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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3 Cadernos PDE I

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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3Cadernos PDE

I

LEITURA E RECONTAÇÃO DE CONTOS AFRICANOS.

Maristel Sauer1 Ubirajara Araujo Moreira2

Resumo: Este artigo tem por objetivo descrever a implementação do Projeto “Leitura e Recontação de Contos Africanos”, desenvolvido no primeiro semestre de 2015, com uma turma de 8º ano do Ensino Fundamental do Colégio Estadual Professora Linda Salamuni Bacila, Ponta Grossa, PR. Com o objetivo de contribuir, mediante a leitura e recontação de contos africanos, para a conscientização e o aprimo-ramento das relações étnico-raciais na Escola e fora dela, foram trabalhados, com diferentes estraté-gias, os contos “Os três gravetos”, ‘As três moedas de ouro”, “Três mercadorias muito estranhas”, de Rogério Andrade Barbosa, “Por que o Sol e a Lua vivem no céu”, de Fernando Correia da Silva, e “O dia em que explodiu Mabata-bata”, de Mia Couto. A partir da leitura, interpretação e recontação dos contos, desenvolveu-se tanto a sensibilização estética como ética, visando o conhecimento e a valori-zação da cultura negra e a melhoria das relações étnico-raciais. A leitura de narrativas africanas, com seus personagens intrigantes, enredos carregados de metáforas e desfechos surpreendentes, faz aflo-rar a importância de valores para a sociedade atual. Palavras-chave: Contos africanos. Leitura. Recontação. Relações étnico-raciais.

Introdução

Este artigo decorre da implementação do Projeto de Intervenção Pedagógica

apresentado ao Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, da Secretaria de

Estado da Educação do Paraná, intitulado: “Leitura e Recontação de Contos Africa-

nos”. A implementação foi realizada no Colégio Estadual Professora Linda Salamuni

Bacila, com alunos da turma do 8º Ano A, do Ensino Fundamental. Esses alunos par-

ticiparam de atividades de leitura e recontação de contos africanos nas aulas de Lín-

gua Portuguesa. Este trabalho, que envolve conteúdos da cultura africana, possibilita

reflexões sobre as relações étnico-raciais, tendo em vista o enfrentamento de precon-

ceitos e discriminações presentes no ambiente escolar e na sociedade.

Foi constatada a necessidade de desenvolver o projeto depois de se observar,

em sala de aula, situações de desvalorização da cultura negra e desrespeito aos afro-

descendentes. No espaço escolar ocorrem brincadeiras carregadas de preconceito,

1 Professora PDE, 2014-2015. Especialista em Magistério de 1º e 2º Graus em Metodologia do Ensino, pelo Instituto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão (IBPEX). Licenciada em Letras – Português/In-glês, pela Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG. Professora de Português lotada no Colégio Estadual Professora Linda Salamuni Bacila. Ponta Grossa, PR.

2 Orientador. Doutor em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo – USP. Professor Asso-ciado, lotado no Departamento de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG. Ponta Grossa, PR.

piadas, expressões ou metáforas pejorativas sobre o negro. Por muito tempo, o negro

foi representado de forma inferiorizada nos livros didáticos, na literatura, no interior

das escolas, nos espaços sociais, na mídia impressa (jornais, revistas, publicidade) e

mídia televisiva (programas humorísticos, telenovelas...).

Com a implementação do projeto “Leitura e Recontação de Contos Africanos”, a

leitura de obras literárias esteve presente em sala de aula, oportunizando uma forma-

ção de leitores capazes de compreender que os contos apresentam as variadas etnias

que formam o continente africano e mostram a diversidade humana e tradições de

seus povos. Os contos sempre foram importantes para a transmissão de valores das

sociedades. Muitos acontecimentos da história ou relatos da cultura dos povos pude-

ram ser registrados porque houve o interesse e a sabedoria de alguém que contou o

que aconteceu para uma geração e assim foram registrados na memória e, depois,

na escrita.

O projeto atendeu o previsto na Lei nº 11.645, de março de 2008, que apresenta

a seguinte redação:

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. § 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da soci-edade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econô-mica e política, pertinentes à história do Brasil. § 2º Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministradas no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística, de literatura e história brasileira. (BRASIL, 2008).

O Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para

a Educação das Relações Étnico-Raciais considera que:

[...] os preceitos enunciados na nova legislação trouxeram para o Ministério da Educação o desafio de constituir em parceria com os sistemas de ensino, para todos os níveis e modalidades, uma Educação para as Relações Étnico-Raciais, orientada para a divulgação e produção de conhecimentos, bem como atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos quanto à plurali-dade étnico-racial, tornando-os capazes de interagir e de negociar objetivos comuns que garantam, a todos, respeito ao direitos legais e valorização de identidade, na busca de consolidação da democracia brasileira. Por este mo-tivo, a compreensão trazida pela Lei 11.645/2008, sempre que possível, está expressa neste Plano Nacional (BRASIL, s/d, p.10-11).

Como se vê, a abordagem da temática africana deve enfatizar, entre outros as-

pectos, as contribuições da cultura africana para a formação de nosso país. Conforme

a lei em questão, a disciplina de Língua Portuguesa é uma das privilegiadas para o

estudo dessa temática.

O segundo parágrafo do artigo 26-A da Lei 11.645/08 reforça a importância da

literatura produzida no âmbito da cultura afro-brasileira. É importante destacar que a

nova legislação ao se efetivar nas escolas, através de obras literárias, contribuirá para

a construção de uma nova visão do negro na formação da sociedade brasileira.

O projeto possibilitou aos alunos do Ensino Fundamental a leitura de obras lite-

rárias que apresentam o negro com seus valores, ensinamentos, sabedoria, que, por

silêncio durante anos, não chegaram ao contexto escolar. Para este trabalho, foram

escolhidos contos dos autores Mia Couto, Rogério Andrade Barbosa e Fernando Cor-

reia da Silva.

É importante destacar que a oralidade foi uma prática discursiva relevante para

a preservação dos conhecimentos e trajetória dos africanos. Sobre esta questão, Le-

tícia Maria de Souza Pereira diz que:

[...] A importância da tradição oral africana, na transmissão de valores simbó-licos, liga-se ao fortalecimento das relações entre os integrantes de um grupo ou comunidade e à criação de uma rede de transmissão de conhecimentos dessa coletividade. (PEREIRA, 2012, p. 47).

Ao selecionar e reunir estas obras para a leitura e recontação, esperamos con-

tribuir para a melhoria das relações raciais, educar cidadãos orgulhosos de seu per-

tencimento étnico-racial, tendo seus direitos garantidos e sua identidade valorizada.

Uma forma de combater o racismo e as discriminações a ele associadas é conhecer,

compreender e valorizar a cultura e a história dos povos africanos.

Objetivos

Objetivo Geral

- Contribuir, mediante a leitura e recontação de contos africanos, para a conscientiza-

ção e o aprimoramento das relações étnico-raciais na escola e fora dela.

Objetivos Específicos

- Oportunizar aos alunos maior conhecimento sobre valores e saberes da cultura afri-

cana, bem como sua apreciação e fruição, por meio da leitura e recontação de contos

africanos.

- Implementar a leitura de contos como fonte de formação, informação e acesso à

literatura africana.

- Resgatar e valorizar, mediante a leitura e recontação de contos africanos, saberes e

conhecimentos da cultura africana junto ao alunos, contribuindo para a ampliação de

seus horizontes culturais e humanísticos.

- Estimular os alunos a procurarem outras obras relacionadas com a cultura afro-bra-

sileira, após o contato com contos africanos trabalhados em sala de aula.

Fundamentos teóricos

Com o propósito de conduzir os alunos ao prazeroso universo da leitura literária

e contribuir para o letramento de leitores competentes, o projeto “Leitura e Recontação

de Contos Africanos” proporcionou um convívio estimulante com a literatura, assim

como possibilitou a aquisição de informações sobre a cultura africana.

De acordo com as Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa, a leitura esta-

belece um ato dialógico, a interlocução entre texto e leitor.

Nestas Diretrizes, compreende-se a leitura como um ato dialógico, interlocu-tivo. Que envolve demandas sociais, históricas, políticas econômicas, peda-gógicas e ideológicas de determinado momento. Ao ler, o indivíduo busca as suas experiências, os seus conhecimentos prévios, a sua formação familiar, religiosa, cultural, enfim, as várias vozes que o constituem. (PARANÁ, 2008, p. 56).

A recontação de contos proporcionou momentos de interação entre os alunos,

o professor e os autores. Com esta atividade, os alunos envolveram-se no mundo da

fantasia e também expressaram suas opiniões. Ao recontar as histórias, há possibili-

dade de se estar mais próximo daquilo que o autor quis transmitir. Quando narramos,

colocamos nossa emoção, nosso jeito de narrar. Para recontar, pode-se utilizar a ora-

lidade, os desenhos, a poesia, histórias em quadrinhos, dramatização. No artigo “Re-

contar histórias”, Maria Angélica do Carmo Zanotto fala da importância de ouvir histó-

rias porque:

Permite desenvolver um esquema de texto narrativo. Permite o contato com a linguagem escrita padrão. Amplia o vocabulário, desenvolve a criatividade. Aprende a lidar com seus medos e expectativas. Ouvindo histórias, pode sen-

tir emoções importantes, como a raiva, a tristeza, o medo, a alegria, a inse-gurança, a tranquilidade. Vivenciar essas emoções por meio dos persona-gens das histórias, auxilia a esclarecer e a lidar com as angústias, como a morte, a perda, o preconceito. É através de uma história que se pode desco-brir outros lugares, outras épocas, outros modos de ser e de agir. (ZANOTTO, 2003, p. 5).

A leitura e a oralidade são práticas discursivas importantes no processo de en-

sino-aprendizagem da língua. Conforme as Diretrizes Curriculares:

[...] o processo de ensino-aprendizagem na disciplina de língua, busca apro-fundar, por meio da leitura de textos literários, a capacidade de pensamento crítico e a sensibilidade estética, permitindo a expansão lúdica da oralidade, da leitura e da escrita. (PARANÁ, 2008, p. 54).

É importante relembrar os desafios da representação dos negros na literatura

infantojuvenil no Brasil. Como ressalta Ione Jovino:

A literatura dirigida ao público infantil começa a ser publicada no Brasil nos fins do século XIX e início do século XX. No início tinha fins didáticos, ou seja, eram publicações destinadas à educação formal, à moralização ou à evange-lização de crianças e jovens. Mas os personagens negros só aparecem a partir do final da década de 20 e início da década de 30, no século XX. É preciso lembrar que o contexto his-tórico em que as primeiras histórias com personagens negros foram publica-das, era de uma sociedade recém saída de um longo período de escravidão. As histórias dessa época buscavam evidenciar a condição subalterna do ne-gro. Não existiam histórias, nesse período, nas quais os povos negros, seus conhecimentos, sua cultura, enfim, sua história, fossem retratados de modo positivo [...]. Somente a partir de 1975 é que vamos encontrar uma produção literária in-fantil mais comprometida com uma outra representação social brasileira; por isso, podemos conhecer nesses período obras em que a cultura e os perso-nagens negros figurem com mais frequência. (JOVINO, 2006, p. 187).

Segundo Júlio Emílio Braz (2006, p. 5) pouco se fala sobre a África para os jo-

vens de hoje. E quando se falou, buscou-se mais a discussão sobre as religiões ou o

folclórico, quando não o estereótipo.

Ainda hoje, o negro é apresentado como o “objeto escravo”, sem passado, pas-

sivo, inferiorizado, desconfigurado, desprovido de cultura, saberes e conhecimentos.

É como se o negro não tivesse participado de outras relações sociais que não fosse

a escravidão. A resistência dos negros à escravidão parece não existir. As contribui-

ções e as tecnologias trazidas pelos negros para o país são omitidas. Aliás, o cultivo

da cana-de-açúcar, do algodão, a mineração, a tecnologia do ferro eram originárias

de onde? Do continente europeu? O continente africano é apresentado como um con-

tinente primitivo, menos civilizado. As pirâmides do Egito foram construídas por euro-

peus ou por africanos? Essas lacunas, evidentemente, contribuíram para a constitui-

ção da ideologia de dominação racial e do mito de inferioridade da população negra.

(Cf. CHAUÍ, 1980).

Mestre Didi questionava:

O que dizer da literatura brasileira que esquece o saber negro da nossa for-mação social? São raros mesmo os que admitem a expressão afro-brasileira fora da categoria folclore brasileiro. E não faltam razões para isso, pois a cul-tura negra no Brasil se mantém, em grande parte, devido à sua possibilidade de se disfarçar e calar. A cultura negra pode sobreviver, escapar ao extermí-nio, silenciando quando devia. A história da cultura afro-brasileira é principal-mente a história de seu silêncio, das circunstâncias de sua repressão. A ora-lidade, percebe-se, é necessária não apenas à sua dinâmica interna, mas também a seu posicionamento de defesa diante da cultura dominante, o meio interno. Daí o primado da tradição que, num sistema de comunicação oral, é o meio de conservar o saber e transmiti-lo, no tempo, de uma geração para outra. (DIDI, 1976, P.7)

Mestre Didi descende de uma antiga linhagem de sacerdotes Ketu-Nagô, tendo

sido iniciado desde sua infância no culto aos ancestrais por africanos e afro-baianos.

Buscou sempre preservar e divulgar a sua herança cultural. A importância de Mestre

Didi reside principalmente em sua condição de porta-voz autorizado da tradição negra

na Bahia, uma memória viva e atuante do passado afro-brasileiro. Em seus livros de

contos há ensinamentos que circulavam oralmente na sua comunidade e que apren-

deu desde a infância.

Durante a implementação do projeto foram desenvolvidas práticas de leitura de

contos, utilizando livros de literatura infantojuvenil, pois, como observa Maria Betty

Coelho:

A literatura infantojuvenil é fascinante, traz resultados imediatos e alunos me-lhoram a maneira de expressar-se, interessam-se pelos autores e leem com prazer. A força da história é tamanha que o narrador e ouvintes caminham juntos na trilha do enredo e ocorre uma vibração recíproca de sensibilidade, a ponto de diluir-se o ambiente real ante a magia da palavra que comove e enleva. A ação se desenvolve e nós participamos dela, ficando magicamente envolvidos com os personagens, mas sem perder o senso crítico. Há histórias que enfatizam mensagens, transmitem conhecimentos. A história aquieta, prende a atenção, socializa, educa, é importante alimento da imaginação. Permite a autoidentificação, favorecendo a aceitação de situações desagra-dáveis, ajuda a resolver conflitos, acenando com a esperança. Agrada a to-dos, de modo geral, sem distinção de idade, de classe social, de circunstância de vida. (COELHO, 1998, p.12).

Cabe à escola aproximar crianças e jovens de obras literárias, ampliando suas

experiências de letramento e contribuindo para exercer a cidadania, conforme defende

Ezequiel Theodoro Silva:

[...] a prática de leitura é um princípio de cidadania, ou seja, o leitor cidadão, pelas diferentes práticas de leitura, pode ficar sabendo quais são suas obri-gações e também pode defender os seus direitos, além de ficar aberto às conquistas de outros direitos necessários para uma sociedade justa, demo-crática e feliz. (SILVA, 2005, p. 24).

Os contos fazem pensar, intrigam, trazem descobertas, provocam susto, riso,

encantamento. Conto (do latim contare = falar) é uma narrativa breve de um fato real

ou fantasioso, desenrola-se com poucas personagens, apresenta apenas um drama,

tem espaço e tempo restritos, privilegia o diálogo e possui uma linguagem objetiva.

Por meio da leitura do conto pode-se descobrir outros lugares, outros tempos, outras

formas de agir e ser, outra ética. (NA PONTA DO LÁPIS, 2009).

Deve-se ressaltar a importância dos contos que registraram a trajetória e cultura

africana que permanecem em nossa cultura.

Implementação

O projeto de Intervenção pedagógica “Leitura e Recontação de Contos Africa-

nos” foi implementado, no primeiro semestre de 2015, na turma do 8º Ano A do Ensino

Fundamental, formada por 33 alunos, sendo 17 meninas e 16 meninos, do Colégio

Estadual Professora Linda Salamuni Bacila, localizado em Ponta Grossa, Paraná.

A carga horária do Projeto foi de 32 h/a, nas aulas de terças e quartas; as ativi-

dades desenvolvidas visavam atender ao objetivo de contribuir, mediante a leitura e

recontação de contos africanos, para a conscientização e o aprimoramento das rela-

ções étnico-raciais na Escola e fora dela. As atividades foram desenvolvidas de

acordo com o cronograma da Unidade Didática especificamente programada.

No dia 24 de março de 2015 foi apresentada à turma a proposta de implementa-

ção da produção didático-pedagógica. Foi explicado aos alunos que eles participariam

de um projeto de leitura e recontação de contos africanos.

A importância da leitura e os contos

Para conduzir os alunos ao prazeroso universo da leitura literária e contribuir

para o letramento de leitores competentes, a primeira atividade realizada foi a exibição

do curta-metragem “Os Fantásticos Livros Voadores do Sr. Lessmore”, dos diretores,

William Joyce e Brandon Oldenburg. Antes da exibição do curta-metragem, foi repas-

sada a sinopse aos alunos. Eles fizeram a leitura da sinopse e comentaram sobre a

importância dos livros na vida das pessoas. Durante a exibição do vídeo, todos assis-

tiram com muita atenção. Depois, comentaram sobre a linda história de amor que o

Sr. Lessmore dedica aos livros. Através dos livros, o leitor é transportado para novos

horizontes, novas buscas e compreende o poder de transformação da leitura no dia a

dia de cada ser humano. Para que os alunos registrassem a importância da leitura

em suas vidas, eles redigiram frases, fizeram ilustrações e montaram um painel que

foi exposto no saguão do Colégio. Eis algumas frases escritas pelos alunos:

“Sem a leitura, vivemos num mundo escuro, cheio de dúvidas. Mas, com a lei-

tura, podemos ter certezas e conhecimentos a cada dia.”

“O livro tem magia e deixa as pessoas com alegria.”

“Somente quem lê um livro, sabe a magia que ele traz. Quando você lê, viaja

para outro lugar, viaja em meio a tantas palavras e esquece dos problemas. Um livro

pode mudar seu dia.”

“Quando não lemos, a nossa vida fica sem graça. Mas, ao lermos um livro, o

mundo fica com mais cor, mais vida e nossa criatividade aumenta.”

“O livro é importante na nossa vida, porque aprendemos coisas novas, melhora-

mos a escrita e vemos coisas interessantes a cada leitura.”

“Sem livros, o mundo não tem cor. O livro não traz só o conhecimento, traz tam-

bém alegria e o sentido de viver. Todos temos um vazio, que muitos preenchem com

a tristeza, com o mal. Mas, por que não preencher com a leitura de um livro?”

“Certos livros fazem refletir sobre o que você está vivendo e muda algumas ati-

tudes. Basta lê-lo.”

“Os livros são importantes para o nosso entender da vida.”

“O livro é muito significativo para nossa vida, ele nos ensina a viver e refletir

sobre o mundo em que vivemos.”

Para o encaminhamento da leitura dos contos foi realizada uma investigação

sobre os conhecimentos que os alunos têm a respeito do gênero “conto” e qual pessoa

teria despertado, em cada um, o gosto pelas histórias lidas ou ouvidas. Dos 30 alunos

presentes, 11 alunos responderam que o gosto pelas histórias ouvidas ou lidas foi

despertado pela mãe; 8 responderam que foi a professora; 5 alunos responderam que

foi a avó; 3 disseram que foi a irmã; 2 alunos responderam que foi o pai.

Visões sobre a África e Países Africanos Lusófonos

Para realizar a leitura dos contos africanos, também foi importante perguntar aos

alunos sobre as informações que eles têm sobre a África.

A maioria dos alunos respondeu que a África é um lugar muito pobre, tem muitas

doenças, pessoas que passam fome, falta água, lugar onde havia escravos. Os alunos

disseram que não tinham lido textos da literatura africana ou afro-brasileira.

Iniciei a aula perguntando aos alunos se sabiam o que são países lusófonos.

Eles não sabiam o que significava lusofonia. Ouviram a música “Lusofonia”, de Marti-

nho da Vila. Depois de compreenderem sobre lusofonia, a turma foi dividida em grupos

para pesquisar a capital, o número de habitantes do país, área (extensão) e curiosi-

dades sobre os países africanos lusófonos. Foram formados cinco grupos, cada um

ficou responsável pela pesquisa de um país africano lusófono, a saber: Angola, Cabo

Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe.

No dia da apresentação dos trabalhos sobre os países africanos lusófonos, dois

grupos surpreenderam. Os alunos produziram vídeos respectivamente sobre Angola

e Moçambique.

Na sequência foram desenvolvidas diferentes atividades com as três obras sele-

cionados para o projeto.

“Três Contos Africanos de Adivinhação”, de Rogério Andrade Barbosa.

O livro escolhido para a primeira leitura foi “Três Contos Africanos de Adivinha-

ção”, de Rogério Andrade Barbosa – professor e escritor brasileiro, nascido em Minas

Gerais; ele trabalhou como professor voluntário em Guiné-Bissau, na África, a serviço

das Nações Unidas; atualmente vive e trabalha no Rio de Janeiro.

Antes da leitura dos referidos contos, foram repassadas aos alunos informações

sobre o que são os “contos de adivinhação”, um gênero típico da cultura africana.

Os “contos de adivinhação” são populares na literatura oral africana. A oralidade

é um elemento central na manutenção das diversas culturas, dos valores, conheci-

mentos, ciência, história, modos de vida, formas de compreender a realidade, religio-

sidade, arte e ludicidade. A palavra falada, para os africanos, possui uma energia vital,

capaz de criar e transformar o mundo e de preservar os ensinamentos. As narrativas

se articulam à musicalidade, à entonação, ao ritmo, à expressão corporal e à interpre-

tação. Essas histórias são preservadas e contadas por narradores ou griôs treinados

desde a infância no ofício da palavra oral. Os griôs, que vivem em alguns países afri-

canos, desempenham múltiplas funções nas comunidades: são contadores de histó-

rias, genealogistas (estudam a origem de um indivíduo ou família), mediadores políti-

cos, contadores, cantores e poetas populares. É por meio da tradição oral que o griô

transmite às novas gerações o que sabe, especialmente às crianças. Há mulheres e

homens que exercem essas funções: são griôs e griotes. Além das tradições de seu

povo, essas pessoas conhecem o som dos animais, dos grandes aos pequenos, das

cigarras aos elefantes. (Cf. BRASIL, 2014, p. 33-34).

Em “Três Contos Africanos de Adivinhação”, o autor, além de recontar narrativas

recolhidas da literatura oral nigeriana, interage com o leitor, desafiando-o a solucionar

os enigmas apresentados às personagens, antes do desfecho das histórias.

Os alunos leram os contos “Três gravetos”, “As três moedas de ouro” e “Três

mercadorias muito estranhas”. Antes do final de cada história, cada aluno deveria en-

contrar respostas para o desafio. As soluções dos desafios eram registradas em uma

ficha. Os alunos não conheciam os contos de adivinhação. O que chamou a atenção

dos alunos foi sabedoria dos africanos para solucionar os desafios que surgem no dia

a dia. Para resolver um problema, é necessário parar, pensar, refletir e decidir o que

fazer. Nossos alunos não têm a paciência para solucionar os problemas. Eles querem

chegar rapidamente na solução sem pensar e analisar. Os alunos ficaram entusias-

mados com esta estratégia de leitura e pediram que eu levasse mais contos desse

gênero. Os alunos tiveram a oportunidade de refletir sobre algumas atitudes que po-

dem prejudicar outras pessoas. Com sabedoria, é possível solucionar os problemas.

“Por que o Sol e Lua vivem no Céu”, de Fernando Correia da Silva.

O autor desse conto, Fernando Correia da Silva, foi um combativo escritor portu-

guês, nascido em Lisboa (1931); exilado, viveu e atuou por um período aqui no Brasil;

voltou para sua terra em 1974, tendo falecido em 2014. Seu conto foi a segunda obra

escolhida para interpretação em sala de aula. O conto “Por que o Sol e a Lua vivem

no céu” foi escolhido para a interpretação em sala de aula porque é rico em detalhes

e tem como tema a Amizade. Mais uma razão para a escolha é que este conto faz

parte da primeira coletânea de contos africanos publicada no Brasil, em 1966. O conto

é popular da Nigéria e narra uma fantástica história de amizade entre o Sol, a Água e

a Lua. Cada aluno recebeu uma cópia integral da narrativa. Fizeram leitura silenciosa.

Passei aos alunos os significados das palavras que não conheciam e eles anotaram

em seus cadernos. Realizaram a interpretação do conto, em duplas, refletindo sobre

o tema “Amizade”, que envolvia as três personagens. Para concluir as atividades com

este conto, os alunos recontaram a narrativa através de desenhos.

Um fato muito interessante aconteceu nesta turma. Foi um momento em que os

alunos aproveitaram para contar que a maioria deles já estudam na mesma turma

desde o primeiro ano do Ensino Fundamental. Eles tiveram a oportunidade de falar

sobre os laços de amizade que os une e pediram para exibir um vídeo com registros

de apresentações escolares e passeios realizados nos primeiros anos do Ensino Fun-

damental, na Escola Municipal. Durante a apresentação do vídeo, todos riam, comen-

tavam sobre as mudanças físicas que ocorreram e contavam alguns fatos que marca-

ram aquela época. Este momento foi maravilhoso, todos os alunos estavam com os

olhos brilhando de satisfação por estarem juntos e cultivando a amizade.

“O dia em que explodiu Mabata-bata”, de Mia Couto.

O autor desta terceira obra, o escritor, jornalista, biólogo e ativista Mia Couto,

nasceu em Moçambique (1955), filho de imigrantes portugueses; é um dos mais im-

portantes escritores de seu país, com fama internacional, sendo muito traduzido; tem

uma extensa e diversificada obra literária, que inclui poesia, conto, romance e

crônica.

Inicialmente foi exibido o documentário “Língua - Vidas em Português - Minas

terrestres”. Documentário produzido por Brasil e Portugal, dirigido por Victor Lopes.

A cena registrada no vídeo mostra a região de Bukisso, em Moçambique, que

passou por várias guerras. Homens e mulheres da região trabalham na identificação

e escavação de minas terrestres.

Para a compreensão do conto “O dia em que explodiu Mabata-bata” foi impor-

tante os alunos assistirem ao documentário. Também tiveram informações sobre a

vida e obra de Mia Couto. O conto “O dia em explodiu Mabata-bata” foi publicado em

1986, quando Moçambique enfrentava uma guerra civil que durou 16 anos. Ao lerem

o conto, os alunos já estavam sensibilizados, pois tinham assistido ao vídeo “Língua

– Vidas em Português – Minas terrestres”, que apresenta a destruição após as guer-

ras. Os alunos ficaram muito impressionados ao assistiram ao vídeo que mostra o

perigo representado pelas minas terrestres deixadas, em Moçambique, depois das

guerras.

Através das personagens: o pastorzinho Azarias, o boi malhado Mabata-bata e

a ave do relâmpago, ndlati, o autor mostra que as pessoas desejam uma vida sem

violência e os direitos valorizados. No conto fica claro, que o pastor Azarias quer es-

tudar, mas devido a tantas dificuldades, ele não vai à escola. As pessoas de Moçam-

bique tiveram muitos sonhos interrompidos devido aos conflitos e guerras.

Depois da leitura e interpretação do conto, os alunos comentaram sobre as in-

justiças que acontecem na sociedade. Foi observado que os alunos ficaram sensibili-

zados com o personagem Azarias, o pequeno pastor que queria ir para a escola. Al-

guns alunos disseram que se fossem amigos do Azarias, poderiam ir à escola no pe-

ríodo da manhã, e depois que retornassem da escola, no período da tarde, ficariam

cuidando dos animais para que Azarias pudesse ir estudar.

A leitura e intepretação do conto “O dia em que explodiu Mabata-bata” levou os

alunos a momentos de discussões sobre a falta de solidariedade entre as pessoas.

Considerações Finais

Diante da necessidade de reflexão frente às atitudes de preconceito e discrimina-

ção racial nos espaços escolares e na sociedade, ao desenvolver o projeto “Leitura e

Recontação de Contos Africanos”, constatou-se o quanto é necessário o trabalho sis-

tematizado em sala de aula para que haja a valorização da cultura negra.

Com o desenvolvimento do projeto, no Ensino Fundamental, foi possível oportu-

nizar aos alunos a leitura e compreensão de obras literárias que proporcionaram mo-

mentos para conhecer e valorizar a cultura africana e afro-brasileira, enfatizando a

relevância dos negros na construção da identidade do povo brasileiro. Mediante a lei-

tura e recontação de contos africanos, podemos contribuir para a conscientização e

aprimoramento das relações étnico-raciais na escola e fora dela.

Espera-se que o presente trabalho venha a contribuir para os docentes de Lín-

gua Portuguesa, no sentido de apresentar diferentes práticas de leitura de contos afri-

canos em sala de aula.

Referências BARBOSA, Rogério Andrade. Três contos africanos de adivinhação. São Paulo:

Paulinas, 2009.

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