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ORTODOXIA p. 112 Não precisamos debater sobre as meras palavras evolução ou progresso: pessoalmente prefiro chamar isso de reforma. Pois reforma implica forma. Implica que estamos tentando conformar o mundo a uma imagem particular; transformá-lo em algo que mentalmente já enxergamos. Evolução é uma metáfora que se origina na idéia de um desenvolvimento automático. Progresso é uma metáfora para um simples caminhar ao longo de uma estrada — muito provavelmente a estrada errada. Mas reforma é uma metáfora para homens racionais e determinados: significa que vemos determinada coisa fora de forma e queremos colocá-la em forma. E sabemos qual é a forma. Progresso deveria significar que estamos sempre mudando o mundo para adaptá-lo à visão. Progresso realmente significa (neste exato momento) que estamos sempre mudando a visão. Não estamos alterando o real para que se adapte ao ideal. Estamos alterando o ideal: é mais fácil. p. 113 As grandes e graves mudanças na nossa civilização política pertencem todas ao início do século XIX, não ao final. Pertencem à época de branco e preto, quando os homens acreditavam invariavelmente no conservadorismo dos tóris, no protestantismo, no calvinismo, na Reforma e, com freqüência, na

ORTODOXIA

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Fichamento do livro Ortodoxia

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Page 1: ORTODOXIA

ORTODOXIA

p. 112

Não precisamos debater sobre as meras palavras evolução ou

progresso: pessoalmente prefiro chamar isso de reforma. Pois reforma

implica forma. Implica que estamos tentando conformar o mundo a uma

imagem particular; transformá-lo em algo que mentalmente já

enxergamos. Evolução é uma metáfora que se origina na idéia de um

desenvolvimento automático. Progresso é uma metáfora para um

simples caminhar ao longo de uma estrada — muito provavelmente a

estrada errada. Mas reforma é uma metáfora para homens racionais e

determinados: significa que vemos determinada coisa fora de forma e

queremos colocá-la em forma. E sabemos qual é a forma.

Progresso deveria significar que estamos sempre mudando o mundo

para adaptá-lo à visão. Progresso realmente significa (neste exato

momento) que estamos sempre mudando a visão.

Não estamos alterando o real para que se adapte ao ideal. Estamos

alterando o ideal: é mais fácil.

p. 113

As grandes e graves mudanças na nossa civilização política pertencem

todas ao início do século XIX, não ao final. Pertencem à época de

branco e preto, quando os homens acreditavam invariavelmente no

conservadorismo dos tóris, no protestantismo, no calvinismo, na

Reforma e, com freqüência, na Revolução. E tudo aquilo em que cada

um acreditava, ele o martelava continuamente, sem ceticismo.

Deixe que as crenças desapareçam com rapidez e freqüência, se você

quer que as instituições permaneçam as mesmas. Quanto mais

perturbada for a vida da mente, tanto mais o mecanismo da matéria

poderá agir por conta própria.

p. 114

Podemos dizer, de modo geral, que o pensamento livre é a melhor de

todas as salvaguardas contra a liberdade. Controlada num estilo

moderno, a emancipação da mente do escravo é a melhor maneira de

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impedir a emancipação desse escravo. Ensine-o a preocupar-se com a

questão de querer ou não ser livre, e ele não se libertará. De novo,

pode-se dizer que este exemplo é remoto ou extremo. Mas, de novo, é

exatamente verdade em relação ao homem da rua ao nosso redor.

Enquanto a visão do céu estiver sempre mudando, a visão da terra será

exatamente a mesma.

p. 115

O jovem moderno nunca mudará o ambiente; ele sempre mudará a

mente.

Essa, portanto, é a nossa primeira exigência envolvendo o ideal para o

qual se direciona o progresso: ele deve ser fixo.

Assim, não interessa (comparativamente falando) quantas vezes a

humanidade fracassa na imitação do seu ideal; pois nesse caso os seus

velhos fracassos são frutíferos. Mas interessa dramaticamente quantas

vezes a humanidade muda o seu ideal; pois nesse caso todos os seus

velhos fracassos são infrutíferos.

O homem às vezes atua lentamente com base em novas idéias; mas às

vezes atua com rapidez com base em velhas idéias.

p. 116

O que é afinal a moralidade corrente, a não ser no seu sentido literal —

a moralidade que está sempre correndo em fuga?

Assim, podemos dizer que um ideal permanente é tão necessário para o

inovador como para o conservador.

Deve existir, num determinado momento, um certo e um errado

abstratos para que o golpe possa ser desferido; deve existir algo eterno

para que possa haver alguma coisa repentina.

p. 118

A doutrina pura do progresso é a melhor de todas as razões para não

ser progressista.

Page 3: ORTODOXIA

p. 121

Assim, nossa atitude com o gigante do mundo não deve simplesmente

ser de crescente delicadeza ou de crescente desprezo; deve haver uma

determinada proporção das duas coisas — que esteja exatamente certa.

Devemos ter em nós reverência suficiente por todas as coisas fora de

nós a ponto de pisar a grama com cuidado. Devemos também ter

desprezo suficiente por todas as coisas fora de nós a ponto de, na

ocasião devida, cuspir nas estrelas. Mas, essas duas coisas (se

quisermos ser bons e felizes) devem ser combinadas, não de qualquer

modo, mas numa determinada combinação.

p. 122

Esta é, portanto, a nossa segunda exigência para o ideal do progresso.

Primeiro, ele deve ser fixo; segundo, ele deve ser composto.

Depois passei para a terceira questão, que, a meu ver, era necessária

para uma utopia ou ideal de progresso. Das três, esta é infinitamente

mais difícil de expressar. Talvez se possa apresentá-la assim: nós

precisamos de vigilância até mesmo na utopia, para não cairmos fora da

utopia como caímos do Éden.

p. 125-126

"Se casas limpas e ar puro criam almas limpas e puras, por que não

entregar o poder (pelo menos no momento presente) àqueles que

indubitavelmente têm ar puro? Se condições melhores tornarão os

pobres mais aptos a governar-se a si mesmos, por que condições

melhores já não deveriam tornar os ricos mais indicados para governá-

los?"

Somente a Igreja cristã pode apresentar uma objeção à completa

confiança nos ricos. Pois desde o início ela manteve que o perigo não

estava no meio em que vive o homem, mas sim no homem. Mais ainda,

ela manteve que se quisermos discutir um meio perigoso, o mais

perigoso de todos os meios é o meio confortável.

Page 4: ORTODOXIA

p. 131

Para dar um exemplo óbvio, não valeria a pena apostar se a aposta não

criasse obrigações. A dissolução de todos os contratos não só destruiria

a moralidade, mas também acabaria com as apostas.

p. 149

Conheci pessoas que protestavam contra a educação religiosa com

argumentos contra qualquer tipo de educação, dizendo que a mente da

criança deve crescer livre ou que os mais velhos não devem ensinar aos

jovens.

p. 150

Se quisermos especialmente despertar as pessoas para uma vigilância

social e uma incansável busca de atuação prática, não poderemos

conseguir muito êxito insistindo no Deus Imanente e na Luz Interior, pois

essas são, na melhor das hipóteses, razões de satisfação. Poderemos

conseguir muito êxito insistindo no Deus transcendente e no raio fugaz e

fugidio, pois isso significa insatisfação divina.

p. 152

Gosto de ter alguma justificativa intelectual para minhas intuições.

Quando estou tratando do homem como um ser decaído, é para mim

uma conveniência intelectual acreditar que ele caiu; e eu acho, por

alguma estranha razão psicológica, que posso lidar melhor com o

exercício humano do livre-arbítrio acreditando que o homem dispõe dele.

p. 153

Muitos homens modernos sensatos devem ter abandonado o

cristianismo pela pressão de três convicções convergentes como estas:

primeiro, a convicção de que os homens, com sua forma, estrutura e

sexualidade, são no fim das contas muito semelhantes às feras, uma

simples variedade do reino animal; segundo, que a religião primitiva

surgiu da ignorância e do medo; terceiro, que os sacerdotes imprimiram

na sociedade as marcas da amargura e da melancolia.

Page 5: ORTODOXIA

p. 157

Seguindo a ordem, tomo o exemplo que veio em seguida: a idéia de que

o cristianismo pertence à Idade das Trevas. Aqui não me contentei com

a leitura das generalizações modernas; li um pouco de história. E na

história descobri que o cristianismo não fez parte da Idade das Trevas;

muito pelo contrário, ele foi, através desse período, a única trilha que

não era de trevas. Foi uma ponte luminosa ligando duas luminosas

civilizações.

p. 160

[...] a minha tese pessoal em defesa do cristianismo é racional; mas não

é simples. Trata-se de um acúmulo de vários fatos, como no caso da

atitude do agnóstico. Mas o agnóstico comum entendeu seus fatos de

modo totalmente errado. Ele é um descrente por inúmeras razões; mas

são razões falsas. Ele duvida porque a Idade Média foi de bárbaros, mas

não foi; porque o darwinismo está demonstrado, mas não está; porque

os milagres não acontecem, mas acontecem; porque os monges eram

preguiçosos, mas eles eram muito ativos; porque as freiras são infelizes,

mas elas são particularmente alegres; porque a arte cristã era triste e

pálida, mas ela era representada com cores peculiarmente vivas e com

o brilho do ouro; porque a ciência moderna está se afastando do

sobrenatural, mas ela não está, está se movendo na direção do

sobrenatural com a rapidez de um trem.