Os fichamentosPor Luiz Eduardo Abreu

Os fichamentos so teis por dois motivos: para ajudar a sistematizar o contedo da leitura; e, para torn-lo de mais fcil manuseio. Com efeito, a maioria das pessoas, depois de ler um texto qualquer, no capaz de expressar as idias segundo sua importncia; no consegue relacion-las entre si, quer dizer, estabelecer as relaes lgicas entre elas; e, tampouco, sabe critic-las de maneira consistente. Essa observao emprica torna o fichamento uma parte fundamental do trabalho acadmico em cincias sociais. Explicar um texto produzido por outro obriga ao leitor a sistematizar a sua interpretao, e o resultado so leituras mais consistentes. Alm disso, o contedo do projeto e/ou monografia baseia-se naquilo que os outros j escreveram, sejam eles ministros, juzes, doutrinadores, juristas ou cientistas sociais. Por isso, se voc j sistematizou suas leituras nos fichamentos, o trabalho de escrever um projeto e/ou uma monografia fica muito, mas muito mais fcil: em muitos casos basta copiar e colar de um arquivo para outro. Se voc leu um texto e no escreveu nada sobre ele, muito provavelmente voc vai ter trabalho dobrado: na hora de escrever o projeto e/ou a monografia vai precisar l-lo novamente. Tornar as leituras mais consistentes e poupar tempo, eis os dois grandes objetivos dos fichamentos.

Um fichamento no dispensa voc de, no futuro, voltar ao texto original, principalmente se for um clssico da sua rea de conhecimento. Voc muda e a sua leitura do texto tambm. Freqentemente, quando voc revisita um texto, descobre novas relaes e idias. Mas mesmo aqui o fichamento tem um papel importante. Quando voc volta a um texto j fichado, sua leitura certamente ser mais profunda, e voc poder cotej-la com aquilo que havia escrito anteriormente apontar erros na sua leitura anterior e concluses apressadas. Nada impede, no entanto, que voc melhore o seu fichamento ao longo do tempo.

A experincia mostra que possvel avaliar a qualidade de um projeto pela qualidade dos fichamentos nos quais ele se baseia. muito fcil ver um projeto mal-feito. Ele tem poucas citaes, usa poucos autores com rasa profundidade e reproduz trechos que parecem copiados dos prprios autores; nos projetos ruins, tambm faltam as conexes entre os argumentos, os argumentos do prprio aluno so pfios e existem contradies lgicas e/ou falhas de continuidade (o argumento anterior no parece ter nenhuma relao com o que vem depois); por fim, o texto est mal escrito, e os pargrafos mal ajambrados, muitas vezes no h um problema de pesquisa ou h um problema enlouquecido, do tido daqueles que ningum consegue resolver ou daqueles que o aluno no tem a

formao, quer dizer, o domnio dos conceitos necessrios para sequer formul-lo direito. E a causa de tudo isso , na realidade, muito simples: faltou o trabalho sistemtico, dirigido para, digamos, dar sentido a um conjunto de autores. Faltaram justamente os fichamentos. Em outra palavras, uma boa maneira de voc no desperdiar o seu tempo e maximizar a probabilidade de escrever um trabalho melhor dedicar-se aos fichamentos.

O fichamento tem, contudo, um carter paradoxal: se o aluno tem grande liberdade na hora de escrev-lo, o mesmo no acontece com o trabalho final. O aluno no vai ser avaliado pelos fichamentos que escreve: eles so escritos pelo aluno para ele mesmo; justamente por isso, vale aqui a mxima: use o que funciona melhor para voc. Com o tempo, cada um chega a desenvolver a sua variao ou maneira preferida. O argumento levado ao seu limite pode acabar em uma situao absurda. Por exemplo. No haveria nenhum problema em escrever os fichamentos na lngua tupi se assim voc o preferir. O absurdo intruduz o carter paradoxal porm: mesmo que voc escreva perfeitamente em tupi, voc vai ter de escrever o seu trabalho final em bom portugus, utilizando as regras dos textos acadmicos da mesma maneira que no adianta ter um direito e no apresentar uma petio escrita de maneira adequada, segundo as regras do mundo jurdico. A razo disso que o fichamento um passo intermedirio, serve para ajudar a produzir o trabalho final. Eis, portanto, o paradoxo: estar entre a liberdade do aluno de escolher uma frmula que lhe agrade mais e as regras da academia pelas quais o seu produto final ser avalidado.

As dicas abaixo tm por objetivo justamente ajudar a voc produzir um fichamento dentro das regras do universo acadmico e, com isso, facilitar o seu trabalho. O princpio geral a seguinte: quanto mais prximo do formato de um texto acadmico estiver o seu fichamento, menos trabalho voc ter para ajust-lo. Mas, no fundo, se voc quer ter mais trabalho quando poderia ter menos, isso um problema seu.

As referncias

As referncias so importantssimas na academia. preciso sempre dizer de onde veio uma idia. Um bom fichamento comea, portanto, com a referncia completa do texto que voc vai fichar. A nossa sugesto que voc, na primeira linha, j a coloque, de preferncia utilizando as normas de citao bibliogrfica exigidas no seu trabalho final (no caso do UniCEUB, so as regras da ABNT). Um outra sugesto que voc utilize no corpo do fichamento as referncias como voc vai ter de apresentar no trabalho final. Acredite: poupa tempo.

Na realidade, esse parte de um princpio mais importante: nunca utilize, como sendo suas, as idias de um outro autor. Isso plgio. O plgio punido severamente. Reprovao sumria. H, contudo, casos nos quais, apesar de constatado o plgio, no foi a inteno do aluno, no foi isso que ele quis fazer. A academia como qualquer outro lugar: casos de mau-caratismo andam lado a lado

com os frutos da ignorncia (no seu sentido estrito, quer dizer, ignorante aquele que no sabe algo; ignorncia, portanto, o contrrio de conhecimento). Muitos alunos cometem um plgio que poderamos classificar de no intencional. Eles ficham os textos, os textos esto indicados na bibliografia e referidos em algum lugar na pgina onde um trecho utilizado; mas, os alunos usam uma transcrio literal do texto de outro autor como se fosse algo escrito por eles. Isso ruim. A melhor maneira de evit-lo seguir a seguinte regra como o princpio fundamental do fichamento: sempre separar aquilo que voc diz daquilo que o autor disse.

Para separar as idias do autor do texto das do aluno que o ficha, til fazer a separao entre trs diferentes possibilidades de se escrever sobre um outro texto. Vamos cham-las de resumo, transcrio e parfrase. Os nomes no so importantes, e possvel talvez encontrar outros melhores. O fundamental aqui ter em mente a distino para a qual eles apontam. O resumo descreve um texto no seu aspecto global; ele se refere s questes centrais, relaciona as idias principais do autor e mostra como elas esto organizadas. A transcrio e a parfrase so especficas; ambas se referem a um trecho, um ou mais pargrafos de tal ou qual pgina. A diferena entre essas duas ltimas que a transcrio reproduz do texto literalmente enquanto que a parfrase usa as palavras do prprio aluno. importante ver tudo isso com mais detalhe.

Resumo

Resumir um texto , do ponto de vista acadmico, melhor do que a transcrio ou a parfrase. A razo simples: preciso conhecer melhor o texto para resumi-lo. Qualquer um capaz de transcrever um trecho ou parafrase-lo, mesmo sem ser capaz de apresentar as idias de um autor de maneira sistemtica e consistente. por essa razo que alguns alunos, quando vo apresentar um projeto, fazem uma coleo trechos copiados, com maior ou menor coerncia. Alunos mais adiantados, quando conhecem um texto bem (porque j o estudaram durante mais tempo), s vezes so capazes de resumir a idia central em uma sentena simples. Isso muito bom. Mas o importante reparar o seguinte: s bom se for um resumo consistente com o autor. Se voc interpretou mal as idias de um autor, ento, meu caro, voc est expondo aos outros sua falta de rigor, de trabalho e, muitas vezes, sua ignorncia. De todo jeito, o que marca a diferena entre o resumo e a transcrio/parfrase o trabalho despreendido na compreenso do texto. Por essa razo, o resumo mais bem visto.

A sensao que alguns tm quando se deparam com um texto difcil talvez pudesse se descrita como um sentimento de perplexidade: o texto no parece entrar na cabea, o que o autor diz parece no fazer sentido, e as palavras parecem se tornar inimigas contra quem preciso lutar. Um leitor mais perspicaz talvez exclame eu estou perdido, no sei para onde ir! Antes que voc resolva tomar alguma atitude drstica (como picar o texto ou tomar barbitricos), acalme-se: isso absolutamente normal. Alguns texto exigem mais trabalho do que outros, e h autores que mesmo leitores muito

adiantados (como os prprios professores) sentem-se incapazes de entender mas isso significa, como no caso dos alunos, que esses professores no esto dispostos a gastar o tempo e o trabalho necessrio para digerir aquele autor mais complicado. Tudo se resume quantidade de trabalho despreendido para ler algum texto. Porm, h algumas perguntas que podem ajudar a dirigir a leitura de leitores menos experientes, facilitar o trabalho, servir como um guia provisrio.

A primeira pergunta , na realidade, a mais elementar e a mais bvia: aonde o autor quer chegar com isso? Qual o ponto do autor? Qual o argumento central, a tese desse texto? Todas so, nesse caso, variaes da mesma inquietao: achar a idia ou as idias centrais de um texto ilumina todos os seus argumentos. preciso, no entanto, tomar um certo cuidado: nem todos os autores so coerentes, sabem exatamente o que querem dizer ou tm claro aonde querem chegar. Portanto, possvel que o texto lhe deixe em dvida, por ser um texto confuso. Por outro lado, um mesmo texto pode ter mais de um ponto principal. O importante voc deixar isso claro no seu fichamento. No custa repetir, o fichamento um passo intermedirio: voc pode inclusive, com fichamento na mo, ir tirar suas dvidas com um professor da rea. De todo jeito, abaixo selecionamos algumas expresses que podem ajud-los a escrever (voc tem toda a liberdade de usar essas ou outras que lhe parecerem mais interessantes):

A(s) idia(s) principal(is) do autor parece(m) ser Em [nome do texto], [nome do autor] argumenta que Autor se coloca, s vezes violentamente, contra a posio de [nome do outro autor], a qual

contesta nos seguintes termos [Nome do texto] um texto confuso: o autor ora argumenta que [primeiro argumento], ora

que [segundo argumento]. O problema que os dois argumentos so incompatveis entre si, pelas seguintes razes

O ponto principal de [nome do autor] defender que A segunda pergunta que pode ajudar a escrever o seu fichamento decorre da primeira. Um texto

no tem apenas um ou mais pontos centrais, ele tambm tem argumentos para justific-los e legitim-los. Ento preciso perguntar tambm: como o autor se justifica? Quais so os argumentos que ele utiliza para dizer que? Tenha em mente que os autores geralmente empregam mais de um argumento para justificar seus pontos e que alguns desses argumentos podem ser de vrios tipos: os autores podem fazer uma distino entre dois tipos de instrumentos, introduzir um conceito particular, basear-se na crtica a outras posies bem estabelecidas de outros autores, citar exemplos etc. Alguns desses argumentos so mais importantes do que outros e, talvez, meream um tratamento mais cuidadoso da sua parte, quer dizer, voc vai ter de explic-los mais detalhadamente esses podem, inclusive, exigir a procura de outras referncias bibliogrficas. Voc pode usar expresses, tais como:

O autor justifica sua tese utilizando [nmero] argumentos. O primeiro Para justificar que [citar o argumento], o autor cita os seguintes fatos O fundamento do argumento de [nome do autor] est na distino que ele faz entre O autor justifica seu ponto de vista pela crticia posio de [nome do autor criticado], nos

seguintes temos: Para entender exatamente o que o [nome do autor] pretende dizer, preciso deslindar o

conceito de [o nome do conceito], no qual ele baseia toda sua argumentao.Por fim, uma ltima pergunta pode lhe ajudar quando nenhuma das outras duas parece fazer

sentido, a saber: Qual a relao disso com o resto? Em outras palavras, muitas vezes, depois que voc selecionou a tese do texto e as suas justificativas pode sobrar alguma coisa. A experincia mostra que os alunos ficam particularmente inquietos quanto no conseguem entender as partes do texto que, para eles, se mostram mais opacas, mesmo que tenham menos importncia. s vezes a tentativa de desvelar tais partes to traumtica que os alunos passam a no mais entender o resto texto que eles j tinham entendido. O segredo aqui enfocar a relao dessas partes com o resto do texto e, inversamente, a relao do resto com essas partes, quer dizer, voc primeiro vai da parte para o todo e depois volta para a parte, tantas vezes quantas forem necessrias. Por exemplo. Se o autor utiliza uma expresso ininteligvel, algo de que voc nunca ouviu falar, ao invs de voc tentar entender a expresso (e se desesperar no caminho), procure a relao dela com o resto. Novamente preciso ter cuidado. Pode acontecer e freqentemente acontece de o texto ser incoerente ou ter contradies internas. Nesses casos, ao invs de voc enfatizar que aquele trecho consistente com o resto, diga que contraditrio. E se tudo isso no adiantar, no tenha medo de, no fichamento, expressar eventuais dvidas. Algumas expresses:

A idia [descrever] s faz sentido em relao as outras idias do autor, particularmente est vinculada

autor argumenta que [descrever o argumento], porque, mais a frente, ele vai defender que argumento [descrev-lo] uma conseqncia da tese principal do autor de que No consegui entender porque o autor vai dizer que Esse argumento parece ser

contraditrio com o que ele havia dito antes, a saber Definitivamente, no entendi porque ele argumenta que (lembrar de perguntar ao

professor). Uma boa maneira de voc se aproximar de um texto prestar ateno na sua estrutura, quer dizer, a

ordem e o encadeamento das idias ao longo do texto. Isso porque a ordem das idias j mostra a relao que elas tm entre si. Para ajudar voc pode manter a diviso original em subttulos ou partes,

embora resumos mais sofisticados dispensem esse estratagema. Lembre-se: o importante ver o que funciona para voc.

Transcries e parfrases

A transcrio simplesmente a cpia fiel de um trecho do texto. Duas coisas no podem faltar numa transcrio: aspas no comeo e no fim da transcrio e a referncia do texto com a pgina de onde vem o trecho transcrito. A falta de um dos dois caracteriza plgio. Abaixo um exemplo de transcrio, retirada do projeto do aluno MBM (como o leitor pode perceber, no colocamos a referncia na nota de rodap, conforme exigiria a ABNT; achamos que assim o nosso exemplo fica mais claro) note, ainda, que a primeira expresso do texto est em colchetes; voc pode utiliz-los para colocar uma frase na citao que no estava no trecho original, mas que necessria para dirimir ambigidades.

[A natureza jurdica da reabilitao do indigno] Depende a soluo do problema da que se aceite quanto ao fundamento da indignidade. Se assenta na vontade presumida do auctor sucessionis, indica o perdo a falsidade da presuno, dado que foi expressa, em sentido contrrio, a verdadeira e real vontade. Se a sano civil da excluso no descansa na vontade do ofendido, mas, como lembra Cicu, na vontade da lei dirigida a prevenir ou reprimir o ato ilcito, no se explica como pode ser impedida pela vontade particular. Pretende-se buscar a explicao na mesma ordem de idias segundo a qual, tambm no campo do Direito Penal, certos crimes somente se investigam mediante queixa da parte, mas a analogia caberia apenas para explica que a indignidade no se configura se o interessado no intentar a respectiva ao. (GOMES, Orlando. Sucesses. Rio de Janeiro: Forense, 1997. Pp.: 32-3)

fcil de visualizar uma transcrio, o difcil trabalhar bem com ela. De uma perspectiva mais tcnica, o problema o seu tamanho. Transcries muito longas so mal vistas, a no ser que exista para isso um bom motivo, motivo que precisa ser explicitado no texto. Porm o que uma transcrio longa depende de vrios fatores, inclusive do tamanho do texto. Por exemplo. Se o seu texto tem duas pginas, e voc faz uma transcrio de uma pgina, essa , obviamente, uma transcrio muito extensa; se, ao contrrio, o seu texto tem 100 pginas, ento essa pode ser uma transcrio necessria. A sugesto utilizar as menores transcries que voc puder. Prefira a parfrase ou a parfrase composta, da qual falaremos adiante.

O tamanho de uma transcrio , no mximo, um problema fcil de resolver. A questo realmente difcil : para que serve uma transcrio? Ela tem de servir para alguma coisa, seno intil e poderia muito bem ser deixada de lado. Com efeito, ela tem alguns usos, dos quais podemos citar alguns. Quando o autor escrever de uma forma que voc acredita ser to interessante que seria melhor deixar no original, ao invs de parafrase-lo. Para expressar com mais acuidade o pensamento de um autor (serve bem para os casos onde voc vai critic-lo mais adiante). Para mostrar que o autor

contraditrio. Para completar o que voc est escrevendo com um trecho do autor de forma que sua citao fique mais elegante (o caso da parfrase composta). Alguns alunos, contudo, utilizam a transcrio em outras situaes menores, tais como: quando no compreendem o texto e, mesmo assim, usam partes que lhes parecem inteligveis; quando no compreendem o trecho e preferem, portanto, transcrev-lo; como um argumento de autoridade; para poupar trabalho. O princpio geral de uma transcrio bem utilizada o seguinte: ela tem de ser consistente com o resto do texto, quer dizer, com aquilo que o aluno quer mostrar.

A parfrase simplesmente o trecho de um texto reescrito pelo aluno, com suas prprias palavras. Ao contrrio da transcrio no se usam aspas. Porm tambm deve-se colocar a referncia com o nmero da pgina; caso contrrio, tambm plgio. Abaixo o mesmo trecho acima, parafraseado:

Para Gomes, a natureza jurdica da reabilitao do indigno depende do que se entende pelo seu fundamento. A indignidade seria, essencialmente, uma contradio entre o vontade manifesta do auctor sucessionis e a vontade real, vontade que se presumiria pelas suas aes e atitudes. Se a sano civil se baseia na lei, ento a reabilitao no pode ser o resultado da vontade do ofendido. Segundo ele, de nada adiantaria o argumento de que, para alguns crimes, a investigao depende da queixa do particular. Essa analogia serviria somente para mostrar que no possvel falar em indignidade se o ofendido dela no se der conta. (GOMES, Orlando. Sucesses. Rio de Janeiro: Forense, 1997. Pp.: 32-3)

A parfrase prefervel transcrio, por uma razo que fica evidente no trecho acima: para parafrasear um trecho preciso interpret-lo. Em outras palavras, na parfrase h no s o trabalho de reescrever o texto como o de compreend-lo. Isso ainda mais importante quando o trecho original do autor confuso, utiliza um monte de jargo ou est mal escrito. Portanto, vamos adotar a seguinte regra geral: sempre que possvel parafraseie ao invs de transcrever. Contudo, uma alternativa muito elegante o que inventamos chamar de parfrase composta. O nome, novamente, irrelevante. O importante o princpio: parafrasear um texto mesclando-o com transcries breves.

Para Gomes, a natureza jurdica da reabilitao do indigno depende do que se entende pelo seu fundamento. A indignidade seria, essencialmente, uma contradio entre o vontade manifesta do auctor sucessionis e a vontade real, vontade que se presumiria pelas suas aes e atitudes. Se a sano civil se baseia na lei, como lembra Cicu, na vontade da lei dirigida a prevenir ou reprimir o ato ilcito, ento a reabilitao no pode ser o resultado da vontade do ofendido. Segundo Gomes, de nada adianta o argumento de que, para alguns crimes, a investigao depende da queixa do particular. Essa analogia serviria somente para mostrar que no possvel falar em indignidade se o ofendido dela no se der conta ou, nas palavras do autor, a indignidade no se configura se o interessado no intentar a respectiva ao. (GOMES, Orlando. Sucesses. Rio de Janeiro: Forense, 1997. Pp.: 32-3)

Note-se que, ao parafrasear o texto, colocamos a expresso para o autor, segundo o autor, nas

palavras do autor. Essas e outras expresses so importantes para diferenciar o que voc est dizendo do que outros disseram. Se voc no coloca essas expresses pode surgir a dvida se so suas idias ou so idias de algum que voc leu. Isso ruim. Muitos casos de plgio no intencional acontecem por falta dessas expresses. Voc pode substituir o autor pelo nome dele ou pelo pronome ele para tornar o texto mais fluente; no entanto, prefira a clareza do texto sua fluncia. Em resumo, expresses como estas so responsveis para deixar bem claro para o seu leitor de que voc est descrevendo as idias de um outro.

Tomando notas

As suas notas so uma parte importante do trabalho acadmico. Vamos chamar de notas comentrios que voc faz para voc mesmo, tendo em vista uma idia ou um trecho do texto que voc est fichando. Qualquer um que queira levar a srio sua vida acadmica tem vrias notas espalhadas pelos seus fichamentos ou, at mesmo, cadernos s para as anotaes. As notas podem ser alguma relao que voc foi capaz de estabelecer entre textos de autores diferentes, a aplicao de uma idia, a crtica a uma posio, uma dvida, uma impresso etc. Voc pode colocar qualquer coisa numa nota. As notas so as suas inquietaes e o trabalho livre do seu esprito; e, mais importante, elas podem conter intuies que podem abrir espao para o seu trabalho posterior. Tome notas e as trate com muito carinho.

Algumas dicas vindas de uma vida de notas. Primeiro, lembre-se sempre: o leitor do fichamento voc mesmo e voc se esquece de muita coisa. Portanto, no parta do princpio que daqui a dois meses voc ser capaz de entender as suas anotaes enigmticas de hoje. Seja claro. Depois, Evite a primeira e a terceira pessoa do plural (ns, eles). Se voc utiliz-las, voc deve especificar quem somos ns? e quem no eles? As notas so o seu trabalho! Por fim, o problema de fazer as notas nos fichamentos distingui-las do resumo ou das parfrases. Mas para isso h uma soluo simples. Quando se referir as suas idias, no tenha medo de utilizar a primeira pessoa do singular, por exemplo:

Lendo essas linhas, no posso deixar de pensar que Fiquei com a impresso de que A leitura do texto me foi muito penosa, porque Para mim A partir da, tive a seguinte idia

Exerccios

Exerccio 1i. Resuma o texto O ensino e as mercadorias e o texto acima sobre fichamentos. Lembre-se: o

importante voc deixar clara a(s) idia(s) principal(is) e suas relaes com os demais argumentos do texto.

ii. Troque o resumo com um colega. iii. Leia o resumo do colega. Para voc, o resumo toca nas idias principais dos textos? As relaes

com as outras idias esto claras? O que poderia melhorar? iv. Discuta com o colega o resultado da sua leitura.

Exerccio 2i. Parafraseie os seguintes trechos (no se esquea das expresses mgicas: para o autor,

segundo o autor etc.), voc no precisa manter a diviso original dos pargrafos:

Trecho 1

A clssica concepo de matriz liberal-burguesa dos direitos fundamentais informa que tais direitos constituem, em primeiro plano, direitos de defesa do indivduo contra ingerncias do Estado em sua liberdade pessoal e propriedade. Esta concepo de direitos fundamentais - apesar de ser pacfico na doutrina o reconhecimento de diversas outras - ainda continua ocupando um lugar de destaque na aplicao dos direitos fundamentais. Esta concepo, sobretudo, objetiva a limitao do poder estatal a fim de assegurar ao indivduo uma esfera de liberdade. Para tanto, outorga ao indivduo um direito subjetivo que permite evitar interferncias indevidas no mbito de proteo do direito fundamental ou mesmo a eliminao de agresses que esteja sofrendo em sua esfera de autonomia pessoal.

Analisando as posies jurdicas fundamentais que integram os direitos de defesa, importa consignar que estes no se limitam s liberdades e igualdades (direito geral de liberdade e igualdade, bem como suas concretizaes), abrangendo, ainda, as mais diversas posies jurdicas que os direitos fundamentais intentam proteger contra ingerncias dos poderes pblicos e tambm contra abusos de entidades particulares, de forma que se cuida de garantir a livre manifestao da personalidade assegurando uma esfera de autodeterminao do indivduo. (MENDES, Gilmar Ferreira. Os direitos individuais e suas limitaes: breves refl exes in Mendes, Gilmar Ferreira; et ali. Hermenutica constitucional e direitos fundamentais. Braslia : Braslia Jurdica, 2000, p. 201)

Trecho 2

Os direitos fundamentais so, a um s tempo, direitos subjetivos e elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva. Enquanto direitos subjetivos, os direitos fundamentais outorgam os

titulares a possibilidade de impor os seus interesses em face dos rgos obrigados. Na sua dimenso como elemento fundamental da ordem constitucional objetiva, os direitos fundamentais - tanto aqueles que no asseguram, primariamente, um direito subjetivo, quanto aqueloutros, concebidos como garantias individuais - formam a base do ordenamento jurdico de um Estado de Direito democrtico.

verdade consabida, desde que Jellinek desenvolveu a sua Teoria dos quatro "status"', que os direitos fundamentais cumprem diferentes funes na ordem jurdica.

Na sua concepo tradicional, os direitos fundamentais so direitos de defesa (Abwehrrechte), destinados a proteger determinadas posies subjetivas contra a interveno do Poder Pblico, seja pelo (a) no-impedimento da prtica de determinado ato, seja pela (b) no-interveno em situaes subjetivas ou pela no-eliminao de posies jurdicas.

Nessa dimenso, os direitos fundamentais contm disposies definidoras de uma competncia negativa do Poder Pblico (negativa Kompetenzbestimmung), que fica obrigado, assim, a respeitar o ncleo de liberdade constitucionalmente assegurado.

Outras normas consagram direitos a prestaes de ndole positiva (Leistungsrechte), que tanto podem referir-se a prestaes fticas de ndole positiva (faktische positive Handlungen), quanto a prestaes normativas de ndole positiva (normativa Handlungen) (MENDES, Gilmar Ferreira. Os direitos individuais e suas limitaes: breves refl exes in Mendes, Gilmar Ferreira; et ali. Hermenutica constitucional e direitos fundamentais. Braslia : Braslia Jurdica, 2000, p. 199).

Trecho 3

A prxis decisria do Tribunal Constitucional Federal quase no pode ser compreendida com as regras programaticamente professadas por esse tribunal. Alm disso teria sido no interesse da segurana jurdica, bem como da compreenso do modus operandi real da concretizao da constituio - indispensvel fazer indicaes sobre que nfases e regras de preferncia o tribunal cogita introduzir em resultados contraditrios causados por pontos de vista individuais da interpretao. Diante da prxis jurisdicional do Tribunal Constitucional Federal essa pergunta continua em aberto at com referncia ao problema da atitude exegtica "subjetiva" ou "objetiva" e com referncia funo do teor literal da norma. No raras vezes o tribunal fez, contrariamente ao seu credo programtico, dos argumentos da histria legislativa sem fundamentao suficiente os nicos argumentos

decisivos.9 Onde o resultado desejado ou visado no ou quase no convincentemente fundamentvel com os meios "tradicionais", a "vontade" subjetiva do constituinte, quer dizer, uma opinio majoritria no Conselho Parlamentar ou manifestaes de membros individuais da assemblia

constituinte podem derrotar a "vontade" objetivada na lei constitucional; em tais casos, topoi constitucionais ("autonomia em questes culturais" dos Estadosmembros, "estatalidade prpria" dos Estados) e dogmticos (teoria legalista) no-diferenciados, bem como credos juspolticos sem fundamento normativo ("no-cabvel") podem atropelar os costumeiros elementos de fundamentao da interpretao literal at a interpretao do sentido. (Ml ler, F riedrich. Mtodos de t rabalho do direi to const i tucional , 2a ed. , rev. , Trad. P eter Naumann. S o P aulo : Ed. Max Limonad, 2000, p. 28-29).

ii. Use parfrases compostas nos trechos abaixo, mantendo, do original, as frases grifadas.

Trecho 4

Programaticamente, embora no em prxis coerente, o Tribunal Constitucional Federal [da Repblica Federal da Alemanha] decidiu-se em favor da "teoria objetiva". Segundo a sua sentena de 21 de maio de 1952, a vontade objetivada do legislador, expressa em uma prescrio legal, deve dar a medida para a interpretao dessa mesma prescrio, tal como essa vontade resulta do teor literal da determinao legal e do nexo de sentido no qual esta se encontrar. A histria legislativa de uma prescrio somente dever ter relevncia para a sua interpretao medida que ela possa confi rmar a correo da interpretao efetuada segundo os princpios outros ou dirimir dvidas que no podem ser desfeitas apenas com os recursos metdicos auxiliares restantes. Ao objetivo da interpretao de identifi car a vontade do legislador objetivada na lei servem as interpretaes a partir do teor literal da norma (interpretao gramatical), a partir do seu nexo (interpretao sistemtica), a partir da sua finalidade (interpretao teleolgica) e a partir dos materiais legais e da histria gentica (interpretao histrica). Esses "mtodos de interpretao" devem complementar e sustentar-se reciprocamente para poder apreender em conjunto a "vontade objetiva do legislador". Nesse esforo os materiais legais sempre devem ser aduzidos com certa cautela, via de regra guisa de mero subsdio e, considerados na sua totalidade, somente medida que eles permitem inferir o "contedo objetivo da lei". Conseqentemente, a assim chamada vontade do legislador pode ser levada em considerao na interpretao da lei medida que ela encontrou expresso suficientemente determinada na prpria lei, i. , no seu texto. Em nenhum caso os materiais podem induzir a igualar as representaes subjetivas das instncias legisladoras ao contedo objetivo da lei. (Ml ler, F riedrich. Mtodos de t rabalho do direi to const i tucional , 2a ed. , rev. , Trad. P eter Naumann. S o P aulo : Ed. Max Limonad, 2000, p. 26-27).

Trecho 5

O Tribunal Constitucional Federal da Repblica Federal da Alemanha professa na jurisprudncia constantemente o credo da teoria tradicional da interpretao, segundo o qual um caso jurdico prtico deve ser solucionado de modo que os fatos da vida [Lebenssachverhalt] decidendos sejam

"subsumidos" norma. Segundo esse entendimento deve-se identificar o contedo da norma para que o silogismo seja efetuado, para que a norma possa ser "aplicada". Isso se faz a partir do teor literal, da histria legislativa [Entstehungsgeschichte], da reconstruo da regulamentaao em pauta a partir da histria do direito ou a partir do nexo sistemtico da norma no mbito da sua codificao ou do ordenamento jurdico global e, por fim, a partir do sentido e da finalidade, a partir da "ratio" ou do "tetos" da prescrio. Nesse sentido, a soluo do caso uma concluso silogstica que por sua vez pressupe a identificao do contedo da norma "aplicanda". O contedo dever ser imanente prescrio: ele consiste e nessa medida existe um dissenso na teoria tradicional da interpretao - na vontade subjetiva do dador da norma ou na vontade objetiva da norma. Para o Direito Constitucional ele consiste, por conseguinte, na vontade do legislador ou na vontade da constituio. Os mtodos mencionados devero oferecer a possibilidade de formular o teor da norma como premissa maior [Obersatz], para que em seguida as circunstncias de fato da vida lhe possam ser subsumidas como premissa menor [Untersatz]. O processo da deciso jurdica apresentado como procedimento de deduo lgica, a realizao do direito apresentada na sua totalidade como um problema exclusivamente cognitivo. Segundo isso a concretizao da norma a interpretao do texto da norma, que por sua vez no nada mais do que a reelaborao da vontade da norma ou do seu dador, que se manifesta no texto da norma, na sua histria legislativa, no nexo sistemtico com outros textos de normas, na histria dos textos de correspondentes regulamentaes anteriores e no sentido e na finalidade da prescrio a serem extrados desses indcios. (Ml ler, F riedrich. Mtodos de t rabalho do direi to const i tucional , 2a ed. , rev. , Trad. P eter Naumann. S o P aulo : Ed. Max Limonad, 2000, p. 25-26).

Trecho 5A considerao jurdica ou, mais precisamente, a dogmtica jurdica, prope-se a tarefa de investigar o

sentido correto de normas cujo contedo apresenta-se como uma ordem que pretende ser determinante para o comportamento de um crculo de pessoas de alguma forma definido, isto , de investigar as situaes efetivas sujeitas a essa ordem e o modo como isso ocorre. Para esse fim, assim procede: partindo da vigncia emprica indubitvel daquelas normas, procura classific-las de modo a encaix-las num sistema sem contradio lgica interna. Esse sistema a ordem jurdica no sentido jurdico da palavra. A economia social, ao contrrio, examina aquelas aes humanas efetivas que esto condicionadas pela necessidade de orientar-se pela situao econmica em suas conexes efetivas. Chamamos de ordem economica a distribuio do efetivo poder de disposio sobre bens e servios econmicos, que resulta consensualmente do modo de equilbrio de interesses e da maneira como ambos, de acordo com o sentido visado, so de fato empregados, em virtude daquele poder de disposio efetivo baseado no consenso. evidente que os dois modos de considerao se propem problemas totalmente heterogneos, que seu objetos no podem entrar imediatamente em contato, e que a ordem jurdica ideal da teoria do direito no tem diretamente nada a ver com o cosmos das aes econmicas efetivas, uma vez que ambos se

encontram em planos diferentes: a primeira, no plano ideal de vigncia pretendida; o segundo, no dos acontecimentos reais. Quando, apesar disso, a ordem econmica e a jurdica esto numa relao bastante ntima, porque esta ltima entendida no em seu sentido jurdico mas no sociolgico: como vigncia emprica. O sentido da palavra ordem jurdica muda ento completamente. No significa um cosmos de normas interpretveis como logicamente corretas, mas um complexo de motivos efetivos que determinam as aes humanas reais. (WEBER, Max. Economia E Sociedade: Fundamentos Da Sociologia Compreensiva. Translated by Regis Barbosa, Karen Elsabe Barbosa and Gabriel Cohn (reviso tcnica). 5 ed. 2 vols. Vol. 1. Braslia: Editora Universidade de Braslia, 1991, p. 209-210)

iii. Troque suas parfrases com um colega e discuta com ele as solues que vocs encontraram. iv. Discuta com seu colega a seguinte questo: possvel que a parfrase fique um texto mais

interessante do que o original?

Exerccio 3A seguir damos duas verses fichamento do mesmo texto produzido pelo mesmo aluno, JE. A

nica modificao do original foi a correo de eventuais erros de portugus. i. Leia atentamente a primeira verso abaixo:

1 versoAdeodato, J.M. 2002. Captulo sexto: Subdesenvolvimento e Direito

Alternativo. Em tica e retrica: para uma teoria da dogmtica jurdica. So Paulo: Saraiva. Pp.: 113-137.

1. O Estado moderno e o Estado subdesenvolvido comum no Brasil o uso da expresso direito alternativo. A novidade que

hoje o termo tem sido usado para suprir necessidades prticas, atividades no s jurdicas mas tambm polticas de um grupamento que rene profissionais do direito dos mais diversos setores.

Este captulo tenta explicar o conceito e descrever exemplos de prticas jurdicas alternativas no Brasil. Diferentemente da maioria, procura abster-se de consideraes a respeito da convenincia do movimento alternativo, ficando margem da polmica que tem se instaurado.

Para colocar o tema em seu contexto histrico, vai-se chamar a ateno para o conceito de um Estado moderno. So as mais variadas as definies de Estado moderno, segundo se enfatizem suas caractersticas. Vai-se aqui privilegiar trs das facetas do Estado que mais parece importante para o tema.

A primeira a ascenso da lei em detrimento das outras fontes do direito; e aqui deve-se entender lei em sentido amplo e no s como lei ordinria ou no sentido formal ou material. Mais importante ainda a segunda caracterstica, a pretenso de monoplio, por parte do Estado, na produo das normas jurdicas, fixando e modificando as regras de convivncia por meio de decises legalmente fundamentada; o Estado no cria todo o direito, mas decide o que tolera e decide o que considera juridicamente relevante. Por ltimo, o Estado dito moderno se caracteriza pelo fenmeno da positivao do direito, ou seja, as

normas jurdicas so estabelecidas por deciso legal e tambm do mesmo modo so substitudas, institucionalizando a mutabilidade do direito.

Falando amplamente, essas caractersticas tambm so encontradas nos Estados contemporneos subdesenvolvidos, mas diante uma positivao assimtrica, elas do origem a peculiaridades exclusivas que no se encontram em pases desenvolvidos. Sabe-se que em todo Estado, inclusive os desenvolvidos, as fontes estatais do direito no monopolizam toda produo jurdica, reconhecendo por exemplo a eficcia do costume praeter legem ainda que de forma subsidiria.

Mencionado os caracteres bsicos do Estado moderno, importante voltar mais uma vez a um conceito de subdesenvolvimento, tendo o Brasil como referencia. O problema aqui se d no mbito do capitalismo perifrico, obviamente improvvel uma teoria adequada que contemple a diferente evoluo histrica das diversas regies que se abrigam sob tal denominao.

A primeira tarefa seria demonstrar a simples existncia do direito alternativo, para isso pode-se partir do postulado romano ubi societas ibi jus, ou seja, o direito inerente sociabilidade humana, no possvel sociedade, por mais simples que ela seja, sem o direito. Diante da pretenso do monoplio Estado, resta a opo: ou parcela da populao brasileira no vive o direito, ou seus conflitos jurdicos so tratados por um outro direito, para-estatal. A concluso direta que o Estado subdesenvolvido no consegue distribuir a todos sua justia e assim ter o monoplio das decises; se ele no decide, alguma outra instancia ir decidir por ele.

O conceito de subdesenvolvimento tem originalmente um sentido econmico, contudo esse sentido aqui no o suficiente, embora no se deva perder de vista o horizonte infra-estrutural da economia. Aspectos jurdicos e econmicos no podem ser separados de forma rgida, em especial no complexo caso do Brasil, onde a coexistncia de regies industrializadas e regies agrcolas medievais salta aos olhos. O subdesenvolvimento em seu contexto mais amplo pode ser dito uma estrutura cultural.

O problema de colocar o Brasil como membro desse terceiro mundo advm de dificuldades na definio de um conceito assaz equvoco.

A separao entre sociedades desenvolvidas e subdesenvolvidas dificultada pelo fato de economistas e polticos referirem-se ao conceito intermedirio de pases em desenvolvimento. A este ponto de vista, parece, subjaz uma viso escatolgica da evoluo social, haja vista que o termo em desenvolvimento implica uma direo a algum estado futuro.

Aqui se pretende defender a tese de que o subdesenvolvimento corresponde a uma forma de organizao definida que caracteriza algumas sociedades contemporneas.

Semelhante forma de organizao faz-se ainda mais interessante quando se considera que o terceiro mundo constitui camada perifrica, cujo princpio de igualdade jurdica mera fictio juris (fico jurdica).

O que se observa que no h indcios de que o subdesenvolvimento seja temporrio, um degrau para o Estado do bem-estar ou algo parecido. A periferia da aldeia global configura um ambiente social merecedor de uma teoria adequada e sempre que possvel, especfica. Alm desse aspecto terico-prtico, no quadro atual, deve-se reconhecer que os interesses dos pases do centro e dos

pases da periferia dificilmente coincidiro.2. Alguns conceitos de direito alternativoTanto o movimento quanto o prprio uso da expresso direito alternativo tm

sido alvos de discusses acirradas. Em primeiro lugar h aqueles que to-s desconsideram os procedimentos alternativos como os definem juridicamente irrelevantes, ou simples ilcitos diante o ordenamento jurdico estatal inoperante.

Uma variao menos radical admite a atuao do direito alternativo apenas para preencher lacunas ou inconsistncias no ordenamento estatal.

A terceira perspectiva a que enfatiza a expresso direito alternativo, em uso diferenciado do direito estatal. Segundo essa variante, o movimento alternativo consistiria em uma utilizao crtica das normas jurdicas do Estado. Tal critica compreende a recusa de princpios basilares do positivismo dogmtico, mas sem se afastar da esfera de atuao do Estado , procurando mais uma otimizao do que uma desconfirmao ou negao.

Essas crticas ao positivismo no parecem suficientemente adequadas sob a tica de uma quarta tendncia, ao qual vincula o conceito de direito alternativo a uma luta poltica e a uma opo preferencial pelas classes economicamente menos favorecidas. Alguns no concordam com essa idia entendendo o movimento como quase que uma atitude diante o direito positivo.

Prope-se aqui uma outra linha que pode-se chamar uma definio negativa do direito alternativo, onde o mesmo um direito paralelo ao direito estatal que se oferece como alternativa diante do direito dogmtico, aproveitando-se de suas impotncias e incompetncias no trato dos conflitos.

3. Procedimentos alternativos no direito brasileiro3.1 A dicotomia regra/exceoConsiste em fazer com que a norma geral contenha possibilidade de

excees de algum modo dirigidas a resultados pretendidos, constituem portas laterais por meio das quais a norma geral literalmente contornada, isto , a norma ser ou no aplicada segundo o caso.

3.2 A fico da isonomiaConsiste em pesos e medidas diferentes na aplicao da lei o que tambm

depende diretamente da situao individual e at social dos envolvidos.3.3 O subsistema das boas relaesO subsistema de contato, que em sociedades diferenciadas podem ameaar o

procedimento e a aplicabilidade das decises, pode vir a otimizar a deciso em sistemas jurdicos perifricos. A troca de favores funciona melhor do que a burocracia legal-racional. Se as regras forem seguidas risca o sistema pode ser prejudicado. Ao invs dos procedimentos oficiais surgem as relaes familiares e de amizade que possibilitam a confiana que a ordem estatal no consegue propiciar.

3.4 O poder militar politizadoA politizao das foras armadas constitui possibilidade constante de que o

militar eleja o poder poltico em tema de deciso em lugar de deixa-lo permanecer como horizonte da deciso.

De acordo com teorias produzidas na Europa e Estados Unidos, o poder militar constitui poder armado e apoltico e tem como funo garantir a segurana nacional diante de ameaas externas. Na periferia contempornea

tm-se observado o contrrio: as foras armadas podem garantir efetivamente a ordem interna. Da a necessidade de um acerto entre as elites militares e civis que seja exterior aos procedimentos oficiais de legitimao.

3.5 O jeito uma forma especial de controlar as incertezas sobre a eficcia das decises

oficiais e ao mesmo tempo alcanar resultados marginais. A vantagem para a corrupo que o jeito praticado abertamente. V-se uma contradio: o jeito pode tanto auxiliar as normas inconvenientes, quanto ensejar a corrupo desenfreada e uma perigosa instabilidade para qualquer sistema jurdico.

3.6 A corrupoFala-se em corrupo como um intercmbio de favores entre um membro da

administrao pblica e um particular.A elasticidade das fronteiras da corrupo grande, no se podendo precisar

quando ela deixa de ser estratgia de dominao e legitimao e passa a ser danosa para o sistema social como um todo.

A corrupo no pode aparecer em pblico sem ser punida, ou corremos o risco dela se institucionalizar.

3.7 O clientelismoO clientelismo tambm represente uma via importante na soluo dos

conflitos jurdicos, na medida em que regula de alguma maneira a distribuio de recursos, pblicos ou privados; sendo que favores so concedidos por polticos e funcionrios em troca de apoio poltico.

3.8 As formas de procrastinao do feitoA procrastinao incorporou-se ao jargo advocatcio e designa tticas para

protelar a deciso do caso; os instrumentos que antes eram utilizados visando garantir uma melhor distribuio da justia e um amplo direito de defesa so aproveitados para outros fins.

3.9 A ineficcia da lei quando algumas das normas editadas no so aplicadas porque no so

levadas srio, ou porque no podem ser aplicadas por serem inviveis economicamente, ou devido a ausncia de toda a coercitividade, ou falta de deciso poltica, ou por outra causa determinante.

3.10 A fico de hierarquia no sistema jurdico oficialExistem dois princpios bsicos em caso de conflitos de leis: uma a

prevalncia da lei mais recente, no caso de norma de mesmo nvel; e outra a prevalncia de lei superior, no caso de legislao de nveis diferentes.

Contudo, observa-se no Brasil o desrespeito a esses princpios, portarias que revogam decretos, decretos que desrespeitam leis, entre outras aberraes que demonstram a inadequao da imagem do ordenamento jurdico e a distancia do Estado democrtico de direito.

4. Concluso: trs erros a evitarPara terminar estas reflexes, chame-se ateno para trs erros que podem

ser evitados:Em primeiro lugar, o erro de observao consiste em enxergar as causas do

subdesenvolvimento exclusivamente no Estado e no governo. confundir a causa com a conseqncia, apontando a misria e o governo como responsveis pelo caos normativo do Estado brasileiro.

Em segundo lugar no se deve cair no erro de conhecimento, ou seja,

descrever relaes procurando no entrar em seus mritos morais, no julga-las desde o incio como desejveis ou indesejveis sob perspectivas prpria, o mnimo que se deve exigir no apenas de um pesquisador e da sociedade, mas tambm de toda pessoa sensata.

A ultima reflexo diz respeito a um erro de avaliao, inapropriado definir o direito dogmtico como ruim e o direito alternativo como bom. Como todo direito, o alternativo pode assumir contedos morais, imorais ou simplesmente amorais. Se fato que os procedimentos alternativos podem servir para adaptar os casos concretos de uma deciso estatal ou mesmo substitui-los, podem tambm funcionar para burlar e desacreditar a legitimao do direito como um todo.

ii. Em grupo, discutam as seguintes questes:a. Qual foi a estratgia que JE utilizou para apresentar as idias de Adeodato? Quais seriam,

na sua opinio as vantagens dessa estratgia?b. Qual o problema desse fichamento, segundo o texto desse captulo?c. Voc v algum ponto positivo no fichamentoacima?d. Voc acha que, a partir do fichamento de JE, voc capaz de entender o original

Subdesenvolvimento e Direito Alternativo?iii. Compare a 1 verso com a verso abaixo:

2 VersoAdeodato, J.M. 2002. Captulo sexto: Subdesenvolvimento e Direito

Alternativo. Em tica e retrica: para uma teoria da dogmtica jurdica. So Paulo: Saraiva. Pp.: 113-137.

O autor tenta explicitar a respeito da convenincia ou no do movimento alternativo e comea demonstrando que o surgimento dessa espcie de direito surgiu devido aos procedimentos oficiais nos Estados subdesenvolvidos no serem suficientes para controlar os conflitos.

A ascenso da lei (p.114), a pretenso de monoplio na produo das normas jurdicas (p.114) e a positivao do direito (p.115) contriburem, segundo o autor, para uma positivao assimtrica (p.115) que deram origem a peculiaridades exclusivas no encontrveis em pases desenvolvidos (p.115), pases esses que no monopolizam toda a produo jurdica e reconhecem os costumes ainda que como fonte subsidiria.

Tenta ainda o autor conceituar subdesenvolvimento, visando examinar a realidade brasileira, mas sem a pretenso de ampliar essa anlise aos demais pases ditos do Terceiro mundo. Contudo, no se restringe ao conceito econmico, mas tambm no o abandona por completo, fazendo uma analise do subdesenvolvimento conjuntamente entre aspectos jurdico e econmicos, ressaltando que assume esse conceito apenas como um plo retrico para reassumir a discrio de uma situao emprica verificada (p.117).

Nesta tentativa de conceituar o subdesenvolvimento o autor se depara com a dificuldade de separa-lo de desenvolvimento, pelo fato da existncia de uma

conceito intermedirio adotado por economistas e polticos que o de pases em desenvolvimento. O autor, no entanto, rechaa este ponto de vista por considerar que o termo em desenvolvimento implica a uma direo de um estado futuro (p.118), e que essa classificao estendida a toda regio subdesenvolvida na viso otimista e politicamente correta dos meios de comunicao do primeiro mundo (p.118).

Observa ainda que no existem indcios de que o subdesenvolvimento analisado seja temporrio, haja vista que os interesses dos pases centrais e os perifricos dificilmente se coincidem (p.119).

Aps a anlise sobre o subdesenvolvimento, o autor se atenta a dissertar sobre o direito alternativo e as suas discusses, desde aqueles que rejeitam por completo essa espcie de direito, aos que adotam esse movimento alternativo. Tenta ainda conceituar o direito alternativo, atravs de uma outra linha de raciocnio que ele denominou definio negativa (p.121), onde o direito alternativo seria um direito paralelo ao estatal e que se oferece como alternativa ao direito dogmtico (p.121).

Aps essas consideraes sobre direito alternativo, o autor passa a dissertar sobre alguns procedimentos alternativos que deturpam ou podem vir a deturpar o direito alternativo. So elas:1) A dicotomia regra/exceo, onde se faz a norma geral contendo brechas

para que a mesma possa ser contornada;2) A fico isonmica, onde a lei aplicada de forma diversa dependendo da

situao individual e social dos envolvidos;3) subsistema das boas relaes, onde as relaes familiares e de amizade se

sobressaem aos procedimentos oficiais;4) poder militar politizado, onde os militares no somente se preocupam

somente com a segurana nacional, mas tambm com questes de ordem interna;

5) jeito, onde tenta-se manipular as normas segundo interesses e vantagens casusticas;

6) A corrupo: favores entre um membro da administrao pblica e um particular;

7) clientelismo: favores em troca de votos e apoio polticos;8) Formas de procrastinao do feito, onde os instrumentos destinados a

garantir a justia e o direito a ampla defesa so deturpados;9) A ineficcia da lei: as normas no atingem seu contedo ftico, e;10) A fico da hierarquia no sistema jurdico oficial, pois os princpios

que dirimem os conflitos entre as normas no so respeitadosPor fim, o autor conclui apontando trs erros a serem evitados. O primeiro

seria o de observao que consiste na confuso feita na anlise das causas e efeitos concernente ao caos normativo estatal, apontando a misria e o governo como responsvel por tal fato.

O segundo se refere ao erro de conhecimento que consiste na no anlise dos mritos morais (p.136), deixando de julgar o que seria essencial.

O ltimo erro diz respeito ao de avaliao, quando os mais desavisados conceituam o direito dogmtico como mau e o alternativo como bom, sem verificar que mesmo o direito alternativo pode assumir contedos morais, imorais ou simplesmente amorais (p.136).

O texto veio numa tentativa de demonstrar o por qu que o direito alternativo vem tendo uma aceitao considervel dentro da rbita dos pases subdesenvolvidos, mais especificamente o caso brasileiro. No tenta, contudo, solucionar o problema, mas alerta e demonstra que problemas so esses; sendo que, a resoluo dos mesmos ficam a cargo de debate no mbito da prpria sociedade.

iv. Novamente em grupos, discutam as seguintes questes:a. Quais as estratgias que JE utilizou na segunda verso que no estavam presentes na

primeira?b. Na sua opinio, qual das duas verses melhor? Por qu?c. Por que voc acredita que JE precisou fazer duas verses do mesmo fichamento?