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Para a crítica da individualidade abstrata Novembro de 2015, Bruno Hatschebach. Como subsunção da individualidade, a equivalência formal se põe enquanto aspecto de igualdade formal. Contudo, para compreendermos a gênese e desenvolvimento da individuação enquanto complexo mediativo da socioreprodução, buscamos no Materialismo Dialético as categorias enquanto “forma[s] de ser, determinações de existência” (MARX 2011: 59), quais ora em destaque revelam- se enquanto anatomia da sociedade civil (idem). Tal análise, nos parece, implica relação historicamente constituída entre produção social em determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas antagônicas e sua justificação em formas ideológicas. Tal desenvolvimento contraditório, para as categorias em foco – trabalho e individualidade, aí enquanto particularidades históricas –, nos remetem à gênese da sociabilidade moderna e todo conjunto de mediações que esta requer. A categoria Individualidade em Marx não é uma afirmação de caráter gnosiológico ou epistemológico, antes advém do postulado ontológico sobre o teor genético insuprimível do trabalho enquanto poiésis, isto é, relação teleológica ser social α natureza, ao termos em conta nossa relação ontogenética como protoforma da práxis. Acerca de tal relação, assevera Lukács: (...) é preciso também pensar que nenhuma exteriorização, enquanto expressão de uma personalidade, pode tornar-se operante, isto é, existente, se por algum motivo não se objetiva. Os pensamentos, os sentimentos, etc., não exteriorizados das pessoas são meras possibilidades; o que eles realmente significam é comprovado somente no processo do seu objetivar-se. (LUKÁCS apud DA COSTA: 41)

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Para a crítica da individualidade abstrata

Novembro de 2015, Bruno Hatschebach.

Como subsunção da individualidade, a equivalência formal se põe enquanto aspecto de igualdade formal. Contudo, para compreendermos a gênese e desenvolvimento da individuação enquanto complexo mediativo da socioreprodução, buscamos no Materialismo Dialético as categorias enquanto “forma[s] de ser, determinações de existência” (MARX 2011: 59), quais ora em destaque revelam-se enquanto anatomia da sociedade civil (idem). Tal análise, nos parece, implica relação historicamente constituída entre produção social em determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas antagônicas e sua justificação em formas ideológicas. Tal desenvolvimento contraditório, para as categorias em foco – trabalho e individualidade, aí enquanto particularidades históricas –, nos remetem à gênese da sociabilidade moderna e todo conjunto de mediações que esta requer.

A categoria Individualidade em Marx não é uma afirmação de caráter gnosiológico ou epistemológico, antes advém do postulado ontológico sobre o teor genético insuprimível do trabalho enquanto poiésis, isto é, relação teleológica ser social α natureza, ao termos em conta nossa relação ontogenética como protoforma da práxis. Acerca de tal relação, assevera Lukács:

(...) é preciso também pensar que nenhuma exteriorização, enquanto expressão de uma personalidade, pode tornar-se operante, isto é, existente, se por algum motivo não se objetiva. Os pensamentos, os sentimentos, etc., não exteriorizados das pessoas são meras possibilidades; o que eles realmente significam é comprovado somente no processo do seu objetivar-se. (LUKÁCS apud DA COSTA: 41)

Para tanto, reconhecemos em Marx, Lukács e Mészáros a legalidade da sociabilidade moderna como primado ontológico do trabalho concreto para a individualidade, enquanto que as categorias de segunda ordem como Estado Moderno e ontonegatividade da politicidade para a individualidade abstrata, relação que se assenta contraditoriamente, nos termos de Lukács enquanto superação dialética da adaptação passiva – esta, própria ao arrivamento do complexo ontológico orgânico – em relações historicamente determinadas, isto é, a sociabilidade opera através do deslocamento

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teleologicamente posto também de nossa natureza orgânica e inorgânica.

O individualismo moderno é o invólucro material qual epifenômeno desvela, [cito Mészáros]:

(...) as mediações de segunda ordem estruturalmente invalidadas e reificadas de TRABALHO ASSALARIADO, PROPRIEDADE PRIVADA E INTERCÂMBIO, impondo-se por meio do poder controlador do capital (que surge de seu monopólio sobre os meios de produção) e a correspondente divisão hierárquica do trabalho. (MÉSZÁROS 2011b: 100)

Vemos aí a relação entre socioreprodução de capital e a produção de mercadorias enquanto base material da inversão de possíveis da historicidade concreta, tendo por limite a reprodução de valor mesma, regulada por leis tendenciais de concentração/acumulação e expansão do valor de troca – à letra marxiana, suas leis férreas. No sentido qual se conforma tal circularidade auto expansiva, oculta na sociabilidade seu nexo interno, historicidade; e para tanto, a relação entre trabalho e sociabilidade. As robinsonadas – dito de outro modo: caracterizações que postulam a anterioridade do indivíduo diante da sociabilidade – se justificam somente no interior do conjunto de concepções burguesas, onde o indivíduo social aparece em decomposição abstrata, negando o caráter necessário das mediações de primeira ordem (trabalho, sociabilidade, linguagem, individuação, etc.) e deslocando o antagonismo às mediações de segunda ordem (particularidades históricas próprias à socioreprodução de capital, como: propriedade privada dos meios de produção e subsistência, Estado e seu pólo antitético ontonegatividade da politicidade, e a família mononuclear burguesa.

Alves afirma:

Os indivíduos [...] aparecem categorialmente determinados por suas formas e modos sociais de existência, delimitados pelas condições históricas objetivas de apropriação da realidade. [...] a individualidade só pode ser corretamente compreendida em Marx como a forma humana de entificação, uma figuração cuja estrutura e espessura ônticas necessariamente se arrimam na sua sociabilidade essencial. Produção e individuação aparecem, portanto, como elementos constitutivos de um complexo categorial, da interatividade societária. Produção que é, de um lado, doação de forma humana ao mundo, a criação de objetos numa configuração adequada à satisfação das necessidades e

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carecimentos, mas é também, por outro lado, produção dos próprios indivíduos como sujeitos concretos. (ALVES 2012: 238-240).

Ao reconhecermos tal ordem de relações, buscamos situar em nossa pesquisa as peculiaridades ontológicas da individuação enquanto complexo mediativo da reprodução social. Ao discutirmos a ontologia do trabalho em contraposição à situação histórica em que se encontra a individuação, buscamos neste trabalho defender radicalmente o estatuto ontológico da liberdade humana em antinomia à especificidade da sociabilidade moderna, quero dizer, naquilo que a caracteriza essencialmente: mediações de segunda ordem e suas recíprocas determinações reflexivas enquanto identidade formal das forças produtivas e o concomitante controle estrutural da produção social pelo capital como base material para a constituição de individualidades abstratas. Para tanto, buscamos nos aproximar das categorias em seus nexos essenciais.

O individualismo moderno – aí, em oposição à individuação enquanto complexo mediativo – o primeiro do qual subsumido pelas relações sociais capitalistas – advém da base material da alienação moderna: o afastamento do trabalhador diante de seus meios de produção e subsistência, agora apropriados de forma privada e se articula com:

i. A alienação do ser social diante da natureza sob duplas bases: recursos naturais como água, solo e minerais como commodities e o estranhamento diante de nossa constituição enquanto seres naturais;

ii. Alienação do homem diante da totalidade social: estranhamento da Arte e da Filosofia, a exemplo.

iii. E de si, isto é, estranhamento do ser social diante de sua individualidade, o que constitui precisamente o caráter particular da individualidade abstrata.

Tendo em vistas que nossa relação com o trabalho e consequentemente, nosso modo de ser não é mais a própria atividade criativa, mas sim seu estranhamento e, portanto, o trabalho abstrato é determinado enquanto meio de existência. Cito Marx:

A dissolução de todos produtos e atividades em valores de troca pressupõe a “dissolução de todas as relações fixas (históricas) de dependência pessoal na produção, bem como a dependência multilateral dos produtores entre si. [...] A dependência recíproca e multilateral dos indivíduos mutuamente indiferentes forma sua conexão social. Essa conexão é expressa no valor de troca [...]; o indivíduo tem de produzir um produto

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universal – o valor de troca, ou este último, por si isolado, individualizado, dinheiro. [...] o poder que cada indivíduo exerce sobre a atividade dos outros ou sobre as riquezas sociais existe nele como o proprietário de valores de troca, de dinheiro. Seu poder social, assim como seu nexo com a sociedade, [o indivíduo] traz no seu bolso. (MARX 2011b: 19, apud DUAYER)

A exterioridade da individuação moderna se expressa na impossibilidade do capital enfrentar as causas enquanto tal, momento onde para Mészáros “a função ideológica crucial do ponto de vista da individualidade isolada é a inversão radical da relação estrutural entre diferentes tipos de conflitos e antagonismos” (MÉSZÁROS 2009: 52). Cito Mészáros:

Como resultado desses desenvolvimentos, o valor de uso correspondente à necessidade só pode adquirir o direito à existência se estiver em conformidade com os imperativos apriorísticos do valor de troca autoexpansivo. (MÉSZÁROS 2007: 41)

Pois, ao tempo em que o modo de produção capitalista põe as bases materiais da individualidade enquanto potência (dynamei), subsume sua lógica enquanto negação da potencia criativa, recusando alias, as próprias mediações entre sociabilidade, gênero e individualidade, dito de outro modo: sociabilidade, atividade e indivíduo. Afirma Marx:

O possuidor de dinheiro pagou o valor de um dia de força de trabalho; pertence-lhe, portanto, a utilização dela durante o dia, o trabalho de uma jornada. A circunstância de que a manutenção diária da força de trabalho só custa meia jornada de trabalho, apesar de a força de trabalho poder operar, trabalhar um dia inteiro, e por isso, o valor que sua utilização cria durante um dia é o dobro de seu próprio valor de um dia, é grande sorte para o comprador, mas, de modo algum, uma injustiça contra o vendedor. (MARX 2011: 311).

Como antes mesmo de sua entrada no processo de produção seu trabalho [do trabalhador] já [está] estranhado, apropriado pelo capitalista e incorporado ao capital, esse [mesmo] trabalho se objetiva constantemente durante o processo como produto alheio (fremde). (MARX apud RANIERI: 02)

CONCLUSÃO

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REFERÊNCIAS

ALVES, Antônio José Lopes. O Problema da Generidade Humana no pensamento de Marx: do Gênero à Sociabilidade. Princípios – Revista de Filosofia. Natal (RN), v. 19, n. 31. Jan./Jun. 2012, p. 235-260.

_______. A individualidade moderna nos Grundrisse. IN: TOMO IV – Dossiê Marx. Ensaios Ad Hominem nº 1. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem. 2001

COTRIM, Ivan. KARL MARX: a determinação ontonegativa originária do valor. – São Paulo: Alameda, 2011.

DA COSTA, Gilmaisa Macedo. Bases Ontológicas da Personalidade. IN: Indivíduo e Sociedade: sobre a teoria da personalidade em Georg Lukács. – São Paulo: Instituto Lukács, 2012.

MÉSZÁROS, István. A teoria da alienação em Marx. István Mészáros. – São Paulo: Boitempo, 2006.

_______. A tirana do imperativo do tempo do capital. IN: O Desafio e o Fardo do Tempo Histórico: o socialismo no século XXI – São Paulo: Boitempo, 2007.

_______. O ponto de vista da individualidade isolada. IN: Estrutura social e formas de consciência: a determinação social do método. – São Paulo: Boitempo, 2009.

_______. Estrutura social e formas de consciência, volume II: a dialética da estrutura e da história – São Paulo: Boitempo, 2011.

MARX, KARL. Introdução. IN: Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857 – 1858: esboços da crítica da economia política. – São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2011.

RANIERI, Jesus. Alienação e estranhamento: a atualidade de Marx na crítica contemporânea do capital.