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i1~lE ,Ambiental UI11 paralelo entre os impactos das usinas hidrelétricas e termeetétrlcas * Sinclair Mallet-Guy Guerra te Antomar Viegas de Carvalho PALAVRAS-CHAVE: meio ambiente, energia, geração termoelétrica, geração hidrelétrica, qualidade de vida, matriz de impactos ambientais, matriz de Leopold. KEYWORDS: environment, energy, thermoelectric generation, hydroelectric generation, lite quality, environmentei impect matrix model, Leopold matrix. * Professor Doutor do Departamento de Energia da Faculdade de Engenharia Mecânica da UNICAMP. -cr: Geógrafo Especialista em Meio Ambiente e Mestrando do Departamento de Energia da Faculdade de Engenharia Mecânica da UNICAMP. Revista de Administração de Empresas São Paulo, v. 35, n. 4, p. 83-90 JuI./AgO. 1995 83

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i1~lE,Ambiental

UI11 paralelo entre os impactosdas usinas hidrelétricas e

termeetétrlcas

* Sinclair Mallet-Guy Guerra

te Antomar Viegas de Carvalho

PALAVRAS-CHAVE:meio ambiente, energia, geração termoelétrica, geração hidrelétrica, qualidade de vida, matriz de impactos ambientais, matriz deLeopold.

KEYWORDS:environment, energy, thermoelectric generation, hydroelectric generation, lite quality, environmentei impect matrix model,Leopold matrix.

* Professor Doutor do Departamento de Energia da Faculdade de Engenharia Mecânica da UNICAMP.-cr: Geógrafo Especialista em Meio Ambiente e Mestrando do Departamento de Energia da Faculdade de Engenharia Mecânica

da UNICAMP.

Revista de Administração de Empresas São Paulo, v. 35, n. 4, p. 83-90 JuI./AgO. 1995 83

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11~lÉulmbiental

Paralelo entre os impactos ambientais das usinashidrelétricas .e termoelétricas demonstra aimportância dos programas de conservação deenergia.

Comparison between the envÍronmental impactsfrom the hydroelectric and thermoelectric damsshows the importance of the energy conservationprograms.

os efeitos ambientais decorrentes daimplantação de grandes projetos degeração de energia elétrica em terri-

tório brasileiro têm sido objeto de grande con-trovérsia. Neste artigo, em particular, serãoanalisados os impactos provocados pela im-plantação e operação de usinas hidrelétricase termoelétricas e as conseqüências sobre ospadrões de qualidade de vida das popula-ções, em razão da grande importância atual-mente atribuída, pelas comunidades nacio-nal e internacional, aos efeitos produzidospela liberação do C02.

Enquanto essa preocupação cresce, conse-qüências ambientalmente indesejáveis daimplantação das· grandes barragens hidrelé-tricas têm merecido preocupações menores.Estas, muitas vezes, estão voltadas para as-pectos de importância secundária quandoanalisadas à luz dos contextos regionais.

Os impactos ambientais das barragens hi-drelétricas, contrariamente aos das emissõesde C02, comuns à geração termoelétrica con-vencional, restrigem-se em grande parte àsregiões nas quais se localizam o empreendi-mento. Além dessa característica, tambémestas outras concorrem para que se tomemreduzidos a participação comunitária e o en-tendimento da questão por parte da opiniãopública internacional: o nível socioeconômicodas regiões, sobretudo nas áreas atingidas; abaixa capacidade de organização e de críticaf> representação de grande parte da popula-ção atingida, junto às esferas superiores dedecisão, e as dificuldades de acesso a siste-mas eficientes de informação e divulgação.

A verdadeira dimensão dos impactos so-bre essas comunidades e seus reflexos a mé-dio ou longo prazo tende, assim, a ser mini-

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mizada. Portanto, os aspectos mais nocivosda geração hidrelétrica pernlanecem aindavoltados a impactos que, em última análise,apresentam interferências globais, por meno-res que sejam. Estes referem-se aos danossobre a camada de ozônio e ao efeito estufa,em conseqüência da geração de metano(CH4), oriundo da decomposição da matériavegetal existente nas bacias de acumulaçãodos reservatórios e da inundação de grandesáreas florestais. Este último efeito destaca-seespecialmente pelo que representa quanto àperda do potencial de absorção do C02, fatoinegavelmente menor quando confrontadocom as conseqüências nocivas sobre osecossistemas naturais, então degradados.

Quando objetivamente se estabelecem pro-cedimentos que impliquem a busca contínuada melhoria geral da qualidade de vida detoda a população, os impactos decorrentes dageração elétrica devem merecer destaquecompatível não só com a magnitude de seusefeitos sobre os habitantes das áreas direta-mente atingidas mas também com os refle-xos que promovem sobre toda a região deinfluência. Desse modo, evitam-se falsas no-ções que, a priori, procuram classificar em-preendimentos hidrelétricos como ambien-talmente mais adequados. Nesse sentido, otermo poluição deve ser entendido de modoa abranger também os aspectos referentes àdegradação das condições ambientais, quan-do da instalação e operação de empreendi-mentos que, por sua dimensão ou natureza,entrem em conflito com as característicasambientais da região na qual se inserem. Essaabordagem opõe-se àquela que relaciona apoluição apenas à degradação das proprie-dades físico-químicas dos elementos.

© 1995, Revista de Administração de Empresas / EAESP/ FGV,São Paulo, Brasil.

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UM PARALELO ENTRE OS IMPACTOS DAS USINAS HIDRELÉTRICAS E TERMOELÉTRICAS

Sob essa ótica, propõe-se o estudo porme-norizado de todas as alterações ambientais.promovidas sobre os meios físico, Oio19g!eoe antrópico. Nesse estudo, devem estar rígo-rosa mente contemplados todos os efeit s-diretos e indiretos - e sua real interferênciasobre a qualidade de vida dos habitantes tan-to da atual geração quanto das futuras, Ca-bem ainda considerações relativas à oportu-nidade de empreendimentos e a sua priori-dade no contexto social dós respectivos paí-ses. Isto porque os elevados custos desses pro-jetos, socialmente distribuídos, guardampouca relação quando se trata do aproveita-mento de seus benefícios. Assim, muitas ve-zes implantados para viabilizar setores eletro-intensivos, acarretam, aos países, grandeendividamento, com sérias conseqüênciassobre a capacidade nacional de investimen-tos sociais.

Ao se avaliarem ambientalmente os gran-des projetos hidrelétricos no Terceiro Mun-do, faz-se necessário, portanto, um debatemais profundo, de modo a que se relatívi-zem, a partir do contexto regional, os impac-tos globais.

Para fins deste trabalho, que pretende fa-cilitar a compreensão das questões am-bientais envolvidas na implantação de gran-des projetos de geração elétrica, será utiliza-da uma adaptação da matriz de avaliação deimpactos formulada em estudos desenvolvi-dos por Singer ', com base no método deLéopold'', Como será visto adiante, a razãoda utilização destemetódo reside muito maisna sua facilidade de encaminhamento de aná-lises do que no mérito de sua fundamenta-ção conceitual.

SOBRE AS METODOLOGIAS DE AVALIAÇÃODE IMPACTOS

Embora já tenham sido desenvolvidas di-versas metodologias de AIA (Avaliação deImpactoAmbiental), ainda não há uma com-pletamente aceita como base de avaliação,onde sejam expressamente relacionados to-dos os elementos envolvidos (ver quadro 1).

Cada um dos métodos citados no quadro1apresenta suas vantagens e seus pontos crí-ticos. Isso ocorre a tal ponto que muitos dosmétodos são somente aplicados em análiseespecíficas. O quadro 1 representa uma cen-tribnição dos autores no sentido de estabele-cer uma primeira ordenação da tipologia dasvárias metodologias de avaliação de impac-tos, a partir de levantamentos de "estados daarte" efetuados.

Somente à guisa de exemplo, procurandodemonstrar o quanto é incompleta a utiliza-

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ção de uma só abordagem,será tomado como referên-cia o método de Leopold,Esse, tem por bfse dois as-pectos fundamentais: 1. agrandeza de um impacto,avaliada em termos abso-lutos, 'e 2. sua importância:esta pode ser avaliada apartir da intensidade dosefeitos do impacto.

Ocorre, no entanto, umalto grau de subjetividadena avaliação dos impactosao se utilizar esse método,uma vez que para cada umdos impactos se faz neces-sária a atribuição de uma"nota" variando entrel(um) e 10 (dez.). A partirdessas "notas" é encontra-da uma média final con-cernente aosimpactos.

O método de Leopold,utilizado neste trabalho, foiestabelecido em 1971, ten-do sofrido algumas restri-ções levantadas por Bolea3.

""Sem dúvida alguma, cabea questão a ser respondidacom relação sobre a opor-tunidade de, ainda hoje, seapresentar alguns métodosque já sofreram etapas deaperfeiçoamento. Todavia,conforme já mencionado, oobjetivo aqui é facilitar a compreensão dosimpactos provocados por empreendimentosde geração hidrelétrica e termoelétrica e nãoa aplicação a um caso específico.

Nesse sentido, será apresentada umaadaptação da matriz de avaliação de impac-tos forrrnulada em estudos desenvolvidospor Singer". Esse autor criou, em seu traba-lho, uma matriz com alguma influência dade Leopold. Tal afirmação decorre do fato deque há uma atribuição de 1/ notas" aos várioseventos que dão origem aos impactos.

A adaptação efetuada neste trabalho levouem consideração a necessidade de adequar amatriz utilizada aos objetivos como serãodescritos adiante.

"puadro 1: PrinCip~!smetodotoqías deavalia~~ode impactos ambientais, @

Sistemas de redes e gráficos:fi • método Leppold;'• listas de checaqem ou dereferências;

~método Cnyrpab;• rnétodq Sorensen;• método Boreano;• censideraçôes ambientais do BancoMundialt

• método de avaliação doComitê Internacional de GrandesBa[ragens.~

!li' ,

Sistemas cartográficos:.wétode de MqHarg;• método Tricart;

'" • slstemá de planejamentoeéoló.fÍico d,e Falque.

l\IIétodos baseados em indicadores,índicé e integração da avaliação:• método de Holmes:• método da Universidade daGeorgia;@

• método de Hill-Schechter;• método Fischer-Davles.

,.Métodos quantitativos:• eísterna de Batelle;• modelos de predição.

1. SINGER.E.da M.Metodo-logia para avaliaçãodos im-pactosambientaisda minera-ção. In: Anais do Encontrosobre Mineração e Meio Am-biente no Estado de São Pau-lo. SãoPaulo:ABGE,1985,p. 10-20.

2.L,E:OPOLD, L. B. et aI. A pro-cedure for evaluating envi-ronmental impacto Washing-ton De: US GeologícalServicc,1971.

PREMISSAS BÁSICAS PARA A CRIAÇÃO DAMATRIZ DE IMPACTOS AMBIENTAIS

Com o objetivo de represental' com clare-za e de forma .integrada q magnitude dasinterferências ambientais resultantes dos em-preendimentos termoelétricas convencionais

3. BOLEA. M. T. E. Las evalua-ciones de impacto ambiental.Madrid:CIFCA,1977.'"

4. SINGER,E. da M. Op. cit.

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11~/J«Ambientai

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e hidrelétricos, foi definida matriz de impac-tos especifica. Para sua elaboração, partiu-sede premi§sas tais como a da necessidade depossibilitar um rápido entendimento da vas-ta gama de variáveis existentes; da cons-tatação de como se articulam entre si e, final-mente, de suas conseqüências sobre o bem-estar social.

De início optou-se pela separação das eta-pas de implantação e operação dos em-preendimentos, um procedimento que semostrou necessário, em vista, sobretudo, dascaracterísticas próprias de cada uma das va-riáveis que envolvem as etapas do processode produção energética.

Portanto, ainda que os efeitos sobre o am-biente fossem, no decorrer das etapas, damesma natureza ou composição, em grandeparte dos casos apresentaram, em cada umadelas, pesos e magnitudes distintas, justifi-cando a análise em separado para a ímplan-tação e operação do empreendimento.

A opção por abordá-las em planilhas se-paradas deve-se, ainda, ao destaque priori-tário dos efeitos da tecnologia empregada emuma mesma etapa. Por exemplo, na etapa deimplantação do empreendimento, uma hidre-létrica provoca mais prejuízo à fauna do queaquele observado na implantação de urnatermoelétrica. Logo, demonstrou-se maisapropriada a aplicação das duas tecnologiasna mesma planilha.

Dessa forma, obteve-se uma planilha deimplantação e uma outra, de operação dosempreendimentos, com cada uma delas con-tendo, para cada tecnologia, os impactos eefeitos ambientais e suas conseqüências so-bre a qualidade de vida das populações.

No que se refere às quantificações, estasforam agregadas em três níveis de grandeza- fraco, moderado e forte -, sendo, paratanto, considerados modelos usualmente im-plantados no território brasileiro.

Essa composição, embora apresentandorazoável grau de generalização, não suscitougrandes discrepâncias da realidade, sobretu-do quando se considera o caráter preliminare de síntese do presente trabalho.

Assim, da sobreposição das duas pla-nilhas, pode-se aferir o grau de interferênciaambiental de cada tecnologia nas duas fasesestudadas. Este procedimento permite, pre-liminarmente, a observação da presençamarcante dos projetos hidrelétricos, nas vá-rias situações de prejuízo à vida das popula-ções residentes nas áreas de interferência di-reta dos empreendimentos.

Ainda que os efeitos de caráter global apre-sentem sensível importância nas usinas

termoelétricas (UTEs), a presença contínua deaspectos deletérios ao ambiente nas usinashidrelétricas (UHEs), suscita, no mínimo, anecessidade de estudos mais aprofundados.É somente por este meio que se pode chegarà afirmação de que os projetos hidrelétricospodem conduzir, sistematicamente, a meno-res interferências sobre o meio ambiente.

IMPACTOS SOBRE O MEIO FíSICO

Geologia/geomorfologiaDesde os primeiros momentos do re-

presamento, dependendo da área objeto daintervenção, há, possibilidades de desenca-deamento do processo de acomodação geo-lógica, produzindo-se ocorrências sísmicas.Considerando que a estrutura geológica pre-sente em grande parte do território brasilei-ro é constituída por maciços antigos, seu graude suscetibilidade é, nesse caso, satisfatório.No entanto, são comuns efeitos de segundaordem sobre a geomorfologia e solos, taiscomo fraturas, rupturas e escorregamentos,intensificação dos processos erosivos, apare-cimento de ravina e voçorocas, assoreamentoe indisponibilidade do aproveitamento derecursos minerais potencialmente existentesnas áreas afetadas. Para as usinas termo-elétricas, conquanto de dimensões menos sig-nificativas, pode-se destacar a destruição edegradação ambiental nas regiões produto-ras de carvão. Nestas, os impactos geralmen-te apresentam grande magnitude e voltam-se especialmente aos efeitos sobre o solo, ve-getação e paisagem, em correspondência di-reta com os métodos - predatórios ou não- empregados na extração mineral.

Os impactos nesta variável, portanto, fo-ram considerados, nas UHEs, elevados tantoem sua implantação como em sua operação,enquanto nas U'I'Es foram avaliados comobaixos na implantação e fortes na operação.

Hidrologia/hidrogeologiaNão obstante a alteração do curso princi-

pal de água, que passa do regime lótico parao lêntico - neste caso, com tempo de per-manência infinitamente superior ao do ante-rior e, portanto, provocando fortes alteraçõesem toda abacia hidrográfica -, a formação dosreservatórios hidrelétricos acarreta tambémalterações nos regimes de montante. Elevam-se acentuadamente os níveis dos lençóissubterrâneos, ao mesmo tempo que diminuemas velocidades dos tributários, produzindo,sob o ângulo apenas da ótica do meio físico,o aumento da evapotranspiração potencial ecomprometimento da qualidade da água.

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UM PARALELO ENTRE OS IMPACTOS DAS USINAS HIDRELÉTRICAS E TERMOELÉTRICAS

Estes aspectos acabam por desencadearamplo processo de reacomodaçâo do siste-ma. Seus efeitos sobre o microclima, o meiobiológico e também o socioeconômico serãoabordados adiantes.

Nas UTEs observam-se também, emborade forma menos intensa que na UHEs, algu-mas implicações ambientais: o comprometi-mento dos corpos de água, devido à emissãode efluentes líquidos; a redução da disponi-bilidade e da qualidade da água, devido àcaptação para o sistema de resfriamento egeração, e a elevação da acidez da água e as-soreamento de cursos de água, quando daextração mineral.

A expressão observada nas matrizes apon-ta níveis de impacto elevados na implanta-ção e operação da UHEs, porém moderados,sobretudo em função das possibilidades decontrole ambiental, na operação das UTEs, efraco em sua implantação.

ClimaDecorrência natural das transformações

geomorfológicas e hidrológicas, além dasimpostas à vegetação, as alterações climáti-cas têm a propriedade de provocar reflexosdo projeto em regiões distantes daquela doobjeto de intervenção, alterando característi-cas corno o perfil do vento, temperaturas,componentes de balanço hídrico e nebulosi-dade.

É certo que tais interferências mantêm re-lação direta não só com as dimensões do em-preendimento mas também com suas carac-terísticas e alternativas de inserção regional.

No caso da hidrelétrica, o clima constitui-se em um dos efeitos de caráter global do sis-tema, mas sua importância será sempre re-duzida quando em contraste com os efeitosinerentes à produção termoelétrica.

É exatamente neste item que se constatamos principais efeitos decorrentes da geraçãotermoelétrica, com destaque para as emissõesde gases e material particulado nlatmosfe-ra. Nesse sentido, destaca-se a polêmica in-ternacional sobre as possíveis mudanças cli-máticas acarretadas pelos gases de efeito es-tufa e as conseqüentes negociações, em cur-so, sobre medidas de controle da emissão deC02.

Assim, pesquisadores avançam continua-mente na busca da determinação da poten-cialidade dos efeitos dessas emissões, desta-cando, dentre estes, a elevação da tempera-tura média do planeta, com o degelo parcialdas calotas polares, e a elevação dos níveisdos oceanos.

A valoração aplicada à matriz apontou

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pontos fracos na implantação das UTEs, po-rém fortes em sua operação, já que, além dosefeitos ambientais aqui citados, implica ou-tros, igualmente graves. Por isso, não obs-tante efeitos de20rrentes de outras variáveisambientais, o clima representa aspecto de-terminante na viabilização, em termos am-bientais, de empreendimentos termoelétricas.

IMPACTOS SOBRE O MEIO BIOLÓGICO

FaunaOs impactos sobre a fauna - aqui enten-

dida como conjunto das espécies terrestres,aladas e ictícias - originam-se da destruiçãodos ecossistemas. Além da morte de indiví-duos de várias espécies, provocada pela ins-talação do empreendimento, há também aagressão asuas condições de abrigo, alimen-tação. e reprodução, com uma degradaçãopotencial muito superior à dos efeitos dire-tos observados na área do empreendimento.

Também como conseqüência dessa situa-ção, o inexorável rompimento da cadeia ali-mentar não apenas provocará a mortandadede outras espécies - algumas das quais, comhábitat fora da área do projeto - como tam-bém poderá afetar, além do próprio homem,espécies da flora. O homem, embora não afe-tado diretamente, sofre pela proliferação depragas e doenças junto a seus rebanhos oulavouras.

Aqui há mais um aspecto que merece gran-de destaque na relação dos impactos ambien-tais, sendo, atualmente, objeto de amplosdebates: o comprornetlmento da biodiver-sidade, Além da extinção de espécies conhe-cidas, com processo evolutivo resultante demilhares de anos, outras, sequer identificadaspela ciência, são colocadas em processo deextinção. Por outro lado, aruptura de todo o

5. BRANCO, S. M. Poluição,proteção e usos múltiplos derepresas. São Paulo: EdgardBlucher, 1977.

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.'i'

~lÉ eAmhiental

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processo resulta no comprometimento evo-lutivo de novas espécies, cujos benefícios àhumanidade são completamente intangíveis.

Nas UTEs, têm-se, usualmente, lesões so-bre a fauna, quer pela emissão de gases noci-vos e material particulado, quer pela degra-dação imposta às matas e à qualidade daágua, porém com efeitos certamente mais lo-calizados, e menos intensos, que os encon-trados na UHE. Portanto, definiram-se comofracos os efeitos da implantação das UTEs, emoderados em sua operação. Para as hidre-létricas, estabeleceram-se os limites máximos,tanto para implantação como para operaçãodos sistemas.

FloraInserida também na questão da biodiver-

sidade, a flora é igualmente ímpactada pelaformação dos reservatórios, e, como já men-cionado, também pelas UTEs.

Embora merecedores de maior destaqueinternacional, sobretudo em razão dos efei-tos globais que sua degradação suscita, sãode elevada magnitude os impactos provoca-dos, no nível local, em razão da degradaçãoda flora. Estes atingem desde a aceleração dosprocessos erosivos e suas conseqüências,como a perda da qualidade da água, até ocomprometimento do habitat de várias espé-cies, desencadeando efeitos já descritos.

Nesses itens, ainda que a graduação ob-servada nas matrizes aponte fortes impactosna operação das duas formas de geração elé-trica, devem ser consideradas maiores possi-bilidades de controle nos empreendimentostermoelétricos,

No que se refere à implantação, coube àstermoelétricas a avaliação de efeitos fracosenquanto que, para as hidrelétricas, foram,mais uma vez, definidos como fortes.

MEIO SOCIOECONÔMICO

Dinâmica populacionalA implantação das hidrelétricas não rara-

mente impõe a necessidade de remoção ereassentamento de núcleos urbanos, ribeiri-nhos e da população isolada. Isto apresentagraves dificuldades a esses habitantes, cujasconseqüências extrapoLam a simples noção desobrevivência, chegando a exercer interferên-cias de caráter psicossocial.

Por outro lado, são consi4,erávejs os -efei-tos resultantes do grande afl1JXode pesioasdireta' ou indiretamente necessárias pata arealização das obras. Ao sobrecarregarem ainfra-estrutura existente comprometem seusserviços, e como este afluxo fica restrito aõ

períododas obras, não ocorrem melhorias, jáque eventuais investimentos com seu re-dimensionamento seguramente tornar-se-iam ociosos ao término das obras.

Nas termoelétricas, dadas as característi-cas mais moderadas das dimensões do em-preendimento, tais efeitos são minimizados.No entanto, destacam-se, para as populaçõeslocais, os riscos em função dos vazamentosdos oleodutos, além de prejuízos à saúdepública, com doenças respiratórias ou der-matológicas causadas pela emissão de po-luentes aéreos (S02/NOx/Material Parti-culado),

Os efeitos deletérios foram consideradosfortes na implantação das UHEs e modera-dos nas UTEs. Nos procedimentos de opera-ção foram considerados moderados apenasnos empreendimentos hidrelétricos e fortespara as termoelétricas.

Alteração da organização espacial da regiãoA inundação da infra-estrutura regional,

quando atingidas as estradas, pontes, nú-cleos urbanos, rede elétrica e telefônica, e maisa desatirculação das atividades econômicasproduzem o rompimento da estrutura pelaqual se organiza o espaço regional e toda ahierarquia urbana.

Os reflexos desse fato sobre a região obje-to da intervenção podem assumir variadasformas, desde alterações nas vocações regio-nais até seu colapso, fazendo com que essaregião possa vir a tornar-se" zona de repulsãopopulacional". Nas UTEs, por sua vez, osefeitos dessa ordem são muito raros 8, quan-do ocorrem, estão associados a outros fato-res. No entanto, salientamos os prejuízos naslavouras de consumo in natura, com a possi-bilidade de ocorrência de chuva ácida, deprejuízo ou inviabilidade de atividades pe-cuárias e de prejuízo às atividades pesquei-ras e turísticas, aspectos estes mais uma vezligados à emissões de poluentes.

Assim, para as UTEs, ficou determinadafraca magnitude na implantação, e modera-da na operação do empreendimento. Para asUHEs, determinou-se forte magnitude paraa implantação, e moderada para a operação,visto que aspectos como o aproveitamento dopotencial turístico decorrente de formação dereservatórios, raramente utilizados em sua

x plenitude, podem mitigar os impactos nega-tivos.

Degradação urbanaMesmo nos casos em que não ocorre a '

ínundação da totalidade ou de parcela con'si-derável das cidades localizadas nas áreas de

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UM PARALELO ENTRE OS IMPACTOS DAS USINAS HIDRELÉTRICAS E TERMOELÉTRICAS

influência dos reservatórios, costuma-se ob-servar impactos sobre a infra-estrutura urba-na, sobretudo em relação à acessibilidade, àcaptação de água, ao tratamento de esgotose aterros sanitários ou lixões. Verificam-se,ainda, problemas em relação às atividadesprodutivas, especialmente extrações mineraise áreas hortigranjeiras, sendo que, neste últi-mo caso, como visto acima, acompanhadotambém pela operação das UTEs. Porém, osníveis de degradação urbana nas UTEs sãosensivelmente menores na etapa de implan-tação e moderados em sua operação, enquan-to que, para as UHEs, esses níveis foram de-finidos como fortes na implantação e fracosna operação.

Patrimônio culturalEnglobando, para efeito deste artigo, ele-

mentos tais como bens arqueológicos, histó-ricos e paisagisticos, o patrimônio culturalrevela-se de grande importância enquantomarco referencial da humanidade. Sua degra-dação expressa a desconsideração e/ ou ne-gação do passado, da memória, da história,atitude que reflete a visão utilitarista de fu-turo, em profundo contraste com a noção dedesenvolvimento harmonioso da humani-dade.

Embora sejam observadas algumas inter-ferências impostas pela operação das UTEs,designando-lhes nível moderado, estas nãoguardam correspondência com o potencíaldevastador das UHEs, fato que implicou adeterminação de valores fortes para a implan-tação destes empreendimentos, emoderadosem sua operação.

OBSERVAÇÕES SOBRE A APLICAÇÃO DAMATRIZ DE IMPACTOS AMBIENTAIS PROPOSTA

A matriz de impactos ambientais (MIA)adotada como base para o desenvolvimentodeste artigo apresenta uma série de aspectosque devem ser criteriosamente avaliados.Para melhor condição de análise dos aspec-tos da MIA, optou-se pelo seu desdobramen-to em termos de implantação e de operaçãodas UHEs e UTEs. Os quadros 2 e 3 apresen-tam esses desdobramentos.

Na fase de implantação, pode ser notadoque é alto o grall dos impactos quando se tra-ta de usinas hidrelétricas (UHEs). Isso podeser percebido a partir da constatação visualde que há seis fatores negativamente fortes,sobre um total de onze. Dois dos impactosapresentam-se moderados, enquanto que trêsdeles são neutros ou fracos. Acresce meneio-

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Quad,ro 2~MIA - Matriz de irtlp.actos ambient~is de implantação(Métod~ de Leogold/Singer)

Tecnologia Emissões e impactos Eteitos am'bienlaisw

LJ.J....:::o

_ ~ E"f0são"/assoreamento .s- R x t x x X x x x_ J:;:::=:J Recursos minerais R ;X x x_ t=:::J fllteração dos recursos hídricos R xxxx x_ c:=J lnuncação Rx,xxxxXXXXX

c::=:J.c=::J Emissão C02c=- c=:J Emissão CH4 G x xc=J c:::::J Emissão outros G

frc::::J c::::::J Materiais p~rticul:idos x xc=- c=- Rwldos R x__ Efeitos vísuals R X x x

fi x I'x x x x x_ c:::. .Movimentos popUlaCionais

Qu,!)drQá~Matriz de impactos;ambientais de operação(Método de Leopold/Singer)

Tecnologia Emissões e impactos Eleitos ambientais

_ c:. Erosão/assoreamento «, "" R .x X x x x x X_ _ Recursos minerais '" Á x x F x__ Alteração dos recursos.hídriéo$ R X 'y/ i x x1IIIIII!III!'c;;:::::::J IlJunda~ão .7, ~... " Ao x 'X X X X x 'j( ~ x xc::::::::J_. Emissão C027 lO x x x .X x x x x x :xc::::::::J _ EmisSão CH4" y G x x x x xrz:::::::3 _ Emissão outros G .x x x x .xt::::::::.D _ MaleEiais partLculados R "x I"", x x x ~

c:::::::J L=- Efeitos visuais " R x x x xc::::::::JIC. 'MovimentOji'populacionais R x x x

c:::::::J.Ni.Õtroffraco ME- Moderado - Fo~e ~ R: Regionak G: Globá)

nar que aqueles seis fatores consideradosapresentam um forte impacto regional. '

Quanto às usinas termoelétricas (UTEs),constata-se um maior número de aspectosneutros ou fracos durante a fase de implan-tação. Isso leva à afirmação de que, durante'essa fase, as UTEs apresentam vantagenscomparativas inigualáveis.

Inversamente, durante o período de ope-ração, as UHEs apresentam, segundo osparâmetros adotado na Jv1IA,menores im-pactos negativos sobre o meio ambiente. Ca-be, no entanto, destacar a permanência, nasduas fases, dos mesmos aspectos negativos,

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i1~lÉeAmbiental

li. G. W ; Giga watts, unida-deJJeenergia equivalente a10"watts.hora.

7. T. W. h : Tera watts hora,unidad!; de energia equivalen-te a 10 2 watts.hora. .

8. CODI- COMITÊ DE DISTRI-BUiÇÃO PROJETO 4.2.10. Aquestão ambiental e a conser-vação de energia. Rio de Ja-neiro: Eletrobrás, 1993.

O autor gostaria de agrade-cer ao professor MarilsonAlves Gonçalves pelas revi-sões e sugestões.

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como pode ser verificado diretamente na MIA.As UTEs apresentam como aspectos ne-

gativos aqueles três fatores apontados comode impacto global, o que não ocorre com asUHEs.

Com seis aspectos de fortes impactos equatro moderados há, durante toda afase deoperação, uma nítida desvantagem pata asUTEs.

CONSERVAÇÃO DE ENERGIA COMO FATDR DEPRESERVAÇÃO AMBIENTAL EM SISTEMASHIDRO E TERMOELÉTRICOS

A implantação e a operação de UHEs eUTEs podem, como descrito antes, causardanos irreparáveis ao meio ambiente. Nospaíses da OCDE (Organização para a Coo-peração e Desenvolvimento Econômico), ocrescimento econômico tem se processadosem o correspondente acréscimo energético.Mesmo considerando-se que, nesses países,tal fato deve-se também à redução da produ-ção de bens intensivos em energia, via im-portação, são inegáveis os avanços das açõespela conservação de energia. Nestas, busca-se a alteração dos métodos e processos indus-triais e o desenvolvimento de novas tecno-logias poupadoras de energia.

Para o ano 2015 prevê-se, no Brasil, umapotência instalada de 195 G.W6

. A principalfonte de geração prevista é a hidrelétrica, comaproximadamente 90%, e a termoelétrica,com 10%. O consumo de energia previsto éde 836,7 T.W.h7

, sem conservação de energia,e de 731,4 T.W.h, com implantação de medi-das de conservação, o que corresponde a umaexpectativa de economia de 105,3 T.W.h/ ano.Assim, podemos adiar determinadas obraspara a geração de energia, de maneira a pos-sibilitar o surgimento de novas tecnologiasmenos agressivas ao meio ambiente.

ENERGIA GERADA E ÁREA INUNDADA

A implantação de medidas de conserva-ção de energia propicia uma redução de con-sumo e, como mencionado, um possível adia-mento da implantação de usinas de geraçãode energia, tanto hidrelétricas quantotermoelétricas. Para estabelecer a correlaçãoentre a energia gerada por hidrelétrica e res-pectivas área~ inundadas e as evitadas porconservação de energia, foi feito um levanta-mento de todas as usinas hidroelétricas exis-tentes em dezembro de 1989, listadas no PIa-no Diretor do Meio Ambiente e do consumode energia elétrica no ano de 1990, conformePlano 2015 da ELETROBRÁS (Centrais Elé-

tricas Brasileiras), chegando-se ao valor de2113,4 km /T.W.h.

Partindo-se desse valor, conclui-se que sema implementação de ações de conservação deenergia, haverá uma área inundada de 94.881km2, correspondente ao consumo do ano2015 .De acordo com a meta de conservação,poderá ser evitado o alagamento de uma áreade 11.939 km2. O valor do índice de 113,4km /T.W.h poderá sofrer variação em função darevisão das alternativas de localização dasbarragens e de estudos de inventário de al-guns projetos previstos no plano de expan-- 8sao.As ações de conservação de energia po-

dem, portanto, reduzir a necessidade de no-vas instalações, adiando-as ou reduzindo-as,e, em alguns casos, eliminando os impactosambientais negativos. Esse adiamento deobras permitiria maior espaço de tempo paraa realização de um amplo debate sobre su-primento energético.

CONCLUSÃO

Pelo exposto, pode-se concluir que a im-plantação das grandes barragens hidrelétri-cas, no que se refere a processos mais com-prometidos com o avanço das questões so-ciais, apresenta efeitos de caráter local nadadesprezíveis, devendo ser, portanto, critério-samente estudados, assim como o devem seros empreendimentos termoelétricos,

Desse modo, argumentos tais como o nú-mero relativamente restrito de famílias dire-tamente atingidas, frente aos amplos benefí-cios que a produção de energia elétrica pro-porciona, também carecem de fundamenta-ção mais consistente. Isto porque, a esses ha-bitantes soma-se, no caso brasileiro, cerca deum terço da população nacional colocada emposição inferior à miséria. Uma situação emgrande parte resultante da própria amplia-ção do parque gerador do país, em que o ele-vado endividamento nacional acarretou me-nores possibilidades de investimentos sociais.Tal população encontra-se excluída do aces-so à energia gerada ou mesmo daquela agre-gada aos bens de consumo.

Nesta conclusão, vale a pena reiterar opensamento de que se faz necessário um de-bate mais profundo sobre a avaliação.em ter-mos ambientais, dos grandes projetos hidre-létricos no Terceiro Mundo, de modo a quese relativizem, a partir do contexto regional,os impactos de nível global. O

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Artigo recebido, avaliado e aprovado para publicação na RAE em julho/1995.