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Os Cavaleiros de Arthur

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As tropas de Avalon se vêem encurraladas por um enorme exército Saxão. Arthur sai com uma tropa de olheiros para vistoriar a área, mas desaparece. Acompanhe pelos olhos de Lancelot, o Cavaleiro Branco, as desgraças de uma batalha jamais imaginada e nunca contada. Uma batalha onde os bravos mostrarão realmente se são Cavaleiros de Arthur.

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Os Cavaleiros de Arthur

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Cavaleiros de Arthur

Lancelot caminhava de um lado a outro, nervoso com a batalha que antevia. Os soldados de sua coluna, porém, estavam quietos e impassíveis, olhando para o vasto horizonte, onde o sol se punha, anunciando a chegada das gélidas noites da Bretanha.

Seu cavalo relinchou e ele o guiou pelas intermináveis fileiras de guerreiros. Arthur havia reunido cerca de quinze mil homens, dentre estes guerreiros e homens livres (aqueles que podiam manejar uma espada). Ele sabia que muitos dali não voltariam, pois talvez o inimigo, os saxões, possuíssem o dobro do exército de Avalon.

Em silêncio, ele foi ter com Tristan, que estava à frente de um grupo destacado de arqueiros, que iriam cobrir a primeira fileira inimiga de setas espetadas em seus corpos. Este o olhou enquanto se aproximava e não disse nem sequer uma palavra. Não havia nada a ser dito. Uma nuvem espessa de chuva se unificava sobre suas cabeças. Nem o tempo estava ao seu favor.

- Tempo maldito este, não é mesmo companheiro? – Lancelot perguntou, com certo sarcasmo na voz.

- Sim. – Tristan respondeu seco, enquanto analisava a ponta de uma de suas várias flechas. – Viu Arthur?

Lancelot balançou a cabeça lentamente, olhando para os homens ao seu lado. Sua mente vagava por outro lugar, deixando-se fazer a mesma pergunta.

- Não o vi desde que saiu com um grupo de lanceiros para fazer a varredura da área. Os batedores voltaram. – respondeu ele.

- Os homens estão assustados. Dizem ter visto dragões negros espreitarem por entre as montanhas. E Caradoc confirmou estes relatos.

- Se ele estiver certo, estamos acabados. Tristan limitou-se a confirmar com a cabeça. - Só espero que os Gigantes Frios cumpram com o seu acordo. Com aquela frase, Lancelot se viu lembrando-se de quando ele e Arthur foram

se encontrar com os Gigantes Frios das Montanhas ao Norte. “Eram criaturas semelhantes a bárbaros, mas cinco vezes o tamanho de um

homem normal. Possuíam uma barba espessa que descia até os peitos nus e seus machados eram enormes, com cabos feitos de troncos de árvores remodelados. O Senhor dos Gigantes, Malauhtred os recebeu em seus aposentos reais, uma caverna larga e que se estendia por muitos metros. Tochas iluminavam fracamente o local, mas Arthur e Lancelot foram guiados pelo caminho certo, até se encontrarem com o temível gigante, que os esperava num trono enorme ornamentado com pedras preciosas rubras.

- O que humanos como vocês fazem em minhas terras? – perguntou ele, e sua voz se assemelhava a um trovão.

- Malauhtred! Sou Arthur de Avalon, e este ao meu lado é Lancelot, o Cavaleiro Branco! Viemos em paz, rogar-lhe ajuda para que eu derrote meus inimigos. – Arthur havia dito à Lancelot que quando se tratava de gigantes, deviam-se escolher muito bem as palavras.

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- E o que eu ganharia nisso? – perguntou Malauhtred, e o salão cavernoso ribombou.

- Os saxões, se nos dominarem, irão acabar com as florestas e com o habitat dos gigantes! – Arthur gritou, seu punho estava colado ao cabo da espada.

- Se eles tentassem, mataríamos todos! - Mas estes homens são tantos que nem seus poderosos punhos e seus melhores

gigantes seriam capazes de sobreviver por muito tempo, ó Malauhtred, Senhor dos Punhos de Gelo!

Lancelot permanecia de cabeça baixa, seguindo as ordens de Arthur para não encarar um rei como Malauhtred. Naquelas terras, o rei conversava apenas com um rei, não mais do que isso.

Malauhtred silenciou-se por um momento, olhando para os dois homenzinhos à sua frente. Seu dedo indicador roçou a parte de cima de seu bigode e seu cenho franziu. Arthur parecia ter conseguido seu intento.

- Sábias palavras, Arthur de Avalon. Espere por nossa ajuda em duas luas. Duas luas, Lancelot pensou, é tempo demais. O inimigo pode estar marchando contra nós

neste exato momento. Embora sua vontade de questionar aquilo fosse muito forte, ele se controlou e ficou em silêncio. Duas luas equivaliam a quase duas semanas.

Ele viu a discordância nos olhos de Arthur, mas a resposta que o seu futuro rei deu não foi a que ele esperava.

- Está feito então, em duas luas esperaremos o seu ataque. Malauhtred sorriu e meneou positivamente com a cabeça. - Se é somente isto, eu tenho de ir cuidar de outros assuntos. – disse ele. - De fato. Mas me responda antes, qual será o número de gigantes que me

disponibilizará? – Arthur perguntou frio como aquele ar que respiravam. - Quinhentos gigantes, contando com Malauhtred e seu filho, Malamburg. Aquilo pareceu satisfazer Arthur, que sorriu e acenou positivamente com a

cabeça, antes de dar um toque no braço de Lancelot enquanto se dirigiam para a saída da caverna.”

Lancelot foi acordado de seus pensamentos pelo grasnar de um corvo que circulava sobre a sua cabeça. Seu cavalo branco arrancou tufos de grama e barro remanescente da última chuva que açoitou o exército de quinze mil homens na noite passada.

Caradoc surpreendeu Lancelot, e avançava junto com Bors e Galahad, todos homens da Távola Redonda. Os três, que costumavam rir das batalhas, estavam com expressões mais firmes.

- Pelos céus! Se não é o sumido Cavaleiro Branco! – Bors falou, desta vez sorrindo.

Lancelot também sorriu e cumprimentou os amigos. Haviam praticamente crescido juntos e foram treinados para matar.

- Viram Arthur? – perguntou ele. - Nem sinal. Ele não foi com aquele grupo de espadachins para bater a área? –

Bors respondeu, com cara de dúvida. - Lanceiros. E sim, mas os lanceiros voltaram. - Quem lhe disse isso? – agora era Caradoc quem perguntava. - Ouvi dizer, mas até agora não avistei ninguém. – Lancelot respondeu. – Por

quê?

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- Eu estive observando o horizonte para onde Arthur partiu há muito tempo. Ninguém chegou, a menos que tenham vindo pela retaguarda.

- E você também viu dragões voando pelo horizonte, não é? – Bors perguntou satírico.

- Eu vi os dragões. E não vi os batedores retornarem. – Caradoc estava sério. Uma onda de preocupação passou pelos cavaleiros ali e os levou junto para a

maré de medo. O que haveria de ter acontecido ao grupo de batedores e a Arthur? Precisavam descobrir.

- Selem seus cavalos. – disse Lancelot, com os olhos fulminantes. – Caradoc, sabe para onde eles foram?

- Sim. – Caradoc disse, já saindo para procurar seu cavalo. - Excelente! Não soem o alerta e muito menos digam aos outros soldados! Se

souberem que Arthur está desaparecido, entrarão em pânico, mais do que já estão! Encontramos-nos no Tabelião! – Lancelot sabia que andava sobre um piso muito fino de gelo e que à menor soma de peso, tudo iria por água abaixo. – Tristan, fique aqui. – Aquilo soava mais como uma advertência do que como uma ordem.

- Eu vou. – Tristan disse, guardando seu arco e sua aljava às costas e selando seu cavalo.

Lancelot sorriu nervoso. Sabia que não podia discutir com a força de vontade de Tristan, pois acabaria perdendo. Se morressem naquela missão secreta, teriam decretado o fim de toda Bretanha.

Os dois esporearam suas montarias quase ao mesmo tempo e partiram em direção ao tabelião, onde cerca de quinze cavaleiros os esperavam. Caradoc, Galahad, Bors, Constantino, Daniel, Cordo, Galehaut, Gareth, Gauvain, Lucan, Leonel, Palamedes, Safir (irmão de Palamedes), Tor e Peredur aguardavam Lancelot e Tristan se reunirem a eles.

- Irmãos, - começou Lancelot, enquanto os outros escutavam. – creio que o Rei Arthur está perdido! Há um bom tempo que ele foi com um grupo de batedores para reconhecer a área, mas até agora não nos deu sinais de vida. Precisamos ir atrás deles! Caradoc sabe o caminho e nos guiará! Vamos pelo nosso irmão! Vamos pelo nosso rei!

E todos tiraram as espadas e a ergueram em frente ao Tabelião improvisado. Iam para o resgate de seu Rei. Seus cavalos cruzaram as várias fileiras de soldados, enquanto Caradoc os guiava.

Cavalgaram por um bom tempo até se aproximarem de uma floresta densa e que emitia vez ou outra o piar de um pássaro ou outro barulho da fauna local. Nenhum soldado os parou para lhes perguntar para onde iam.

Cordo e Safir desceram dos cavalos, enquanto amarravam-nos às grossas árvores. Em pouco tempo, todos os dezessete cavaleiros estavam naquela floresta estranha e lamacenta. Haviam raízes aéreas por todos os lados e a água inundava certas partes, fazendo com que eles tivessem de dar a volta para ultrapassar o obstáculo.

Bors sempre andava resmungando em qualquer lugar, e naquele não era diferente. Se seu pé se atolava, ele gritava e praguejava contra o Diabo. Uma vez ele até escorregou numa poça e caiu sentado, e aquilo arrancou risadas de seus companheiros, mas dele não. Ficou tão nervoso que começou a esmurrar o chão com tamanha ferocidade que os pássaros fugiram de suas copas.

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- Calma Bors! O chão não irá sentir estes fracos murros. – Palamedes disse, rindo enquanto andava.

- Demônios malditos! – Bors resmungou. – Não tenho o respeito nem de meus próprios companheiros!

- Claro que tem! Ninguém bebe tanto quanto você! O recorde sempre será seu! – Galehaut disse.

- Calem-se e se concentrem no caminho, pelo Amor de Deus! – Lancelot quebrava os galhos retorcidos que se punham em seu caminho a espadadas.

Andaram por um longo tempo e não tiveram nem sinal dos batedores ou de Arthur. Os guerreiros começavam a perder as esperanças, caminhando lentamente e em silêncio (menos Bors que continuava a resmungar). Até que finalmente Tristan fez um sinal para que parassem. Todos seguraram seus movimentos enquanto ele avançava por entre as árvores para pegar algo que estava caído ao chão.

Trouxe consigo um pedaço de pano branco e manchado com pequenas gotas de sangue.

- Ainda está fresco. – disse ele, tocando o sangue com seu dedo polegar. - Não devemos estar muito longe. Vamos continuar. – disse Lancelot. A noite já havia caído por completo e a visibilidade era muito ruim. Os ruídos

se intensificaram, deixando os cavaleiros loucos. Os mosquitos também não davam trégua naquele momento. Choviam picadas por todos os lados e os guerreiros nada podiam fazer a não ser abanar os braços para afastar os insetos.

- Essa floresta é do diabo! – disse Bors. - Calado. – Constantino falou e colocou seu indicador na boca. - Ninguém me manda ficar calado! – Bors gritou. - Eu disse para ficar calado! Eu ouvi alguma coisa. – Sua voz havia se

transformado num sussurro rapidamente. Tristan e Lancelot estavam com seus olhos presos ao redor, tentando se

acostumar à escuridão. Mas era praticamente impossível. Não possuíam tochas e a chance de encontrar qualquer coisa havia sido diminuída a zero. Porém, a ideia de esperar o dia mais uma vez chegar para continuar a busca estava fora de cogitação para aqueles homens.

E finalmente os guerreiros puderam ouvir aquilo que julgavam ser um grito de uma garota. Nunca haviam ouvido aquilo antes, era aterrador! Desembainharam suas espadas e andaram cautelosamente em direção ao som, seus pés quebravam pequenos galhos que estavam caídos no chão, mas o barulho era abafado por outros ruídos.

- O que foi isso? – perguntou Lancelot. - Não sei, mas temo que logo nós vamos descobrir. Ouça, o som está se

intensificando! – Constantino falou. Todos pararam para ouvir naquele momento, e realmente o som se intensificava

aos poucos. Era um grito de dar calafrios, e Lancelot tinha certeza que aquilo os levaria até seu Rei.

Começaram a seguir às cegas lentamente, com as espadas em mãos. Tristan puxava e retesava a corda de seu arco, sempre que ouvia um farfalhar estranho por entre as folhagens. Seus olhos estavam atentos a tudo que ocorria em sua volta.

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Não é preciso os olhos para ver. Dizia ele, e era isso que fazia naquele momento. Seus ouvidos conseguiam captar cada movimento, cada brisa que chacoalhava sua cabeleireira.

A lua jogava seu brilho por entre as copas, mas nem isso era capaz de auxiliá-los. E antes que pudessem perceber, já estavam a alguns metros da origem do som. Uma fogueira fora acesa no meio da mata, e aquilo fez com que os olhos dos guerreiros doessem. Era tão bom poder ver novamente a luz, mas tão dolorido ao mesmo tempo.

E a visão que eles tiveram daquela clareira, não era das melhores. Vários corpos estavam pendurados nos galhos das árvores, alguns esquartejados, outros enforcados, mas pelo menos em uma coisa todos eram iguais. Estavam todos mortos.

Lancelot agachou atrás de uma moita e fez um sinal para que todos abaixassem também. Era possível ouvir vozes naquela clareira, mas o grito gutural não podia mais ser escutado.

- Um Rei! Um Rei! Reis devem ver os seus morrerem antes de perecer! - Sim! E agora todos morreram! E você é o próximo! - É sim, é sim! É o próximo, sim, sim! - Malditos ratos imundos! – e todos reconheceram aquela voz cansada como

sendo a de Arthur Pendragon. - Shh! Não faça ruídos, senão estouraremos seu ouvido rápido e com muita dor. - Tentem. – ele sussurrou. E o grito gutural novamente se fez ouvir, seguido pelo de Arthur, que parecia

estar agonizando com aquele berro. Lentamente, Lancelot se ergueu de seu esconderijo, tentando localizar Arthur e seus sequestradores, que haviam provado não serem humanos.

Quando os localizou, não acreditou no que via. Dez criaturas, semelhantes a ratos estavam em frente à uma árvore, e nela estava Arthur, amarrado pelas mãos e pelos pés. Possuía um olho roxo e um pequeno filete de sangue escorria de sua boca e pingava na grama.

Os animais eram repugnantes, seus rabos enormes balançavam de um lado a outro, às vezes traçando um arco em volta de seus corpos delgados. Possuíam uma roupa feita em trapos que talvez tenham vindo de suas vítimas. Possuíam uma lâmina curvada para trás, para pegar homens que usavam escudos. Eram espadas perigosas aquelas.

- Vamos matá-lo agora. – disse um deles, o mais alto e mais corpulento. - Sim. – todos disseram em uníssono. Lancelot viu que Arthur não baixou o olhar em nenhum momento sequer, mas

o medo era evidente. Estava na hora de agir. Nem precisou alertar Tristan de seu serviço. O arqueiro colocou uma flecha na corda e puxou-a, levantando-se e mirando tão rápido quanto qualquer outro.

Uma das criaturas não teve tempo nem de pensar. Quando percebeu que estava sendo atacada, já tinha uma flecha espetada na parte de trás de sua cabeça. Um sangue escuro respingou no chão e logo uma poça do mesmo líquido se formou abaixo do animal.

Neste momento, os outros cavaleiros se ergueram num salto, prontos para atacar e matar por Arthur. Os animais fizeram um círculo, costas com costas.

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Pensavam como humanos evidentemente. Gritavam insultos enquanto olhavam os guerreiros pularem sem parar por entre as moitas. Palamedes seguiu ao lado de Cordo e ambos atacaram duas criaturas que surgiram primeiro em seus campos de visão.

Cordo girou sua espada pequena e leve sobre a cabeça e a desceu de encontro ao peito de um rato (com o que de fato eles se pareciam), porém a criatura aparou o golpe, lançando faíscas que saíram do cruzar das lâminas. Os braços de Cordo tremeram e ele recuou para de encontro à uma árvore, e não viu quando mais um rato descia do tronco para cortar sua garganta. O toque da lâmina era frio, mas não chegou a cortá-lo. Quando pensou que ia morrer, Cordo viu a criatura cair aos seus pés com uma flecha na cabeça. Um pequeno filete de sangue escorria de seu pescoço, mas não era nada sério. Procurou por Tristan e quando o encontrou, agradeceu com um aceno de cabeça, indo novamente batalhar contra a criatura à sua frente, que o encarava com medo.

Ele avançou, com o sangue pulsando em sua cabeça. A adrenalina estava agindo em seu corpo. Mais criaturas desciam pelas árvores. Com certeza nem Arthur sabia daquilo, pois sua face de espanto era mais que evidente. Cordo viu de relance que Lancelot tentava se aproximar do Rei, mas sempre era impedido por outras criaturas.

O rato tentou atacar Cordo, que se desviou pulando para trás enquanto a lâmina passava rente ao seu corpo. Quando a espada se afastou, ele investiu contra a criatura e enfiou a lâmina na garganta dela, que gorgolejou enquanto mais sangue escuro escorria pela arma.

Palamedes girou a espada rente ao seu corpo e quando percebeu, estava cercado por três ratos, que possuíam um sorriso mortal em seus rostos animalescos. Sua respiração começou a se tornar acelerada. Mas era um cavaleiro e não sentia medo. Havia enfrentado coisas piores que aquelas. A primeira criatura estacou contra ele, e com seus reflexos ágeis, ele pulou para o lado no momento em que a espada passava em direção à sua costela. Rapidamente ele girou a sua arma e a enfiou na barriga do atacante, enquanto ele gritava mais uma vez de dor. O som fez com que os sentidos de Palamedes ficassem aturdidos. E isso o levou ao fim.

Uma espada trespassou sua garganta em toda a sua extensão, enquanto outra lâmina acertava sua coluna espinhal e outra cortava suas pernas. Eram quatro, seu idiota! Pensou ele antes de morrer.

Safir olhou para aquela cena e sentiu tanto ódio que partiu para cima dos três restantes que haviam matado o seu irmão. Pulou sobre eles com sua lança em riste, atingindo a cabeça de um, enquanto com a outra mão buscou o cabo de sua espada forjada nas terras longínquas e a acertou na cabeça de um rato. Rapidamente, ele puxou sua lança de volta, fazendo respingar mais sangue negro no chão e viu a última criatura correndo em quatro patas para longe dele. Respirou fundo e lançou a arma que foi de encontro à coluna do rato, que rugiu de ódio e dor. Andou lentamente até ele e cortou sua cabeça.

Sem pensar, ele correu de volta ao irmão para tentar ajudá-lo, mas ele já havia deixado aquela vida. Uma gota de lágrima se formou em seus olhos e desceram pela sua bochecha. O ódio ainda estava em seu peito. Voltou para a batalha, pronto para matar.

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Lancelot estava ao lado de Caradoc, e também estava assustado. Não podia imaginar que eram tantos daquele jeito. As criaturas desciam das árvores e pulavam das moitas. Era como uma armadilha. Ele tentava se aproximar de Arthur, mas era quase impossível. Os ratos pareciam prever seus movimentos e pulavam em sua direção, prontos para impedi-lo de chegar ao seu destino. Arthur estava impotente amarrado naquela árvore, mas tentava lutar contra as cordas, tentando levantar seus braços para tentar se livrar, mas era impossível.

O Cavaleiro Branco girou sua espada de encontro à cabeça de uma das criaturas, que se defendeu do ataque e acertou-o com um chute no abdome, fazendo com que ele recuasse contra uma árvore. Quando foi investir mais uma vez, Bors atacou a criatura por trás, passando sua fina e mortal adaga na goela do rato, que gorgolejou, se engasgando com o próprio sangue.

- Obrigado. – falou ele, partindo para ajudar Arthur finalmente. Com uma destreza impressionante, ele cortou as cordas que atavam o corpo de

Arthur à árvore, libertando finalmente o amigo e Rei. - Sempre metido em problemas. – Lancelot falou, com um sorriso nervoso se

formando em sua face. - Não posso fugir de meus instintos. – disse ele, pegando uma espada de um

dos ratos que estava morto próximo a ele. – Eles são muitos. - De fato, mas vamos conseguir. Trouxe comigo dezesseis cavaleiros. - Agora são quinze. – disse Arthur, apontando para o corpo de Palamedes

estendido na relva. – Mas não há tempo para conversas agora, temos que batalhar! Arthur correu de encontro a um grupo de criaturas junto com Lancelot, ambos

de espadas em mãos e prontos para matar. Um rato tentou acertar o Rei na cabeça, mas ele se desviou com elegância e deu uma rasteira no monstro, jogando-o no chão. Então rapidamente ele abaixou sua lâmina, que atravessou a barriga do animal.

Só a visão dele batalhando, com sua armadura prateada e com pequenos ornamentos em seu ombro, tal como a capa rasgada que ia até suas nádegas, com furos de espadas e rasgos longos, foi o suficiente para que os outros cavaleiros tivessem a vontade de lutar aumentada. E as tropas daquelas criaturas grotescas não tiveram chance.

Tristan acertou cinco daqueles monstros na cabeça, mas muito mais chegavam das árvores e moitas. Ele tinha de agir rápido. Puxava e soltava, puxava e soltava, puxava e soltava, sem parar, sem tempo para miras. A adrenalina no seu corpo subia rapidamente, seu sangue esquentava a medida que tudo aquilo acontecia à sua volta.

Caradoc viu que o companheiro arqueiro estava em perigo contra uma criatura que se aproximava pelas suas costas e correu para socorrê-lo, mas quando percebeu que não tinha mais jeito de chegar lá primeiro, jogou sua espada, acertando-a na cabeça da criatura. Ele sorriu por ter salvado seu amigo, mas logo a sua felicidade acabou quando uma lâmina trespassou sua barriga. Ele olhou aquilo, incrédulo. Mas não havia mais o que fazer. Ajoelhou-se na relva, enquanto o tempo ao redor de si parecia diminuir de velocidade. Os ratos caíam, seus companheiros lutavam. O lugar cheirava a morte. A fogueira ainda crepitava.

Era isso! A fogueira! Quando sentiu que a espada saia de seu corpo, fez um último esforço para

correr até a fogueira e pegar um toco de madeira fumegante. O fogo queimava suas mãos, mas ele não se importava com nada disso, estava quase morrendo, sentia a

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sua vida se esvair aos poucos. O véu que o mantinha preso ao mundo material havia sido rasgado, e ele era puxado para outro lugar. Com sua última energia, ele jogou a tocha em direção à moita, mas havia sido muito fraca. Ficou infeliz com o seu fracasso, mas teve tempo ainda de ver Arthur agarrar o toco e olhar para ele com aquele carisma contagiante, enquanto ele lia em seus lábios algo como: Vá em paz. Sorriu, e morreu, enquanto a clareira agora queimava ao redor dos inimigos.

Os ratos começaram a ficar apavorados! Corriam de um lado para o outro, tentavam subir em árvores, mas estas já estavam em chamas. Alguns tentaram pular as moitas, mas morreram queimados. Arthur havia ajudado Caradoc, que havia morrido bravamente para proteger seus companheiros.

- Vencemos! – gritou Bors, cansado e feliz ao mesmo tempo. Depois de um longo silêncio, quando as criaturas pararam de invadir a clareira e

as poucas que sobravam queimavam aos poucos, Arthur falou, com Lancelot e Tristan ao seu lado:

- Não, Bors, meu amigo. Perdemos. Palamedes e Caradoc eram homens valorosos e suas perdas vão ser muito sentidas. Morreram para me salvar. Mostraram o valor que possuíam. Safir. – chamou ele, e Safir apareceu, com lágrimas a escorrer pelo rosto preto de fuligem. – Seu irmão será para sempre lembrado, pode ter certeza disto!

Safir acenou positivamente com a cabeça, emocionado com tudo aquilo. Havia sobrevivido enquanto o irmão perecera. Por que o destino havia sido tão cruel? Mas ele tinha certeza que Palamedes estava em um lugar melhor que aquele.

As chamas continuavam a rodeá-los, lançando um calor muito forte sobre os homens na clareira, mas logo uma garoa começou e por sorte o fogo se extinguiu por completo. E tudo tornou a ficar escuro.

- Temos de ir embora, antes que mais destas criaturas voltem. – disse o Rei, com tom de autoridade, e todos saíram daquele lugar infernal. Safir levou o corpo do irmão nas costas, enquanto Bors levava o de Caradoc, para poderem dar um enterro digno a eles.

Mas em pouco tempo, o peso e o cheiro fétido que os corpos exalavam começava a causar náuseas nos companheiros, embora as gotas de chuvas lavassem os ferimentos e escorressem o sangue pela roupa dos carregadores. Porém, Bors e Safir não mostravam nenhum sinal de que deixariam ali seus companheiros mortos.

E quando os raios de sol começavam a aparecer, a chuva também cessou. Arthur ordenou que todos parassem por um momento e que descansassem. E naquela floresta, enquanto procuravam a saída dela por uma trilha que desaparecia e reaparecia em todo o momento, ele mandou que procurassem por gravetos secos. Seria ali o velório dos corpos de Palamedes e Caradoc, que já estavam inchados com vários líquidos que se acumulavam, correndo risco de explodirem enquanto os dois cavaleiros os carregavam.

Não foi fácil encontrar gravetos secos para que o fogo os consumisse rápido, mas logo encontraram alguns numa região mais afastada. Com calma, Bors e Safir colocaram os corpos de seus companheiros encima do monte de galhos e Arthur tratou de acender uma fogueira, esfregando madeira na madeira, criando atrito e assim, faíscas que resultaram no fogo.

Os corpos se incendiaram enquanto os cavaleiros da távola redonda viam as chamas atingirem níveis muito altos. Safir foi o último a dar adeus ao irmão,

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colocando ao seu lado um pano vermelho, como lembrança. O fiapo entrou em combustão rapidamente, e se foi junto com Palamedes.

- Ele está num lugar melhor. – disse Arthur, com pesar em sua voz. Tristan viu Safir acenar positivamente com a cabeça. Ele nem sequer imaginava

que Caradoc havia salvado sua vida e nunca saberia, que naquele momento ele respirava por um homem que se entregou à batalha para deter o avanço sorrateiro de um rato que iria matar o arqueiro. Com seus olhos de águia, Tristan viu de longe a fumaça subir e a madeira crepitar, enquanto os corpos estralavam devido ao intenso calor.

E assim eles foram embora, quietos e em luto. Haviam perdido dois companheiros, dois bravos guerreiros. Mas Safir havia perdido mais do que isso, havia perdido seu irmão, sua única família.

Quando finalmente saíram da floresta, o sol já estava à pino. Os cavalos ainda estavam amarrados às árvores, exatamente onde os deixaram.

- Devem estar morrendo de fome. – disse Tor. - Que nada. Olhe o tanto de tufo de capim que foi arrancado ao redor deles. –

disse Peredur, sorrindo e passando a mão pela crina do equino, que o olhava com seus imensos olhos negros.

Arthur montou no cavalo de Caradoc, enquanto Leonel levava o outro ao seu lado. E assim todos seguiram para o exército que os aguardava. Mas a cena que viram era pura desolação. Indícios de incêndio ocupavam a região onde antes estava situado um exército de quinze mil soldados, mas que agora haviam sido reduzidos a não mais que seis mil homens.

- O que, diabos, aconteceu aqui? – perguntou Lancelot, com incredulidade. - Dragões. – disse um lanceiro, apoiado em sua arma, enquanto sua perna ferida

estava enfaixada com um pano ensanguentado. – Vieram do norte, por entre as montanhas e nos atacaram com ferozes bolas de fogo! Eram... Eram negros como a noite e... Meu Senhor, eles destruíram grande parte da guarnição! Como vamos sobreviver à um próximo ataque? – ele possuía uma expressão preocupada no rosto, que ia se intensificando quando ele viu a face de Arthur, cheia de hematomas e manchas de sangue sobre sua armadura.

- Sobreviveremos, meu bom guerreiro. – disse o rei, com uma voz solidária, enquanto pousava uma mão no ombro do lanceiro.

Depois, Arthur e Lancelot estavam sozinhos no tabelião do exército diminuto que seria reduzido a cinzas.

- Caradoc estava certo. – Lancelot falou, mais para si mesmo do que para Arthur, que se inclinou para ouvir melhor.

- O que? – perguntou ele, sem entender nada. - Caradoc havia nos dito que vira alguns dragões passarem pelas montanhas.

Achamos que ele estava vendo coisas, afinal, dragões estão bem longe daqui. – Lancelot explicou.

- Meu amigo e conselheiro Cavaleiro Branco, os dragões estão tão próximos de nossas vidas quanto eu estou perto de você agora. Os saxões, quando dominaram a parte Leste da Bretanha, conseguiram conquistar alguns dominadores de dragões. E goblins e hobgoblins também, como aqueles que você enfrentou na floresta. São criaturas que foram invocadas do inferno, por algum tipo de necromante que desconheço.

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- Merlin? - O Velho Merlin? Não. Ele disse que estaria ao meu lado, mas que não se

envolveria em nossas brigas. Apenas me pediu que deixasse seus magos do Castelo da Lua fora de meus assuntos.

- Ou seja, ele pode nos ajudar, mas não vai. – Lancelot começava a sentir dúvida sobre a lealdade daquele velho.

- Merlin é mais esperto do que imagina. Se caso eu precisar dele e ele se ver ameaçado também, virá ao nosso socorro. Ele sabe quando eu estou em perigo. E se até agora ele não apareceu, é porque estou bem.

E acabado de dizer isso, um guerreiro robusto entrou no Tabelião arfando com o coração aos pulos. Arthur olhou-o com surpresa e perguntou:

- O que foi homem? Diga logo! - Saxões. Eles chegaram. Aquilo foi suficiente para que Arthur e Lancelot se levantassem e corressem

para a frente do exército. Ao norte, viram aquilo que parecia ser um formigueiro enorme. Milhares de homens se moviam em direção ao seu pequeno exército. E com aquilo, ele enxergou a sua destruição.

- Lancelot, reúna todos os cavaleiros da távola redonda. Agora! – Arthur ladrou, e Lancelot o obedeceu, correndo a procurar os outros companheiros.

Em pouco tempo estavam todos reunidos em volta de uma mesa redonda, olhando para um único lugar, onde Arthur estava sentado, vermelho de ódio e com as têmporas pulsando. O rei sabia que teria de ser rápido se quisesse sobreviver.

- Tristan, eu quero que você fique no flanco esquerdo, logo atrás da vanguarda, que vai ser comandada por Lancelot, Galahad e Leonel. Quantos são os homens que podem manejar um arco?

- Cem no máximo. – Tristan respondeu sério, sem pestanejar. - Vão ter de servir. – Arthur falou com desdém. – Eu irei logo à frente de todo

o exército, com um destacamento de dois mil homens. - Mas senhor! Eles são muitos! Vai ser destroçado logo na primeira investida. –

Bors interveio, vendo a maluquice daquele plano. - Não temos outro meio. E eu quero que todos vocês me acompanhem, os que

restaram. Estarão ao meu lado e sob minha vigília! – em seguida ele retirou a famosa espada Excalibur, de aço mágico, e a esticou para a mesa, com a ponta virada para um dos cavaleiros, que fez a mesma coisa, até que todas as espadas e uma flecha estivessem cruzadas.

Os Cavaleiros da Távola Redonda iam novamente para a batalha, aquela que definiria suas vidas.

*** Lancelot aguardava ansiosamente a investida inimiga à frente de seu

destacamento. Ele era a vanguarda, e se Arthur caísse, ele seria o encarregado de salvar o reino. Mas como salvar algo que já estava perdido? O tempo de duas luas havia se concretizado, e os gigantes não apareceram.

Desde o começo o Cavaleiro Branco não havia acreditado em Malauhtred e sua corja. Odiava os gigantes por serem traidores e grosseiros. Aquelas criaturas dizimavam vilas inteiras apenas por brincadeira, por que haveriam de ajudá-los naquele momento?

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A espada em sua mão pesava, assim como toda aquela responsabilidade que se descarregava sobre seus ombros. Olhou de soslaio para Galahad e Leonel, ambos jovens e com muito a viver ainda, mas com ânsia de batalha e sangue. Dos três, era Leonel o mais jovem, mas era vigoroso e possuía força de vontade de muitos homens juntos.

As tropas de Tristan estavam ao flanco esquerdo, meio escondidos atrás de algumas árvores, o que lhes garantia certo ataque surpresa. O único problema era que os saxões também possuíam arqueiros.

O exército inimigo estava parado na montanha, a jogar ofensas indecifráveis aos homens de Arthur. Mas era praticamente impossível ouvir qualquer coisa à uma distância de mais de duas milhas.

Não se via nenhum sinal de dragões ou outras criaturas, apenas os malditos humanos pintados de azul que inundava o horizonte. E então o que todos esperavam aconteceu.

Eles avançaram. E Arthur também. Dois mil homens ao seu lado, indo enfrentar um número

vinte vezes maior. Estamos acabados. Lancelot deixou-se pensar, mas ainda confiava no seu rei, e morreria por ele.

Arthur era a ponta da lança, como ele dizia. Corria ao meio do seu destacamento, tentando atingir o coração da besta. Enquanto isso, Tristan equipava seu arco com suas flechas, até que finalmente as setas cortaram o ar e atingiram os atacantes. Vários corpos da linha de frente caíram e foram pisoteados por aqueles que vinham logo atrás. A batalha havia finalmente começado.

Os cavalos começaram a empinar, assustados com os gritos, mas Lancelot, Galahad e Leonel os mantiveram no lugar. Não iriam recuar nem um passo. O silêncio daquele lado era pesado, mas logo toda a calmaria iria se encerrar, e então o destacamento do trio, cerca de mil homens, iriam perecer ou vencer o exército, embora a primeira opção fosse a mais possível.

E então, impotentes, eles viram a lança de Arthur adentrar no exército inimigo, derrubando vários homens pelo caminho. Não conseguiam distinguir os perdidos, mas quanto menos soubessem seria melhor.

E para piorar a situação, os dragões vieram. Suas sombras cobriram toda a superfície da batalha, e os homens nunca sentiram tanto medo como naquele momento. Os cavalos queriam fugir dali o mais rápido possível, visto que aqueles seres eram gigantes e negros, com olhos vermelhos e sedentos de sangue. De suas bocas saíam pequena labaredas de fogo, que acertava muitos homens, que começavam a agonizar, queimando aos poucos.

Eram cerca de vinte dragões, o suficiente para transformar aquela guerra numa chacina. Eles estavam perdidos.

Pelo menos era o que Lancelot pensava até aquele momento. Mas quando ele viu as enormes pedras voando como mágica para fora da floresta, ele sabia que ainda tinham chance.

Cinco dragões foram acertados e tombaram sobre o exército inimigo, enquanto o destacamento de Arthur lutava bravamente. A verdade é que Lancelot ainda não sabia se seu rei estava vivo, e não queria descobrir que ele havia perecido. Mas aquela mudança na batalha foi o suficiente para animá-lo. Saindo de trás das várias

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árvores, os gigantes atacaram os inimigos. Eram muitos e estavam ferozes. Traziam imensos tacapes em suas mãos, prontos para usá-los contra o exército inimigo.

Lancelot viu no meio de todos aqueles seres Malauhtred, o Poderoso Punho e Malamburg, o Pastor de Mortos. Dois títulos que faziam jus a quem os usava. Malamburg era tão impiedoso que, mesmo que uma batalha estivesse ganha, ele pisoteava os inimigos só para ter certeza. Já Malauhtred possuía um soco tão potente que ele podia causar terremotos tenebrosos.

- OS GIGANTES ESTÃO NOS AJUDANDO! – disse Leonel, feliz. Os dragões caíam com ferocidade sobre os gigantes, que os espantava como

moscas gigantes, balançando de um lado a outro o tacape, e quase os acertando. Alguns até conseguiam, e as criaturas negras rodopiavam e caíam no meio da batalha, atingindo tanto o exército inimigo quanto o de Arthur.

E então Lancelot sabia o que fazer. Ordenou que todo o seu contingente avançasse contra os inimigos. Tristan veio logo atrás com os arqueiros, enquanto as setas rasgavam o céu e atingia os inimigos. Uma delas (que Lancelot supôs ser de Tristan) acertou o cavaleiro de dragões, fazendo com que esse caísse dos enormes estribos e se estatelasse no chão, puxando consigo o dragão.

Os cavalos avançavam rapidamente, cobrindo centenas de metros em poucos minutos. Galahad, o Audaz, se inclinou na cela e se apoiou nos estribos, e quando o inimigo se aproximou, ele empunhou sua espada e empalou vários, enquanto os que estavam do outro lado pensavam se tratar de um cavalo sem cavaleiro.

Lancelot conseguiu se aproximar de Arthur, e ambos começaram a massacrar o inimigo. Seu rei estava com várias manchas de sangue por toda a roupa, enquanto mais daquele líquido viscoso pingava em seus corpos, quando cabeças e membros eram decepados. Os saxões gritavam ofensas e pediam redenção, mas nem isso os Bretões ofereciam. E o cheiro da batalha logo inundou as narinas dos guerreiros. Era uma mistura de sangue, fezes e urina e morte, muita morte.

O Cavaleiro Branco conseguiu notar Bors no meio daquela multidão, e também viu o momento em que ele decepava a cabeça de um saxão sem dó com sua pequena adaga, que sempre o acompanhava. Sangue espirrou em sua face, mas ele continuava a rir bêbado com o júbilo da batalha.

Um saxão veio até Lancelot com seu machado de guerra de dois gumes, pronto para acabar com ele, mas o cavaleiro se jogou para o lado e o homem passou reto, tentando recompor o equilíbrio, mas já era tarde demais. Como se cortasse manteiga com uma espada, Lancelot enfiou a espada por baixo das costelas do saxão, até o coração. Conseguia sentí-la pulsando. O homem apenas olhou para o céu, incrédulo e caiu duro no chão. Eram tantos os corpos que havia ali, que era difícil até de se locomover.

No meio daquela gente toda, Lancelot pôde ver Leonel e Constantino, caídos e com rasgos enormes nas costas e na barriga. Mais dois cavaleiros haviam sido perdidos. Mas a batalha continuava.

Os dragões continuavam a lutar, agora com o fogo concentrado mais nos gigantes, que lutavam contra estes também. E então tudo ficou em câmera lenta para Lancelot, quando sentiu uma pontada de dor que vinha de suas costas. Em sua barriga, uma espada estava enfiada. Sangue começou a brotar de sua boca, e ele caiu na relva.

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Com os últimos vestígios de suas forças, ele viu um dragão rodopiar no ar e se quebrar num mar de pessoas. Sentiu também que seu corpo era arrastado pela grama, mas não sabia quem o tirava dali. NÃO! Queria ter gritado. Devo morrer em batalha, ao lado de meus irmãos!

Seus olhos tornaram a se fechar e por um momento Lancelot não pensou ter forças para abrir mais uma vez. A luz novamente atingiu suas pupilas e ele pôde ver homens de manto azul que se diferenciavam dos outros guerreiros e que usavam cajados, lançando o que pareciam ser bolas de plasma no peito dos inimigos. Estaria ele enlouquecendo? Era aquilo que uma pessoa próxima à morte sentia?

E um grito cortou o ar, tão retumbante para os ouvidos de Lancelot quanto o som dos trovões que cortavam o ar.

- OS SAXÕES ESTÃO RECUANDO! VIVAS A MERLIN! E então ele apagou, sem tempo de processar aquilo que acabara de ouvir. A

morte havia chegado para ele. Ele já podia sentir os dedos frios segurarem sua garganta, e então a dor parou. E tudo ficou embaçado, nenhum som mais, apenas a calmaria da morte.

E depois só a escuridão. Seus olhos se abriam aos poucos, se acostumando à luz fraca. Estaria ele no céu,

onde poderia fazer parte do Exército de Deus? Tentou se levantar, mas uma pontada de dor em sua barriga o fez desistir. Estava numa cama, e ouviu alguém dizer:

- Não se levante. Está fraco demais. - E-eu morri? – perguntou ele, com voz cansada. - Não. Graças à mim, não. Lancelot se obrigou a abrir mais os olhos, vendo assim um velho homem com

um chapéu azul e com uma lua crescente desenhada. Uma barba espessa e branca descia até seus pés. E então ele o reconheceu.

- Merlin? - Sim. – o velho tinha um sorriso caridoso. - Como me salvou? – perguntou o cavaleiro, sem entender nada. – Onde está

Arthur? Vencemos? Posso falar com ele? - Calma! Todas as suas perguntas serão respondidas. Uma de cada vez. – Merlin

disse com simplicidade, cruzando os dedos. Lancelot respirou e encarou o mago. – Eu o salvei com magia, pois como você sabe, sou mago. – Isso é óbvio. Pensou Lancelot. Conhecia a história de Merlin melhor que ninguém, exceto Arthur. – Arthur está cuidando dos feridos e de seu exército remanescente. – continuou o mago. – Vencemos a batalha, pois os Saxões recuaram quando viu meus magos se aproximando. E em breve creio que poderá falar com ele.

Lancelot ainda não entendia nada. Parecia não haver mais nenhum ferimento em sua barriga, o que era ainda mais estranho. Olhou com descrença para Merlin, mas não disse nada. Estava muito feliz por estar feliz e poder lutar mais um dia. E quando pensou que teria de esperar para falar com Arthur, o Rei entrou na tenda, com um sorriso em sua face e uma cicatriz que cortava sua bochecha da direita para a esquerda. Ostentava um belo sorriso quando o viu.

- Que bom que está melhor! Já estava na hora de acordar. - Quanto tempo eu dormi? – Perguntou Lancelot, espantado.

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- Cinco dias. – Arthur disse como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo. –Merlin falou que isso poderia acontecer mesmo.

- Cinco dias? – Lancelot não podia acreditar. – Preciso retornar à batalha. Meus irmãos precisam de mim.

- Lancelot. Quanto a isso, - Arthur parecia ter pesar em sua voz. – Somos os únicos cavaleiros da távola sobreviventes.

Um silêncio mortal se abateu sobre aquele ambiente. Lancelot não sabia mais o que falar. Não estava preparado para aquela resposta. Sua mente começou a recobrar as imagens de todos os seus companheiros, todos mortos.

- Tristan. Como ele morreu? – perguntou, sem nenhuma outra reação. Tristan era um de seus melhores amigos ali.

- Um dragão caiu no destacamento de arqueiros que ele comandava. Creio que tenha sido isso o motivo de sua morte.

Lancelot acenou positivamente, segurando as lágrimas de saudade que se aglomeravam em seus olhos. Com todas as forças que lhe restavam, ele se levantou da cama e suas pernas fraquejaram, enquanto uma dor lancinante o fez gemer.

Arthur foi ajudá-lo a ficar de pé, e quando tentou colocá-lo de volta na cama, Lancelot recusou e, com firmeza falou:

- Meus irmãos morreram enquanto eu vivo. Eu vivo sendo que já estava morto. Não vou ficar deitado aqui.

- E aonde vai? – perguntou Arthur, sem entender, lançando pequenas olhadelas para Merlin, que estava com a paz em seu rosto.

- Para a guerra, meu Rei. Para onde eu nunca deveria ter saído. – e foi para fora da tenda, mancando.

A guerra não podia esperar. Ele tinha de defender seu reino. Proteger seu Rei. Salvar as famílias que depositaram em suas costas a confiança. Ele era Lancelot, o Cavaleiro Branco, um dos únicos cavaleiros da Távola Redonda ainda vivos. E a batalha o chamava.