Upload
others
View
1
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
Outrasgeografiasemliteraturasdefronteira
CarlosGarciaRizzon
ProfessorAdjuntodaUniversidadeFederaldoPampa,CampusJaguarao.Email:[email protected]
Recebidoem04/2012.Aceitoparapublicaçaoem12/2012.
Versaoonlinepublicadaem01/02/2013(http://seer.ufrgs.br/paraonde)
ISSN19820003ParaOnde!?,Volume6,Numero2,p.114124,jul./dez.2012InstitutodeGeociencias,ProgramadePosGraduaçaoemGeografia,UniversidadeFederaldoRioGrandedoSul,PortoAlegre,RS,Brasil.
Resumo:Em abordagem interdisciplinar, este artigo trabalha com dados historicos para focalizartemasdesenvolvidospelaficçaorealizadaporescritoresbrasileiroseuruguaios,apresentandoumaconcepçaodefronteiraeseureconhecimentoatravesdetextosliterarios.Dessaforma,evidenciaqueoprocesso historico da conformaçao da fronteira entre Brasil e Uruguai configura um espaçoheterogeneo,apresentandomarcasimbricadasdeidentidadeealteridade.
Palavras-chave:Espaço.Fronteira.Geografia.Historia.Literatura.
-114-
“Nósnãosomosnós,masnosotros,nósoutros,nós-nos-outros.”
AldyrGarciaSchlee
OlimiteentrearegiaosuldoBrasileoUruguaitemumpassadodemovimento,tendosidoidentificadoemdiferenteslugaresnotranscursodostempos.Essehistoricoconfiguraumafronteira permeavel, onde um e outro dessespaısespossuemmarcasimbricadasdeidentidade e alteridade. Caracterizando um territorioabertoainterferenciaeaosinfluxosdevariadascontribuiçoes culturais, a fronteira constituiseemumentrelugar,ondeaporosidadeeotransitoque lhe sao proprios operam constantes movimentosdeexpansaoeretraçao.Assim,conformaumterritoriohıbrido,ondeummesmoaspecto–alinguagem,porexemplo–podeproporcionarrelaçoesdeaproximaçaoedistanciamentocomoOutro. Dessa forma, e possıvel compreender anoçao de fronteira como um espaço multiplo,mestiçoeheterogeneo,marcadopelaspresençasdasdiferençasqueafirmamlugaresdecontatoeinterrelaçao.
AhistoriadaconfiguraçaodoqueehojeafronteiraentreBrasileUruguainascecomoTratadodeTordesilhas,em1494,umacordoentre
PortugaleEspanhaquedeuinıcioaumasagadedisputas entre os reinos ibericos da qual asnaçoesindependentesamericanasseraoherdeiras.Issoporqueotratado,apesardedeterminarumaimaginarialinhadivisoriatraçadanamedidade370leguasapartirdoarquipelagodeCaboVerde, era repleto de indefiniçoes. A propriamedida de legua era, na epoca, variada, poismudava conforme cada piloto navegador. Issoprovocouquenuncasetenhadefinidoumtraçadounico,reconhecidotantoporEspanhaquantopor Portugal. Assim, em 1680, sentindose noseudireito,Portugalfunda,asmargensdoriodaPlata, a guarniçao de Colonia do Sacramento.Para Espanha, isso representou uma invasao,mas para Portugal era nada mais que tomarpossedeumterritorioquelhepertencia.Apartirdeentao,umaseriedeocupaçoesautodeclaradaslegıtimaseacusaçoesdeusurpaçoesdeterritoriosforamconstantesdeumaparteedeoutra.E� evidente que, mais do que qualquer calculomatematico e mediçao, o que prevaleceu nasdisputas daquele momento foram o desejo e asoberaniadanavegaçaodosriosquedavamacessoasminasdeouroepratanoAltoPerue,posteriormente, a exploraçao e comercializaçao docourodosrebanhosdegadobravioquesealastroupelopampaaposachegadadoscolonizadoes.Alemdisso,eraumaregiaoestrategica,pois
-115-
Para los portugueses la cuenca delPlata tenıa una doble significacion:comozonatempladapodıaconstituirseenelgranerodelasopulentaszonastropicales; y, geograficamente, era nosolo el resguardo y apoyo necesarioparaelavancepaulistanohaciaeloeste,sinoque,sinelPlata,elBrasilerauncolosoconpiesdebarro,puescarecıadevıasdeaccesofacileshaciaelinterior.ParaEspana,eraelflancovulnerable de su imperio, ruta atlantica delPeru; y, en particular, para BuenosAiresySantaFe,laBandaOrientalerayalagranbasedesubeneficioeconomico.ElpleitodelaColoniafue,porlotanto, el conflicto esencial de los dosimperiosibericosenSudamerica.( R E Y E S A B A D I E ; B R U S C H E R A ;MELOGNO,1970,p.22)
DisputaspolıticasdosreinospeninsularesnaEuropatambemdeterminarampugnasnascoloniasamericanas,eadelimitaçaodessesterritoriosfoi redefinida, a cada mudança conjuntural, porvarios outros tratados, como o de Utrecht, em1715;odeMadri,de1750;odeElPardo,de1761;ode Santo Ildefonso, de 1777, e o de Badajoz, de1801,todosnoperıodocolonial.EntreBrasileUruguai,comonaçoesindependentes,foramfirmadososTratadosdeLimites,de1851,eodasA� guasdalagoaMirimedorioJaguarao,de1909.Comoconsequenciadosdiferentesacordos,grandepartedoRioGrandedoSuljapertenceuacoroaespanhola,assimcomotodooterritoriouruguaiojafoibrasileiro.
TalvezomaispeculiardetodosostratadostenhasidoodeSantoIldefonso,poisporesseacordosurgiuumaregiaotornada“terradeninguem”equepassouparaahistoriacomonomede“CamposNeutrais”. A proposta dessa area era dificultar ocontrabando,noentantoseuefeitofoiaocontrario,redundandoemumincrementodocomercioclandestino,pois,comoanalisaSusanaBleildeSouza,
A fronteira para seus homens naopodia ter o carater de um limite, damarca divisoria entre dois estranhos.Aocontrariodeoutrasfronteiras,adosuldocontinentefoiambitofrequentado,mundoderelaçaocontınuaeprolongada. A propria transumancia dogado,espontaneaouativadapelochan-gador,levouainterrelaçaodeterritoriosepovos,aocontrariodoquedesejavamaschancelariasdasmetropolescoloniais.Foiomundodocontrabando,
dointercambioedonegocio,daverdade geografica em contradiçao com anormalegal.(inCASTELLOetal.,1995,p.129)
EsseespaçodetransgressoestemservidoparaambientarmuitasdasobrasliterariasproduzidasporescritoresdosdoisladosdadivisaentreBrasileUruguai.Otemadecontrabando,trazendoangustias,medos,coragem,perigo,violencia,corrupçaoemuitosoutrosdramasquecercampersonagens que vivem na fronteira, ja foi explorado,entreoutros,porautorescomoosriograndensesJoaoSimoesLopesNeto,DarcyAzambuja,SergioFaraco e Tabajara Ruas; e por uruguaios, comoJulianMurguıa,SerafınJ.Garcıa,JulioC.daRosaeMarioArregui.TambemnaproduçaodouruguaioJoseMonegalsaorecorrentesosconflitosgeradospelatensaoentreolegaleacontravençao,etenuessaoasdiferençasentreoquesejacertoouerrado.Em “Renuncia del comisario Portela y del caboLapuente”, por exemplo, como o proprio tıtuloanuncia,atematicadocontogiraemtornodeoficiaisquedesistemdaperseguiçaodeumforadaleiqueviviadocontrabandopornecessidade,comoatestaseudepoimento:
Porque en la ultima estancia dondetrabaje,elpatron,queeselgringoPadula,nosibasacandolavidaajuerzadehacernoscimbrarellomoenelcampo,padispuesencontrarunpocodeaguasuciayunastajadasdecharqueen lamesa. Yo compro y vendo, capitan,pasando por arriba de unos hombrespatentaos, que algunas veces se hanarreglaoconmigo.Yotrabajo,capitan,yen ese trabajo dentran el sudor y elarriesgue; pero mis hijitos estan gordosymimujercontenta.Yyosoylibredediryvenir,ydenoaguantarcaprichosymiseriasdeningunmandon,queesos sı deberıa n estar juera de la ley,pues por cada barril o fardo que yopaso ellos pasan rodeos enteros. ¡Yosoy un hombre, capitan, y tengo verguenza!(MONEGAL,1993,p.5960)
No final, Portela e Lapuente, convencidosdequeaatividadeilıcitadocontraventor,naquelecontexto,eraaalternativaparaumavidademelhorsorte,abandonamseuscargosparasejuntaremaocontrabandista:“UnahoradespueslostrespasabanlaPicadaSucia,rumboaBrasil.”(ıdem,p.60)
Situaçoes como essa conferem perceberqueapraticadocontrabandolevaaqueseconsidereunacoexistenciadoconflituosocomopermiti
do,pois
representa, ao mesmo tempo, anormalegalvigenteeatransgressao,avontadepublicaeavontadeprivada,osocialmenteinstituıd oeoqueesancionado pela pratica reiterada.Nao existem fronteiras sem contrabando,essaespeciedetrocas,detransaçao comercial onde opoemse osvalores dos indivıduos contra os dasociedade,aomesmotempoemqueestabelecem novas regras de convivenciasocial;estasadquiremforosdelei, invadem e transformam as relaçoesnaesferadocotidiano.[…]Assim,aoinstitucionalopoeseocotidiano,plasmandosenaliteraturaotiporegionalefronteiriçopresentenaficçaodeescritoresqueconcebemapersonagemnaoapenascomooquetransgrideasleis,mascomocidadaoqueexerceumofıcio,sofreperseguiçoeseinjustiças,revelandoavisaodeumcotidianodesobrevivencia.(MASINAinCASTELLOetal.,1995,p.165;167168)
Essas afirmativas se confirmam porque,como apresenta Simoes Lopes Neto no conto“Contrabandista”,ocomercioilegalaparececomopraticahistorica:
NestaterradoRioGrandesempresecontrabandeou, desde em antes datomada das Missoes. Naqueles temposoquesefaziaerasemmalıcia,emais por divertir e acoquinhar asguardas do inimigo: uma partida deguascasmontavaacavalo,entravanaBanda Oriental e arrebanhava umapontagrandedeeguariços;abanavaoponchoevinhaameiaredea;apartavaseapotradaelargavaseoresto;osdelafaziamconoscoamesmacoisa;depoiseracomgados,quesetocavaatroteegalope,abandonandoosassoleados. (LOPES NETO, 2009, p.105)
Na atualidade, a inocencia do ato ilıcitopermanece,eeleeconhecidotantoporpopularescomo pelas autoridades, como mostraElbañodelPapa,filmede2007dirigidopelosuruguaiosCesarCharloneeEnriqueFernandez.Saocenasqueseobservamcotidianamente:
Figura 1: “Quileiros” em AceguaBR/AceguaUR. Foto:QuelenPereiraPinheiro.Outubrode2009.
Outraquestaorelativaaotratadode1777equeelepropriotraziaumaconcepçaopreliminareprovisoriaequeosdesentendimentosdeveriam ser solucionados posteriormente. Um dosatritossedeunainterpretaçaodoartigo4,quedizia:
[...] pela parte do Continente ira alinhadesdeasmargensdaditaLagoaMirim, tomando a direçao pelo primeiroarroiomeridionalqueentrenosangradourooudesaguadourodela,equecorrepelomaisimediatoaoFortePortugues de Sao Gonçalo; desde oqual, sem exceder o limite do ditoArroio,continuaraodomın iodePortugal pelas cabeceiras dos rios quecorremateomencionadoRioGrandeeJacuı.(inSOARES,1939,p.174)
Segundoosespanhois,oarroio“maisimediatoaoFortePortuguesdeSaoGonçalo”eraorioPiratini, situado ao norte dessa guarniçao. Noentanto, os portugueses nao queriam ceder oforteeindicavamqueo“primeiroarroiomeridional” estaria ao sul daquele ponto, devendo ser,portanto, o arroio Grande do Erval. Como bemversavaotratado,emcasodeduvidasdalocalizaçaodoslimites,essesterrenosnaopoderiamserocupadospornenhumadascoroas.Apesardisso,
Afaixaterritorial, localizadaentreoPiratini e o Jaguarao fezse objeto,entre1790e1801,deumaespeciedejogodexadrezentreespanhoiseportugueses.Desde1789,alias,asautoridades portuguesas começaram a
-116-
concedersesmariasaosuldorioPiratini. O poder expansionista dos lusitanos,apartirdeRioGrande,seriabemmais forte que o dosespanhois, cujasbasesdeapoiosequedavambemmaisdistantesequeenfrentavamcontınuahostilidadedosındioscharruas.(FRANCO,2007,p.11)
Aproveitandosedasituaçaonaqualocontingentedelusobrasileiroseramaiorquedehispanicosnaquelaregiao,foiestrategiadePortugalataticadoutipossidetisatravesdadoaçaodeterras,propiciando a instalaçao das primeiras estanciasnaquelaarea.Comopostosavançadosemterritoriofronteiriço, as estancias que se instalaram nesseespaçodedisputaconstantenecessitavamoferecerresistencia,fosseaosataquesdeexercitosinimigosemtemposdeguerra,ouaossaquesdebandidosemtemposdepaz.Descriçoesdessesambientesseencontramemobrasliterarias,comonoconto“Elsargento”,deJoseMonegal,ondesaoapresentadassituaçoesemqueoperigoeastensoessaorealidadesdeumaepoca:
ElAltodeAchiras,elBajodeToledo,laQuebrada del Perdido y la SalamancaGrandeconfigurabanunalargayanchacomarcafronteriza.Eraporeltiempoquecadacasacabeceradehaciendadaconstituıaunafortaleza;delaspulperıas enrejadas; de los caminos queahondabanenormescarretasconejeschirriantes,gauchossolitarios,avecesescuadronesdeguerraocuadrillasdemalevaje;tropasdeganadoschucaros.(1993,p.27)
Tambem em Javier de Viana, outro autoruruguaio,haumretratodaarquiteturadasestancias, destinada a proteçao e, por isso, construçoesfechadasemsi,semaberturasapaisagemexterior,como descreve o conto “Los amores de BentosSagrera”:
LaestanciadeSagreraeraunodeesosviejosestablecimientosdeorigenbrasileno, que abundan en la frontera yque semejan carceles o fortalezas. Unlargo edificio de paredes de piedra ytecho de azotea; unos galpones, tambiendepiedra,enfrente,ya losladosun alto muro con solo una puertapequenadandoalcampo.Lacocina,ladespensa,elhorno, loscuartosde lospeones,todoestabaencerradodentrodelamuralla.(VIANA,1969,p.9293)
Essas sao caracterısticas de muitas dasconstruçoesqueaindaseencontramnaarearuraldacidadedeJaguarao,noBrasil.Altosmurosfeitosdepedracercamascasasdaspropriedades,oquedificultavaasinvestidasdosantigosinimigos:
Figura 2: Estancia de propriedade de Joao “Nervoso”.Foto:CarlosGarciaRizzon.Janeirode2010.
Figura 3: Estancia do Juncal. Propriedade de AlmiroPiuma.Foto:AlanDutradeMelo.Fevereirode2009.
Esse e um patrimonio material edificadoquecompoeumcenarioque ilustraahistoriadofinaldoseculoXVIIIeinıciodoXIXedefineumafronteira que teve sua formaçao nas varias lutas,emdiferentestempos,entreduasmonarquias,umimperio,tresnaçoesenasmuitasguerrasrevolucionarias de cada uma das provıncias e dos paısesdessaregiao,poisasdisputasentreascoroasibericaseasnaçoesindependentestiveramcontinuidadenoseculoXIX.Em1801,umconflitopeninsular,quenaEuropadurousomentealgumassemanas,encrueceuosanimosnafronteiradascoloniasamericanas:“Aguerrade1801inicioueterminounaEuropa, e seus efeitos, como se fosse uma ondalentaeprogressiva,atingiramaAmericameridionaltardiamente.Assim,asoperaçoesforamdeflagradasquandoapazjaestavaassinadaemBadajoz”(GOLIM,2002,p.206)desdejunho.Anotıciade paz tendo chegado neste lado do Atlanticomesesdepois,janofinaldaqueleano,houvetempoparaquefossemtomadospeloslusobrasileirosos
-117-
SetePovosdasMissoes,osCamposNeutraiseasterrasateorioQuaraı,estabelecendoumadelimitaçaoproximadoquesetemnaatualidade.Nessaocasiao, Cerro Largo, atual cidade uruguaia deMelo,chegouaserinvadida,egrandepartedogadoaliexistentefoiconfiscadoelevadoaterrasbrasileiras.AldyrGarciaSchlee,noconto“DonSejanes”,serefereaoepisodio:
[...]erados“camposneutrais”,andavapela fronteira vendendo coisas aossoldados e passando mercadoriasquando houve a primeira guerra – aquenaoeraparatersido.OCerroLargofoi ocupado por tropas portuguesasque levaram mais de dez mil reses,depoisveioanotıciaatrasadadapaz,etodososlugaresvoltaramaodeantes.Foisoosustoetantosetantosmilesdehomensemarmas.(1988,p.27)
OsmovimentosdeindependenciaconvulsionadosnacoloniahispanoamericanaapartirdainvasaonapoleonicanapenınsulaIberica,naprimeiradecadadoseculoXIX,tambemmotivaramainvasaodetropaslusobrasileirasnaprovınciadaBandaOrientaldoRiodaPlata,em1811.Posteriormente, em 1816, voltaram a ocupar MontevideuparacombateraosrebeldesblandengueslideradosporJoseGervasioArtigas.Visualizandoumtabuleirodexadrezentreasforçasquebuscavamodomınio de Montevideu e de toda a Banda Oriental, ohistoriadorTauGolimconsidera:
Tres focos de poder olhavam para aBandaOriental:olusobrasilerioeseuprojetodeexpansaodafronteira;odasProvınciasUnidas,nosmarcosdacriaçaodaprovınciaorientaldeMontevideu,eodeArtigas,comlimitesprovisorios no rio Quaraı, porem considerando territorios contestados os conquistados pelos lusobrasileiros naguerrade1801.(2002,p.281)
O enfrentamento entre lusobrasileiros eartiguistasseprolongoudurantequatroanos,eosportuguesesconseguiramderrotarolıderorientalsomenteem1820.Noanoseguinte,oReinoUnidodePortugal,BrasileAlgarveincorporouaprovınciaoriental,que,sobocontroleportugues,passouadenominarseCisplatina.
ComaindependenciadoBrasil,em1822,iniciouseumperıododetransiçaoasoberaniadonovoImperio,havendoaretiradadastropasportuguesas da Cisplatina. Com isso, motivaramse as
ProvınciasUnidasdoRiodaPrataapostularareincorporaçaodaBandaOriental,poisesseeraodesejodemuitosorientaisexiladosemBuenosAires.Mobilizados, os caudilhos orientais empreenderamalutadeexpulsaodosbrasileirosdaCisplatinaapos o desembarque, na praia La Agraciada, dogrupoconhecidocomo“Lostreintaytresorientales”.Olevanteseiniciouem1825,eogeneralJuanAntonio Lavalleja declarou a Banda Oriental “dehechoydederecho,libreeindependientedelreyde Portugal, del emperador de Brasil, y de cualquierotrodelUniverso,yconampliopoderparadarselasformasque,enusoyejerciciodesusoberanıa, estime conveniente” (EL PAI�S, 2005, p. 4).DepoisdedoisanosdebatalhasentreoImperiodoBrasileaConfederaçaoArgentina,oepisodiode20defevereirode1827,queosplatinosdenominamBatalhadeItuzaingoeosbrasileirosdeBatalhadoPasso do Rosario, foi determinante para que seavançassemasnegociaçoesdepaz.Essecombate“demonstrou a inaniçao de ambos os lados paraaplicarem golpes definitivos” (GOLIM, 2002, p.128),pois“Tacticamenteeltriunfocorrespondioalejercitorepublicanoquequedoduenodelterrenoantelaretiradaimperial,aunquelaexplotaciondeltriunfofuedudosaalabandonarelejercito[brasileno]deBarbacenacasiintacto.”(ELPAI�S,2005,p.11)
PersonagemliterariaretratadacomotestemunhaemvariasdasescaramuçasnaCisplatinaeoCapitaoRodrigodeOcontinente,deEricoVerissimo:
– Se andei pela Banda Oriental? Maisdumavez.[...]Senteipraçacomdezoitoanos e em 1811 andei com as forçasque invadiram a Banda Oriental. [...]EntreiemMontevideuem1817comasforçasdogeneralLecor.[...]– Por falar nisso, vosmece tambembrigouem25?–Naturalmente.EstivenaquelecombatedeRincondelasGallinascomagentedoMennaBarreto.–Soltouumsuspiroe disse: – Apanhamos que nem boiladrao.[...]Em1827euestavacomastropas do marques de Barbacena.Nuncavitantamiseria.Soldadosdepeno chao, sem uniforme, alguns quasenus,socobertospeloponcho.(VERISSIMO,2004,p.214220)
Atraves da intermediaçao da Inglaterra,
interessadanoacessoaosportosenocomerciodaregiao,foipropostaacriaçaodeumanaçaoinde
-118-
pendentenaBandaOriental.Nodia25deagostode1828,umTratadoPreliminarconsagrouapazeosurgimentodeumnovopaıs,aRepublicaOrientaldoUruguai,quenasceusemaformalizaçaodeumtraçadodemarcado.Asquestoesfronteiriçasficarampostergadasesovoltaramasernegociadasem1851, apos finalizadas a Revoluçao Farroupilha(18351845)noRioGrandedoSuleaGuerraGrande (18391851) no Uruguai, guerras essas entrerepublicanos e imperiais uma e entre blancos ecoloradosaoutra.OTratadodeLimitesde1851entre Brasil e Uruguai foi realizado com vantagensparaosbrasileiros,poisasdiscussoesocorreramjuntamentecomanegociaçaodeemprestimosqueo Imperio concedeu ao governo colorado para adefensadeMontevideueaexpulsaodastropasquesitiavamacapitaluruguaia,osblancosdogeneralManuelOribeeosargentinosdoditadorJuanManuel de Rosas. Dependente do dinheiro brasileiro edebilitadodiplomaticamente,ogovernouruguaioficou condicionado a aceitar os termos impostospeloImperio,facilitandoparaoBrasiladeterminaçaodecondiçoesquelheeramfavoraveis,comoouso exclusivo das aguas da lagoa Mirim e do rioJaguarao. Outro item obrigava a devoluçao deescravosfugidosdoterritoriobrasileiro,contrariando a lei uruguaia em relaçao ao tema, pois naRepublicaOrientalaescravidaojatinhasidoabolida.
DevidoahistoricaexpansaolusobrasileiraemdireçaoaoriodaPrata,apresençadebrasileirosnoterritoriouruguaio,nasegundametadedoseculoXIX,eraconsideravel. Dadosde1863mostram que, de um total de 180.000 habitantes noUruguai,40.000erambrasileiros.Tambem,segundo o historiador Anıbal Barrios Pintos (1990, p.42),43,9%dogadoexistentenaRepublicapertencia a riograndenses. O senador brasileiro SilvaFerraz, em 1859, descreveu a regiao, transcritapelomesmohistoriadoruruguaio,semreconhecerdiferençasentreBrasileUruguai:“alpasaralotroladodelrıoYaguaron,el traje,el idioma, lascostumbres,lamoneda,lospesos,lasmedidas,todo,todo senores, hasta la otra banda del rıo Negro,todo senores, hasta la tierra: todo es brasileno”(idem,p.45),fazendodonorteuruguaioumprolongamentodoImperio.EssaexpressivapredominanciademograficabrasileiranoUruguaisetraduzianopodereconomico,derivandoemprofundasinterferencias na polıtica interna da RepublicaOriental,pois“losbrasilenosemigradoscontinuabanconsiderandosesubditosdelImperioe ignorando la legislacion uruguaya, trasladando unaesclavitud apenas disfrazada” (PALERMO inMAESTRI,2008,p.155).Emrelaçaoaescravidao,
osbrasileirosburlavamalegislaçaouruguaiaatravesdecontratosde locaçaodeserviços,osquaispodiamdurarmuitosanos,sendocomumqueexistissemporate30anos.Em1857,AndresLamas,embaixadoruruguaionacorte,emnota,reclamoudessasituaçaoaoImperio,delatando:
LasinfelicespersonasdecolorqueseintroducenenlaRepublica,alasombradefraudulentoscontratos[…]nosoloson tratados como esclavos […] sinoque sufren allı, en aquel territorio enquenadiepuedeseresclavo,laultimaypeordesgraciadelaesclavitud,[…]loshijosdelaspersonasdecolorintroducidas son traıdos al Rıo Grande y allıbautizadas como nacidos de vientreesclavo.[…]Deestamaneraenalgunosestablecimientos del Estado Orientalno solo existe de hecho la esclavitudsinoquealladodelcriaderodevacasseestablece un pequeno criadero deesclavos(apudPALERMOinMAESTRI,2008,p.162163)
Nas decadas de 1850 e 1860, segundoPalermo, houve inumeras denuncias de “secuestros,homicidiosyataquesaestanciasysuburbiosdelasVillasdeTacuaremboyArredondo(hoyRioBranco)conlafinalidaddecapturarafroamericanosparareducirlosaesclavitud”(ıdem,p.165).NoromanceNorobaráslasbotasdelosmuertos,deMarioDelgadoAparaın,ostemasdesequestrosdenegroslibertosedenegrasgravidasestaopresentes.ApersonagemHermesNieveseumbrasileiroqueestapresonoUruguaiporser“unsecuestradordenegroslibertosalserviciodelImperiodelBrasil,[...]porladrondecaballosydenegrasprenadas”(2006, p. 18). A obra mostra tambem como seinvertem os juızos apenas por se cruzar a linhadivisoria entre um paıs e outro, como o caso dobandoleiroLaurindo,“ladrondecriaturasnegrasenlaRepublicadelUruguay,legalizadounayotravezporlajusticiadePiratiny”(idem,p.77).Sobreoassunto,outraquestaoabordadaporDelgadoAparaınserefereadenunciaqueoembaixadorAndresLamas ja fazia: “en Santa Ana do Livramento, uncura epileptico llamado Joaquın Ferreira bautizocomoesclavasydeunasolavez,lafrioleradeveinticinconinasnacidasenelestadooriental...”(ıdem,p.89)
Nesseperıodo,ashostilidadesentreorientais e brasileiros foram frequentes e, da mesmaformaqueosuruguaiossequeixavamdasviolenciascometidaspelosestrangeirosdentrodeseupaıs,tambemosestanceirosriograndensescomterrasnoUruguaireclamavamdesistematicoseimpunes
-119-
abusos de roubo de gado, invasoes de terras eassassinatosfeitoscomaconivenciadasautoridades. Devido a isso, em maio de 1864, atraves doconselheiro Jose Antonio Saraiva, o Brasil listoucentenas de crimes sofridos por brasileiros residentes no territorio oriental e reivindicou providenciasdasautoridadesuruguaias.Elgovernodopartidoblanco tomouaqueleprotestocomoumaafrontaeintromissao,naoacatandonenhumadasexigenciasrelacionadasnodocumentoconhecidocomo“MissaoSaraiva”.Emagostode1864,houveorompimento das relaçoes entre Brasil e Uruguai,seguindose uma intervençao armada brasileiraem apoio ao partido colorado, que iniciava umaguerracivil.Entao,
Aguirredecretou“rotos,nulosecanceladosostratadosde12deoutubrode1851”.Atocontınuo,reivindicou“todosseus direitos [do Uruguai] sobre oslimites territoriais que sempre lhetocaram”,ouseja,ametadelestedoRioGrandedoSulatual,alemdalinhadeSantoIldefonsoeos“terrenosneutros”doChuıedoJaguarao.(GARCIA,2010,p.294)
Entre os episodios que se sucederam,encontraseocercoacidadedePaisandu,ondeoscolorados do general Venancio Flores, apoiadosmilitarmenteporBrasileArgentina,enfrentaramaosblancos para derrubalos do poder. Esse quepareceserumdoscombatesdeumaguerracivilfoitambemoinıciodeumaguerracontinental,comodescreveoromancedeDelgadoAparaın:
[...]seraesteelpreambulodeundespojoquecargaradeoprobioa losendemoniadosprotagonistas,asaber,sonelemperadorPedroIIdelBrasilyBartolomeMitre,presidentedelosargentinos,generalycronistadeunahistoriaantojadiza.Ambosdeseabanescarneary mutilar el Paraguay de FranciscoSolanoLopez[…].Esteparderapineroshasabidoembozarestosplanesdedespojoacuatromanos,bajolamascara de una cruzada por la libertad yotraspatranas.Yparaellohanusadoalgeneral Venancio Flores, un hombreentretenidoengolpearaloshombresaunoyotroladodelafrontera[…].MitreyelEmperadorlehanprometidoayuda: derrocar al presidente AtanasioCruz Aguirre y hasta sentarlo en elsillonpresidencial,conlacondiciondeque, a cambio, agregue su parte desangre en la marcha de los tambores
sobreelParaguay.(2006,p.2122)
Comavitoriadoscoloradosnadisputacontraosblancos,restabeleceramseasrelaçoesentreBrasileUruguaie,juntoaisso,oslimitesvigentesdesde1851.Somenteem1909houveaconcessaobrasileiraparaqueoUruguaifizesseusodasaguasda lagoaMirimedorio Jaguarao. Issoaconteceuporque o Brasil reordenou sua polıtica externa,poispercebeuqueadivisaodasaguaspossibilitariaumcrescimentoeconomicorecıprococomseuvizinho, intensificando as relaçoes comerciais.Reconhecendo o “esforço” brasileiro, o UruguaimudouonomedacidadedeArtigasparachamalaRioBrancoemhomenagemaonegociadorbrasileiroqueatendeuosdesejosdopovooriental.Apartirdo direito de livre navegaçao nas aguas do rioJaguarao,podeoUruguaiacordarcomoBrasil,em1918,opagamentodadıvidacontraıdaem1851.Esseacertosedeuatravesdaconstruçaodeumaponte, interligando as cidades de Rio Branco eJaguarao.Financiadaunicamenteporcapitaluruguaio, foi inaugurada no dia 30 de dezembro de1930.
Figura4:PonteInternacionalMaua.DesenhodeLeandroBarrios(31cmx81cm).Foto:CarlosGarciaRizzon.Julhode2011.
Aocontrariodosmurosqueconcretizamaimagemdaseparaçaoedodistanciamentoentreospovos – presentes nas estancias fortins que, noinıciodoseculoXIX,ilustravamasrelaçoesinstitucionaisentreBrasileseuvizinhodosul–,aponteestabeleceumvınculodeaproximaçaoatravesdotransito de idas e vindas que ela permite. Dessemodo,comoobservaHommiBhabhaaocitarMartinHeidegger,
E� nessesentidoqueafronteirasetornaolugarapartirdoqualalgocomeçaasefazerpresenteemummovimentonaodissimularaodaarticulaçaoambulante,ambivalente[...].“Sempre,esempredemododiferente,aponteacompanhaos caminhos morosos ou apressados
-120-
doshomensparalaeparaca,demodoqueelespossamalcançaroutrasmargens...Apontereuneenquantopassagemqueatravessa.”(1998,p.24)
Noentanto,mesmopossibilitandootransito,podeseentenderoestreitamentoproporcionadopelaponteemseusdoissentidos,pois,juntoaaproximaçao,hatambemumestrangulamentodoscaminhos,umapassagemcontroladaefiscalizada.NaPonteInternacionalMaua,ondeemcadaumadas cabeceiras existem imponentes escritoriosalfandegarios,aprecisaodadivisajafoiexplıcita,poishouveumtempoemque,justonomeio,marcadonochao,partindodeumabalaustradaechegandonaoutra,umtraçovermelhorepartiaoqueeraterritoriobrasileiroeoqueerauruguaio.Masessaseparaçaonaodeixavadeserpurainvençao,pois,comodepoeoescritorAldyrGarciaSchlee,
[...] a Ponte Internacional Maua, [...]tinha,bemnomeiodorio,entreasduasAlfandegas, um risco vermelho. Era alinhadivisoria,riscadanocimentodaponte, permitindo o exercıcio infantildeseestaraomesmotemponoBrasilenoUruguai:umpela,outroca.Atequedescobriquesobaponte,norio,alinhaperdidanacorrentezaeescondidanofundao,eraoutra:eraalinhadotalvegue, a linha de maior profundidade,quepassavalaadiante,sobosegundoarco da ponte, do lado uruguaio. Issoqueria dizer que, sobre a ponte, erapossıvelpassarparaoUruguai,andartrintaouquarentametros,debruçarsesobre a balaustrada e, gloriosamente,alidecima,cuspirnoBrasil,laembaixo.(inSCHU� LER;BORDINI,2004,p.52)
Omesmoescritorutilizaessamesmareferenciaparamostrarcomoimagemodistanciamentoqueelaproduz.Noconto“Braulina”,jovensenamorados, mas contidos pelos juızos familiares,expressamsuasangustiasdecoraçoespartidos:
[...] foi quando passaram o risco quesepara o Brasil do Uruguai, o traçovermelho no cimento da ponte. Estavam,eledoladodeca,eladoladodela,umpassonafrente.Elepediuqueelaparasseedisse,comsurpreendenteebrutalnaturalidade:–Queengraçado,nostaopertoumdooutroetaoseparados!(SCHLEE,1988,p.64)
As determinaçoes das leis, as imposiçoesdostratadoseasdemarcaçoesqueafirmamoquee
de um e de outro sao sempre definidas por umpodercentral,porgovernantesque,namaioriadasvezes,saopessoasquenaotemavivenciadoespaço que milimetricamente repartem. Nao sabem,provavelmente,quepara“ohabitantedafronteira,ofronteiriço,[que]eumhomemcommentalidadepropriaaintegraçao[...],asnoçoesdeespaçoenacionalidademuitasvezessaotaoabstratasquantoaideiadaexistenciadeumalinhademarcatoriaqueosepara'dooutropaıs'.”(PADRO� S,1994,p.76).Porisso,hoje,aquelalinhavermelhanomeiodaponte,apesardequeaindaexistamrastros,ninguemmaisapercebeporqueanosdeintensotrafegodepessoas,dosoledachuva, fizeramdelanaomaisumaidentificaçao de espaço delimitado, mas sim umreconhecimentodedivisoesapagadas:
Figura 5: Divisa JaguaraoBR/Rio BrancoUY na PonteInternacionalMaua.Foto:CarlosGarciaRizzon.Julhode2011.
As situaçoes conflituosas, motivadoras deinumeros enfrentamentos belicos, fizeram comque os habitantes dessas terras indecisas – porindefinidasoudedefiniçoesfugazes–determinassemfronteirasmarcadasporumapopulaçaoculturalmentemultiplaehıbrida,construıdaportradiçoes de vertentes de um lado e outro, pois, emdeterminadoperıodo,oraestavasobaregenciadogoverno espanhol, ora sob as ordens do governoportugues;posteriormente,estevesubmetidaoraaArgentina,oraaoUruguaieoraaoBrasilimperialouaoRioGranderepublicano.EstudodaprofessoraHelenOsorioesclareceque
oatualestadodoRioGrandedoSuleo
-121-
Uruguai,noseculoXVIII,faziampartede um mesmo espaço em construçao,umazonadefronteira,comamplacirculaçaohumanaematerial,noqualossuditosdeumaeoutraCoroainstalavamse conforme fosse mais facil suasobrevivencia, independentementedefidelidades estatais. (in CASTELLO etal.,1995,p.114)
Essamesmaconsideraçaopodeserestendidaaepocasposteriores,poisasguerrasnaregiaoforam uma constante ate o inıcio do seculo XX,impondo a fronteiraumpermanentedeslocardolimite,oqueafazmuitomaisumaaproximaçaodaspopulaçoes que propriamente a separaçao delas.Em passagem por Jaguarao, o suıçoalemao CarlSeidler, que lutou junto ao exercito brasileiro nacampanha da Cisplatina entre 1826 e 1828, fez,comdesconfiança,aseguinteobservaçao:
Os moradores eram amaveis e gentis,se bem que usassem o capote para olado do vento e mantivessem secretoentendimento polıtico com seus vizinhos, os moradores da provıncia Cisplatina.AsituaçaoarriscadadeSerrito[hojeJaguarao]podeexplicaraconduta dubia de seus moradores, pois oraestavaempoderdosespanhois,oradosportugueses.Orio,queseparaacidadezinhadoterritorioinimigofronteiro,efacilmenteatravessadopelasrapidascanoas,ecomoacidadenaotemfortificaçoes, as tropas da republica sulamericana costumam ocupala assimqueosportugueseslhesvoltamascostas.(inSOARES;FRANCO,2010,p.2122)
O entendimento entre fronteiriços deambososladosdadivisapossuilaçosestreitosporqueaexogamiafoipersistente“desdesusprimeroscontactos”, aponta o investigador John CharlesChasteen,e“losfronterizosdehablahispanayportuguesa parecen haberse mezclado facilmente, apesardelosfrecuentesconflictosentresusgobiernos. Los matrimonios entre ellos eran comunes.”(2001,p.40).Constataseque“rarassaoasfamılias,hojecomoontem,queseconservamrigorosamentebrasileirasouorientais”(FRANCO,2001,p.25).NostemposdaCisplatina,inclusive,erapolıticadogovernoofavorecimentodosenlacesbinacionais,nointuitodesedimentarapresençabrasileiranosolooriental.OutrofatorcomentadoporChasteenserefereaqueos“riograndensesmaspobressecodeabantambienconmuchoscriollosorientales [...][porque] no podıan permitirse el lujo de
teneruntutor,ysisushijosibanaestudiar,debıanaprenderespanol”(2001,p.43).
Nasescolasfronteiriças,tantoantescomoagora,os falaresmescladosdeportugueseespanholevidenciamainteraçaoexistentenafronteira,comodestacaSergiodaCostaFrancoaomencionarumdiscursodeuminspetordeescolauruguaioem1907,quandoadvertiaasautoridadesdoseupaıssobredificuldadesnoensinocausadaspelocontatocombrasileiros.Dramaticamente,comofuncionariopublicoquezelaporidentidadesnacionais,esseinspetor nao percebia a riqueza da diversidadeculturalsobseunarizefaziaacrıtica:
Nuestrasescuelasfronterizas,diseminadasenlaextensaregiondondedominalalenguaportuguesayloshabitosycostumbresbrasilenos,ydondenuestroscompatriotasnosabenqueloson–oparecennosaberlo–,requieren,exigen, imponenunaespecialensenanzaparalosninosquelasfrecuentan.Esosninossonorientalessı,casiensutotalidad,peroabrasilerados!...Procedendeunhogarquesoloesuruguayoporelterritorioqueocupa;suspadresnosonorientales, aunque lo sean – por lasrazonesyaexpuestas; lasmadresquelesdieronsertampocoloson,porqueaunque hayan sido bautizadas o inscriptas en la Republica, nacieron, secriaron y se hicieron mujeres entreextranjeros.(inFRANCO,2001,p.28)
EmsentidoinversodesseposicionamentoestaaproduçaodopoetaFabianSevero,naturaldafronteiriçacidadedeArtigas,Uruguai,quecompoeversoscarregadosdeoriginalidadelinguıs ticaquedao uma tonicidade propria e libertaria, fora dequalquerpadraorestritivo,comoopoemaintitulado“Trinticuatro”:
Mimadrefalavamuibien,yointendıa.Fabiandáfaserlosdeber,yofasıa.
Fabitrasememeiolitrodeleite,yotrasıaDesípradoñaCoraqueamañálepago,yodisıa
Deyaisoguríiyodeiyava.
Masmimaestranointendıa.Mandavacartasenmicaderno
todoconrojo(igualitosucara)iasinavaimbaiyo.
Masmimadrenointendıa.[…](2011,p.58)
Percebese, nesse exemplo, que o espaçofronteiriçoconformaumoutroespaço“quecontemterritoriosdospaısesemcontatoequesofre,alemdosinfluxos[...]nacionais,umadinamicapropria
-122-
resultantedainteraçaosocialdosagentesfronteiriços”(PADRO� S,1994,p.69).Expoequeafronteiraemultipla,poiseoespaçodoreverso,doigualqueeoposto,comoexplicamaspalavrasdeAldyrGarciaSchlee
Vivia perplexo diante do Uruguai, naopropriamente diante do mundo; mas,antes,diantedaqueleoutromundo:taopertoetaolonge,logoalidooutroladodariscavermelhanocimentodaponte,muy cerca, cerquita, cercado (a riscavermelha no meio da ponte!)... Aqueleoutromundo,separadoeunidopelorio:taodiferenteetaoigual;taodistintoetandistinto;taodistinguidoetandistin-guido;taoesquisitoetanexquisito...(inSCHU� LER;BORDINI,2004,p.53)
Nessesentido–diferentedemuitasideiasque,mesmoapresentandosecomointegracionistas, propoem espaços “sem fronteiras” – que eimportante valorizar e afirmar a fronteira, reconhecendonelaariquezadasdiferençasedamultiplicidade,poiselaeumazonaprivilegiadaparaoencontrocomoOutro.Assim,comoespaçodeconfluenciaedehibridaçao,ondesedesvelamquestoes de alteridade, a fronteira gera movimentosque dispersam centralismos, homogeneidades eunicas verdades, revelando imagens especularesque sao as mesmas, mas de maneira diferente.Entendidaporsuareferenciasimbolicaeporseucaratercultural,afronteiratranscendeaoimaginario,pondoemevidenciaoutraspercepçoesgeograficas. Impoe, entao, revisoes polıticas, historicas,linguısticas, literarias e identitarias para mostraroutras dimensoes de seu significado, indicandorepresentaçoesconcomitantesdoserenaoser.
Referências
BARRIOSPINTOS,Anıbal.HistoriadelaganaderíaenelUruguay.Montevideo:MEC,1990.
BHABHA,HomiK.Olocaldacultura.BeloHorizonte:UFMG,1998.
CHASTEEN,JohnCharles.Héroesacaballo.Trad.AıdaAltieri. Montevideo: Santillana/Fundacion Banco deBoston,2001.
DELGADOAPARAI�N,Mario.Norobaráslasbotasdelosmuertos.Montevideo:Santillana,2006.
EL PAI�S. Batallas que hicieron historia: Ituzaingo, labatalladelasdesobediencias.NºVII.Montevideo,juniode2005.
FRANCO,SergiodaCosta.GenteecoisasdaFronteiraSul.PortoAlegre:Sulina,2001.
_____.Origensde Jaguarão: 17901833. Porto Alegre:Evangraf,2007.
GARCIA, Fernando C. de.Fronteira iluminada. PortoAlegre:Sulina,2010.
GOLIM, Tau.A fronteira. Vol. 1. Porto Alegre: L&PM,2002.
LOPESNETO.JoaoSimoes.Contosgauchescos&Len-dasdosul.PortoAlegre:L&PM,2009.
MASINA,Lea.Ocontrabandonaconfluenciadeculturas.In:CATELLO,IaraReginaetal.(Orgs.).Práticasdeinte-graçãonasfronteiras:temasparaoMERCOSUL.PortoAlegre:UFRGS/InstitutoGoethe/ICBA,1995.165175.
MONEGAL,Jose.Cuentosdemilicosymatreros.Montevideo:BandaOriental,1993.
OSO� RIO,Helen.Oespaçoplatino:fronteiracolonialnoseculoXVIII.In:CATELLO,IaraReginaetal.(Orgs.).Prá-ticas de integração nas fronteiras: temas para oMERCOSUL. Porto Alegre: UFRGS/Instituto Goethe/ICBA,1995.110114.
PADRO� S,EnriqueSerra.Fronteiraseintegraçaofronteiriça.In:RevistaHumanas.PortoAlegre,Vol.17,nº1/2,ene/dic,1994.6385.
PALERMO,EduardoR.EsclavitudyhaciendapastorilenelUruguay.In:MAESTRI,Mario(Org.).Onegroeogaú-cho:estanciasefazendasnoRioGrandedoSul,UruguaieBrasil.PassoFundo:UPF,2008.138168.
REYES ABADIE, Washington; BRUSCHERA, Oscar H.;MELOGNO,Tabare.LaBandaOriental:pradera,frontera,puerto.Montevideo:BandaOriental,1970.
SCHLEE,AldyrGarcia.Contosdesempre.PortoAlegre,MercadoAberto,1988.2ªed.6166.
_____.Testemunhosdeidentidade.In:SCHU� LER,Fernando Luıs; BORDINI, Maria da Gloria (Orgs.).Cultura eidentidaderegional.PortoAlegre:Edipucrs,2004.4956.
SEIDLER, Carl. Dez anos no Brasil (fragmentos). In:SOARES,EduardoA� lvaresdeSouza;FRANCO,SergiodaCosta.OlharessobreJaguarão.PortoAlegre:Evangraf,2010.1926.
SEVERO,Fabian.Noitenunorte.Montevideo:Rumbo,2011.
SOARES,JoseCarlosdeMacedo.FronteirasdoBrasilnoregimecolonial.RiodeJaneiro:JoseOlympio,1939.
-123-
SOUZA, Susana Bleil de. Os caminhos e os homens docontrabando. In: CATELLO, Iara Regina et al. (Orgs.).Práticasdeintegraçãonasfronteiras: temasparaoMERCOSUL. Porto Alegre: UFRGS/Instituto Goethe/ICBA,1995.126139.
VERISSIMO,Erico.OcontinenteI.SaoPaulo:CompanhiadasLetras,2004.
VIANA,Javierde.LosamoresdeBentoSegrara.In:Susmejorescuentos.BuenosAires:EditorialLosada,1969.
ZIENTARA, Benedikt. Fronteira. In: EnciclopediaEINAUDI,Vol.14.Lisboa:ImprensaNacional,1989.306317.
Othergeographiesinborderliterature
Abstract:Inaninterdisciplinaryapproach,thisarticleworkswithhistoricaldatatofocusonthemesdevelopedbyBrazilianandUruguayanfictionwrites,featuringadesignoftheborderanditsrecognitionbyliterarytexts.It,showsthattheconformationoftheborderbetweenBrazilandUruguaysetsupanheterogeneousspace,withoverlappingmarksofidentityandotherness.Keywords:Space.Border.Geography.History.Literature.
Otrasgeografíasenliteraturasdefrontera
Resumen:Enabordajeinterdisciplinar,esteartículotrabajacondatoshistóricosparafocalizartemasdesarrollados por la ficción realizada por escritores brasileños y uruguayos, presentando unaconcepcióndefronteraysureconocimientoatravésdetextosliterarios.Deesaforma,evidenciaqueelproceso histórico de la conformación de la frontera entre Brasil y Uruguay configura un espacioheterogéneo,presentandomarcasimbricadasdeidentidadyalteridad.Palabras-clave:Espacio.Frontera.Geografía.Historia.Literatura.
-124-