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OURO PRETO EM TRÊS DÉCADAS: um estudo comparativo da paisagem urbana
REZENDE, Edson Fialho de. 1
1. Mestrando em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável pela Escola de Arquitetura da
Universidade Federal de Minas Gerais.
RESUMO A cidade de Ouro Preto, em Minas Gerais, tornou-se referência, ao longo do século XX, no que tange às políticas institucionalizadas de reconhecimento, valorização e proteção do patrimônio artístico e histórico no Brasil. Contudo, a cidade vem necessitando de avaliações acerca da eficiência dos órgãos de preservação e da adoção de processos que contemplem, de maneira mais integrada e participativa, os elementos formadores desse patrimônio cultural e suas variáveis. A partir de uma necessária revisão das posturas que abarcam os lugares de patrimônio e a sua preservação, o conceito de “paisagem” amplia os limites da materialidade e excepcionalidade do bem cultural e atinge um vasto espaço de integração do homem com o meio ambiente, considerando-se os múltiplos olhares, as intervenções voluntárias e a presença dos diferentes elementos que poderão construir uma identidade mais legítima e autônoma para essa sociedade. Ao apropriar-se dessa compreensão, o presente trabalho aspira a discutir alguns comportamentos observados em Ouro Preto após o ano de 1980 e atentar às possíveis perdas da identidade local e às suas consequências, visto que essa identidade age como instrumento primordial de salvaguarda desse vasto patrimônio material, imaterial e natural. Para o desenvolvimento da ideia, remeter-se-á às ocupações residenciais do conjunto arquitetônico civil da cidade elevada a Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade pela Unesco, elegendo-se como recorte espacial o trecho que perpassa a Rua Claudio Manoel, a Praça Tiradentes e a Rua Conde de Bobadela, denominada Rua Direita. De maneira ainda inicial, o estudo lançará um olhar sobre a paisagem urbana e cultural, concentrando-se em 56 edifícios datados a partir do século XVIII. Por meio da releitura de uma pesquisa que aborda o tema “arquitetura colonial”, realizada sob a orientação do professor da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Minas Gerais Ivo Porto de Menezes e desenvolvida com alunos do Instituto de Artes e Cultura da Universidade Federal de Ouro Preto no ano de 1987, a proposta será efetivar um levantamento comparativo sobre as alterações de usos ocorridas ao longo dos últimos quase 30 anos nos referidos edifícios. Como reflexão, o artigo deseja indicar alguns prováveis mecanismos de mutação da cidade que são induzidos por fatores econômicos, políticos e culturais, assim como os eminentes riscos de a paisagem urbana e cultural de Ouro Preto transformar-se em um palco teatralizado para a exploração turística.
Palavras-chave: Ouro Preto; paisagem urbana e cultural; identidade local.
4º COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
De Vila Rica a Ouro Preto: o reconhecimento da “genuína” cultura mineira
como patrimônio da humanidade
A ampla bibliografia existente sobre as primeiras ocupações de Minas Gerais trata,
primordialmente, das explorações auríferas ocorridas a partir do século XVII e constata que o
acontecimento foi decisivo para a expansão do Brasil nos âmbitos territoriais, econômicos,
culturais e sociais. Com a mesma importância, a historiografia afirma que a abundância do
metal dourado nos solos da colônia forneceu vantajosas perspectivas para a desmantelada
Metrópole à época e, consequentemente, para toda a Europa.
Reflexo de crises geradas pelo declínio das produções açucareiras no litoral nordestino e por
outras fraquezas de exploração, foram as Bandeiras Paulistas, grupos formados por homens
livres, escravos e índios procedentes da região de São Paulo, que penetraram pelo interior
das terras brasileiras a procura de ouro e pedras preciosas. As descobertas nos sertões do
Brasil colocaram a região no epicentro de prosperidade e conduziram para o seu espaço um
fluxo vertiginoso da população em busca de riqueza. A grandiosidade do fenômeno ocorrido
nas Gerais foi elucidada como o eldorado em terras americanas.
Os primeiros assentamentos nos sertões foram introduzidos de maneira agressiva e exigiram
uma organização física e social própria que apresentava ambiguidades diversas: era, ao
mesmo tempo, única e hibrida; sólida e frágil; próspera e adversa. O fato demandou dos
desbravadores bandeirantes o domínio sobre as intempéries da natureza selvagem, que,
após ser domesticada, constituiu a paisagem natural de sobrevivência desses homens,
passando do espaço improvisado ao permanente. Nos primeiros anos dos Setecentos os
núcleos de povoamentos, condicionados aos locais de mineração e à topografia, já ditavam os
contornos das ocupações territoriais e iniciava-se a formação dos Arraiais com as construções
dos ranchos em volta de uma pequena capela. Nos pilares dessa estrutura colonial, a Igreja
teve papel fundamental na propagação ideológica da Coroa, e, juntas, determinavam uma
ordem colonizadora para o corpo e para a alma daqueles presentes ao meio caótico de uma
civilização ainda em formação.
A Igreja, através de seus representantes, se fazia presente nas bandeiras, plantando, com a construção de templos, os marcos da obra de colonizadora, antes mesmo da Coroa. Erguidas quase que simultaneamente às descobertas do ouro, as capelas figuravam como expressão de permanência e assentamento no espaço em meio a um processo de ocupação marcado pelo efêmero e pelo desapego ao lugar. (ANASTACIA; JULIÃO; LEMOS, 1999, p. 37)
4º COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
Em 1711, com a instalação das estruturas administrativa, judiciária e fiscal pela Coroa
Portuguesa na Colônia, são elevadas as primeiras vilas: Vila do Carmo (Mariana), Vila Rica
(Ouro Preto) e Vila do Sabará (Sabará) (FONSECA, 2011, p.144). Ainda no mesmo período,
outras povoações foram elevadas ao foro de vila, encrustando na região mineradora o que
viria a se chamar de Minas Gerais.
Vila Rica – objeto deste estudo – foi um importante centro para a formação da identidade
mineira, pois, a partir da junção dos dois arraiais mais importantes, Antônio Dias e Ouro Preto
do Pilar, o espaço caracterizou a representação de uma sociedade sob a égide de tensões,
conflitos e “acordos” entre as ordenações e decisões das autoridades externas, mas, também,
sob as escolhas e codificações da comunidade local (MENICONI, 1999, p.36). Com a criação
da Capitania de Minas Gerais em 1720, sendo Vila Rica a capital, a paisagem ganhou
elementos fundamentais para a sua configuração em meio às edificações oficiais, militares ou
religiosas (ANASTACIA; JULIÃO; LEMOS, 1999, p. 59). A vila se confirmou como local do
poder colonial com a instalação da Casa de Câmara e Cadeia, do Palácio dos Governadores
e do Pelourinho e, consolidou-se como polo de diversidade cultural marcado pela
miscigenação e adensamento do espaço urbano em pleno sertão do Brasil. Após a fase de
assentamento permanente e a estabilização dos núcleos familiares, os trechos de passagem,
os becos e as vielas se configuraram ainda mais com as construções e refazimentos de
casas, instalações de comércios e implantações de estruturas para a manutenção do local,
como os chafarizes, as pontes e as aberturas de novas vias. Conforme apresentado por
Lemos; Martins; Bois (2006) sobre a formação da malha viária de Vila Rica:
Vários caminhos foram gradativamente se instituindo na malha em formação, conformando suas primeiras hierarquias viárias. A estrada-tronco tornou-se a mais importante, uma vez que interligava as matrizes do Pilar, de Antônio Dias e de Santa Efigênia, funcionando como o espaço central de uma malha rizomática que se conurbava a partir dos principais arraiais – Padre Faria, Antônio Dias, dos Paulistas, Santana, Taquaral, Bom Sucesso, São João e Ouro Podre. Posteriormente denominada Rua Direita, suas ramificações expandiram-se ruma a Antônio Dias e Padre Faria através de inúmeras ruas, becos, travessas e pontes. (LEMOS; MARTINS; BOIS, 2006, p.3)
O desenvolvimento da vila esteve intimamente ligado à exploração aurífera com a presença
marcante da Coroa e da Igreja. Ressalta-se que as circunscrições da paisagem de Vila Rica
se devem muito à formação das associações religiosas e dos artífices. Pois, responsáveis
pelas normas de conduta dessa sociedade, transcenderam o imaginário da população com a
opulência estrutural das igrejas no espaço físico e demarcaram uma paisagem autêntica por
meio da arquitetura religiosa, da pintura, da escultura; das formas de viver, fazer e ver; e, pelo
acabamento final do desenho urbano local.
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Contudo, já na primeira metade do século XVIII, as reservas auríferas começaram a
apresentar seu esgotamento; mas, o declínio não significou o término de expansão social e
cultural para essa sociedade. A crise econômica mineradora e as abusivas arrecadações
tributárias impostas pela Coroa geraram movimentos políticos por parte da elite e dos
populares, com ideologias e ativismos, ao longo do período. A Conjuração Mineira de 1789
teve a sua expressividade no legado a Minas Gerais em virtude da sentença de expulsão dos
inconfidentes para a África e do enforcamento do líder Joaquim José da Silva Xavier, o
Tiradentes.
O século XIX foi marcado pela chegada do Império, que definiu outra fase à antiga Vila Rica,
naquele momento capital da Província de Minas Gerais, com o título de Imperial Cidade de
Ouro Preto. Para potencializar a frágil representação econômica da capital, que sofrera com o
declínio da exploração aurífera anunciada no século anterior, diferentes meios de
subsistência irão configurar a paisagem da cidade com as fortes presenças da administração
pública, do comércio e das atividades rurais. Na tentativa de modernização, algumas
construções em estilo eclético substituem as tradicionais edificações coloniais e iniciam-se
novas expansões urbanas, calçamentos, arborizações e a implantação da linha férrea, da
infraestrutura telefônica, do telégrafo e da iluminação. A cidade irá se consolidar como centro
de formação e estudo com as implantações da primeira instituição de ensino superior na área
farmacêutica da América Latina, em 1839, e a primeira escola de Engenharia de Minas e
Metalurgia do Brasil, em 1876.
A partir do advento da República, com as mudanças de comportamentos geradas pelos ideais
positivistas e cientificistas e a transferência da capital para a moderna recém-criada Belo
Horizonte em 1897, Ouro Preto é deixada ao abandono para aqueles que não tiveram a sorte
de acompanhar a administração pública do estado. Com o esvaziamento humano de
aproximadamente 50% da população e com reduzidos investimentos financeiros para a sua
manutenção, a cidade viveu seu segundo declínio econômico e estancou as transformações
físicas da paisagem urbana. Os casarios, as igrejas, as pontes, os chafarizes e os
arruamentos mantiveram-se por algumas décadas a favor de um ambiente estagnado que
sustentou os diversos elementos da cidade hoje apreciada.
A vida sociocultural e econômica do Brasil no século XIX foi fortemente assinalada pela vinda
da Família Real em 1808, pela Independência em 1822 e implantação da República em 1889,
fatos que fizeram surgir outras formas idealizadas na construção da nação, diferentes
daquelas do período colonial. Marcados pelos processos de modernização, apenas alguns
fragmentos isolados remanescentes da cultura material dos séculos XVIII e XIX foram
deixados à posteridade, e, como paisagens urbanas mais longínquas, restaram as cidades
preservadas do período Ciclo do Ouro em Minas Gerais.
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As ações de preservação em Ouro Preto, por meio do reconhecimento dessa como alicerce
para a memória e identidade do país, tiveram início, efetivamente, com a criação do Arquivo
Público Mineiro em 1895; com as comemorações do bicentenário de Ouro Preto no ano de
1911 e suas publicações sobre as significantes manifestações artísticas e culturais; e com o
Movimento Modernista da década de 1920, que, no sentido de encontrar uma expressão para
a identidade nacional, descobriu em Minas Gerais e nas suas cidades históricas o depositário
de um patrimônio representativo de uma cultura denominada de “genuinamente brasileira”.
O interesse do grupo Modernista pelas cidades históricas de Minas começa dois anos após a Semana de Arte Moderna, em 1924, quando, acompanhando Blaise Cendrars, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Mário de Andrade, Paulo Prado, D. Olívia Guedes Penteado e outros visitaram as cidades históricas de Minas Gerais, na famosa “viagem de redescoberta do Brasil”. [...] O Modernismo assumia a sua contradição essencial: na busca do novo, encontrava, através do velho, uma identidade genuinamente brasileira, encontrava uma tradição brasileira – no presente, o passado. À medida que o conjunto arquitetônico barroco era valorizado, a relação dos artistas brasileiros com o modelo europeu ia sendo revista. (FRANCO, 2013, p. 212)
Em 1933, Ouro Preto é elevada à condição de Monumento Nacional e devido ao seu
expressivo conjunto arquitetônico e urbanístico histórico, passa a exigir providências como
forma de garantir a integridade da paisagem urbana dos agentes de degradação e
transformação, humano e natural. Dá-se o início da institucionalização dos órgãos oficiais de
proteção por parte do Governo Federal e as aplicações das políticas de recuperação,
manutenção e exploração da cidade transcorre pelo século XX entre as oscilações políticas e
econômicas pertinentes à história da sociedade brasileira.
Frente ao contexto político-econômico e cultural, o turismo de lazer inicia a sua fase de
ampliação no país e Ouro Preto é reconhecida como importante centro de visitação para
aqueles interessados em arte, história, arquitetura, dentre outras áreas do conhecimento.
Posturas individuais e coletivas são lançadas sobre a paisagem urbana ao perceber a
potencialidade exploratória de uma cidade considerada admirável e singular pela
autenticidade artística e cultural. Conforme apresentado por Natal (2007):
[...] reforçam-se os discursos em prol do turismo. Ouro Preto e demais cidades históricas mineiras, como Mariana, Sabará e Diamantina, começam a ser qualificadas como redutos turísticos, onde a economia do turismo poderia encontrar grandes rendimentos. Na década de 1930, surgem, então, os primeiros guias turísticos de Ouro Preto, como os escritos por Manuel Bandeira e Afonso Arinos de Mello Franco (BANDEIRA, 2000; FRANCO, 1937). Em 1938, o governo de Minas Gerais e a prefeitura de Ouro Preto, representados respectivamente pelo governador Benedito Valladares e pelo prefeito Washington de Araújo Dias, resolvem construir um hotel na cidade. Visando incentivar o turismo, o poder público financia, com o apoio técnico do
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SPHAN, a construção do Grande Hotel de Ouro Preto, obra finalizada em 1940 no terreno localizado acima da Casa dos Contos, seguindo o projeto
arquitetônico de Oscar Niemeyer. (NATAL, 2007, p. 167)
Em 1980, a UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
dá a Ouro Preto o título de Cidade Patrimônio Cultural da Humanidade como estratégia de
proteção da opulência cultural e dinâmica territorial. O título acentua mais a visibilidade da
cidade que passa a acompanhar as mudanças do mercado turístico mundial. Tomada pelo
público visitante de origem nacional e internacional, Ouro Preto sobrevive de forma natural e
significativa com os elementos da civilização globalizada que, inevitavelmente, poderá
estimular a perda da identidade caracterizada como “genuinamente mineira”, associando-se
ao processo de efemerizo e homogenia cultural marcado pela sociedade moderna.
A cidade e os edifícios na representação da identidade local
As ações de preservação do patrimônio no Brasil ainda são geridas por definições de normas
e fiscalização de procedimentos elaboradas, quase exclusivamente, pela administração
pública federal. Desde a introdução da política no país, nas décadas de 1920 e 30, a
população tem ficado à margem das discussões sobre os processos de apropriação,
identificação e proteção dos bens considerados representativos de sua identidade
(Gonçalves, 2002; Castriota, 2009). Como lugar-comum, os problemas pertinentes aos
fatores socioeconômicos que comprometem a estrutura educacional da sociedade brasileira
se fazem presentes e contribuem com o enorme desafio de eficácia da área. Portanto,
sabe-se que a presença reflexiva e atuante da sociedade civil é fundamental e se torna cada
vez mais necessária, principalmente no que tange à amplitude de interfaces estabelecidas
pelos conceitos de “Patrimônio”, “Identidade Cultural” e suas respectivas potencialidades para
as transformações sociais.
Assim, a cidade, como obra e produto do homem na paisagem fornece referências culturais e
colabora na condição de princípios do legado “Patrimônio” para a formação e autonomia do
cidadão. Cabe àqueles que dela participam o reconhecimento dessa herança construída
pelas experiências ao longo do tempo, identificando-a como espaço de produção do
conhecimento, de relações culturais e justiça social. A preservação de uma cidade necessita
ir além de discussões que abarcam a manutenção dos bens materiais e realizar a ampliação
do pensamento enquanto política de proteção dos lugares de afirmação do sujeito em seu
território.
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Se o entendimento sobre as razões para a preservação de referência do passado forem realmente compartilhados com todos os envolvidos, certamente o comprometimento com a tarefa de preservar será significativamente maior. Se se entender que esse processo é dinâmico, e não estático, que todos participam de um caminho, de uma trajetória histórica de evolução e desenvolvimento, a preservação terá outra abordagem. E, se se percebesse que a utilização desses bens pode e deve propiciar benefícios para toda a população envolvida, através de dinamização econômica e social, mais tranquilo seria o processo de apropriação por todos os envolvidos. (SIMÃO, 2013, p. 50)
Ouro Preto, cidade Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade, é usufruída por visitantes
e pesquisadores como local de referência da cultura brasileira. Entre parcerias, conflitos e
resistências, a cidade possui expressivo interesse turístico e explora suas potencialidades
conforme os pensamentos atuantes do mundo moderno ao “afirmar que o Turismo é, em certo
sentido, o instrumento que serve de veículo à reabilitação das culturas, contribuindo em
grande medida para a sua difusão mundial”. (BENI, 1998, p. 86 apud SIMÃO, 2013, p. 79)
Portanto, nas últimas décadas, percebe-se que a paisagem urbana no centro histórico é
acometida por alterações pouco debatidas pelos órgãos de gestão e pelo próprio sujeito
ouro-pretano, conforme exemplos do esvaziamento humano nos edifícios destinados às
residências e dos espaços de socialização que intervêm cada vez menos na vida do cidadão
local. Este, estimulado a ceder seus lugares de vivência aos interesses do mercado turístico é
conduzido a deixar de compartilhar, paulatinamente, na construção de valores sociais e
culturais dessa sociedade para viver experiências condizentes a cidades de médio e grande
porte em bairros isolados, condomínios, periferias ou ambientes menos privilegiados pela
beleza e representação do patrimônio histórico e artístico. Reforça-se que tal processo
deverá, urgentemente, integrar as políticas oficiais de preservação da cidade, pois, registra-se
que o cidadão ouro-pretano enquanto elemento primordial para a salvaguarda está se
distanciando da construção da paisagem urbana e utilizando-a menos como referência de sua
própria identidade.
Quando o homem se defronta com um espaço que não ajudou a criar, cuja história desconhece, cuja memória lhe é estranha, esse lugar é a sede de uma vigorosa alienação. Mas o homem, um ser dotado de sensibilidade, busca reaprender o que nunca lhe foi ensinado, e vai pouco a pouco substituindo a sua ignorância do entorno pelo conhecimento, ainda que fragmentário. O entorno vivido é lugar de uma troca, matriz de um processo intelectual. (SANTOS, 2002, p. 81 apud RIBEIRO; SIMÃO, 2015, p.3)
O objetivo desta análise é enfatizar, de maneira pontual, como a paisagem urbana e cultural
de Ouro Preto tem sido agredida ao impulsionar as alterações de uso e ocupação dos seus
edifícios com as instalações de equipamentos e serviços voltados às necessidades turísticas
na região. O marco temporal para esta análise serão as últimas décadas do século passado
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até o atual, mais especificamente entre os anos de 1987 e 2016. As informações utilizadas
como fonte principal da presente análise fazem parte da produção acadêmica do curso de
pós-graduação Latu Sensu em Cultura e Arte Barroca do Instituto de Filosofia, Arte e Cultura
da Universidade Federal de Ouro Preto, datada do ano de 1987. Trata-se de uma atividade
acadêmica, não publicada, realizada por 22 alunos do curso, conforme nomes listados na
página de abertura e sob a orientação do professor Ivo Porto de Menezes1, responsável pela
disciplina da grade curricular intitulada Arquitetura Colonial.
A atividade acadêmica teve como proposta, percebida pelo autor desta análise, realizar um
estudo das técnicas construtiva e estilística de alguns edifícios do centro histórico da cidade a
partir dos seguintes itens: endereço, uso atual, época, descrição da testada, sistema
construtivo, cobertura, ilustração da fachada e observações. Registram-se na atividade 67
páginas numeradas, tendo as primeiras um texto sobre a formação urbana de Vila Rica no
século XVIII. A ilustração de cada edifício foi feita por croquis de maneira a efetivar o registro
iconográfico e o auxílio à leitura descritiva. Constata-se o levantamento de 58 edifícios
localizados entre a Praça Tiradentes, Rua Claudio Manoel (Rua do Ouvidor) e Rua Conde de
Bobadela (Rua Direita); importante recorte espacial, cerne do “Caminho Tronco”2 que possui
um conjunto exemplar da arquitetura mineira dos séculos XVIII e XIX. Ao apropriar do referido
conteúdo quase três décadas após a sua produção, acreditar-se-á na pertinência dos diversos
olhares sobre a mesma cidade pela ótica da valorização do acervo arquitetônico e urbanístico
para o patrimônio cultural brasileiro. Logo, como modelo de referência histórica para a
identidade nacional, há de se ater vigilância para essa paisagem urbana como elemento
primordial à identidade local.
1 Professor Emérito da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Minas Gerais.
2 Caminho Tronco é uma definição explicativa dada por Sylvio de Vasconcellos à evolução do traçado urbano linear
da antiga Vila Rica, atual Ouro Preto, que se inicia na localidade de Passa Dez, perpassando por toda a ocupação até o Bairro Alto da Cruz. Como via principal, o percurso possibilita atravessar a cidade entre as suas extremidades e acessar as ramificações geradas no tecido urbano por outras vias, ruelas e becos. Para o termo Caminho Tronco, ver: VASCONCELLOS, Sylvio de. Vila Rica: formação e desenvolvimento, residências. São Paulo: Perspectiva, 1977, p. 214 (Debates).
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Figura 1 e 2: Levantamento Arquitetônico do edifício localizado na Rua Claudio Manoel ( Rua do Ouvidor), n.º40.
Esta análise é voltada para os edifícios de propriedade particular, que tiveram na proposta
original de construção a ocupação única ou mista, ou seja, comercial, residencial ou
comercial/ residencial, tipologia construtiva comum à época:
Devido ao acentuado desenvolvimento comercial e consequente expansão da vila e incremento das técnicas construtivas, a alternativa de crescimento das residências seria vertical, dando origem ao sobrado, que, em alguns casos, teria seu segundo pavimento construído em cima da tipologia anterior, a casa terra. O sobrado, inicialmente, possuiria caráter unicamente residencial e posteriormente abrigará função de comércio, armazenamento ou depósito, ou até para abrigo de animais no primeiro pavimento, e moradia no segundo [...]. (SALGADO, 2013, p. 73)
A atividade acadêmica contemplou todas as construções localizadas na Praça Tiradentes –
17 edifícios e na Rua Claudio Manoel – 20 edifícios; na Rua Conde de Bobadela foram 19 dos
45 edifícios existentes. Assim, ressalta-se que esta análise foi realizada com base apenas nos
edifícios expostos na atividade referenciada e a metodologia de conferência dos dados aqui
apresentados ocorreu in loco, como identificação, descrição, ilustração e suas respectivas
ocupações no presente momento. Algumas informações foram providas pelos moradores
remanescentes e comerciantes da região por meio de conversas informais.
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A partir da compilação dos dados, passa-se de acordo com as tabelas, a realizar as análises
das seguintes informações:
Quantidade de edifícios analisados: 56 edifícios3.
Tabela 1 - Levantamento de dados referentes aos edifícios e suas ocupações nas respectivas épocas
3 Não foram contemplados na análise os edifícios presentes na atividade acadêmica correspondente à
Câmara Municipal de Ouro Preto e ao Centro Acadêmico da Escola de Minas – CAEM, pois, tais prédios tiveram na proposta de construção original no século XVIII e XIX, abrigar a Casa de Câmara da Província e o Fórum. 4 De acordo com a análise da atividade acadêmica, percebe-se que as épocas de construções foram identificadas
a partir do levantamento de elementos construtivos e estilos arquitetônicos. No entanto, algumas datações levantam dúvidas sobre as suas corretas identificações, devendo esse assunto ser tratado posteriormente. 5 C refere-se à ocupação com uso comercial; R refere-se à ocupação com uso residencial; e C/R refere-se à
ocupação com uso comercial e residencial, denominado de Sobrado. * Faz referência ao imóvel que se encontra sem ocupação comercial ou residencial. 6 Escritório Técnico do IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em Ouro Preto.
7 FIEMG - Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais.
Número Época de construção/
Século4
Ocupação original
5
Ocupação em 1987
Ocupação em 2016
Resultado
Praça Tiradentes
1 44 XIX C/R C C Comercial 2 52/54 XVIII/XIX C/R C C Comercial 3 58/60/62 XVIII/XIX C/R C C Comercial 4 64/68 XVIII/XIX C/R C C Comercial 5 S/Nº XVIII/XIX C/R C C Comercial 6 70/74 XVIII/XIX C/R C C Comercial 7 84 XIX C/R C C Comercial 8 116/120 XVIII/XIX C/R C/R C/R Comercial/
Residencial 9 112/114 XIX C/R C/R C Comercial
10 122/124 XVIII/XIX C/R C C/R Comercial/ Residencial/
vago* 11 130/132 XIX C/R C C Comercial 12 128/134 XVIII/XIX C/R C C Comercial 13 140 XVIII/XIX C/R C C Comercial 14 33 XVIII/XIX R C C Institucional
6
15 S/Nº XIX C/R C C Institucional7
16 95 XIX R C C Comercial 17 95A XVIII R C C Comercial
Rua Cláudio Manoel
18 10/14 XVIII C/R C/R C/R Comercial vago*/
Residencial / vago*
19 16/18/20 XVIII C/R C/R C Comercial
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8 Secretaria Municipal de Turismo, Indústria e Comércio – Prefeitura Municipal de Ouro Preto.
20 22/26 XVIII C/R C/R C Comercial 21 28/32 XVIII C/R C/R C/R Comercial/
Residencial 22 47/51 XIX C/R C/R C/R Comercial/
Residencial 23 61 XVIII R C C Institucional
8
24 77/85 XVIII R R R Residencial 25 89/91 XVIII R R R/C Comercial/
Residencial 26 93 Sem
datação R R R Residencial
27 97 XX R R R Residencial 28 113 XVIII R R C Comercial 29 129 XX R R R República
UFOP 30 21/23/27 XVIII C/R C/R C Comercial 31 31/35 XVIII C/R C C/R Comercial/
Residencial 32 40 XVIII C/R C/R C Comercial 33 96 XVIII/XIX R R R Residencial 34 110 XVIII R R R Residencial/
vago* 35 116/118 XVIII R R R Residencial/
vago* 36 130 XVIII R R C Comercial 37 138 XVIII R R R Residencial
Rua Conde de Bobadela
38 4/6/8/12 XVIII C/R C/R C/R Comercial/ Residencial
39 24 XIX R R C/R Comercial/ Residencial
40 26 XIX C/R C/R C/R Comercial/ Residencial
41 32/36 XIX C/R C/R C Comercial
42 40 XIX C/R C/R C Comercial
43 42/48 XVIII C/R C C Comercial
44 60 XVIII C/R C C Comercial
45 64/62/62a XIX C/R C/R C/R Comercial/ Residencial
46 68/72/76 XIX C/R C/R C/ R Residencial/ vago*
47 80 XIX C/R C/R C Comercial
48 19/21 XIX R C/R R Residencial
49 27/31 XVIII C/R C/R C/R Comercial/ Residencial
50 41/33 XVIII/XIX C/R C/R C/R Residencial/ vago*
51 55/59/63 XVIII C/R C/R C Comercial
52 65 XIX R R C Comercial
53 79 XVIII/XIX C/R C/R C Comercial
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Elaborada pelo autor, 2016.
Tabela 2 – Levantamento quantitativo referente às ocupações dos edifícios em suas
respectivas épocas e localização
Praça Tiradentes Ocupação Original Ocupação 1987 Ocupação 2016
Comercial/Residencial 14 2 2 – 1 vago Comercial - 15 15 Residencial 3 - - Número de edifícios analisados: 17
Rua Cláudio Manoel Ocupação Original Ocupação 1987 Ocupação 2016
Comercial/Residencial 8 7 5 – 3 vagos Comercial - 2 7 Residencial 12 11 8 Número de edifícios analisados: 20
Rua Conde de Bobadela Ocupação Original Ocupação 1987 Ocupação 2016
Comercial/Residencial 15 13 8 – 4 vagos Comercial - 2 9 Residencial 4 4 2 – 1 vago
Número de edifícios analisados: 19
Elaborada pelo autor, 2016.
A partir dos edifícios contemplados pela análise, pode-se ponderar que as alterações
ocorridas nas formas de ocupações dos edifícios no centro histórico de Ouro Preto nas últimas
décadas refletem de maneira significativa a fragilidade de manutenção da identidade local e,
portanto, da paisagem cultural da cidade. As condutas da população em não integrar a
construção dos espaços comprometem as qualidades de transformá-los em parte integrante
da sua identidade social e cultural, e assim, de protege-los com referências. Entre os anos de
1987 a 2016 observa-se um número considerável dos lugares de habitação familiar
transformados em equipamentos e serviços voltados ao turismo, como comércios diversos,
hospedagem e alimentação. Dos 22 edifícios com uso misto averiguados no ano de 1987,
apenas 15 permanecem na função de comercial e residencial, mas, somente 7 possuem
famílias que habitam o endereço. Além disso, entre aqueles 15 edifícios identificados na
época apenas à residência, restam 10, permanecendo um sem ocupação. Assim, conclui-se
que, das 37 residências habitadas no ano de 1987, somente 16 se ocupam com famílias
54 85 XVIII R R R Residencial/ vago*
55 95 XVIII/XIX C/R C/R C/ R Residencial/ vago*
56 101/103 XVIII C/R R C Comercial
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salteadas entre elas no percurso urbano dessa análise, confirmando o esvaziamento humano
estável na região.
A atenção da análise também é voltada para o aumento dos edifícios modificados que
passaram a atender, tão-somente, ao comércio. Dos 19 edifícios existentes somente com
essa função em 1987, atualmente esses ocupam 32 que respondem quase exclusivamente às
necessidades do turismo. Para esse ocorrido, os espaços destinados originalmente às
residências, com características peculiares das construções dos séculos XVIII e XIX sofrem
as intervenções estruturais, algumas de maneira irregulares, na função de cumprir as
expectativas determinadas pelo mercado globalizado. Tais condutas contribuem nas
restrições sociais à população local em ser sujeito partícipe da construção da paisagem
urbana e cultural. As práticas cotidianas do morador com a cidade, percebidas nas relações
de vivência dos espaços privados e públicos, instrumento primordial para a salvaguarda do
patrimônio e de alimentação da genuína identidade daqueles que vivem os lugares
agraciados pelo prestígio e peso da cidade patrimônio são esvaziados de sua competência de
referência cultural e de memória coletiva e são ininterruptamente solapadas para o
favorecimento de um estilo de vida internacionalizado. (ZOLINI, 2007, p.159).
Considerações Finais
São inesgotáveis as formas de compreender as potencialidades e as fragilidades de uma
cidade, pois essa carrega na sua condição de obra e produção humana as experiências da
construção permanente, da mutação incessante e do inacabado. Dessa mesma forma, não se
pretende aqui findar a discussão sobre as leituras do centro histórico de Ouro Preto no que
tange à proteção ou perda da identidade do cidadão local circunscritas nas formas de ocupar
e usufruir do patrimônio arquitetônico, urbanístico e de toda a paisagem cultural. Ao se
compreenderem a cidade pelos conflitos socioeconômicos com as políticas institucionalizadas
de salvaguarda do patrimônio e o processo exploratório do turismo, deve-se ocupar, também,
com a sensibilidade daqueles que no silêncio a constroem como espaço de formação do
sujeito, de justiça social, de identidade, de memória e, assim, garantir o direito de nela viver.
O direito à cidade não pode ser concebido como um simples direito de visita ou de retorno às cidades tradicionais. Só pode ser formulado como direito à vida urbana, transformada, renovada. Pouco importa que o tecido urbano encerre em si o campo e aquilo que sobrevive da vida camponesa conquanto que o “ o urbano”, o lugar de encontro, prioridade do valor de uso, inscrição no espaço de um tempo promovido à posição de supremo bem entre os bens, encontre sua base morfológica, sua realização prático-sensível. O que
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pressupõe uma teoria integral da cidade e da sociedade urbana que utilize os recursos da ciência e da arte. (REZENDE; SIMÃO, 2014, p. 3 apud LEFEBVRE, 2001, p. 117)
A análise realizada sobre a transformação dos usos e ocupações dos 56 edifícios localizados
no centro histórico entre o período de 1987 a 2016 ilustra a dinâmica das cidades frente ao
contexto da produção capitalista. O número representativo de comércio que surge na região
voltado ao turismo, as transferências das habitações familiares para localidades distantes e
periféricas e os reduzidos espaços de integração social para a comunidade promovem a
existência de um distanciamento cada vez maior entre o cidadão e a cidade. Conduzido pela
áurea e fetiche da patrimonialização, efervescido pelo mercado exploratório imobiliário e pela
fragilidade econômica da população local de sobrevivência na região em virtude dos elevados
custos de manutenção, tal fenômeno gera o esvaziamento humano e permanente da
população nessa região e, consequentemente, restringe o direito de uso pelo cidadão.
O turismo se tornou um segmento importante para a economia local, fonte de sobrevivência e
garantia na qualidade de vida para aqueles que direta ou indiretamente fazem parte do
processo. Contudo, se torna necessário conhecer as contradições inseridas nas práticas de
exploração turísticas das cidades patrimoniais, pois, ao se fornecerem importantes
componentes ao desenvolvimento econômico do país, oferecem-se desafios de ordem
sustentável para as relações da população com as diversidades de interesses. Decorrente
desse processo e “ao lado das facilidades geradas de conhecimento e relacionamento entre
pessoas diversas, podem surgir situações de insatisfações e rivalidades; que, ao lado das
possíveis ricas trocas culturais, podem conviver relações que resultem na degradação ou
extermínio da cultura local” (SIMÃO, 2013, p.105).
Tratar a paisagem cultural do centro histórico de Ouro Preto como elemento fundamental para
a identidade local é, sem dúvida, reconhecer todas as culturas transversais que alimentam a
vida urbana em suas variáveis, sejam de apropriação, sejam de exploração; é ponderar sobre
o papel da inalterabilidade da matéria frente às transformações da vida e aplicar ações
coerentes para que o cidadão participe de maneira autônoma na composição dessa estrutura
social. É necessário pensar a cidade como mecanismos complexos que exigem gestões
urbanas que potencializem as atividades econômicas, respeitando as diversidades e as
especificidades; que promovam o compartilhamento e a flexibilidade das práticas
independentes dos interesses particulares e abusos de poder; e que promovam a plural
vitalidade dos cidadãos para o reconhecimento, a apropriação, a proteção e a utilização do
patrimônio como referência cultural. A dinâmica da cidade histórica e turística como
representação da identidade local deve se construir com base nos diálogos entre as políticas
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que problematizam as injustiças, garantem os acessos e que tornam os espaços significados
para a memória individual ou coletiva. Para o cidadão ouro-pretano, o direito à cidade
patrimônio não deve se restringir à materialidade posta em edifícios, em traçados urbanos e
suas excepcionalidades, mas em construir com as relações da vida cotidiana, as
interferências, as transformações e as possibilidades de participar, integralmente, dessa
paisagem.
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