16
PAISAGEM CULTURAL: relação dos moradores com o ambiente construído e natural da cidade de Ouro Branco /mg COUTO, Marcela M. (1); VIANNA, Bruna H. (2) 1. Engenheira de Produção pela Universidade Federal de Ouro Preto e mestranda no Mestrado Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável pela Universidade Federal de Minas Gerais marcela_moreira_couto@hotmailcom 2. Arquiteta e Urbanista pela Universidade Federal de Juiz de Fora e mestranda no Mestrado Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável pela Universidade Federal de Minas Gerais Rua Andesita, 146 apto 301, União, Belo Horizonte [email protected] RESUMO O presente artigo tem como objetivo analisar a intervenção da expansão da cidade de Ouro Branco, Minas Gerais, realizada pela siderúrgica Açominas na década de 1970. Trata-se de um plano urbanístico baseado no pensamento racionalista modernista da época, que divide a cidade em quatro zonas funcionais: urbana, industrial, agrícola e de preservação. Fundada com o nome de Santo Antônio de Ouro Branco, aproximadamente no ano de 1694, o povoado iniciou seu processo de ocupação através das primeiras bandeiras à procura de ouro. A estagnação econômica entre meados do século XIX e meados do século XX, na época de sua elevação a Município, só foi revertida a partir de 1976 com a implantação do Complexo Siderúrgico da Açominas. Como a cidade à época possuía não mais que 4.000 habitantes e uma precária infraestrutura, decidiu-se expandir a estrutura urbana para essa ser capaz de absorver uma população que pudesse atingir 180 mil habitantes quando alcançasse o nível máximo de produção pela siderúrgica. Tomando esse caso emblemático, este trabalho pretende analisar a interação dos moradores da cidade de Ouro Branco com o meio ambiente natural e planejado, a partir da perspectiva de sua paisagem cultural, perspectiva contemporânea que consegue articular essas dimensões com o patrimônio material e imaterial daquele conjunto urbano. Nesse sentido, vamos mostrar, em primeiro lugar, como a Serra de Ouro Branco, que emoldura a cidade, representa um significativo marco na paisagem, atuando como importante referência na cidade. Além disso, vamos mostrar através de pesquisa bibliográfica e documental e entrevistas com funcionários do início da implantação da siderúrgica como o conjunto se desenvolveu, e como em seu planejamento urbano, atuaram conceitos do urbanismo modernista, que, ao configurar aquela paisagem, terminam por influenciar no modo de vida de seus moradores. Palavras-chave: cidades siderúrgicas planejadas, paisagem cultural, Ouro Branco

PAISAGEM CULTURAL: relação dos moradores com o ambiente ... · Para melhor entendimento, o artigo conta com um histórico da cidade até a chegada da usina e, posteriormente, um

Embed Size (px)

Citation preview

PAISAGEM CULTURAL: relação dos moradores com o ambiente construído e natural da

cidade de Ouro Branco /mg

COUTO, Marcela M. (1); VIANNA, Bruna H. (2)

1. Engenheira de Produção pela Universidade Federal de Ouro Preto e mestranda no Mestrado

Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável pela Universidade Federal de Minas Gerais marcela_moreira_couto@hotmailcom

2. Arquiteta e Urbanista pela Universidade Federal de Juiz de Fora e mestranda no Mestrado Ambiente

Construído e Patrimônio Sustentável pela Universidade Federal de Minas Gerais Rua Andesita, 146 apto 301, União, Belo Horizonte

[email protected]

RESUMO O presente artigo tem como objetivo analisar a intervenção da expansão da cidade de Ouro Branco, Minas Gerais, realizada pela siderúrgica Açominas na década de 1970. Trata-se de um plano urbanístico baseado no pensamento racionalista modernista da época, que divide a cidade em quatro zonas funcionais: urbana, industrial, agrícola e de preservação. Fundada com o nome de Santo Antônio de Ouro Branco, aproximadamente no ano de 1694, o povoado iniciou seu processo de ocupação através das primeiras bandeiras à procura de ouro. A estagnação econômica entre meados do século XIX e meados do século XX, na época de sua elevação a Município, só foi revertida a partir de 1976 com a implantação do Complexo Siderúrgico da Açominas. Como a cidade à época possuía não mais que 4.000 habitantes e uma precária infraestrutura, decidiu-se expandir a estrutura urbana para essa ser capaz de absorver uma população que pudesse atingir 180 mil habitantes quando alcançasse o nível máximo de produção pela siderúrgica. Tomando esse caso emblemático, este trabalho pretende analisar a interação dos moradores da cidade de Ouro Branco com o meio ambiente natural e planejado, a partir da perspectiva de sua paisagem cultural, perspectiva contemporânea que consegue articular essas dimensões com o patrimônio material e imaterial daquele conjunto urbano. Nesse sentido, vamos mostrar, em primeiro lugar, como a Serra de Ouro Branco, que emoldura a cidade, representa um significativo marco na paisagem, atuando como importante referência na cidade. Além disso, vamos mostrar – através de pesquisa bibliográfica e documental e entrevistas com funcionários do início da implantação da siderúrgica – como o conjunto se desenvolveu, e como em seu planejamento urbano, atuaram conceitos do urbanismo modernista, que, ao configurar aquela paisagem, terminam por influenciar no modo de vida de seus moradores.

Palavras-chave: cidades siderúrgicas planejadas, paisagem cultural, Ouro Branco

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo estudar a ampliação da cidade de Ouro Branco pela

siderúrgica estatal Açominas com um exemplar traçado racionalista da década de 1970 e

considera-lo, juntamente com a influência desse na vivência de seus moradores, um

patrimônio. Um novo conceito dentro dos parâmetros do que é considerado relevante para

preservação. Um estudo que visa entender melhor os pensamentos que nortearam a maneira

de se organizar algumas cidades naquela época, cidades chamadas de “cidades empresas”

implantadas pelas siderúrgicas no estado de Minas Gerais.

A cidade de Ouro Branco se insere no contexto da corrida do ouro e posteriormente, a cidade

expandiu-se e abrigou à usina determinada no Plano Nacional de Desenvolvimento,

Açominas, a siderúrgica do Vale do Paraopeba. Para acolher seus funcionários, a empresa

criou uma “outra” cidade alheia ao traçado urbano e edificações que ali existiam.

Para melhor entendimento, o artigo conta com um histórico da cidade até a chegada da usina

e, posteriormente, um breve histórico dos acontecimentos importantes ocorridos no país e em

Minas Gerais para justificar a construção da siderúrgica na cidade. Sobre o pensamento

urbano racionalista, mostrando o contexto do desenvolvimento desses pensamentos e

também, a ampliação do conceito de patrimônio. E o planejamento urbano com o zoneamento

e como o mesmo influencia na vida dos moradores.

Será utilizado como referências bibliográficas artigos, matérias do jornal da cidade, livreto

distribuído pela usina que descreve o processo de implantação tanto da cidade quanto da

siderúrgica, plano de desenvolvimento urbano feito pela Fundação João Pinheiro. Além de

visitas ao local e entrevista com morador que presenciou a ocupação e as transformações que

ali houveram.

2 OURO BRANCO - “CIDADE ANTIGA”

Fundada com o nome de Santo Antônio de Ouro Branco, aproximadamente no ano de 1694, o

povoado iniciou seu processo de ocupação através das primeiras bandeiras à procura de

ouro, assentando-se ao pé da Serra de Ouro Branco, também denominada na época de Serra

do Deus Livre. Bandeira liderada por Manuel Garcia e Miguel Garcia, que após se separarem,

cada um descobriu uma espécie de ouro. “Ouro Preto”, cor produzida devido à presença de

óxido de ferro e “Ouro Branco”, cor amarelado devido à presença de paládio associado ao

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

mineral. Assim, denominando as duas cidades com os respectivos tipos de ouro encontrado.

1

A cidade, como todas originadas nessa época, tinha como estrutura urbana uma praça onde

se localizava a sede do governo, comércio e a imponente Igreja. A partir dessa praça se

originavam as demais ruas. O estilo arquitetônico vigente era o Barroco, predominante nos

templos religiosos erigidos no período colonial.

Nessa época, o esgotamento das jazidas auríferas e as dificuldades de exploração com o

processo primitivo utilizado, faz com que a atividade mineradora retrocedesse. O comércio e

agricultura passam a sustentar o povoado, possibilidade que surgiu com a passagem de

tropas vindas da capital em direção a Vila Rica, trazendo produtos variados como sal, tecido,

manufaturados e outros.

A estagnação econômica entre meados do século XIX e meados do século XX na época de

sua elevação a Município, só foi revertida a partir de 1976 com a implantação do Complexo

Siderúrgico da Açominas, trazendo um novo ciclo ao município e um novo plano urbano.

3 URBANISMO E PAISAGEM CULTURAL

“A sociedade industrial é urbana. A cidade é o seu horizonte. Ela produz as metrópoles, conturbações, cidades industriais, grandes conjuntos habitacionais. No entanto, fracassa na ordenação desses locais. A sociedade industrial tem especialistas em planejamento urbano. No entanto, as criações do urbanismo são, por toda parte, assim que aparece, contestadas, questionadas. ” (CHOAY,1979, p.01)

Assim, inicia Françoise Choay, seu livro “O Urbanismo”, 1979, que procurou apontar os erros

cometidos nas propostas de planejamentos urbanos desde sua criação em 1910 e reforça o

conceito do urbanismo como uma “ciência e teoria da localização humana”. Assim os

pensamentos nascem para resolver a problemática da sociedade industrial: a sua

organização espacial com a explosão dos mecanismos industriais.

O pensamento sobre essa organização espacial inicia-se com a revolução industrial,

transformando os meios de produção e transporte, precisando romper com os

1 PREFEITURA DE OURO BRANCO. História de Ouro Branco. Disponível em:

<http://www.ourobranco.mg.gov.br/Materia_especifica/6495/Historia-de-Ouro-Branco>. Acesso em: 2

jan. 2016.

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

enquadramentos velhos das cidades medievais e barrocas, justapondo os tempos nas

edificações e modos de viver. Chama-se esse período de pré-urbanista, já que se trata de

historiadores, economistas ou políticos, não sendo os especialistas na área, mas podemos

identificar dois modelos praticados nessa fase que influenciarão os demais: progressistas e

culturalistas.

Os progressistas tinham como concepção o homem e a razão. Assim, o espaço urbano é

traçado conforme uma análise das necessidades humanas, classificando os locais do habitat,

do trabalho, da cultura e lazer. Já os culturalistas tinham a concepção de que cada membro da

sociedade é um elemento insubstituível, onde cada um poderia manifestar sua

individualidade. Traduzindo para o espaço urbano, veem-se na proposta as edificações

diferentes umas das outras, não tendo um padrão a ser seguido.

O início do urbanismo é marcado pela definição de que somente o arquiteto poderia expressar

sobre as questões urbanas, o qual reencontra os dois modelos pré urbanistas, contudo, de

forma modernizada.

A primeira geração denominou-se racionalista, porém com todo o viés dos progressistas, com

a ideia-chave de modernidade. Através da Carta de Atenas (IPHAN,2004), cria-se a imagem

do “homem-tipo” e analisa as necessidades humanas universais. Os culturalistas diferem dos

seus antecessores pré urbanistas em seus princípios ideológicos, na qual cada cidade ocupa

o espaço de modo particular e diferenciado, atribuindo o conceito de individualidade, não

propondo padrões a serem seguidos, diferentemente dos racionalistas. Um novo modelo foi

criado pelo arquiteto americano Frank Loyd Wright, modelo naturalista, tendo como princípio o

contato do homem com a natureza para permitir uma harmonia no desenvolvimento da

cidade.

Esses conceitos foram difundidos entre diversos países europeus no século XX. Em se

tratando no Brasil, podemos ver alguns conceitos chegando ainda na época dos pré

urbanistas com a reforma de Pereira Passos no Rio de Janeiro entre o fim do século XIX e

início do século XX.

No século XX tivemos as cidades chamadas de “cidades planejadas”, cidades pensadas a

partir de um modelo que assegurassem um funcionamento harmonioso e principalmente,

expressa a ideologia de progresso. Em Minas Gerais, a transferência da capital no final do

século XIX para uma moderna cidade planejada por uma comissão de engenheiro e arquitetos

indicada a adequação das cidades aos novos preceitos urbanísticos.

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

Como um dos prenúncios da implantação da arquitetura e urbanismo moderno mineiro foi o

processo para o Concurso Monlevade em 1934. O concurso promovido pela Companhia

Siderúrgica Belgo Mineira ofereceu a oportunidade para que fossem aplicados os princípios

modernos no aglomerado urbano a ser criado. Dentre os concorrentes vemos o candidato

Lúcio Costa.

Outra importante intervenção foi o projeto desenvolvido por Raphael Hardy Filho em 1957,

para a cidade de Ipatinga. A proposta foi de um núcleo urbano contíguo às instalações das

usinas Siderúrgicas de Minas Gerais – USIMINAS. O plano de urbanização visava o controle

da expansão do núcleo urbano, além da criação de condições de alojamento para os

funcionários nas proximidades da empresa.

Em se tratando de patrimônio, desde o final da Segunda Guerra Mundial, seu conceito passa

por importantes mudanças, sofrendo uma ampliação que muda a natureza do seu campo.

“O que têm em comum um palacete barroco, uma festa paraense, um bairro paulistano, um terreiro de candomblé, um mapa setecentista, uma obra de arte e um queijo mineiro? Nos dias de hoje, todos eles podem ser considerados patrimônio cultural. ” (MARTINS.2009.p281)

A partir deste trecho do texto “Uma construção permanente” de Ana Luiza Martins que inicio a

contextualização do pensamento sobre o patrimônio. O trecho nos diz com outras palavras,

que patrimônio hoje é considerado o que for capaz de representar a dinâmica da história. Ao

longo do século XX, o campo vai se ampliando com a inclusão do patrimônio não edificado,

patrimônio imaterial, dando importância as celebrações, aos saberes, as formas de expressão

e aos lugares.

Com o tempo os critérios estilísticos e históricos vão se juntando a outros, como a

preocupação com o entorno, a ambiência e o significado. Assim, surge o conceito

contemporâneo de “patrimônio ambiental cultural”, o qual vê a cidade como um “patrimônio

ambiental”, valorizando não apenas os monumentos, mas também o processo vital que forma

a cidade. As relações entre a população e essa com o meio onde se está inserido é o que

torna o local com qualidade ambiental. Para isso, deve-se “conservar o equilíbrio da

paisagem, pensando sempre como inter-relacionados a infraestrutura, o lote, a edificação, os

usos, o perfil histórico e a própria paisagem natural” (CASTRIOTA, 2007).

“ O sítio histórico urbano- SHU – é parte integrante de um contexto amplo que comporta as paisagens natural e construída, assim como a vivência de seus habitantes num espaço de valores produzidos no passado e no presente, em processo dinâmico de transformação,

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

devendo os novos espaços urbanos ser entendidos na sua dimensão de testemunhos ambientais em formação. ” (IPHAN, 2004, p. 73)

As definições quanto ao sítio histórico, deflagram o caráter processual de apropriação e

aplicação dos conceitos, não tendo atingido o amplo sentido como vemos hoje através do

conceito paisagem cultural.

O conceito de paisagem cultural, recentemente delimitado na legislação brasileira,

compreende o bem cultural como algo construído através da interação entre o homem e o

meio ambiente, considerando em seus preceitos tanto a natureza material e quanto à

natureza subjetiva dessa construção, sofrendo transformações cotidianos pela ação do

homem e também pela ação da natureza.

A paisagem traz, portanto, a marca das diferentes temporalidades desta relação

sociedade-natureza, aparecendo, assim, como produto de uma construção que é social e

histórica e que se dá a partir de um suporte material, a natureza. A natureza é matéria prima a

partir da qual as sociedades produzem a sua realidade imediata, através de acréscimos e

transformações a essa base material. (NASCIMENTO E SCIFONE, 2010)

No livro “A Paisagem Cultural e Patrimônio” de Rafael Winter Ribeiro:

“Algumas abordagens revelam, mais do que uma atenção com a relação entre homem e natureza, uma preocupação com a valorização da paisagem como documento histórico, para sua preservação como o locus no qual se encontram elementos de diferentes tempos e onde a história pode ser lida. Nesse sentido a paisagem tem seu valor principal dado como representação da materialização da memória. ” (RIBEIRO, 2007, p. 57)

De acordo com Ribeiro 2007, a paisagem está sempre em contínua construção. O conceito de

paisagem cultural do Comitê de Patrimônio Mundial destaca a relação existente entre a

cultura e o meio natural, entre as pessoas e seu ambiente. Essa concepção abrange também

ideias de pertencimento, significado, valor e singularidade do lugar (FOWLER, 2003).

A partir disso, pode se dizer que a paisagem cultural é abordada de forma bem diferente em

relação à paisagem, com uma definição distinta daquela da geografia tradicional na qual

paisagem cultural é toda e qualquer paisagem alterada pelo homem. O que pode ser visto na

cidade de Ouro Branco, em seu planejamento urbano dividido em zonas e sendo um reflexo

da organização hierárquica dentro da usina, fazendo com que a cidade seja singular dentre as

demais cidades que cresceram de forma espontânea.

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

4 OURO BRANCO – PLANEJAMENTO DA “CIDADE EMPRESA”

Os anos 70, no Brasil, são descritos como uma época de crescimento vertiginoso,

denominada de “década do Milagre Econômico”. Nas cidades, crescimento populacional

explodia, assim surgindo novos desafios provocados pelas aglomerações. Havia um “boom”

na construção civil, tanto na construção de residencial, quanto nas grandes obras que davam

continuidade aos investimentos estatais em setores básicos como energia e transporte. Outro

setor que se ampliava era industrial, batendo recordes de produção, ao contrário do que se via

na política, com a repressão e subversão armada na ditadura militar.

Nos primeiros anos da década, podemos ver que havia sido estabelecido o tripé que

sustentaria a economia nacional: o Estado, as multinacionais e o capital nacional. Assim, a

ideia norteadora era produzir em todos os setores básicos da economia para substituir as

importações. O setor automobilístico era uma das principais atividades produtivas no país,

iniciado na década de 60 com a abertura do mercado brasileiro para as montadoras como

Ford e General Motors. O setor da siderurgia também continuava crescente, sendo em 1973 a

criação da Siderbrás. (BNDES, Livros 50 anos)

Nesse contexto de ascensão, foi elaborado o primeiro plano siderúrgico nacional que

propunha a criação de três grandes siderúrgicas: uma no Vale do Rio Doce, outra no Vale do

Paraopeba e a terceira em Santa Catarina, tendo em vista as reservas de minério e de carvão

do País (Açominas,1980). Datado de 09 de janeiro de 1924, o decreto presidencial, feito no

governo de Arthur Bernardes, autorizava a criação da siderúrgica no Vale do Paraopeba. No

entanto, apenas em 1966 a siderúrgica se efetivou por iniciativa do governo Israel Pinheiro.

Assim surge a Açominas e ampliação da cidade de Ouro Branco.

“Quando a Açominas definiu a localização da Usina, junto à Cidade de Ouro Branco, e estabeleceu os parâmetros para sua implantação, a primeira preocupação foi estabelecer diretrizes e critérios que norteariam o planejamento, a implantação e o desenvolvimento do novo núcleo urbano, de apoio ao complexo siderúrgico”. (AÇOMINAS,1980)

Esse trecho do livreto (AÇOMINAS,1980) distribuído pela Açominas descreve como foi

realizado o projeto da siderúrgica e da cidade para comportar os funcionários. A cidade de

Ouro Branco, que ali existia, continha não mais que 4 mil habitantes e uma precária

infraestrutura, assim decidiram implantar uma cidade capaz de absorver uma população que

pudesse atingir 180 mil habitantes quando alcançasse o nível máximo de produção. Para isto,

firmou-se um convênio de cooperação técnica entre a prefeitura, a Açominas e o estado de

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

Minas Gerais através da Fundação João Pinheiro para a elaboração do Plano de

Desenvolvimento Urbano de Ouro Brando – PDU.

Para a escolha da localização do terreno para implantação da cidade foram verificados fatores

como a direção dos ventos predominantes no sentido Cidade-Usina, para não prejudicar a

cidade com a poluição gerada pela siderúrgica, topografia adequada à implantação dos

sistemas viários, de captação e distribuição das redes de água e coleta de esgotos sanitários

e pluviais, e a preservação de terras para o uso agrícola.

De acordo com o livreto (AÇOMINAS,1980), a filosofia e a política para a expansão

urbanística da cidade preconizavam como características:

“[...] uma cidade saudável, humana, alegre e aconchegante, de infraestrutura moderna, que ofereça condições para um padrão de vida compatível com o nível de renda dos empregados da Açominas, que encare todos os cidadãos igualmente, na qual a empresa seja responsável pela criação de condições para seu desenvolvimento disciplinado e autônomo, no menor espaço de tempo possível. ” (AÇOMINAS, 1980)

Para o projeto sair do papel foi constituída a Gerência de Desenvolvimento Urbano, que ficou

responsável pela elaboração dos projetos específicos, coordenar e controlar a execução das

diferentes construções nas áreas da saúde, moradia e administração do patrimônio. A

Açominas foi adquirindo as terras para a implantação efetiva do projeto, procurando evitar a

agressão aos proprietários de terras envolvidos, contornando as ações judiciais através da

negociação direta.

4.1 ZONEAMENTO DA CIDADE

De acordo com o planejamento urbano desenvolvido pela Fundação João Pinheiro, a cidade

foi dividida em quatro áreas: área de função industrial, área de função agrícola, área de função

preservação e área de função urbana.

O plano urbano considerou a topografia original do terreno, sendo elaborado um desenho que

ao contrário do que buscavam as grandes cidades como Brasília e seu efeito geométrico com

as grandes perspectivas através das avenidas em linhas retas. Ouro Branco conta com a

flexibilidade em seu traçado viário de acordo com a topografia.

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

Outra caraterística importante em seu desenho é a preocupação com a flora, fauna e recursos

hídricos existentes, estabelecendo faixas de preservação para proteção de mananciais, por

exemplo, para evitar o crescimento da cidade para essas áreas.

Imagem 01: Mapa de divisão das funções do solo da cidade Ouro Branco Fonte: Plano de Desenvolvimento Urbano: Ouro Branco, 1978

A área de função industrial, além da usina, foi instalada outras indústrias pesadas

relacionadas com o processo siderúrgico. E em volta dessa área, como se pode ver na

imagem 01, foi projetado um cinturão verde em volta da área com função de isolamento

acústico e dos gases produzidos por essas. A área de função agrícola destina-se para a

preservação e desenvolvimento da agricultura e pecuária local como atividades de

subsistência ou do mercado local.

A área de função preservação propõe a conservação dos aspectos especiais da Serra de

Ouro Branco, em termo de paisagem, flora, fauna e de bens culturais – como a Estrada Real.

Para efetiva preservação foi proposto ao Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico

de Minas Gerais (IEPHA-MG) o tombamento como Conjunto Paisagístico em 1977, com a

justificativa de exuberância natural e a ameaça com a implantação no núcleo habitacional

calculado para atingir 180mil habitantes. Uma característica que se deve destacar é o

posicionamento das residências nas quadras em que todas têm visão ampla da serra, devido

a consideração feita do relevo e as alturas das residências, mantendo um padrão de no

máximo dois andares. Assim, a relação dos habitantes com esse elemento natural é diária,

moldando e emoldurando a paisagem da cidade. A preservação é mantida até os dias de hoje

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

com a implantação do parque estadual que recebem visitas diárias por pessoas que procuram

se aventurarem nas cachoeiras e no mirante que visualiza toda a cidade.

A área de função urbana foi subdivida em setores de acordo com a renda da população que os

ocuparia. Aprimorou-se o acesso do centro da cidade antiga com o bairro da Siderurgia, o

primeiro construído, facilitando a integração com os demais setores. Por ser o primeiro bairro,

o Siderurgia precisou comportar uma população com diferentes rendas e diferentes níveis

hierárquicos que trabalhavam na construção da usina. Assim, podemos ver casas e

apartamentos com diferentes padrões e metragens entre 60 m² e 120m² (casas tipo “D” e

apartamentos tipo “C”).

Outras políticas interessantes de se listar são: a Açominas orientou a localização das

residências de menor padrão em regiões próximas a Usina; já ao redor do Lago Soledade,

área bastante arborizada, deveria ser usado para áreas de recreação e residências de melhor

padrão; garantia do ensino de primeiro e segundo grau para toda a população; e a empresa

encorajava seus empregados a adquirirem casa própria e desestimulando o aluguel, sendo o

pagamento referente a casa descontado no pagamento em muitas parcelas de acordo com o

salário do funcionário. Deste modo, foi proposto um planejamento, na visão dos construtores,

de:

“[...]uma cidade em que os empregados sejam componentes de uma comunidade e por ela absorvido, sem barreiras e segregações, sendo uma cidade que ofereça condições urbana, onde as pessoas possam nela residir e prestar seus serviços profissionais à Empresa. ” (AÇOMINAS, 1980)

Em relação aos equipamentos urbanos para educação foram construídas duas escolas de 1º

grau e firmou-se convênio com a Prefeitura Municipal e o governo Estadual. Para a saúde,

através de convênio com a Secretaria de Saúde do estado, o projeto contemplava um hospital

geral, um hospital de pronto atendimento e ambulatórios. Para o abastecimento e tratamento

de água foi feito acordo com a COPASA e para o sistema de telecomunicações, acordado

com a antiga TELEMIG com inicialmente 2000 telefones.

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

Imagem 02: Vista aérea dos núcleos habitacionais de Ouro Branco e parte do Lago

Soledade. Fonte: Açominas,1980

Imagem 03: Vista do Bairro Siderurgia. Fonte: Açominas,1980

Imagem 04: Os primeiros prédios residenciais e demais casas ao fundo do Bairro

Siderurgia. Fonte: Açominas, 1980

Imagem 05: Relação do passeio com o afastamento das residências e árvores ao

longo da rua. Fonte: Açominas,1980

4.2 RELAÇÃO DOS MORADORES COM O AMBIENTE CONSTRUIDO E AMBIENTAL

“Então esse começo foi muito difícil. Tudo era difícil, nada fácil.” (VIANNA,2016)

Trecho retirado da entrevista realizada com um dos primeiros moradores da ampliação da

cidade de Ouro Branco, Cláudio José da Rocha Vianna, que presenciou as mudanças

ocorridas no processo de implantação total do projeto da cidade e da usina e suas

transformações ao longo dos anos.

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

A ampliação foi realizada pela Açominas, empresa estatal, no final da década de 1970, sendo

que houve uma defasagem de tempo muito grande entre a construção da infraestrutura

habitacional e a efetiva entrada em operação da usina devido a muitos fatores internos e

externos ao Brasil (a previsão de entrada em operação era, inicialmente, para 1980 e só se

deu em 1986).

O projeto da ampliação da cidade teve como referência o planejamento urbano realizado nas

cidades mineiras de Ipatinga e João Monlevade, que tinha como preceitos do urbanismo

moderno idealizado por Lúcio Costa e Le Corbusier. Assim, podem-se destacar, no projeto de

Ouro Branco, alguns preceitos desse tipo de urbanismo modernista racionalista como o

zoneamento geral (área de função industrial, área de função urbana, área de função agrícola

e área de função preservação). Dentro da função urbana vemos a divisão entre funções

residenciais, de saúde e mista (residencial e comercial), por exemplo, e um sistema viário que

tinha como principal função:

“[...]atender o maior tráfego entre os pontos extremos da cidade, sendo as relações trabalho-moradia, moradia-comércio, moradia-serviço, moradia-educação e lazer, assim como o tráfego de penetração e conexão da cidade com as demais cidades no entorno” (AÇOMINAS, 1980).

Duas diretrizes adotadas no planejamento urbano da cidade, que também vimos nas cidades

referências, faz com que esse planejamento não classifique a cidade como “cidade aberta”

como desejaram os construtores e sim, “cidade empresa”, sendo elas:

_ As moradias divididas hierarquicamente por classe de funcionários dentro da empresa;

“(...)nessa época, todas essas moradias não foram vendidas para os empregados, elas foram alugadas. Então aqueles empregados que tinham direito à moradia, ou seja, os empregados que tinham família, eles pagavam, todos nós pagávamos um aluguel para a Açominas. Na época cogitou-se que esse aluguel iria tornar-se parte do pagamento, no futuro, quando as casas fossem vendidas, mas não aconteceu isso não. Isso continuou sendo um aluguel, não era um aluguel, vamos dizer assim, de mercado, não era um valor de mercado, mas também não era um valor irrisório, não era um valor pouco, era um valor de aluguel baixo, mas era um valor significativo como aluguel, como desembolso da família. Não era nada de graça não. E foi isso, foi acontecendo. O critério básico usado na distribuição dessas moradias, para a indicação, “oh você, fulano de tal, cujo seu cargo é esse, tem direito à moradia tipo tal”, era basicamente salário. O salário das pessoas era o que indicava a moradia que ela tinha direito. Porque isso? Isso foi uma coisa relacionada com o padrão da USIMINAS, que eles usaram lá em Ipatinga na época da construção. E foi a USIMINAS que prestou assistência técnica muito grande na construção da Açominas e esse era o padrão de lá. Então, isso foi implementado também na região da Açominas. (...) ” (VIANNA,2016)

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

_ O espaço da cidade ser contíguo a usina, o que torna o movimento da cidade

intrinsicamente relacionado a empresa.

“(...)Então, Açominas não era a Usina, Açominas era a usina e os bairros, o que acontecia nos bairros, era como se tivesse acontecido dentro dos portões da Açominas. Confundia-se Usina com os bairros. Lá, na realidade, você só tinha duas opções nessa época aí: ou você estava trabalhando ou estava na hora de ir trabalhar. Se vivia o dia inteiro de uniforme, você ia na padaria e tinha lá seus amigos de uniforme e conversava, e a única conversa que existia nessa época era Açominas. Nessa época e durou isso por muito tempo ainda né.(...)” (VIANNA,2016)

Através da dominação ideológica e política, de acordo com Piquet, pode-se ver uma

sociedade totalmente voltada para a empresa. Principalmente, como também podemos ver na

entrevista, a grande maioria dos empregados não eram da região, fazendo com que não

tivessem ligação com o local, apenas com a empresa e sua função exercida dentro dela.

“O que justificava a construção de vilas operárias no passado era um complexo conjunto de relações sociais, pois não era apenas a habitação que estava em jogo: essas ‘vilas’ garantiam um mercado cativo de mão-de-obra; permitiam um controle ampliado do capital sobre sua força de trabalho através da dominação ideológica e política (...). ” (PIQUET, 1997)

Cabe ressaltar também, que o planejamento não buscou uma integração real com as

edificações e arruamentos que já existiam na cidade, construindo uma “cidade” independente.

Porém em um trecho da entrevista, destaca-se que inicialmente havia uma grande

dependência da “cidade nova”, com do centro antigo, como era chamado de Ouro Branco

(como se os bairros novos fossem outra cidade e não Ouro Branco também). A ligação entre

os bairros novos e o centro era feita por uma rua que demorou a ser asfaltada, dificultando o

acesso. Porém, após a consolidação do comércio nesses novos bairros, foi rompida essa

dependência direta. Em se tratando da questão social, mesmo após as facilidades de acesso,

há pouca relação entre os moradores.

A relação entre homem e o meio ambiente natural e construído e até entre a própria

comunidade, nesse estudo de caso é diferenciado quando se trata de uma cidade com a

urbanização espontânea. O planejamento visado pela empresa influencia diretamente sobre

essas relações, especialmente sobre a relação social, que se destaca a “segregação” por

parte da divisão dos moradores de acordo com o salário recebido.

“(...)essa questão de dividir os bairros em função de salário, de capacidade de endividamento, ou seja, a capacidade da pessoa de pagar a prestação daquela moradia, a meu ver naquela época, a gente não pensava muito dessa forma, nunca, eu particularmente, presenciei alguém ser tratado de forma diferente porque morava em um bairro ou outro bairro. É verdade, não tenho dúvida disso, que os custos para quem morava, por exemplo, no bairro Pioneiros, naquela época eram

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

muito diferentes dos custos para quem morava no bairro Primeiro de Maio.(...) Mas o entrosamento entre os bairros era vivo, não existia, vamos dizer, claramente, uma segregação de pessoas. Mas a gente sabia que quando alguém falava isso, “oh eu moro no Primeiro de Maio”, então você já sabia que ela morava no Primeiro de Maio, cuja a casa dele era de um nível inferior a quem morava no Siderurgia, que era de um nível inferior a quem morava no Pioneiros e você já tinha perfeito noção daquela pessoa. Mas isso não quer dizer que existia uma desclassificação ou segregação dessa pessoa. Isso é bem discutível, acredito até que algumas pessoas pensavam dessa forma, mas não essa a regra geral. Pode ter certeza, de todo mundo pensar assim. (...). Eu acredito que se passou a ter uma evidência desse negócio de segregação quando o bairro Inconfidentes foi liberado para ser habitado. Porque ai, ai ficou muito claro que quem morasse no Inconfidentes pertencia a chefia. Então realmente houve um conceito, houve realmente um clima, uma linha divisória entre chefia e subordinados, antes era muito misturado entres os bairros Pioneiros e Siderurgia, tinham muitas pessoas, muitos níveis hierárquicos que moravam juntos, próximos um ao outro. Aí passou, com a abertura do Inconfidentes, isso separou-se. E aí, não sei se a palavra segregação pode ser usada não, mas começou a “aparecer” e a se “pronuncia” um status diferenciado. “Onde você mora? Moro lá no Inconfidentes. Ahhh..” Já era diferente, bem diferente. (...)”(VIANNA,2016)

Quanto a Serra de Ouro Branco, o entrevistado fala como foi o deslumbramento dos primeiros

moradores que vinham de outras regiões e como se tornou um ponto de lazer apesar das

dificuldades de acesso.

“Quando nós chegamos lá em Ouro branco em 1978, quando os primeiros empregados foram admitidos, início de 77 e 78, a imensa maioria dessas pessoas eram de fora da região. Ou seja, não tinham nem, pouco tinham uma noção do que era aquela região, quanto a relevo, quanto a povo, quanto a vegetação.[...] Então para nós foi um deslumbro muito grande, realmente você vê aquela serra. Aquela serra é muito bonita. O lugar é muito bonito. Mas o acesso a serra não era fácil, não existia aquela estrada do jeito que é. [...] Raramente a gente conseguia ir lá em cima. Existiam pessoas que descobriram várias trilhas passando logo abaixo do bairro Pioneiros. Passavam ali atrás do Colégio Batista, era uma aventura, um dia inteiro. Iam de manhã e voltam à tarde. Com o passar do tempo foram chegando mais pessoas, mais e mais forasteiros, início da década de 80 e eu acho que foram se formando mais grupos e a gente a viver a serra com mais frequência. Continua a difícil de acesso. E até hoje tem ali no trevo na estrada asfaltada para as cachoeiras e tudo mais. Mas o maior interesse que tínhamos na serra era la em cima, visitar o palanque, onde o Geisel lançou a pedra fundamental da Açominas e as cachoeiras. [...] Nós íamos com a família fazer churrasco, tinham pessoas que acampavam. Tinham uma turma que fazem todo ano um acampamento na serra em uma data específica lá. Iam um dia voltam no outro. Virou uma tradição. O deslumbro da serra não tem nem jeito de falar, porque é muito bonita. Ela é um marco de Ouro Branco. A cidade nem é assim, o bonito é a serra. A cidade nem é o maior atrativo, a serra sempre foi o maior atrativo.[...]” (VIANNA, 2016)

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

Assim, vemos a cidade Ouro Branco influenciada, inicialmente, pela extração do ouro que

determinou o nome da cidade, passando pelo cultivo das vinhas e da batata e posteriormente

pela produção de aço com a implantação da Açominas. A interação entre esses tempos é

tênue, apenas feita com uma via de ligação entre a vila construída no século XVIII, com o

planejamento espontâneo e característico do período colonial brasileiro, e os bairros

construídos pela empresa, com o planejamento urbanista racionalista funcional.

Essa particularidade faz com que a cidade se torne destaque entre as demais

“cidades-empresas” mineiras. A relação entre a empresa e o patrimônio ali edificado foi de

grande importância para a preservação do mesmo, como a fazenda Pé do Morro e a fazenda

Carreiras, fazendas que, como já citado, fornecia produtos agrícolas e pecuária para a cidade

e Ouro Preto.

Portanto, conclui-se que Ouro Branco, a “cidade-empresa”, é produto da construção de uma

paisagem resultante dessas interações e merece destaque para estudos por fazer parte da

história de Minas Gerais marcada pela mineração em distintos períodos de sua história.

Primeiro com a extração do ouro e com a exploração minério e produção do aço pela Estatal,

criando “duas cidades” distintas. O centro da cidade marcado pela cultura nascida ali e

traçado espontâneo e os bairros criados para abrigar os empregados em um ambiente

planejado construído, convivendo com os colegas de trabalho e vivendo o trabalho.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS

AÇOMINAS. A cidade: pólo de desenvolvimento social. Belo Horizonte: AÇOMINAS –

Supertendência de Coordenação Externa, 1980, 46p.

BENEVOLO, Leonardo. As origens da Urbanística moderna. Lisboa: Presença, 3ed, 1994(1963).

CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas – estratégicas para entrar e sair da modernidade.

Tradução: Ana Regina Lessa e Heloísa Pezza Cintrão. São Paulo: EDUSP, 1997.

CASTELLO, Lineu. A percepção de lugar: repensando o conceito de lugar em arquitetura-urbanismo.

Porto Alegre: PROPAR-UFRGS, 2007.

CASTRIOTA, Leonardo Barci. Intervenções sobre o patrimônio urbano: modelos e perspectivas. Fórum

Patrimônio: ambiente construído e patrimônio sustentável. Belo Horizonte, v.1, n.1., set/dez. 2007.

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

CASTRIOTA, Leonardo Barci. Paisagem Cultural e Sustentabilidade. Belo Horizonte: ED. UFMG, 2008.

CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade; Unesp, 2011.

CHOAY, Françoise. O Urbanismo. Trad.: Dafne Nascimento Rodrigues. São Paulo: Editora

Perspectiva, 1979.

DEL RIO, Vicente. Introdução ao Desenho Urbano no processo de planejamento. São Paulo:

Pini, 1997 (1990).

HARTOG, Francois. Tempo e patrimônio. Varia História, Belo Horizonte, vol 22, n. 36, jul./dez.

2006.

INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (Brasil). Cartas

Patrimoniais. 3ed. rev. aum. Rio de Janeiro: IPHAN, 2004.

MARTINS, Ana Luiza. Fontes para o patrimônio cultural: uma construção permanente. In:

PINSKY, Carla Bassanezi; LUCA, Tânia Regina de (Orgs.). O Historiador e suas fontes. São

Paulo: Editora Contexto, 2009.

NASCIMENTO, Flávia Brito do e SCIFONI, Simone. A paisagem cultural como novo

paradigma para proteção: a experiência do Vale do Ribeira – SP. Revista CPC, São Paulo,

n.10, p.29-48, maio/outubro 2010.

NARDI, Letícia e CASTELLS, Alicia N. G. Contexto urbano como paisagem cultural: reflexões

a partir do centro histórico de Paranaguá – PR. 1º Colóquio Ibero-Americano – Paisagem

Cultural, Patrimônio e Projeto, 2010.

PIQUET, Rosélia. O papel da cidade-empresa na formação urbana brasileira. Revista 7º

Encontro Nacional ANPUR – Novos recorte territoriais, novos sujeitos sociais: desafios ao

planejamento. Recife, vol.7, 1997.

RIBEIRO, Rafael Winter. Paisagem Cultural e Patrimônio. Brasília: Instituto do Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, 2007.

VIANNA, Claudio José da Rocha Vianna. Memórias de Ouro Branco. Entrevista concedida a

Bruna Hamacek Vianna. Belo Horizonte, 2016.