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1 outubro/2016

outubro/2016 - Mulheres Rurais – – Mulheres com Direitos · a ação compartilhou experiências, ... – são 14,1 milhões de mulheres e 15,6 milhões de homens. Nas la-

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SUMÁRIO

EDITORIAL

DIREITO AO DESENVOLVIMENTO

DIREITO À EDUCAÇÃO

DIREITO DE ACESSO À ÁGUA

DIREITO À SAÚDE

DIREITO À MORADIA DIGNA

DIREITO DE VIVER EM UM AMBIENTE LIMPO E SAUDÁVEL

DIREITO PARA PARTICIPAR DOS PROCESSOS DE MITIGAÇÃO E ADAPTAÇÃO ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

DIREITO À AUTONOMIA E AO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

DIREITO AO ACESSO À INFORMAÇÃO E À CONECTIVIDADE

DIREITO DE ACESSO À TERRA E ÀS RAÍZES

DIREITO PARA A TOMADA DE DECISÕES E LIDERANÇA

DIREITO A UMA VIDA LIVRE DE VIOLÊNCIA

DIREITO À PAZ

DIREITO DE POSICIONAMENTO JUNTO ÀS AUTORIDADES

DIREITO AO LAZER E AO TEMPO LIVRE

DIREITO À ALIMENTAÇÃO

DIREITO A UMA VIDA DIGNA E À LUTA PELA ERRADICAÇÃO DA POBREZA

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O documento que você tem em mãos é uma compilação de histórias de trabalhadoras rurais que, contra todas as adversidades, conquistaram algo muito maior do que o respeito: seus direitos. Guiadas por 17 direitos das mulheres do campo, as matérias foram publi-cadas entre os dias 1º e 17 de outubro de 2016 pela Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (Sead) durante campanha internacional #MulheresRurais, mulheres com direitos. Promovida pela Reunião Especializada sobre Agricultura Familiar do Mercosul (Reaf), pela Organização das Nações Unidas para a Agricul-tura e Alimentação (FAO) e pela Unidade para a Mudança Rural (Ucar), a ação compartilhou experiências, estratégias e iniciativas já adotadas para impulsionar a promoção dessas mulheres nos países da América Latina e Caribe. Participaram da campanha o Instituto Nacional das Mulheres do Mi-nistério do Desenvolvimento Social do Uruguai (Mides), o Ministério da Pecuária, Agricultura e Pesca do Uruguai, por meio da Direção Geral do Desenvolvimento Rural, e o Instituto Nacional de Tecnolo-gia Agropecuária da Argentina (Inta), do Ministério da Agroindústria da Argentina.

Autonomia das agricultorasAs mulheres já são quase a metade de toda a população rural brasileira – são 14,1 milhões de mulheres e 15,6 milhões de homens. Nas la-vouras, reservas extrativistas, comunidades quilombolas e indígenas de todo o Brasil há mulheres responsáveis pela organização produtiva local. Segundo dados do Censo Demográfico mais recente, as traba-lhadoras rurais são responsáveis pela renda de 42,4% das famílias do campo. O índice é superior ao observado nas áreas urbanas (40,7%).A Sead, em sintonia com as demandas das mulheres – que têm partici-pação cada vez mais ativa na sociedade – oferece programas específi-cos para fomentar a autonomia social e econômica. As iniciativas vão da emissão de documentos civis e trabalhistas, realizados pelos muti-rões do Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural, e o acompanhamento dos serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater), até o acesso diferenciado a financiamentos de projetos, por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Fa-miliar (Pronaf), e a comercialização para os mercados institucionais do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa Nacio-nal de Alimentação Escolar (Pnae).

EDITORIAL

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DIREITO AO DESENVOLVIMENTOO Sítio Cantinho do Morango fica no Assentamento Betinho, em Brazlân-dia, região administrativa do Distrito Federal. É lá que a agricultora fami-liar Noilde Maria de Jesus, de 47 anos, tornou-se uma empreendedora de sucesso depois de trabalhar 10 anos na propriedade de terceiros.O conhecimento de como lidar com a terra e a vontade de tornar-se dona do seu destino, Noilde já tinha. Mas faltava ainda ter recursos financeiros. Separada do marido e com nove filhos para criar, o empurrãozinho que fal-tava veio em 2010, quando a agricultora financiou R$ 5 mil pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), na linha es-pecífica para mulheres.“Investi o dinheiro na compra de cinco mil mudas de morango e iniciei a minha produção. No ano passado, plantei 30 mil mudas da fruta e estou in-vestindo na transição para o agroecológico. Só pulverizo com produtos bio-lógicos”, conta Noilde.Para continuar investindo no negócio, ela acessou o Pronaf Mulher outras quatro vezes e teve o apoio da assistência técnica da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Governo do Distrito Federal (Emater/DF). “O último empréstimo que peguei foi em 2013, no valor de R$ 28 mil, para a compra de um veículo utilitário para transportar as frutas. Foi na linha Pronaf Investimento”, destaca.O retorno foi tão bom que Noilde recebeu o Prêmio Sebrae Mulher de Ne-gócios em 2015. Ela está entre as nove empreendedoras que se destacaram no país e foi premiada na categoria produtora rural, com o Troféu Ouro do Sebrae. Tornou-se exemplo de aprendizado e superação.Políticas públicasO Pronaf é coordenado pela Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (Sead), e, juntamente com os programas de compras públicas institucionais, Programa de Aquisição de Alimentos

(PAA) e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), faz parte do conjunto de políticas públicas para o desenvolvimento e sustentabilida-de da agricultura familiar.Os morangos de Noilde são vendidos na Ceasa do Distrito Federal e para o PNAE. Segundo a agricultora, este ano ela venderá R$ 20 mil em moran-gos para a merenda escolar das instituições de ensino pública do Distrito Federal. E, pelo PAA, mais R$ 6 mil. “Vendo para esses dois programas desde que iniciei o canteiro de morangos. Por ser uma venda garantida, ajuda muito”, diz.Pronaf MulherO Pronaf Mulher surgiu, em 2003, como forma de assegurar às agriculto-ras o direito de acesso ao crédito rural, para o desenvolvimento dos seus diferentes projetos. “O crédito possibilita que as mulheres se tornem autô-nomas. Para acessar o financiamento, é necessário que a agricultora tenha o documento de declaração de aptidão ao Pronaf (DAP) emitido pelos órgãos credenciados à Sead”, explica a coordenadora de Organização Produtiva e Comercialização da Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais da Sead, Priscila Silva.Além do Pronaf Mulher, as agricultoras também podem acessar as outras linhas de financiamento dentro do programa, desde que observadas as con-dições estabelecidas no Microcrédito Rural. No caso do Pronaf Mulher, es-tão disponíveis crédito nos grupos “A” e “B”, com valor no limite de até R$ 4 mil, juros de 0,5% ao ano e com prazo de até dois anos para pagamento. Para aquelas agricultoras enquadradas no grupo variável do programa, o limite é de até R$ 330 mil para atividades de suinocultura, avicultura, car-cinicultura e fruticultura

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DIREITO À EDUCAÇÃO“A qualificação é muito importante para os agricultores familia-res e proporciona as oportunidades que a gente tem hoje. Posso dizer que a Coopeg não sentiu nem a crise e nem a perda por cau-sa do clima da nossa região. Eu já estou preparada para fazer ou-tro Pronatec. Tem muitas demandas ainda, principalmente para a gente que trabalha com diversos nichos de mercado. Sempre precisamos ver coisas novas pela frente”, comenta.

O inglês era o grande problema para a família da agricultora Salete Ar-ruda, 49 anos. A propriedade dela fica no Vale dos Vinhedos, um dos pontos turísticos mais procurados por quem visita o Rio Grande do Sul. “Dez por cento dos nossos turistas são americanos e europeus e a gente tinha muita dificuldade de comunicação com eles. Não dava pra explicar nada”, lembra.Em 2013, depois de saber que o Programa Nacional de Acesso ao Ensi-no Técnico e Emprego no Campo (Pronatec Campo) abriria turmas do idioma, não perdeu tempo e se matriculou no curso. “Logo que saiu o programa a gente se inscreveu e eu fui lá fazer. Fiz o curso de Inglês I e II e como essa qualificação foi importante para a gente. Não que o Pronatec tenha melhorado 100% a nossa comunicação, mas posso dizer que me-lhorou 80%”, conta.Além de contribuir para o turismo rural na propriedade familiar, o inglês aprendido abriu outras possibilidades para a Cooperativa de Produtores Ecologistas de Garibaldi (Coopeg/RS), onde Salete e o marido, Jorge Luis Mariani, são sócios fundadores. “Depois do Pronatec surgiu uma oportunidade de ir para a Alemanha. Lá vimos um monte de novidades re-lacionadas à produção orgânica e trouxemos para a cooperativa”, relata.A Coopeg tem sua sede no município de Garibaldi, que fica a pouco mais de 100 quilômetros de Porto Alegre (RS), mas tem associados em oito mu-nicípios vizinhos. Na lista de produtos, estão os in natura (uvas e hortifru-tigranjeiros) e os processados como as conservas, doces de frutas, geleias, espumantes, molhos, sucos, temperos e vinhos – tudo produzido de forma orgânica.Depois da experiência fora do país, mais dois projetos foram agregados ao catálogo de produção da cooperativa: os snacks orgânicos (palitos ve-getais) e os novos sabores de sucos (beterraba com gengibre, beterraba,

beterraba com alface e uva com beterraba e gengibre), que serão lançados ainda este ano.Os produtos da Coopeg estão nas grandes redes de super-mercados do Brasil, além de lojas especializadas nesse tipo de produção.Pronatec CampoA iniciativa do Pronatec Campo integra o Programa Nacional de Educa-ção no Campo (Pronacampo), do Ministério da Educação (MEC) e faz parte do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), criado em 2011. A modalidade Pronatec Campo é demanda-da pela Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimen-to Agrário (Sead) que é responsável por mobilizar as bases e levantar o público interessado em fazer os cursos.A Sead também é o responsável em buscar os ofertantes e fazer a pactu-ação com o ministério para que os cursos sejam oferecidos. O Pronatec Campo é uma oportunidade de cursos de formação profissional para os diversos públicos da agricultura familiar. Entre os cursos ofertados estão o Técnico em Agroecologia, Bovinocultor de Leite e Produtor de Embu-tidos e Derivados.

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DIREITO DE ACESSO À ÁGUAÁgua. Recurso fundamental para a existência da vida na terra. Essencial para a produção no campo. Infelizmente, escasso, principalmente, no se-miárido, marcado por longos períodos de seca severa. Para conseguir con-viver com essa difícil realidade, mulheres rurais brasileiras contam com o apoio de tecnologias e programas governamentais específicos. Boas práti-cas que ajudam a driblar a escassez e a florescer na aridez da região.O Brasil compartilhou, em janeiro deste ano, uma dessas experiências de sucesso com sete países da América Latina: Argentina, Chile, El Salvador, Equador, Paraguai, Uruguai e Venezuela. Representantes dessas nações conheceram o Projeto “Água Viva: mulheres e o redesenho da vida no se-miárido no Rio Grande do Norte”.A tecnologia social foi uma demanda das mulheres do Assentamento Monte Alegre I, no município potiguar de Upanema. E desenvolvida em parce-ria com a Universidade Rural do Semiárido (Ufersa). Nela, a água utilizada nas atividades domésticas (conhecida como água cinza) é reaproveitada na plantação.O líquido captado é filtrado, por materiais encontrados na própria comu-nidade como a palha de coco e carvão, e liberado para irrigação de frutas e hortaliças. “Pra mim, está muito bom, porque sustenta a família, assim, no ponto da verdura, da hortaliça. E a sobra do gasto ainda vende”, avalia a agricultora familiar Maria Alvani Pereira, em vídeo que levou a iniciativa a ganhar o Prêmio de Tecnologia Social da Fundação Banco do Brasil, na categoria “mulheres”, em 2015. O Intercâmbio sobre Políticas de Promoção da Autonomia e Igualdade das Mulheres Rurais no Rio Grande do Norte foi realizado no âmbito do Programa Regional de Gênero da Reunião Especializada sobre Agricultura Familiar do Mercosul (Reaf), com o apoio logístico e financeiro do então Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), agora Secretaria Especial

de Agricultura Familiar e Desenvolvimento Agrário (Sead), e da Organiza-ção das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).Cisternas Com o Programa Água Para Todos, do governo brasileiro, mais de um mi-lhão de cisternas foram construídas na região Nordeste. Cerca de cinco milhões de pessoa que vivem na zona rural são beneficiadas com ação. A tecnologia visa a captação de água da chuva dos telhados e das enxurradas para uso doméstico e para produção de alimentos e hidratação dos animais. As cisternas para captação de água para consumo têm a capacidade de ar-mazenar 16 mil litros e as cisternas de captação de água para a pequena produção no semiárido, armazenam 52 mil litros.Essa ação é fundamental para dar dignidade às famílias rurais. Como ressal-ta a publicação, da ONU Mulheres, Mais igualdade para as mulheres brasi-leiras: caminhos de transformação econômica e social, ter acesso à agua é um fator determinante para assegurar melhores condições sociais, econô-micas e produtivas no meio rural, onde as condições de trabalho em geral são duras para as mulheres.Ainda segundo o documento, em 2014, as jornadas de trabalho produtivo e reprodutivo das mulheres rurais, especificamente das mulheres ocupadas em atividades agrícolas, combinando o que se considera trabalho produtivo e afazeres domésticos, totalizavam 52 horas, sendo 29 em trabalho repro-dutivo e 23 horas em trabalho produtivo.

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DIREITO Á SAÚDENa Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS), escrita em 1946, o conceito do que é saúde é incontestável: “A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na au-sência de doença ou de enfermidade”. Moradora da zona rural do Sertão Santana, no Rio Grande do Sul, a agricultora Eliane Hollas Laux talvez nem conheça esta definição, mas, hoje, sabe bem o que ela significa.Juntamente com o marido, Luís, e a filha, Lizandra, ela cultiva frutas como pêssego, uva e ameixa. Mas nem sempre foi assim. A propriedade da famí-lia Hollas Laux era tradicionalmente produtora de tabaco. Eles chegaram a plantar quase 20 hectares de fumo e, por muito tempo, esta foi a única fonte de renda do casal. “Eu não gostava, o trabalho era muito pesado. A colheita era no sol quente e, mesmo com o calor, a gente precisava usar luva e capa, senão o tabaco podia intoxicar. Às vezes, trabalhava também à noite, colocando no forno para secar. Eu me lembro que dormia mal, tinha pesadelos quase todos os dias”, conta Eliane.Hoje, aos 48 anos, seu ânimo é outro com a lavoura. “Eu tinha um sonho de plantar flor, só que não imaginava que pudesse acontecer. Agora eu abro minha janela e vejo vida, vejo o pessegueiro florescer”, conta a agricultora, com um sorriso no rosto.A nova vida de Eliane Hollas Laux foi possível depois que sua proprieda-de foi beneficiada com uma Chamada Pública do Programa Nacional de Diversificação em Áreas Cultivadas com Tabaco do Governo Federal. Por meio deste programa, a família recebeu assistência técnica de engenheiros agrônomos da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do estado (Emater-RS) e, assim, conseguiu migrar da fumicultura para a fruticultura. “Não é fácil mudar, mas não tenho saudade daquele tempo, daquele cansa-ço. Agora eu sou muito mais feliz, é uma terapia ver esse pomar crescer”, diz.

Principais preocupaçõesDe acordo com o Ministério da Saúde, a intoxicação por agrotóxicos e acidentes por animais peçonhentos estão entre as principais queixas das mulheres que vivem na zona rural de diferentes regiões do Brasil. Entre as doenças femininas, a preocupação é parecida com a das mulheres que vivem nas regiões urbanas: câncer de colo e câncer de mama, o que requer maior cuidado e prevenção.Depressão, dores de cabeça e dores nas costas também estão entre os pro-blemas relatados por mulheres rurais nos registros do Sistema Único de Saúde (SUS) e, por isso, são frequentemente temas de palestras, cursos e eventos promovidos com este fim. Na publicação Tecendo a saúde das mulheres do campo, da floresta e das águas: direitos e participação social, o Ministério da Saúde chama a atenção para o desafio de refletir sobre tal situação: “A saúde dessas mulheres está diretamente relacionada às con-dições de vida e trabalho, que têm produzido riscos, adoecimentos e agra-vos à sua saúde, seja pela contaminação por agrotóxicos e outros agentes químicos, seja pela frequente exposição ao sol sem proteção, assim como os acidentes de trabalho, suas longas jornadas de trabalho, seja no campo, no extrativismo, na pesca, na mariscagem, como no ambiente doméstico, configurando a dupla/tripla jornada.”

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DIREITO À MORADIA DIGNAEm 12 anos, o Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural (PNDTR), documentou mais de 1,5 milhão de mulheres em todo o Brasil. Para muitas delas, a identificação não passava de um sonho dis-tante. Por não existirem no papel, não conseguiam se matricular em uma escola; ter um emprego formal, com carteira assinada; e nem acessar as políticas que fortalecem e intensificam a produção de alimentos no país. Foi para mudar essa realidade que o programa foi criado. Uma verdadei-ra força-tarefa para tornar o sonho das mulheres rurais em realidade. Ao todo, o governo federal dispõe de 75 veículos para viabilizar e executar os mutirões itinerantes em todos os estados brasileiros. Além disso, fo-ram adquiridas, em 2013, duas Lanchas de Apoio ao Desenvolvimento Agrário (Ladas) para garantir a chegada do programa até as comunidades ribeirinhas, ilhas e assentamentos de difícil acesso.Segundo a consultora da Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais e Quilombolas (DPMRQ/Sead), Geise Mascarenhas, o programa é con-siderado o ponto de partida para a autonomia das trabalhadoras rurais. “Ele é a porta de entrada para diversas políticas públicas que contribuem para a inclusão dessas mulheres. As experiências de políticas públicas que o Brasil tem desenvolvido para as mulheres rurais, como a assistên-cia técnica específica, maior participação nas compras públicas, acesso ao crédito e a titularidade conjunta da terra, são inovadoras e servem de referências para outros países. Com a documentação, as mulheres podem acessar essas iniciativas e, assim, ter melhores condições de vida, contri-buindo para mudanças significativas no meio rural”, ressaltou. PNDTRO Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural (PND-TR), da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimen-to Agrário (Sead), realizou mais de 7,8 mil mutirões de documentação

em todo território nacional, com a emissão gratuita de 3,2 milhões de do-cumentos, entre eles as carteiras de identidade e de trabalho, o CPF, os registros de nascimento e casamento, a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP); além de efetuar as inscrições no Cadastro Único (CadÚnico) de políticas sociais do governo federal. Para a execução, o PNDTR articula órgãos dos governos federal, estaduais e municipais, bem como os movi-mentos sociais de mulheres.

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DIREITO DE VIVER EM UM AMBIENTE LIMPO E SEGURONa fazenda onde mora, na zona rural de Medeiros, município que fica na re-gião Centro-Oeste de Minas Gerais, Vanice Aparecida de Morais Leite tem orgulho de dizer que cumpre uma tarefa inadiável todos os dias, inclusive nos domingos e feriados: ela produz queijos. Com auxílio de uma ordenha-deira mecânica, Valter Caetano, marido dela, tira um total de 300 litros de leite pela manhã e à tarde. E, da queijaria que fica ao lado da casa onde moram, saem os produtos que já conquistaram consumidores de diferentes regiões do Brasil.“Eu sou a responsável pela fabricação dos queijos. Então, quando planeja-mos a construção do espaço próprio para a produção, já pensamos em tudo que pudesse ser adequado à minha altura, especialmente a bancada”, explica Vanice. Assim, em um ambiente apropriado, ela diz que não tem do que re-clamar do serviço. Não tem dores nas costas, por exemplo – um problema que é bastante comum às vizinhas que também produzem queijo. “Gosto muito do que faço”, enfatiza a produtora.Em 2003, ela acessou o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricul-tura Familiar (Pronaf) e, com R$ 15 mil, o casal construiu a queijaria. “O crédito foi muito importante e por isso fizemos questão de pagar tudo cer-tinho, ao longo de oito anos. Valeu muito a pena”, conta ela.De lá para cá, Vanice já viveu outras conquistas na profissão. Hoje ela é presidente da Associação de Produtores de Queijo Canastra de Medeiros (Aprocame). Foi a primeira mulher a assumir o cargo. Mas o que gosta mes-mo de contar é que, sem precisar aumentar a produção, a renda dos associa-dos cresceu substancialmente nos últimos dois anos, desde que foi inaugu-rado o Centro de Qualidade do Queijo Minas Artesanal de Medeiros.O Centro era um sonho antigo de produtores da região, que, até então, vendiam praticamente só o queijo frescal, que tem valor considerado baixo no mercado. No novo espaço, é feito o processo correto de maturação, que

exige temperatura e umidade controlados corretamente, e que os produto-res não conseguiam obter em suas propriedades principalmente porque é uma estrutura cara.De acordo com Marinalva Olívia Martins Soares, coordenadora do Progra-ma Queijo Minas Artesanal na Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-MG) – uma das idealizadoras do projeto – o local foi uma conquista importante, especialmente por causa do valor agregado ao pro-duto, que chega a ser vendido pelo dobro do preço do frescal. Mas não só isso: “Eles ganharam espaço adequado para maturação e apoio de mão de obra das funcionárias do Centro para cuidar dos queijos até chegar aos 22 dias para a comercialização”. Além disso, Marinalva explica que o Centro tem área de embalagem, câ-mara fria para armazenamento e área de expedição. Na época, o projeto recebeu investimento de R$ 450 mil do então Ministério do Desenvolvi-mento Agrário (MDA), hoje Secretaria Especial de Agricultura Familiar e Desenvolvimento Agrário (Sead). Atualmente, os produtores contam com assistência técnica da Emater-MG para produzir em média 2 mil quilos de queijo canastra maturado por mês. “Sem as políticas públicas, acredito que nada disso estaria funcionando tão bem”, conclui Vanice Aparecida de Mo-rais Leite.

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DIREITO PARA PARTICIPAR DOS PROCESSOS DE MITIGAÇÃO E ADAPTAÇÃO ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS“Trabalhamos com o reflorestamento e não cortamos árvores, pois o ar que respiramos vem delas. O nosso lavrado é composto de várias plantas medicinais, com as quais os nossos antepassados se curavam. São vários os motivos para preservarmos o meio ambiente”, explica a indígena rorai-mense Marcilza de Lima, ao comentar sobre a necessidade de preservar o meio ambiente diante das mudanças climáticas.Da etnia macuxi, Marcilza é vice coordenadora da Organização das Mulhe-res Indígenas de Roraima (OMIR), que reúne representação feminina de todas as comunidades tradicionais do estado. Ela conta que um dos obje-tivos da entidade é preservar o meio ambiente e a cultura indígena. “Faze-mos um trabalho educativo junto às comunidades, conscientizando sobre métodos de preservação do meio ambiente e do cultivo agroecológico. Pre-servar é ter para o futuro”, fala.Um exemplo de preservação que ela cita, é a migração de plantas para re-giões que possuem características ambientais semelhantes e que podem ser cultivadas de forma natural. “Muitas vezes uma região tem uma fruta que não tem na minha área e pode ser boa aqui. O buritizal (uma palmeira alta) não tem em todos os lugares e pode ser cultivado em várias regiões”, ressal-ta. Ela acrescenta também que o buriti tem várias utilidades. “A sua casca é usada como calmante, fazemos doces e geleias da fruta, além das suas folhas cobrirem as nossas casas”, fala.Dona Marcilza vive na comunidade de Guariba, dentro da terra indíge-na de Araçá, na região de Amajari, no norte de Roraima. A produção de alimentos na comunidade, segundo a indígena, é realizada de forma or-gânica e sustentável. Eles cultivam banana, milho, abóbora, macaxeira, cana, abacaxi e batata. Os alimentos são vendidos no comércio dos mu-nicípios vizinhos e por meio do Programa Nacional de Alimentação Es-colar (PNAE), uma das políticas públicas do governo federal, que prevê a compra de alimentos da agricultura familiar para a merenda escolar. “Não

preservamos apenas o meio ambiente, mas a nossa saúde e a nossa vida”, destaca.As Mulheres e a AgroecologiaConforme a especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, Suiá Kafure da Rocha, as mulheres são protagonistas no campo da agroe-cologia, por serem as responsáveis pela alimentação familiar. “Logo elas se convencem sobre a importância da alimentação saudável por meio da produção agroecológica”, conta.De acordo com Suiá, dentro do primeiro Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PLANAPO), 5,2 mulheres receberam Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) para fazerem a transição do cultivo tra-dicional para o agroecológico, entre os anos de 2014 e 2015. “Houve também um chamamento público de apoio à organização produtiva de mulheres rurais, onde 512 grupos produtivos de mulheres foram apoia-dos, e 17 projetos contratados, beneficiando 5.120 mulheres, com re-curso de R$ 3,6 milhões”, comenta.Crédito baratoPara ampliar a produção de alimentos saudáveis, a Secretaria Especial de Desenvolvimento Agrária e da Agricultura Familiar (SEAD) baixou os juros do Plano Safra da Agricultura Familiar (Pronaf) 2016/2017. Com isso, o agricultor familiar que quiser produzir de forma agroecológica, na linha custeio, contará crédito mais barato.

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DIREITO À AUTONOMIA E AO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICOA Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) foi o divisor das águas na vida da agricultora familiar Marlene Veloso, 50 anos. Trabalhadora rural há quase 15 anos, foi a orientação dada pela extensionista que impulsionou toda a produção de orgânicos na propriedade de dois hectares e potencia-lizou a comercialização da agricultora. Hoje, parte da produção que é feita no núcleo rural de Brazlândia, a 50 quilômetros de Brasília (DF), é vendida em feiras locais e outra é entregue diretamente para o Programa de Aquisi-ção de Alimentos (PAA), do governo federal. “Sem esse acompanhamento ficaria muito difícil para gente, porque tem certas coisas que nem sabemos por onde começar. Os extensionistas fazem a ponte entre as políticas e os agricultores”, afirma Marlene. Depois de procurar emprego na cidade, quando chegou ao Distrito Federal, em meados dos anos 2000, ela viu que seria possível tirar renda do campo.“Quando voltamos para Brasília, depois de morar um tempo em São Paulo, fomos para a chácara de um irmão. Aí ele deu um pedacinho de terra, lá mesmo, para a gente plantar manjericão, alecrim e algumas ervas. Foi então que começamos a trabalhar”, lembra. A produção aumentou quando eles compraram a própria terra. Na época, Marlene ainda produzia de forma convencional, utilizando adubos e defensivos químicos.Depois de um tempo sendo acompanhada pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater/DF), a produtora viu que era viável mu-dar a maneira de produção. “A nossa técnica vivia dizendo: ‘Vocês já são orgânicos, mas ainda não sabem. Encara logo essa produção’. Passamos um ano tentando, para saber se era isso mesmo que a gente queria e ela falava: ‘Vocês estão perdendo tempo, vamos pedir a certificação?’. Ela colocou a mão na massa e nos incentivou”, conta.E não parou por aí. Com a informação da Emater, Marlene conseguiu fi-nanciar um trator pelo Mais Alimentos e usou recursos do Programa Na-cional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) para custear a

produção. “Ela que faz quase tudo. A gente só planta”, ressalta. Ao todo, a agricultora produz, em média, 50 itens orgânicos certificados.Ater para mulherPara garantir a autonomia econômica das mulheres rurais, a Secretaria Es-pecial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (Sead) pos-sui chamadas específicas para Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) voltadas ao público feminino. A ação atende a demanda dos movimentos sociais que pediam igualdade de gênero nesses contratos. De 2012 a 2015, foram lançadas seis chamadas de Ater para mulheres com a previ-são de atendimento de 7,2 mil trabalhadoras rurais. Entre 2004 e 2014, nas contratações gerais de Ater, também foram beneficiadas mais de 59 mil mulheres, em 132 projetos executados em todo país.

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DIREITO AO ACESSO À INFORMAÇÃO E À CONECTIVIDADEDe uma coisa a agricultora Maria das Dores Belgo Militão Barroso, de 53 anos, não tem dúvida: os moradores da cidade precisam conhecer a realida-de de quem vive no campo. E é esse pensamento que a levou a um projeto que chama a atenção na região do Vale do Rio Doce, em Minas Gerais. No município de Inhapim, Dores, como é conhecida, montou o Museu Rural Marmédio Militão com o objetivo de proporcionar aos visitantes a vivência da agricultura familiar.Ela conta que administra um “museu vivo”, já que a propriedade é herança de família, é a casa onde foi criada, e, até hoje, tem tudo funcionando exatamente como o patriarca idealizou. “Tem monjolo de socar arroz, moinho d’água, carneiro hidráulico, arado e um monte de objetos que muitas crianças não têm nem ideia de como funcionam. Elas ficam encantadas ao ver a água como fonte de energia da fazenda”, exemplifica Dores.O público-alvo do museu são grupos escolares, que têm duas opções de visi-tas: o dia todo ou meio período. Os visitantes fazem refeições típicas e podem ter experiências únicas, como conhecer as plantações de cana, feijão, café e milho (de subsistência); visitar o alambique, onde são produzidos cerca de 30 mil litros de cachaça por ano; tem ainda a agroindústria, com a produ-ção de rapadura; e podem também andar a cavalo, de charrete ou de carro de boi. Mais de 1600 pessoas já tiveram essas experiências desde que o museu foi aberto à visitação, em 2014. “Eu morei em São Paulo por dez anos, mas sempre tive vontade de voltar. É na roça que está a minha maior fonte de co-nhecimento”, enfatiza Dores, que recebeu apoio da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-MG) para começar os negócios.Além de gostar muito de ler, a empreendedora conta que está sempre pes-quisando sobre educação patrimonial e produção de cachaça, que são suas grandes paixões e formas de sustento. E não é porque mora no interior que Dores se sente impedida de buscar novos conhecimentos. Ela tem certificado de vários cursos ministrados pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural

(Senar): produção de rapadura, melado e açúcar mascavo, derivados do leite, artesanato em fibras naturais e administração de propriedades rurais. Além de formação livre em museologia social e participação em oficinas e semi-nários sobre turismo e agricultura familiar. O curso de produção de cacha-ça de qualidade ela fez pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Na minha família, educação sempre foi prioridade. Só ela pode nos salvar da alienação”, diz a agricultora, que é casada, tem três filhos e não se cansa de compartilhar seus conhecimentos – seja contando casos presencialmente na fazenda, seja pelo telefone ou internet, que são também seus aliados para não deixar adormecer as memórias dos costumes do homem do campo.

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DIREITO DE ACESSO À TERRA E ÀS RAÍZESNa área rural de Araguaína, no norte de Tocantins, a agricultora familiar Fer-nanda Pereira de Souza, 34 anos, sonha com o futuro da sua propriedade. Recentemente, ela recebeu o título das terras que ocupa por meio do Progra-ma Terra Legal, coordenado pela Secretaria Especial de Agricultura Familiar e de Desenvolvimento Agrário (Sead). Fernanda cresceu na roça, vendo os pais cuidarem da propriedade de terceiros. “É uma segurança jurídica para mim e para os meus filhos. Ninguém vai poder nos tirar daqui. A partir de agora poderei investir com tranquilidade na minha produção. Pretendo fazer o que não consegui ainda”, acredita.A instalação de energia é um dos benefícios que já chegou às suas terras junto com a concessão do título. Com isso, o gerador de energia usado para a irrigação por gotejamento das plantas poderá ser aposentado. Fernanda, a partir de agora, também poderá solicitar o crédito rural com juros baixos por meio do Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf). Segundo ela, esse será o próximo passo para financiar a sua produção.Na propriedade de cinco hectares e meio ela cultiva, de forma orgânica, árvores frutíferas, como mexerica, laranja, buriti, castanha de baru, pequi e coco, que já começam a dar frutos. Por enquanto, a renda da propriedade vem da criação de galinhas e ovos caipiras que são vendidos em feiras do município. Entre os investimentos que a agricultora pretende fazer estão a construção de uma casa de farinha, a casa do mel, um criatório de cabra e um viveiro de mudas com plantas nativas frutíferas, sendo que, dessas, 20% serão de plantas medicinais. “Eu e o meu marido estamos terminando de colocar o cercado na propriedade. Também queremos fazer um piquete para a criação de carneiros e ter umas quatro vacas para produção do nosso leite”, antecipa.Para a secretária interina de Reordenamento Agrário (SRA) da Sead, Ra-quel Santori, o acesso das mulheres à terra é um passo importante para a superação da pobreza e da desigualdade. “Priorizar o nome das mulheres

no título da terra é o reconhecimento do seu papel dentro da família e na relação com a terra”, afirma.Terra Legal e Regularização Fundiária Desde que foi criado em junho de 2009, o Programa Terra Legal emitiu 26,5 mil títulos urbanos e rurais na região amazônica. Dos títulos emiti-dos, estima-se que 10 mil foram para mulheres. Outra ação da Sead que tem realizado sonhos e levado cidadania ao campo é o Programa Cadastro de Terras e Regularização Fundiária (PCRF). Por meio dele, a dona Damia-na Gomes da Silva, 71 anos, em julho deste ano, recebeu o título da terra de um hectare que era ocupado há anos pelo seu pai. Damiana mora com o marido, Abel Constine da Silva, 73 anos, no município de Jandaíra, no Rio Grande do Norte. Todos os sete filhos do casal são agricultores familiares. “O registro é bom porque ninguém vai bulir (tomar) essa terra da minha família”, destaca. Por meio do PCTRF são identificadas as áreas devolutas estaduais, o que possibilita a destinação, pelo Estado, dos imóveis regulari-zados aos seus ocupantes e contribui com o processo de desenvolvimento das comunidades rurais.

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DIREITO PARA A TOMADA DE DECISÕES E LIDERANÇAAs mulheres rurais estão cada vez mais presentes nos quadros diretores de associações e cooperativas. Espaços que, por muito tempo, eram pre-dominados pela figura masculina. Mulheres como a agricultora familiar Divina Dias Moura, 59 anos, que preside há mais de oito anos a Coo-perativa Mista do Vale da Esperança (Cooperval), no município goiano de Formosa. O empreendimento, que ela ajudou a fundar, em 2008, é especializado em polpas de frutas do cerrado e comercializa parte da pro-dução para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).Desde o início, a presença feminina foi marcante. “Nossa cooperativa foi fundada por mulheres, mas é mista. A maioria do trabalho é desempenha-da pelas agricultoras, com a ajuda de uns três homens. Às vezes a gente se cansa muito, mas temos uma garra que não queremos que acabe. Quando a cooperativa foi aberta, eu já era presidente. Em breve pretendo deixar essa função, mas vou ficar acompanhando até que a nova liderança pegue jeito. Não posso deixar que todo o trabalho que fizemos até aqui se aca-be”, conta Divina.EmpoderamentoAssim como ela, muitas trabalhadoras rurais vão além do processo pro-dutivo nas organizações familiares. Segundo a secretária de Mulheres da União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária (Unicafes), Iara Andrade, o intuito é que ainda mais mulheres ultrapassem as barreiras para participar dos processos de tomada de de-cisões e liderança.“Trabalhamos muito na perspectiva de empoderamento da mulher rural. Nosso esforço e motivação são para que as agricultoras façam parte do processo de construção que é realizado nas cooperativas e associações familiares, colocando a mulher e suas questões dentro do debate. Esse protagonismo já tem surtido efeito no país. É possível ver grupos de mu-

lheres que se organizaram para comercializar os produtos pelos progra-mas de compras institucionais e até cooperativas específicas de mulheres rurais”, afirma.Para Iara, a representação feminina nas cooperativas e organizações abre espaço para a discussão de temas que, até então, eram considerados como tabus no campo. “Quando as mulheres participam ativamente dos qua-dros diretivos das organizações, elas têm a oportunidade de debater as questões da violência contra a mulher e da valorização do trabalho femi-nino”, explicou.

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DIREITO A UMA VIDA LIVRE DE VIOLÊNCIAAos 15 anos ela casou. Com 22 anos, já tinha três filhos e um longo his-tórico de violência doméstica. Cansada, decidiu fugir com os pequenos e iniciar uma nova vida. Hoje, aos 47 anos, a agricultora familiar Tatiana Si-queira Muniz é exemplo de superação e diretora financeira da Rede Xique Xique, um grupo que busca fortalecer as unidades familiares, cooperativas, associações e grupos guiados pela economia solidária, pela agroecologia e pelo feminismo. O Xique Xique está presente em três estados do Nordeste: Ceará, Rio Grande do Norte e Maranhão.Tatiana conta que saiu do município Macau, no Rio Grande do Norte, onde moravam seus familiares, e desembarcou em Areia Branca, no mesmo esta-do, sem conhecer ninguém. Trabalhou em um restaurante sem salário em troca de moradia e comida. “Eu me sentia muito agradecida por ter onde morar com os meus filhos. Para ter uma renda, fazia faxinas e lavava rou-pas”, lembra.A sua visão de mundo e situação econômica começou a mudar em 2009, quando já morava em Tibau do Norte, e conheceu um movimento de mu-lheres atuantes na região. Na época, ela conta que trabalhava com pescado e participava da organização de uma feira na sua cidade, com o apoio do Ministério do Desenvolvimento Agrário (atual Secretaria Especial do De-senvolvimento Agrário, Sead) e da Emater/RN. “Até então, eu fazia parte de um grupo e não participava das reuniões. Foi aí que comecei a ver a vida de outra forma. Eu tinha vergonha até de dizer o meu nome”, conta.Foi nessas reuniões que a agricultora conheceu mulheres com a mesma his-tória vida e que haviam superado. “Eu vi que eu tinha forças para contar a minha história e também superá-la”, diz.A renda de Tatiana hoje vem da criação de galinhas e do pescado. Conforme a agricultora, ela segue o ciclo da natureza. “Pesco na época apropriada e crio galinhas. Atualmente, com a seca, é da criação de galinhas que vem a minha

renda mensal de R$ 1.200”, diz. As galinhas são vendidas em cestas junto com outros produtos da agricultura familiar na feira semanal do município vizinho de Mossoró.A agricultora já participou das compras institucionais do Governo Fede-ral por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e do Programa Nacional de Aquisição de Alimentos (PAA). “Foi entre 2013 e início de 2015. Eu conseguia tirar um salário mínimo com essas vendas”, destaca.

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DIREITO À PAZO barulho do salto alto pisando firme anuncia que vem chegando uma mulher de coragem. Raquel está em Brasília e veio participar de mais uma reunião no Instituto Nacional de Colonização Agrária e Reforma Agrá-ria (Incra). Antes de dirigir-se ao compromisso, ela passa na Ouvidoria Agrária Nacional (OAN), que fica no mesmo prédio.Há cinco anos Raquel mantém uma comunicação próxima da Ouvidoria Agrária Nacional, informando os conflitos agrários da sua região. Ela é uma das líderes nacionais do Movimento Social de Luta (MSL), no estado de Goiás e no Distrito Federal. Por causa do espaço que ocupa dentro do movimento, ela conta que já esteve à frente de conflitos e sofreu ameaças de morte. “Devido às ameaças, já tive que passar seis meses longe da minha família”, afirma.Raquel vive no acampamento João Sem Terra, no município de São João da Aliança, em Goiás. Ela conta que a parceria com a Ouvidoria tem sido fundamental para manter a paz no campo. “Em 2014, durante um confli-to entre os movimentos, mandei uma mensagem pedindo socorro à Ouvi-doria Agrária Nacional. Essa ação fez com que o outro grupo recuasse. O fato de saberem que temos o apoio da Ouvidoria evita muitos conflitos”, fala.Conforme assessora da OAN Ana Cristina Fernandes, sempre junto de um homem que ocupa uma posição de liderança no campo há uma mulher e, geralmente, os dois acabam morrendo juntos. Isso, segundo a assessora, é porque a esposa também é uma líder e acaba ocupando o lugar do marido, após a sua morte.“Acredito que em razão do trabalho da Ouvidoria Agrária Nacional e da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo, presidida pelo ouvidor agrário nacional, desembargador Gercino José da Silva Filho,

inúmeros conflitos no campo são combatidos. Mas o medo ainda é muito grande. É tudo muito sofrido para as mulheres, pois há muitas que estão lutando sozinhas pela terra”, diz.Como acessar a OuvidoriaAs demandas devem ser formalizadas por e-mail à Ouvidoria Agrária Na-cional ou às Ouvidorias Agrárias Regionais, com as informações exatas de onde se localiza o imóvel rural, município, estado e telefone para contato.Em média, a reposta de como a demanda foi encaminhada demora em tor-no de 15 a 20 dias por parte das Ouvidorias. Conforme Ana Cristina, em casos de risco iminente de morte, o atendimento é imediato. Em casos de situações extremas, a vítima é encaminhada para programas de proteção e poderá ser retirada da localidade. “Trabalhamos sempre de forma imparcial na resolução dos problemas fundiários, interpretando as demandas, identificando o órgão competen-te e encaminhado as denúncias. Muitas vezes são processos judiciais ou administrativos que estão parados ou vistorias em imóveis rurais que pre-cisam ser realizadas. Há algumas denúncias que conseguimos resolver dentro do próprio município, a cessando a secretaria competente local”, explica. A Ouvidoria Agrária Nacional (OAN) fica no Setor Bancário Norte (SBN), Quadra 1, Bloco D, 6º andar do Edifício Palácio do Desenvolvimento, em Brasília. As demandas devem ser enviadas para o e-mail: [email protected]. Telefones de contato: (61) 2020-0796 2020-0904.

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DIREITO DE POSICIONAMENTO JUNTO ÀS AUTORIDADESVocê sabia que algumas das políticas que transformam a agricultura familiar brasileira foram resultados das lutas das mulheres rurais? É isso mesmo. As trabalhadoras do campo, das águas e das florestas, como são conhecidas, encontraram na Marcha das Margaridas um espaço de empoderamento e diálogo com o governo federal. Desde quando começou a mobilização, no ano 2000, as mulheres rurais tiveram numerosas conquistas desde o aces-so à terra e à documentação, o enfrentamento da violência sexista, até o apoio à produção, saúde e educação.A secretária de Mulheres Trabalhadoras Rurais da Confederação dos Tra-balhadores na Agricultura (Contag), Alessandra Lunas, explica que a mo-bilização nacional deu visibilidade às questões das mulheres rurais. “Não era só estar dentro da organização representativa. Tinha uma demanda também que precisava ser passada para a sociedade. Foi então que nasceu a necessidade de levar isso para a rua e de dizer ao governo o que a gente queria”, ressaltou.Uma dessas demandas virou subsídio para a criação do Programa Nacio-nal de Documentação da Trabalhadora Rural (PNDTR), da Secretaria Es-pecial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (Sead). De 2004 até hoje, mais de 1,5 milhões de mulheres brasileiras foram bene-ficiadas com a emissão gratuita de documentos civis e trabalhistas, entre eles as carteiras de identidade e de trabalho e o CPF.Outra conquista importante, fruto da Marcha das Margaridas, foi a criação de uma linha específica do Programa Nacional de Fortalecimento da Agri-cultura Familiar: o Pronaf Mulher – ampliando, assim, a participação do público feminino na principal linha de crédito do governo federal para a agricultura familiar.“Desse lugar de mobilização, nasce a necessidade de dar visibilidade a luta das mulheres rurais e a garantia da voz delas. Na ampla maioria dos muni-

cípios não tem ninguém que discute política para mulheres então é preciso gritar de Norte a Sul desse país, não só em Brasília, para mostrar a força dos 51% da população brasileira: as mulheres”, comentou Alessandra.Mulheres em marchaEm 16 anos, foram realizadas cinco edições da Marcha das Margaridas (2000, 2003, 2007, 2011 e 2015). Organizada pela Contag, com o apoio de outras entidades representativas, ela é considerada a maior mo-bilização de trabalhadoras rurais do país. O encontro nacional é voltado a todas as mulheres: do campo, como as agricultoras familiares e assentadas da reforma agrária; das águas, como as pescadoras artesanais, marisquei-ras, ribeirinhas; das florestas, entre elas as extrativistas e as silvicultoras; e das cidades, aquelas que moram nas áreas urbanas.Pelo reconhecimento da importância desse espaço de mobilização, foi criada a Rede Internacional de Articulação Margaridas do Mundo. “A compreensão é que a Marcha das Margaridas não é uma luta das mulheres brasileiras, das mulheres rurais. Ela é uma luta nossa pela garantia dos direitos de todas as mulheres”, finalizou a secretária.HomenagemA Marcha das Margaridas homenageia a trabalhadora rural paraibana, Margarida Maria Alves (1943-1983), que durante 12 anos presidiu o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande (PB). Margarida incentivava as trabalhadoras e trabalhadores rurais a buscarem na justi-ça a garantia de direitos. Dos frutos do trabalho dela está a fundação do Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural.

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DIREITO AO LAZER E AO TEMPO LIVREFaltam horas nos dias de Maria Clêuza de Barros, de 58 anos, de Brazlân-dia, área rural do Distrito Federal. Agricultora familiar, mãe de quatro fi-lhos, avó de seis netos, mulher. São vários papéis a desempenhar. Mas com organização e investimento na produção, ela dá conta do recado e encontra tempo para fazer as coisas que mais gosta: cuidar das plantas do jardim e viajar pelo país.Às 5h30 ela já está de pé. Cuida da lavoura, limpa a casa, cozinha, faz o transporte da produção para o ponto de comercialização em Brasília, a 50 quilômetros da sua propriedade. “Só 24 horas, para mim, é pouco. Tem dia que dá onze horas da noite e eu ainda estou descarregando caminhão”, conta Maria, que ficou viúva há 14 anos.Mesmo com tantos afazeres e responsabilidades, Maria tem direito a um tempo livre para se dedicar ao que mais gosta e lhe faz bem. “São as flores que dão vida à minha casa. Do florido, encontro forças para continuar”, ex-plica, entre rosas, begônias, jasmins e orquídeas. O cuidado com as plantas, que ela chama de “filhas”, é diário. “É como se fosse uma terapia”, afirma.É do trabalho do campo, que Maria tira o dinheiro para pagar as contas, comprar roupas, complementar a alimentação, fazer cursos, viajar e cuidar das plantinhas que enfeitam o jardim. Com a ajuda dos filhos, produz ver-duras e frutas diversas.A produtividade que garante a renda da família veio com o apoio de políti-cas públicas do governo federal, como a linha Mais Alimentos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que oferta crédito para agricultura familiar em condições especiais. Desde 2011, já foram três financiamentos. “Já compramos um caminhão-baú, uma Fiori-no, e agora estamos querendo investir numa câmara fria”, relata. Segundo ela, o fácil acesso aos programas do governo federal foi funda-

mental para ter renda garantida e, consequentemente, tempo para o lazer. “Nós precisamos desse apoio, sem ele, seria muito difícil. Eu não teria como fazer, por exemplo, o transporte dos produtos”. Além da dedicação às plantas, Maria usa o período livre para bordar, fazer cursos e viajar. Este ano ela já foi para São Paulo e Espírito Santo. E os próximos destinos já estão certos: Ceará e Natal. “Só falta planejar a data. Meu sonho é levar a turminha toda”, conta.Natural de São Gonçalo do Abaeté, pequeno município do noroeste mi-neiro, Maria já passou fome e chegou a sofrer dois abortos por causa de desnutrição. Em 2000, chegou a Brasília cheia de sonhos. E, com o apoio das políticas públicas, os tem conquistado.

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DIREITO À ALIMENTAÇÃO“A minha hortinha é pequena, ocupa a metade dos fundos da minha casa que tem 11 metros quadrados. Mas é nela que cultivo os alimentos que tor-naram a alimentação da minha família mais saudável”, comenta a agriculto-ra familiar Eliete da Silva Lopes, de 54 anos.Eliete vive em Cabo de Santo Agostinho, no litoral de Pernambuco. Há quatro anos ela e mais 14 mulheres da comunidade foram convidadas a par-ticipar dos Quintais Produtivos. Na região, o projeto é coordenado pelo Instituto de Assessoria para o Desenvolvimento Humanos (IADH) e faz parte do programa Reserva da Cidadania, que tem como objetivo o desen-volvimento local sustentável.Com as novas técnicas de manejo ecológico que aprendeu no programa, Elie-te ampliou a sua produção. “Tudo é cultivado de forma bem natural, sendo apenas a terra, a água e a retirada manual diária das folhinhas que aparecem”, explica.A horta de Eliete hoje é diversificada, tem pimentão, jerimum, batata doce e algumas árvores frutíferas. “Também aprendi a preparar comidas com o que cultivo, como geleias, bolos e pães. Eu faço pão de jerimum e creme verde com ervas”, conta.Os alimentos são consumidos pela família e o excedente vendido nas feiras do município ou para quem vai buscar na sua propriedade. Ela explica que na véspera as agricultoras se reúnem para ver o que cada uma tem condições de vender na feira.A agricultora acredita que a sua qualidade de vida mudou, pois aprendeu a ter uma alimentação mais saudável. Ela também divide o conhecimento ad-quirido com a comunidade. “Repasso o que aprendi para as minhas amigas. Também sou convidada para ir nas escolas ensinar as crianças a fazerem hortinhas em casa”, finaliza.Quintais produtivosOs quintais produtivos são áreas que ficam nos arredores das casas usadas para o cultivo de frutas, verduras, ervas e plantas medicinais e para a criação

de pequenos animais. Eles são importantes pois, além de garantir alimenta-ção saudável para a família, se tornaram uma fonte de renda extra. Conforme a coordenadora de Organização Produtiva da Diretoria de Polí-ticas para Mulheres Rurais da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (SEAD), Priscila Silva, o Plano Plurianual 2016/2019 prevê a implementação de cinco mil quintais produtivos em todo o Brasil.Priscila explica que os quintais garantem a segurança alimentar e nutricional das mulheres e das suas famílias o ano todo, além de exigir menos esforço físico dela devido à maior proximidade com a casa s e usar menos água no cul-tivo. Os quintais, segundo ela, possibilitam uma renda extra e, muitas vezes, são a porta de transição para a produção agroecológica, pois as agricultoras experimentam as técnicas de produção da agroecologia e podem expandi-las para toda a propriedade.“Em muitos desses espaços, são cultivados ervas medicinais e temperos es-pecíficos que possuem relação com os povos tradicionais e quilombolas. Preservamos a biodiversidade, mesmo que seja em baixa escala”, explica.Fomento MulherTrabalhadoras assentadas da reforma agrária possuem uma linha de crédito específica para investirem nos quintais produtivos. Com o crédito Fomen-to Mulher, cada trabalhadora pode receber até R$ 3 mil, com o prazo de um ano para pagar. Se for pago dentro deste prazo e de uma vez só, a agriculto-ra familiar tem um desconto de 80%.Para acessar o benefício é preciso que ela seja atendida pelo Serviço de As-sistência Técnica e Extensão Rural (Ater) e esteja com o seu cadastro no Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra) atualizado. Também é pre-ciso estar inscrita no CadÚnico.

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DIREITO A UMA VIDA DIGNA E À LUTA PELA ERRADICAÇÃO DA POBREZAA família da agricultora familiar Verônica Maria Montemezzo, de 56 anos, impressiona pelo tamanho. A gaúcha tem seis irmãos mais velhos e cinco mais novos que ela. Com a casa sempre cheia, não era difícil ver a família passar por momentos mais duros na vida. Sempre partilhando tudo entre os 11 irmãos, Verônica viu nessas dificuldades que enfrentou no passado o ponto de partida para melhorar de vida e ter mais dignidade.Muitos anos depois, vivendo no município de Rolante, região metropolitana de Porto Alegre (RS), Verônica começou a trabalhar para tirar da agricultura familiar o seu sustento. “Passei por muita coisa para chegar aonde cheguei. Foi bem complicado, muito trabalho”, relembra. Por ser mulher, ela acredita que houve mais desafios nessa jornada. “Ouvi de muita gente que não ia conseguir fazer minhas coisas. As pessoas acham que a gente se faz de coitada”, desabafa.Hoje, a agricultora cuida de sua agroindústria de massas, onde trabalha por todo o inverno, de março a agosto. A produção é intensa. “São oito mulheres me ajudando nesse período. Cada uma consegue produzir 1kg de capeletti por hora, sendo que trabalhamos por cinco horas diárias, todos os dias”.Nos outros meses, Verônica se dedica à produção de pães e cucas, já que mora na ‘capital nacional da cuca’, em Rolante. “O pessoal me ajuda a vender nas casas da região e muita gente vem procurar também”, comenta. Ela ressalta que a Assistência Técnica e Extensão Rural, da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (Ater/ Sead), foi uma importante fer-ramenta para o sucesso dela. “A Emater daqui me ajudou muito, eles que me incentivaram com a agroindústria”, conta.A Ater é apenas uma das ações da Sead para a luta contra a pobreza e a fome no Brasil. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), por exemplo, leva alimentos mais saudáveis e diretamente do campo para es-colas da rede pública de todo o País – muitas crianças só contam com essas refeições.

A agricultora capixaba Selene Hamner Tesch, 53 anos, comanda a Coope-rativa de Agricultores Familiares (CAF), em Santa Maria do Jetibá (ES). As mais de 500 escolas da rede pública recebem da CAF verduras, legumes, feijão, frutas e outros itens, tudo orgânico, para a merenda escolar. “Isso faz toda a diferença para nós, é um retorno muito bom”, comemora. Para ela, participar desses programas é uma forma de valorizar mais quem pro-duz no campo e ajudar a quem precisa. “Depois disso, começamos a cami-nhar melhor”, afirma.ErradicaçãoVerônica e Selene viram o país melhorar de um tempo para cá. Assim como elas, o Brasil passou por dificuldades, mas, em 2014, foi dado um importante passo: saímos do Mapa Mundial da Fome. De acordo com dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o Brasil é um dos países que mais contribuíram para o mundo alcançar a meta proposta pelo primeiro dos oito objetivos da Organização das Nações Unidas (ONU) até 2015: acabar com a pobreza extrema e com a fome, tornando-se referência internacional em relação ao assunto.Enquanto o mundo conseguiu reduzir a pobreza extrema pela metade – de 47%, em 1990, para 22%, em 2012 – o Brasil, no mesmo período, erradi-cou a fome e fez com que a população extremamente pobre do País caísse de 25,5%, em 1990, para 3,5%, em 2012.Para Geise Mascarenhas, da Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais da Sead, “Essa campanha é importante para que as mulheres rurais reconheçam seu direito a ter uma vida digna e livre de violência, a ter acesso à alimentação em qualidade e quantidade, à água, à terra, à informação, ao lazer, entre tan-tos outros. Finalizar a campanha nesse dia ajuda a visibilizar a contribuição das mulheres rurais e da agricultura familiar para o Brasil sair do mapa da fome”, explica.

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