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CEDU Centro de Estudos em Direito da União Europeia http://www.cedu.direito.uminho.pt/ PARA ONDE CAMINHA A CONSTITUIÇÃO? Larissa A. Coelho Doutoranda em Ciências Jurídicas Públicas Centro de Estudos em Direito da União Europeia Universidade do Minho INTRODUÇÃO OBJETIVOS Compreender a partir de uma análise histórica a evolução do constitucionalismo desde a antiguidade clássica até à era moderna; No contexto contemporâneo, tendo sido detectado dois movimentos constitucionais, o neoconstitucionalismo e a teoria da interconstitucionalidade, analisar nesta fase da pesquisa a construção teórica deste segundo para determinar se a ideia de constituição atualmente em sede da teoria da interconstitucionalidade permanece inalterada. METODOLOGIA Estudo descritivo-exploratório empregando como método de abordagem da investigação o hipotético-dedutivo, pois que com base em conhecimentos prévios e com o surgimento de conflitos, pressupõe-se soluções iniciais a partir de conjecturas que se encontram sujeitas a testes (GUSTIN; DIAS, 2010, p. 20 – 23); Através do método histórico-jurídico, analisa-se a evolução do constitucionalismo, com vista a determinar se suas causas e efeitos tendem a permanecer constantes, especialmente nesta fase da pesquisa, no contexto da teoria da interconstitucionalidade; Procedimento de pesquisa: método histórico-comparativo pelo qual se investiga fatos e acontecimentos passados para verificar-se as consequências e influências destes na atualidade (LAKATOS; MARCONI, 1986). No âmbito da tese de doutoramento sob o título “Os movimentos constitucionais na modernidade líquida: a teoria da constituição entre a política e o poder”, ainda em desenvolvimento, a investigação encontra-se na fase de caracterização da teoria da constituição, dedicando-se assim à construção histórica do constitucionalismo moderno. Uma vez que a pesquisa se desenvolve no campo da atualização da teoria da constituição, objeto em estudo pelo Centro de Direito da União Europeia – UMinho, a abordagem histórica se faz não apenas no intuito de se compreender a evolução do constitucionalismo ao longo do tempo, mas sobretudo verificar se a ideia de Constituição permanece constante em sede da teoria da interconstitucionalidade. Sendo certo que muito se tem escrito acerca da teoria da constituição, sobretudo a partir do século XVIII com os movimentos liberais, entender a natureza da Constituição é determinar a essência do constitucional. Sob a ótica da história o desenvolvimento do constitucionalismo pode ser observado em três momentos: na sequência e desencadeada pelas revoluções oitocentistas; a produzida no pós Primeira Guerra Mundial; a desenvolvida com o fim da Segunda Guerra e os processos de descolonização (BARACHO, 1986, p. 30 - 39). Atualmente o constitucionalismo tem se desenvolvido sob a ótica de dois paradigmas – ou movimentos – nos países da América do Sul destaque-se a teoria do neoconstitucionalismo, na Europa em decorrência da globalização e do processo de integração, a doutrina tem se dedicado à teoria da interconstitucionalidade. Deste conjunto de fatores que se pretende compreender qual ou quais os caminhos que segue o constitucionalismo na era pós-moderna. Encontro com a Ciência e Tecnologia em Portugal Centro de Congressos de Lisboa 3 a 5 de Julho Carta Magna, Lei Maior, Lei Fundamental são alguns dos termos utilizados pela doutrina jurídica para referir-se à Constituição, no entanto, através da interpretação verificamos que esses termos se referem à constituição na época áurea do Estado-Nação. O constitucionalismo significa: a limitação do poder e supremacia da lei Embora implique na existência de uma Constituição escrita, essa verdade não é absoluta, vide o exemplo do Reino Unido. A expressão “limitação do poder” é compreendida em três aspectos: material: corresponde aos valores básicos e direitos fundamentais que devem ser preservados como dignidade da pessoa humana, direitos à liberdade de religião e associação; orgânico: legislar, julgar e administrar são funções que devem ser atribuídas a diferentes órgãos independentes mas também interdependentes (checks and balances); processual: além de uma atuação em conformidade com a lei, os órgãos do poder devem atuar de acordo com o processo legal, ou seja, respeitando princípios processuais como do contraditório, ampla defesa, inviolabilidade de domicilio, vedação de provas obtidas por meio ilícito, como também sua adequação ao princípio da proporcionalidade (BARROSO, 2015, p. 29 – 30). Entretanto esse entendimento do constitucionalismo corresponde à acumulação das finalidades que a Constituição passa a ter em função dos acontecimentos históricos, assim: Constituição & Antiguidade Clássica: a sua finalidade era organizar a comunidade política, estando em causa determinar a função dos cidadãos, a forma, a estrutura e a organização do governo. Constituição & Idade Média: como esclarece Luís Roberto Barroso (2015, p. 32) “[…] o ideal constitucionalista, que vinha dos gregos e havia sido retomado pelos romanos […] desapareceria do mundo ocidental por bem mais de mil anos, até o final da Idade Média”. Constituição & Era Moderna: em princípios do século XVI e em razão do fim do feudalismo ergue-se a figura do Estado em sua versão absolutista, juntamente ganha força o conceito de soberania absoluta e indivisível. Deste período destaca-se três movimentos que contribuem para a consolidação do constitucionalismo moderno: Revolução Inglesa Constitution aparece como form of government e fundamental laws (GRIMM, 2012, p. 151). Fatores: a) 1628: o Parlamento submete o rei à Petition of Rights que limita o poder do monarca; b) Revolução Gloriosa: Orange derruba James II, “[…] já sob um regime de supremacia do Parlamento, com seus poderes limitados pela Bill of Rights (1689)” (BARROSO, 2015, p. 35). Revolução Americana Fatores: alta carga tributária e a restrição a atividades econômicas e de comércio. Documentos: Declaração de Independência (1776). Convenção Constitucional, sendo aprovado a primeira constituição escrita (1787). Introdução da declaração de direitos (Bill of Rights - 1791). A Constituição é “[…] estendida de mera ´form of government` a vinculações materiais do poder do Estado na forma dos direitos humanos” (GRIMM, 2012, p. 154). Revolução Francesa Fatores: crise financeira gerada pelo apoio a guerra de independência americana, alta carga tributária e recusa da nobreza em reduzir seus benefícios fiscais. Insurreição do estado (autoproclama-se Assembleia Constituinte). Lema: igualdade, liberdade e fraternidade. Documentos: Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e a elaboração de uma nova Constituição. Constituição & Séc. XIX: período da codificação e juridificação do poder do Estado, conceito da constituição passa de costumes jurídicos a uma lei escrita, formal. Ferdinand Lassalle em Über Verfassungswesen (1862), afirma que os problemas constitucionais são problemas de poder pois que devemos ter uma Constituição que reflita a realidade social, assim “[…] a verdadeira Constituição de um país somente tem por base os fatores reais e efetivos do poder que naquele país regem […]” (LASSALLE, 2001, p. 40), configurando-se em um problema quando as Constituições reais e escritas não se entrelaçam (o que a torna uma mera folha de papel). Este estudo é associado ao sociologismo constitucional. Constituição & Séc. XX: sob o domínio da ideologia positivista é construída a concepção jurídica, em que a Constituição é entendida como a norma suprema de um Estado. Hans Kelsen na obra Teoria Pura do Direito pretende compreender o direito sem ligações a qualquer elemento de outra ciência (como a sociologia, filosofia, política). A norma é entendida como o dever-ser. A Constituição para Kelsen seria uma estrutura formal, independentemente da legitimidade ou justiça de seu conteúdo e da realidade política subjacente. Constituição & os Pós-Guerras: adotando um discurso socializante, a essência da Constituição passa a estar ligada a questões como desenvolvimento econômico, liberdades individuais, criação e gestão de oportunidades aos cidadãos. “[…] as Constituições passaram a se apresentar como programas de reforma social, e ocuparam o centro de um projeto coletivo de ação política cuja aspiração é determinar a atuação dos Poderes Públicos, a fim de materializar direitos” (SIQUEIRA, 2016, p. 195 - 197). Desde modo, em razão dos processos históricos, as constituições contemporâneas podem ser entendidas como um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regulam a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias (SILVA, 2005, p. 37 – 38). Em razão deste contexto as normas jurídicas passam a comentar não apenas a política, mas também as relações econômicas e sociais (BARACHO, 1986, p. 44) Constituição & Séc. XXI: O atual contexto histórico no qual se encontra em desenvolvimento o constitucionalismo compreende a implementação dos processos de integração regionais como a União Europeia (UE) e o Mercado Comum do Sul (Mercosul), que em razão do crescimento dos fluxos migratórios, da comunicação, transporte e tecnologia levam a soberania e independência do Estado a se reduzir apenas à sua capacidade de repressão (BAUMAN, 1999, p. 72). Neste cenário em que o Estado perde a centralidade, a vigência da constituição dissocia-se de certos elementos considerados basilares como o seu poder advir de um momento constituinte, a abdicação voluntária da soberania nacional como decorre da Constituição Europeia. As constituições dantes nacionais passam também a integrar-se, a entrar em diálogo Em razão dessas alterações a TEORIA DA INTERCONSTITUCIONALIDADE busca construir uma doutrina atualizada para a teoria da constituição. Esta ideia foi cunhada por Francisco Lucas Pires na obra Introdução ao Direito Constitucional Europeu. O que significa o termo interconstitucionalidade? Compreende uma “[…] proposta teorética a partir da qual pode e deve estudar- se o processo de integração europeia, ocupando-se, pois, do enquadramento/tratamento da fenomenologia do ´pluralismo constitucional` ou das ´constituições em rede`” (SILVEIRA, 2016, p. 73). Qual a definição para a teoria da interconstitucionalidade? Tem sido definida como o diálogo constitucional, ou ainda como a “[…] influência recíproca de certas Constituições ou das jurisprudências constitucionais de uns países sobre as de outros países” (MIRANDA, 2013, p. 69); Estuda as relações “[…] da concorrência, convergência, justaposição e conflito de várias constituições e de vários poderes constituintes no mesmo espaço político” sendo este um termo preferível ao termo constitucionalismo multilateral (CANOTILHO, 2008, p. 266). Estamos diante de um novo constitucionalismo? O quadro da teoria da interconstitucionalidade não pretende criar um novo constitucionalismo, apenas adequar “[…] a correlação entre várias Constituições” (PIRES, 1997, p. 18). A constituição não trata apenas do Estado, mas também de toda a sociedade (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 5). Dos movimentos liberais o conceito jurídico tradicional da Constituição pode ser construído sob a ótica material (“quanto ao conteúdo de suas normas […] organiza o exercício do poder político, define os direitos fundamentais, consagra valores e indica fins públicos a serem realizados”) e a ótica formal (“quanto à sua posição no sistema […] é a norma fundamental e superior, que regula o modo de produção das demais normas do ordenamento jurídico e limita o seu conteúdo”) (BARROSO, 2015, p. 99). Com a teoria da interconstitucionalidade, apesar do sentido da Constituição permanecer inalterado, estamos diante de uma pluralidade de fontes constitucionais que juntas têm que dar soluções e respostas a problemas como da convivência entre Constituições, a aplicação de normas preferentes derivadas de ordenamentos distintos, ao problema do nível de proteção mais elevado dos direitos fundamentais, entre outros (SILVEIRA, 2010, p. 209 - 210). BARACHO, J. A. de O. Teoria geral do constitucionalismo. Revista de Informação Legislativa Brasileira, Brasília, vol. 23, n.º 91, jul./set., p. 5 – 62, 1986. BARROSO, L. R. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo mundo. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015. BAUMAN, Z. Globalização: as consequências humanas. Trad. de M. Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999. CANOTILHO, J. J. G., “Brancosos” e interconstitucionalidade: itinerários dos discursos sobre a historicidade constitucional. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2008. GRIMM, D. Constituição, lei fundamental (leis fundamentais) da Ilustração até os dias atuais. In: MOHNHAUPT, H.; GRIMM, D. Constituição: história do conceito da antiguidade aos nossos dias. Belo Horizonte: Livraria Tempus, 2012. GUSTIN, M. B. de S.; DIAS, M. T. F. (Re)pensando a pesquisa jurídica: teoria e prática. 3ª ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. KANT, I. A paz perpétua: um projecto filosófico. Trad. De Artur Morão. Covilhã: LusoSofia, 2008. KELSEN, H. Teoria pura do direito. Trad. de J. B. M. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. de A. Metodologia científica. São Paulo: Atlas, 1986. LASSALLE, F. A essência da Constituição. 6ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2001. MIRANDA, J. Manual de Direito Constitucional.7ª ed., rev. e actual. Coimbra: Coimbra Editora, 2013, Tomo II. MENDES, G. F.; COELHO, I. M.; BRANCO, P. G. G. Curso de direito constitucional. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. PIRES, F. L. Introdução ao direito constitucional europeu: seu sentido, problemas e limites. Coimbra: Almedina, 1997. SILVA, J. A. da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25ª ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editora, 2005. SILVEIRA, A. Interconstitucionalidade: normas constitucionais em rede e integração europeia na sociedade mundial. In: WALMOTT, A.; COELHO, S. P. (coords.). Interconstitucionalidade e interdisciplinariedade: desafios, âmbitos e níveis de interação no mundo global. Uberlândia: LAECC, 2015. SILVEIRA, A. International Constitutional Court e integração (constitucional) europeia. International Studies on Law and Education, São Paulo, 24, CEMOrOC-Feusp/IJI – Univ. do Porto, set. – dez., 2016. SIQUEIRA, J. P. F. H. de. A ideia de constituição: uma perspectiva ocidental - da antiguidade ao século XXI. Cuestiones Constitucionales, Ciudad de México, n.º 34, enero-junio, p. 169 – 209, 2016. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Enquanto isto… na Alemanha… a Constituição é “[…] um acto de vontade geral, pela qual a massa se torna um povo” (KANT, 2008, p. 13), o conceito de Verfassung passou a ser o “[…] acordo dos cidadãos para a garantia dos direitos humanos e civis segundo determinadas leis ou prescrições” (GRIMM, 2012, p. 163). Entendida como o meio para se garantir a liberdade os princípios do constitucionalismo passam a ser ensinados à população. Documentos: Constituição do Império (1871), Constituição de Weimar em 1919 (concilia a organização do Estado com a consagração de direitos fundamentais, com uma novidade: o catálogo era composto tanto por direitos individuais quanto por direitos sociais. Início do constitucionalismo social). A constituição entendida enquanto “[…] resultado de ações humanas […] é um degrau, que o gênero humano precisa vencer, mas um degrau que ele em breve deverá transpor e no qual não poderá ficar eternamente” (Karl Fr. VON STEIN ZUM ALTENSTEIN, 1807, apud GRIMM, 2012, p. 170) DISCUSSÃO E RESULTADOS CONSIDERAÇÕES FINAIS

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CEDU

Centro de Estudos em Direito da União Europeia

http://www.cedu.direito.uminho.pt/

PARA ONDE CAMINHA A CONSTITUIÇÃO?

Larissa A. CoelhoDoutoranda em Ciências Jurídicas Públicas

Centro de Estudos em Direito da União EuropeiaUniversidade do Minho

INTRODUÇÃO

OBJETIVOS

Compreender a partir de uma análise histórica a evolução do constitucionalismo desde aantiguidade clássica até à era moderna;

No contexto contemporâneo, tendo sido detectado dois movimentos constitucionais, oneoconstitucionalismo e a teoria da interconstitucionalidade, analisar nesta fase da pesquisa aconstrução teórica deste segundo para determinar se a ideia de constituição atualmente emsede da teoria da interconstitucionalidade permanece inalterada.

METODOLOGIA

Estudo descritivo-exploratório empregando como método de abordagem da investigação ohipotético-dedutivo, pois que com base em conhecimentos prévios e com o surgimento deconflitos, pressupõe-se soluções iniciais a partir de conjecturas que se encontram sujeitas a testes(GUSTIN; DIAS, 2010, p. 20 – 23);

Através do método histórico-jurídico, analisa-se a evolução do constitucionalismo, com vista adeterminar se suas causas e efeitos tendem a permanecer constantes, especialmente nesta fase dapesquisa, no contexto da teoria da interconstitucionalidade;

Procedimento de pesquisa: método histórico-comparativo pelo qual se investiga fatos eacontecimentos passados para verificar-se as consequências e influências destes na atualidade(LAKATOS; MARCONI, 1986).

No âmbito da tese de doutoramento sob o título “Os movimentos constitucionais na modernidade líquida: ateoria da constituição entre a política e o poder”, ainda em desenvolvimento, a investigação encontra-se nafase de caracterização da teoria da constituição, dedicando-se assim à construção histórica doconstitucionalismo moderno.

Uma vez que a pesquisa se desenvolve no campo da atualização da teoria da constituição, objeto em estudopelo Centro de Direito da União Europeia – UMinho, a abordagem histórica se faz não apenas no intuito dese compreender a evolução do constitucionalismo ao longo do tempo, mas sobretudo verificar se a ideia deConstituição permanece constante em sede da teoria da interconstitucionalidade.

Sendo certo que muito se tem escrito acerca da teoria da constituição, sobretudo a partir do século XVIIIcom os movimentos liberais, entender a natureza da Constituição é determinar a essência do constitucional.

Sob a ótica da história o desenvolvimento do constitucionalismo pode ser observado em três momentos:na sequência e desencadeada pelas revoluções oitocentistas;a produzida no pós Primeira Guerra Mundial;

a desenvolvida com o fim da Segunda Guerra e os processos de descolonização (BARACHO, 1986, p. 30 - 39). Atualmente o constitucionalismo tem se desenvolvido sob a ótica de dois paradigmas – ou movimentos – nos

países da América do Sul destaque-se a teoria do neoconstitucionalismo, na Europa em decorrência daglobalização e do processo de integração, a doutrina tem se dedicado à teoria da interconstitucionalidade.Deste conjunto de fatores que se pretende compreender qual ou quais os caminhos que segue oconstitucionalismo na era pós-moderna.

Encontro com a Ciência e Tecnologia em Portugal

Centro de Congressos de Lisboa

3 a 5 de Julho

Carta Magna, Lei Maior, Lei Fundamental são alguns dos termos utilizados pela doutrina jurídica parareferir-se à Constituição, no entanto, através da interpretação verificamos que esses termos se referem àconstituição na época áurea do Estado-Nação.

O constitucionalismo significa:

a limitação do poder e supremacia da lei

Embora implique na existência de uma Constituição escrita, essa verdadenão é absoluta, vide o exemplo do Reino Unido.

A expressão “limitação do poder” é compreendida em três aspectos:

• material: corresponde aos valores básicos e direitos fundamentaisque devem ser preservados como dignidade da pessoa humana,direitos à liberdade de religião e associação;

• orgânico: legislar, julgar e administrar são funções que devem seratribuídas a diferentes órgãos independentes mas tambéminterdependentes (checks and balances);

• processual: além de uma atuação em conformidade com a lei, osórgãos do poder devem atuar de acordo com o processo legal, ouseja, respeitando princípios processuais como do contraditório,ampla defesa, inviolabilidade de domicilio, vedação de provas obtidaspor meio ilícito, como também sua adequação ao princípio da

proporcionalidade (BARROSO, 2015, p. 29 – 30).

Entretanto esse entendimento doconstitucionalismo corresponde à acumulaçãodas finalidades que a Constituição passa a ter emfunção dos acontecimentos históricos, assim:

Constituição & Antiguidade Clássica: a sua finalidadeera organizar a comunidade política, estando em causadeterminar a função dos cidadãos, a forma, a estruturae a organização do governo.

Constituição & Idade Média: como esclarece Luís Roberto Barroso (2015, p. 32) “[…] o ideal constitucionalista,que vinha dos gregos e havia sido retomado pelos romanos […] desapareceria do mundo ocidental por bemmais de mil anos, até o final da Idade Média”.

Constituição & Era Moderna: em princípios do século XVI e em razão do fim do feudalismo ergue-se a figurado Estado em sua versão absolutista, juntamente ganha força o conceito de soberania absoluta e indivisível.Deste período destaca-se três movimentos que contribuem para a consolidação do constitucionalismomoderno:

Revolução InglesaConstitution aparece como form ofgovernment e fundamental laws(GRIMM, 2012, p. 151).Fatores: a) 1628: o Parlamentosubmete o rei à Petition of Rights quelimita o poder do monarca; b)Revolução Gloriosa: Orange derrubaJames II, “[…] já sob um regime desupremacia do Parlamento, com seuspoderes limitados pela Bill of Rights(1689)” (BARROSO, 2015, p. 35).

Revolução AmericanaFatores: alta carga tributária e a restriçãoa atividades econômicas e de comércio.Documentos: Declaração deIndependência (1776). ConvençãoConstitucional, sendo aprovado aprimeira constituição escrita (1787).Introdução da declaração de direitos (Billof Rights - 1791). A Constituição é “[…]estendida de mera ´form of government`a vinculações materiais do poder doEstado na forma dos direitos humanos”

(GRIMM, 2012, p. 154).

Revolução Francesa Fatores: crise financeira gerada peloapoio a guerra de independênciaamericana, alta carga tributária e recusada nobreza em reduzir seus benefíciosfiscais. Insurreição do 3º estado(autoproclama-se AssembleiaConstituinte). Lema: igualdade,liberdade e fraternidade.Documentos: Declaração de Direitos doHomem e do Cidadão (1789) e aelaboração de uma nova Constituição.

Constituição & Séc. XIX: período da codificação e juridificação do poder do Estado, conceito da constituiçãopassa de costumes jurídicos a uma lei escrita, formal. Ferdinand Lassalle em Über Verfassungswesen (1862),afirma que os problemas constitucionais são problemas de poder pois que devemos ter uma Constituiçãoque reflita a realidade social, assim “[…] a verdadeira Constituição de um país somente tem por base osfatores reais e efetivos do poder que naquele país regem […]” (LASSALLE, 2001, p. 40), configurando-se em umproblema quando as Constituições reais e escritas não se entrelaçam (o que a torna uma mera folha depapel). Este estudo é associado ao sociologismo constitucional.

Constituição & Séc. XX: sob o domínio da ideologia positivista é construída a concepção jurídica, em que aConstituição é entendida como a norma suprema de um Estado. Hans Kelsen na obra Teoria Pura do Direitopretende compreender o direito sem ligações a qualquer elemento de outra ciência (como a sociologia,filosofia, política). A norma é entendida como o dever-ser. A Constituição para Kelsen seria uma estruturaformal, independentemente da legitimidade ou justiça de seu conteúdo e da realidade política subjacente.

Constituição & os Pós-Guerras: adotando um discurso socializante, a essência da Constituição passa a estarligada a questões como desenvolvimento econômico, liberdades individuais, criação e gestão deoportunidades aos cidadãos. “[…] as Constituições passaram a se apresentar como programas de reformasocial, e ocuparam o centro de um projeto coletivo de ação política cuja aspiração é determinar a atuaçãodos Poderes Públicos, a fim de materializar direitos” (SIQUEIRA, 2016, p. 195 - 197).

Desde modo, em razão dos processos históricos, as constituiçõescontemporâneas podem ser entendidas como um sistema denormas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regulam a formado Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e oexercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limitesde sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivasgarantias (SILVA, 2005, p. 37 – 38).

Em razão deste contexto as normas jurídicas passam a

comentar não apenas a política, mas também as

relações econômicas e sociais (BARACHO, 1986, p. 44)

Constituição & Séc. XXI: O atual contexto histórico no qual se encontra em desenvolvimento oconstitucionalismo compreende a implementação dos processos de integração regionais como a UniãoEuropeia (UE) e o Mercado Comum do Sul (Mercosul), que em razão do crescimento dos fluxos migratórios,da comunicação, transporte e tecnologia levam a soberania e independência do Estado a se reduzir apenasà sua capacidade de repressão (BAUMAN, 1999, p. 72).

Neste cenário em que o Estado perde a centralidade, a vigência da constituição dissocia-se de certoselementos considerados basilares como o seu poder advir de um momento constituinte, a abdicaçãovoluntária da soberania nacional como decorre da Constituição Europeia.

As constituições dantes nacionais

passam também a integrar-se, a entrar

em diálogo

Em razão dessas alterações a TEORIA DA INTERCONSTITUCIONALIDADE buscaconstruir uma doutrina atualizada para a teoria da constituição. Esta ideia foicunhada por Francisco Lucas Pires na obra Introdução ao Direito ConstitucionalEuropeu.

O que significa o termo interconstitucionalidade?Compreende uma “[…] proposta teorética a partir da qual pode e deve estudar-se o processo de integração europeia, ocupando-se, pois, doenquadramento/tratamento da fenomenologia do ´pluralismo constitucional`ou das ´constituições em rede`” (SILVEIRA, 2016, p. 73).

Qual a definição para a teoria da interconstitucionalidade?Tem sido definida como o diálogo constitucional, ou ainda como a “[…] influência recíproca de certasConstituições ou das jurisprudências constitucionais de uns países sobre as de outros países” (MIRANDA, 2013, p. 69);Estuda as relações “[…] da concorrência, convergência, justaposição e conflito de várias constituições e devários poderes constituintes no mesmo espaço político” sendo este um termo preferível ao termoconstitucionalismo multilateral (CANOTILHO, 2008, p. 266).

Estamos diante de um novo constitucionalismo?O quadro da teoria da interconstitucionalidade não pretende criar um novo constitucionalismo, apenasadequar “[…] a correlação entre várias Constituições” (PIRES, 1997, p. 18).

A constituição não trata apenas do Estado, mas também de toda a sociedade (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 5).

Dos movimentos liberais o conceito jurídico tradicional da Constituição pode ser construído sob a óticamaterial (“quanto ao conteúdo de suas normas […] organiza o exercício do poder político, define os direitosfundamentais, consagra valores e indica fins públicos a serem realizados”) e a ótica formal (“quanto à suaposição no sistema […] é a norma fundamental e superior, que regula o modo de produção das demaisnormas do ordenamento jurídico e limita o seu conteúdo”) (BARROSO, 2015, p. 99).

Com a teoria da interconstitucionalidade, apesar do sentido da Constituição permanecer inalterado, estamosdiante de uma pluralidade de fontes constitucionais que juntas têm que dar soluções e respostas aproblemas como da convivência entre Constituições, a aplicação de normas preferentes derivadas deordenamentos distintos, ao problema do nível de proteção mais elevado dos direitos fundamentais, entreoutros (SILVEIRA, 2010, p. 209 - 210).

BARACHO, J. A. de O. Teoria geral do constitucionalismo. Revista de Informação Legislativa Brasileira, Brasília, vol. 23, n.º 91, jul./set., p. 5 – 62, 1986.BARROSO, L. R. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo mundo. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.BAUMAN, Z. Globalização: as consequências humanas. Trad. de M. Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999.CANOTILHO, J. J. G., “Brancosos” e interconstitucionalidade: itinerários dos discursos sobre a historicidade constitucional. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2008.GRIMM, D. Constituição, lei fundamental (leis fundamentais) da Ilustração até os dias atuais. In: MOHNHAUPT, H.; GRIMM, D. Constituição: história do conceito da antiguidade aos nossos dias. Belo Horizonte:Livraria Tempus, 2012.GUSTIN, M. B. de S.; DIAS, M. T. F. (Re)pensando a pesquisa jurídica: teoria e prática. 3ª ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.KANT, I. A paz perpétua: um projecto filosófico. Trad. De Artur Morão. Covilhã: LusoSofia, 2008.KELSEN, H. Teoria pura do direito. Trad. de J. B. M. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. de A. Metodologia científica. São Paulo: Atlas, 1986.LASSALLE, F. A essência da Constituição. 6ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2001.MIRANDA, J. Manual de Direito Constitucional. 7ª ed., rev. e actual. Coimbra: Coimbra Editora, 2013, Tomo II.MENDES, G. F.; COELHO, I. M.; BRANCO, P. G. G. Curso de direito constitucional. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009.PIRES, F. L. Introdução ao direito constitucional europeu: seu sentido, problemas e limites. Coimbra: Almedina, 1997.SILVA, J. A. da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25ª ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editora, 2005.SILVEIRA, A. Interconstitucionalidade: normas constitucionais em rede e integração europeia na sociedade mundial. In: WALMOTT, A.; COELHO, S. P. (coords.). Interconstitucionalidade e interdisciplinariedade:desafios, âmbitos e níveis de interação no mundo global. Uberlândia: LAECC, 2015.SILVEIRA, A. International Constitutional Court e integração (constitucional) europeia. International Studies on Law and Education, São Paulo, 24, CEMOrOC-Feusp/IJI – Univ. do Porto, set. – dez., 2016.SIQUEIRA, J. P. F. H. de. A ideia de constituição: uma perspectiva ocidental - da antiguidade ao século XXI. Cuestiones Constitucionales, Ciudad de México, n.º 34, enero-junio, p. 169 – 209, 2016.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Enquanto isto… na Alemanha… a Constituição é “[…] um acto de vontade geral, pela qual a massa se torna um povo” (KANT, 2008, p. 13),

o conceito de Verfassung passou a ser o “[…] acordo dos cidadãos para a garantia dos direitos humanos e civis segundo determinadas leisou prescrições” (GRIMM, 2012, p. 163). Entendida como o meio para se garantir a liberdade os princípios do constitucionalismo passam a serensinados à população. Documentos: Constituição do Império (1871), Constituição de Weimar em 1919 (concilia a organização do Estadocom a consagração de direitos fundamentais, com uma novidade: o catálogo era composto tanto por direitos individuais quanto pordireitos sociais. Início do constitucionalismo social).

A constituição entendida enquanto “[…] resultado de ações humanas […] é um degrau, que o gênero humano precisa vencer, mas um degrau que ele em breve deverá transpor e no qual não poderá ficar eternamente”

(Karl Fr. VON STEIN ZUM ALTENSTEIN, 1807, apud GRIMM, 2012, p. 170)

DISCUSSÃO E RESULTADOS

CONSIDERAÇÕES FINAIS