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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
NO SPEAK ENGLISH: O PAPEL DA CULTURA NO ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS
Angela Maria Pereira Escorpeli
1
Edcleia Aparecida Basso2
RESUMO: Este artigo discute alguns dos resultados encontrados na implementação de uma produção didático-pedagógica de cunho interdisciplinar, intitulada “No speak English: O papel da cultura no ensino-aprendizagem de línguas”, feita numa interface entre língua e literatura, e pensada como uma possível alternativa para lidar com a falta de motivação e com a resistência de alunos para aprender a língua inglesa na escola pública. Foi destacado o papel da cultura no ensino-aprendizagem de um novo idioma, evidenciando como a língua se firma como a maior representação cultural de um povo, tanto construindo e estabelecendo relações identitárias entre os seus usuários, quanto servindo de obstáculo e resistência para aqueles que preferem o conforto da língua materna. Além da literatura, várias manifestações culturais mediadas pela linguagem como cinema e música foram trabalhadas para alcançar a ideia de “humanização” do homem pelas artes. Para obter tal intento, foram trabalhados diferentes gêneros discursivos, tendo como central a short story, com foco nas produções de Sandra Cisneros, escritora latino-americana. A metodologia de pesquisa foi qualitativa, materializada na pesquisa-ação e foi desenvolvida com alunos do Ensino Médio, no Colégio Estadual de Iporã-PR. Os instrumentos da coleta de dados foram questionários, diários do professor e de alunos, fotos e ainda as próprias atividades constituintes do material implementado. Palavras-chave: Cultura; Literatura; Ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras.
1. INTRODUÇÃO
A língua inglesa já faz parte do cotidiano, principalmente dos jovens como os do
Ensino Médio, pois com ela convivem frequentemente por meio da internet, músicas, jogos,
filmes, entre outros. Mesmo assim, muitos parecem não se dar conta dessa realidade, não
compreendem a importância de se saber esta língua para suas vidas, não vislumbrando
perspectivas futuras, reduzindo a experiência de aprender uma nova língua à
(im)possibilidade de viajar para o exterior. Além disso, grande parte dos alunos não acredita
poder aprender, de fato, uma língua estrangeira na escola pública. Metodologicamente,
podemos dizer que, embora tenha havido algumas tentativas de se modificar o ensino de
Língua Estrangeira Moderna (LEM) nas nossas escolas, incluindo nelas algumas pesquisas
interventivas advindas dos professores participantes do PDE (Programa de
Desenvolvimento Educacional), o que vemos, na maioria das vezes, é um ensino ainda
1Professora de Língua Inglesa e Portuguesa da rede pública de ensino do Estado do Paraná, Especialista em
Metodologia Aplicada ao Ensino de Língua Inglesa (UNIPAR), Especialista em Educação Especial e Especialista em Educação no Campo (UFPR). Graduada em Letras pela Universidade Paranaense (UNIPAR). Email: [email protected]. 2 Professora Associada da UNESPAR – Campus Campo Mourão, Doutora em Linguística Aplicada pela
UNICAMP. Atua na pesquisa, no ensino e na extensão, com projetos aprovados e financiados pelo USF e Fundação Araucária na área de formação de professores. Docente do Mestrado Sociedade e Desenvolvimento e no curso de Letras. Líder do grupo de pesquisa O professor da Educação Básica, contextos, saberes e práxis. É criadora e coordenadora do Centro de Línguas – CELIN e avaliadora de cursos e de instituições pelo INEP/MEC. Email: edcleia@hotmail.
muito preso ao livro didático, com aulas um tanto mecânicas e repetitivas, com uso de textos
orais e escritos como pretexto para o ensino da gramática e tradução. Isso continua a
perpetuar um ensino/aprendizagem de LEM, de língua inglesa, no caso específico do
presente artigo, sem resultados satisfatórios (BASSO, 2001; 2006), que não tem conseguido
mudar a crença ou a vontade dos alunos em se envolver com sua aprendizagem. Tal
embate gera conflitos e desmotivação geral pela disciplina, tanto nos alunos quanto nos
professores.
Frequentemente somos questionados pelos alunos em sala de aula sobre as razões
por terem que aprender inglês nas escolas do Brasil. Questionam se os “americanos”
também têm que aprender português em suas escolas públicas, numa atitude de revolta
contra a língua ou contra a imposição da língua inglesa no currículo escolar.
Paradoxalmente, pesquisas revelam que, ao participar de entrevistas, ou responder
questionários, mostram-se contraditórios, porque sempre afirmam ser importante e
necessário aprender inglês atualmente, discurso não coerente com as atitudes negativas e a
falta de comprometimento com as aulas desta disciplina. Sabemos que curtem e se
identificam muito com a cultura norte-americana, especialmente, com as músicas, grupos,
filmes, fast food, entre outras coisas, porém não se entregam, não se rendem à
aprendizagem da língua inglesa nas escolas públicas, ainda que isso não seja de todo
consciente.
De acordo com autores como Schumann (1978) e Kramsch (1998), a língua é a
maior manifestação cultural de um povo. Saber uma língua implica adentrar ao pensamento
do outro, conhecer sua identidade, ter acesso a novos valores, costumes e ideais. Mas é
também entregar-se, abrir-se ao outro e com ele encontrar uma maior ou menor
identificação. Vale registrar que pode, também, indicar certo desapego à língua e à cultura
de língua materna. Quando isso acontece, há o chamado “choque cultural” que pode gerar
um processo de resistência, de não entrega à nova experiência de aprendê-la.
Kramsch (1998, p. 3) diz que “a língua é o principal meio pelo qual conduzimos
nossas vidas sociais e quando é usada em contextos de comunicação, liga-se à cultura de
diversos modos e de formas complexas”3. Para os autores citados, língua e cultura são
inseparáveis, sendo parte da constituição dos sujeitos e de suas identidades. Além disso,
nas DCE-LEM (2008, p. 55) encontramos que “ensinar e aprender línguas é também ensinar
e aprender percepções de mundo e maneiras de atribuir sentidos, é formar subjetividades”.
Diante de tal argumentação, pensamos no grande valor e no papel insubstituível
trazido ao currículo pela disciplina de Língua Estrangeira Moderna. A aula de LEM deve se
constituir lugar e espaço de contato com a diversidade linguística e cultural, possibilitando ao
3 Language is the principal means whereby we conduct our social lives. When it is used in contexts of
communication, it is bound up with culture in multiple and complex ways.
aluno perceber a relação entre língua e cultura, uma vez que é por da língua que a cultura é
transmitida e reinterpretada pelos indivíduos em suas interações orais ou escritas.
Kramsch (1998, p. 3) afirma que “as pessoas não só expressam as experiências,
mas também criam experiências por meio da linguagem”4. Por esta razão, entendemos que
aprender uma língua é, sobretudo, defrontar-se com as experiências, com os pensamentos
próprios de uma outra cultura, não para imitação, ou comparação, mas sim para percepção
e aceitação das diferenças e das similaridades, entendendo como a cultura do outro pode
ampliar nossa visão de mundo e a construção de nossa própria identidade.
Assim, diante do exposto, pensamos em fazer um trabalho diferenciado,
entrelaçando língua e cultura, buscando na literatura e no cinema de origem hispano-
americana, subsídios para desenvolver nos estudantes envolvidos no projeto reflexões
linguísticas, culturais e críticas, levando-os a perceberem a língua como prática social,
carregada de ideologias, valores com os quais os falantes se deparam no seu cotidiano.
Buscamos levar os alunos a refletir sobre o ensino-aprendizagem da língua inglesa em
escolas públicas, sua função e objetivos, manifestando-se por meio de interações verbais –
orais e escritas tendo a literatura como ponto de partida para a ampliação do seu
conhecimento de mundo, oportunizando-lhes ressignificar seu ponto de vista sobre a
temática. Nosso trabalho foi orientado pelas seguintes perguntas de pesquisa:
a) Como explicitar o papel da cultura no ensino-aprendizagem de língua inglesa?
b) Que relações podem ser estabelecidas no ensino-aprendizagem de uma nova língua
quando norteado pela concepção de que língua é cultura?
Para respondermos tais questionamentos, apresentamos nossos objetivos:
Explicitar a relação língua e cultura, por meio de um trabalho com a literatura como
interface, na tentativa de diminuir a resistência dos estudantes quanto à sua
aprendizagem;
Despertar o interesse pelo aprendizado de Língua Inglesa, percebendo esta língua
não apenas como código linguístico, mas como representação maior de vários povos
e de integração e humanização, sobretudo para emigrantes;
Oportunizar espaços de interação sobre a relação língua e cultura de modo a
contribuir com a melhoria da qualidade do ensino da língua inglesa na escola
pública;
Dar voz e responsividade aos alunos, por meio do trabalho com a leitura, oralidade,
produção e adaptação de paráfrases do gênero short story em língua inglesa,
4 People do not only express experience; they also create experience through language.
sobretudo as de origem hispânicas;
“Humanizar” as aulas de língua inglesa e, consequentemente, nós mesmos –
professores, pesquisadores e estudantes (MARX, apud DCE, 2008, p. 23), por meio
de diferentes linguagens com5o literatura, cinema, música e teatro.
Pretendemos discutir no presente artigo alguns dados que foram coletados durante a
implementação da produção didático-pedagógica por nós elaborado durante o Programa de
Desenvolvimento Educacional (PDE), sobretudo os relacionados ao papel desempenhado
pela cultura para a humanização do ser humano, viabilizado pelo trabalho com as diferentes
artes e linguagens nas aulas de língua estrangeira (LE).
2. METODOLOGIA DA PESQUISA
Nesta seção discutiremos os procedimentos metodológicos da pesquisa que
nortearam nosso trabalho ao longo de todo o PDE.
Optamos pelo paradigma qualitativo da pesquisa por objetivarmos focalizar o
processo no qual os alunos estiveram envolvidos, registrando cientificamente suas
impressões e seu comprometimento com as aulas, oportunizando espaço de formação de
subjetividades, tanto dos alunos quanto do professor, uma vez que esta considera uma
relação dinâmica constante entre o mundo real e o sujeito (SILVA E MENEZES, 2001),
sendo a interpretação dos fenômenos e a atribuição de significados essenciais para esta
linha de pesquisa.
Tanto o projeto quanto as ações dele decorrentes (produção, implementação e
artigo) foram materializados na pesquisa-ação, definida por Thiollent (2005) como uma
pesquisa de cunho social, na qual, tanto o pesquisador, como o grupo pesquisado,
interagem de modo a solucionar um problema coletivo levantado. Segundo o autor, este
problema primeiramente é de ordem prática, mas que se supera ao procurar ações, de
modo cooperativo ou participativo, para tentar transformar a situação observada.
A pesquisa foi realizada no Colégio Estadual de Iporã – EFMP - único colégio do
município que funciona em três períodos, oferecendo as séries finais do Ensino Fundamental,
Ensino Médio, Ensino Profissional (Técnico em Administração, Contabilidade, Vendas e
Internet) e EJA totalizando aproximadamente 1600 alunos.
Os sujeitos primários da pesquisa inicialmente foram: a) trinta e quatro (34) alunos do
2º ano A do Ensino Médio, com faixa etária entre quinze (15) e dezessete (17) anos,
pertencentes a diferentes classes sociais, terminando com trinta alunos, b) a professora
5 A produção didático-pedagógica será disponibilizada a partir de 2015 no site:
<http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=616>
pesquisadora, graduada em Letras pela Universidade Paranaense (UNIPAR) de Umuarama,
Especialista em Metodologia Aplicada ao Ensino de LI (Língua Inglesa) pela mesma
universidade, concursada (QPM) com carga horária de 40 horas semanais no colégio no qual
a pesquisa e a implementação pedagógica foram desenvolvidas.
A coleta de dados foi realizada de fevereiro a junho de 2014. Os instrumentos
utilizados foram questionários avaliativos dos módulos (QAM), diário ilustrado dos alunos
(DI), diários dos alunos (DA), fotos, diário da professora pesquisadora (DP) e produções
dos alunos (PA1, PA2...).
O DI foi uma espécie de formulário no qual cada aluno relatava suas impressões
sobre as atividades, seguindo a legenda abaixo, podendo marcar até duas alternativas:
( difficult, easy, so-so, nice, boring, good, very good).
No DA, pedimos aos alunos que escrevessem livremente sobre a aula, sem
direcionamento especifico, dando-lhes voz e responsividade. Justificamos assim a
diferença entre o total de registros/respostas e o número de alunos participantes. Todos
os registros passaram por categorizações e considerando o espaço limitado do artigo,
apenas alguns dados serão trabalhados analisados no presente artigo.
O projeto de intervenção, material didático e implementação tiveram como base os
conhecimentos adquiridos durante as atividades do PDE realizadas no primeiro semestre de
2013, ou seja, nos seminários, inserções acadêmicas, cursos gerais e todas as leituras
feitas, referendadas pelas orientações recebidas, assim como pela experiência de sala de
aula da professora-pesquisadora.
3. REVISÃO DA LITERATURA
A seguir serão apresentados os pressupostos teóricos que nortearam a pesquisa,
destacando o conceito de cultura, a interdisciplinaridade e a relação língua e cultura.
literatura como interface para o ensino de línguas.
3.1. Conceito de Cultura
Neste tópico discutiremos alguns conceitos de cultura, considerando ser este um
elemento essencial para o ensino de língua estrangeira e para o desenvolvimento da nossa
proposta. Ancorando-nos no conceito antropológico, entendemos que o termo cultura
abrange tudo o que a humanidade produz material ou ideologicamente. É, portanto, uma
atividade contínua que estabelece relações entre o homem com os demais de sua espécie e
do homem com seus produtos/artefatos.
Kramsch (1998, p. 4) defende que, para se pensar em cultura, é preciso contrastá-la
com a natureza, pois segundo a autora “Natureza se refere ao que nasce e cresce
organicamente (do latim nascere: nascer), a cultura se refere ao que tem sido cultivado e
preparado (do latim colere: cultivar)”6. Portanto o ato de nascer e viver em uma determinada
sociedade é algo que acontece naturalmente com todo indivíduo independentemente de sua
vontade, mas como esse mesmo indivíduo se comportará nessa sociedade dependerá do
meio cultural em que foi socializado, e das visões e perspectivas de mundo que ele
aprendeu a “cultivar”. Segundo Benedict (1972, apud LARAIA, 2005, p.67), “Cultura é uma
lente através da qual o homem vê o mundo. “Homens de culturas diferentes usam lentes
diversas.” Cada grupo tem saberes específicos e diferentes. Cada indivíduo se apropria
desses saberes com mais ou menos intensidade, refletindo assim, sua maneira de pensar e
agir em consonância ao do seu grupo.
Paulo Freire (2007) distingue o mundo em dois, o da natureza e da cultura, sendo a
última, resultado da ação consciente e ativa do homem em sua realidade e com ela em
determinado tempo e espaço. A concepção de homem de Freire pressupunha o “papel ativo
do homem em sua e com sua realidade”.
Karl Marx (1987 apud PARANÁ, 2008, p. 23) argumenta que “o homem se afirma no
mundo objetivo, não apenas no pensar, mas também com todos os sentidos”, e, “os
sentidos não são apenas naturais, biológicos e instintivos, mas também transformados
pela cultura, humanizados” (PARANÁ, 2008, p. 23). Assim podemos dizer que o homem é
constituído pela ação da cultura, que é a moldura de toda existência humana, traduz nossos
sentimentos e ações, é por ela somos capazes de entender o mundo a nossa volta e a nós
mesmos. Neste mesmo documento, encontramos “cultura como um processo dinâmico e
conflituoso de produção de significados sobre a realidade em que se dá em qualquer
contexto social” (p. 54). Finalmente, podemos dizer que a cultura explica o mundo que
temos, como resultado da ação do homem.
Encerramos esta seção com a definição de Kramsch (1998, p.10), com a qual
concordamos: “Cultura pode ser definida como a participação em uma comunidade que
compartilha um espaço social e histórico comum e seus sonhos”7
3.2. Linguagem e Cultura
Nesta seção, discutiremos a relação entre linguagem (língua) e cultura e o papel
que a língua representa no universo cultural no qual o homem se insere, partindo do
6 Nature refers to what is born and grows organically (from the Latin nascere: to be born); culture refers to what
has been grown and groomed (from the Latin colere: to cultivate). 7 Culture can be defined as membership in a discourse community that shares a common social space and
history, and common imaginings.
princípio de ser a língua a maior expressão da cultura de um povo e ser por ela transmitidos
de geração em geração todos os tipos de conhecimentos acumulados e sistematizados por
um determinado grupo social.
A língua nos diferencia, distingue e constrói nossa identidade. Esta ideia é partilhada
por Kramsch (1998), quando afirma ser indiscutível a relação existente entre língua e
cultura. A autora (p. 8) enfatiza que a língua não é um código isento de cultura, mas que é
essencial para perpetuação da cultura, pois o que o indivíduo comunica por meio da
linguagem é o que adquiriu em sua vivência em comunidade e estes conhecimentos são
compartilhados por todos os membros de uma mesma comunidade linguística.
Para Kramsch (p. 3), “A linguagem é um sistema de signos que é visto como um
valor cultural”8. A língua é o veículo do pensamento e dos traços culturais do indivíduo pelo
qual ele manifesta sua identidade e sua visão de mundo. A interação da realidade do
indivíduo com os signos apresentados no dia a dia faz com que os sentidos sejam
ressignificados de acordo com o momento histórico e o contexto no qual se insere.
Língua e cultura andam juntas, porém o código usado depende da cultura e do
contexto em que se encontra o indivíduo. Não é suficiente saber a língua e a cultura do
outro para entender com propriedade determinadas situações, é preciso conhecer o
contexto situacional e cultural. Kramsch (1998, p.27) explicita:
Os signos verbais, para-verbais e não-verbais ajudam os falantes a insinuar ou esclarecer ou, ainda, a conduzir as interpretações de seu interlocutor, do que está sendo dito dentre a infinita quantidade de fatores potencialmente relevantes do contexto. Essas pistas ajudam o interlocutor a fazer inferências importantes, ou seja, evocam o conhecimento cultural anterior e as expectativas sociais necessárias para a interpretação do enunciado
9.
A língua, ao mesmo tempo em que cumpre sua função comunicativa, oportuniza ao
indivíduo a interação.
Vale registrar que algumas pesquisadoras como Gimenez; Calvo; El Kadri (2011) e
Jordão (2009), entre outros têm se debruçado sobre a Língua Inglesa como língua
internacional, franca ou adicional e, nestes casos, que não são o objeto do presente artigo,
buscam minimizar a interferência da cultura nos efeitos produzidos no momento das
interações, sobretudo comerciais e científicas.
Continuando nossas ponderações sobre a cultura e sua relação com o ensino de
uma nova língua, queremos destacar que não se trata de ensinar uma cultura estrangeira
por ela ser melhor ou pior, mas sim para abrir os horizontes dos alunos e com isso levá-los a
8 Language is a system of signs that is seen as having itself a cultural value.
9 Verbal, paraverbal and non-verbal signs, that help speakers hint at or clarify or guide their listener`s
interpretations of what is being said among the infinite range of potentially relevant factors of the context. These cues help listeners make the relevant situated inferences, i.e. evoke the cultural background and social expectations necessary to interpret speech.
perceber como o homem e suas relações com o mundo são vistos pelas lentes da cultura.
Jordão (2004, p. 164) acredita que o conhecimento do mundo está diretamente ligado ao
conhecimento das línguas, pois:
(ao) aprender uma língua estrangeira [...] eu adquiro procedimentos de construção de significados diferentes daqueles disponíveis na minha língua (e cultura) materna [...] Nessa perspectiva, quantas mais [...] línguas estrangeiras eu souber, potencialmente maiores serão minhas possibilidades
de construir sentidos, entender o mundo e transformá-lo.
Diante do exposto e, apoiadas nas DCE (2008), podemos dizer que a escola, mais
especificamente, na e pela disciplina de língua estrangeira, deve romper os limites
monoculturais do educando, colocando-o em contato com contextos culturais diferentes,
representado pela nova língua, com os quais ele precisa aprender a conviver, aceitando o
diferente, se comparado aos seus padrões culturais, em muito ditados por sua língua
materna.
3.3. Literatura no Ensino de Línguas
Nesta seção, discutiremos a interface entre língua e literatura que, acreditamos ter
potencial para contribuir com a formação integral do educando, despertando no mesmo sua
criticidade em diferentes aspectos tais como: políticos, sociais e emocionais, permeados
pela língua inglesa.
Antonio Candido (1972), em A literatura e a formação do homem, identifica três
funções exercidas pela literatura: a psicológica, a formadora/pedagógica e a social, sendo
assim a arte que transforma e humaniza o homem e a sociedade. A primeira supre a
necessidade que o ser humano tem de fantasia e ficção, permitindo ao homem a fuga da
realidade e oportunizando momentos de reflexão e identificação. A função pedagógica da
literatura instiga os indivíduos à reflexão, mesmo que de maneira implícita. Ao problematizar
as práticas sociais, os textos literários levam o leitor a ter uma nova postura ou pelo menos
a levantar questões a serem pensadas. O autor afirma que a literatura não corrompe nem
edifica o homem, porém o humaniza plenamente. A terceira função resulta da relação
estabelecida pelo leitor entre ficção e realidade, pois a literatura retrata os diversos
segmentos da sociedade.
De acordo com Zyngier (1966) e Mota (2010), nem sempre o ensino de literatura
esteve separado do ensino de língua, muito embora, tal ensino seguisse por caminhos hoje
entendidos como essenciais, quando da introdução da literatura em sala de aula. Segundo
as autoras, a literatura ocupava um lugar de destaque e a metodologia adotada era baseada
em leitura e tradução de textos literários, sendo o dicionário, ferramenta obrigatória nas
aulas. Para alguns autores, como Duff e Maley (2003), a literatura até hoje é vista como algo
distante e incomum e o uso da mesma no ensino de línguas se fundamenta na crença de
que, por serem textos autênticos, geralmente de autores famosos, são considerados
superiores, produzidos por pessoas também de inteligência e sensibilidade extraordinárias
que estabeleceram significados definitivos ao texto para tratar assuntos que melhorariam o
caráter humano.
Por outro lado o ensino de línguas não pode estar pautado apenas na transmissão
de funções linguísticas ou que o aprendiz seja capaz apenas de decodificar palavras e
frases. É preciso relacionar os conteúdos a comportamentos, valores, costumes e crenças
dos membros do grupo estudado. Segundo Brun (2010), é mais importante “saber ser” a
“saber fazer”, pois quando se “sabe ser” é possível tomar um posicionamento frente às
situações apresentadas e para isso a literatura mostra-se um campo profícuo e favorável.
O processo de leitura de mundo e de conhecimento de si e do outro suscita no
aprendiz uma compreensão mais abrangente sobre a relação entre os conteúdos
aprendidos, os contextos e as culturas dos quais os textos literários se originam.
Entendemos que este ensino desenvolve no indivíduo uma visão que ultrapassa os valores,
as crenças, as ideologias impostos pelos limites restritos à e pela língua materna,
modificando seu pensamento e, consequentemente, seu comportamento em relação à
realidade que o cerca.
Roland Barthes (1980, apud TOSTA, 2010. p.117), afirma que:
O texto literário é “incontestavelmente linguagem”. A literatura liga o real e o imaginário, o concreto e o abstrato, a verdade e a mentira, a experiência e a possibilidade, o sucesso e o fracasso, o individual e o coletivo. Por isso explora a linguagem de uma maneira única e especial, tanto na lingüística, estética, conceitual ou sociopolítica.
Deste modo a literatura procura cruzar fronteiras, carregar e produzir as ações humanas,
sendo o texto literário, um diálogo aberto à espera de novos interactantes. A literatura
oportuniza ao indivíduo pensar criticamente e compreender melhor o mundo, transformando-
o, à medida que seus conhecimentos de mundo entram em contato com a obra literária. Por
essa razão Ladousse (2001) elenca a importância da reintegração da literatura ao ensino de
línguas estrangeiras, pois acredita que a literatura é um meio de comunicação; é vida, e por
ela o indivíduo pode desenvolver sua criatividade, sua capacidade reflexiva e crítica.
As DCE (2008) também enfatizam que o ensino de literatura corrobora para que o
educando perceba que os textos analisados durante a aula são práticas sociais vigentes em
uma determinada sociedade, em um determinado contexto sociocultural, percebendo assim
que toda produção de conhecimento é parcial, complexa e dinâmica.
Inferimos que língua e literatura sejam maternas ou estrangeiras não podem ser
separadas, uma vez que têm seus objetos de estudo constituídos por signos verbais e estes
são repletos de marcas que manifestam uma realidade cultural. A palavra é um elemento
comunicativo que envolve representações culturais que se depreendem das mais diversas
experiências humanas, que, ao superar o dito ou escrito, ajudam o educando a vislumbrar o
que não está explicitamente presente.
Estamos certos de que o ensino de literatura não deve ser visto, entendido e ou
trabalhado apenas como um fenômeno estético, mas, por meio dos textos literários, o
educando se depara com maneiras diferentes de viver, pensar e agir e assim se apropria e
constrói significados e se insere no mundo como sujeito multicultural. Tendo em vista que os
traços culturais de outros grupos podem ser avaliados, questionados e discutidos, Freitas
sustenta que:
A literatura em LE não só permite ampliar a compreensão textual e o conhecimento de mundo, como familiarizar o aluno com questões culturais e sociais dos falantes nativos da língua alvo e estreitar sua relação com o mundo literário universal, rompendo a barreira da exclusividade da leitura de literatura em língua materna e oferecendo ao aluno mais um rol de possibilidades, de novos horizontes e novas maneiras de se pensar o mundo e o outro (FREITAS, 2006, p.22).
A literatura não pode ser restrita apenas a um amontoado de vocabulário ou de
exemplos de uso de regras gramaticais, dissociada da ideologia. Não deve ser
simplesmente uma apresentação de fatos, mas sim um processo crítico e social de perceber
outras culturas e línguas em relação à nossa. Expor o educando à literatura é apresentar-lhe
uma grande expressão cultural, na qual estão registrados e preservados a história,
costumes e sonhos de um grupo social.
3.4. Interdisciplinaridade
Neste tópico refletimos sobre a importância da interdisciplinaridade para a educação,
sobretudo, para o ensino de LE, uma vez que o presente trabalho propõe um ensino de
língua como cultura, buscando na literatura e no cinema de origem hispano-americana,
subsídios para o desenvolvimento de ações educativas, logo propositadas, intencionais e
sistematizadas.
Para que o educando perceba uma relação ampla da língua ensinada e o mundo por
meio de práticas sociais, acreditamos que uma alternativa com grande potencial seja
integrar no processo de ensino/aprendizagem, diferentes áreas do conhecimento,
socializando-as por meio da interdisciplinaridade. A opção de currículo disciplinar feita nas
DCE foi para assegurar que o conhecimento sistematizado por área seja garantido ao
educando de escolas públicas estaduais, porém esta “fragmentação” deve ser superada
pela interdisciplinaridade.
Lück (1994, p.64) explicita a importância do trabalho interdisciplinar dizendo que:
Interdisciplinaridade é o processo que envolve a integração e engajamento de educadores, num trabalho conjunto, de interação das disciplinas do currículo escolar entre si e com a realidade, de modo a superar a fragmentação do ensino, objetivando a formação integral dos alunos, a fim de que possam exercer criticamente a cidadania, mediante uma visão global de mundo e serem capazes de enfrentar os problemas complexos, amplos e globais da realidade atual.
Podemos concluir que todo conhecimento é igualmente importante e necessário para
o desenvolvimento do ser humano, como sujeito ativo e crítico. Fazenda (1995)
complementa dizendo que a transformação do indivíduo vai depender da relação que ele
conseguir estabelecer com os envolvidos no processo.
Estas relações interdisciplinares oportunizam uma reflexão crítica das estruturas
sociais e suas desigualdades, buscando novos caminhos, desafios, e contextos para
(re)construção do conhecimento. As DCE-LEM (2008) confirmam essa posição, nas quais
explicitam a necessidade de se estabelecer verdadeiras relações interdisciplinares, onde
conceitos, teorias e práticas sejam enriquecidas pela compreensão do conteúdo como um
todo, nas diversas disciplinas, e não apenas fazer uma readequação metodológica curricular
sem maiores significados para o educando.
A prática do ensino de língua e literatura deve ser permeada pela
interdisciplinaridade, pois a literatura é a área da linguagem na qual está exposta toda a
maneira de pensar, agir e ver de uma determinada comunidade, em um determinado
momento histórico. Por isso o ensino de língua inglesa deve ir além do conhecimento das
habilidades linguísticas e possibilitar ao educando um posicionar-se criticamente diante da
realidade.
4. ANÁLISE DE DADOS
Iniciaremos a seguir a análise dos dados coletados durante a implementação da
produção didático-pedagógica, realizada no primeiro semestre de 2014.
Optamos por um Caderno Pedagógico, pensado para trinta e duas (32) horas, mas
que no momento da implementação real ultrapassou sessenta (60) horas, muitas das quais
realizadas em contraturno.
O material é composto por três módulos ou unidades didáticas, a saber: A origem das
Línguas; Cultura como marca identitária de um povo e Língua como maior manifestação
cultural de um povo, que podem ser usados de forma sequencial ou independentemente, já
que cada um é completo em si mesmo.
O trabalho com os módulos envolveu basicamente atividades de leitura, seguindo as
fases propostas pela Linguística Aplicada (BASSO; MIQUELANTE, 2014) de pre, while e
post-reading; trabalho intensivo com vocabulário, jogos e algumas produções orais e
escritas.
4.1. Módulo I – A origem das Línguas
Este módulo foi composto pelos gêneros: sinopse (Quest for fire), trechos do filme
(Quest for fire), texto bíblico (Tower of Babel) e música (Let’s talk about Love, Celine Dion),
que foram trabalhados nas diferentes modalidades, incluindo análise linguística. Neste
módulo os alunos foram solicitados a produzir uma comic strip, um discurso direto entre
Deus e os homens e cartazes que explicassem a letra música estudada. Inicialmente,
pensamos que todas as produções seriam postadas no blog criado para a turma. No entanto
isso não foi possível, devido aos problemas com o uso das tecnologias na escola pública.
Podemos começar, dizendo que o trabalho com o módulo I foi bom e interessante,
pois, à exceção de uma das impressões foram positivas, conforme quadro abaixo.
Como foi o trabalho com o Módulo I?
Muito bom
Bom Legal Muito interessante
Inovador + ou - Interativo Difícil
4 12 3 8 2 2 3 1
Fonte: QAM (2014)
Os questionamentos e as interações surgidos durante as aulas foram gradativamente
proporcionando aos alunos conhecer e discutir o tema (a origem das línguas), levando-os a
reconhecer a sua importância e também a conhecer diferentes culturas advindas pelo
aprendizado de uma nova língua. Os alunos concluíram que não há como viver em
sociedade sem uma língua. Concordamos com Kramsch (1998, p. 3) que defende a língua
como o principal meio pelo qual conduzimos nossas vidas, não apenas expressando
experiências, mas também criando novas. Os dados revelam terem os alunos se apropriado
dessa noção, uma vez que dez deles reportaram posições semelhantes a: “todas as línguas
são importantes para a vida de todos para receber conhecimento, expressar e dividir
emoções e para viver em grupo”.
As impressões da professora pesquisadora, registradas no DP, indicam um maior
interesse dos alunos pelas atividades coletivas e orais quando feitas em língua materna, ou
por algumas que não exigiam domínio discursivo maior em língua inglesa. A produção da
comic strip sobre a Torre de Babel foi bem aceita pela turma como podemos ver na tabela
abaixo. As duplas se empenhar para desenvolver a atividade, questionando a professora
quando tinham dúvidas de vocabulário ou de gramática. Contudo, no momento da produção
do discurso direto - a conversa entre Deus e os homens -, o trabalho revelou-se estar muito
além do nível atual do conhecimento deles em língua inglesa, levando alguns a tentar copiar
dos que estavam conseguindo fazer a atividade, outros a fazer com ajuda do celular,
apontando sempre para a grande dificuldade na produção escrita em língua inglesa. Foi
preciso muita mediação da professora-pesquisadora para que eles pudessem concluir esta
atividade. Vejamos as impressões deles no DI:
Data Atividade 01/04/14 Produção de uma comic strip 3 8 9 12
10 e 17/04/14
Produção de um discurso direto (Deus e os homens)
15 3 6 3 2 7 3
Fonte: DI (2014)
Terminamos o módulo I no final do primeiro bimestre, porque tivemos vários
contratempos como chuva, mudanças de horário e calendário da copa, que nos fez optar
pela complementação da carga horária em contraturno. Estávamos parcialmente satisfeitas
com o resultado alcançado até então, considerando que a motivação, o interesse e a
participação dos alunos nas aulas aumentaram, ainda que isso não tenha refletido nas
notas, que continuaram aquém das expectativas.
4.2. Módulo II – Cultura como marca identitária de um povo
Este módulo foi basicamente constituído por pesquisas, trabalho em grupo e
discussões sobre cultura. Iniciamos com uma pesquisa e montando gráficos sobre as
línguas mais faladas no mundo, como língua materna (LM), segunda língua (SL) e língua
estrangeira (LE). Em seguida, preparamos e apresentamos seminários sobre marca
culturais como: comida, moeda, esporte, língua, religião, bandeira, vestuário, artes e
literatura do Brasil, México, Estados Unidos, Japão, Argentina, Portugal e China. As equipes
produziram painéis para apresentação dos seminários, que posteriormente foram afixados
no mural. Criaram também um profile de cada país para ser entregue aos colegas (ver
figuras 1, 2, e 3).
O trabalho com esse módulo oportunizou vários espaços de interação sobre a
relação língua e cultura. Os próprios alunos produziram as aulas e discutiram com os
colegas e a professora os resultados de seus trabalhos, apesar de ficarem ainda presos às
anotações e com receio de se expor. Endossamos aqui as teorias de Vygotsky (1989) sobre
a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) e afirmamos que os alunos aprendem com seus
pares, que podem ser os colegas ou o professor. (BASSO, 2008b).
Figura: 1
Fonte: Escorpeli (2014)
Figura: 2
Fonte: Escorpeli (2014)
Figura: 3
Fonte: Escorpeli (2014)
O trabalho realizado nos permitiu concluir que este tipo de atividade pode contribuir
com o ensino-aprendizagem de língua inglesa na escola pública, uma vez que os dados
revelam que os alunos aprovaram a metodologia utilizada e se envolveram na sua
realização.
Como foi o trabalho com o Módulo II?
Muito Bom Bom Legal Interessante Fácil Chato
17 4 7 6 4 1
Fonte: QAM (2014)
Resumindo as impressões dos alunos coletadas pelo DI podemos dizer que apenas
um aluno não gostou da atividade/seminário.
Data Atividade
26/05/14 Apresentação de seminário 9 1 19 1 11 13
Fonte: DI (2014)
Os dados corroboram o que autores como Basso (2008b), Basso; Lima (2010) dizem
quanto aos adolescentes aprendendo outra língua, da sua necessidade de trabalhar em
grupos, de gostar de aulas diferentes que lhes oportunizam posicionarem-se sobre assuntos
interessantes, atuais e ou polêmicos.
Por quê?
Por discutir os temas e
dar opiniões
Por ser diferente
animada e divertida
Fugiu da rotina
Por apresentar
trabalhos em grupos
Por pesquisar sobre as
línguas mais faladas no
mundo
A maioria dos alunos
participou das aulas
Não precisava escrever
4 8 3 4 5 9 1
Fonte: QAM (2014)
No final do módulo II foi possível perceber que os alunos concluíram que o termo
cultura abrange tudo o que a humanidade produz material ou ideologicamente, e que a
cultura explica o mundo que temos, como resultado da ação do homem. Ou na voz dos
alunos registradas no DA: “conhecer a cultura de um povo é muito importante para as
pessoas” (três alunos) “somos diferentes e parecidos” (dois alunos).
4.3. Modulo III – Língua como maior manifestação cultural de um povo
O módulo III é o “clímax” de toda a produção didático-pedagógica, sendo os módulos
anteriores uma preparação para o alcance dos objetivos propostos. Neste módulo utilizamos
os gêneros: sinopse (Spanglish); filme (Spanglish); biografia e short stories de Sandra
Cisneros (1984) (My name, Boy & Girls, Hairs e No Speak English). Foram elaboradas e
desenvolvidas muitas atividades com diferentes estratégias de compreensão de texto,
sobretudo envolvendo a linguagem imagética (ver figuras 4, 5 e 6).
Figura: 4
Fonte: PA1 (2014)
Figura: 5
Fonte: PA2 (2014)
Figura: 6
Fonte: PA3 (2014)
Percebemos também que com o uso da linguagem imagética os alunos se tornam
mais receptivos ao texto e ao que ele tem a revelar, transcendendo os limites e os muros
erguidos pela língua de saída do texto literário, no caso, pela língua inglesa.
O material também lançou mão de atividades lúdicas, utilizou vários tipos de mídias
e suportes, como cartaz e vídeos explorando bastante o visual para motivar e atrair os
adolescentes em questão (BASSO, 2008b, BASSO; LIMA 2010).
Escolhemos especificamente o gênero short story (conto) como foco deste módulo
por ser a literatura um produto socialmente construído, logo cultural, que representa,
portanto, o contexto histórico em que é produzida, sendo uma representação do imaginário
no real e vice versa. Para Antônio Candido (1980), a obra literária só cumpre sua função
quando repercute e atua sobre a sociedade, pois a mesma é um sistema simbólico de
comunicação e não apenas uma fonte de prazer estético e é por meio do discurso artístico
que o homem passa a ter consciência de si e da realidade que o rodeia, pois a literatura é a
expressão do próprio homem.
Desta forma a língua tem uma função para além da comunicativa, principalmente
quando se trata de um texto literário. Assim, ao ensinarmos uma LE como prática social,
numa interface com a literatura, estamos ensinando concomitantemente a cultura desta LE,
uma vez que o ser humano é constituído pela cultura que traduz seus sentimentos e ações e
por ela pode entender o mundo à sua volta e, consequentemente, a si mesmo.
Os dados encontrados no DA podem corroborar tais afirmações: “Quando
aprendemos outra língua é a nós mesmos que ajudamos”; “Saber sobre outra língua
contribui com nosso crescimento” e “Somos nós que ganhamos quando aprendemos outra
língua”.
Numa visão macro, os dados revelam que módulo III foi muito bem aceito,
elucidando respostas que revelam ter propiciado mais envolvimento e motivação para as
aulas e consequentemente mais aprendizado. Os alunos participantes expressaram-se
sobre ele como tendo sido “legal, divertido e interessante”. Alguns alunos puderam
reconhecer a importância de se aprender inglês para suas vidas e o que isso significa,
conseguindo assim vislumbrar novas expectativas para suas vidas.
Como foi o trabalho com o Módulo III?
Muito bom
Bom Fácil Legal, divertido e interessante
Cansativo Não foi muito bom Difícil
5 10 1 6 1 1 1
Por quê?
Pelas diferentes estraté-
gias utilizadas
Houve bastante interação
e coopera-
ção
Aprende-mos um pouco sobre
diferentes culturas
Falava sempre da mes-
ma pessoa
Percebemos que não é tão difícil aprender
inglês
Não participei das aulas
Aprendi coisas interes-santes
Voca-bulário
Mostrou a importân-
cia de aprender
inglês
5 1 5 1 5 2 5 2 3
Fonte: QAM (2014)
Ficou evidenciado neste módulo, que as atividades que requeriam outras linguagens
como pintura, desenhos, jogos e produção de vídeos com as quais pudessem demonstrar a
compreensão dos contos (short stories) lidos, motivaram os alunos, que, em sua maioria
esforçavam para realizá-las. Vale o registro de que sete alunos afirmaram que estas
estratégias contribuíram para minimizar as dificuldades com a falta de domínio da língua. A
propósito, para Campos (2006, apud FERNANDES, 2012, p. 21), jogar e brincar são
atividades indispensáveis à vida, seja intelectual, física ou emocional e são meios oportunos
à construção do conhecimento. Assim, a teoria ficou ratificada pelos dados, confirmando o
jogo e atividades lúdicas como importantes recursos metodológicos para o ensino
aprendizagem de uma nova língua em escolas públicas, independentemente da idade dos
envolvidos. Ficou também evidente que o jogo pode contribuir para surgimento e
fortalecimento de regras e atitudes sociais entre os alunos, implicando na aceitação dos
pontos fracos de cada um, e na busca conjunta para sua superação (VYGOTSKY, 1989).
Analisando em especial dois jogos desenvolvidos para a compreensão das short
stories My Name e No speak English, ficou evidenciado que os alunos participaram com
seriedade, muito embora usando bastante a língua materna durante os jogos, o que não
diminuiu o sucesso da atividade. Os alunos se ajudavam mutuamente e ao mesmo tempo
eram fiscais uns dos outros, bem como recorreram por várias vezes à mediação da
professora.
Vejamos os dados que comprovam tais afirmações:
Data Atividade 05/06/14 While-reading - My name – Jogo 12 25 7 10
26/06/14 While-reading – No speak English – Jogo de dominó
4 2 3 15 11 9
Fonte: DI (2014)
O conto No speak English, último a ser trabalhado trouxe mais dificuldade por ser
mais denso, mais complexo e demandava uma proficiência mínima da LE, que
imaginávamos viria dos contos previamente trabalhados (My Name, Boys & Girls, Hairs).
Essa hipótese não se comprovou, contudo ainda assim eles participaram bem, culminando
as atividades com a produção de quatro vídeos10.
Apoiadas em Candido (1972), que nos fala sobre as funções da literatura,
consideramos que este material, numa interface entre língua e literatura, contribuiu para a
formação dos alunos, despertando neles mais criticidade diante de diferentes dimensões da
realidade (GASPARIM, 2002) social, política, econômica, cultural e emocional, levando-os a
compreender melhor o mundo a sua volta ao confrontar diferentes culturas, com foco
especial na brasileira, mexicana e americana.
A humanização dos alunos e da professora pesquisadora durante esse trabalho
mereceu destaque, confirmando o papel das artes na transformação do ser humano.
Finalmente, chegamos à produção oral e a interpretação final do conto No speak
English. Foram formados quatro grupos e três deles afirmaram em seus DAs que o trabalho
foi bom, porque oportunizou uma maior aproximação entre seus membros que se ajudavam
nas tomadas de decisões. Essas conclusões confirmam o posicionamento de Brun (2010, p.
84) quando diz que é mais importante “saber ser” a “saber fazer”, pois quando se “sabe ser”,
sempre é possível “um fazer”, seja no nível individual ou no coletivo.
10
Os vídeos serão postados no youtube pelos próprios alunos, se assim o desejarem.
Produção de vídeos com o conto No speak English
Grupos O que acharam da experiência? Pontos positivos Pontos negativos
1 Muito boa porque aprendemos mais do inglês, foi bem legal filmar e falar por alguns minutos a língua inglesa.
- Aproximamos mais; - Aprendemos as pronuncias.
- Dificuldades de dizer as palavras em inglês.
2 Experiência diferente porque uma aula de inglês e agente fazendo teatro kkkk. Tivemos um minuto de fama, gostamos de encenar e filmar.
- Nos divertimos; - Nos superamos por fazer teatro; - Nos aproximamos mais.
- Dificuldade no local de gravação, quase fomos pegos pulando o portão para gravar; - Começou a ficar tarde e ainda tinha uma cena para gravar.
3 Achamos legal, divertido e engraçado.
- Nos inteiramos mais
4 Muito boa. - Foi bom. - Nada além de perder um final de semana.
Fonte: DA (2014)
O quadro acima desvela o tipo de interação ocorrida por meio do material,
especialmente durante a gravação dos vídeos sobre o conto No speak English.
Reafirmamos ao final da análise da produção didático-pedagógica a dificuldade sentida
pelos alunos da escola pública com o uso mínimo da oralidade em língua inglesa. Não
diferente é o trabalho com a produção escrita (discurso entre Deus e os homens – módulo I).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
De modo geral podemos dizer que a produção didático-pedagógica e sua
implementação alcançaram os objetivos propostos no tocante à motivação e a humanização
por meio das artes, o que lhes possibilitou uma visão mais ampla do papel da cultura na
construção da identidade do ser humano.
Podemos afirmar que o destaque deste trabalho ficou para o envolvimento e a
interação dos alunos com as atividades, trabalho de leitura, as discussões e a interação
entre aluno/aluno, aluno/teacher e aluno/conteúdo em todos os módulos.
Retomando as conclusões chegadas na análise dos dados, vimos que os alunos
gostaram do módulo I, embora tenha sido o que tem apresentado maior grau de dificuldade,
porque alguns gêneros não faziam parte do seu cotidiano, e, possivelmente, tenha sido
durante as aulas o seu primeiro contato com mesmos. Isso ficou mais evidente quando
tiveram que produzir um texto escrito em língua inglesa. Entretanto, ainda assim os dados
revelaram que eles gostaram do tema e da experiência.
No nosso entender o módulo II foi o mais apreciado pelos alunos, muito
provavelmente por ter sido o mais curto e pela metodologia do trabalho em grupo, que lhes
deu mais autonomia e voz, possibilitando serem agentes de novos saberes e
conhecimentos, e como resultado mostraram-se mais abertos a aprendizagem de uma nova
língua.
O módulo III foi o mais extenso, entretanto oportunizou momentos importantes de
reflexão sobre cultura/língua. Os educandos tiveram acesso à história, aos costumes e aos
sonhos de povos mexicano, brasileiro e americano, guardados e preservados pela literatura
e, à medida que o conhecimento de mundo de cada aluno foi entrando em contato com a
obra literária em questão, este foi compreendendo melhor e criticamente o mundo que o
cerca.
Os aspectos negativos ficaram por conta principalmente do mau funcionamento do
aparato tecnológico disponível nas escolas públicas, que precisa ser melhorado, para que os
professores possam utilizá-lo como recurso motivador. A ideia blog foi cancelada em virtude
da precariedade do laboratório de informática do colégio. Outros fatores negativos foram
mudanças no horário, falta de aulas e muitas conversas paralelas dos alunos, que mesmo
participando bem, não abandonavam a conversa e o uso de celular em sala. Destaque
também para a falta de conhecimento prévio de língua inglesa que deveria acontecer nos
anos anteriores de estudo.
O artigo revelou pontos importantes positivos e negativos para o ensino-
aprendizagem de LE na escola pública, que poderão contribuir com outros profissionais da
área, sobremaneira no tocante ao papel desempenhado pela cultura para a humanização do
ser humano através das artes, especialmente pela literatura.
REFERÊNCIAS
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Anexo 1 Diário Ilustrado dos alunos (DI)
Data Atividade
11,18/03/14 Pre-reading, sinopse e assistir partes do filme Quest for fire
4 4 4 16
20/03/2014 Post-reading sobre o filme Quest for fire 2 3 10 11
25/03/2014 Warm up e pré-reading sobre o texto The Tower of Babel
6 6 8 2 8 2
27/03/2014 While-reading sobre o texto The Tower of Babel
11 1 7 1 15 5
01/04/2014 Produção da comic strip sobre The Tower of Babel
3 8 9 12
03/04/2014 Knowing more about the genre e Studying the language (Past - regular)
2 18 3 4 8
08/04/2014 Formas negativa e interrogativa e Post-reading sobre The Tower of Babel
5 9 7 6 1 10 6
10,17/04/14 Produção de um discurso direto (a conversa entre Deus e os homens)
15 3 6 3 2 7 3
12/05/2014 Módulo II (exceto apresentação dos cartazes)
21 4
13/05/2014 15/05/2014
Pre-reading sobre a sinopse do filme Spanglish, leitura da sinopse e
apresentação da música Let’s talk about ove de Celine Dion
2 4 12 4 4 9 6
19/05/2014 Filme - Spanglish 21 8 9
26/05/2014 Apresentação dos cartazes (marcas culturais) e biografia da Cisneros
9 1 19 1 11 13
29/05/2014 (aula/cont)
Knowing more about the genre (biografia); Warm up, pre-reading e leitura do texto The House on Mango Street; Texto: The
house on Mango Street
1 10 8 11 2 15 11
03/06/2014 Warm up e pre-reading sobre o conto My name
1 6 5 8 11 7
05/06/2014 Jogo: My Name 12 25 7 10
10/06/2014 Socialização da pesquisa sobre seus nomes com seus familiares e sobre a
origem e significado do mesmo
1 9 8 4 4 13 2
18/06/2014 (aula/cont)
“I am a red balloon…”, Post-reading sobre o conto Boys & Girls e Warm up, pre-
reading e leitura do 1º parágrafo do conto Hairs
1 9 6 11
26/06/2014 (aula/cont)
While-reading do conto No speak English e Jogo de Dominó
4 2 3 15 11 9
27/06/2014 Post-reading sobre o conto No speak English.
3 2 8 1 10 6
TOTAL 40 86 87 181 21 184 129
TOTAL DE REGISTROS 728