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PALAVRA E MENSAGEM ANTIGO TESTAMENTO

Palavra e Mensagem Do at - Josef Schreiner

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  • PALAVRA E MENSAGEM

    ANTIGO TESTAMENTO

  • O presente volume contm 23 contribuies, que pretendem apresentar os livros do AT (Antigo Testamento), desenvolvendo as linhas mestras do seu querigma. Intencionalmente, e quase como um programa, encontra- se no comeo um captulo.;sobre o AT como palavra de Deus e palavra do homem. Um outro trata da origem dos livros veterotestamentrios considerados especialmente no seu ambiente; um terceiro versa sobre os novos mtodos de exegese e sobre o seu objetivo. Continuando, vem a viso de Israel sobre a'pr-histria (histria primordial) e a poca dos patriarcas. Segue o xame da mensagem prpria dos estratos do Pentateuco (Javista, Elosta, Deuteronmio, Cdigo Sacerdotal), da Obra deuteronomstica, dos profetas, da teologia ps-exlica, da sabedoria e da literatura novglstica. Destaques teolgicos de particular importncia aparecem nos captulos sobre a escatologia, a apocalptica e no esboo de um antropologia veterotestamentria . Um estudo sobre o AT, como livro da Igreja, encerra a temtica do presente volume. Por fim os exemplos de metodologia exegtica, um prospecto das fontes do Pentateuco, a lista cronolgica e a vasta bibliografia procuram fazer dele um proveitoso instrumento de trabalho. Os prprios ttulos dos captulos j se esforam por realar a importncia hermenutica da problemtica neles tratada.

    Um grupo de trabalho composto de biblistas (um especialista para cada assunto) trabalhou para criar uma obra, que, nos seus objetivos e na sua execuo, pudesse ser considerada como um manual de introduo ao Antigo Testamento. Os autores tiveram em vista o pastor, para ajud-lo a fundamentar na Bblia a sua pregao; o professor de religio, para proporcionar-lhe. uma informao rpida e profunda; o jovem telogo e os que se preparam para.o magis"trio, para os quais outras introdues mais extensas so muitas vezes ou muito difceis pela quantidade das questes, ou muito- concisas quanto aos elementos fundamentais da mensagem. No foi esquecido tambm o leigo instrudo, desejoso de penetrar mais profundamente no mundo da s.ua f.

    JOSEF SCHREINER

    Teolgicawww.editorateologica.com.br

    SBNf

    II

  • JOSEF SCHREINER

    C olaboradores:

    Luis Alonso-Schkel Elpidius Pax JosefS hrein T 1 m nes" B uer ' " a i " pc '

    Notker Fglister Norbert Lohfink Rudolf Kilian * Georg Ziener Othmar Schilling Oswald Loretz

    Friedrich Dingermann Leo Krinetzski

    PALA MENSA EM DO

    ANTIGO TE FAMEN!Traduo:

    Benni Lemos

    2a edio

    So Paulo____

    Teolgica

  • Editora Teolgica, 200 4 Echter Verlag, Wrzburg, 3. ed., 1975

    Ttu lo original:Wort und Botschaft des A lten Testaments

    D ireo Editorial:Silvestre M. de Lima

    Layout e arte final:Comp System - Digitao e Diagramao SC Ltda-M E

    Capa:M agno Paganelli

    Dados Internacionais de C atalogao na Publicao (C IP) (C m ara B rasileira do Livro, SP, Brasil)

    Schreiner, Jo se f, 1922 -2002 .Palavra e mensagem do Antigo Testamento / Jo se f Schreiner ; traduo Benni Lemos.

    - 2. ed. - So Paulo : Editora Teolgica, 2004.

    T tulo original: Wort und Botschaft des Alten Testaments.

    Bibliografia

    16x23 cm .; 560 pginas

    ISB N 8 5 -8 9 0 6 7 -1 5 -7

    1. Bblia. A. T. - Crtica e interpretao 2. Bblia. A. T. - Teologia I. Ttulo.

    0 3 - 7 1 7 6 C D D -2 2 1 .6

    ndices p ara catlogo sistem tico:

    1. Antigo Testam ento : Interpretao e crtica 2 2 1 .62. Antigo Testam ento : Teologia 2 2 1 .6

    Proibida a reproduo total ou parcial desta obra, por qualquer forma ou m eio eletrnico e m ecnico, inclusive atravs de processos xerogrficos, sem permisso expressa da editora (Lei n. 9 .610 de 1 9 .2 .1 9 9 8 ).

    Todos os direitos reservados

    E ditora T eo l g ic a L tdaRua Japur, 251/261 - Bela VistaCep 0 1 3 1 9 -0 3 0 - So Paulo, SP - BrasilT e l.: (1 1 ) 3 1 0 4 -4 1 8 0F ax: (1 1 ) 3 1 0 7 -5 1 7 2te o lo g ica@ e d ito ra teo lo g ica .co m .b rw w w .editorateologica.com .br

  • NDICE GERAL

    PR EF C IO ..........................................................................................................................15

    PREFCIO DA 3a ED I O ....................................................................................... 17

    Captulo I - O A N TIG O TESTA M EN TO COM O PALAVRA DO H O M EM E PA LA V RA DE DEUS- Luis A lo n so -S c h k e l ............................................................................................ 19

    1. A palavra da A lian a.............................................................................................. 202. A palavra p roftica .................................................................................................. 213. Ampliao da p a la v ra ............................................................................................234. Categoria teolgica................................................................................................. 265. Propriedades da p a la v ra ......................................................................................27

    Prim eira reflexo ...................................................................................................... 29Segunda reflexo...................................................................................................... 30

    6. O N ovo T estam en to .................................................................................. ........... 327. R esum o.......................................................................................................................... 33

    Captulo II - A F E A H IST RIA DO A N TIG O TESTA M EN TO LUZ DE SUA EVO LUO E DO M UN D O A M BIEN TE- E lpidius P a x ............................................................................................................ 35

    I. TEXTO E FORM AO DOS LIVROS DO ANTIGOT E S T A M E N T O .........................................................................................................35

    1. A tradio te x tu a l....................................................................................................352. Crtica te x tu a l............................................................................................................ 383. A form ao do c n o n .............................................................................................384. T rad u es.................................................................................................................... 40

    II. CINCIAS BBLICAS A U XILIA RES.............................................................. 411. a) A geografia............................................................................................................ 41

    b) Geografia e h ist ria ........................................................................................... 422. Documentos histricos.......................................................................................... 443. A rq u eo lo g ia ................................................................................................................45

  • 4. Linguagem h u m an a .................................................................................................515. A tradio ps-bblica............................................................................................536. R esum o.......................................................................................................................... 54

    Captulo III - O ESTUDO CIENTFICO DO ANTIGO TESTAMENTO- Jo s e f S c h r e in e r ........................................................................................................55

    1. A misso da e x e g e se .............................................................................................. 552. Objeto e m todo da crtica te x tu a l..................................................................563. Importncia e m todo da crtica literria.....................................................594. A pesquisa histrico-morfolgica. Gneros literrios e formas

    de lin gu agem ..............................................................................................................635. Problemticas mais re ce n te s ...............................................................................706. O esforo por um a teologia do Antigo T estam en to .................................727. R esum o..................................................... .....................................................................75

    C aptulo IV - OS CO M EO S DO POVO DE DEUS. A A N TIG A TRA D I O DE ISRAEL- Jo s e f S c h r e in e r ........................................................................................................77

    1. a) O x o d o ................................................................................................................... 78b) Peregrinao atravs do d e se rto ................................................................80c) A aliana do S in ai................................................................................................81d) M o iss......................................................................................................................83

    2. A questo da realidade histrica ......................................................................853. Princpios para a interpretao de Israel...................................................... 894. A forma literria da tra d i o ............................................................ ................965. R esum o.......................................................................................................................... 97

    Captulo V - A BRA O , ISAAC E JA C . A IN TERPRETA O DA PO CA D OS PATRIARCAS SEGUNDO ISRAEL- Jo s e f S c h r e in e r ........................................................................................................99

    1. A histria bblica dos p a triarcas .......................................................................992. Origem e tradio das narraes sobre os p atriarcas............................ 1033. A histria dos patriarcas e a histria ..........................................................1074. R esum o........................................................................................................................ 113

    Captulo VI - ISRAEL CONTEM PLA A PR-HISTRIA (Gn 1-11)- Johan n es B. B a u er .............................................................................................. 115

    1. A im agem subjacente do m u n d o ................................................................... 1152. A narrao bblica e o mito do Oriente A n tig o ........................................116

  • 3. A histria bblica das origens toma forma a partir da vivnciade Israel na f ........................................................................................................... 117

    4. Os dois veios da trad io ....................................................................................1195. A narrao da criao segundo o Escrito Sacerdotal............................. 1206. A narrao da criao segundo o Ja v is ta .....................................................1257. A narrao do p araso .......................................................................................... 1268. A histria dos progenitores. Caim e A b e l................................................ 1299. R esum o.......................................................................................................................130

    Captulo VII - O JA V ISTA , A N U N CIA D O R DA H IST RIA DA SA LV A O- L oth ar R u p p er t ......................................................................................................131

    1. Os cinco livros de Moiss: sedimentao escrita da semprerenovada histria da salvao .......................................................................... 131

    2. O plano divino de salvao universal atravs de Israel com preendido pela primeira vez pelo Ja v is ta ......... ............................. 132

    3. A ambientao geogrfica e histrica do Jav ista ...................................... 1334. Deus guia Israel para a terra: antigo artigo de f e tema do

    Jav ista ............................................................................................................................1355. A experincia da ascenso de Davi: estmulo concepo

    javista da conduo divina para a sa lv a o ............................................... 1386. A terra de Cana: termo do plano iniciado com os

    p a tria rca s .................................................................................................................... 1397. A histria primordial segundo o Javista: m otivao da

    necessidade de salvao e de guia para a h u m an id ad e............!.......1458. A entrada de Israel na terra prometida: o meio usado por Iahweh

    para a salvao dos p o v o s.................................................................................. 1499. A salvao de Israel e da humanidade pura graa de

    Iahweh, condicionada, porm , obedincia a e le .................................. 15010. R e su m o .......................................................................................................................152

    Captulo VIII - O ELO STA , TE LO G O DO POVO DE DEUS- L oth ar R u p p er t ..................................................................................................... 155

    1. O ponto de vista do Elosta: o povo de D e u s .......................................... 1552. A colocao geogrfica e cronolgica do Elosta .................................... 1563. Os homens, frgeis e pecadores, frente ao Deus transcendente

    e santo, acessvel ao povo somente atravs de mediadores .............1594. A salvao - que se manifesta em prodgios - comunicada

    aos homens pecadores, respectivamente ao povo pecadorpor intermdio de eleitos de Deus (os p rofetas).....................................161

  • 5. A Aliana: dom de salvao concedido por Deus ao p o v o .................1626. O docum ento da Aliana e a Lei com o obrigao e

    possibilidade de salv ao ................................................................................... 1647. A contnua transgresso da Aliana por parte de Israel: m otivo

    do juzo divino que se p rean u n cia..................................................................1668. R esum o.........................................................................................................................167

    Captulo IX - ARREBATADOS POR IAHW EH: ANUNCIADORES DA PALAVRA. HISTRIA E ESTRUTURA DO PROFETISM O EM ISRAEL- N otker F g l is t e r ................................................................................................. 169

    1. Dois anos antes do terrem oto ..........................................................................1702. "Suscitei profetas entre os vossos filhos" .................................................. 1733. Iahweh me arreb atou ........................................................................................... 1754. "Eu no sou profeta nem filho de p ro fe ta " ...............................................1785. "Eis o que me m ostrou o S e n h o r"..................................................................1816. "Assim fala Iahweh" .............................................................................................1847. "Odeio as vossas festas"..................................................................................... 1868. "A i dos despreocupados e arrogan tes"....................................................... 1899. "Prepara-te para o encontro com o teu Deus, Israel" ......................19210. R e su m o ...................................................................................................................... 194

    Captulo X - O LIVRO DA ESCO LA DE ISAAS- j o s e f S c h r e in e r ......................................................................................................197

    1. O livro de Isaas: reunio de escritos p rofticos.................................... 1992. Um "m em orial" isaiano. Comeo e modelo das colees de

    palavras profticas................................................................................................. 2013. Colees de palavras de Isaas em 1 -3 5 .......................................................2054. Idias recorrentes e anlogas intercaladas na estrutura do

    l iv r o ...............................................................................................................................2085. Estrutura fundamental da m ensagem dutero-isaiana........................ 2166. Aspectos importantes dos orculos profticos em Is 56-66 ................ 2167. Miquias, um profeta que se aproxim a de Isaas....................................2178. R esum o.........................................................................................................................219

    Captulo XI - A M ENSAGEM DA ALIANA: DEUTERONM IO- N orb ert L o h f in k ................................................................................................. 221

    1. O Deuteronmio. A sua funo no P en tateu co ........................................2212. E stru tu ra ..................................................................................................................... 222

  • 3. O n o m e................................................................................ .........................................2234. Gnero literrio ........................................................................................................2235. O Deuteronmio como parte da "historiografia deuteronomista"......2236. O docum ento da Aliana do templo de Jeru salm ................................. 2257. A histria do Deuteronmio antes de 621 a.C .......................................... 2258. O estilo d eu teronm ico....................................................................................... 2309. As linhas teolgicas fundam entais................................................................. 23110. O docum ento cultual da A lian a ................................................................... 23611. R esum o.......................................................................................................................237

    Captulo XII - JER EM IA S: CO M PLETA M EN TE TO M AD O POR D EUS PARA O SEU SERVIO- N otker F g l is t e r ..................................................................................................239

    1. A palavra do profeta assentada por escrito ............................................... 2392. Vida e paixo de Jerem ias.................................................................................. 2423. Conflitos in teriores................................................................................................ 2454. U m outro M o iss ....................................................................................................2485. A converso e o novo p a cto ................................................ ..............................2506. Os antepassados de Jeremias e a sua ptria esp iritu al...........................2537. Pregao existencial............................................................................................... 2568. R esum o......................................................................................................................... 258

    Captulo XIII - BALAN O APS A CATSTRO FE. A O BRA H ISTO RIO G R FICA D EU TERO N O M STICA- N o rb ert L o h f in k ..................................................................................................259

    1. O contedo da obra deuteronom stica........................................................ 2592. A histria escrita luz das concepes do D euteronm io.................. 2623. Fontes e ndole literria da exposio histrica.......................................2644. Viso e interpretao do deuteronom ista...................................................2685. A m ensagem teolgica da obra deuteronom stica.................................2706. R esum o......................................................................................................................... 273

    Captulo XIV - PA LA V RA - ESPRITO - V ISO . A TIV ID A D E PRO FTICA DE EZEQ UIEL- Jo s e f S c h r e in e r ...................................................................................................... 275

    1. O lugar da atividade de Ezequiel...................................................................2762. A m ensagem escrita de E zeq u iel.................................................................... 2793. Sob a palavra e o esprito de Iah w eh ............................................................2844. Personalidade de Ezequiel................................................................................. 286

  • 5. A radicalizao da coerncia teolgica ........................................................2886. Sentinela da casa de Israel..................................................................................2907. Construtor de um futuro de salvao.......................................................... 2918. R esum o........................................................................................................................ 293

    C aptulo XV - O D O CUM EN TO SA CERD O TA L. ESPERA N A DE RETO RN O- R u d o lf K ilia n .........................................................................................................295

    I. O DOCUM ENTO-BASE SACERDOTAL ............................................... 296

    II. A ORGANIZAO SACERDOTAL DO C U L T O ...............................302

    III. GNEROS DA ORGANIZAO SACERDOTAL DOC U L T O .....................................................................................................................305

    1. A tor sa cerd o ta l...................................................................................................3062. O ritu al........................................................................................................................ 3073. A d a at sa ce rd o ta l................................................................................................ 307

    IV. O CDIGO DE SANTIDADE .......................................................................308

    1. O cdigo prim ordial de santidade (Ur-H) ................................................. 3092. O cdigo de santidade.......................................................................................3113. O cdigo de santidade e o Documento Sacerd otal.............3134. O cdigo de santidade e Ezequiel............................................. 313

    V. RESUM O .....................................................................................................................314

    Captulo XVI - O PERO D O P S-EXLICO , PERO D O A N N IM O- D ieg o A r e n h o e v e l .............................................................................................. 317

    1. A sucesso histrica.............................................................................................. 3172. O significado da histria. O perodo da restau rao ...............................3223. R esum o........................................................................................................................ 331

    Captulo XVII - A SA BED O RIA DO O RIEN TE A N TIG O COM O CIN CIA DA VID A. N O VA CO M PREEN SO E CRTICA DE ISRAEL SABED O RIA- G eorg Z ie n e r ........................... ...................................;...................................... 333

    1. A literatura sapiencial do Oriente Antigo e de Israel............................ 3342. Histria e estrutura da sabedoria em Israe l................................................ 338

  • 3. A ndole da reflexo e as tradies religiosas do povo deIa h w e h .........................................................................................................................341

    4. A crtica da sab ed oria ..........................................................................................3445. Categorias sapienciais na m ensagem neotestam entria......................3486. R esum o.........................................................................................................................349

    Captulo XVIII - OS SALM O S, LO UVO R DE ISRA EL A DEUS- O thm ar S c h ill in g ................................................................................................. 351

    I. OS SALMOS COMO ORAO DO POVO DE DEUS NOANTIGO TESTA M EN TO ................................................................................... 351

    1. O livro dos salm os................................................................................................. 3512. A forma potica dos salm os.............................................................................. 3523. Origem religiosa dos salm os............................................................................. 3564. Os gneros literrios dos salm o s................................................................... 360

    II. TEOLOGIA DOS SA LM O S............................................................................... 366

    1. A confiana no Deus da histria da sa lv a o ...........................................3662. A f, a orao e a d o r ...........................................................................................3673. O pecado e o arrependim ento......................................................................... 3684. O mal e o zelo pelos interesses de D e u s .................................................... 3695. A contnua atualizao dos salm os................................................................370

    III. R E S U M O .................................................................................................................. 372

    Captulo XIX - RO M AN CE E N O VELA EM ISRAEL- O sw ald L oretz .................................................................................................... 373

    1. Jo n a s ............................................................................................................................. 3732. R u te............................................................................................................................... 3763. E s t e r ............................................................................................................................. 3794. Ju d ite ............................................................................................................................3835. T o b ias...........................................................................................................................3896. R esum o.........................................................................................................................391

    Captulo XX - A ESPERA N A DE ISRAEL EM DEUS E NO SEU REIN O . O RIG EM E D ESEN V O LV IM EN TO DA ESCA TO LO G IA NO AN TIG O TESTA M EN TO- F riedrich D in g erm a n n ..................................................................................... 393

    1. Explicao dos conceitos.....................................................................................3942. Origens e incios..................................................................................................... 396

  • 3. A viso escatolgica no tempo dos profetas pr-exlicos ................. 3984. A esperana do futuro durante o exlio .......................................................4005. A espera do fim no tempo p s-exlico .........................................................4026. R esum o.........................................................................................................................404

    C aptulo XXI - AS LIN H AS M ESTRAS DA AN TRO PO LO G IA V ETER O TESTA M EN T R IA- O sw ald L o r e t z .................................................................................................... 407

    1. A im agem de D e u s ................................................................................................4072. Conceito de criao - Relao com D eu s.................................................... 4103. Fundam entos na histria de Israe l................................................................ 4144. R esum o.........................................................................................................................416

    Captulo XXII - O A N N CIO DA CA D U CID A D E DESTE M UN D O E DOS M ISTRIO S DO FIM . OS INCIO S DA A PO CA LPTICA NO AN TIG O TESTAM EN TO- F riedrich D in germ an n ..................................................................................... 419

    1. Origem e evoluo da viso ap ocalp tica ................................................... 4202. A natureza da apocalptica................................................................................ 4233. O livro de D an iel................................................................................................... 4274. R esum o........................................................................................................................ 433

    Captulo XXIII - A RELAO DO A N TIG O TESTA M EN TO COM O N O VO . O SEU SIG N IFICAD O PA RA O CRISTO- Leo K r in e tz s k i ......................................................................................................435

    I. O ANTIGO TESTAMENTO ORIENTADO PARA O N O V O ..... 436

    1. A estrutura norm ativa "prom essa-cum prim ento".................................. 4372. O N ovo Testamento: superao e antitipo do A n tig o .......................... 442

    II. O PROBLEMA DE UM A LEITURA CRIST DO ANTIGOT EST A M E N T O .......................................................................................................446

    III. R E S U M O ...................................................................................................................451

    A P N D IC E S ...................................................................................................................453

    EXEM PLIFICAO DO MTODO EXEGTICO .....................................455

    A. Crtica Textual ........................................................................................................ 455I. Os erros principais de leitura e de e scrita ............................................ 455

  • II. M udanas intencionais e glosas co rre tiv as..........................................456B. Crtica Literria ...................................................................................................... 457

    I. A separao das fon tes.................................................................................. 457II. A reinterpretao ............................................................................................459

    C. Histria das F o rm a s .............................................................................................. 462I. Form as do direito israeltico ...................................................................... 462II. O formulrio da Aliana .............................................................................463

    R esu m o.................................................................................................................467III. Os gneros narrativos do Antigo Testam ento.................................. 468IV. Os gneros do canto no Antigo Testamento .....................................471V. Gneros do discurso proftico ............................................................... 476

    D. A Histria da T rad io ........................................................................................ 479

    PROSPECTO SINTICO DAS TRS GRANDES FONTES DOHEXATEUCO J, E, P (Gn 1-Jz 1, EXCETO Dt 1 -30 )...............................481

    1. Obras mais con su ltad as....................................................................................... 4892. Bibliografia para as opinies co n trrias ...................................................... 490

    QUADRO CRO N O L G ICO ....................................................................................491

    BIBLIO G RA FIA ..............................................................................................................505

    NDICES DE A U T O R ES............................................................................................529

    REFERNCIAS DOS TEXTOS BBLICOS..........................................................533

  • O presente volume contm 23 contribuies, que pretendem apresentar os livros do AT (Antigo Testamento), desenvolvendo as linhas mestras do seu querigma. Intencionalmente, e quase como um programa, encontra-se no comeo um captulo sobre o AT como palavra de Deus e palavra do homem. Um outro trata da origem dos livros veterotestamentrios, considerados especialmente no seu ambiente; um terceiro versa sobre os novos mtodos de exegese sobre o seu objetivo. Continuando, vem a viso de Israel sobre a pr-histria (histria primordial) e a poca dos patriarcas. Segue o exame da mensagem prpria dos estratos do Pentateuco (Javista, Elosta, Deuteron- mio, Cdigo Sacerdotal), da obra deuteronomstica, dos profetas, da teologia ps-exlica, da sabedoria e da literatura novelstica. Destaques teolgicos de particular importncia aparecem nos captulos sobre a escatologia, a apocalptica e no esboo de um antropologia vetero- testamentria. Um estudo sobre o AT, como livro da Igreja, encerra a temtica do presente volume. Por fim os exemplos de metodologia exegtica, um prospecto das fontes do Pentateuco, a lista cronolgica e a vasta bibliografia procuram fazer dele um proveitoso instrumento de trabalho. Os prprios ttulos dos captulos j se esforam por realar a importncia hermenutica da problemtica neles tratada.

    Um grupo de trabalho composto de jovens biblistas (um especialista para cada assunto) trabalhou para criar uma obra, que, nos seus objetivos e na sua execuo, pudesse ser considerada como um manual de introduo ao Antigo Testamento. Os autores tiveram em vista o pastor de almas, para ajud-lo a fundamentar na Bblia a sua pregao; o professor de religio, para proporcionar-lhe uma informao rpida e profunda; o jovem telogo e os que se preparam para o magistrio, para os quais outras introdues mais extensas so muitas vezes ou muito difceis pela quantidade das questes, ou muito concisas quanto aos elementos fundamentais da mensagem. No foi

  • esquecido tambm o leigo instrudo, desejoso de penetrar mais profundamente no mundo da sua f.

    O resultado foi uma obra de configurao original. No uma simples "introduo" no sentido comum do termo, mas contm, quanto ao essencial, o que ela geralmente oferece. O termo de comparao mais aproximado seria "teologia do Antigo Testamento". Mas na apresentao geral e nos diferentes captulos reservado um lugar de importncia aos problemas de hermenutica. O programa e a estrutura interna da obra tm um ponto de referncia na obra "Warum Glauben?" ("Por que Creio?") (da Editora Echter), que serviu de modelo quanto forma e elaborao. "Palavra e Mensagem" deseja ser um novo "guia do AT" que corresponda ao avano da pesquisa e s necessidades dos nossos dias.

    O editor agradece a todos os autores pela colaborao prestada e em particular aos professores Dr. N o rbert L o h fin k , S. J., e P. Dr. F r ied r ic h D in g e r m a n n , S D B , pela sua contribuio na programao e em muitas questes particulares. Um agradecimento especial aos colaboradores do seminrio de Histria Bblica, Dr. L o t h a r R u pper t e Srta. E l is a b e t h Sc h u e s s l e r , licenciada em teologia; ao Sr. H a n s G n t h e r S c h m a l e n b e r g e Srta. A n n e L iebelt , que se encarregaram da bibliografia e dos ndices, ajudaram a preparar a impresso e corrigiram as provas. Um cordial agradecimento tambm Editora pelo seu interesse constante, que tornou possvel a bela apresentao da obra.

    Mnster, 5 de setembro de 1966.

    J o s e f S c h r e in e r

  • "Palavra e Mensagem do Antigo Testamento" um livro que continua incessantemente procurado. Muitos so os que dele se serviram e por ele foram levados a um contato mais estreito com o Antigo Testamento, descobrindo o seu contedo e a sua mensagem. Aparece agora em 3a edio. Nada foi mudado, com exceo da bibliografia, que foi corrigida e atualizada.

    Que esta obra continue a despertar o interesse pela palavra de Deus e seja um convite para um encontro mais aprofundado com ela.

    Wrzburg, 15 de janeiro de 1975

    J o s e f S c h r e in e r

  • C aptu lo I

    O ANTIGO TESTAMENTO COMO PALAVRA DO HOMEM

    E PALAVRA DE DEUS

    Lus A lo n s o -S c h k e l

    A tradio crist considera o AT como "palavra de Deus". A .exppes- so genrica; trata-se na realidade de uma multiplicidade de "pla- vras". O testemunho cristo foi preparado pela experincia continuada do povo eleito e pela reflexo de alguns escritores.

    Se procurarmos o testemunho interno do AT, encontraremos duas formas principais da palavra de Deus: a "palavra do Senhor", que se identifica com a "Aliana", e a "palavra do Senhor" anunciada pelos profetas. Constituem ambas a experincia primordial do povo e ao mesmo tempo o incio de uma teologia viva da palavra.

    Elemento comum das duas manifestaes da "palavra de Deus" que elas so apresentadas ao povo atravs de um mediador, de um "profeta", no sentido mais amplo do termo. A primeira vista poderia parecer que a funo do mediador consistisse em repetir literalmente sentenas ouvidas de Deus e definitivamente formuladas por ele; veremos que ser necessrio retificar esta primeira impresso. H outro aspecto importante que comum s duas manifestaes citadas: a palavra de Deus chega aos homens na forma e figura de palavra humana1.

    1 Para todo este captulo cf. A l o n s o , L . - S c h k e l , Sprache Gottes und der Menschen. L iterarische und Sprachpsychologische Betrachtungen zur H eiligen Schrift, Dsseldorf, 1968. [Traduo alem de sua obra em espanhol: La Palabra Inspirada: La Biblia a la luz de la cincia dei lenguaje, Barcelona, 1966 (N. do Editor)].

  • 1. A palavra da Aliana

    Impe-se aqui uma distino:a) Uma primeira forma de "palavra de Deus" de carter nar

    rativo e se refere brevemente salvao j realizada; encontramo-la nos trechos de Ex 19.4 e Js 24.2-13. E uma palavra cujo sujeito Deus, como agente principal da histria; cujo contedo a salvao e cujo objeto o povo: , portanto, uma palavra divina, que explica as aes de Deus como aes salvficas; revelao de Deus, que desvenda o sentido da histria. A palavra de Deus implica uma relao radical com o agir de Deus na histria. Do lado da histria corresponde a isto a necessidade a ela inerente de uma palavra de Deus, que a interprete.

    b) Uma segunda "palavra" usada geralmente no plural como "palavras do Senhor": so os mandamentos que Deus d ao seu povo, como, p. ex., Ex 20.1: "Ento Deus falou, pronunciando todas estas palavras". Na sua forma primitiva, trata-se de dez mandamentos apodticos, palavras que encarnam e transmitem a vontade de Deus. Esta enrgica vontade divina cria uma comunho de homens livres, um estatuto religioso, am IHWH; Ex 34.28: "Moiss permaneceu ali com o Senhor quarenta dias e quarenta noites, sem comer nem beber gua; e escreveu sobre as tbuas as palavras da aliana, as dez palavras"; Dt 4.13: "Promulgou-vos o seu pacto, que vos ordenou cumprir, os dez mandamentos". Estas palavras so expresso de uma vontade soberana, apresentam-se como uma permanente exigncia religiosa e regulam a vida toda do povo: primeiro de modo geral, depois incorporando a si determinadas prescries e adaptando-as prpria dinmica interna. So palavras eficazes, que criam uma ordem, entrosando-se com a liberdade humana para concretizarem esta mesma ordem. Por estas palavras imperativas Deus se manifesta como Senhor, o povo como sdito e a liberdade como responsabilidade, isto , estas palavras revelam Deus e o homem diante de Deus.

    c) Um terceiro tipo da "palavra" so as bnos e as maldies: elas introduzem o conceito de "prmio e castigo" em uma estrutura religiosa. Os bens e as alegrias da vida se tornam sinal de "bno", enquanto o infortnio e o sofrimento transformam o novo ordenamento salvfico em "maldio"; Dt 30.1: "Quando, porm, te sobrevierem todas estas coisas, a bno e a maldio, que te propus...";

  • Dt 4.30: "Quando te tiverem alcanado todos estes reveses (= palavras)...". Tais "palavras" so condicionadas pela obedincia ou desobedincia do povo; so eficazes na qualidade de palavras pronunciadas pelo prprio Deus; a sua eficcia dialtica no procede do jogo da liberdade em si mesma, mas do fato de ser anexada aliana por Deus.

    d) As trs espcies de "palavra" - exposio histrica, mandamentos, bnos e maldies - formam uma unidade que a Aliana; Ex 34.28: "As palavras da Aliana"; Dt 28.69: "Estas so as palavras a respeito da Aliana que o Senhor ordenou a Moiss, que celebrasse com os filhos de Israel, no pas de Moab". Como estas palavras so proferidas na "Aliana", elas criam uma instituio. E esta instituio no uma realidade esttica, mas dinmica. As palavras, nas quais ela se baseia, se desdobram e se desenvolvem formando esta instituio. Uma vez pronunciadas, tm um valor eterno; o seu carter mais geral exige, contudo, pela sua natureza, um desenvolvimento ulterior e uma adaptao a novas situaes. Note-se ainda que a trplice palavra institucional uma palavra litrgica: endereada a uma assemblia em formao, repetida e atualizada no culto; Ex 19.17: "Ento Moiss fez sair o povo do acampamento ao encontro de Deus"; Dt 31.10-11: "Ao cabo de sete anos, por ocasio do ano de remisso, na festa das Cabanas, quando todo Israel vier apresentar-se diante do Senhor, teu Deus, no lugar que ele tiver escolhido, lers esta lei diante de todo Israel e aos seus ouvidos"; Js 24.1: "Josu reuniu em Siqum todas as tribos de Israel e chamou os ancios, os chefes, os juizes e os inspetores de Israel, e eles se apresentaram diante de Deus". Poder-se-ia pensar que o liturgo simplesmente repita palavras j ditas por Deus, mas semelhante repetio mecnica est excluda da dinmica desta "palavra".

    2. A palavra proftica

    A palavra proftica tem formas caractersticas: "Assim fala o Senhor", "A palavra do Senhor foi dirigida a...", "Ouvi a palavra do Senhor", "Orculo do Senhor" etc. Se na "Aliana" aparece mais o plural, palavras de Deus, nos profetas prevalece o singular "palavra". Isto significa que a palavra proftica em geral mais individual e mais ligada situao concreta. O profetismo em geral um ele-

  • mento carismtico na Aliana (Dt 18). Mas cada profecia tem o seu prprio tema e a sua funo prpria. Podemos pr a palavra proftica em paralelo com a palavra da "Aliana", mas com a seguinte distino: a Aliana era uma unidade formada por trs palavras-membros, ao passo que as palavras profticas so mltiplas e independentes.

    a) Outro tipo de "palavra" proftica aquela que se ocupa com a histria - para explic-la se prxima ou presente, para despertar a sua recordao e a de suas conseqncias, se ela j est distanciada. A palavra proftica tem a funo teolgica de interpretao da histria. O que h de estranho e irrepetvel na sucesso histrica tem necessidade de semelhante palavra explicativa atual porque a interpretao geral e primeira, dada pela Aliana, no basta; ela deve entrosar-se com cada novo dia da histria para mostrar justamente a esta histria a supremacia de Deus e o seu poder salvfico. Para isso a palavra proftica revela um Deus em ao e descobre o sentido da ao histrica dos homens estimulados por Deus. A palavra proftica exprime um acontecimento, transmudando-o em "palavra" e mostra assim, como palavra, o seu significado salvfico. Por meio da palavra proftica o acontecimento passado se torna presente recordao e permite reconhecer nele um significado salvfico. Assim a palavra proftica, uma vez proferida e novamente retomada, mantm continuidade acima da histria. Esta constante interpretao da histria desenvolve alm disso a conscincia histrica do povo, o qual compreende pouco a pouco e sempre melhor a sua responsabilidade histrica perante Deus.

    b) Freqentemente o profeta faz referncia aos mandamentos da Aliana, mesmo diz-lo expressamente. O povo se obrigou a estes mandamentos no momento em que comeou a existir como povo e nas horas solenes da renovao. Agora, porm, o profeta recorda este compromisso e acrescenta uma palavra de advertncia ou de juzo. A palavra judiciria de Deus, como recriminao ou acusao, se exprime comumente na forma de um rb, isto , de instruo criminal (Is 1; Os 2; Mq 6). A advertncia, ao contrrio, usa mais a recordao do passado como-benefcio de Deus e o temor do futuro como castigo. A palavra proftica toma a forma pura de mandamento quando o profeta, em nome de Deus e em determinadas situaes, exige do povo uma atitude concreta; Jeremias, p. ex., manda ao povo que se submeta

  • Babilnia. Esta atitude concreta no est contida nas "dez palavras" da Aliana nem se pode deduzir delas; necessria, por isso, uma nova e especial palavra de Deus, que coloque o povo novamente diante de decises histricas. O plano de Deus se manifesta mais uma vez em uma palavra-mandamento, guiando o curso da histria, sem com isto eliminar a liberdade humana, antes apelando para ela.

    c) O profeta se torna executor de bno e de maldio ao proferir a sua palavra de promessa e a sua palavra de ameaa. Na promessa e na ameaa profticas a "Palavra da Aliana, de bno e maldio" atualizada (Dt 30.1) e aplicada a casos especficos com notvel fidelidade a frmulas tradicionais de ameaa. A ameaa proftica pode-se intensificar, mas s at ao anncio do extermnio definitivo, como aconteceu com o reino do norte. A promessa proftica, ao contrrio, conhece uma dialtica, que pode superar todas as palavras anteriores de bno; com isso rompem-se os limites do horizonte presente e se abre, em determinado momento, um horizonte novo, escatolgico.

    A ameaa e a promessa se apresentam s vezes de modo categrico e definitivo, com todo o poder e com todaa eficcia da palavra de Deus. Mas, s vezes so condicionadas pla liberdade humana - como tambm as;bnos e as maldies da Aliana; e precisamente isto que Deus tem em vista com esta palavra.

    3. Ampliao da palavra

    As duas "palavras" fundamentais, a palavra da Aliana e a palavra proftica, no so como algo fechado e imutvel; so dotadas, ao contrrio, de uma fora dinmica, tendente dilatao do seu significado e do seu poder. J a palavra proftica mostra s vezes esta qualidade em confronto com a Aliana. No uso litrgico de um mesmo texto, as palavras profticas no permanecem sempre as mesmas, pois requerem um comentrio que, por sua vez, pode se tornar tambm "palavra de Deus".

    a) Como primeira ampliao da palavra da Alianadeve ser lembrada antes de tudo a parnese. No comeo ela aparece como comentrio sacerdotal da palavra, passando depois a constituir uma nova rea da palavra de Deus; Dt 1.1: "Estas so as palavras que Moiss

  • dirigiu a todo o povo de Israel...". Dt 1.5: "Na banda alm do Jordo, na terra de Moab, Moiss comeou a promulgar a seguinte lei, dizendo...". Prova de semelhantes inseres no texto, ampliando o sentido da palavra, o fato de ser colocado na boca de Moiss todo um complexo parentico. Trata-se de uma fico histrica, que encerra ao mesmo tempo uma afirmao teolgica: tudo isto palavra do primeiro mediador - palavra dos seus sucessores - e, conseqentemente, palavra de Deus.

    b) Um segundo grupo formado pelo orculo, proferido pela boca de um sacerdote ou de um profeta, como resposta a uma consulta de particular ou da comunidade.

    Esta instruo ministrada geralmente durante uma ao cultual, em nome de Deus, e por isso palavra de Deus. Nem sempre fcil distingui-la do orculo proftico propriamente dito. Ageu, p. ex., dedica-se em grande parte tarefa de responder a tais consultas e tem conscincia de transmitir a palavra de Deus.

    c) A palavra proftica de promessa se desdobra at a viso esca- tolgica de um futuro final. Ela no sempre anunciada formalmente como palavra de Deus mediante as clssicas frmulas profticas, mas faz uso tambm de colees profticas j existentes.

    d) Os salmos no se apresentam formalmente como palavra de Deus, sendo antes palavra do homem, qual Deus responde. Adquirem, contudo, um sentido especial no quadro geral da palavra de Deus. Eles so palavras de Deus enquanto por eles Deus ensina o seu povo a rezar. Eles so palavra autntica, por meio da qual o povo exprime validamente - sem falsificaes da doutrina ou do sentimento religioso - a sua f, a sua gratido e a sua recordao das aes salvficas de Deus. Eles so ainda o grito do homem, que quer ser ouvido por Deus e que ouvido, porque reza com as palavras que Deus lhe ensinou; finalmente, em alguns salmos, a palavra de Deus, que d o comeo, encontra um ambiente de ressonncia na meditao humana. A palavra dos salmos verdadeira porque recorda as aes divinas e as anuncia; firme porque exprime a f e o reconhecimento; eficaz porque na estrutura da salvao chega realmente at Deus.

    e) Os historigrafos escrevem os seus livros sobre a histria do povo - a palavra comea a tornar-se livro num sentido que se apro

  • xima do nosso. Ponto de partida so aquelas "palavras histricas" da Aliana, s quais vm unir-se as palavras histricas dos profetas - Elias, Nat, Aias - que explicam os acontecimentos autoritativamen- te. O historigrafo coloca a sua pesquisa, o seu estudo e a sua reflexo esclarecida a servio daquelas palavras embrionrias e capazes de expanso. Embora, ao publicar a sua obra, ele no use a expresso proftica "ouvi a palavra do Senhor", na realidade, ele d prosseguimento atividade proftica enquanto mostra o sentido teolgico dos acontecimentos, isto , Deus em ao e os homens sob a direo de Deus. Tambm a palavra do historigrafo tomada como palavra de Deus.

    f) Entram na categoria de livros ou colees as palavras dos sbios, "dibre hakam im ", assim chamadas em contraposio palavra formal de Deus. Embora fruto da experincia e da reflexo tambm de outros povos, freqentemente at mais originais e mesmo mais anti- conformistas, estas idias so reunidas e acrescentadas aos livros santos, "Escritura", que "palavra de Deus". Aqui se fixa o termo deste processo de assimilao.

    No comeo a palavra de Deus est na boca de um homem, em forma "humana", e ao mesmo tempo revelao de Deus e do homem diante de Deus. Agora entra outra palavra, que parece puramente humana, e que trata da vida cotidiana. Mesmo esta dimenso humana, singela e simples, tem seu lugar no plano de Deus. Por isso esse tipo de palavra plenamente vlido e se torna digno de ser acolhido no todo da Escritura.

    Uma vez reconhecida como "Escritura", a palavra passa a exercer uma dinmica prpria e requer "comentrios", alguns dos quais so tambm aceitos como palavra de Deus (p. ex., Eclesistico, Crnicas).

    A dinmica da palavra se exerce por isso em duas direes: de um lado tende a ampliar-se, do outro, a estabilizar-se. Ela se desenvolve pelo uso e pela aplicao e, no entanto, quer ser preservada com venerao. Ela se incorpora em novos contextos histricos ou literrios, mas pe-se em guarda contra as falsificaes. Esta tenso da palavra de Deus uma dinmica, que pouco a pouco passa a exigir os meios da prpria conservao: recordao, reconhecimento oficial, escritura, reunio oficial em livros.

  • 4. Categoria teolgica

    A palavra de Deus, transmitida pelos profetas e confirmada na vida do povo como transmisso de uma mensagem e efeito de uma fora, transforma-se em uma categoria teolgica capaz de compreender e explicar outros lados e intervenes de Deus, novos e misteriosos como a criao e a histria. A "palavra", como categoria teolgica, interpreta a criao e a histria (no Cdigo Sacerdotal, p. ex.).

    a) A criao do mundo explicada pelo Priesterkodex (Cdigo Sacerdotal) no pelo modelo do arquiteto ou do arteso, mas pela imagem de uma vontade soberana, que se objetiva na forma de palavra eficaz (Gn 1; cf. SI 33.9): "Ele disse e foi criado; ordenou e tudo existe". Segundo Gn 1 a palavra antes de tudo apelo existncia, chamamento, e em seguida, imposio do nome que determina a multiplicidade dos seres criados. A ordem csmica aparece ento como uma ordem falada da linguagem divina em conceitos humanos. Alm disso a dinmica interna dos seres vivos transmitida por meio de uma palavra de bno imperativa: "Crescei, multipli- cai-vos, frutificai". Assim a "palavra de Deus" - apresentada como ao histrica - insere a criao do mundo no contexto da histria da salvao.

    b) A histria da salvao narrada e explicada muitas vezes na dupla forma de ordem e anncio, aparecendo Deus sempre como agente principal, por meio da sua palavra. Os grandes historigrafos israelitas usavam freqentemente o mtodo da interpretao teolgica: a suprema vontade de Deus conduz eficazmente a histria em cada caso particular por meio da sua palavra, que anuncia um plano e estabelece a sua execuo. Desse modo o acontecimento histrico emerge na sua clara transcendncia. Trata-se de um recurso a servio da teologia, para afirmar, de um lado, o poder da palavra de Deus , do outro, o valor de revelao dos acontecimentos. Estes se transformam em palavra no s quando o escritor narra na terceira pessoa, mas tambm quando introduz Deus falando. O autor bblico conhece a profunda unidade que existe entre o agir de Deus e a sua palavra, e a manifesta.

    c) Mais tarde, o hagigrafo usa uma ltima fico literria, apresentando as prprias vises e reflexes como palavra de Deus; a

  • apocalptica. Este procedimento era conhecido dos leitores; trata-se de um gnero especial, surgindo em tempos de crise. No caso da apocalptica bblica (segunda parte do livro de Daniel), a fico serve para assegurar a autoridade daquela palavra. Por isso a apocalptica foi acolhida entre as palavras profticas, mas mediante uma seleo, tanto que a maior parte dos escritos apocalpticos ficou fora da Bblia.

    Como a palavra proftica, tambm a apocalptica se volta para o passado, esquematizando-o em perodos histricos, e para o futuro, anunciando a aproximao dos tempos escatolgicos.

    5. Propriedades da palavra

    a) Coloquemos em primeiro lugar a apresentao ou revelao de determinados contedos e, entre estes, da pessoa de Deus. Essa propriedade no tem necessidade de ser confirmada. Ela j est clara na exigncia dos imperativos "ouve, presta ateno", e nas expresses "isto diz o Senhor", "isto ordena o Senhor", e ainda nas frmulas de constatao "para que saibais", "para que reconheais", as quais se referem a fatos, palavras e pessoas. Por meio de sua palavra Deus instrui, ensina, pe diante dos olhos, se queixa e condena. Tudo isto significa oferecimento de um determinado contedo, que deve ser compreendido, se bem que o seu sentido, de acordo com as ressonncias encontradas, possa ser rejeitado ou mal interpretado. A esta propriedade podemos designar esquematicamente como "a verdade" da palavra de Deus. Ela pode ser apreendida no s nos modos sintticos da declarao ou da proposio afirmativa, mas tambm em todas as outras formas de apresentao da palavra. Finalizando, esta "verdade" significa "revelao".

    b) A propriedade que acabamos de ver bvia, no tendo por isso necessidade de ser expressamente afirmada pela Bblia. Outras, contudo, so expressamente mencionadas: a firmeza e a constncia ( m d e qwiri), a fidelidade (n mn). Isto significa que a palavra de Deus se realiza na histria como se realizou na criao (SI 148.5); e que Deus vela pela palavra para que ela se cumpra (Jr 1.12b: "Eu vigio sobre a minha palavra para realiz-la"); e com isso ela se distingue da palavra anunciada, sem ordem de Deus por um pretenso profeta (Dt 18.22); e que Deus "no renega as suas palavras" (Is 31.2).

  • A palavra do pacto da Aliana firme, porque Deus no falta ao compromisso assumido; as palavras de mandamento so fidedignas e firmes, porque fundamentam a ordem religiosa e moral; as palavras de maldio e de bno so firmes porque, enquanto pronunciadas por Deus, se realizam realmente. Da mesma firmeza participa a palavra proftica de promessa ou ameaa; mas, entrando em jogo a liberdade humana, a sua funo no o cumprimento incondicionado, mas precisamente a moo da vontade: trata-se mais de promessa e ameaa do que de predio; Zc 1.6: "Porventura, minhas palavras e meus decretos, que ordenei aos meus servos, os profetas, transmitirem, no chegaram aos vossos pais? Ento entraram em si..." (cf. Is 44.26; 45.23; 48.3).

    c) Uma outra propriedade da palavra, que nem sempre se pode distinguir da anterior, a fora e a eficcia; Os 6.5: "Matei-os com as palavras da minha boca (= do profeta)"; Jr 5.14b: "Eis que eu vou fazer de minha palavra em tua boca um fogo e deste povo qual monto de lenha, que ser devorado por aquele"; Jr 23.29: "No a minha palavra como o fogo, diz o Senhor, e como o martelo que despedaa as pedras?"; Is 55.10: "Assim como a chuva e a neve do cu descem e no voltam para l sem terem antes irrigado a terra, e a terem fecundado e feito germinar e dar semente ao semeador e po para comer, assim ser da palavra que sair da minha boca: no voltar a mim vazia, mas antes, operar tudo o que me agrada, e obter o escopo para o qual a mandei".

    Esta eficcia no encontra nenhum obstculo nas criaturas, quando Deus as chama existncia, para o agir, para darem testemunho. Na histria ela no encontra nenhuma contradio quando se observa do alto o plano geral de Deus. Mas, observada do ponto de vista humano, a eficcia da palavra consiste no forte apelo liberdade do homem, exigindo resposta e impondo uma situao de responsabilidade: a palavra exige a f e aceita na f. A palavra da Aliana, como histria, exige recordao e aceitao. A palavra como instituio exige fidelidade. Como mandamento quer cumprimento e obedincia.

    Se o homem recusa esta resposta, permanece ainda includo na trplice estrutura da palavra da Aliana, mas, desta feita, sujeito maldio, que tem a fora de reconduzi-lo fidelidade (Dt 30.2).

  • Primeira reflexo

    quilo que o AT diz explcita ou implicitamente da "palavra de Deus", gostaramos de acrescentar uma reflexo nossa, que suscita algumas questes teolgicas. E nos profetas que a problemtica da palavra de Deus se encontra de forma mais expressiva. Na palavra proftica vamos encontrar quase todas as tenses da palavra huma- no-divina com a sua soluo concreta.

    a) A primeira tenso aquela que constitui tambm o grande mistrio desta palavra humano-divina: a sua estrutura "tendrica". A anlise de um texto proftico clssico nos mostra a existncia de um intenso trabalho literrio, tcnico at nos mnimos detalhes de harmonizao, de ritmo, de paralelismo etc. Comparando vrias palavras profticas entre si, podemos constatar o gosto do autor pela tradio literria, pela imitao e repetio de topoi (lugares comuns); precisamente na imitao se percebe s vezes e notvel personalidade literria de um Isaas, de um Jeremias, do Dutero-Isaas e outros. Uma anlise estilstica dos textos profticos mostra no s a sua dimenso humana em geral, mas tambm o seu aspecto pessoal e personalssimo; no s a sua concepo primordial, interna e imediata, que parece um dom, como tambm o paciente trabalho tcnico. Se aquela palavra bem do profeta e, ao mesmo tempo, tambm de Deus, segue- se que a interveno de Deus no pode ser nem um uso do autor, como se fosse ele um rgido instrumento, nem um puro sugerir verbal.

    Eventuais tentativas de separar, no texto proftico, a parte divina e a humana so destinadas ao fracasso, porque a sua unidade provm, toda ela, tanto da parte de Deus como da parte do homem. Isso nos leva a considerar a origem desta palavra como uma ao misteriosa de Deus, que suscita e guia a fala do profeta. Os testemunhos de Jeremias e de Ezequiel sublinham a energia vital da palavra recebida: Jeremias sente como que um fogo interior, que procura uma sada; Ezequiel deve devorar o livro e "digeri-lo", para poder anunci-lo.

    b) A antinomia que acabamos de ver, manifesta-se claramente em dois outros aspectos da palavra, o intelectual e o voluntrio, ou na conscincia e na liberdade. O profeta cnscio de anunciar a palavra de Deus, tem conscincia de sua misso geral e particular; menos

  • certo, porm, se ele tem uma real conscincia de ser movido por Deus durante a sua atividade especfica de escritor. O historigrafo e o mestre de sabedoria, ao contrrio, no demonstram aquela conscincia. O autor dos Eclesiastes no se cansa de encarecer a sua atividade pessoal, enquanto Ben Sira, em aluso inexata, compara a sua palavra com a profecia (Eclo 24.33).

    Quanto liberdade do profeta sob o influxo divino no h dvida possvel.

    Se h personalidades marcantes no AT, so os profetas: a sua orientao para Deus aumenta a sua liberdade responsvel. Enquanto Ams atesta o terrvel poder da voz de Deus (Am 3.8) e Jeremias experimenta uma constrio semelhante de alguns poetas romnticos (Jr 20.9), Ezequiel descreve, com uma distino casustica, a liberdade do profeta no exerccio de sua misso (Ez 33.1-9).

    c) Uma outra interessante antinomia da palavra proftica reside nos conceitos de profecia-instituio. O profeta uma parte da instituio da Aliana (Dt 18); ele se refere a ela, defende-a, e ao mesmo tempo a preserva do perigo de um institucionalismo rotineiro, mantendo vivo o seu sentido genuno, que o de uma responsvel comunho de vida com Deus. Assim a palavra proftica, germinando o seio da Aliana, anuncia que as palavras desta no podem ser transformadas em frmulas vazias.

    Segunda reflexo

    a) Se a palavra proftica nos impede de considerar o concurso humano para a sua formao como uma rgida atividade instrumental, uma outra srie de palavras de origem no proftica, nos impede de identificar a palavra de Deus com uma notificao prvia de um contedo. O influxo de Deus sobre o homem, para que este transmita a sua palavra, pertence a outra ordem. Sem excluir a realidade de revelaes prvias - o caso de muitas profecias - deve-se entender o influxo carismtico como um movimento e uma eficaz orientao da linguagem humana, que leve realizao da obra oral, seja qual for a ordem qual ela pertena.

    b) Pergunta-se qual ter sido a importncia social da palavra no AT. A palavra orientada para a comunidade; isto se realiza de dois

  • modos complementares. Algumas vezes o autor sagrado a voz do seu povo; a sua obra recebida pelo povo, que nela se reconhece, e assim o autor pode permanecer desconhecido. Outras vezes o autor sagrado se apresenta ao povo para acusar, julgar e converter; tambm aqui o povo reconhece o verdadeiro significado destas palavras, provocadas por ele.

    Quanto sua origem a palavra do AT muitas vezes annima, o que no significa que o seu autor seja a massa amorfa. Alm disso, uma palavra proftica pode ser transmitida, por exemplo, em um grupo de discpulos, que num trabalho de reelaborao, compem novas obras, nas quais a incorporam. Deste modo origina-se uma srie sucessiva de autores, difceis de serem apanhados na sua individualidade, mas que, no entanto, existem. Mesmo neste caso a palavra no brota de uma comunidade amorfa. Em nenhuma literatura do Oriente Antigo encontramos tantos autores ou escritores de to alto nvel e de personalidade to marcante. De alguns conhecemos at os nomes e os dados biogrficos (as ltimas tentativas de dividir estes escritores em sries de frmulas cultuais ou profticas fecham os olhos e os ouvidos para a sua diversidade). O caso mais evidente, que podemos apontar, de colaborao de autores em um livro da Sagrada Escritura o livro dos Provrbios. Trata-se de sentenas annimas, diferentes umas das outras e independentes: um annimo as reuniu e formou com elas uma antologia.

    c) A palavra do AT chegou at ns em forma escrita, mas inegvel que muitos textos existiram primeiro na forma oral e nela foram transmitidos. Assim, os autores mais recentes usam em suas obras um material que se tinha formado na tradio oral - e tambm na tradio escrita anterior. A escrita tem uma funo, a de conservar textos e transmiti-los, fixando-os com uma eficcia particular. Freqentemente ela tem tambm uma funo jurdica: a de ser um documento, um testemunho da validade da Aliana. E lgico que reunindo palavras importantes, a escrita seja o seu elemento de fixao e de transmisso. A "palavra inspirada" se transforma em "Escritura".

    d) Uma primeira leitura do AT j suficiente para mostrar que, com poucas excees, aqui se usa uma elevada linguagem literria, concreta, imaginosa, simples, de grande expressividade. A anlise estilstica confirma e refora esta impresso, demonstrando a cons

  • cincia literria dos autores, a sua liberdade no uso das frmulas, a sua inteno na composio formal ou dinmica etc. Este fato, que pode desagradar a certos professores, deve ser levado em considerao. Parece, contudo, que a palavra potica, com a sua plenitude, a sua intensidade e a sua fora evocativa seja mais conforme palavra de Deus e ao influxo do Esprito.

    Para se compreender a mensagem da palavra potica no se deve dissoci-la desta palavra, mas pronunci-la e medit-la. Semelhante familiaridade com esta palavra pode, por sua vez, fazer brotar outra palavra potica, vindo esta a formar uma obra literria. (No se pode negar que algumas palavras poticas se desenvolveram at receberem uma significao e at uma formulao tcnica).

    Isto importante para responder a uma objeo corrente: "o homem moderno, afeito tcnica, no sabe aproveitar nada do Antigo Testamento". Se o homem moderno perdeu a sensibilidade para a palavra potica, isto um prejuzo e no uma vantagem ou um progresso. O remdio para ele no a rejeio da palavra bblica, mas a recuperao do gosto perdido.

    e) Alm disso significativo que a palavra do AT nos seja oferecida no conjunto de uma obra literria: em unidades maiores ou menores, originais ou elaboradas. Com isto, as palavras ganham estabilidade e durabilidade, e ao mesmo tempo querem ser lidas e ouvidas, "expostas" ou presencializadas. Sem perder nada de sua firmeza, adaptaram-se a uma contextura mais vasta ou assumiram em seu mbito outros elementos assimilveis. O seu gnero literrio no totalmente idntico ao das obras literrias de nossa cultura, mas coincide com ele em pontos essenciais.

    6. O Novo Testamento

    O NT freqentemente d testemunho sobre o Antigo. No se trata aqui de analisar a fundo este testemunho, mas apenas de apontar os temas principais do NT e de mostrar que Deus ou o Esprito Santo fala atravs de Moiss e dos profetas. A autoridade da "Escritura" reconhecida e citada, atribui-se a ela valor proftico: "ela deve cumprir-se", o Antigo Testamento palavra de Deus. Os textos clssicos so 2Tm 3.15-17 e 2Pd 1.20-21: "Desde a tua infncia conheces as

  • sagradas Letras; elas tm o poder de comunicar-te a sabedoria que conduz salvao pela f em Cristo Jesus. Toda Escritura inspirada por Deus e til para instruir, para refutar, para corrigir, para educar na justia, a fim de que o homem de Deus seja perfeito, qualificado para toda boa obra" (2Tm 3.15-17); "Antes de mais nada sabei isto: que nenhuma profecia da Escritura resulta de umas interpretao particular, pois que a profecia jamais veio por vontade humana, mas os homens impelidos pelo Esprito Santo falaram da parte de Deus" (2Pd 1.20s). Segundo ICor 10.11 os acontecimentos do AT so imagens que se transformam em ensinamento na nova ordem da salvao. Segundo Hb 4.12 "a palavra de Deus viva, eficaz e mais penetrante do que qualquer espada de dois gumes; penetra at dividir alma e esprito, junturas e medulas. Ela julga as disposies e as intenes do corao".

    7. R esu m o

    1. Acabamos de ver a complexidade da palavra de Deus na vida do povo: distinguimos dois grupos de palavras, as da Aliana e as profticas, compreendendo trs membros paralelos: histria, mandamento, bno-maldio; interpretao histrica, mandamento e advertncia, promessa e ameaa. Constatamos depois um primeiro crculo de ampliao: parnese, instruo, escatologia; em seguida, o ltimo crculo de ampliao: o livro sagrado, a historiografia, o ensinamento sapiencial; por fim, o livro comentado como "Escritura". Vimos que a experincia imediata se transforma em categoria teolgica para interpretar os dois grandes mistrios, o da criao e o da histria. Esta categoria teolgica se reveste de um processo fictcio intencional. Compete a ns agora ouvir o que esta palavra diz de si mesma, como ela se descreve, quais as principais caractersticas que apresentas - a alguma delas j aludimos.

    2. A palavra do AT transmite um contedo: revela Deus e o homem, habitualmente de forma concreta. Ela firme e estvel porque perdura, se cumpre, fundamenta uma instituio, funda a f e a confiana. E ativa e eficaz, atuando em cada um e na histria.

    3. Acima de tudo a palavra proftica nos permite descobrir algumas tenses de sua natureza: uma estrutura divino-humana, a cons-

  • cincia e a liberdade do homem para a transcendncia e o influxo divino, o nexo da profecia com a instituio. Uma comparao entre os diversos tipos nos ensina que a palavra inspirada no exige uma revelao prvia. A palavra tem uma especificao social, mesmo provindo de autores individuais. A forma escrita conserva a palavra, confere-lhe validade jurdica ou de testemunho. O AT emprega geralmente uma linguagem que atinge, em uma obra de arte literria, a sua forma vlida e definitiva.

    Todos que so beneficiados pelo que fao, fiquem certos que sou contra a venda ou troca de todo material disponibilizado por mim. Infelizmente depois de postar o material na Internet no tenho o poder de evitar que alguns aproveitadores tirem vantagem do meu trabalho que feito sem fins lucrativos e unicamente para edificao do povo de Deus. Criticas e agradecimentos para: mazinhorodriguesQyahoo. com. br

    Att: Mazinho Rodrigues.

  • C a ptu lo II

    A F E A HISTRIA DO ANTIGO TESTAMENTO LUZ DE SUA EVOLUO

    E DO MUNDO AMBIENTE

    E lp id iu s P a x

    I. TEXTO E FORMAO DOS LIVROS DO ANTIGO TESTAMENTO

    Lendo o AT deparamos logo com uma questo importante: este o texto fidedigno inspirado por Deus? No chegaram at ns as anotaes pessoais de um Moiss nem os escritos originais dos profetas. Temos apenas cpias reunidas em colees de escritos religiosos. No seria admissvel que, no curso dos sculos, no somente se tenham infiltrado erros ortogrficos e gramaticais, mas tambm que tenham sido aceitas pelos copistas variantes essenciais no tocante substncia do contedo? E no se poderia dizer o mesmo dos redatores, que compuseram a coleo que possumos?

    1. A tradio textual

    As edies modernas do texto original se baseiam em manuscritos hebraicos que vo do sculo IX ao sculo XII d.C.; entre estes se destacam o cdigo proftico do Cairo, o cdigo de Leningrado e principalmente o assim chamado cdigo-tipo dos hebreus sefarditas de Alepo. Este ltimo no se perdeu num incndio (como se diz erroneamente na nova edio do Lexikon fr Theologie und Kirche), mas se encontra bem conservado no Ben-Zwi-Museum da Universidade de Jerusalm. Ele gozava de tal venerao na sinagoga antiga, que ainda

  • hoje o seu lugar em Alepo ocupado por velas. Apesar disso um fato que os mais antigos manuscritos hebraicos completos provm de uma poca relativamente recente, enquanto a mais antiga traduo grega, a dos LXX, foi realizada em Alexandria no sculo III a.C. e os seus testemunhos mais antigos em papiro so fragmentos do sculoI a.C. Mesmo levando-se em conta todas as dificuldades que qualquer traduo implica, no se pode negar que existem divergncias notveis entre ela e o texto hebraico. A questo da credibilidade dos nossos manuscritos hebraicos se torna cada vez mais premente. Devemos concentrar a nossa ateno no tempo intermedirio, para vermos se algum acontecimento fortuito faz aparecerem textos hebraicos mais antigos, que lancem um pouco de luz nas trevas. A sorte foi favorvel cincia. J em 1902 foi encontrado na regio de Fajum, no mdio Egito, um papiro (o papiro Nash), cujo texto no bblico, mas litr- gico, o qual contm uns poucos versculos do xodo e do Deuteronmio, mas concordantes. A primeira vista parecia que iam surgir novas complicaes porque faltavam os sinais voclicos, o que poderia provocar mal-entendidos (pensemos no caso de um imaginrio papiro que trouxesse um texto em portugus e nele se encontrassem as consoantes VST; poderamos l-las: vasto, visto, visito). Mas a dificuldade era apenas aparente. As lnguas semticas so por natureza destitudas de vogais; na escrita usam apenas consoantes. As vogais no eram necessrias enquanto se tratava de palavras correntes e de tradio oral. Mas elas se tornaram uma necessidade quando o hebraico deixou de ser lngua falada, continuando em uso apenas em ambiente sagrado e quando comearam a aparecer opinies teolgicas que no podiam conciliar-se conra Escritura. Assim a segunda metade do primeiro milnio assistiu ao aparecimento de famlias de sbios (os massoretas), dentre as quais sobressai a famlia Ben Asher (do sculo VIII ao sculo XII) de Tiberades, s margens do lago de Genesar, as quais cuidaram de prover o texto de sinais voclicos. Trabalho de inestimvel valor para ns, j que mostra que no judasmo sempre existiu a preocupao pela conservao do texto. Uma vez que o texto original tem apenas consoantes, nos pontos controversos podemos errar na colocao das vogais. Alm disso, aqueles sbios, quando duvidavam da correta transmisso de algum texto, faziam anotaes na margem ou no fim dos livros. Felizmente eles no interferiram no

  • texto como tal, mas somente anotaram a sua opinio como "correo dos doutos na Escritura". Temos um exemplo clebre em Gn 18.22, onde, no dilogo entre Deus e Abrao, se diz que Deus permaneceu em p diante de Abrao. Como no lhes parecia conveniente que Deus aparecesse de certa forma sujeito a Abrao, fizeram uma mudana pondo Abrao em p diante de Deus, mas o texto recebido eles o transmitiram fielmente. Formaram-se obviamente numerosas escolas teolgicas, das quais a mais clebre a de Babilnia. Mas, por motivos cientficos e prticos, acabou por impor-se a escola de Tiberades, a qual, no entanto, apenas uma parte de uma longa evoluo. Trabalhos de crtica textual e de gramtica foram iniciados j no sculoII d.C. com a nica finalidade de preservar a Bblia de falsificaes. Conhecida a sentena de Rabi Aqiba, segundo a qual ser necessrio estender uma cerca em volta da Tor.

    Os manuscritos de Qumran, perto do Mar Morto, encontrados em 1947, foram de valor incalculvel para um ulterior esclarecimento do texto. A seita judaica, que ali viveu, estruturada num tipo de vida de carter monstico, entre os sculos I a.C. e I d.C., tendo em vista o avano ameaador dos romanos, guardou a sua biblioteca em jarras de barro e escondeu-as em cavernas (algumas inacessveis) das montanhas de Jud. Com a descoberta, vieram luz um rolo completo do livro de Isaas e fragmentos maiores ou menores de todos os livros cannicos, com exceo do livro de Ester; a data desses manuscritos pode ser colocada no sculo I a.C. A grande surpresa foi a concordncia destes textos com passagens extensas dos textos at ento conhecidos. Dissipou-se o temor de que, com o passar dos sculos, o texto tivesse sofrido muitas variaes. Nas variantes, estes manuscritos se aproximam bastante dos Setenta. Disso se podem tirar duas concluses importantes: a) Variaes textuais jamais se deveram iniciativa arbitrria e individual. A prpria seita de Qumran d, a este respeito, um timo exemplo com o seu comentrio ao profeta Habacuc. Aps as citaes do texto bblico, segue um esclarecimento: as palavras devem ser entendidas assim ou assim. A seita ps a sua teologia, em parte completamente pessoal, nas notas explicativas e no no texto, b) Constatamos, por outro lado, que neste perodo ainda no havia unidade textual, existindo diferentes formas do texto, feitas para o uso litrgico e catequtico. A preocupao de preservar

  • a f no incio da era crist intensificou ainda mais os esforos com vistas a um texto normativo (cannico), o que foi levado a efeito de modo decisivo nos sculos I e II d.C.

    2. Crtica textual

    A tarefa da cincia na poca atual a de restabelecer o texto mais exato possvel com o auxlio de mtodos apropriados. Recolhe- se o material manuscrito disponvel, compreendidas as tradues, faz- se um exame das inmeras variantes, retendo as corretas e rejeitando as falsas. o modo de trabalhar usado no s na Bblia, mas tambm na reconstituio de textos profanos, gregos e romanos. Os mtodos cientficos so to exatos e sutis que, p. ex., de fragmentos de papiro foram reconstrudas cenas de um drama do poeta helenstico Menan- dro, cuja exatido foi plenamente confirmada por um papiro completo encontrado mais tarde. O mesmo acontece com a Bblia. Por exemplo, em Is 21.8 o texto corrente diz: "E o leo gritou: na atalaia do Senhor estou, continuamente de dia"; a verso "leo" no tem sentido; props-se ento mudar as letras hebraicas em questo, resultando o termo "vigia" ou "sentinela", o que foi plenamente confirmado pelo rolo de Isaas encontrado em Qumran.

    3. A formao do cnon

    A formao da coleo dos livros bblicos se processou de modo semelhante. Em Qumran vieram luz fragmentos de diversos escritos religiosos, dos quais ainda no tnhamos notcia, p. ex., sobre o rei- sacerdote Melquisedec; esses escritos serviam para edificao e instruo. Tambm no cnon foi necessrio erguer uma barreira para preservar os escritos autnticos das falsificaes e confuses. o que foi feito de modo definitivo no snodo de Jmnia, nos arredores de Tel-Aviv, pelo ano 100 d.C. E este o cnon que encontramos em nossos manuscritos hebraicos. Os Setenta [Septuaginta] tm mais alguns livros: prova de que a formao do cnon tem uma longa histria atrs de si; compreensvel, por isso, que houvesse dvidas sobre a autenticidade de algumas obras. De fato, na dispora foram aceitas algumas obras escritas em grego, s quais o snodo de Jmnia se ops, rejeitando-as.

  • A Igreja, no conclio de Trento, se decidiu autoritativamente pelo cnon mais amplo, reconhecendo, portanto, tambm os livros de Judite, Tobias, Jesus ben Sira (Eclesistico), Sabedoria, 1 e 2 dos Macabeus e Baruc. L u ter o , ao contrrio, segue Jmnia. Naturalmente tambm estes livros, escritos em hebraico, eram usados pelos judeus como leitura edificante. Em 1896, por acaso, foram descobertos no Cairo antigo dois teros do texto hebraico de Jesus ben Sira, em manuscritos dos sculos IX a XII. A descoberta sensacional de 1964 foi a de um rolo, em Masada, s margens do Mar Morto; nele se encontram quatro captulos do mesmo livro, que devem ter sido escritos no sculo I a.C. Pelo texto exemplar publicado por Y. Y adin2, pode-se ver que ele concorda com o que foi encontrado no Cairo, o que ainda mais notvel por se tratar de um livro que, para os judeus, no era cannico, no estando sujeito, portanto, s rigorosas medidas de proteo da autoridade.

    Se considerarmos a evoluo da Sagrada Escritura desde o seu comeo, aparece logo em primeiro plano a tradio oral. Somente o homem moderno pode v-la com ceticismo, porque sabe que no pode mais confiar somente na sua memria. Pense-se que na ndia os hinos do Rigveda foram transmitidos durante dois mil anos sem erro! Logo, porm, foram aparecendo as anotaes, uma vez que no Oriente o conhecimento da escrita antiqssimo. Moiss, por volta de 1200, j fazia suas anotaes, talvez numa espcie de dirio, e no tempo dos juizes j existiam colees de prescries e narraes, reelaboradas depois nos nossos textos. A formao da nossa Bblia atual se prende a quatro pontos catalisadores. O primeiro lugar cabe ao documento da Aliana, que regulamenta as relaes entre Deus e o seu povo. Ele foi conservado, lido publicamente em ocasies solenes (cf. Js 24) e ampliado paulatinamente com novas explicaes. Depois da crise no reinado de Manasss, ele se tornou, sob Josias, o centro de um movimento de reforma (2Rs 22s). Sob Salomo e no perodo dos reis cuidou-se de escrever a histria da poca e de reunir as tradies antigas (Javista, Elosta). No tempo da corrupo religiosa escrevem os profetas; as suas palavras, tantas vezes desprezadas, consistem em sentenas avulsas, proferidas em nome de Deus, as quais so ampliadas pelos discpulos e reunidas em colees, que so citadas por Jesus

    - Y a d in , Y., The Ben Sira Scroll from Masada, Jerusalem, 1965.

  • ben Sira por volta de 190 a.C. (Eclo 48.22ss). J que a multiplicao de textos por copistas era coisa difcil, sendo necessrio, por isso, limit-las ao que era mais importante, algumas obras de profetas menos conhecidos foram anexadas s vezes a um profeta conhecido e publicadas sob o seu nome (Dutero-Isaas). Trata-se de um procedimento comum na antiguidade e moralmente em nada condenvel, o qual mostra que se dava importncia no pessoa, mas unicamente ao contedo. Finalmente, j o rei Ezequias, no sculo VIII, mandara compilar os provrbios de Salomo (Pr 25.1). O exlio traz uma grande interrupo. E sob a sua impresso que se forma a obra historiogr- fica deuteronomstica, que trata do problema da Aliana. Depois do regresso, a maior preocupao dos chefes do povo a volta tradio. Os documentos da Aliana e as obras de histria, indissoluvelmente ligados entre si, encontram a sua unidade definitiva no Pen- tateuco. Coisa semelhante acontece com os profetas e com os chamados "escritos"; estes, bastante ampliados, encontram seu lugar nos livros sapienciais, ao lado dos Provrbios, da Sabedoria etc. A este perodo pertence tambm a viso do livro de Daniel; finalmente, como demonstrao da estreita conexo entre o pensamento histrico e o religioso, aparecem os livros dos Macabeus (sculo I a.C.).

    O AT no caiu do cu, como se narra dos chamados livros sagrados de outras culturas. Ele se formou mediante longo e complicado processo, que a cincia pode desemaranhar, ao menos em parte. Este processo nos mostra a formao de uma f em Deus, que no uma posse imperturbvel, mas que precisa sempre ser defendida de dificuldades internas e externas; por outro lado, justamente com essa espcie de luta ela se preserva e se consolida. E um sinal de verdadeira vitalidade.

    4. Tradues

    As verses oferecem uma contribuio importante para a avaliao do texto. Dentre elas a mais importante a verso grega dos Setenta [Septuaginta], que nos transmitiu o texto completo alguns sculos antes do primeiro manuscrito hebraico que possumos. Como j vimos, ela foi feita antes da fixao definitiva do cnon. As suas diferenas, que no atingem a substncia da divina revelao, se explicam muitas

  • vezes pela dificuldade de exprimir na lngua grega, de estrutura completamente diferente, certos conceitos hebraicos; quanto a isso deve-se levar em conta que os tradutores no tinham nenhum modelo ao qual reportar-se, mas se moviam em terreno inexplorado. Como este trabalho foi empreendido por motivos litrgicos e catequticos, algumas coisas foram adaptadas mentalidade dos fiis que viviam em ambiente grego, por meio de circunlocues e esclarecimentos. P. ex., em Is 6.1 se diz de Deus: "As suas orlas enchiam o templo"; os Setenta traduzem: "O templo est cheio da sua glria", esclarecendo assim que se trata de uma apario de Deus. De grande importncia tambm S. Jer n im o , que em Belm fez uma reviso da antiga traduo latina do saltrio, usando o texto hebraico, e traduziu de novo o AT hebraico. Ele , por isso, uma testemunha importante da credibilidade da Bblia.

    II. CINCIAS BBLICAS AUXILIARES

    Um texto no existe isolado ou no vcuo, mas numa regio e numa cultura, a qual, por sua vez, se entrelaa com as culturas vizinhas. Ele no deve ser isolado da vida do homem, que o inventou, elaborou e transmitiu e que, em si mesmo, um elo de uma longa cadeia de transmisso, que chega at os nossos dias. Para compreender o texto do AT necessrio ter em mente tudo isto. No se deve fazer um juzo apressado sobre a sua credibilidade sem se dar primeiro ao trabalho de identificar-se com outras situaes e com outras pessoas. Importa ainda saber distinguir o essencial do secundrio, no parar no acessrio, mas chegar ao ncleo. A estreiteza do prprio pensamento, erigido em norma geral, o maior empecilho para um entendimento profundo.

    1. a) A geografia

    A Palestina apresenta, num espao reduzido, vrias caractersticas geogrficas e climticas, que se refletem obviamente tambm na lngua. Existem, assim, cerca de quarenta expresses diferentes para significar vrias formas do solo, cujo conhecimento indispensvel para se perceberem as sutilezas de um texto. O clido siroco realmente

  • faz a erva secar logo e a flor murchar, como lemos em Is 40.6-8.0 fenmeno impressionante de um wadi, que transborda repentinamente para logo depois secar quase instantaneamente, em conseqncia da rpida infiltrao da gua, descrito em sentido metafrico nas tocantes palavras de Jeremias, que, durante a perseguio, assim se dirige ao Senhor: "Vs sois para mim uma torrente enganadora, uma gua inconstante" (Jr 15.18). Grande importncia tm os nomes de lugar, que no Oriente se conservaram com uma persistncia admirvel at o presente e por isso podem confirmar algumas indicaes bblicas, enquanto os nomes cristos medievais ou hebraicos modernos na maioria no correspondem aos dados geogrficos, mas servem a fins religiosos ou nacionais.

    A antiga Betei revive na hodierna "Betin"; Teqoa, ptria do profeta Ams, na atual "Teqoa". O vilarejo de Emas, conhecido no AT, foi identificado desde as cruzadas, com o lugarejo rabe de "el-Qubei- beh", certamente sem motivo, porque, prescindindo da tradio relativamente recente, o nome antigo continua existindo em "Amwas", a 20 km de Jerusalm.

    b) Geografia e histria

    Fato ainda mais relevante o seguinte: a Palestina se situa no ponto de encontro da frica e da sia, o que, na histria dos povos, de importncia nica, qual vem acrescentar-se a sua posio junto ao mar, favorvel ao comrcio. Desde os tempos mais antigos as estradas das caravanas ligam o Egito Mesopotmia, o interior do deserto rabe ao Mediterrneo, o Mar Vermelho a Damasco, sempre atravs da Palestina. As migraes dos povos sempre envolveram o pas nos seus destinos. A partir ao menos do terceiro milnio, nmades semitas, partindo do deserto arbico, penetraram na Mesopotmia e na Palestina. Mas tambm os povos sedentrios, ligados aos indo-europeus, tiveram seus movimentos migratrios. O estranho povo dos Hyksos, fixando-se no Egito, entre o mdio e o novo Imprio (ca. de 1670 a 1570 a.C.), estendem sua influncia at a Palestina e a Sria, criando assim uma estreita ligao entre os vrios pases do Oriente. No segundo milnio expandiram-se do leste os hurritas, cujo centro era Nuzi, no longe de Kirkuk, no Iraque; alguns textos egpcios atestam

  • expressamente a sua influncia na Palestina. Restos dispersos de hititas (heteus) aparecem j antes de 1600 at no territrio de Hebron, segundo o testemunho de Gn 23.3.

    Como conseqncia da invaso drica (sculo XII), estabelecem- se na costa os "povos do mar", aos quais pertencem os filisteus, provenientes de Creta e da sia Menor. A Palestina aparece assim como a terra dos deslocamentos, no do repouso. Foram os prprios israelitas, alis, que levaram a intranqilidade aos seus predecessores, os cananeus, como o provam as numerosas cidades destrudas. Quando, quase dois sculos depois, sob Davi (ca. de 1000 a.C.), parecia que eles tinham finalmente tomado posse definitiva da terra, no puderam gozar de paz durante muito tempo. Os assrios (em 722, destruio de Samaria) e os babilnios (em 586, destruio de Jerusalm) acabaram com o seu Estado; quanto ao reino dos Macabeus, foi de pouca durao (164-63 a.C.). O ltimo golpe foi desferido pelos romanos: em 63 a.C. Pompeu entrou em Jerusalm, e em 70 d.C. a cidade foi conquistada por Tito. No mesmo ano caiu tambm a fortaleza de Masada, s margens do Mar Morto, depois de duras pelejas. A ltima insurreio, sob Bar-kochba, foi esmagada em 135 d.C.

    Um captulo fascinante desta fase final o do encontro do Oriente com o helenismo. Na verdade, com isto apenas se intensificam as antiqssimas relaes com o mundo mediterrneo, quando se apresenta e se impe uma dinmica mais forte contra as idias correntes no Oriente antigo. Explica-se com isso a posio do judasmo helenstico, que jamais abandonou as tradies do povo.

    Assim, a histria do pas, que se desdobra de modo semelhante na Idade Mdia e nos tempos modernos, determinada essencialmente pela sua posio geogrfica. justamente sobre isto que ns, que somos religiosos, deveramos refletir. H uma questo que retorna muitas vezes: por que Deus se revelou na Palestina e no em outra regio? Talvez porque ele quisesse mostrar aos outros povos que, no obstante todas as dificuldades naturais, que os homens no conseguem dominar, e apesar de toda a escurido, ele conserva em suas mos o fio dos acontecimentos e p