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Páginas Amarelas - TAYANE GARCIA

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O ator, escritor e artista cea-rense Costa Senna, 55 anos, iniciou sua carreira artísti-ca no teatro na década de

1980. Desenvolveu projetos voltados para crianças e adolescentes, como o “Cordel nas Escolas” e a “Caravana do Cordel”, gravou quadro CD’s, publicou livros, participou de filmes e ganhou espaço e conceito com a literatura de cordel. Preocupado com os avanços tecnológicos e sociais, Costa Senna foi um dos precursores da nova face do cordel, que, além de se preocupar com a estética, valoriza mais o poema em seu contexto. Diz ele: “A literatura de cordel existe para combater as grandes causas. Precisamos tratar das questões sociais, da educação, falar da problemática dos sem terra, dos sem teto”.

O senhor passou por dificuldades quando chegou em São Paulo? Qual foi a diferença que o senhor sentiu de São Paulo para Fortaleza, sua cidade de ori-gem? A diferença que existe é que são terras diferentes. Você vai chegando a um lugar, que é bem maior que For-taleza, e você não conhece ninguém, não sabe a quem pedir uma ajuda, você não sabe onde buscar uma infor-mação, você não sabe como buscar campo de trabalho. Então teve essa di-ficuldade, mas eu dominei São Paulo com muita facilidade. Eu acho que no quarto, quinto mês que eu estava aqui, eu já estava começando avançar um pouco mais dentro da minha meta de vida. Em São Paulo apareceram mui-tos trabalhos para mim, mas eu não queria, até porque eu vim pra cá para trabalhar com arte, para trabalhar com literatura, ser um trabalhar de arte e de cultura e eu não iria jamais deixar esse ideal de lado pra fazer uma coisa que eu não gostaria de fazer, senão eu teria ficado para fazer lá em Fortale-za, que tinha família, tinha toda uma

Entrevista COSTA SENNATAYANE GARCIA

A nova face da poesiaO poeta cearense diz que os professores que levam o cordel para a sala de aula conseguem “driblar” melhor certos questionamentos e deixar a aula mais alegre

veja/universidade cruzeiro do sul I 24 DE MAIO, 2011 I 01

“Ás vezes eu me sinto um ator

brincando, encenando um papel de compositor”

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“Aquele momento eu não consigo

esquecer. Um poeta declamando, com

aquela dicção maravilhosa, aquela

expressividade. A primeira vez que eu vi, eu me encantei e

foi ali que eu comecei a ser poeta”

estrutura montada já: primo, parentes, amigas, minha mãe.

Sua intenção sempre foi trabalhar com arte e literatura? É eu nunca trabalhei na vida com outra coisa. Para não di-zer que eu não trabalhei, o meu tempo de trabalho, fora do que eu gosto de fazer, foram quatorze, quinze meses só. Depois eu vi que não era o que eu queria e acabei deixando tudo de lado e partindo para arte. E deu certo. Está dando certo. Ainda tem muita coisa para ser feita.

Como foi sua passagem no teatro? Eu fiquei muito tempo trabalhando com teatro. O teatro não me impedia de fa-zer poesia, porque é o poeta que nasce poeta, ele vai se aperfeiçoando depois, vai estudando, vai lendo, vai ouvindo. O teatro foi uma grande oficina para mim, porque eu convivi com pesso-as de uma cultura elevada o caso da Guaracy Rodrigues, Murilo Blaciano, Erotilde Onoro, Ari Sherlock... Eu acredito que o meu diferencial hoje, quando eu estou declamando um cordel, é exatamente porque eu passei pelos palcos do teatro.

As primeiras peças apresentadas pelo senhor, como: A noite Seca, Deus lhe Pague e O Caldeirão, foram produzidas na época em que ocorria o regime mili-tar. Houve algum tipo de proibição para que essas peças não fossem apresenta-das? A primeira peça que eu trabalhei foi a “Noite Seca” de Geraldo Ma-rkan. Ela tratava sobre a reforma agrá-ria. Então, foi muito duro, a gente foi perseguido, a polícia federal ficava no pé da gente o tempo todo, nosso cená-rio foi destruído uma vez pela polícia federal...E essa peça a gente teve que apresentar no Taibe porque era único lugar que a gente podia apresentar. Eu trabalhei na “Noite Seca”, trabalhei em “Barrela” do Plínio Montado de Fortaleza, trabalhei no “Caldeirão” do Oswald Barroso, sob a direção de Eroltilde Onoro, onde tratava de uma matança que houve em Juazeiro do Norte. Bom, só sei que achavam que era um antro comunista e o governo da época mandou destruir tudo.

Quando o senhor começou a se interes-sar por cordel? Eu acho que eu traba-lhei em umas cinco, seis peças, e eu achei maravilhoso, mas ainda não era o que eu queria, porque dependia de muita gente. O teatro sempre depende de muita gente, e para sobreviver em uma cidade tipo São Paulo, sem você ter a quem procurar, você tem que ter um pequeno lucro de imediato pra você poder comer, dormir tal. E foi aí que eu comecei a esquecer um pouco o teatro e partir para um trabalho solo através da literatura de cordel dentro das salas de aula como eu fazia em Fortaleza, dosado com um pouco de humor. Naquela época eu fazia bas-tante coisa de humor. Hoje em dia eu não faço mais.

Como o senhor classifica essa “Nova face da Literatura de Cordel” com os cordéis desenvolvidos por Patativa do Assaré? Vamos começar falando sobre o Patativa. Nós cordelistas, a gente não consegue ver o Patativa como cordelista, me refiro a maioria. O cordel é muito exato, se você começa o cordel com a estrofe de sete versos, todas as estrofes vão ter que ter sete versos. Se o teu verso tem sete síla-bas, todos os seus verbos terão que ter

sete sílabas. Então esse tipo de poesia que Zé Limeira, Patativa do Assaré, Zé da Luz e outros faziam, é chamado de poesia matuta, ela não é tão exigi-da como o cordel. Eu não quero dizer que o Patativa não era capaz de fazer cordel, era, e até demais, indiscutível, só que ele não fazia. Ele viveu quase cem anos e ele fez apenas doze, treze, catorze, quinze, no máximo quinze cordéis, então não é cordelista. Essa nova face que as pessoas citam, não fui eu que citei, é que existe uma pre-ocupação com a literatura de cordel. Existe um grupo de pessoas tentando rever a história da literatura de cordel do jeito que ela realmente merece ser vista. Os valores mudaram muito. Então, como teve essa mudança de valores, em vários setores da socie-dade, a literatura de cordel também avançou.

Como o senhor avalia o exercício do cordel e da literatura nas escolas públicas? A literatura tem que estar na sala de aula, e se a literatura está na sala de aula, a literatura de cordel também tem que estar. Eu acredito até que tinha que ter uma disciplina sobre literatura de cordel. Seria bom que começasse logo lá no primeiro ano e quando chegasse à faculdade tivesse uma cadeira (matéria) a ser estudada, uma coisa mais séria. Eu acho que um professor, uma professora em uma sala de aula, levar o conhecimento da literatura de cordel, ela ou ele sempre vão conseguir driblar melhor certos questionamentos dentro da sala de aula, deixar uma aula mais alegre, deixar o aluno mais feliz e transfor-mar muitos alunos, no futuro, em poetas.

O senhor acredita que seja possível aumentar o interesse das pessoas na literatura brasileira a partir de movimen-tos culturais? Por quê? Eu acredito sim. Quando você passa a se inte-ressar por uma coisa que você viu, a busca vai ser mais constante, você vai ter mais esperança de alcançar o seu sonho. Então, se tem algum veículo levando cultura pra sala de aula, para as bibliotecas, para as praças públicas,

Entrevista COSTA SENNA

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para todos os espaços, isso vai abrir um leque muito grande na mente das pessoas e elas vão começar a fazer aquilo que viram, a tocar um instru-mento, a tentar compor uma música, a cantar, contar uma história, fazer uma coreografia, capoeira, uma dança qualquer... Com certeza, se todos os espaços que nós temos passam a ser preenchidos com as nossas culturas populares isso vai despertar o inte-ressa de muita gente a aderir, a tentar fazer e a divulgar aquilo que estão vendo.

Como surgiu a ideia de criar eventos voltados para crianças e adolescen-tes como o “Cordel nas Escolas”? Eu sentia que a literatura de cordel dentro da escola ia fazer um efeito muito grande. Eu fui pegando todas as manhas, eu sentia que você que está se apresentando, tem que ter uma dinâmica muito boa, você tem que ter ritmo no que faz, não errar, porque o jovem vai estar sempre torcendo para que você erre que é para ele avacalhar e a coisa não sair mais. Numa sala de aula, em uma escola, se você ficar ma-nhã e tarde, você terá no mínimo 500 pessoas pra te assistir. É uma plateia. Tem escolas que eu me apresentei que eram 500 pessoas de manhã, 500 pessoas de tarde, 500 pessoas de noi-te. O que a pessoa que trabalha com arte quer? Evidência. Quer gente para aplaudir, reconhecer o seu trabalho. Não existe lugar melhor do que uma escola, uma faculdade.

Como a música surgiu em sua vida? Eu sempre cantei. Em Fortaleza eu tinha a mania de ir para as baladas e ficar nas mesas de praia tocando um sambinha batido a mão e até recebia alguns trocados por aquilo. Eu tocava Paulinho da Viola e aí vai. Eu sem-pre fazia da música uma brincadeira. Em São Paulo, foi que a música despertou, porque eu declamo com muita agilidade e se você não tiver um conhecimento bom do que você está ouvindo, você vai pensar que eu estou cantando, mas na realidade eu não estou cantando, eu estou falando. Eu falo com muita facilidade e eles

achavam que eu estava cantando e começaram a me chamar de cantor. Uns queriam que eu cantasse e outros não. Eu comecei a compor e a cantar no final dos meus 40 anos. Eu come-cei a transformar minha obra literária em música.

Em entrevista a “Rádio Z”, que ocor-reu devido à divulgação da “1° Mostra Nordeste”, você disse que sua grande inspiração foi uma pessoa que você não sabe exatamente o nome, mas que era um ótimo declamador. Como foi o despertar desse interesse? Essa pessoa, da família dos Maroca, é um declamador maravilhoso que encantou uma criança de 6 anos. Parece que eu vejo o cara. Sabe o que é um montão de gente em um terreno, sem micro-fone sem nada e um cidadão chegar e soltar aquela voz. Aquela voz que não parecia ser nem grave nem médio, era uma voz que “soava” bem nos ouvidos. E o que me fez ser poeta foi ver e ouvir esse cidadão declamando. Eu era muito jovem, no sertão do Ceará, e aquilo ficou na minha cabeça e, a partir dali, eu tentava fazer tudo aquilo que eu via e ouvia. Acho que me aproximo bem desse cara lá quan-do eu declamo, porque eu guardei a imagem dele, aquele momento eu não

consigo esquecer. Um poeta decla-mando, com aquela dicção maravilho-sa, aquela expressividade. A primeira vez que eu vi, eu me encantei e foi ali que eu comecei a ser poeta.

Como foi receber o título “Cidadão Paulistano” em 2008? O senhor já es-perava? Eu já esperava pelo trabalho que eu faço na cidade. Porque nesse tempo todo, nessa caminhada nas escolas, teve muita coisa de graça. Eu, parando para pensar, acho que eu fiz mais pela cidade do que a cidade fez por mim e só tinha um jeito da cidade retribuir tudo o que eu tinha feito por ela, que era me dando esse título. Então o título veio, eu agradeci muito e não paro de curtir porque é uma coisa muito forte , eu acho que eu sou, talvez, o primeiro poeta cearense a receber o título de cidadão paulistano. Não é uma coisa que você recebe todo dia, uma vez na vida; e dos milhões e milhões de pessoas que existem, raríssimas pessoas conseguem o título de cidadão paulistano em uma cidade chamada São Paulo.

No seu ponto de vista, qual será o futuro da cultural e literatura brasileira depois do advento da internet? Sofrerá alterações? Vai sofrer alterações, mas não vai acabar, até porque o livro é uma peça muito charmosa. Além do conteúdo, o livro ele é muito práti-co. Ele vai cair um pouco? Vai. São novos tempos, mas ele não vai sair das prateleiras das livrarias não. Eu vejo que ele vai quebrar por um lado e vai fortalecer pelo outro. Quando ele desaparecer, o homem e a mulher conseguiram um jeito mais fácil de buscar a leitura. Por enquanto, eu não vejo isso acontecer.

Como é trabalhar com essa versatilida-de de papéis: ator, cantor, compositor, escritor, cordelista e poeta? Eu nem sinto isso. Eu vejo uma pessoa só. Poderia se dividir em três momentos: o ator, o escritor e o artista. Esse ator, quando ele se determina a fazer ele faz. Ás vezes eu me sinto um ator brincando, encenando um papel de compositor.

“Se todos os espaços que nós

temos passam a ser preenchidos com

as nossas culturas populares, isso vai

despertar o interessa de muita gente tentar

fazer e a divulgar aquilo que estão

vendo”

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