida pessoal como realidade particularssima, no livro En torno a Galileo, publicado em 1933, mesmo ano de Unas lecciones de metafsica. Ali, o filsofo esclarece o carter pessoalssimo do viver. Ningum pode viver pelo outro, em outras palavras, ningum responder aos desafios que eu tenho que resolver. nesse sentido que a vida inalienvel e singularssima, declara o filsofo (1994c, v. 12, p. 23):

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    O homem, cada homem, tem que decidir a cada instante o que vai fazer, o que vai ser no momento seguinte. Essa deciso intransfervel, ningum pode substituir-me na faina de me decidir, de decidir minha vida.

    18. Voltemos ao eixo central de Que s filosofa? Para o filsofo, a melhor forma de tratar os assuntos filosficos fazendo crculos concntricos em torno do problema. Com o mtodo, possvel voltar vrias vezes aos mesmos assuntos e, a cada nova volta, aprofundar a investigao. O que uma primeira aproximao da metafsica mostra? A impossibilidade de a disciplina chegar s verdades universais que almeja alcanar. O resultado do filosofar uma verdade incompleta, construda e melhorada pelas geraes. Ao caracterizar o tempo que antecede suas anlises, ele o considera um momento ruim da Filosofia; nele, a Fsica alcanou grandes xitos e a cincia fora tida como o nico saber vlido. Ortega y Gasset observa que a Filosofia no uma cincia, ela mais, um saber que trata a realidade de forma radical. Uma (1997b, v. 7, p. 335) segunda volta mostra o pensar filosfico como [...] imprescindvel procura de conhecer tudo que h. Cada cincia tem o seu objeto, o da Filosofia o que no pode ser dado. A Filosofia um saber radical, sem pressupostos. Embora ela no trate do que imediato ou til, a Filosofia necessria, pois fundamenta outros conhecimentos. Na terceira volta, o filsofo examina os erros das antigas filosofias. Ele considera que o desafio de seu tempo era superar a verdade idealista e a reduo que ela realiza no conhecimento da realidade. preciso fazer com o idealismo o que ele fez quando apontou os erros do realismo grego. O idealismo uma teimosa e tenaz marcha contra o curso da vida, avalia Ortega y Gasset. A filosofia idealista desvitalizou a vida, sendo importante superar os erros que isso significou. Assim, a superao do realismo grego e do idealismo alemo pede outra Filosofia, que afirme a contribuio do idealismo sem ficar no seu erro, isto : uma nova filosofia da vida. , portanto, como forma de superar o realismo e o idealismo que o autor tematiza a vida como problema fundamental. Chega-se quarta volta, representada pelo desafio de pensar a subjetividade idealista na circunstncia, j que a subjetividade no se afasta do entorno. Ortega y Gasset prope a vida como o problema a ser investigado pelos filsofos contemporneos. Viver condio fundamental e consiste em coexistir com o entorno. O ser esttico das filosofias antigas ser substitudo por um ser atuante aberto a mudanas. O filsofo antigo busca o ser das coisas e inventa conceitos que interpretam seu modo de ser (1997b, p. 393), o contemporneo precisa entender a vida. Viver o que fazemos e o que se passa conosco. Eis a caracterstica bsica

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    descoberta com os giros envolta do problema vida: viver uma revelao, [...] encontrar-me no mundo (p. 424). O assunto tem significado filosfico, quando Ortega y Gasset trata a vida como o ser fundamental.

    19. Antes de entrar na caracterizao da vida como problema filosfico, vejamos o que propriamente uma abordagem filosfica, para nosso filsofo. No livro La idea de principio en Leibniz y la evolucin de la teora deductiva, ele explica o conhecimento filosfico e assevera que Leibniz , por excelncia, um filsofo de princpios. Para Ortega y Gasset, Leibniz realiza com maestria o que todo filsofo busca construir: princpios que forneam certezas para pensar o real. O conhecimento filosfico atividade que se faz, formulando princpios fundamentais. Ortega y Gasset afirma (1994d, v. 8, p. 63): Em filosofia isto se leva a extremos [...], se exige dos princpios que sejam ltimos, isto , em sentido radical, princpios. Leibniz, enfatiza Ortega y Gasset, o filsofo mais completo da modernidade e, pela extenso de seus interesses e estudos, deixou contribuio comparvel de Aristteles para a antiguidade. Ortega y Gasset pensa que os princpios construdos num certo tempo traduzem uma concepo de mundo e que ela a base das crenas que representam a forma de pensar daquele tempo. Filosofia , assim, construo de princpios fundamentais, conforme comenta Julin Maras, no esprito do mestre, em sua Histria da Filosofia (2004, p. 507): A filosofia , portanto, a verdade radical, que no suponha outras instncias ou verdades, tem, alm disso, de ser a instncia superior para todas as verdades particulares. Passemos, na sequncia, caracterizao da vida no contexto da metafsica.

    20. Na filosfica caracterizao orteguiana de vida, comecemos com a assertiva negativa proposta em Que s filosofa?: a vida um ser que no possui determinao fixa. A metafsica, tanto na perspectiva realista dos gregos quanto na idealista dos modernos, quando se refere realidade fundamental, atribui-lhe estabilidade. Para os gregos, realidade fundamental foi que as coisas existem verdadeiramente e formam uma unidade. E o que so mesmo as coisas? Aquelas, cujo ser independe do meu pensamento. A perspectiva moderna ou idealista entende que o fundamental o que se impe, mas isso que se impe depende do pensamento reconhecer-lhe a existncia. Nesse sentido, chega-se a um impasse: o que fundamento depende da conscincia para assegur-lo. Entretanto, sem a conscincia, o mundo perde realidade, a realidade passa a depender do sujeito ou, como sintetiza Mindn (2009, p. 202), [...] a conscincia no agrega realidade a um novo objeto que est a, seno que modifica essencialmente a tese. O idealismo comeou sustentando que, para haver coisas no mundo, preciso um

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    eu que o pense. No entanto, foi alm e fez depender o ser das coisas do eu e isso um exagero, avalia Ortega y Gasset. Nosso filsofo conclui que, se no houvesse mundo, no haveria conscincia, pois sem mundo no h eu. assim que postula ser a vida a realidade que a Filosofia busca, durante toda histria, segundo lembra Mindn: A realidade radical est na dualidade constitutiva do mundo e o homem e podemos comprovar que isto precisamente a vida humana (2009, p. 204). Na perspectiva de Ortega y Gasset, a vida, com toda sua instabilidade, a realidade fundamental buscada na histria da metafsica. Atribui-lhe uma dignidade que ainda no lhe fora reconhecida por nenhum pensador, porquanto est nela a razo maior do filosofar. Estamos diante, destaca o filsofo, no livro Que s Filosofia?, [...] de uma nova ideia de ser, de uma nova ontologia, de uma nova filosofia e, na medida em que esta influi na vida, de toda uma nova vida vida nova (1997b, p. 408). Eis a o sentido filosfico de viver: ver o mundo, pens-lo, toc-lo, apalp-lo, senti-lo, sabore-lo, am-lo ou no. a soma de tudo isso que se chama viver. Vida fenmeno que contempla a relao do sujeito com o mundo de um modo que no fora percebido antes, nem pelo realismo, nem pelo idealismo. Eis a caracterizao bsica e fundamental proposta no princpio: ser viver e contempla relao especial com o mundo.

    21. A descrio da vida como vitalidade, como fora feito em El Quijote en la escuela, ganha tratamento mais elaborado na lio X, de Que s filosofa? O aprofundamento filosfico e a identificao entre vida e ser fundamental aperfeioaro a forma como o filsofo avalia o significado do corpo e do seu funcionamento. Vida no resultado de um processo biolgico, assunto que pode ser tratado pela cincia biolgica. Ele explica (1997b, v. 2, p. 413): Meu corpo mesmo no mais que um detalhe do mundo que se encontra em mim, detalhe que, por muitos motivos, de excepcional importncia, porm que no deixa de ser apenas um ingrediente entre inumerveis que h no mundo ante mim. Os movimentos psquicos, os sentimentos e emoes, por mais intensos e consoladores que sejam tambm no traduzem a realidade fundamental e, como o corpo, integram a circunstncia. Corpo e vida so objetos dos quais a cincia pode dar conta, como tambm afirma Karl Jaspers, na sua Iniciao Filosfica (1987, p. 61): O homem, enquanto existncia no mundo, objeto suscetvel de conhecimento. E, como fizera Jaspers, Ortega y Gasset distinguir vida dos processos estudados pela cincia, mas no a identificar com liberdade, como fez o filsofo alemo, ao propor, no esprito do kantismo, que [...] ser homem fazer-se homem (1987, p. 67). Ortega y Gasset tratar a vida como um nvel profundo de conscincia expresso em Que s filosofa? do seguinte modo (1997b, v. 2, p. 414): [...] viver o que

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    fazemos e o que nos passa. A definio assim explicita a conscincia de viver: [...] viver essa realidade estranha, nica, que tem o princpio de existir para si mesmo. Todo viver viver-se, sentir-se viver, saber-se existindo donde saber no implica conhecimento intelectual nem sabedoria especial nenhuma (1997b, p. 414). Chega-se, assim, a esta outra caracterstica filosfica da vida: viver conscincia especial do que fazer, de como se ocupar da nossa circunstncia ou, nas palavras de Julin Maras, seu intrprete mais conhecido, de modo mais sinttico (2004, p. 506): [...] vida algo que temos que fazer.

    22. Ao se aproximar da herana fenomenolgica, Ortega y Gasset considera a vida como um que fazer que necessita do eu e do mundo como instncias inseparveis. No se pode mais tratar de um sem considerar o outro. O homem relaciona-se com o que o circunscreve e o afeta, quer sejam coisas materiais, quer no. Essas coisas tanto constituem oportunidade de realizao de projetos como so limites que impedem sua realizao. O filsofo apresenta, em Que s filosofa?, um conceito de mundo definido como conjunto de coisas. E acrescenta (1997b, v. 2, p. 416):

    [...] o importante no que as coisas sejam ou no corpos, seno que elas nos afetam, nos interessam, nos acariciam, nos ameaam e nos atormentam. Originariamente isto que chamamos corpo no seno algo que nos resiste e nos estorva, ou nos sustenta e leva [...]. Mundo, em sensu stricto, o que nos afeta.

    Embora Ortega y Gasset garanta que o seu entendimento do mundo se afasta do de Martin Heidegger, a aproximao fenomenolgica , nesse caso, evidente em relao ao que Karl Jaspers denomina realidade, a saber (1987, p. 69): [...] o que nos presente na prtica e que, no convvio com as coisas, com os seres viventes e com os homens, nos oferece resistncia ou se materializa. Assim, temos uma compreenso de mundo ou realidade como conjunto de coisas que nos afeta e do qual no temos como nos separar. Tal compreenso revela o carter dramtico da vida, pois no h como se separar de um mundo que no se escolheu para viver. Podemos fazer ou no coisas, porm, no podemos abandonar o mundo que nos dado. o que salienta Ortega y Gasset, na obra examinada (1997b, v. 2, p. 417):

    [...] isto d nossa vida um gosto terrivelmente dramtico. Viver no entrar em um lugar previamente escolhido por gosto, como se escolhe um teatro depois de jantar seno que encontrar-se de pronto e sem saber como cado, submerso, projetado em um mundo.

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    O conceito de drama existencial apresentado por Ortega y Gasset lembra a derrelio de Martin Heidegger, para quem o homem tem que viver num mundo que no escolheu. Ele se acha jogado na situao, o homem entra no mundo sem razo prvia e de forma contingente. Eis a a terceira caracterstica da vida: vida drama, estar num mundo em que no se escolheu viver e do qual no h como escapar. nele que se vive o projeto vital.

    23. A definio da vida como um que fazer da circunstncia considera viver atividade contnua. A vida tarefa permanente. Faz-la est nas mos de cada sujeito, explica o filsofo: [...] fomos jogados em nossa vida e isto em que fomos lanados temos de fazer por nossa conta, por assim dizer, fabric-lo. Ou dito de outro modo: nossa vida nosso ser (1997b, p. 418). Ora, se viver o que fazemos neste espao em que fomos arremetidos, temos os olhos voltados para o futuro, estamos orientados para l muito mais que condicionados pelo passado. A abertura ao futuro, concebido como transcendncia no tempo, compreenso que Ortega y Gasset partilha com os filsofos existencialistas. Esse entendimento se expressa na ideia de projeto: o homem abre-se ao futuro, orienta-se em direo ao que ainda no , pois o homem no est pronto no ponto em que est. Pelo projeto vital, a vida adquire sentido na circunstncia. Assevera o pensador: [...] viver constantemente decidir o que vamos ser. No percebem o fabuloso paradoxo que isto encerra? Um ser que consiste no que e no que vai ser, portanto no que ainda no (1997b, p. 419). Chegamos, por conseguinte, a esta outra caracterstica da vida: a vida entendida como projeto fundamentalmente o que ainda no , a vida futurio, o que equivale a [...] viver avanando em nosso futuro (p. 435). E aqui novo ponto de aproximao com Martin Heidegger, como j assinalamos (2002, p. 73): [...] viver pre-ocupar-se, ocupar com o que havermos de fazer, sorge.

    24. No ensaio Pidiendo un Goethe desde dentro, Ortega y Gasset completa a caracterizao da temporalidade humana. Se vida essencialmente futurio, como indicamos no pargrafo anterior, o passado de cada um e da sociedade no desprezvel. a nfase no passado como saber acumulado que fornece os elementos para enfrentar as novas crises pelas quais, s vezes, passa a sociedade humana. E o sculo passado viu surgir uma crise social profunda, a qual Ortega y Gasset examinou na sua obra mais conhecida, La rebelin de las masas (1930)3. Esse o tempo em que as massas desejam ser sujeito da 3 A crise do sculo passado tem origem, para Ortega y Gasset, na sociedade de massas. As massas desejaram

    ser, no sculo XX, o que no foram em outras pocas, as protagonistas principais da histria. O tempo das massas o tempo da hiperdemocracia e da desvinculao entre esforo e vida nobre. O assunto foi examinado em O sculo XX em El Espectador de Ortega y Gasset: a crise como desvio moral (2010).

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    histria e onde se perdem as referncias do passado. Quando, no espao social, os desafios no encontram referncias onde se apegar e resolver os problemas, a vida mostra a sua face de risco, de perigo e naufrgio. O assunto ser tambm mencionado em Ensimesmamiento y alteracin (1939), onde a noo de perigo se explicita na poltica. No ensaio sobre Goethe, o assunto tem tratamento metafsico e se expressa, segundo sntese de Gilberto Kujawski, nesta tese (1986, p. 3): [...] o perigo coextensivo vida mesma. De forma radical: o perigo como substncia da vida, esta consiste substancialmente em perigo. Chega-se, assim, a nova caracterstica da vida, pelo risco que lhe inerente. Vida risco. Para enfrentar o risco, preciso se agarrar cultura, experincia que ela acumulou. nela que o homem vai encontrar os elementos importantes para se defrontar com a verdade da sua vida. H, na compreenso orteguiana, muita semelhana com o que refere Karl Jaspers sobre o sentido do passado na existncia (1987, p. 89): [...] a experincia do presente compreende-se melhor refletida no espelho da histria. No entanto, a prpria vida se incumbe de estabelecer o sentido do risco para superar, como afirma no ensaio (v. 4, 1994b, p. 397): [...] o grande inconveniente de que o

    Ali, afirmamos que [...] a caracterstica fundamental da crise do sculo XX era uma atitude comum que, para Ortega y Gasset, marcava a relao entre a massa e a minoria da sociedade. bom lembrar que para o filsofo esta uma diviso comum a todas as sociedades. O que ele observa que no sculo XX, as minorias mais bem educadas nos diversos campos culturais no assumiam a tarefa de dirigir a sociedade, no respondiam aos novos desafios que a vida apresentava, mas cultivavam um saber muito especializado e ignoravam quase todos os outros assuntos. Estas minorias no formavam uma classe social ou grupo, mas se definiam pelas funes que possuem. A ignorncia destas vrias elites representa uma nova forma de barbrie que complementada pela inocncia infantil com que elas julgam a vida e a acham tudo muito fcil. Esta interpretao que o filsofo elabora nos ensaios de El espectador ser desenvolvida em La rebelin de las masas, livro onde explica que o homem do seu tempo deixou de se empenhar com afinco na edificao de uma vida melhor. Este homem aceita a mesmice e se conforma com o modo de vida mais comum. Este doutor ignorante e infantil o homem massa. O homem massa o medocre que no se arrisca em grandes obras e no se entrega a uma causa. O homem massa no se empenha na conduo da vida pessoal entendida como projeto vital e rigorosamente singular. Uma vida humana plena implica no desenvolvimento de uma vocao singular. Ela possui um carter prprio, povoada por tenses e dramas oriundos do que fazer vital (p. 15). Portanto, com a ideia de massa, Ortega y Gasset anunciava a emergncia de uma hiperdemocracia, constituda paradoxalmente por um sujeito individualista e infantil: o homem massa, preocupado em assegurar o gozo imediato, no mais das vezes irresponsvel. Ele antecipou muito bem o quadro descrito por Lipovetsky e Serroy, em A cultura mundo (2011), embora no partilhasse das referncias filosficas da Escola de Frankfurt, as quais marcam as anlises dos dois autores do livro mencionado. Vivemos num tempo, afirmam os dois franceses, [...] de transformaes que permitem falar de um novo regime de cultura, o da hipermodernidade, em que os sistemas e valores tradicionais que perduraram no perodo anterior no so mais estruturantes, em que j no so verdadeiramente operantes seno os prprios princpios da modernidade. Alm da revitalizao das identidades coletivas herdadas do passado, a hipermodernizao do mundo que avana, remodelado que ele est pelas lgicas do individualismo e do consumismo (p. 13).

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    homem acredite estar seguro e perca a emoo do naufrgio que a cultura se torne obra parasitria. A vida, portanto, risco, perigo, mas h, na cultura, os elementos com os quais o homem pode reconstruir suas crenas. E ento, quando no h verdades prontas a que se apegar, o momento em que [...] os braos voltam a se agitar salvadoramente (1987, p. 397). A salvao da vida ocidental est na conscincia dos riscos do naufrgio que chega com o tempo das massas e da hiperdemocracia. Este o risco que a vida corre em nosso tempo, avaliava Ortega y Gasset, como indicamos no livro Introduo Filosofia da Razo Vital (2002, p. 76): O homem massa insensvel ao legado das antigas geraes, incapaz de novos esforos, cego para o fato de que a vida autntica aquela que se sabe desafio. Uma rpida descrio do que est ocorrendo ainda em nossos dias, mais de cinquenta anos depois da morte do filsofo individualismo exacerbado, democracia de massas, desconfiana dos valores, hedonismo consumista e irresponsvel suficiente para perceber que os riscos identificados por Ortega y Gasset permanecem, no que ele denominou nova barbrie.

    25. O livro Unas lecciones de metafsica foi elaborado, segundo testemunho de Julin Maras, a partir de um curso ministrado em 1932/1933, na Universidade de Madrid, cujo ttulo era Princpios de metafsica segundo a razo vital. O curso revela uma doutrina original e com princpios claros, os quais permitem adapt-la s diferentes situaes, inov-la e modific-la. Nas Obras Completas, os manuscritos do curso foram completados com anexos deixados por Ortega y Gasset. Um se refere especificamente lio VI e o outro tem carter geral. Os anexos tinham merecido uma edio separada na Revista do Ocidente, em 1965, mas aparecem publicados no livro apenas nas Obras Completas. Sobre o curso que deu origem ao livro, escreveu Maras (1991, p. 209):

    Nestas lies aparece in statu nascendi a metafsica de Ortega, a que desde ento chamava metafsica segundo a razo vital [...]. Tem-se presente quanto caminho percorreu a metafsica, que zonas da realidade explorou, at onde levou a viso desveladora e conceitual da realidade, pode-se ter a impresso adequada de sua vitalidade como atitude.

    26. A reflexo metafsica tem por propsito saber o que so as coisas de modo radical. da reflexo metafsica que surge a descrio da vida como processo especial de conscincia, que se expressa em trs caractersticas assim apresentadas pelo filsofo (1997c, v. 12, p. 47): 1. A vida se inteira de si mesma,

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    2. a vida se faz a si mesma e 3. a vida se decide a si mesma. Ele tambm trata a vida como conscincia, do seguinte modo: [...] todo viver viver-se, sentir-se viver, saber-se existindo; donde saber no implica conhecimento intelectual nem sabedoria especial nenhuma, seno que essa surpreendente presena que sua vida tem para cada qual, sem esse saber-se, sem esse dar-se conta, a dor de dentes no me doeria (p. 33). O conhecimento metafsico fornece no a posse da coisa, mas seu ser. Fazer e pensar so regies diferentes da vida de cada pessoa. O que o pensar metafsico revela? Na compreenso orteguiana, que o mundo das coisas um grande vazio de ser. A metafsica procura, justamente, clarear o que h para alm do que aparece, ensina o filsofo, no texto transcrito a seguir: [...] na pergunta: que a Terra? (o interlocutor) aspira chegar a esse vazio, a encontrar por traz desse no ser da Terra seu carter positivo, a substituir a impresso de insegurana que experimentamos por um estado de segurana (1997c, p. 86). Nesse sentido, a vida circunstancial: [...] viver encontrar-me, queira ou no, entregue a uma circunstncia (p. 47). Dela preciso se ocupar, o que significa que o sujeito executa um plano nico. A metafsica lhe fornece tal plano. Esse plano particular, como j sublinhamos, pois a vida de cada sujeito singular. Da se constata outra caracterstica fundamental da vida: o plano que arquitetado pelo sujeito elaborado na mais absoluta solido, explica Ortega y Gasset: [...] de verdade fazemos metafsica quando fabricamos nossas convices radicais, o que temos que fazer cada qual por si, em radical solido (p. 101). Pode-se fazer a seguinte sntese, com as caractersticas enumeradas pelo filsofo: a vida um saber-se vivendo em solido.

    27. As duas grandes perspectivas desenvolvidas na tradio filosfica so, para Ortega y Gasset, a realista e a idealista. Trata-se de reconhecimento da validade da leitura kantiana da tradio filosfica. As duas perspectivas representam, em sntese, o esforo humano para vencer a insegurana da perda de certezas que ocorre com as mudanas na compreenso das coisas. A tese idealista mais completa que a anterior, rene o trabalho de muitos filsofos modernos, todavia, tem como problema que a realidade no representada na conscincia parece seguir independente dela. Alm disso, se o idealismo estivesse certo, s existiria pensamento o que parece absurdo, avalia Ortega y Gasset, no texto que se segue: [...] se a realidade radical o pensamento, quer dizer que, propriamente falando, no h mais que pensamento. Adeus coisas, mundo, amigos. Tudo isto no , em verdade, mais que um enxame de ideias. Sou um cego que sonhava que via (1997c, p. 122). O homem precisa estar ante as coisas para que elas existam, mas o real no s pensamento, porque o que existe mais que pensamento. Assim tambm, eu no sou minha

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    vida, pois ela mais que o eu. As consideraes de Ortega y Gasset tratam a vida como resultado de duas instncias, uma imanente e outra transcendente, como se v nesta passagem: [...] as coisas no so eu, nem eu sou as coisas, porm ambos somos imanentes a esta coexistncia absoluta que a vida (p. 127). Eis a caracterizao sugerida no texto: a vida coexistncia absoluta do eu e das coisas, implica um que fazer dentro de determinada circunstncia.

    IV. COnSIDERAES FInAIS

    28. A apresentao da vida como assunto fundamental da Filosofia o tema central da meditao orteguiana e foi o objeto deste trabalho. Ao tratar do entendimento orteguiano de vida, optou-se por acompanhar a caracterizao construda pelo pensador, ao longo de sua trajetria intelectual. Nesse sentido, as obras Qu s filosofa? e Unas lecciones de metafsica representam o ponto culminante, embora no exclusivo, dessa reflexo, porque, nesses livros, o problema da vida inserido na grande tradio filosfica do ocidente. Na verdade, boa parte dos textos elaborados a partir dos anos trinta revela a compreenso metafsica da vida. A tipificao fica mais densa e o filsofo precisa aspectos do problema investigado durante dcadas. Os dois livros mostram a interpretao orteguiana da histria da Metafsica. Dessa forma, ao lado de sua meditao clara e criativa acerca da vida, manifesta-se o conhecimento do professor de Metafsica, cujas lies apresentam a procura histrica da verdade como a formao de crenas que do serenidade. A realidade radical buscada na histria da filosofia se concretiza em teorias que integram a circunstncia das diferentes geraes. A interpretao orteguiana da histria da Metafsica prope um ideal de aperfeioamento da conscincia expresso em formulaes que, se no so completas, podem ser menos incompletas com as sucessivas reconstrues.

    29. A caracterizao da vida tornou-se, em nosso tempo, um problema filosfico. Assim pela insuficincia terica do idealismo e do realismo, afirma Ortega y Gasset. As duas perspectivas produziram ao longo da histria muitas verdades sobre a vida, algumas antagnicas, todas parciais. pela Filosofia que se busca responder pergunta radical pelo fundamento e, com ela, alcanar a verdade radical e superar a parcialidade das verdades j formuladas. Como Ortega y Gasset avalia que nenhuma das duas perspectivas resolveu o problema de forma completa, elaborou uma soluo que englobou ambas as perspectivas e as superou. Foi o que pretendeu com a caracterizao da vida

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    a qual elaborou, no que denominou metafsica da razo vital. Seu projeto semelhante ao de Edmund Husserl, no final da vida.

    CARVALHO, Jos Mauricio de. Ortega y Gasset: life as metaphysical reality. Trans/Form/Ao, Marlia, v. 38, n. 1, p. 167-186, Jan./Abr., 2015.

    ABSTRACT: In this article, we study the characteristics that the Spanish philosopher Ortega y Gasset attributed to life. We show that the essence of his meditations revolved around the subject. However, the issue gained metaphysical density only in the late 1920s , when his remarks were inserted into the philosophical tradition of the West. That is when he pointed out the failure of realism and idealism in the approach to foundations pretended by philosophy, and presented the philosophy of vital reason as a step forward from the two great philosophical perspectives that have marked the history of metaphysics .

    KEYWORDS: Life. Metaphysics. Characteristics. Reality. Circumstance.

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    Recebido em: 19/08/14Aceito em: 12/11/14

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