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7/21/2019 Os Feitios de Oxun
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Feitio de Oxum
Um estudo sobre oIl Ax Iy Nass Oke suas relaes em rede
com outros terreiros
DOUTORADO EM CINCIAS SOCIAIS
ALUNO: RAFAEL SOARES DE OLIVEIRA
PROF. DR. ORIENTADOR: ORDEP SERRA
PROFS.DRS. EXAMINADORES:
LUIS NICOLAU PARS
RENATO DA SILVEIRASERGIO F. FERRETI
ZWINGLIO M. DIAS
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Resumo
Este um estudo etnogrfico sobre o Terreiro Il Ax Iy Nass Ok, conhecido comoTerreiro da Casa Branca do Engenho Velho da Federao, ou simplesmente a CasaBranca, e sobre a sua rede de relaes com outros Terreiros. A literatura lhe dispensalugar de destaque: abunda em citaes doTerreiro da Casa Branca; no entanto, averdade que nessa bibliografia especializada contam-se poucos estudos sobre o toreferido Terreiro. Este trabalho busca preencher, em parte, esta lacuna, trazendoelementos atuais de sua histria e de sua organizao do espao e do tempo, bem como
busca analisar seus modos de constituio como grupo tnico-eclesial e a configuraodas suas relaes em rede com outros Terreiros de candombl.
Abstract
This is an ethnographic study about Il Ax Iy Nass Ok [an African Brazilian templein Salvador, Bahia], known as Casa Branca do Engenho Velho da Federao, or simplyCasa Branca, and its network of relations with other African Brazilian temples. The
literature gives it special distinction: the Casa Branca temple is often mentioned inthe ethnographic studies; however, what really happens is that on this specializedbibliography there are few studies about this much quoted temple. Is this worksintention to fill at least a part of this gap, bringing elements from Casa Brancas historyand of its organization of time and space, as to analyze its ways of constitution as anethnic-ecclesiastic group and the configuration of its network of relations with otherAfrican Brazilian temples.
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Agradecimentos
Agradecer risco, de esquecer algum importante. Arriscar viver.
Comeo pelas instituies. Agradeo a oportunidade de retorno ao mundo da pesquisaacadmica proporcionada pelo PPGCS da UFBa e ao apoio conferido pelo CNPq emforma de bolsa de doutorado e taxa de bancada. Em especial agradeo a KOINONIA Presena Ecumnica e Servio por seu investimento em liberar-me para minhaformao, e aos companheiros de trabalho que compensaram minhas ausncias nessetempo de pesquisas e elaborao desse trabalho.
H pessoas a destacar. Primeiramente agradeo aos argutos, pacientes e incansveisolhares orientadores do Prof. Dr. Ordep Serra, bem como as primeiras crticas do examede qualificao feitas pelos Profs. Drs. Luis Nicolau Pars e Renato da Silveira.Antecipo o agradecimento pela presena na Banca Examinadora e pela leitura crticados Profs. Drs. Sergio Ferreti e Zwinglio Dias.
Mas h outros que ajudaram a finalizar esta tarefa acadmica e entre elas destaco aamiga Jussara Rgo Dias, com quem travei dilogos imprescindveis para a elaboraodos mapas constantes do texto.
Contam tambm com minha gratido e apreo aqueles que, mais que amigos, setornaram meus irmos no trabalho, pessoas que so os verdadeiros detentores dossaberes que procurei decifrar nesses quatro anos de pesquisa. So os sacerdotes esacerdotisas do Il Ax Iy Nass Ok, cuja lista dos mais freqentes no Terreiro desde2001 inclu em agradecimento a cada um no Apndice, evitando repetir aqui todos osnomes. Mas quero fazer destaques dentre tantos. Primeiramente Venervel IyalorixAltamira Ceclia dos Santos, Me Tat, por sua acolhida e carinho. Em segundo lugar, eespecialmente, sou grato Venervel Equede Gersonice de Azevedo Brando, EquedeSinha com quem mantenho grande amizade, por suas pacientes e sempre sbias ehospitaleiras orientaes. E em terceiro lugar ao Venervel Ogan Antnio Marques,Ogan Tonho, vigoroso defensor da grandiosidade do candombl, com quem aprendi
sobre humildade e rigor.
Finalmente agradeo ao mais importante dos apoios: o esteio da minha famlia.
A meus filhos Daniel e Raphael Simonato de Oliveira pelos momentos de convvio,compreenso e carinho dentre tantas ausncias e horas de trabalho.
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Sumrio
I - A CASA BRANCA NA ENCOSTA DA AVENIDA DO VALE 011 -ALM DO OLHAR HORIZONTAL 012 - RAA E COR EM UMA ESTRUTURA ECLESIAL 173 - SEGREDOS DE FAMLIA 284 -ARA KETU 315 - PATRIMNIO DE SO JORGE 366 -ESCRITOS SOBRE A CASA E SUA NAO 457 - NEGROS BARROCOS NA BARROQUINHA DEIY NASS 568 -UMA BREVE PASSAGEM PELO SCULO XIX 729 - PRIMEIROS OLHARES DE INTERPRETAO 74
II - TERRITRIO DE ORIXS, ORISEAX 801 -CALENDRIO RITUAL 812 - CALENDRIOS VIVOS 1003 - ESPAO: TOMBADO, MUTANTE E TERRITRIO DEAX 107
III- O CANDOMBL DEIY NASS: TEMPO DE SER 1221- OUTRO TEMPO 1222 - DILOGOS INTERPRETATIVOS 1383 - APRENDENDO SOBRE PRESENTES: PASSADO E FUTURO 152
IV- O TECIDO DA GENTE QUE FAZ A CASA 1731- OUTRAS LUZES DA CIDADE DE SALVADOR 1752- INGRESSO, RECRUTAMENTO E ACOLHIDA 2023 - TECENDO A FAMLIA: CRITRIOS EM MOVIMENTO 2054 - FORJANDO A CASA: FORMANDO OS COMPETENTES 2315- O ALICERCE DAS RELAES: COMPETNCIA EM CANDOMBL 2426 AESCOLINHADE CANDOMBL 2487 - ARREMATE DO TECIDO ALINHAVADO 253
V - TECENDO REDES: DE RELAES DA CASA COM OUTRAS CASAS 2571- REDE DE PARENTESCO 2662- RELAES DE IDENTIDADE OU DIPLOMTICAS 291
3 REDE E TERRITRIO: UMA NOTA MICA 3124 - DILOGO INTERPRETATIVO: DA CAPACIDADE DEPROPAGAO DA REDE
314
5- NOTAS CONCLUSIVAS: DESVENDANDO OFEITIO DE OXUM 326REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 337ANEXO 1 - DEFINIO DE PADRO DE HABITABILIDADE 345
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I - A CASA BRANCA NA ENCOSTA DA AVENIDA DO VALE
1 ALM DO OLHAR HORIZONTAL
Convidado a visitar pela primeira vez a Casa Branca do Engenho Velho, tomei uma
conduo at a Avenida Vasco da Gama, n 463.
A Avenida dividida por um canal no qual se vem as marcas de um processo de
deteriorao de um rio que outrora fora de gua lmpida e potvel em um tempo
em que cham-lo de canal seria ofensa capaz de abalar seus vizinhos e fazer
estremecer divindades.
primeira vista, esta parece ser uma avenida na
qual no mais se instalam moradores, apenas
i d i i ( l
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(transpirando ansiedade e fumaa poluda), e fez juntar-se percepo dos sons
estridentes a imagem da poeira convivendo com o asfalto. Para ver mais, preciso
levantar a vista bem acima do asfalto, e ali identificar um vale.
Um ato simples, mas capaz de gerar um estranhamento.
... Um endereo, o veculo para alcan-lo, o dinheiro necessrio para viabilizar o
translado, a roupa que se pode escolher para sair de casa, e outras escolhas, por si s
simples, so vividas como naturais... Seguindo meus costumes aparentemente
naturais, eu veria ali uma rea insalubre constituda, de forma desordenada, pelo
crescimento de mais uma cidade metropolitana no final do sculo XX, no Terceiro
Mundo. O ato singelo de perceber-me em um vale me fez capaz de imagin-lo a fruir
um tempo silencioso em noites frescas de luar, ventilado e aconchegante, em meio a
muitas rvores.
Confesso que a imaginao me capturou e subverteria todas as impresses que me
chegavam, caso elas no fossem to impactantes: os montes que ladeiam o vale so
densamente habitados Salta aos olhos a aglomerao de casas esquerda de quem se
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Marcas de habitaes de famlias sem condies financeiras de reproduzir o padro
esttico hegemnico da cidade formal, instaladas em ruas estreitas e de difcil
acesso... Impresses que, melhor refletidas, permitem mais um estranhamento.
Afinal, o critrio de dificuldade de acesso fez-me eludir o recurso ao automvel, e
induziu-me a privilegiar a contemplao de um pedestre.
Parado ali, a visualizar o vale, vi-me de costas para o endereo que buscava; no
entanto, era preciso encontr-lo...
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Novamente, senti-me trado pelo hbito. Este me fez assumir uma (naturalizada)
linha de horizonte e deparar-me, pela primeira vez, com um terreno que no
combinava muito com seus vizinhos imediatos, os comerciantes mais prximos.
Parecia um enclave na Avenida, um ndulo que se pode imaginar surgindo, de sbito,
na seqncia visual obtida por um observador sentado em um veculo a percorrer
aquela via. Um corte na monotonia de imagens urbanas da regio, um hiato de quase
100 metros de grades brancas, sem qualquer identificao especial. Grades que nada
escondem ao transeunte: da calada, este pode avistar aquilo que elas cercam.
direita, surge um terreno cimentado de uns 200 m2
, onde, prximo parede que o
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com os contornos semelhantes a um
duplo z arredondado, a alongar-se
como um rabo; sobre um pedestal
de 1 metro, na cabeceira deste
espao escavado (na extremidade
mais distante do observador que
chega de fora), est a imagem de
uma sereia de uns 2 metros de
comprimento.
Olhando em frente (desde a
calada, atravs da grade), no
trmino dessa rea cimentada,
podem-se avistar rvores, alguns
entulhos e materiais de construo,
cuja presena se justifica pela placa
de obras de recuperao e por outra
(que impede, desse ngulo, avistar-
se o alto) com dizeres relativos
preservao cultural e histrica da
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esquerda, no entanto, se avista
mais: uma construo em forma de
barco, de concreto, branca, de uns 8
metros de comprimento por 3 de
largura, a navegar, na imaginao
de quem a divisa, com suas bordas
azuis bem marcadas e uma bandeira
amarela hasteada no centro . O
barco delimita, esquerda, o
terreno cimentado; ali, entre os
dois, como uma fronteira
imaginria, h a marca bem visvel
de dois pares de bancos de praa,
tambm de cimento.
A sensao ficaria impregnada de
um certo peso com tanto
cimento , se o giro da viso no
alcanasse as reas verdes e
ajardinadas que surgem ao fundo e
(ainda mais intensamente)
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convivendo com uma toua de bambus de mais de 6 metros de altura; de perto, pode-
se ver que o bambuzal est cingido por um pano branco como se lhe pusessem uma
faixa com lao na cintura. A toua de bambus, que ocupa um trecho de cerca de 25
m2, finda junto a um porto lateral, num dos extremos do gradil. Se avanarmos
paralelamente s grades, progredindo
rumo esquerda, ento contornaremos o
terreno, entrando por uma ruela calada
onde, direita de quem chega, temos
ainda as grades (que se infletem nesta
direo, a fechar o campo ) e, esquerda,
moradias; ao final da ruela, e do
semicrculo percorrido por fora, avista-se,
novamente, o porto que d acesso ao
terreno.
Depois adentraremos o porto... Por ora,
ainda me (re)encontro na calada paralela
ao gradil. Da eu vi que, no espao
cercado, ao fundo, entre o bambuzal e o
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Assim como pouco antes (na contemplao da avenida inteira), tambm nesse novo
lance de aproximao refiz minhas primeiras impresses ao erguer os olhos em
direo ao aclive. Pois ali, encravadas na encosta, esto as construes maiores e mais
contrastantes do stio, todas em branco, incrustadas numa mancha verde de rvores e
mato baixo, e vem-se os caminhos que lhes do acesso, pouco perceptveis desde a
calada da avenida. Detendo-me assim, a olhar para cima, logo me foi possvel
comparar esta nova viso com o que antes j percebera, isto , que no endereo da
Avenida a imensa maioria de moradores estava acima do nvel do asfalto, nas
encostas do vale. Reformulei a idia que tivera de sua vizinhana: afinal, a quem as
pessoas que vivem naquelas encostas do stio espraiado at a Avenida consideram
vizinhos, seno aos (outros) moradores dos montes?...
Aquele terreno cingido pelas grades, visto da calada da avenida, enquanto acessvel
mirada direta do observador posto de p a sua frente, era esdrxulo em relao a seus
confrontantes laterais, mas comeava a fazer algum sentido pens-lo avistado do alto,
do outro lado do vale; ou, ao contrrio, subindo-lhe a encosta, era significativo avistar
o aglomerado urbano de habitaes no entorno do vale.
Do alto, com o mesmo olhar horizontal, os semelhantes se reconhecem como quem
habita as encostas daquele mundo desigualmente ordenado e caoticamente
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Estas e outras perguntas comearam a invadir-me desde os primeiros momentos em
que parei de olhar apenas horizontalmente: esse estranho modo de ver que, a
princpio, iguala todo o avistado, para, em seguida, classificar as coisas vistas em
melhores ou piores, como se as inevitveis comparaes no ocorressem j na
mirada preliminar, e o ponto de vista ento assumido fosse o natural, a base de toda a
referncia possvel1. Tambm me vi colhido no inevitvel enredo do convvio
humano, em que os olhares separam tudo entre ns e eles, nosso e deles,
ainda que de forma involuntria. Portanto, convenci-me de que olhar para os
moradores e semelhantes a ponto de pens-los como vizinhos era um procedimento
sempre relativo. Era necessrio olhar horizontalmente, sim, mas, a cada vez, em um
nvel de altitude diferente em relao ao rio/canal que corta (cortava) o vale (diriam os
moradores do alto), ou Avenida Vasco da Gama (diriam os transeuntes e
comerciantes).
Segui pela calada, beirando a grade, at atingir o porto de acesso pela ruela lateral...
Vejo-me, agora, a repetir esta abordagem em outro momento.
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Dessa vez (nessa nova ocasio, tempos depois), eu integrava um cortejo, na chegada
de uma pequena multido enfeitada com roupas de festa suas melhores roupas,
envergadas para a ida missa de So
Jorge, ou missa de Oxssi como se
ouvia de todos aos cochichos.
Franqueada a entrada lateral, pode-se
ainda subir por uma escadaria para a
qual todos, ento, se dirigiam,
seguindo a imagem do Santo, trazida da missa. A passagem pela frente da casa que eu
avistara da calada, o trecho entre ela e o barco de cimento, levava as cerca de 400
pessoas referida escadaria, que, logo no incio, tem uma pequena construo
direita, recinto onde se encerra uma fonte; em cada degrau cabem trs, ou, no
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cerca de 10 m2); junto a ela, a maioria dos que chegavam arrastava os ps por trs
vezes. Esta casa est sobre um plat; do lado oposto a este, esquerda de quem sobe,
e num plano um pouco mais alto, pode-se ver outra casa maior, de mais de 20 m2 . S
depois vim a saber que essa era aFonte de Oxum, que a segunda casa era a de Exue a
outra, maior (que se divisa da olhando para o outro lado), era de Xang Air.
Dali para cima, a procisso se alterou substancialmente. Podiam-se ouvir os atabaques
do terreiro. Muitos dos visitantes, ainda em meio escadaria, entravam em transe,
incorporando deuses logo acolhidos para danar na grande casa s ento tornada bem
visvel: uma casa de cerca de 35 metros de extenso por uns 14 de profundidade, ao
final dos quase 80 degraus, branca, como as trs edificaes divisadas antes.
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Detive-me no tal plat, e num giro de viso, de costas para a encosta, descortinei o
outro lado do vale.
Neste nvel estavam as
moradias... E pus-me a
imaginar os que anualmente
avistavam, desde o monte
oposto, o que ali se passava,
e, embora algo distantes,
compartilhavam da mesma
condio de moradores em vizinhana... Que significados teria para eles aquele
espao ali instalado h anos, cheio de ritos, reas verdes (principalmente abaixo da
grande casa e direita de quem sobe) com rvores frondosas e uma capoeira cerrada a
esconder outros monumentos sagrados?
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cumeada ... por um espao que, em um croqui, mal comporia um q ou um 9)2.
Vejamos tal esboo, assim como pude elaborar, sobre uma planta da rea.
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1. Pequeno lago encimado pela imagem de uma sereia (Oxum)1a. Praa de Oxum2. Bambuzal:Dank3. Barco:Iku iluai(ou Barco de Oxum)
4. Fonte de Oxum5. Casa deExu6. Fonte de Oxumar6a. Assentamento de Ossain7. rvore sagrada:Iroko8. Casa de Ogun8a. rvore sagrada:Apaok9. Casa deXang Ayr10. Praa de Obaluai: Casa de ObaluaieNan
11a. Barraco11b. Partes internas: X (Xang); O (Oxal); R (Runc); S (Saleta dosOgans- entrada pelo Barraco);M (Moradias); D (dispensa); C (Cozinha Ritual); I (Residncia daIalorix)
12. Casa de Bale: assentamento dos ancestrais13. Casa de Oxssi13a. Assentamento deIbualama(qualidade de Oxssi)
Mas devo voltar ao momento da chegada festiva de que vinha falando.
Segui, com o pblico, para o interior da grande casa, onde tive acesso a um salo de
uns 12 por 12 metros. Ao centro do mesmo, acha-se uma coluna de sustentao do
teto, cingida, no alto, por uma grande coroa esculpida em madeira compensada
marrom, e cravejada de bijuterias aplicadas sobre recortes ondulares. V-se na figura
extrada do artigo de Capinan e Ribeiro (CAPINAN; RIBEIRO, 1986).
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1- Entrada2- Bancos para os homens visitantes
3- Assentamento das imagens de santos catlicos4- Cadeira daIalorix5- Porta do assentamento deXange dasAyabs6a- rea onde se coloca a cadeira de Ogansem seu primeiro ano de confirmao;6b- rea onde coloca a cadeira deEquedesem seu primeiro ano de confirmao7- Cadeiras reservadas a autoridades religiosas convidadas8- Bancos reservados a convidados da Casa9- Banco onde se sentam Ogansda Casa para tocar instrumentos10- Assentamento deLoguned
11- Cadeira daIy Keker12- Assentamento cercado, onde se situa a orquestra ritual13- rea reservada aos Ogansda Casa e a autoridades convidadas (geralmente homens)14- Porta do fundo, de onde se pode saudar os assentamentos de Oxssi15- Janela lateral, de onde se podem saudar os assentamentos de ObaluaieNan.16- Bancos para as mulheres visitantes17- Assentamento deExu
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Reproduzo tambm a figura da coroa que encima esse conjunto:
[Coroa deXangencimando Barraco e cadeiras de autoridades da Casa Branca do Engenho Velho da
Federao (Fotos: Regina Serra)]
2 RAA E COR EM UMA ESTRUTURA ECLESIAL
de um terreiro de candombl, o Terreiro da Casa Branca, todo o espao
sumariamente descrito at aqui. Mais do que indicado pelas placas, ocupado por
eventos litrgicos.
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movimentam os acontecimentos no interior de tal espao. Quem a populao de
moradores do terreiro, quem se ocupa dos rituais?
Em uma aproximao grosseira, notria, a, a concentrao de indivduos de cor ou
ascendncia negra bem visvel4, e de origem pobre (renda familiar de at 4,5 salrios
mnimos)5. Isto, porm, no traduz o perfil complexo das condies de vida e
educacionais das famlias encontrveis no dito espao: desde desempregados a (raros)
trabalhadores de nvel superior; de universitrios a analfabetos. Famlias cujos filhos,
por vezes, no mais ali moram, mas retornam episodicamente para rever os seus; e
famlias cujos descendentes dispersos no mais retornaram.
Entre os responsveis pelos acontecimentos litrgicos, foi possvel encontrar uma
minoria de gente de origem racial fenotipicamente branca. Mas quanto s
ocupaes rituais, precisamos de mais tempo para situ-las. Era bem possvel deixar-
se invadir por outra interrogao, ineludvel para quem nada conhece:
-Formariam todos aqueles moradores, sozinhos ou somados aos visitantes(quase
400) um corpo coeso? Teramos, ali, um grupo social bem determinado6?
E mais:
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Que regime de uso tinham todas aquelas habitaes?
Pois algumas estavam sem moradores no dia da missa de Oxssi...
A essa altura, o espao estava cheio de significados e o grupo de pessoas entre as
quais eu me encontrava recebia do evento ritual o seu maior signo identificador.
Tratava-se de um grupo de culto, um grupo eclesial de caractersticas peculiares, cujos
princpios normativos deveriam explicar os sentidos da apropriao social daquele
lugar de... moradia, culto, hospedagem, convvio... qui com outros usos, ainda por
se revelar.
Foi, ento, por esse rumo que meu olhar e minhas interrogaes seguiram.
Era preciso voltar quele stio muitas vezes, at que me fosse possvel dialogar melhor
com meus estranhos olhares e perceber os enredos do que ali se passava como
mistrio.
...
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(de hspede), mais de uma vez me foi dado acompanhar, desde a vspera, um dia
inteiro da vivncia do grupo eclesial, inclusive na data dedicada a Oxssi. Volto
agora, na minha lembrana, a uma oportunidade dessas.
... Desde o dia anterior, dos mais variados cantos do Brasil acorriam pessoas para
hospedar-se, de alguma forma, no Terreiro. Uns alojaram-se nas residncias dos
moradores permanentes, outros em moradias prprias, apenas utilizadas por ocasio
de festas, e os demais nas dependncias internas do grande casaro. Era a realizao,
em um espao de 48 horas, da reunio de membros de uma comunidade como eu a
ouvira ser chamada por alguns de seus integrantes em parte dispersa, mas ligada
por fios fraternos.
A manh daqueles que se envolvem no conjunto do trabalho festivo comea com o
nascer do sol. Desde esse momento, diferentes mobilizaes se processam,
envolvendo os membros presentes da comunidade. Mulheres mais velhas, e alguns
dos homens se destacam do conjunto maior, como protagonistas de rituais internos
que no podem ter a participao de todos, em ambientes sagrados a que no se
franqueia o acesso de qualquer um. Esse subgrupo, dirigido pela me-de-santo,
coordena todas as aes do dia. Os outros membros da comunidade seguem
trabalhando, orientados segundo uma hierarquia em que os mais experientes se fazem
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tambm se afanam, envolvidos nas compras e servios de adequao do espao
funo ritual, realizados (aparentemente) de ltima hora.
Ali eu me encontrava na qualidade de visitante e amigo de alguns, com os acessos
restritos a momentos coletivos de orao e participao em alguns servios braais,
facultados a qualquer um que se dispusesse a ajudar. As conversas, todas comedidas,
eram conduzidas de um modo a nunca ultrapassar um limite ainda invisvel para mim,
cingindo contedos que no me eram revelados. Era contagiante a alegria dos
encontros. Eram efusivos os cumprimentos e as lembranas de encontros anteriores,
seguidos de comentrios e perguntas por terceiros, que revelavam a intimidade de
quem faz parte de um crculo de pessoas conhecidas. Assim se repetiam cenas de
acolhimento a pessoas vindas do Rio de Janeiro, de So Paulo, de Alagoas, e alguns
da Europa ou dos Estados Unidos da Amrica do Norte, que se integravam maioria
oriunda da Bahia (na maior parte, da Grande Salvador, com alguns poucos
provenientes do interior).7
Antes mesmo de se iniciarem as atividades rituais pblicas no interior do salo
descrito, todo aquele movimento me fazia pensar sobre o significado do que ali
chamavam de comunidade. Quem estaria dentro, quem estaria fora?
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pertena comunidade. As conversas de que participei apontavam claramente quem
era contado como da comunidade, e quem no era. E se eu no podia identificar
exatamente todos os critrios de incluso, ao menos ficava claro que estariam inclusos
adeptos e participantes nos rituais. A comunidade e o grupo eclesial se
sobrepunham. Ser morador era um critrio possvel, mas insuficiente. Por outro lado,
eram contadas como da comunidade pessoas vinculadas s atividades clticas que
vieram de outros estados, e at de outros pases.
O burburinho aumentava significativamente. J se alcanara a metade da manh;
grande parte do grupo se mobilizava para ir missa encomendada para Oxssi. Uma
parcela, no entanto, permaneceria junto me-de-santo, cuidando de atividades rituais
internas. A espera do grupo da missa por um nibus para o translado at a igreja de
Nossa Senhora do Rosrio dos Homens Pretos, no Pelourinho deu-se entre a
ansiedade de quem solicitara o nibus gratuito a uma empresa e a tranqilidade e
misturas de perfumes da maioria, vestida nos melhores trajes de seus guarda-roupas.
Digo outra vez: pareceria a um estranho o critrio racial um signo exclusivo de
pertena... Meu tipo fsico mesmo, de predominante aparncia branca, contrastava
com os ocupantes do nibus8.
Mas se um aspecto relevante a ser tomado (numa primeira aproximao) como
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A missa transcorreu em clima solene, convivendo com elementos da renovao
litrgica catlica, em que se permitiram msicas ritmadas e acompanhadas por
percusso o que eu sabia no ser uma orientao especial para o ofcio ento
celebrado, mas atitude j corriqueira em outras ocasies, naquela igreja. Os mais
antigos do Terreiro se posicionaram na parte da nave mais prxima do altar, e dali
participaram da cerimnia... A celebrao no compunha com minhas expectativas:
eu no conseguia compreender o motivo que levava aquela comunidade a estar em
uma missa. Foi preciso questionar-me para re-significar as coisas... Parecia-me
cansativo e redundante definir missaem um contexto cultural como o nosso. No
entanto, senti ali que o conceito de missa para a comunidade era distinto. Em
conversa com gente mais antiga do Terreiro, ouvi que se j levamos tanto tempo para
colocar a igreja do nosso jeito, ns no vamos sair, eles que nos ponham para fora...
E a partir do que eu conseguia observar, o rito da missa se integrava no contexto de
um ato pblico declarativo. Era uma auto-afirmao da comunidade (no sentido
que eu apreendera at ento) diante dos que se poderiam chamar de autoridades da
sociedade baiana; uma celebrao encomendada, assim como se encomendam
outras missaspor ocasio de inauguraes, festejos etc.
A noo da celebrao como um ato de afirmao do grupo em um contexto pblico
maior, produziu, para mim, alguma explicao, mas fiquei curioso por apurar as
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comparada com as reflexes dos que foram... No entanto, mesmo sem os argumentos
teolgicos, um ponto ficou claro: todos reconheciam a dignidade da cerimnia
pblica, e mesmo os que diziam (com um qu de desdm) no ter costume de ir a
igreja participaram dos rituais internos dedicados aos que saam para a missa e aos
preparativos de seu retorno.
Retornar da missa em meio ao cortejo ento formado j no era novidade para mim,
nessa ocasio; menos ainda a quantidade de pessoas que se somara ao grupo vindo da
igreja na caminhada em direo ao Terreiro. Repetiam-se os fenmenos de anos
anteriores, quando divindades se manifestavam, ao toque dos atabaques, em plena
escada de acesso grande casa, a partir do patamar daquela menor, dedicada aExu. J
no interior da sala maior da grande casa (chamada pelos fiis de Barraco) as pessoas
espremiam-se, tantas eram as que chegavam. Eram muitos os que se manifestavam em
transe, alm dos que eu sabia ligados ao Terreiro. Era permitido a visitantes em transe
danar no Barraco eles compunham quase a metade dos extticos... Tudo se
passava com a fora de um momento pblico em que todos esto convidados a vir
danar na festa sagrada...
Sem muita demora, os presentes adentraram as instalaes da grande casa, onde lhes
foi servido um abundante caf da manh (caf, leite, pes, queijos, bolos). Ali se
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O dia transcorrera rpido, em meio a muito trabalho interno. As atividades na cozinha
ritual se intensificavam, sem descuidar das visitas que chegaram no incio da tarde
para comer ofeijo de Oxssi. Servir as visitas e os que trabalhavam, cuidar dos ritos
internos: tudo se processava segundo uma diviso de trabalhos gil, e difcil de
discernir...
No demorou (no tempo medido por uma seqncia de diversos afazeres) para que
chegasse o momento de culto pblico noturno... Eram quase nove e meia da noite
quando irromperam os toques de atabaques e a abertura da celebrao foi feita pela
me-de-santo. Seguiram-se toques, cnticos e danas distintas. A cada seqncia de
cnticos, ritmos adequados eram executados, ora repetidos, ora novos ritmos, e a cada
ritmo uma nova coreografia, todas com passos de execuo complexa9.
O que ocorria noite era semelhante, mas apenas semelhante, ao que se passara pela
manh. Nem todos os que entravam em transe tinham oportunidade de danar. Os
Orixs que se manifestavam em visitantes eram recolhidos educadamente aos
aposentos internos da grande casa. Ficava claro que aquele ato pblico era expresso
reservada aos integrantes da comunidade (diferentemente do acontecido pela
manh). Apenas algumas excees eram aceitas, e justificadas por explicaes que
aludiam a vnculo quase direto do privilegiado com o Terreiro, o que era o caso de um
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atabaques, numa fileira que compunha uma espcie de tribuna de honra. Nas laterais
do salo ficam os homens direita, as mulheres esquerda; ao centro (ao p da
Coroa, junto ao complexo do Poste Central), em altas sedes, apenas dirigentes e
hierarcas da Casa; mas sentar-se a permitido aos poucos lderes de outros Terreiros
considerados comofilhosdiretos da Casa Branca segundo me segredaram alguns
sacerdotes da comunidade.
Participar, desde a vspera, de to intensa mobilizao possibilitou-me comparar
algumas caractersticas daquele grupo eclesial com as de outros. Todos os rituais
internos seguem como um fluxo crescente em direo festa, ou culto pblico, que se
torna sua expresso e expanso. No dizer de uma das sacerdotisas mais antigas (mais
de 25 anos de sacerdcio) os Orixs vm noite para danar e comemorar conosco,
confirmar que a nossa comunidade tem ax, e que todos os nossos ritos do dia foram
aceitos: um momento de muita alegria e beleza...
Isto me faz dizer, por comparao com outros grupos eclesiais (de caractersticas mais
introspectivas), se que posso arriscar exprimi-lo assim: na festa noturna se reza para
fora. A gente ali cresce em alegria e sente-se abenoada pela presena confirmadora
dos Orixs, extasiando-se com a sua beleza de expresso. um conjunto de presenas
em espelho que refletem e brilham aos olhares de todos os presentes, que at ali foram
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Oxssidanava em torno do barraco, na pessoa da sacerdotisa mais antiga de seu
culto na Casa Branca, quando fui apontadopelo mesmo; este me entregou um de seus
adereos e apresentou-me aos dirigentes do culto... Imediatamente os homens mais
antigos da comunidade se aproximaram, elevaram-me do cho e, carregando-me
nos braos, circularam pelo barraco, a me apresentar assistncia e aos Orixs. Eu
estava sendo suspenso ogan do Oxssida Casa.
A partir da, tornei-me mais um membro da comunidade, a qual no era mais
referida pelos que de mim se aproximavam dessa forma. Eu passei a ser tratado como
participante da famlia. Esta, sim, passara a ser a categoria designativa do grupo
nuclear, a mais marcante. Percebi que ultrapassara uma cortina de desconhecimentos e
que, embora eu no tivesse acesso imediato a todo e qualquer assunto, o tratamento
dispensado a mim no era mais o que se dedica a um visitante ou amigo... H coisas
que s se pode conversar em famlia logo me diria um Ogan.
Sersuspensono significara participao plena na famlia. Era necessrio passar
por um ritual de iniciao para que se confirmassem laos em um nvel de sagrao
sacerdotal. isto: todos e somente os iniciados podem ter participao nos ritos com
alguma forma destatussacerdotal, seguindo uma diviso tradicional de trabalho
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Os contornos da comunidade se tornavam mais claros. Havia o grupo sacerdotal (a
famlia), os adeptos e os simpatizantes.
3 SEGREDOS DE FAMLIA
Depois daquele dia, a relao entre mim e as pessoas do Terreiro se tornaram
diferentes. Os estranhamentos minha presena se diluram e as possibilidades de
intimidade se abriram. Assuntos que antes me eram proibidos se franquearam (ou
melhor: uma seleo tradicional daqueles temas que se podem revelar a um Ogan
suspenso) e laos novos se constituram. A famlia se movia e se reconhecia entre
amizades e ensinamentos bsicos de regras de conduta10. A me-de-santo, como
sacerdotisa mxima e propiciadora de toda e qualquer relao com os Orixs,
acumulava, aos olhos da famlia, mais que o papel percebido pelo conjunto maior
dos adeptos: para estes, ela tinha o papel genrico de intermediria dos humanos com
a divindade, e fonte de bnos; para o grupo sacerdotal (a famlia), ela era,
tambm, a responsvel pelos rituais de iniciao de todos os sacerdotes, e quem se
capacitava a dar a ltima palavra: teolgica, litrgica em diversas questes, at
mesmo sobre atos profanos.
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Ainda entre os momentos de convvio, foi inevitvel ter notcias de namoros,
casamentos, relacionamentos, e advertir, enfim, que os membros daquela famlia,
aparentemente, estavam longe de se preocupar muito com tabu de incesto simblico11.
O vnculo inicitico desse grupo de famlia do candombl da Casa Branca do
Engenho Velho, no meu entender, se exprime muito mais pelo controle hiertico da
circulao de segredos de culto. Os mecanismos propiciatrios de incluso, de
ascenso no crculo sacerdotal e de evitao, do-se muito mais por meio de tabus
vinculados aos segredos rituais, ou conhecimento de fundamentos, do que sob
outras formas de tabu. Ser filho ou filha-de-santo da famlia submeter-se a um
processo de iniciao, cujos graus definem posies hierrquicas. No entanto, o
amlgama das relaes e seus eixos hierrquicos so garantidos pelo desvelar
progressivo de segredos apresentados aos iniciados, sob determinadas condies. o
que se poderia figurar como as camadas de uma cebola de conhecimentos, a ser
descascada a fim de atingir nveis mais profundos no momento propcio. Este
processo de vnculos progressivos estabelecidos sob a gide de informaes secretas
vale para a comunidade, e respeitado como tabu intransponvel.
O tempo para o acesso a segredos, e o tipo de vinculao ao Orixtambm definem
caractersticas da famlia. Independentemente do Orixde cada um, existem, na
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no o fazem. As primeiras so adoxes[< adosu] e as seguintes so chamadas de
equedes[
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reduzir ao mnimo as atribuies de ttulos aos seus sacerdotes e sacerdotisas13.
Porm, mantm-se a hierarquia superior totalmente feminina: as mulheres tm o poder
central do Terreiro.
4 ARA KETU
Aps um longo percurso de aproximaes (e confesso que, tambm, de adeses
religiosas pessoais) aquela comunidade comeara a se revelar um tanto mais para
mim. As conversas comeavam a fazer sentido e a preencher lacunas que antes
passavam por mim como invisveis.
Recapitulo: aps algum tempo de convvio, nos primeiros dois anos, passei a ser
chamado de da Casa. Mas sentia-me confuso com relao aos significados de ser da
comunidade, da Casa e, agora, da famlia. Ao rememorar posteriormente
minhas vivncias, pude identificar com que nuances estava sendo tratado.
Enquanto era um freqentador assduo, cliente dos servios religiosos da me-de-
santo, eu podia ser includo no crculo dos da Casa. Falar em da Casa era referir-
se ao Terreiro como um todo, sem designar o grupo interno, a comunidade ou a
famlia. A referncia Casa uma contrao simplificada de Terreiro da Casa
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contrao podia ser usada como referncia ao templo, e os que a ele acorrem, se
passassem a ser usurios de seus servios religiosos, poderiam ser chamados de da
Casa. A minha entrada na famlia me fez perceber que comunidade era um
designativo que diferenciava os moradores adeptos do culto, em particular o grupo
eclesial do Terreiro, dos outros moradores. Assim, estes no usavam comunidade
para identificar-se publicamente, extramuros; o termo era apenas um diferenciador de
uso que os distinguia dos outros habitantes (temporrios ou permanentes) do espao
do Terreiro. Comunidade tinha um uso explicativo; por vezes, quando eu era apenas
hspede no Terreiro, me vi includo na comunidade, designado assim por via de
diferenciao com respeito a outra categoria de habitantes do lugar. Publicamente,
extramuros doIl Ax, os termos apropriados para a caracterizao do grupo seriam
famlia e Casa14, ainda que famlia, em geral, aparea como uma referncia
indireta: mais corrente ouvir falar, a, de irmos e filhos (e ver empregados
outros termos, menos usuais, de parentesco em contextos que transcendem o
parentescostricto sensu).
Mas no foram s as idas e vindas ao Terreiro que me envolveram nas relaes com
seu grupo eclesial.
...
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dos terreiros atingidos peloProjeto Egbforam reveladoras... Ali se encontram
representantes de diferentes terreiros de distintas tradies. Estar presente a elas
oportunidade especial para ouvir e ver, por exemplo, como as outras Casastratam os
da Casa [Branca], e como os seus membros se vem nesse contexto pblico.
... Incio de reunio: os representantes de terreiros presentes ao encontro do Projeto
Egbforam convidados a se apresentar, de forma aleatria. Imediatamente ocorreu
uma advertncia: Que seja pela ordem! Um dos participantes do encontro (de outro
Terreiro), depois de exprimir-se assim, alegou que os representantes da Casa Branca
deveriam ser os primeiros a se apresentar, porquanto deveria ser usado o critrio de
antiguidade. Todos se puseram de acordo: aquele Terreiro era o mais antigo... Assim
se procedeu, e os representantes da Casa se apresentaram como de nao Ketu,
seguidos de outros de nao Angolae ainda de nao Jeje...
Alm disso, ficou logo evidente que, para alguns assuntos especficos de carter
estritamente religioso, os presentes no referido encontro (com raras excees,
expressas por lderes de um movimento de recuperao das tradies angola)
tomavam como referncia s posies dos representantes da Casa. Era um momento
pblico em que se reconhecia em um grupo focal de lderes de candombl15que a
Casa Branca do Engenho Velho da Federao era de naoKetu, e era considerada a
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tamanho... mas tambm de prestgio e idade. A Casa era contada entre os grandes
e como a mais antiga. Outras (vrias) reunies desse Projeto vieram a confirmar essas
constataes16.
Em uma de tais oportunidades, pude ouvir uma das representantes do Terreiro do
Engenho Velho referir-se ao povo da Casa, como quem usa uma gria baiana para
grupo ou pessoal. Interroguei-a, pensando ter ela usado a palavra povo em
outro sentido, mais ligado a nao. Imediatamente ela me corrigiu, dizendo que
falava das pessoas ligada Casa; mas acrescentou que Ketu nossa nao, somos
povodeKetu (ouAra Ketu,se usarmos a sua linguagem de culto).
A essa altura, eu ainda entrevia um cenrio coberto por alguns vus. Algumas
perguntas encontraram respostas, e outras acorreram, vindo a seu encalo.
Desde o meu primeiro encontro com a Casa at ento, ela se tornara muito mais que
um endereo... Em uma sntese de impresses poderia dizer:
- O Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho da Federao um centro de
culto religioso de candombl da naoKetu. A sua localizao na Avenida
Vasco da Gama, 463, em Salvador, se d em meio a uma populao de baixa
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renda, a qual habita as encostas de um vale. s festas pblicas desse centro de
culto acorrem pessoas da Grande Salvador e de fora do Estado da Bahia,
podendo at mesmo vir de fora do Brasil. Os freqentadores e participantes,
em geral, so de maioria quase absoluta negra, ou negro-mestia, e entre eles
sempre se pode encontrar lderes religiosos de outros Terreiros, at mesmo de
outras naes(comoJeje eAngola). O Terreiro delimita um permetro no qual
se inserem moradores permanentes, casas de ocupantes temporrios (em poca
de festas) e monumentos sagrados dedicados a divindades. Nem todos os
moradores do permetro so fiis do candombl, o que se pode perceber
atravs do emprego diacrtico do termo comunidade, usado para diferenciar
os moradores adeptos dos outros. A direo do Terreiro tambm chamado
de Casa por seus fiis mais prximos exercida por um grupo de
sacerdotes, mulheres e homens, com preeminncia ritual das mulheres em
que a me-de-santo a lder mxima. O grupo de fiis, no qual se incluem osusurios dos servios religiosos e todos os membros do grupo sacerdotal,
compem o grupo eclesial (lato sensu) do Terreiro. No entanto, somente a sua
frao sacerdotal (incluindo os candidatos ritualmente indicados) mais
propriamente chamada de famlia; na estruturao desta famlia, tem um
papel decisivo o tabu dos segredos em torno das atividades rituais... A Casa
reconhecida, em meio comunidade mais abrangente do conjunto de
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Quando cheguei a este ponto, ainda no me era possvel arriscar alguns porqus.
Afinal, que histria estaria por trs de tanta dignidade simblica atribuda quela
Casa? Donde lhe viria ostatusde patrimnio histrico e etnogrfico, que uma
placa, na entrada de seu terreno, apontava aos visitantes? O que significava mesmo ser
de nao Ketu? Por que uma rea delimitada em uma Avenida de casas comerciais
era inesperadamente (para a lgica daquela implantao urbana) ocupada por um
grupo eclesial de gente de baixa renda? Que formas jurdicas assumiam todas aquelas
relaes? E, enfim, como as notcias de suas festas atingiam a tantos, e to distantes?
Que crculos de comunicao eram mobilizados? E os representantes de outros
Terreiros que at ali acorriam, que a freqentavam, que vnculos mantinham com a
Casa, ou que vnculos a Casa mantinha com eles?
Outros olhares se faziam necessrios para dar conta de tantas interrogaes. Apesquisa na literatura histrica e antropolgica, e em documentos oficiais, se fazia
necessria. Porm, mais que isso, eu carecia de depoimentos dos integrantes daquele
grupo eclesial. Informaes que ajudassem a reinterpretar, em termos atuais, a prpria
literatura etnogrfica sobre o templo do Engenho Velho.
5 PATRIMNIO DE SO JORGE
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Na esfera civil, o Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho representado pelaSOCIEDADE SO JORGE DO ENGENHO VELHO, fundada a 25 de julho de 1943 eregistrada (em 2 de maio de 1945) sob o nmero 518, no Cartrio de Ttulos eDocumentos, com o nome de SOCIEDADE BENEFICENTE E RECREATIVA SO
JORGE DO ENGENHO VELHO. Esta entidade foi registrada, tambm, noDepartamento das Municipalidades, sob o nmero 428, s folhas 155 do Livro deRegistro, na forma do disposto no artigo stimo do Decreto Municipal 16521 (de 28de junho de 1956); preencheu as formalidades previstas no artigo quarto do referidoDecreto em 21 de agosto de 1958. Foi declarada de utilidade pblica municipalpeloDecreto 759 de 31 de dezembro de 195917.Tem sede no prprio Terreiro da CasaBranca do Engenho Velho (Avenida Vasco da Gama, 463). Em abril de 1999, umaAssemblia Geral alterou o Estatuto da que at ento se chamara Sociedade
Beneficente e Recreativa So Jorge do Engenho Velho e passou a denominar-seSOCIEDADE SO JORGE DO ENGENHO VELHO. O primeiro Presidente destaSociedade foi o Sr. Joo Capistrano Pires Dias. Seu atual Presidente o Sr. AntonioAgnelo Pereira. A Ialorix do Terreiro da Casa Branca tambm a SupremaDirigente da Sociedade So Jorge do Engenho Velho. Tem hoje este cargo aVenervel Altamira Ceclia dos Santos. A Sociedade So Jorge do Engenho Velhono tem fins lucrativos e tem por finalidade, de acordo com seus Estatutos (Art. 1o.),
... manter ritos e preceitos do Culto dos Orixs segundo a liturgia naginstituda pelos fundadores do Il Ax Iy Nass Ok; defender os direitos einteresses da comunidade religiosa do Il Ax Iy Nass Ok,tradicionalmente designada como Egb Iy Nass Ok.
O conjunto monumental do Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho constitui umpatrimnio por cuja preservao a Sociedade S. Jorge do Engenho Velho se obriga azelar. O imvel que corresponde ao Il Ax encerra uma rea de 7. 184, 38 metrosquadrados que, segundo consta de Escritura lavrada pelo Tabelionato do VI Ofcio de
Notas (Livro 573, folhas 02-4), foi desapropriada pela Prefeitura Municipal doSalvador e doada Sociedade Beneficente e Recreativa So Jorge do Engenho Velho,em virtude do disposto no Decreto Municipal nmero 7.321 de 05 de junho de 1985,publicado no Dirio Oficial do Estado da Bahia em 08 e 09/11/85, retificado peloDecreto Municipal de nmero 7.402, de 16/10/85, tambm publicado pelo DirioOficial deste Estado. A desapropriao e a doao do terreno em apreo tiveram comofinalidade, explcita nos referidos decretos, a preservao e conservao do acervocultural do stio de valor histrico e etnogrfico do Il Ax Iy Nass Ok, Terreiro
da Casa Branca do Engenho Velho.
Soma-se referida uma outra rea de 1316 metros quadrados (a Praa de Oxum)tambm integrante do Terreiro. O imvel como um todo goza de imunidade fiscal porfora do Decreto Municipal nmero 6666, de 08 de setembro de 1982, retificado peloDecreto Municipal 6830 de 17 de dezembro de 1982
O T i d C B d E h V lh f i b d l I
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O Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho foi tombado pelo INSTITUTO DOPATRIMNIO ARTSTICO E CULTURAL, rgo do Ministrio da Cultura, atravs doProcesso nmero 1.067-T-82, Inscrio nmero 93, Livro Arqueolgico, Etnogrficoe Paisagstico, fls. 43, e Inscrio nmero 504, Livro Histrico, fls. 92. Data: 14. VIII.
1986. Este tombamento teve lugar em 31 de maio de 1984 e foi homologado em 27 dejunho de 1986 pelo ento Ministro da Cultura, Celso Monteiro Furtado, nos termos daLei nmero 6292, de 15 de dezembro de 1975, e para os efeitos do Decreto-Leinmero 25, de 30 de novembro de 1937.
Atravs do Decreto nmero 292 de 08 de setembro de 1987, o Governador do Estadoda Bahia, Waldir Pires, declarou de utilidade pblica, para fins de desapropriao, oposto de gasolina de numerao 459 da Avenida Vasco da Gama, com uma rea de
terreno de 1.316 metros quadrados, especificando no Pargrafo nico do ArtigoPrimeiro desse decreto que a expropriao da rea a descrita visava preservao econservao do stio de valor histrico e etnogrfico do Il Ax Iy Nass Ok Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho, bem como a devoluo da reahistoricamente ocupada pelo Terreiro. Efetuada a desapropriao, o posto de gasolinaque a fora edificado em 1970, foi demolido em 1989, e a rea respectiva foiincorporada ao Il Ax Iy Nass Ok, reintegrando-se Praa de Oxum. O Projetode urbanizao da Praa de Oxumfoi feito pelo arquiteto Carlos Niemeyer, que opresenteou Sociedade So Jorge do Engenho Velho.
O terreno do Il Ax Iy Nass Ok acha-se demarcado, com limites definidos eespecificados em legislao que diz respeito ASRE onde se encerra, com plantas delocalizao e situao, levantamento planialtimtrico, planta baixa de seu monumentoprincipal (oBarraco). A rea foi ainda objeto de estudos etnobotnicos conduzidospor uma equipe tcnica da Universidade Federal da Bahia [(cf. PACHECO, 1999);ver tambm Laudo Etnobotnico em anexo].
O Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho foi reconhecido pelas autoridadesconstitudas da Unio, do Estado da Bahia, e do municpio de Salvador, umverdadeiro templo religioso e um conjunto monumental digno de preservao. A LeiMunicipal nmero 6. 830, de 4 de janeiro de 1983, conferiu ao stio do referidoTerreiro imunidade fiscal. O Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho obteve assimum pleno reconhecimento oficial do seu estatuto de templo e de seu valor depatrimnio histrico, de monumento digno de preservao por sua importncia para aCidade do Salvador, o Estado da Bahia e o Brasil. Diplomas legais, documentos
histricos, etno-histricos e etnogrficos comprovam esses fatos, constatados tambmdiretamente na percia que os confirma.
Este trecho parte de um laudo elaborado pelo Professor Doutor Ordep Serra, laudo
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...
No ano de 1943, a Casa optara por ter uma representao civil. Em anos anteriores,
as formas de relao com a ordem legal vigente seguiam outros meios, menos
formais. A instituio de uma sociedade civil, a atual So Jorge do Engenho Velho,
significou um processo de maturao da autoconfiana interna do grupo eclesial, a
ponto de este sentir-se encorajado a se afirmar, reclamando espao em um contexto
institucional de (ensejada) liberdade religiosa. Isto porque, mesmo aps as garantias
legais da Constituio de 1934, a perseguio policial aos candombls da Bahia
apenas diminura, no terminara, conforme veio lembrar-me o depoimento de um
velho presidente da Sociedade, a quem se deve a iniciativa de diversas campanhas de
defesa do candombl baiano, em uma longa militncia.
Reporto-me ao momento da colheita de um testemunho precioso. OElemax,
sacerdote mximo do culto a Oxalda Casa, OganAntnio Agnelo Pereira,
recordava, ao falar-me, muitas de suas lutas em defesa do culto dos Orixs, entre os
relatos que ainda habitavam sua memria (debilitado que estava fisicamente por um
derrame); ele era ainda capaz de evocar sua entrada para a Polcia a fim de atenuar,
li i l tit d i t C F l d t d d
alegremente dos incmodos que causava aos apresentadores de rdio e outros que lhe
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alegremente, dos incmodos que causava aos apresentadores de rdio e outros que lhe
perguntavam que que o senhor, branquinho, tem a ver com essa gente? Como que
o senhor sabe tanto?... Eu sou de l, eu estudei respondia oElemax(de posse
desse cargo desde 1947). Falar da Casa, da Vasco da Gama do tempo do bonde, e
de diversas articulaes poltico-religiosas em que esteve envolvido, era algo que
ligava esse homem vida (precariamente vivida ento, em casa, na cama de seu
quarto), deixando-o com um brilho mido nos olhos... Mas nenhuma histria o
emocionava tanto quanto a que ele chamava de luta do posto.
Nada incomodara tanto a esse representante civil da comunidade eclesial quanto a
instalao de um posto de gasolina na rea frontal do Terreiro, no ano de 1970. Todo
o terreno doIl Ax(de quase um hectare) fora mantido como arrendamento durante
anos sucessivos, desde a dcada de 1850. A rea onde toda a terra de a Oxssie a
casa grande deXang (conforme ele e todos os da Casa repetiam e repetem),
confinava com a margem direita do Rio Lucaia, e compreendia, na parte plana do
terreno, um espao que se estendia desde a fonte hoje protegida por uma pequena
edificao at o dito rio: um espao dedicado ao OrixOxum.
O suposto proprietrio das terras, seu arrendador, conforme as palavras doElemax,
instalou revelia da Casa, com a conivncia das autoridades, um posto de gasolina
corresponde ao assentamento do Orix Dak ou Dank Mais adiante se encontrar
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corresponde ao assentamentodo OrixDak, ouDank.Mais adiante se encontrar
uma descrio do stio todo, como hojeele se acha estruturado).
A praa atual foi construda na rea do posto, aps uma longa luta de retomada,
confrontando uma estratgia de expropriao arquitetada pelo arrendador do terreno
doIl Ax. J de posse do posto de gasolina, segundo relata o OganAgnelo, o
arrendador me chamou a um escritrio no Rio Vermelho para ver os planos de um
conjunto habitacional que queria fazer na rea [...]. Fiquei besta de ver, acabava com
tudo, e ficava s a casa do Barraco para o candombl. Era um plano ousado e foi
preciso ousadia para enfrent-lo.
As mobilizaes que se seguiram em torno da Sociedade So Jorge do Engenho
Velho, desde o primeiro ano da dcada de 1980, visavam a garantir e preservar a rea
do Terreiro. Foram mobilizados apoios de toda ordem. Articulaes no meio do
candombl, nos meios polticos, intelectuais, artsticos... A campanha encontrava eco
na sociedade e todas as iniciativas visavam garantia da integridade do Terreiro.
Assim se deve compreender o conjunto de esforos e medidas adotadas, medidas
estratgicas que fomentaram o progressivo desinteresse comercial pela rea,
viabilizando economicamente a desapropriao, e sua re-significao como um
Patrimnio Histrico e Etnogrfico do Brasil.
REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL Estado da Bahia
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DIRIO
OFICIAL
ANO LXXII SALVADOR QUINTA-FE1RA, 10 DE SETEMBRO DE 1987 N. 13.687
Waldir com a me-de-santo: o abrao da gratido e do reconhecimento... ... a quem devolveu a Casa Branca seu espao sagrado perdido h muitos anos
O ax da Casa Branca a Waldirvisa " preservao do stio de valorhistrico e etnogrfico do Il Ax lyNass Ok, conhecido como TerreiroCasa Branca, bem como a devoluo darea historicamente ocupada pelo terreiro.
que por isso de h muito vinha sendoreivindicada pelos seguidores da religio.
Mes e filhas de santo do Terreiro CasaBranca (Il Ax ly Nass Ok) e assacerdotizas Juliana Silva Barana,Maria da Conceio Azevedo eMargarida da Anunciao, em nome daialorix Altamira Ceclia dos Santos,estiveram ontem tarde no Palcio daAclamao, para agradecer aogovernador Waldir Pires a
desapropriao de um terreno ondehoje funciona um posto de gasolina, naAvenida Vasco da Gama, rea deinfluncia daquele templo de culto afro.
O governador ao ler o decreto, salientouque estava dado o primeiro passo para quea Casa Branca venha a ter a expresso e oapreo da Bahia e do pas em v-laintegrada ao espao que lhe era devido.Segundo Agnelo Pereira, a comissodesignada pela ialorix Altamira Cecliafoi transmitir ao governador o agradeci-mento pelo resgate da praa de oxum,revelando que a iala Caetana Sauzerenviou mensagem do deus da advinhaopara dizer a Waldir que seu ato era corretoe estava previsto que antes que o temploda Casa Branca tombasse apareceriam ossalvadores daquele territrio sagrado.
A Secretaria da Cultura ficouautorizada a promover a efetivao dadesapropriao da rea, de acordo com alegislao federal vigente. O Terreiro
Casa Branca o primeiro monumento deculto afro tombado no Brasil, decisotomada em 1984 numa reunio doConselho Consultivo da Secretaria doPatrimnio Histrico e Artstico Nacional(SPHAN). Segundo os pesquisadores, oterreiro existe h cerca de 150 a 200 anos.El t id d K t lt
Waldir Pires foi saudado pelo presidentedo terreiro, Antnio Agnelo Pereira, quemanifestou a satisfao dos membros da
A i d d i
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Outros personagens, mais e menos ilustres, poderiam ser citados nessa luta, mas a
imprensa e a memria da Casa j tratou de lembr-los. Detive-me no presidente da
Sociedade, que tinha sua moradia na casa beira do porto, ao lado do barco de
cimento (singular santurio de Oxum, chamado Ok Iluai). Ali situada, esta moradia
encarna a prpria histria de seu antigo habitante, lder das relaes da Casa com as
instncias pblicas, institucionais e polticas. Assim como se fora o porteiro, ou a
linha de frente, do Terreiro, em suas conexes com a sociedade envolvente19.
A estranha relao que me intrigara, daquele espao com a Avenida Vasco da Gama,
se explicava. Um trecho de assentamento expropriado para fins comerciais (segundo a
lgica manifesta nos dados sobre a histria da Avenida20), e ocupado por um posto de
gasolina, condizia com a paisagem esperada por um olhar inadvertido... O espao
plano reincorporado ao trecho de encosta conexo, preservado, este, em seu uso mais
antigo, era de fato um enclave, um monumento da luta de moradores do alto do vale
pela reconquista de um endereo na rua (na avenida): um espao deles, antes
expropriado. Afirmao de uma conquista no plano material, de uma luta histrica
atualizada na dcada de 1980, mas j antes efetuada no plano simblico.
...
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O ato de inaugurao da Praa de Oxum, quando de seu resgate, atualizou um
simbolismo da Casa, convalidou sua importncia no meio do candombl baiano.
Constituiu uma referncia decisiva. OutrosEgb, contados entre os mais antigos, se
fizeram presentes, conforme testemunho vivo de muitos membros do Engenho Velho.
Nessa festa da Praa de Oxum, os Terreiros do Gantoise doIl Ax Op Afonj, em
particular, reconheceram a maternidade e o lugar da Casa como primeiro
candombl deKetuda Bahia21Essa referncia a mesma que, procedente da
etnografia, corroborara o tombamento da Casa como monumento negro, no
processo de luta referido...
Mas que testemunhos a etnografia reservara ao TerreiroIl Ax Iy Nass Ok?
como esperava. A leitura de documentos e de um trecho da histria recente da
Casa me permitira compreender muitos aspectos de sua existncia hoje,
principalmente as configuraes de seu espao atual. A mesma histria evidenciou a
capacidade daquele grupo de estender-se para alm dos limites estritamente religiosos,
afirmando-se na esfera poltica, e alm... No revela, no entanto, as estratgias do
hierarquia... Manifesta esta lgica a atitude da me-de-santo, que encaminha a maior
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parte dos assuntos no religiosos atinentes ao Terreiro Presidncia da Sociedade
Civil So Jorge do Engenho Velho.
...
Entre as coisas que revelara, a leitura do estatuto da sociedade trouxe-me uma dvida.
O que era aquela referncia liturgia nag instituda pelos fundadores? Nos
depoimentos de membros da Casa, encontrei sempre a auto-atribuio do rtulo de
[gente da] naoKetu. O que justificaria aquela referncia liturgia nag? Seria
uma atribuio externa, frmula de emprego em domnio pblico, que ali, no estatuto,
servia como operadora de um reconhecimento?...
A literatura etnogrfica poderia ajudar a elucidar melhor esse ponto... Quem sabe, ao
menos, explicitar melhor o valor simblico-histrico daquela Casa e de sua auto-
atribuda pertena naoKetu e suas ligaes com a dita liturgia nag.
6 ESCRITOS SOBRE A CASA E SUA NAO
poucos estudos sobre o to referido Terreiro. Quanto a isso, pode-se destacar, na
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primeira extremidade, o clssico trabalho de Bastide (BASTIDE, 1961), ao menos em
parte referenciado a ele e, na outra ponta, os estudos de Silveira (SILVEIRA, 2000);
no meio, contamos apenas (alm do laudo j citado e dos documentos do PROJETO
MAMNBA (PREFEITURA, 1981)) com os dados de trabalhos como o Relatrio do
Projeto Iy Nassda UFBA (PACHECO, op. cit.) e do Projeto EGB - Territrio
Negrosde KOINONIA, ainda inditos, aos quais tive acesso.
As referncias Casa (ou ao Candombl da Barroquinha, de que ela a
continuadora reconhecida) como origem de outros grandes Terreiros confirmada
formalmente na literatura, na qual no falta referncia aos casos exemplares das
iniciaes daIalorixMaria Jlia da Conceio Nazar, fundadora do Terreiro do
Gantois, e da Ialorix Eugnia Ana dos Santos, fundadora do Ax Op Afonj.
(CARNEIRO, 1979; SANTOS, 1993). Muitos outros terreiros, no apenas da Bahia,
mas tambm do Rio de Janeiro, de So Paulo e de outras partes do Brasil, originaram-
se da mesma matriz, da Casa Branca do Engenho Velho. Edson Carneiro (op. cit.: 63)
chegou a dizer que deste Il Ax se originaram, de um modo ou de outro, todos os
demais terreiros de candombl. No h pesquisa to vasta sobre o candombl no
Brasil, de modo que cabe reconhecer grande exagero nesta afirmao; isto no nega,
porm, a sua relevncia, visto como ela traduz um entendimento popular
Bahia, ou sobre o candombl em geral, que no faam nenhuma referncia a esse
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famoso Terreiro. Tentei evitar tal empresa gigantesca e buscar as abordagens
clssicas entre as quais merecem contar-se alguns estudos recentes. Assim foi
possvel alinhar um conjunto significativo de ttulos.
Os trabalhos histricos de Raymundo Nina Rodrigues (NINA RODRIGUES, 1900;
1938; 1988), embora privilegiem o Gantois, reportam-se (tambm) ao terreiro do
Engenho Velho (da Barroquinha). Este tem um lugar central nos estudos iniciais de
dison Carneiro (CARNEIRO, 1937; op. cit.). Disso dava testemunho, no candombl,
o ElemaxAntnio Agnelo Pereira (com 78 anos, quando o entrevistei) segundo o
qual esses estudos estiveram referenciados a observaes feitas na convivncia com
a Casa, que o doutor dison freqentou, antes mesmo de ligar-se mais a Aninha
(referncia a Me Aninha, Eugnia Ana dos Santos, fundadora do Ax Op
Afonj)22. Somam-se s citadas as obras de Pierre Verger (VERGER, 1957; 1987),
oriundas de estudos feitos entre frica e Bahia, em que as referncias baianas
remetem obrigatoriamente ao Il Ax Op Afonj e s mesmas origens remotas da
Casa Branca; e as obras de Vivaldo da Costa Lima (COSTA LIMA, 1966; 1976;
1977; 1984) voltadas para o estudo de uma tradio histrica dos candombls
gestados na Bahia, lanando mo do conceito de naes e retomando, e atualizando,
a noo de matriz jeje-nag, proposta por Raymundo Nina Rodrigues23.
O mesmo se v no trabalho Os Nag e a Morte, de Juana Elbein dos Santos, que
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afirma serem os grupos tradicionais (como ela significativamente diz) bem
representados pelas comunidades agrupadas nos trs principais terreiros, lugares de
culto Nag [...]. E continua a etnloga: Do terreiromais antigo que se conhece
[...], o Il Iy Iy-Nass [sic: refere-se ao Il Ax Iy Nass Ok], derivaram o Il
Oxossi nas terras conhecidas com o nome de Gantois e enfim o Ax Op Afonj
(ELBEIN DOS SANTOS, 1986:14).
Esta indicao expe um aspecto importante dos estudos sobre o candombl: a
constituio de um debate em torno da existncia de um nag-centrismo ou
etnagosmo, querendo significar viso etnocntrica do candombl na qual a forma e
a fonte ideal de referncia seriam os cultos criados pelos negros nags. Neste debate,
parecem inevitveis as referncias ao Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho...
Antes de seguir, farei uma pausa para expor uma chave de leitura da etnografia do
candombl relacionada com o tema da Casa. Pode-se estabelecer esta chave (ainda
que alguns aspectos da problemtica pertinente fiquem de fora), em torno das
posies assumidas quando prpria existncia de um modelo [jeje]-nag que teria
constitudo o culto a que hoje se atribui o nome de candombl, como dois grandes
plos. De um lado, podem ser alinhados os que defendem a idia de um modelojeje-
nag operante nas origens, ou num certo momento das origens do candombl, e
permite matizar a prpria constituio interna dos referidos blocos. Tentemos faz-lo
i t t
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sucintamente.
Quem funda os trabalhos em torno de um modelo jeje-nag Raymundo Nina
Rodrigues, que certamente s viu negros nagsna Bahia, seguindo, de certo modo,
suas convices naturalistas: ele destaca esses negros com juzos de valor que
indicariam sua superioridade em relao aos outros. Essa linha seguida, em parte,por dison Carneiro, que at v negros bantos na Bahia, mas no lhes confere
prestgio: privilegia os nags. Esta linha, de certo modo, tambm seguida por Roger
Bastide, principalmente em O Candombl da Bahia(BASTIDE, 1961). A expresso
mais atual da eleio de um modelojeje-nag encontrvel nos trabalhos de Juana
Elbein dos Santos: de seu mais importante livro extraiu-se a afirmao acima evocada,
que remete noo de grupos tradicionais (logo, os outros seriam no-
tradicionais) e destaca trs terreiros nags: ela confere noo de modelo nag24o
prestgio de paradigma ou ortodoxia ideal. Este o prprio eixo de matizao do plo
pr-jeje-nag, pois no vai ser encontrada a defesa de uma tal idia de modelo,
diria eu, capaz de identificar o candombl mais verdadeiro, nas obras de Vivaldo da
Costa Lima e de Ordep Serra. Costa Lima no afirma tal modelo como forma ideal;
antes, se refere assim a um construto explicativo de evidncias empricas, no campo
de uma taxionomia (cf. COSTA LIMA, 1977: 20). E Serra (1995: 40) explicitamente
O outro plo de argumentao a respeito do candombl concentra aqueles que negam
q e se de a destacar entre o tras a rele ncia de m modelo j j Entre os
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que se deva destacar, entre outras, a relevncia de um modelo jeje-nag. Entre os
autores mais representativos desse plo pode-se destacar Patrcia Birman (BIRMAN,
1980), Peter Fry (FRY, 1982; 1984), Beatriz Gis Dantas
(DANTAS,1982;1984;1988), Joclio Teles dos Santos (TELES DOS SANTOS, 1989;
1992) e Stefania Capone (CAPONE, 1999). Como a chave de leitura aqui apresentada
v constitudo este plo a partir da crtica que faz ao outro, a partir dos contedosdessas crticas que se lhe pode atribuir uma matizao interna. Assim, destacam-se a
aqueles que vo alm da crtica de um etnocentrismo nag (atribuda aos outros), e
agregam interpretao dessa idia (de um modelo de culto jeje-nag) a alegao
de que a referida matriz litrgico-ritual s se constitui como tal a partir das
sistematizaes dos intelectuais acadmicos25, sistematizaes essas que teriam sido
aprendidas e usadas pelos hierarcas dos terreiros. Essa ltima formulao uma das
mais criticadas, recentemente, nas disputas polares aqui evocadas. Alguns estudiosos
negam veementemente a atribuio de tal gnese aos intelectuais, com argumentos
histricos, bastante difceis de refutar (ver SERRA, op. cit.; FERRETI, 1992). A
continuidade do debate entre esses plos poder aportar rica contribuio etnologia
brasileira, caso ele evolua para uma boa polmica produtora de conhecimento.
Para o estudo do candombl, o dilogo com as obras acima indicadas obrigatrio,
etnografia brasileira ainda est a dever um trabalho especfico sobre o famoso
Terreiro
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Terreiro.
A obra de Roger Bastide (BASTIDE, op. cit.) muito importante para o estudo em
apreo, por ser o primeiro ensaio que incide sobre a Casa Branca no contexto de
um trabalho acerca do que o autor considerou ocandomblda Bahia. Mas embora
se trate de um clssico, esse estudo no encerra etnografia do grupo de culto daCasa.
Como j se disse, os estudos posteriores sobre o TerreiroIy Nass Okconstituem-
se de relatrios no publicados de pesquisas realizadas pelo Projeto MAMNBA
(PREFEITURA, op. cit.), peloProjeto Iy Nass(PACHECO, op. cit.), peloProjeto
Egbde KOINONIA, e pelo Projeto Ossain (SERRA, 2003), desenvolvido este pelo
Grupo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas Etnocientficas da Universidade Federal
da Bahia (GIEPE/UFBA); alm desses relatrios, h o estudo recente de Renato da
Silveira, (SILVEIRA, op. cit.) dedicado reconstituio histrica do candombl
originado na Barroquinha, suas origens africanas, suas invenes e articulaes
anteriores transferncia para o Engenho Velho da Federao.
Uma viagem um tanto frustrante mergulhar em tanta produo literria que valoriza
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Foi esclarecedor ler Vivaldo da Costa Lima (COSTA LIMA, 1977: 21). Este diz que
os terreiros de candombl da Bahia foram fundados por africanos angolas, congos,
jjes, nags sacerdotes e iniciados de seus antigos cultos,e que nao, antes um
termo de conotao poltica, se transformou num conceito quase exclusivamente
teolgico.Assim, como uma autodefinio, passaram a fazer sentido as referncias
que os membros de tais grupos eclesiais faziam a etnnimos, especialmente o grupo
da Casa. No entanto, a auto-referncia enunciada pelos membros do Terreiro do
Engenho Velho, de conhecimento pblico e notrio no meio do candombl, concernia
nao Ketu. Socorri-me de novo do professor Vivaldo (COSTA LIMA, op.
cit.:22): este afirma que, dentre os iorubs-nags,
... nao Ketu passou a significar o rito de todos os nags...
Em suma: a autodesignao da famlia da Casa remete a uma matriz teolgica
prpria, a que se refere seu culto, e d conta do seu empenho em ligar-se a um
passado africano. A impreciso no esconde a conexo da auto-referncia cifrada no
rtulo em apreo (naoKetu) a um lugar histrica e geograficamente determinado,
ou seja, a Ketu Il, antiga cidade capital de Estado africana de onde (claro que no
apenas de l) aportaram na Bahia dos sculos XVIII e XIX diversos negros
cidades-Estado nags(e, certamente, naesdistintas poderiam ser citadas),
mantm-se ativo na etnografia especializada, desde dison Carneiro, passando por
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mantm se ativo na etnografia especializada, desde dison Carneiro, passando por
Pierre Verger e Vivaldo da Costa Lima, entre outros. Este ltimo tenta dar a tal
problemtica outras explicaes menos preconceituosas (como deduzo do intento de
sua crtica a Carneiro) e menos apologticas (como se infere de sua crtica a Verger).
Mais que reproduzir esse debate, na viagem de compreenses que procurei ir
acumulando, as indicaes de Costa Lima sobre as origens da Casa e sua remisso aKetufoi o que desde logo me interessou. Assim eu resumiria o que, na literatura
etnogrfica pertinente, coincide com as informaes por mim obtidas em conversas
que travei no Terreiro:
OIl Ax Iy Nass Oktem este nome devido fundao deste templo por
IY NASS,que teria tido, para isso, a ajuda de outras sacerdotisas, vindas de
KETU: IY ADET eIY ACAL, e de um sacerdote ligado aos cultos de
XANG e de IF, que tinha o ttulo de BAMBOX OBITIK (cf.
CARNEIRO, 1979). As razes msticas do Terreiro da Casa Branca do
Engenho Velho o ligam, portanto, com as antigas cidades africanas (iorubanas)
deKETUe de OI.KETU consagrada a OXSSI, considerado o fundador
da dinastia ioruba que a reinou, o seu primeiro soberano (Alaketu). Esta antiga
cidade iorubana fica hoje na Repblica do Benin, perto da fronteira com a
primeiramente, na Barroquinha (Centro Histrico de Salvador), mas veio a ser
transferido, tempos depois, para o lugar conhecido, naquela poca, como a
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, p p , p g , q p ,
Roa do Engenho Velho (sita no Caminho do Rio Vermelho; ver, a propsito,
CARNEIRO, op. cit.), onde se encontra at hoje. Conforme as informaes
vigentes no Terreiro, a primeiraIalorixda Casa foiIy Nass, sucedida por
Iy Marcelina da Silva, Ob Tossi. Depois, veio a Iy Maria Jlia
Figueiredo, Omoniqu, sucedida por IyUrsulina Maria de Figueiredo. Aesta sucedeu, por sua vez, Iy Maximiana Maria da Conceio (Oin
Funqu). Seguiu-se-lhe Iy Maria Deolinda Gomes dos Santos (Ok),
sucedida pelaIyMarieta Vitria Cardoso, (Oxum Niqu), cuja sucessora a
atual Ialorix da Casa, a Venervel Altamira Ceclia dos Santos, Oxum
Tominw (cf. COSTA LIMA, op. cit.; SERRA, 1995).
Essas informaes podem estar assentadas nas areias da praia do mito de
origem28, banhadas por algumas ondas de informaes verificveis na histria.
De qualquer modo, so contedos que constituem simbolicamente um aspecto
importante da auto-imagem do grupo eclesial que estou focalizando. Destarte
que se pode inferir a sua fora e significado... Como, de resto, o de qualquer
genealogia: importa menos sua exatido factual que sua mtica fora constituinte
de uma identidade.
importncia at mesmo nacional da Casa e sua nao, e organizar um conjunto
complementar de dados sobre sua genealogia, ainda no fora possvel compreender
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p g g p p
mecanismos de informao, divulgao e multiplicao de um grupo eclesial que
estava longe de possuir condies materiais bvias de comunicao, intercmbio e
poder. Ou seja, no parecia que recursos financeiros (dadas as condies atuais do
grupo eclesial e as condies histricas de vida dos negros baianos, limitadas por
muitas carncias) viabilizassem os processos que se reproduziram por tanto tempo, athoje.
...
O encontro com Renato da Silveira tornou-se para mim um marco. Pude entrevistar
esse autor, de quem obtive uma verso preliminar de um trabalho em construo, cujo
objetivo traar, de um modo bem concatenado, o processo histrico de conformao
do candombl da Barroquinha. Antes de encontr-lo e receber esse texto, li uma sua
verso resumida (SILVEIRA, 2000); mas a verso ampliada, comparada com o que h
sobre o tema, causou-me a impresso de uma obra definitiva (SILVEIRA, 2001).
Tenho certeza de que, quando for concluda, a dita obra se tornar referncia
obrigatria para quem quiser saber alguma coisa sobre a Casa do Engenho Velho.
horizonte dela. Foi especialmente o aspecto poltico dos fenmenos focalizados por
Silveira que me interessou: a meus olhos, sua anlise erigiu robustas hipteses quanto
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articulao negro-baiana em torno do candombl, especialmente o Candombl da
Barroquinha. Porm algumas dessas hipteses, mais referenciadas em intuies
pertinentes ao campo teolgico (mtico, simblico), e algumas poucas relativas ao
aspecto poltico da etno-histria em apreo, merecem reconsiderao, e mesmo
ajustes, que procurei fazer especialmente incorporando aportes do trabalho de Luis
Nicolau Pars (NICOLAU, 2002).
Vou fazer uma breve resenha do ensaio de Silveira, acrescida das crticas eventuais de
Nicolau, coisa que me permitir tambm tomar posio quanto etnografia pertinente
ao assunto.
7 NEGROS BARROCOS NA BARROQUINHA DEIY NASS30
Perodo caracterizado por uma atmosfera artstica e cultural carregada de
conflitos entre o espiritual e o temporal, entre o mstico e o terreno Barroco,
sendo Barroco Brasileiro: sc XVII, XVIII, E INCIO DO XIX(HOLLANDA
FERREIRA, 1986).
A Bahia conheceu, no sculo XVIII, uma virada no trfico de escravos. Do conjunto
Brasil. Foram essas pessoas que, aqui se reorganizando em meio a uma colnia
escravocrata, fizeram a fantstica histria ancestral baiana doIl Ax Iy Nass Ok.
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Conhecer a gnese da Casa Branca conhecer tais origens... Quem eram aqueles
homens da Costa da Mina? Por que se destacaram eles dos angolas, em um
contexto que antes os reunia? Estabeleceram algum marco histrico especfico?
O que e quem, afinal, a igrejinha da Nossa Senhora da Barroquinha
acobertava?...
A variedade tnica da populao que, na mencionada regio africana, foi submetida
escravido no se pode deduzir dos limitados registros dos traficantes, que os
classificavam genrica e principalmente em dagoms, jejes e minas. Na
verdade, eram muitos povos distintos, de uma regio onde j se registrou mais de 57
dialetos (na reagbe31); ainda assim, eram povos em sua maioria capazes de
comunicar-se uns com os outros, pois falavam lnguas semelhantes,pertencentes
grande famlia lingstica Niger-kordofaniana, subdiviso do grupo Niger-congo(op.
cit.:26).
Em uma mesma e extensa regio, portanto, grandes grupos tnicos constituram
territrios: o caso dos adj-ewou gbe (jeje na Bahia), que tinham osiorubaa
leste e os akansa oeste. Esse complexo cultural onde se destacavam os referidos
povos situava-se na regio ocidental da frica, sobretudo em territrios das hoje
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repblicas de Gana e Nigria,rea
ocupada por [...] reinos independentes, a maioria de pequeno porte, os
maiores sendo os reinos de Allad, mais para o interior (que nos mapas
antigos aparece s vezes com o nome de Ardra ou Ardres), e Uid
(Whydah para os ingleses, Ouidah para os franceses e Ajud ou Jud paraos portugueses), na regio costeira. (SILVEIRA, op. cit.:26)
Esses reinos, matrizes histricas do candombljeje, somados s influncias de
interao (cultural e de guerras) com o Reino de Oi, vieram a ser matrizes culturais
de tradies teolgicas que iriam configurar-se no candomblcomojeje-nag, ioruba-
tap,Efan(Ef) e ijex.
A dispora negra, na Bahia, acabou por abrigar toda a diversidade dessa migrao.
Organizaes tradicionais que se reconstituram na clandestinidade escravocrata,
dirigidas por uma lgica de poder e territorialidade, gestadas com estruturas similares
s africanas, foram capazes de criar, em torno daIrmandade do Senhor Bom Jesus dosMartrios, numa igrejinha na Barroquinha, um candombl, centro de articulao e
recriao de uma unidade daquela diversidade.
A histria da irmandade dos Martrios32est intimamente ligada cobertura
institucional ou formal necessria ao abrigo do candombl que se criava na
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Barroquinha onde, por quase um sculo, um egbse constituiu e funcionou.
As devoes dos negros da Costa da Mina, em Salvador, a princpio aconteciam em
um altar lateral da Igreja de Nossa Senhora do Rosrio das Portas do Carmo; eles se
achavam instalados de forma secundria junto aos angolas que ali dirigiam a mais
antiga irmandade baiana de negros(op. cit.:10), a Irmandade do Rosrio dos Homens
Pretos33. J aIrmandade do Senhor Bom Jesus dos Martrios deve ter sido fundada
entre 1740 e 1764(op. cit.:10), ano em que o grupo dos negros da costa conseguiu
autorizao para constitu-la e transferiu-se, daquele altar lateral, para a Barroquinha.
Esses movimentos iniciais j revelam que no estamos diante de opes acidentais e
casuais. A escolha de organizarem-se como irmandadeassinala uma deciso poltica
do grupo daCosta da Mina, semelhante j tomada pelos angolas. Explico. Como
a mim pareceu de princpio, tal organizao, canonicamente catlica, seria apenas um
recurso para acobertar um culto de origem africana, mas a forma era tambm muito
relevante. Existiam outros modos de articular os fiis catlicos de acordo com as leis
da Igreja Catlica Apostlica Romana (ICAR), tais como as devoes,por exemplo.
No entanto, as irmandadeseram grupos especiais. Para sua constituio, era
A irmandade ou confraria era uma instituio poltica bsica na sociedade
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colonial, uma organizao pblica plurifuncional, ou seja, tinha vrias
funes sociais importantes, englobando vrios aspectos da representaopoltica e da assistncia social, enquanto que a devoo permaneceu
apenas uma organizao privada. (op. cit.:15)
Tratava-se, pois, de uma forma de articulao poltica de relaes entre um segmento
da sociedade e o Estado Colonial. Era necessrio passar por burocracias e exigncias,
de que aIrmandade s alcanou o pleno cumprimento em 1788.34
Oriundos de uma regio africana onde se davam intensas atividades comerciais nas
cidades e portos, os negros da Costa da Mina encontraram, na nova organizao, sob a
proteo daIrmandade dos Martrios, a possibilidade de ocupar um espao tambm
urbano, mais propcio sua tradicional vocao econmica. A exemplo daIrmandade
do Rosrio dos Homens Pretos, referncia negro-crioula de hegemonia angolana, e
distinguindo-se dela nesse nvel de contraste tnico, os integrantes daIrmandade dos
Martriosbuscaram constituir-se em referncia similar, vlida para os negros que se
entendiam em idiomas de outro tronco lingstico e tinham origem ocidental africana.
Segundo Silveira, diferentemente de outros egressos da escravido35, eles buscaram
aliar-se em um nico centro de culto, que consolidaria, no plano espiritual, uma
base bem definida, aproveitando-se da experincia acumulada em anos de tradio do
culto de multidivindades em um nico centro experincia teolgica difundida no
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Brasil segundo os rituais de origemjeje modelo estabelecido no interior baiano e em
provveis ncleos da atual Salvador (cf. NICOLAU, 2002:7)36.
De acordo com os atuais sacerdotes do Engenho Velho, os fundamentos do
candombl da Barroquinha escondiam-se em suas salas internas e em um subterrneo
cuja entrada era ocultada por uma rvore...
Vejamos, pois, com minhas palavras, mais um pouco da reconstruo ensaiada por
Silveira:
Antes da dcada de 1790, j devia haver, na Barroquinha, ritos sagrados dedicados
aos ancestrais; a implantao defundamentos, por membros da famlia real Aro
(como se supe) devem datar dessa dcada. Segundo as conjeturas de Silveira, as
primeiras sacerdotisas do Reino deKetuque vieram para o Brasil acompanharam
as meninas gmeas da famlia real, raptadas, aos 9 anos de idade, na incurso
blica dos daomeanos aIwoy,por volta do ano de 1789. Vrios membros da dita
famlia viviam naquela cidade natal da me doAlaketu. Devido idade das
gmeas, embora a uma delas, Otamp Ojar, a tradio atribua o ttulo de
fundadora do candombl doAlaketu, o rito de fundao do candombl da
Barroquinha deve ter sido executado por alguma sacerdotisa adulta, com auxlio
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de sacerdotes tambm adultos, integrantes do sqito que compartiu o destino
dessas princesas37.
- Os integrantes da famlia real deKetudevem ter dirigido o candombl da
Barroquinha at as cercanias do ano de 1830. Nessa poca, intensificaram-se as
migraes de escravos do reino de Oipara a Bahia, para onde, ento, teriam
vindo duas proeminentes figuras da estrutura imperial de Oi:Iy Nasse
Bambox Obitik. A primeira, conforme j elucidado por Costa Lima (cf. COSTA
LIMA, 1977: 24) era a sacerdotisa doXangdo Rei:Iy Nass um titulo dado
dama que assume tais atribuies. O segundo considerado por seus descendentes
na Bahia como um prncipe do reino de Oi. Outra personagem dessa histria que
poderia constar de um livro de aventuras (com toques trgicos, talvez) Marcelina
Obatossi, que consta, na tradio oral, como a suposta proprietria do escravo, por
ela alforriado, chamadoBambox38.
recursos entre o poder civil e o poder religioso. Houve, portanto, uma tradio que foi trazida einfluenciou a gestao do candombl no Brasil.37Silveira baseia-se nas informaes de Costa Lima (COSTA LIMA, op. cit.) e em tradies orais, e nadeduo de que no seria possvel a responsabilidade dos ritos de fundao de um assentamento ritualserem atribudas a uma princesa de nove anos, a qual necessitaria, pois, de sacerdotes adultos a lhe
- Os migrantes do reino de Oi, na dcada de 1830, trouxeram para a irmandade da
Barroquinha uma disputa de poder, que se deu entre eles e os remanescentes
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baianos da famliaAr (deKetu); desde o incio, porm, essa disputa foi decidida
em favor dos dignitrios de Oi-Il ou, ao menos, parecem ter prevalecido a
estratgia e o equilbrio de poderes que eles representavam39. Implementar tal
processo poltico s foi possvel por causa das condies materiais atingidas
por negros baianos (libertos) desse grupo40, a partir de meados do sculo
XVIII.
Na Bahia da segunda metade do sculo XVIII, e at meados do sculo XIX, os
oriundos da Costa da Mina, junto com negros de outras origens, ocuparam
importantes posies no comrcio local, praticamente garantindo a circulao de bens
de primeira necessidade. At o governo, quando reprimiu mais fortemente a
organizao dos negros (por volta de 1835), desistiu de intensificar a represso em
todos os nveis, pois desorganizaria completamente o fornecimento de gneros
alimentcios para a populao de Salvador(:73)41.
39Para Silveira, o fato de que Oi, mesma poca, estava em pleno processo de recomposio, nafrica, e com uma estratgia de poder que inclua acordos com outros reinos, entre eles o Reino deKetu, enseja a hiptese de que, no Brasil, os lderes oriundos de Oiteriam ensaiado a mesma
Homens e mulheres negras, libertos e libertas, compunham a liderana dos nag-
iorubasna Bahia da poca. Prestadores de servios (como ferreiros, sapateiros etc.) e
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comerciantes (de carne, de iguarias e de produtos oriundos da Costa da Mina, por
exemplo), esses homens e mulheres alcanaram postos econmicos que viabilizariam
articulaes mais ousadas: caso daIrmandade de Nosso Senhor dos Martrios. Esse
contexto scio-econmico sustentou estratgias e sonhos. Tanto em termos de
alforrias como na acolhida de eminentes personagens dos reinos africanos.
Concordamos, at aqui, com o que diz Silveira sobre a histria da Irmandade do
Senhor Bom Jesus dos Martrios, na medida em que seus registros e conjeturas
deixam transparecer um processo conduzido de forma articulada, e com propsitos
polticos. As intenes, as alianas e mesmo a ordenao poltico-jurdica como
irmandadeface ao estado colonial, seguiam uma ao afirmativa de um conjunto de
etnias marcadas na dispora com o signo da escravido, capaz de comunicar-se por
via de algumas tradies e de idiomas de tronco lingstico comuns. Falta ainda
compreender: que lgica e que estruturas polticas assim se gestaram, segundo
tradies africanas, e repercutiram no Brasil?
Torno ao estudo de Silveira, que volto a sintetizar:
posio Oeste. Desse reino que vieram, segundo as tradies orais, as
sacerdotisas fundadoras do Il Ax Iy Nass Ok: Iy Adet, Iy Acal
e Iy Nass 42. Ketu-Il, fundada por Ed, o stimo Alaketu43, chegou a
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contar, em 1851, com dez a quinze mil ha