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Paramhansa Yogananda Uma Trilogia do Amor Divino Sri Durga Mata (Ma Durga) Joan Wight Publications Beverly Hills, California

Paramhansa Yogananda · peito dos ensinamentos de Paramhansa Yogananda e de Patânjali. – A editora. Uma Trilogia do Amor Divino 4 IN MEMORIAM ... ria e membro do Conselho de Diretores

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Paramhansa Yogananda Uma Trilogia do Amor Divino

Sri Durga Mata (Ma Durga)

Joan Wight Publications Beverly Hills, California

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Copyright © 1992 Joan Wight Material previamente registrado em 1978 e em 1992. Todos os direitos deste livro estão reservados. Exceto para citações em resenhas literárias, nenhuma parte de A Paramhansa Yogananda Trilogy of Divine Love pode ser reproduzida, em qualquer forma, sem permissão da editora: Joan Wight, Post Offi-ce Box 17582, Beverly Hills, California, 90209, USA. Primeira edição. Primeira impressão em 1992/1993 Composição/layout de página por William Yanes/WYSIWYG Publishers, Santa Monica, California Impresso nos EUA por Griffin Printing, Glendale, CA Library of Congress Catalog Card Number: 93-060050 ISBN o-9635838-o-8

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DEDICATÓRIA

Este livro é amorosamente dedicado ao nosso Guru, Paramhansa Yogananda, com a silenciosa prece de que trará um novo despertar dos seus ensinamentos nos corações e mentes de seus discípulos, uma prece que cresceu sempre em amor e intensidade no coração de Sri Durga Mata nos mais de 65 anos de serviço a seu Guru e ao principal discípulo dele, Rajasi Janakananda.

Este livro é dedicado também a Sri Durga Mata por nós, suas crianças, que durante anos amorosa-mente a conhecemos simplesmente por “Ma”. Pelos últimos 35 dos seus 65 anos de serviço, ela devo-tou sua vida a extensivos aconselhamentos pessoais e condução de meditações em grupo e aulas a res-peito dos ensinamentos de Paramhansa Yogananda e de Patânjali.

– A editora

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IN MEMORIAM Sri Durga Mata 1903-1993

Minha intenção era publicar a autobiografia de Durga Ma na primeira semana de janeiro. Eu já havia sido informada que sua saúde estava piorando, e minha maior esperança era a de que ela fosse ver terminado o produto final antes de sua morte. Seis queridas e lindas almas (as crianças de Ma) tra-balharam dia e noite para tornar este sonho realidade, mas “o homem propõe e Deus dispõe”.

Meu tipógrafo, um jovem amável e compassivo, tinha uma cópia manuscrita do livro de Ma, com a bela aparência que apenas a tipografia e o desenho das letras podem providenciar. Eu fui capaz, por meio de seus esforços, de mostrar a Ma quão bonito o seu livro seria. Enquanto ela estava de cama, ergui o livro para que ela pudesse vê-lo. Um grande e bonito sorriso brilhou em sua face e seus olhos luziram de aprovação. Minha promessa final para Ma seria de que o livro estaria pronto e à venda ao redor de março ou abril deste ano. Ela sorriu aprovando, e aproximadamente às 8h15min da manhã de sábado, 16 de janeiro de 1993, no início das celebrações em Mt. Washington, Sede Internacional da Self-Realization Fellowship, pelo centenário de Paramhansa Yogananda, nossa amada Ma entrou em Ma-hasamadhi, a saída final e consciente de um iogue de seu corpo. Ela deixou este mundo para acompa-nhar seu Amado Guru e outros discípulos que já haviam partido antes. Eu consegui permissão para vê-la uma vez pela manhã, ao redor das 10 horas, e outra vez no início da noite, com seu corpo deita-do em sua cama, no quarto. Sua pele estava macia, bonita e tão radiante quanto estava pela manhã quando a vi pela primeira vez. De início sua boca estava levemente aberta. Fui informada mais tarde que, após eu haver deixado o local, sua boca se fechou, formando um lindo e amoroso sorriso. Seus olhos estavam abertos, e muito embora sua expressão fosse alheia, estavam claros e refulgiam com a profundidade e a beleza condizentes com a imagem que todos que a conheciam faziam dela. Para on-de nos movêssemos no quarto seus olhos pareciam nos seguir, como podem testemunhar as monjas que foram prestar suas últimas homenagens.

Suas cinzas foram depositadas numa cripta sem identificação, no cemitério Forest Lawn, em Glen-dale, Califórnia, juntamente com outras irmãs que faleceram no serviço à Self-Realization Fellowship, na sala Slumber Room, próxima ao lugar de descanso final de Paramhansa Yoganandaji.

Já houve casos de devotos que testemunharam haver visto Ma fora de seu corpo, mesmo antes de saberem que ela havia falecido, e estou certa de que, com o passar do tempo, haverá muitos outros testemunhos de ajuda e bênçãos sendo sentidos por muitos discípulos de vários lugares. Nas palavras daquele belo cântico, “One thousand Vedas do declare, Divine Mother’s everywhere” (“Mil Vedas dizem, claramente: a Mãe Divina é onipresente”).

Abençoa a todas essas belas e devotadas almas que, de forma tão amável e altruísta, dedicaram seu tempo, energia e todo o seu ser para completar esse empreendimento divino.

Obrigado, amada Ma, pelos muitos anos de treinamento que deste a esta alma e pelo tempo que me permitiste servir-te, e por todos aqueles que tiveram o benefício do teu darshan. No amor do Mes-tre, nós nos encontraremos novamente.

– Jai Guru, Jai Ma

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PREFÁCIO

Sri Durga Mata dedicou mais de 65 anos de sua vida em amoroso serviço e obediência a seu Gu-ru. É com humildade e gratidão que nós, seus filhos, aproveitamos esta oportunidade, o centésimo aniversário do nascimento de Paramhansa Yogananda, para apresentar o livro dela aos discípulos de todo o mundo. Esperamos sinceramente que você, leitor, receba a mesma inspiração, conselho e ale-gria espiritual que tivemos ao imprimir o livro. A presente obra é uma jornada espiritual com Durga Ma, seu Guru e principal discípulo, Rajasi Janakananda.

A vida de Durga Ma não terminou quando o Mestre e Rajasi deixaram este mundo, muito embora ela pensasse que também partiria. Ao invés disso, sua vida tomou novo rumo e, durante os últimos 35 anos, ela se tornou mãe, amiga, psicóloga e confidente para muitos discípulos do Mestre. Durante muitos anos, seu telefone ficava ocupado dia e noite, atendendo àqueles que precisavam de ajuda físi-ca, mental e espiritual. Ela nunca negou um pedido sincero de ajuda, independentemente de raça, reli-gião ou gênero. Seu amor e perdão estavam sempre lá, tudo o que precisávamos fazer era pedir. Ela dizia freqüentemente: “Não importa quantas vezes você caia, desde que se levante e comece nova-mente”.

Ma dizia: “Ele sempre me manda pessoas de vontade forte, os rebeldes, aqueles que ninguém consegue dar jeito”. Eu também era um desses rebeldes que Ma, após muitos anos, conseguiu domar.

Além do aconselhamento pessoal e coletivo, Ma se tornou mestre em diferentes formas de arte. Ela utilizava com grande destreza técnicas de pintura a óleo e acrílica, sendo que desta última ela gos-tava mais. Com o passar dos anos, compôs e escreveu muitas músicas. Algumas aparecem neste livro. Esculpiu belas estátuas dos Mestres, de Rajasi (a que se encontra agora com Marjorie BenVau), do Mestre e da Amada Mãe, Sri Ananda Moyi Ma. Os escritos de Ma não têm comparação em beleza e sincera devoção ao Mestre.

Ma jamais gostou de costurar, pois considerava entediante e que consumia muito tempo, mas ela se disciplinou e tornou-se excelente costureira.

Ninguém pode dizer nada contra as habilidades de Ma na cozinha. Ela poderia pegar a pior comi-da e com um toque cá, outro toque lá (seu toque francês), transformava-a numa delícia para o paladar.

Agora, no apagar das luzes, quando sua vida está se esvaindo, uma criança está aqui chorando mais uma vez, clamando pelos ternos e amorosos braços de sua mãe, para abraçá-la e protegê-la. Ela prometeu que, juntamente com o Mestre, estará sempre pronta para nos ajudar. Tudo o que precisa-mos fazer é chamar: “Ma, Ma”, e ela estará ali para nos ajudar, aliviar, e algumas vezes nos disciplinar e admoestar, conduzindo-nos de volta ao lar.

Eu te amo, minha Ma, agora e para sempre. Tu és minha, eu sou tua.

– Joan Wight Los Angeles

17 de dezembro de 1992

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“Freqüentemente louvamos os santos mortos e perseguimos os vivos.” – Autor desconhecido

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NOTAS DA EDITORA

A palavra Mestre nestas páginas refere-se a Paramhansa Yogananda, a menos que esteja expressa-mente indicando outra pessoa. Paramhansa Yogananda é um grande iogue e avatar que chegou na América em 1920, para divulgar a luz da Kriya Yoga e os ensinamentos da Auto-realização. Ele ensinou e treinou discípulos neste país por mais de 30 anos, antes de seu falecimento.

Sri Durga Mata é uma das principais discípulas de Paramhansa Yogananda e serviu como secretá-ria e membro do Conselho de Diretores da Self-Realization Fellowship/Yogoda Satsanga Society por mais de 50 anos, até sua aposentadoria em 1986. Ela escreveu estes livros em 1958 e 1959. Desde então, al-guns dos nomes de pessoas mencionados nos capítulos sofreram alterações, pois vários receberam os votos de sannyasi (renunciante) ou foram renomeados por Sri Daya Mata, presidente da Self-Realization Fellowship. Os nomes originais dessas pessoas na época em que o livro foi escrito são usados nesta edi-ção.

Rajasi é o nome utilizado em todo este texto para designar James J. Lynn, o principal discípulo de Paramhansa Yogananda. Ao conceder os votos para Rajasi, Paramhansaji lhe conferiu, originalmente, o título de Rajarsi Janakananda, que ainda é utilizado pela Self-Realization Fellowship. Logo após essa no-meação, o Mestre descobriu a sutil diferença entre os significados de Rajasi e Rajarsi, e o renomeou como Rajasi Janakananda. Sri Durga Mata estava com o Mestre quando ele explicou a diferença entre os dois nomes, e ela anotou as palavras do Mestre: “Rajarsi significa ‘rei santo’, mas sem o ‘r’ significa ‘Rei dos Santos’, o que faz uma grande diferença para mim, pois é o que eu sinto que ele é”. Sri Durga Mata disse que alguns indianos criticam a forma de soletrar o nome Rajasi sem o ‘r’, mas era assim que o Mestre queria.

Mataji nestas páginas refere-se a Ananda Mata, porque é o nome que o Mestre deu a Virginia Wright, irmã de Sri Daya Mata e membro do Conselho de Diretores da SRF/YSS. Na época em que o livro foi escrito, ela era conhecida oficialmente por Mataji. Seu nome foi posteriormente modificado por Sri Daya Mata para Ananda Mata. Mataji não deve ser confundida com Sri Ananda Moyi Ma, que costuma ser chamada de Mataji por seus discípulos, ou com a irmã de Mahavatar Babaji, Mataji, con-forme mencionado na Autobiografia de um Iogue.

O Mestre chamava Sri Durga Mata de “Ma Durga”, desde a primeira vez que ele a viu na Sede Central da SRF, em 1929, quando ela se mudou para Mount Washington. Eles haviam se encontrado pela primeira vez dois anos antes, em Michigan, o estado natal dela. Ele também se referia a ela pelo apelido: “Duj”. O próprio Mestre escolheu os nomes de três das irmãs da ordem: Irmã Gyanamata, Ma Durga e Mataji. Outras renunciantes mulheres só foram conhecidas pela alcunha de irmã após ha-verem recebido os votos de sannyasi. Nos anos de 1960, a presidente da SRF/YSS, Irmã Daya, como era conhecida na época, após haver retornado da Índia onde observou certos costumes, resolveu mu-dar o título de “Irmã” para “Mata”, no seu próprio nome e nos nomes das outras irmãs que tinham conhecido o Mestre enquanto ele estava no corpo. Na época em que este livro foi escrito, essas mu-danças ainda não haviam ocorrido.

Em todo este volume, Sri Durga Mata se refere com freqüência a seus colegas renunciantes por seus primeiros nomes. Isso não significa de maneira alguma qualquer desrespeito; pelo contrário, indi-ca a familiaridade que os discípulos mais íntimos desfrutavam uns com os outros.

O leitor pode perceber que os três livros contêm certas histórias em comum, com algumas varia-ções. Preferimos mantê-las em sua forma original, ao invés de compilar ou apagar algumas partes. O-riginalmente estava planejado publicarmos estes livros separadamente, na forma que Sri Durga Mata os escreveu. Entretanto, foi necessário compilar os três livros em um só, por medidas econômicas e de tempo.

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Carta para Sri Durga Mata de Paramhansa Yogananda

24 de junho de 1936

Bombaim, Índia.

Querida Durga,

Eu não sei dizer se já fiquei tão satisfeito com alguém quanto estou com São Lynn. Entre meus discípulos homens, o Sr. Lynn tem o primeiro lugar no céu e em meu coração. Entre as discípulas, você terá o primeiro lugar no céu juntamente com a Irmã (Gyanamata). O seu comportamento e tra-balho me vêm agradando muito e fico me perguntando como alguém sem instrução conseguiu se tor-nar tão proficiente em tudo. Comigo aconteceu a mesma coisa, eu li muito pouco, mas escrevi muito. Isto é para deixar você lisonjeada? – não – mas digo isto porque brota de meu íntimo, devido à mara-vilhosa cooperação que você me tem dado. “Medite e dedique-se a Deus!” E dê o melhor de si interi-ormente e para os outros,

– Paramhansa Yogananda

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Carta para Sri Durga Mata

do Dr. M. W. Lewis

Querida Durga, Primeiro, gostaria de dizer que nós a amamos muito. Quando o Mestre pediu para você cuidar do

meu tornozelo, anos atrás, senti a presença da Mãe Divina em você naquela época. E agora novamen-te, nas coisas maravilhosas que você tem feito para nós. Eu sempre pensei em você com grande reve-rência, pois sei dos muitos sacrifícios que tem feito em obediência aos desejos do Mestre. E isso tem sido uma inspiração para mim.

Também não posso esquecer os sacrifícios que você fez pelo Mestre, naqueles dias lá no início. E como você construiu as igrejas e, é claro, o eremitério e outros projetos. Mas haver colocado a Self-Realization Fellowship em uma base sólida foi sua maior vitória. Sei que foi uma tarefa muito difícil, mas você conseguiu, e isto é o que importa. Você prestou um serviço inestimável para seus irmãos e irmãs pelo mundo afora.

Tenho uma sugestão – que você descanse um pouco de seus afazeres, que certamente estão em ordem – você tem feito tanto.

Mais uma vez, Durga, obrigado por jogar óleo em águas turbulentas, por sua atitude, nascida do Amor Divino que está em você. Se houver qualquer coisa que eu possa fazer, você sabe, tudo o que precisa fazer é pedir.

Como o Mestre me disse, um pouco antes de nos deixar, “Doutor, assim como nós começamos no Amor Divino – assim vamos terminar”. Meu mais profundo amor para você, Durga.

– Dr. M. W. Lewis

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Carta de Irmão Sarolananda1

7 de junho de 1960

Encinitas

Amada e Reverenda Irmã Durga: Por um longo tempo venho sentindo que lhe devo uma mensagem de gratidão, amor e encoraja-

mento. Pela muita bondade, aconselhamento espiritual e ajuda que você me tem dado. Mas até agora eu não sabia como chegar até você sem causar embaraço ou ainda mais problemas.

Se não fosse pelo seu aconselhamento e bondade, e também de Rajasi e do Dr. Lewis e Mama Lewis (e o Mestre por detrás de todos) eu não sei o que teria feito. Mas, agora, uma tremenda força me arrebata e eu sei que posso permanecer inabalável em meio ao estrondo dos mundos em colisão. Minha única ambição é servir de maneira humilde e levar o amor de Deus e do Mestre, esperança e encorajamento para quem eu puder.

Meu coração está com você, pois sei que você não tem tido uma vida fácil. Mas você pode se confortar com o fato de que é entre aquelas almas puras e verdadeiras, que se prontificam a sofrer in-compreensões e perseguição, que Deus faz os Seus santos e os envolve em Seu Amor.

Se não fosse por seus longos anos de serviço fiel e devotado para Rajasi e o Mestre, a SRF talvez não estivesse com a condição financeira estável de que agora desfruta.

Eu a saúdo, envio o meu amor e lhe digo que nós somos um. Um em Deus, no amor do Mestre, de Rajasi & do Dr., e no amor de todos aqueles que amam a Deus.

Que você possa receber a força para perseverar, e que seu coração seja repleto até transbordar do Seu amor e compaixão incomparáveis.

No amor e serviço Dele,

– Bro. Sarolananda

1 Irmão Sarolananda ajudou Sri Durga Mata a servir Rajasi nos últimos dias deste. Já faleceu e não deve ser confundido com qualquer outra pessoa que tenha o mesmo nome.

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Conteúdo LIVRO I Minha Vida e Serviço a Meu Guru .............................................................................................................. 12 LIVRO 2 Biografia de São Lynn: Milionário Espiritual ............................................................................................. 73 LIVRO 3 Histórias de Meu Guru, Paramhansa Yogananda...................................................................................... 148 ILUSTRAÇÕES Fotografias....................................................................................................................................................... 176 Músicas............................................................................................................................................................. 177

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Minha Vida e Serviço a meu Guru

Uma Autobiografia de Sri Durga Mata

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Índice: Livro I

PARTE 1

Memórias da infância .................................................................................................................................16 Apego à minha mãe ...................................................................................................................................17 Casamento ...................................................................................................................................................18 Mudança de meus hábitos alimentares....................................................................................................18 Ouço falar do Mestre pela primeira vez..................................................................................................19 As experiências espirituais de minha mãe...............................................................................................20 O último derrame de minha mãe – visões no seu leito de morte ......................................................20 A morte de minha mãe ..............................................................................................................................20 Minha mãe aparece para mim após a morte...........................................................................................21 A morte de meu pai ...................................................................................................................................21 Meu sobrinho Ted......................................................................................................................................22 A primeira vez que o Mestre me curou antes de me conhecer ...........................................................22 A segunda vez que o Mestre me curou antes de me conhecer............................................................22 PARTE 2

Minha primeira visita à Sede Central da SRF .........................................................................................24 O Mestre dá um jantar em honra à minha chegada ..............................................................................25 Meu primeiro quarto na Sede Central .....................................................................................................25 Dormindo ao relento – a aparição de um espanhol ao Mestre ...........................................................26 O Mestre me dá o nome espiritual ..........................................................................................................26 Eu me torno cozinheira e governanta do Mestre ..................................................................................26 Minhas experiências pessoais com o Mestre no Natal..........................................................................27 Meu primeiro Ano Novo em Mt. Washington ......................................................................................31 Meu irmão Dufour deixa Mt. Washington .............................................................................................32 O Sr. Darling chega à Califórnia ..............................................................................................................33 Meu primeiro piquenique na praia ...........................................................................................................33 Não recebemos salário...............................................................................................................................33 Viagens de treiler ........................................................................................................................................33 Algumas profecias do Mestre para mim .................................................................................................36 Banquetes ....................................................................................................................................................37 O Mestre toca o órgão...............................................................................................................................37 Sankirtan – o Mestre me apresenta como musicista ..............................................................................37 Toco o grande tambor pela primeira vez................................................................................................38 Os votos de Irmã........................................................................................................................................38 A túnica ocre ...............................................................................................................................................38 Projetos diferentes......................................................................................................................................39 O Mestre promete levar-me consigo para a Índia .................................................................................39 A viagem do Mestre para a Índia .............................................................................................................39 Muitas tarefas ..............................................................................................................................................41 O conserto do pequeno Taj Mahal..........................................................................................................41 Peço para fazer cem Kriyas ........................................................................................................................41 Fios grisalhos no meu cabelo são arrancados ........................................................................................42 Minhas diferentes encarnações.................................................................................................................42 Correções.....................................................................................................................................................42

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Guardo uma noite de silêncio...................................................................................................................42 PARTE 3

Minha mudança para Encinitas ................................................................................................................43 Construo meu quarto no Eremitério.......................................................................................................43 Serviços para o Mestre no Eremitério.....................................................................................................43 Faço um colchão para o Mestre ...............................................................................................................44 Minhas viagens de ida e volta para Los Angeles....................................................................................44 A visão que o Mestre teve de Jesus e do cálice ......................................................................................45 Projetos ........................................................................................................................................................45 A Força Vital tenta deixar meu corpo.....................................................................................................47 Sempre pronta quando o Mestre está doente.........................................................................................47 PARTE 4

Meus serviços a Rajasi Janakananda conforme as ordens e os desejos do Mestre ...........................48 Vestindo um casaco ...................................................................................................................................48 O sentido olfativo de Rajasi......................................................................................................................49 Aprendo a dirigir ........................................................................................................................................49 Eu levantava pesos além da minha força................................................................................................49 Idas à praia...................................................................................................................................................50 Os suprimentos de Rajasi, compras.........................................................................................................51 Não aceitar dinheiro...................................................................................................................................51 Serviçal .........................................................................................................................................................51 Apenas uma governanta ............................................................................................................................52 Deveres de secretária .................................................................................................................................52 Lavando roupa............................................................................................................................................53 Jardinagem...................................................................................................................................................53 Prestação de contas ....................................................................................................................................53 Uma lição de altruísmo..............................................................................................................................53 Usar a razão e não a emoção com Rajasi ................................................................................................54 A cura de resfriados ...................................................................................................................................54 Uma lição em negatividade .......................................................................................................................54 Pedindo a ajuda de Rajasi para diferentes projetos ...............................................................................54 Expressões utilizadas .................................................................................................................................55 As previsões feitas pelo Mestre em 1948................................................................................................55 Os hábitos alimentares de Rajasi..............................................................................................................56 O amor do Mestre por Rajasi ...................................................................................................................57 O Mestre diz que eu sofro pelo carma alheio ........................................................................................57 O Mestre me avisa que Rajasi corre perigo ............................................................................................57 O Mestre me fala de sua encarnação como Arjuna...............................................................................57 O Mestre me fala de suas preocupações .................................................................................................58 Minha conversa com o Mestre em março de 1952 ...............................................................................59 A notícia da morte do Mestre...................................................................................................................59 Tentando trazer o Mestre de volta...........................................................................................................60 Os primeiros sinais da doença de Rajasi .................................................................................................60 Rajasi vai para o hospital pela primeira vez............................................................................................61 Tratamentos com raios-x ..........................................................................................................................62 Fogo no apartamento de Encinitas..........................................................................................................62 Nossa viagem de 1953 ...............................................................................................................................63 Rajasi fala em doar milhões para a SRF ..................................................................................................64

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Uma Trilogia do Amor Divino 15

Indianos visitam Rajasi ..............................................................................................................................64 Os votos de Atmanandaji..........................................................................................................................64 Eu intercedo em favor da SRF.................................................................................................................65 A segunda operação de Rajasi ..................................................................................................................65 O apartamento de Rajasi na Sede Central...............................................................................................65 Rajasi compra um carro novo...................................................................................................................66 Eu consigo que outros me ajudem ..........................................................................................................66 A terceira operação de Rajasi....................................................................................................................67 Os últimos dias de Rajasi...........................................................................................................................67 A morte de Rajasi .......................................................................................................................................69 Fui convidada para ser presidente............................................................................................................69 Volto para a Sede Central..........................................................................................................................70 Invernos em Borrego.................................................................................................................................71 Eu sirvo ao Mestre três anos após seu Mahasamadhi .............................................................................71 O meu sonho de dificuldades futuras .....................................................................................................71

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Minha Vida e Serviço a meu Guru

Parte 1

O nome de solteira de minha mãe era Elizabeth Nault. Ela nasceu em St. Pierre, Canadá, em 26 de agosto de 1874, e se mudou para este país em 1886, aos doze anos de idade. Não sei a cidade em que viveu, mas foi no estado de Nova Iorque. Ela morreu em 26 de janeiro de 1928, em Detroit, Mi-chigan, aos 54 anos.

Meu pai, Adolphe Dufour, nasceu em St. Paul Bay, Canadá, em 15 de outubro de 1864. Ele che-gou aos Estados Unidos em 1883, aos 19 anos. Morou na mesma cidade de minha mãe. Meus pais moraram neste país até o fim de suas vidas. Meu pai morreu em 20 de fevereiro de 1957, aos 93 anos de idade. Ambos eram de origem francesa. Sua união trouxe ao mundo cinco meninos e cinco meni-nas. A primeira a nascer foi Ida. Após, vieram Arthur, Alcide, Frank, Victoria, Alice, Felix, Cedha, Er-nest e eu. Um décimo primeiro filho nasceu, mas viveu apenas três dias. Eu nasci em 8 de novembro de 1903, na península de Michigan, em uma vila chamada Iron Mountain. Recebi o nome de Florina Alberta. No momento em que estou escrevendo este livro, apenas três de meus irmãos estão vivos. Todas as minhas irmãs morreram ao redor dos cinqüenta anos, exceto Cecília, que morreu com dezes-seis.

Quando eu tinha mais ou menos um ano, minha família mudou-se para Escanaba, Michigan, para um assentamento francês. A população falava francês, de maneira que meus pais, especialmente minha mãe, não aprenderam a falar inglês, embora meu pai pudesse falar um pouco no seu trabalho. Memórias da infância

Eu não me recordo de nada de minha infância, exceto o que minha mãe me contou. Quando eu ficava doente, minha mãe colocava tijolos quentes sob meus pés, ou meias de lã para mantê-los aquecidos. Quando ela me dava as costas, eu tirava as meias de lã. Meu tato sensível não me permitia usar coisa alguma de lã em contato com a pele. O médico costumava dizer para minha mãe: “Por que não dá a ela um pedaço de torrada queimada e a deixa morrer?” Eu era muito difícil de se lidar. Em anos poste-riores, minha tia costumava brincar comigo, dizendo: “Quando eu a estava levando para seu batizado, tive pena de sua pobre mãe e falei para seu avô: ‘Se ao menos eu pudesse, acidentalmente, escorregar no gelo e lançar essa menina para longe, seria um problema a menos para minha irmã’, mas agora es-tou feliz de não ter feito isso, porque não sei o que sua mãe faria sem a sua ajuda.”

Como eu era a mais nova, sempre recebia roupas de “segunda mão”. Ainda consigo ver minha mãe costurando e cuidando do fogão que estava assando umas panquecas francesas. Ela costurava nossas meias, cachecóis e bonés. Essa atividade a mantinha ocupada, procurando manter a família bem agasalhada.

Quando eu estava com oito anos, nós nos mudamos para St. Sault Marie, Ontario. Foi lá que a família inteira sofreu de difteria e minha irmã de dezesseis anos morreu da doença, havendo eu, por-tanto, perdido a minha “babá”. Fui estudar em uma escola pública. Moramos apenas um ano e meio naquela cidade e fomos para Limoilue, Quebec, no Canadá. Lá estudei em uma escola paroquial fran-

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Uma Trilogia do Amor Divino 17

cesa. Muitas vezes, nevando, tinha que andar a pé até a escola e sentava-me com as roupas molhadas na sala, tímida demais para falar para a freira que eu estava encharcada. Apego à minha mãe

Minha mãe, católica fervorosa, ia à missa todas as manhãs. Eu não suportava vê-la indo para a igreja sozinha, nas manhãs escuras e frias de inverno, então eu a acompanhava, temendo que se algo lhe a-contecesse eu jamais me perdoaria. Embora a saúde de minha mãe parecesse estar boa, não há dúvida de que era o meu profundo apego a ela que me fazia temer perdê-la. Se eu acordasse durante a noite, ia na ponta dos pés até sua cama para verificar se ela estava respirando e, então, voltava feliz para a cama; ou, antes de ir dormir, eu respingava água benta na sua cama, pensando que isso evitaria que ela morresse durante o sono. Desde a primeira infância até minha adolescência, não deixei uma só noite de rezar: “Por favor, Deus, mantém minha mãe viva até amanhã”. Em meu coração infantil, eu imagi-nava que se Deus pudesse mantê-la viva durante a noite, eu cuidaria dela durante o dia. Eu costumava rezar para que Deus me levasse primeiro, mas então pensei que se eu fosse antes, não haveria quem cuidasse de minha mãe quando ela ficasse doente, pois todas as minhas irmãs estavam casadas e ti-nham suas próprias famílias. Então, pedi a Deus que me deixasse viva até que minha mãe se fosse, e então Ele poderia vir e me levar. Esse desejo, nascido do apego, quase se concretizou, pois após a morte de minha mãe fiquei muito doente e minha vida só foi poupada graças à intervenção do Mestre. Muitos anos depois, perguntei ao Mestre se meu desejo de morrer depois de minha mãe tinha sido a causa de eu quase ter morrido. Ele respondeu: “Sim”. Vou falar dessa experiência mais tarde, neste livro. Resumindo, aonde quer que minha mãe fosse, eu estava junto.

Além do meu irmão Ernest, que era apenas dois anos mais velho e brincava comigo jogando hoc-key, esquiando, etc., minha mãe era minha única companhia constante. Ela era tudo o que eu precisava e queria como amiga, de modo que nunca tive outra amizade feminina.

Passamos três anos no Canadá. Em 1916, meu pai nos deixou em Quebec para buscar emprego em Detroit e, quando conseguiu economizar dinheiro suficiente, alugou uma casa e nos trouxe. Eu tinha quase treze anos na época, e não sabia falar inglês. As pessoas queriam falar comigo apenas para ouvir meu sotaque francês, mas se eu os visse primeiro, saía do meu caminho para evitá-los, pois tinha vergonha de não saber falar muito bem o inglês.

Estudei em uma escola paroquial germânica em Detroit. Devido a eu não saber falar inglês, as freiras me colocaram na segunda série, mas minha aritmética era boa o suficiente para a quarta, então uma das freiras ficou com pena e disse que iria me manter na quarta série, pois eu me sentiria desloca-da entre as crianças menores. De alguma forma, saí-me bem e até consegui a aprovação para a quinta série com a ajuda dela. Foi uma batalha e não me custou muito para abandonar a escola e ficar aju-dando minha mãe no trabalho doméstico.

As leis escolares não eram tão rígidas naquela época como são hoje, pois eu só tinha quinze anos quando larguei a escola. Para ajudar com os gastos, minha mãe fazia roupas para os amigos de meus irmãos. Eu costumava fazer o trabalho de casa, passando roupa e lavando louça. Minha mãe fazia toda a comida. Algumas vezes, pensando que estava enganando minha mãe, eu me trancava na cozinha, e fazia todo o serviço de limpeza durante a noite. Ela se fazia de surpresa na manhã seguinte. Fervíamos nossas roupas no fogão a gás, deixando as roupas dentro de um panela sobre o queimador. A fumaça que saía, além da falta de ar no ambiente, me fazia passar muito mal. Eu precisava sair para tomar ar puro várias vezes antes que o serviço ficasse pronto. Mas tudo valia a pena se minha mãe ficasse feliz e surpresa.

Mamãe e eu caminhávamos até o cinema todas as tardes, quando mudava a sessão. Fazíamos a pipoca em casa, pois era muito melhor do que a que comprávamos no cinema. Na volta, parávamos na lanchonete de sempre e apreciávamos nosso costumeiro sundae “Mutt and Jeff”; depois voltávamos para casa para fazer o jantar.

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Quando eu via minha mãe chegando em casa com grandes pacotes de compras, corria para ajudá-la a carregar. Quando eu era uma menina muito nova, um dos meus parentes me perguntou o que eu queria ser quando crescesse. Sem hesitar, respondi: “Quero ser freira”. Casamento

Quando eu tinha dezesseis anos, fiquei noiva de um francês. Minha mãe, porém, muito sábia que era, conhecia a natureza humana suficientemente bem para saber que o fruto proibido sempre parece mais doce e, sabendo do meu apurado senso de observação, ela escolhia um mau hábito do rapaz e criava uma história sobre ele, como se o conhecesse. Pouco a pouco, graças a suas sábias ações e conselhos, vi como ele realmente era e rompi o noivado.

Em meu décimo nono aniversário, casei-me com um homem muito distinto. Seu nome era Orta L. Darling. Não era católico. Embora eu nunca tivesse pedido, ele achou que iria me agradar conver-tendo-se ao catolicismo. Durante seu aprendizado, o padre disse que ele deveria ter tantos filhos quan-to a natureza providenciasse. O Sr. Darling respondeu: “Se, para ser católico, eu tiver que fazer minha esposa sofrer em dar à luz muitas crianças, então não me converterei”, e saiu do local, demonstrando seu altruísmo.

Após o casamento, eu e meus dois irmãos continuamos a morar com nossos pais, e meu maior amor continuava a ser minha mãe. Muitos anos mais tarde, perguntei ao Mestre por que me casei nes-ta vida, mesmo sendo contra a minha própria natureza. Ele respondeu: “Por causa do ambiente em que você estava. Se tivesse me encontrado antes, jamais teria se casado, pois não era necessário para você.” O Mestre me disse também que a razão pela qual nasci em uma família católica era a minha devoção. O Sr. Darling continuou a boa, generosa e amável pessoa de sempre, como mais tarde pro-vou que era. Mudança de meus hábitos alimentares

Em 1927, Alvin, filho de meu irmão Ernest, tinha poucos meses de idade quando terríveis pústulas surgiram em suas mãos, pés e face. O garotinho sofreu muito. Minha cunhada Florence tentou todos os recursos da medicina, mas nada parecia ajudar. Então, ela ouviu que deveria alimentá-lo apenas com suco de laranja. Experimentou isso e, em poucos dias, a pele e as mãos do menino começaram a sarar consideravelmente. Esse foi o início de nossa mudança de hábitos alimentares, pois pensamos que se um suco de laranja fez isso por aquele pequeno corpo, também poderia fazer bem para nós.

Nós quatro, em cada refeição, ingeríamos carne, bebíamos chá e café, comíamos doces, etc., mas abandonamos tudo isso de uma hora para a outra. Não conhecíamos os substitutos alimentares da carne, como queijo, ovos, leite e nozes, para suprir a falta de proteínas. Eu me lembro que muitas ve-zes ficávamos tontos e não sabíamos o que fazer, mas não perdemos a coragem. Logo após, ouvimos falar de diferentes cursos de alimentação vegetariana. Eu não me recordo agora quais cursos nós fize-mos, mas eles ajudaram a balancear nossa alimentação, com frutas adequadas e os suprimentos que nossos corpos necessitavam. Gradualmente nossas mentes ficaram mais puras e nosso modo de pen-sar se tornou mais idealístico.

Após termos feito o curso Yogoda, nós nos mudamos da casa de meu pai, e eu fiquei muito doen-te. Depois daquela cura feita pelo Mestre, fiquei fanática quanto a meus hábitos alimentares e comecei a fazer jejuns. Eu costumava jejuar freqüentemente e por longos períodos de tempo, entre três até um máximo de vinte e um dias. Devido a isso, quando cheguei pela primeira vez a Mount Washington, em 1929, eu estava muito magra. O Mestre costumava me alimentar com muito arroz e curry, e então co-mecei a ganhar peso. Mas quando ele saía para algum lugar, em campanha, eu jejuava e fica magra de novo. Após várias dessas situações, o Mestre me perguntou: “O que você tem feito, pois eu a alimento e quando volto você está magra novamente?” Eu lhe contei que jejuava. Ele respondeu com uma voz grave: “Jejum não é bom para a sua saúde; o seu corpo ficará melhor se for um pouco mais robusto”.

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Então, parei de jejuar e graças à sua direção e treinamento em um estilo de vida equilibrado, perdi meu fanatismo e fiz o que ele me mandava. Ouço falar do Mestre pela primeira vez

Um dia, em 1927, meu irmão Ernest chegou do trabalho e me falou sobre um homem que conhecera um certo professor hindu que havia chegado a Detroit. Meu irmão me falou das coisas que ele ensina-va e das curas que realizava. Fiquei fascinada ao ouvir sobre esse Swami. Cada vez que meu irmão vol-tava do trabalho, ele me falava das conversas que teve com um tal de Sr. Bone que trabalhava no mesmo departamento de desenho que ele, e que havia estudado o Curso Yogoda de Swami Yogananda, mas ele não estava na cidade naquele momento. Um dia depois, meu irmão chegou excitadíssimo em casa para me contar que Swami Yogananda estava voltando a Detroit para uma noite de palestra, e acrescentou: “Nós perdemos da última vez, mas agora que ele está voltando, vamos ouvi-lo”. Nós quatro – meu irmão Ernest, sua esposa Florence, Sr. Darling e eu – fomos assistir àquele maravilhoso instrutor.

A primeira vez que vi Guruji foi em 19 de dezembro de 1927. Sentamo-nos olhando deslumbra-dos para o mais belo homem que jamais vi, em sua túnica ocre e longos cabelos negros flutuando so-bre os ombros, bem como seus olhos de lótus, grandes, escuros e expressivos. Ele tocava em seu harmônio “O God Beautiful” (“Ó Formoso Deus”). Eu nunca havia escutado um cântico indiano an-tes, e fiquei fascinada até o fundo de minha alma. (Esse mesmo harmônio me foi dado pelo Mestre, em 1932.) Eu nunca antes tinha visto Deus ser expresso dessa maneira. Estava acostumada a pensar em Deus como Jesus, e sem a menor chance de alcançá-Lo. Embora fosse católica e ouvisse que Jesus era o único Salvador, eu jamais tivera muita devoção por Ele. Esse cântico me atraiu profundamente e me deu a idéia diferente de um Deus palpável. O Mestre depois falou que tinha ido a uma plantação de vegetais naquela tarde e colhido com as mãos um repolho fresco, comendo-o naquele instante, e que estava delicioso e macio; por isso ele não deu as mãos para cumprimentar a platéia naquela noite. Depois disso, ele deixou a cidade.

Brahmachari Nerode era, naquela época, o instrutor responsável pelo Centro de Detroit. Ele fazia os serviços todas as quintas e domingos, à noite. Nós quatro continuávamos indo toda semana. Na época do Natal, o Centro realizou um bazar. Nós fomos, e foi quando comprei minha primeira foto-grafia do Mestre.

No início de janeiro de 1928, ficamos sabendo que Nerode estava se mudando para Los Angeles e iria assumir a direção de Mt. Washington. No Natal de 1927, Sr. Darling me dera vinte e cinco dóla-res de presente para eu poder me inscrever no curso Yogoda. Quando soubemos que Nerode estava para partir logo, nós quatro decidimos nos matricular antes que ele se fosse, para que pudéssemos re-ceber aulas pessoalmente. Na noite de 5 de janeiro de 1928, fomos para o quarto de hotel onde estava Nerode, e ele nos ensinou de uma vez todos os ensinamentos Yogoda. Ele nos demonstrou os exercí-cios, e as técnicas de concentração e meditação. Tudo veio muito naturalmente para mim. Na primeira vez que tentei, já fui capaz de fazer a postura de lótus, como se eu a tivesse conhecido toda a minha vida. Entretanto, não recebemos a Iniciação em Kriya naquela noite. Eu recebi a técnica diretamente do Mestre, em Mt. Washington. Contudo, os planos de Nerode sofreram uma mudança e ele ficou na cidade até maio de 1929. Nesse meio tempo, nós praticávamos. Eu tinha um cantinho separado em meu quarto, e transformei-o em um altar. Não havia então as fotos dos outros Mestres, apenas a do Mestre. Recordo-me da primeira experiência que tive, diante do meu pequeno altar no quarto. Eu es-tava sentada praticando as técnicas. Senti uma imensa quietude tomando conta de mim. Eu realmente sentia que meu corpo não era feito de carne, mas de pedra, e me sentei como uma estátua.

Nós não vimos o Mestre novamente até 24 de abril de 1928.

Minha mãe não tentou dissuadir-me de receber as lições. A foto do Mestre que comprei estava pendurada em nossa sala. Uma de minhas cunhadas, Aurora, fez gozação com a foto. Seus comentá-

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rios magoaram minha mãe. Ela me disse para não deixar a foto dele lá: “Ele é um homem bom demais para ficar exposto a risadas”. Levei a foto para meu quarto. As experiências espirituais de minha mãe

Eu consegui permissão para ensinar a minha mãe os exercícios Yogoda e as técnicas de concentração e meditação. Ela já tivera um derrame antes. Eu notava que, às vezes, ela ficava parada na porta ou a-poiando-se na mesa. Se eu perguntasse o que estava fazendo, ela respondia: “Estou praticando os e-xercícios que você me ensinou”. Certa manhã, ela me contou sua experiência, dizendo: “Na noite pas-sada, vi o céu azul se abrir e brilhou uma luz muito clara. Eu nunca tinha visto algo assim antes. Havia outras luzes muito bonitas também.” Em outra oportunidade, ela me contou que tinha visto um ho-mem em um halo de luz, e que ele tinha cabelos negros e compridos. Eu sabia que ela tinha visto o Mestre, e que ele a estava ajudando.

Minha mãe continuou a praticar meditação, mas não teve muito tempo, pois eu a ensinei em 6 de janeiro e, no dia 22, ela teve seu derrame final e morreu no dia 26. O último derrame de minha mãe – visões no seu leito de morte

Na manhã do dia 22, eu estava no andar superior fazendo a limpeza quando ouvi Florence me cha-mar: “Florina, sua mãe”. Desci e vi meu pai e Florence colocando minha mãe em uma cadeira. Seus olhos brilhantes estavam baços e ela me fitava com expressão patética. Ajoelhei-me a seu lado, encos-tei minha testa na sua, pus meu dedo em seu bulbo raquidiano e rezei. Não sei por que fiz isso. Nós então levamos mamãe até sua cama e chamamos um médico. Ela entrou em coma, mas algumas vezes podia nos ver e ouvir.

Quando olhei para sua face pálida, magra e desdentada, não pude notar qualquer semelhança com o rosto anterior de minha mãe. Pus meus dedos em seu bulbo raquidiano e olhei para ela novamente; para minha surpresa, vi seu rosto astral, sorridente, familiar, olhando para mim. Embora só tivesse durado alguns segundos, fiquei feliz ao ver aquela linda face que eu conhecia e amava tanto.

Em outro momento, enquanto eu estava orando a seu lado, um objeto iluminado apareceu na pa-rede, acima dela. Eu não descobri o que era aquilo. Parecia-se à metade de uma noz. Era branco com uma mancha preta no topo. Eu vi a mesma coisa mais tarde, pela segunda vez, só que agora a mancha se movera mais para baixo, para perto do bulbo raquidiano. Logo após esse episódio, minha mãe fale-ceu. A morte de minha mãe

Quando minha mãe morreu, eu não sabia que a causa era hemorragia cerebral. Mesmo que tivesse ou-vido na época, eu não saberia o que significava. Algum tempo depois, aconteceu de eu ver a foto de um cérebro e me veio à cabeça o aquilo que eu vira duas vezes, na parede do quarto de minha mãe, como um objeto iluminado e que parecia uma noz. Era o Senhor me mostrando uma imagem do cé-rebro de minha mãe, sendo que a mancha preta no topo da cabeça era o coágulo sangüíneo. A segun-da visão, com a mancha preta próxima do bulbo raquidiano, mostrava-me que o coágulo havia se transferido para um ponto vital do cérebro, tirando a vida de minha mãe.

Logo após o funeral, queimei alguns incensos que tinha comprado no armarinho, para afastar os odores da casa. Meu pai pegou o incensário e o jogou fora. Perguntei-lhe o que estava fazendo e ele me respondeu: “Isso é entorpecente”. A pobre alma pensava que estávamos tentando fugir da realida-de porque nos filiamos a Yogoda.

Toda a minha família se virou contra mim após o enterro de minha mãe e praticamente me rene-gou. Todos tentaram me criar problemas, porque sabiam que mamãe tinha feito um testamento e eles o queriam. Três dias após o enterro dela, estávamos nos preparando para a meditação de quinta-feira à noite. Percebemos que, um a um, meus irmãos e irmãs estavam se reunindo na casa. Pensamos que

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tinham vindo para ver papai, e saímos. Quando voltamos, ficamos sabendo por meu sobrinho Ted o que ocorrera. Parece que eles pediram para o advogado vir em casa para ler o testamento, sem nos avisar. Depois que saímos, eles ligaram para o advogado e cancelaram a reunião, e isso os deixou furi-osos. Eu nada sabia naquela época sobre assuntos legais. Ted fora esperto o suficiente para esconder nossas lições Yogoda em um lugar onde não pudessem encontrar, mas o que eles procuravam era o tes-tamento, que eu já havia escondido também.

Quando retornamos, meu pai estava furioso por causa da influência que sofrera do resto da famí-lia. Ele mandou Ernest ir embora e, depois, olhou para mim e disse: “Você também”. Sem hesitação, começamos a fazer as malas naquela noite. Meu pai disse: “Vocês não precisam fazer isso hoje”. No dia seguinte, alugamos uma casa e nos mudamos alguns dias depois. Minha mãe aparece para mim após a morte

Certa noite, logo após nos mudarmos, eu estava em meu quarto meditando. Senti, mais do que vi, mi-nha mãe no quarto, comigo. Ela estava tão vividamente presente que eu quase podia sentir o vestido preto que ela usava. Mentalmente, falei com ela. Na terceira noite que ela veio, eu lhe falei que seu a-pego a mim estava atrasando sua evolução espiritual, bem como a minha. Disse para ela praticar as técnicas que eu havia ensinado. Eu também as praticaria e, algum dia, iríamos nos encontrar de uma maneira muito melhor. Embora eu realmente não soubesse a verdade de minhas palavras, ainda assim meu coração, mente e alma o sabiam. Minha mãe não voltou mais naquela forma.

Em uma de minhas meditações em Mt. Washington, vi uma pequena luz e me levantei para alcan-çá-la e, à medida que entrava em contato com ela, minha alma sentiu e minha intuição me disse: “Ma-mãe”. Em outra ocasião, eu estava profundamente absorta pensando em minha mãe quando, diante de meus olhos abertos, apareceu um bebê dentro de um útero. Quando perguntei ao Mestre acerca dessas duas experiências, ele me disse: “Não há dúvida de que você fez contato com a alma de sua mãe naquela luz e, mais tarde, no momento em que ela estava renascendo”. Assim, o Senhor manteve minha promessa de que iríamos nos encontrar de um jeito melhor, ao invés de ela permanecer presa às vibrações telúricas, por meio de seu apego a mim.

Minha mãe me deixara duas casas e tudo o mais. Anos mais tarde, quando eu já era discípula em Mt. Washington, meu pai queria vender as casas, mas não podia porque, legalmente, estavam em meu nome. Após haverem me tratado daquela maneira rude, tinham medo que eu não fosse transferir a propriedade para ele, mas não precisavam temer nada, pois eu tinha dedicado minha vida para Deus. Assinei o documento e o mandei de volta pelo correio, junto com uma carinhosa carta. Aquele foi um evento decisivo; eles não tinham mais nada contra mim. Durante o tempo em que meu pai morou em Los Angeles, eu ia vê-lo de tempos em tempos. A cunhada que fora responsável pelo início da confu-são agora me dizia que eu era a única da família que se lembrava de meu pai com ajuda em dinheiro. Ele morou com ela e meu irmão até sua morte. A morte de meu pai

No dia 18 de fevereiro de 1957, eu estava em Borrego. Meu irmão me ligou para avisar que papai esta-va doente e não sabia quando tempo ainda estaria conosco na terra. Fui para sua casa na noite seguin-te, um sábado. Ele ficou feliz de me ver. Perguntei para essa pequena criatura desdentada, de 93 anos, no seu leito de morte, como estava, e ele apenas respondeu: “Não me sinto muito bem”. Eu estava sozinha com ele. Ele começou a ficar inquieto. Eu alisava sua cabeça enquanto repetia, em francês: “Durma em Jesus”. De repente, ele olhou para mim e disse em francês: “Jesus, Maria e José”. E con-tinuou repetindo isso. Quando minha cunhada o ouviu dizer isso, ficou surpresa porque, conforme me contara, o padre esteve lá antes e tentou fazê-lo repetir essa mesma oração, mas ele o instruiu em inglês. Quando eu disse em francês, papai compreendeu e a repetiu.

Pouco depois, quando eu ainda o fitava e ele, a mim, percebi que ele via uma luz vindo da minha cabeça e se misturando com a sua própria luz. Sua face se iluminou e formou a mais doce expressão

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que eu jamais vira nele. Eu soube naquela hora que o Mestre tinha vindo através de mim para ajudar meu pai em sua última jornada. Não fui a única a presenciar isso. Darin [Irmã Shanti], sua mãe e Au-rora estavam paradas à porta. Elas também viram, vividamente, a face iluminada de papai. Aurora me contou posteriormente: “Ele só estava esperando para ver você”. Fui para Mt. Washington mais tarde, naquela noite. Disseram-me que papai repetiu “Jesus, Maria e José” e fez o sinal da cruz durante a noi-te inteira. Para um católico, essa é considerada uma morte santa. Embora eu não tomasse conta fisi-camente de meu pai, o Mestre contudo fez, através de mim, o que ninguém mais poderia fazer: dar a paz e luz para iluminar o caminho dele através dos portões da vida e da morte, em 20 de fevereiro, às 7 horas da manhã.

Depois que saímos da casa de meu pai, eu não o vi novamente até ele se mudar para Los Angeles. Não me lembro em que ano foi, mas sei que foi após 1943 ou 1944. Meu sobrinho Ted

Meu irmão Ernest, sua esposa Florence e seu filho Alvin, Sr. Darling, eu e Ted vivíamos juntos na mesma casa e dividíamos as despesas. Criei meu sobrinho Ted, filho de minha irmã, desde que ele nasceu. Também criei sua irmãzinha desde que nasceu. Minha irmã casou-se novamente e o padrasto gostou da menina, tomando-a para criar quando já tinha sete anos, mas ele não gostava de Ted e o maltratava. O Sr. Darling foi caridoso o suficiente e quis adotá-lo. A primeira vez que o Mestre me curou antes de me conhecer

Como já mencionei antes, fiquei muito doente após me mudar. Quando estava no pior momento da doença, cheguei a pensar que iria me encontrar com o Criador. Naquela noite, tive o que se pode chamar de um sonho verdadeiro; era mais uma visão do que um sonho. Vi uma mulher, pois a pessoa tinha um cabelo negro longo e um robe. Mais tarde, soube que foi o Mestre, que veio me curar. Ele se sentou na cadeira ao lado de minha cama e me segurou em seus braços, erguendo-me de maneira que meu coração ficasse no mesmo nível que o dele. Ao fazer isso, senti uma onda de eletricidade vinda de seu coração até o meu e passando por todo o meu corpo, até sair por meus dedos dos pés. Vagarosa-mente, ele me colocou de volta na cama e eu lhe perguntei: “Estou morta?” Ele respondeu: “Não, vo-cê não está morta”. No dia anterior, eu estava tão fraca que não conseguia sequer ir ao banheiro sozi-nha mas, naquela manhã, levantei-me sem ajuda e caminhei. Estava andando, quando o Sr. Darling disse: “Você está caminhando sozinha”. Eu respondi: “Esta não sou eu; estou naquela urna”, apon-tando para a cama que eu havia acabado de deixar. Eu tinha acordado naquela manhã com a consciên-cia de que estava em um caixão funerário e ainda estava consciente disso quando me levantei. Daquele momento em diante, fiquei cada vez mais forte.

Continuávamos indo para o Centro, meditávamos juntos, fazíamos os exercícios e falávamos so-bre as Lições constantemente. Em maio de 1929, Brahmachari Nerode foi chamado para ser o instru-tor residente em Mt. Washington, porque o líder, Swami Dhirananda, tinha deixado o aprisco de seu Guru. O Mestre continuava suas campanhas. Antes de partir, Nerode me encarregou da tesouraria do Centro da Yogoda e me deixou responsável pela condução das meditações. Mas eu fiquei muito doente para continuar, e o grupo foi dissolvido. A segunda vez que o Mestre me curou antes de me conhecer

No verão de 1929, tivemos que nos mudar para uma casa mais barata. Após nos instalarmos, tive ou-tro sonho superconsciente com o Mestre. O médico pensava que meus pulmões estavam infectados, mas, nesse sonho, ao invés de auscutar o meu peito, o Mestre me disse: “Não há nada de errado com seus pulmões, é no seu sistema nervoso central que está o problema”. Após dizer isso, ele juntou as ponta dos dedos polegar e indicador, e os colocou sobre o meu umbigo, dizendo: “Eu farei a cura on-de o problema está”. Ao dizer isso, novamente senti aquela corrente elétrica percorrendo todo o meu corpo. O Mestre olhou para mim e disse: “Qual é o problema com seus olhos?” Na mesma hora, ele

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pressionou seus dois primeiros dedos diretamente sobre meus olhos, com a mesma corrente elétrica passando por mim. Eu não sabia que tinha um problema físico nos olhos. Bem, essa cura serviu para dois propósitos, pois até hoje não uso óculos e tive meu olho espiritual despertado.

Comecei a sentir que estava vivendo em uma casa estranha. Eu caminhava como em sonho, vi-vendo em uma atmosfera à qual já não pertencia. Minha saúde começou a falhar novamente, mas o médico nada achava de errado comigo. Perguntei-lhe se a mudança para um clima mais quente iria me ajudar. Ele respondeu: “Penso que sim”. Conhecíamos alguns amigos que iriam em breve para a Fló-rida. Era uma boa oportunidade de ir com eles para um clima mais quente. Procurei na revista East-West para ver se havia um centro da Yogoda na Flórida, mas naquela época não havia. Eu queria morar em um lugar onde pudesse freqüentar as reuniões e, por isto, decidi ir para Los Angeles. Depois disso, tudo aconteceu de forma rápida.

Em outubro de 1929, o Mestre chegou em Detroit e proferiu uma palestra no auditório. Estava tentando reunir um grupo para ir à Índia com ele. Após a palestra, cumprimentou pessoalmente a pla-téia, um por um. Quando chegou minha vez, eu lhe disse que estava indo em breve para Los Angeles e ele falou: “Quando você for, faça uma visita a Mt. Washington”. Fiquei muito feliz por ele me ter convidado. Eu não sabia naquela época que o Mestre estava retornando para Mt. Washington para assumir totalmente, ele mesmo, a direção da Sede Central.

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Parte 2 Minha primeira visita à Sede Central da SRF

Como presente de aniversário, o Sr. Darling me deu uma passagem para Los Angeles. Parti para a via-gem, que significaria uma nova vida para mim, no dia 8 de novembro de 1929. Tomei um ônibus con-vencional, pois não podíamos pagar um melhor. Viajei continuamente por cinco dias e noites sem pa-rar. Quando cheguei à estação rodoviária de Los Angeles, saltei do ônibus, conferi a bagagem e per-guntei onde poderia encontrar a ACM (Associação Cristã de Moças). Eles me encaminharam para o Hotel Figueroa, mas alguém me informou o caminho errado e perguntei novamente a direção. Peguei outro bonde e achei a ACM próxima a Westlake Park. Tive que dividir o quarto que aluguei, mas, para a minha satisfação, a outra moça nunca aparecia. Peguei o bonde de volta para a rodoviária, recuperei minhas bagagens e voltei de táxi para a ACM. Quando fui dormir, minha cama balançava tanto que eu não consegui pegar no sono. Meus nervos estavam tão abalados pelos cinco dias e noites naquele ôni-bus que meu corpo não parava de tremer.

Na dia seguinte após minha chegada, liguei para Mt. Washington perguntando pelo Brahmachari Nerode. Ele atendeu e perguntou: “Por que não sobe até aqui hoje à noite, para os serviços? Depois Swamiji vai conduzir as meditações.” Perguntei como chegar até lá. Ele me deu instruções, mas eram tão imprecisas que não consegui encontrar o lugar. Perguntei ao condutor onde ficava San Rafael, ele olhou para o mapa e apontou que eu caminhasse várias quadras até encontrar a rua que procurava. Consegui encontrá-la, mas eu estava no outro extremo da rua. Comecei a subir a colina. Jamais tinha feito isso antes. Após várias quadras, alcancei um jovem casal que estava mexendo em um carro. Parei para perguntar se eu ainda estava longe da sede central, e me disseram: “Você ainda precisa andar mais cinco quilômetros de estrada sinuosa”. Suspirei: “Ai, que longo caminho. Quero comparecer aos ser-viços no centro.” Eles me viram reiniciar a subida e, então, o rapaz me chamou: “Ei, espere um minu-to: quero ver se meu pai me empresta o carro e, então, eu levo você”. O pai dele consentiu e fui salva daquela longa caminhada, pois o rapaz e sua esposa amavelmente me conduziram até a porta de Mt. Washington e para o início de uma vida nova. Quando o devoto começa a seguir adiante em sua mar-cha para Deus, Ele remove todos os obstáculos no caminho do devoto. Posso mostrar, passo a passo, como o Senhor clareou meu caminho. Primeiro, Ele removeu meu maior apego, minha mãe, ao aliviá-la de seu sofrimento físico. Ela me havia apegado a meu pai dando-me duas casas, na intenção de que eu cuidasse dele pelo resto da vida. Deus utilizou meu próprio pai para livrar-me dessas amarras. Se ele não me tivesse expulsado de casa por causa da Yogoda, eu teria que ficar cuidando dele, devido à promessa que fizera a minha mãe. Ele chegou aos 93 anos de idade, e eu acabaria perdendo todos a-queles anos vividos com o Mestre em sua missão divina. O homem propõe, mas Deus dispõe. Então, o Senhor fez meu corpo ficar doente para me trazer a Mt. Washington em busca de um clima mais quente e, daí, fazendo-me sair de uma vida de sete anos de casamento para uma outra, dedicada ape-nas ao serviço de Deus e do Mestre.

O Sr. Darling me deixou ir, de boa vontade. Assinei um documento doando para ele a proprieda-de que tínhamos em conjunto, deixando-me livre de qualquer apego pessoal e posses materiais para dedicar a atenção completa ao meu objetivo: Deus. Meu sobrinho-filho adotivo foi removido, e meu irmão e sua família saíram por si mesmos de minha vida, devido a suas próprias ações malvadas. Veja como o Senhor cuida daqueles que Lhe pertencem, bastando apenas abrirmos nossos corações, men-tes e almas para recebê-Lo.

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Quando entrei em Mt. Washington pela primeira vez, fui saudada na porta por uma pessoa com mais idade, a Sra. Schramm, que foi muito gentil e me levou até a capela. Nerode estava falando. Após quinze ou vinte minutos, o Mestre entrou. Eu estava sentada numa cadeira na primeira fila. Enquanto olhava para ele, ouvindo suas palavras de sabedoria, fui novamente acometida daquela sensação de completa quietude, e fiquei imóvel como uma estátua. Eu não me movi durante o resto da reunião. O Mestre dá um jantar em honra à minha chegada

Poucos dias depois, retornei a Mt. Washington, subindo a colina outra vez. Não vi ninguém no saguão e então fui até a cozinha. Vi o Mestre e Rachid, seu secretário, parados perto do fogão. Quando passei pela porta, o Mestre me saudou, dizendo: “Ora, ora, onde você tem estado?” Respondi: “Na ACM”. Fui em direção ao Mestre apertar sua mão. Senti a mesma corrente elétrica atravessando todo o meu corpo até sair pelos dedos dos pés. Tempos depois, o Mestre me contou que, naquele momento, havia reconhecido meu rosto como um dos que ele tinha presenciado em uma visão, antes de desembarcar nas praias da América pela primeira vez, em 1920. O Mestre pediu que eu ficasse para jantar naquela noite. Mais tarde, chegaram alguns discípulos para ajudar o Mestre a cozinhar. Ajudei lavando panelas, pratos, etc. De repente, passei muito mal. Tentei afastar o mal estar, mas ele persistiu e deixei a cozi-nha. Encontrei Nerode na sala e lhe disse que estava indo embora. Ele perguntou por que, e eu res-pondi que não estava me sentindo bem e não gostaria de ficar se não pudesse ser útil. Ele sugeriu que eu fosse descansar num dos quartos até a hora do jantar. Eu realmente temia que minha condição pio-rasse e não queria incomodar ninguém, especialmente aqui. Por isso, respondi que era melhor eu ir para casa e que voltaria em outro dia qualquer. O Mestre me contou mais tarde: “Fiquei muito desa-pontado quando soube que você havia saído. Eu pensei: ‘O que significa isto, Senhor? Por que ela saiu justo agora que voltou para casa?’ Mas logo que soube por Nerode a razão de sua saída, eu me senti melhor, pois eu estava fazendo aquele jantar em honra de seu retorno ao lar após encarnações de au-sência.” É claro que se soubesse que ele estava preparando o jantar para mim eu teria ficado, mesmo que isso houvesse custado a minha vida. Foi uma hora em que ignorância não era bem-aventurança.

Fiquei alguns dias de cama. Logo após, vi que poderia alugar um quarto na Pensão Bethel, no so-pé da colina. Eu iria ficar bem mais próxima da Sede Central. Esse lugar é agora chamado de Hotel Marmion Way. Meu primeiro quarto na Sede Central

Após uma semana na ACM, mudei-me para meu novo quarto. Eu me sentia melhor e estava mais próxima de casa. Subia a rodovia até Mt. Washington todos os dias, para ajudar no Centro. No mo-mento em que eu começava a subir, já me sentia melhor e podia ouvir o Om. Morei naquele quarto durante quase um mês, antes de tomar coragem para perguntar ao Mestre se podia mudar-me para Mt. Washington. Pensei que era melhor pagar aluguel lá, do que em um lugar estranho.

O Mestre me chamou à sua biblioteca e pediu para que eu me sentasse. Ainda posso ver em mi-nha mente o Mestre andando para lá e para cá, enquanto me dizia que desejava apenas pessoas har-moniosas. Perguntei quanto deveria pagar, e ele respondeu: “Você pode resolver isso mais tarde, no escritório”. Ele não queria falar sobre dinheiro. No dia seguinte, 17 de dezembro de 1929, mudei-me para meu lar natural, nossa abençoada Sede Central. Dickenson veio buscar-me de carro e ajudar a carregar as malas, e me disse para ir ao segundo andar. Ao subir, vi que o Mestre e Tony estavam em-purrando um novo tapete para dentro do quarto. O Mestre sorriu e disse: “Este será o seu quarto; es-tou colocando um novo tapete para você.” Abençoado Mestre! Só de pensar que ele se fez tão humil-de carregando um tapete para uma de suas chelas (discípulas), perdida há muito tempo e que, agora, estava voltando para servir seu Guruji. Uma cama de madeira e um colchão também foram colocados no quarto. Mais tarde, fui para uma loja de artigos usados e comprei armário, mesa e cadeira. Do outro lado do corredor, Consuela e sua tia Cavazos dividiam um quarto. Elas tinham somente dois engrada-dos de laranja, de cada lado da cama, para apoiar os estrados dos colchões, e mais engradados servin-do de guarda-roupas e prateleiras. Alguns dos quartos eram mobiliados com os próprios móveis das

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pessoas, e outros estavam vazios. Havia poucas pessoas aqui naquela época, apenas umas quinze ou dezesseis. Dormindo ao relento – a aparição de um espanhol ao Mestre

Quando cheguei, eu pensava que pelo fato de estar na ensolarada Califórnia poderia dormir ao relento e, de fato, tentei isso durante várias semanas, na varanda do segundo andar; mas a neblina era tão es-pessa que minhas roupas e a cabeça ficavam molhadas pela manhã, e meu corpo não podia suportar isso. O Mestre aconselhou-me a não dormir do lado de fora ou perto de uma janela aberta. O Mestre também dormia no lado de fora, no terceiro andar, e eu senti falta de ouvir seus passos acima, quando não pude mais dormir lá fora. Foi nessa época que o Mestre nos contou que, enquanto ele estava dei-tado, alguém lhe apareceu na beirada da varanda. Ele teve que olhar duas vezes para ter certeza do que via. Era um alto e bem estruturado espanhol, vestido em roupas de soldado, com espada e tudo o mais, suplicando ao Mestre para libertá-lo. O Mestre disse que não poderia fazê-lo naquele momento, mas que o faria quando chegasse a hora certa. O Mestre me dá o nome espiritual

Na primeira meditação noturna de quinta-feira que participei em Mt. Washington, o Mestre conduziu o serviço e, após, reuniu os membros residentes ao redor da lareira. O Mestre sentou-se no chão, com as costas apoiadas num pilar em frente à lareira, e todos nós nos sentamos em círculo ao redor dele, no chão. Ele nos falava informalmente e contava histórias. Ao ficar tarde, ele pediu para todos irem dormir, mas pediu-me que ficasse. Sentei-me em silêncio a seu lado. Ele olhou para mim e disse: “Ma Durga”. Um arrepio inexplicável percorreu meu ser. Quando perguntei o que significava o nome, ele só respondeu que contaria algum dia. A explicação não me veio por vários anos. Ele disse que “Dur-ga” era o nome que me dera na encarnação anterior, quando eu estava com ele em seu eremitério na Índia. Ele também confidenciou que eu cozinhava para ele e era uma renunciante. Para o Mestre, tudo era apenas uma continuação da vida anterior. Eu me torno cozinheira e governanta do Mestre

Ele logo me colocou para ajudá-lo a cozinhar em sua própria cozinha, que na verdade não era bem uma cozinha, mas um arranjo provisório. Ele utilizava um de seus quartinhos como despensa e cozi-nha. Tinha um tapete no chão e um pequeno lavatório. Não fora feito para receber fumaça e gordura, já que tudo que o Mestre colocava nos seus temperos precisava ser frito primeiro e a gordura sempre entupia a pia. Ele só tinha um fogão à gasolina, que se apagava com freqüência e precisava ser bombe-ado, criando fumaça. Ele tinha várias caixas de madeira; uma era usada como mesa, outra, para prepa-rar os vegetais e outra, para o fogão.

Karla Schramm costumava passar em Mt. Washington o seu dia de folga como professora parti-cular de piano, e nós três – o Mestre, ela e eu – cozinhávamos e comíamos juntos. Quando ela conse-guiu algum dinheiro extra, colocou prateleiras na cozinha e encerou o chão. Uma nova pia e um fogão a gás foram doados por outros estudantes e, também, uma mesa circular com cadeiras, até que sua despensa se tornou a cozinha que o Mestre e seus discípulos mais próximos usaram até o fim de sua vida, e é ainda hoje utilizada por nós. Ele também me designou como recepcionista nas noites de sá-bado e quinta-feira, para receber o público à porta e após os serviços, bem como trabalhar na venda de livros. Quando me disse o que gostaria que eu fizesse, ele falou: “Lembre-se que receber visitantes é uma tarefa muito sagrada, pois você nunca sabe quando Deus chegará à porta”. Eu limpava seu a-partamento, consertava e lavava suas roupas, cuidava em geral da casa, arrumava e desfazia suas malas quando ele ia e voltava de suas viagens. Transcrevo agora alguns trechos das cartas do Mestre, referen-tes a meus serviços para ele:

11 DE JUNHO DE 1935 – Que palavras poderia eu dizer, querida Durga, por tudo que você tem feito pelo trabalho e por mim; o seu toque está em tudo. Encontro tudo em ordem.

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13 DE JULHO DE 1935 – Você iria morrer de rir se pudesse ver que bagunça incrível tive que arrumar. Seu método, completa obediência e ordem ao fazer as coisas como se estivesse lendo a minha mente com certeza me deixaram mal acostumado. 5 DE JANEIRO DE 1936 – Quem poderia cozinhar para mim melhor do que você? Sinto falta dos seus préstimos, mas obviamente você não pode abandonar o trabalho que está fazendo.

Essas cartas foram escritas durante a viagem do Mestre à Europa e à Índia, em 1935 e 1936. Fiz

as malas para a viagem e ele estava muito feliz por encontrar tudo em ordem. Eu sou uma pessoa que precisa ter ordem e método para trabalhar corretamente.

Quando o Mestre se ausentava de Mt. Washington, eu ajudava Consuela e sua tia na cozinha e, também, no escritório, despachando livros e atendendo ao telefone. Só dispúnhamos de um telefone, e eu tinha que andar por todo lugar para chamar alguém que recebia uma ligação.

Em 1934, o Mestre parou de palestrar em cidades distantes e fixou-se na Sede Central, mas conti-nuou palestrando nas cidades vizinhas. Minhas experiências pessoais com o Mestre no Natal

Primeiro, deixe-me esclarecer que havia muitos outros além de mim que se envolviam com as ativida-des de Natal durante os muitos anos em que estive com o Mestre; mas cada indivíduo pode contar melhor a sua própria história. Eu só posso escrever a parte que representei no drama de Natal de Mt. Washington.

Lembro-me do Natal de 1929 como se fosse ontem, pois foi o meu primeiro em Mt. Washington. O Mestre me pediu para ajudá-lo, juntamente com Karla Schramm, a empacotar os presentes para os membros residentes, amigos e convidados. Quando se aproximou a manhã, ele me disse boa noite e colocou em minhas mãos não um colar de contas de rudraksha, mas apenas uma única conta. Eu ainda tenho aquela conta pendurada em outro colar de Kriya, que o Mestre me trouxe da Índia, em 1936. No cartão de Natal que mandou para todos os membros da Yogoda, amigos e para mim, ele escreveu uma promessa extraída do livro Whispers from Eternity (“Sussurros da Eternidade”), que estava prestes a ser publicado pela primeira vez.

Um dos membros confeccionou a mais bela árvore de Natal que jamais vi. Ela umedecia vários quilos de sal e o espalhava pelos ramos até que estivessem totalmente cobertos. Parecia mesmo neve. O Mestre estava muito orgulhoso e satisfeito com a árvore. As mesas foram colocadas no saguão e todos tiveram bons momentos de alegria.

No Natal seguinte, acompanhei o Mestre em suas compras de última hora. Quando chegamos em casa no começo da noite, descemos até a cozinha para começar os preparativos do jantar no dia se-guinte. Já era quase 1 ou 2 da manhã quando terminamos. Então, eu e o Mestre começamos a embru-lhar os presentes. Ele me passava um para embrulhar enquanto escrevia nos cartões. Após terminar-mos e quem sabe algumas horas de sono, voltamos à cozinha para finalizar o jantar para os membros e os muitos convidados. O Mestre adorava festas. Quanto mais pessoas houvesse, tanto mais ele gos-tava. Parecia uma criança naquele dia, pois o Natal sempre foi um evento muito especial e alegre para o Mestre. Ele gostava de decorações detalhadas e sempre fez questão de ter uma enorme árvore no saguão. Tempos depois, ele tinha uma árvore menor no seu quarto, pois o Mestre chamava seus discí-pulos mais íntimos que diariamente o serviam para celebrarem um Natal particular com ele, e era quando trocávamos nossos presentes.

Para a mentalidade do indiano, jóias são consideradas uma segurança, e ele tem por elas a mesma consideração que nós temos pela conta bancária. Portanto, os presentes do Mestre consistiam sempre de alguma jóia. Para ele, era como se estivesse nos dando segurança, a mesma que um pai deixa de he-rança para sua família, algo em que podemos contar em caso de dificuldades financeiras. Não eram

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jóias caras, pois ele não podia comprá-las, mas ele passava o ano todo procurando por barganhas, e realmente conseguia algumas coisas muito boas, conforme nos dizia: “Eu consegui esta quase de gra-ça”. O Mestre era apaixonado por opalas e dava várias dessas pedras para os outros, menos para mim. Quando lhe perguntei por que, ele respondeu: “Não são boas para você”, mas em um Natal, para mi-nha surpresa, ele me deu um lindo anel de opala. Ele respondeu à minha interrogação, dizendo: “Ago-ra você já pode usar uma”. Nem preciso mencionar como fiquei feliz. Eu ainda guardo o anel, além de muitos outros presentes.

Que emoção foi receber uma estátua de Lahiri Mahasaya, numerosos outros presentes e experiên-cias, durante o tempo em que estive com o Mestre neste plano terreno. Ele costumava provocar: “Não vale espiar os presentes”, ou dizia brincando: “Papai Noel não vai trazer presentes para Duj no Natal”, e depois descobríamos que ele já tinha comprado nossos presentes. O Mestre gostava de dar seus presentes pessoais para nós por último, e sempre guardava o melhor para o final. Em 1934, num dia em que eu estava fazendo compras com o Mestre, passamos na frente de uma vitrine e eu vi um ursinho de pelúcia. Surgiram então memórias de minha infância, e falei para o Mestre: “Quando eu era garotinha, meu irmão tinha um ursinho de pelúcia, mas nunca me deixava brincar. Por causa disso, cresci com a vontade de ter um.” Seguimos adiante e esqueci o assunto.

Naquele Natal, como de costume, reunimo-nos no chão da biblioteca do Mestre, e ele passou a distribuir os presentes, começando comigo. Quando abri meu pacote, vendo o que tinha dentro, não me contive e soltei um grito: “Um ursinho!” Como se não fosse suficiente o abençoado Mestre ter comprado para mim, eu ainda coloquei o ursinho no colo dele para uma bênção adicional. Após segu-rá-lo por alguns instante, ele o passou para Irmã Gyanamata, dizendo: “Aqui, Irmã, segure ele um pouco”. Eu ainda tenho aquele ursinho abençoado. O Mestre quis satisfazer um desejo meu de infân-cia, que havia permanecido irrealizado durante vários anos. Daquela ocasião em diante, o Mestre des-cobriu uma enorme alegria em dar brinquedos para todas as suas crianças e, especialmente, para Raja-si, seu pequenino.

O Mestre comprava e guardava objetos durante o ano inteiro e os mantinha no seu cofre, na bi-blioteca. Quando chegava o Natal, ele abria sua arca de tesouros e dava para as pessoas. Lembro-me especialmente de um Natal em que, após embrulhar um presente após o outro, olhei do meu lugar no chão para o Mestre, querendo saber se havia mais algum para embrulhar. Ele parou repentinamente na porta e pude perceber, pela expressão no seu rosto, que ele havia se esquecido de mim. Voltou cor-rendo até seu cofre quase vazio, pois naquela hora todos os seus melhores itens já tinham sido empa-cotados. Ele encontrou um longo pingente de ágata. Voltou até onde eu estava e me deu o pingente para embrulhar. Ele estava triste, pois havia me esquecido, e os melhores presentes já tinham ido. Começou a me explicar o quão valioso era o pingente. Quanto mais ele falava, pior eu me sentia. Eu não queria que ele, um Cristo, sentisse que era necessário avaliar um presente que estava dando para uma pessoa tão insignificante quanto eu. Não importaria que ele me desse uma tampinha de garrafa, só o fato de ele se sentir mal por me haver esquecido era o presente mais valioso que poderia me dar. Por causa desse sentimento, eu valorizo mais esse pingente do que qualquer outra coisa. Essa jóia também teve um outro significado, que eu iria descobrir no dia seguinte.

Após o jantar e todos os presentes terem sido dados, Salter, uma das residentes naquela época, foi até o Mestre e disse, chorando: “O senhor se esqueceu de mim”. O Mestre me chamou ao lado deles e disse para ela: “Duj embrulhou presentes a noite inteira para eu dar a todos” e olhando para mim, ele me dirigiu sua pergunta: “e, Duj, eu não me esqueci de você também?” Eu respondi: “Sim, senhor”. Salter disse: “Bem, já não me sinto tão mal, já que ele também se esqueceu de você”. Algumas vezes outra pessoa precisa pagar o preço para que alguns fiquem satisfeitos.

Eu me lembro muito bem do Natal de 1948 porque, no dia da meditação longa, o Mestre estava em êxtase e fez diversas profecias a respeito de muitas pessoas presentes na capela. De repente ouvi meu nome ser mencionado, e o Mestre dizer: “Duj, a Mãe Divina abençoou muito você hoje; o seu trabalho está feito”. (Explicarei esse incidente mais tarde nesta autobiografia.)

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O Mestre tinha comprado um presente para mim. Nesse ínterim, eu havia feito algo que o desa-gradara. Mais tarde, ele me disse: “Eu não ia dar o presente para você, mas a Mãe Divina me disse: ‘Sim, dê o presente, ela vai mudar’.” Quando o Mestre me deu, disse-me: “Este presente é um símbolo e tem um significado muito profundo”. Descobri o significado na última vez que o Mestre veio ao eremitério, antes de seu Mahasamadhi. Explicarei isso mais tarde, em minha autobiografia. O presente era – e é, pois ainda o mantenho num lugar onde posso vê-lo o tempo inteiro – uma pequena carrua-gem dourada, puxada por um cavalo, com um anjo na frente como condutor, e outro anjo atrás. Um pequeno relógio no centro forma a cabine da carruagem. É símbolo de uma de minhas encarnações passadas e da associação com meu Amado Guru naquela e nesta vida.

Na última meditação de Natal em que o Mestre ainda estava conosco, estive doente o dia inteiro, mas fui capaz de vir para Mt. Washington nas celebrações. Quando cheguei, o Mestre ficou tão satis-feito que disse: “Eu sabia que a Mãe Divina faria você ficar bem para vir aqui neste Natal”. E aquele acabou sendo o último com nosso Amado Mestre. Naquele ano, ele deu um anel de diamantes em forma de cruz para Daya e Mildred Lewis. Eu estava admirando aqueles anéis enquanto o Mestre me olhava como se tivesse escolhido o presente errado para mim, e quando ele me deu minha cruz de di-amantes, perguntou-me: “Você preferiria ganhar um anel como elas?” Eu disse: “Oh, não, senhor, gostei muito mais desta”, e fiz tanta algazarra com o meu presente que ele ficou feliz. Ele sorriu, di-zendo: “Você não usa jóias ou anéis, e então pensei que gostaria de usar essa cruz quando fosse con-duzir grupos de meditação”.

Costumávamos celebrar nosso Natal particular com o Mestre após o jantar e as entrevistas dele com os convidados. Acabava ficando tão tarde que, posteriormente, ele transferiu a nossa celebração para a manhã seguinte, antes de descermos para terminar de cozinhar, etc. Mas essa medida fez com que tivéssemos que andar depressa, pois o jantar tinha hora marcada e havia poucas de nós para cozi-nhar e terminar a decoração.

Nós discípulas também trocávamos presentes umas com as outras na frente do Mestre. Ele se re-jubilava ao ver os presentes úteis e práticos que eram dados, e ficava feliz com o amor que partilháva-mos e expressávamos entre nós. Era esse último sentimento, dizia ele, que o deixava mais feliz. Mais tarde, abandonamos essa troca na frente do Mestre, porque tomava muito tempo, além do que havia alguns presentes tipicamente femininos, e não queríamos deixar o Mestre e nós mesmas embaraçadas. Então, enquanto o Mestre ainda estava com os convidados no andar de baixo, celebrávamos nosso Natal juntas. Entretanto, era somente após o jantar que todos conseguiam se reunir. Os presentes para os residentes da casa eram deixados à porta de cada um, na véspera de Natal. Era e ainda é um senti-mento maravilhoso ouvir os ruídos de pés caminhando sorrateiramente para deixar os presentes na frente das portas. Os presentes para o Mestre eram colocados debaixo da árvore, no saguão. Após o jantar e uma meditação, o Mestre colocava seu cachecol alaranjado sobre os ombros e bancava o Papai Noel, dando presentes para cada um e abrindo seus próprios presentes doados pelos amigos e mem-bros. Esse ritual todo levava horas. Um de nós lhe dava o presente e contava para que servia, e ele por sua vez chamava pelo nome aqueles a quem iria dar um presente. Se não abrissem rápido os seus pre-sentes, o Mestre puxava o laço ou rasgava o papel para ajudá-los, e ficava feliz quando a pessoa de-monstrava alegria pelo presente. Se houvesse mais convidados do que presentes, o Mestre sussurrava algumas instruções para pegarmos uma coisinha aqui outra lá, embrulhar e trazer de volta para a dis-tribuição. Ninguém saía de mãos vazias. Nos últimos anos de vida do Mestre, os presentes que recebia de amigos e devotos eram muitos numerosos para serem abertos de uma só vez. Eram colocados de-baixo de sua árvore particular e ele os abriria nos momentos de folga. Dessa maneira, ele gostava mui-to mais, pois teria tempo para realmente ver e apreciar o que ganhara, para depois guardá-los.

Embora aqueles dias fossem cansativos para os discípulos mais íntimos, que tinham de ir às com-pras, empacotar presentes e cozinhar, ainda assim o entusiasmo do Mestre e seu espírito festivo eram contagiosos e todos nós ajudávamos no que fosse preciso. Sua alegria se espalhava pela casa. O Natal com o Mestre era algo memorável. Mount Washington tinha a reputação de ter a mais alegre e festiva

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atmosfera de Natal, pois todos sentiam o verdadeiro Espírito de Cristo, já que, na verdade, nós tam-bém tínhamos um verdadeiro Cristo vivo em nosso meio.

Após o Natal de 1936, o Mestre me pediu para ir morar em Encinitas com a Irmã Gyanamata. Assim sendo, minhas tarefas de Natal com o Mestre passaram a ser feitas por Mataji e outras pessoas. Mas eu ainda tinha as tarefas natalinas a fazer para Rajasi. Ele não sabia do que o Mestre precisava, e então me dava dinheiro e instruía para comprar qualquer coisa que o Mestre precisasse, como sendo seu presente de Natal. O Mestre ficou tão feliz com um presente de Rajasi, uma grande cadeira doura-da, que ainda está na sua sala em Mt, Washington, sentado na qual ele entrava em êxtase.

12 DE JANEIRO DE 1942 – Querida Durga: Estou adorando o presente do Pequenino e abençôo você por ter sido o instrumento na escolha da cor que eu gosto.

– P.Y.

E a cadeira reclinável que o Mestre utilizou em 29 Palms para ditar o Gita, etc.

Era difícil encontrar algo para dar para Rajasi, que já tinha tudo. Mesmo os seus associados no es-critório costumavam me perguntar o que lhe poderiam dar no Natal e no aniversário. O mesmo acon-tecia com o Mestre: todos vinham até mim para saber o que poderiam dar para ele ou para Rajasi em seus respectivos aniversários ou no Natal.

Celebrar o Natal na Sede Central era uma tradição. O Mestre não celebrou nem celebraria o Natal em qualquer outro lugar. O mesmo valia para a meditação longa de Natal. Ele começou essa atividade no dia 24 de dezembro de 1932. Era um evento tão bonito, espiritual, que o Mestre fez dele uma tra-dição. Em anos posteriores, alguém sugeriu que ficaria mais fácil decorar, embrulhar os presentes e preparar o jantar se a meditação fosse feita no dia 23. Após muita persuasão, o Mestre condescendeu em fazê-la uma vez no dia 23. Naquele dia, Jesus apareceu para o Mestre mais do que em qualquer outro dia e sua experiência foi tão maravilhosa que o Mestre sentiu que o dia 23 era definitivamente mais satisfatório para Jesus do que o 24. Então, esse dia foi permanentemente estabelecido. O Mestre estabeleceu o padrão que é seguido até hoje.

Quando ele orava, o magnetismo de suas palavras penetrava nossas mentes e, quando tocava o harmônio e cantava, puxava nossos corações juntamente com o dele para as mais distantes profunde-zas. Eu tocava o grande tambor e Daya, os címbalos. Ele sinalizava quando queria que tocássemos e quando era para tocarmos mais alto e rápido. Isso se tornou uma tradição, bem como eu cantar a can-ção do Mestre “Divine Love Sorrows” (“Tristezas do Amor Divino”).

Aqueles dias de meditação com o Mestre não apenas ficaram impressos profundamente em nos-sas mentes conscientes, mas também nos arquivos do subconsciente e, ainda mais profundamente, na mente superconsciente, de modo a erradicar nossos numerosos emaranhados psicológicos do passado, do presente e, espero, do futuro.

Tínhamos que estar passando muito mal para não comparecermos à meditação. Lembro-me que num dia de meditação, contraí um severo resfriado. Estava passando realmente mal durante todo o primeiro período de meditação. Quando chegou o intervalo, escrevi uma nota para o Mestre, contan-do sobre meu estado e perguntando o que deveria fazer, na esperança de que ele me mandasse para meu quarto e repousar. Quando li sua resposta, estava escrito: “Faça o que achar melhor”. Eu nunca fiz nada sem seu consentimento, portanto voltei para o segundo período da meditação. Quando ele me viu retornar, sorriu. Os sintomas do resfriado não me incomodaram mais durante o resto do tem-po, e embora eu não pudesse me juntar às celebrações posteriores, ainda assim coloquei uma máscara e participei de nosso Natal particular sob a árvore do Mestre.

Sempre que o Mestre mencionava ter visto Jesus, meus cabelos se arrepiavam e as vibrações espi-rituais eram enormes. Uma vez, enquanto cantávamos “Glória, Aleluia”, senti Jesus fazendo o sinal da cruz em minha testa. Daquele momento em diante, cada vez que entoávamos aquela canção, eu volta-

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va a sentir aquela cruz na minha testa. Em outra ocasião, senti definitivamente a onipresença de Jesus em minha mente, coração e alma. Eu ficava imaginando se aquilo que estava sentindo era real. Quan-do o Mestre tomou novamente a palavra, disse: “Alguns vêem Jesus e sei que outros sentem a onipre-sença dele”. Fiquei feliz por ter confirmada a minha percepção.

As experiências vividas durante nossas meditações longas de Natal com o Mestre são muito nu-merosas e profundas para se mencionar ou expressar.

A primeira das duas ocasiões em que não passei o Natal em Mt. Washington foi após o Mahasa-madhi do Mestre. Eu tive que ficar com Rajasi em Encinitas, pois o último dos seus tratamentos com raios-x caiu no dia 24 de dezembro. Também aconteceu que eles fizeram a meditação longa naquela data. Foi um dia extremamente triste, pois foi o meu primeiro Natal sem o Amado Mestre em seu corpo, e também longe de Mt. Washington. A Sra. Lewis gentilmente decorou uma bela árvore no quarto de Rajasi, para que eu pudesse ver e apreciar. Ela havia colocado uma rosa cor-de-rosa no meu guarda-roupas. Eu estava muito triste naquele dia e, vendo a rosa ao invés das decorações de Natal, tive muita pena de mim mesma e reclamei mentalmente para o Mestre, dizendo: “Sem decorações pa-ra mim... e a rosa nem mesmo é vermelha”. Os pensamentos mal tinham sido formulados quando ou-vi, mentalmente, a voz do Mestre dizer: “Não ligue, Duj, eu lhe darei uma árvore de Natal”. Após al-gumas horas, Rajasi queria alguns sucos e eu me sentei numa cadeira, perto dele. Enquanto estávamos sentados, ouvi a voz do Mestre em uma gravação, vindo da sala. Isso foi demais para eu agüentar; co-loquei a cabeça sobre os braços que estavam sobre a mesa e dei vazão aos soluços de tristeza de minha alma. De repente, tive uma visão de luzes em forma de uma bela árvore, em meu olho espiritual. O Mestre cumpriu rapidamente sua promessa de me dar uma árvore, uma que ficou e irá permanecer comigo até o resto de minha vida. Não apenas a visão satisfez meu desejo de ver uma árvore como também enxugou as lágrimas de meu coração e de minha alma, enquanto eu sentia também as vibra-ções de sua Presença Divina. Quantas bênçãos ele concedeu a esta concha vazia, oca sem a presença dele, mas repleta até transbordar quando ele resolve preenchê-la com a Graça de seu Amor Divino.

Desde que nosso Amado Mestre partiu deste plano terreno, ele se faz sentir nos dias santos e é uma presença definitivamente palpável entre nós. Tenho certeza, sem a menor sombra de dúvida, que ele aparece para os puros de coração e mente, e enche suas almas com o seu amor onipresente. Meu primeiro Ano Novo em Mt. Washington

No meu primeiro Ano Novo em Mt. Washington, 1º de janeiro de 1930, o Mestre pegou Schramm, a mim e o motorista Dickenson (o Mestre o apelidou de “Comprido”, porque era muito alto e grande). Fomos ao Laurel Canyon e fizemos um piquenique perto de um riacho, que estava com pouca água. Schramm tirou algumas fotos do Mestre sentado e cantando. Essa foto está agora na área dos dormi-tórios no eremitério.

O Mestre também me apelidou de “Resmungona”, porque se algo não saísse do jeito que deveria, ou, se eu não gostasse do que estava fazendo, eu costumava protestar resmungando.

Fazia pouco tempo que eu estava aqui quando o Mestre me pediu para trazer Ted, o sobrinho que eu adotara, para que ele pudesse cuidar do menino em meu lugar. Mas esse menino não estava adapta-do para morar em uma casa espiritual. Havia herdado alguns dos maus hábitos de seu pai natural e teve que ser devolvido. O Sr. Darling o levou, juntamente com a mãe, para Huntington Beach, por algum tempo, mas, novamente, o menino foi de mal a pior. Finalmente, Sr. Darling teve que devolvê-lo para a mãe e irmã. Mas lá, ele também não se deu bem, e foi encaminhado a seu verdadeiro pai, no Canadá. Durante a guerra, serviu ao exército e casou-se com uma moça inglesa. Vive agora na Ingla-terra com uma ótima família. Fui informada que ele está se saindo bem como bom pai e marido.

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Meu irmão Dufour deixa Mt. Washington

Logo depois que Ted chegou, Ernest, a esposa e o filho vieram morar aqui também. Ela cuidava da biblioteca e fazia serviço de escritório. Meu irmão mais tarde se tornou zelador de Mt. Washington e trabalhava pela casa fazendo manutenção. Eles moraram aqui por dois anos. Os Dufours e eu éramos muito chegados, porque recebemos as Lições juntos e moramos na mesma casa por muito tempo. Agora também estávamos servindo à mesma causa. Eles demonstravam grande entusiasmo e trabalha-vam dia e noite para viver nos ideais do Mestre em cada detalhe. O Mestre até deixou que ele dormis-se no seu apartamento, no sofá. Mais tarde, quando perguntei se o Mestre sabia que Dufour não iria durar, por que lhe dera tanta atenção, ele respondeu: “Porque ele estava comigo em uma vida anterior. Se você se lembrar, quando Guilherme, o Conquistador, caiu ao desembarcar na Inglaterra, um de seus homens lhe disse: ‘Essa queda é um mau presságio, vamos voltar’.” Aquele homem era o meu irmão nesta vida. O Mestre estava tentando ajudar meu irmão, e procurou descobrir, enquanto Du-four dormia, o que estava no seu subconsciente e em seu coração. É claro que a mente de Dufour não estava totalmente pura e tinha ambições pessoais, pois quando chegou a tentação de Satã, ele sucum-biu seriamente.

Algum tempo depois, meu irmão, sem saber que sementes de carrapateira eram venenosas, inge-riu doze delas e ficou muito doente. Sua vida foi poupada pela graça do Mestre, mas, durante seu perí-odo de convalescência, meu irmão deu ouvidos a Sraddha Devi, que pensava em autopromoção. Eles costumavam ficar juntos e falar contra os ensinamentos e o Mestre. Um dia, meu irmão recebeu a visi-ta de um membro que ele próprio havia encorajado a receber as Lições. Esse homem veio para ouvir mais palavras encorajadoras sobre os ensinamentos, mas ao invés disso meu irmão falou contra as Li-ções e contra o Mestre. Ouvi apenas algumas palavras ao entrar no quarto. Esperei até o homem sair e comecei a discutir com meu irmão por falar contra o trabalho e o Mestre. Só tive a chance de dizer umas poucas palavras quando meu irmão foi até a porta, pegou-me pelo pescoço e me jogou contra a parede do outro lado do corredor. Fiquei roxa por causa do seu forte aperto. Isso foi em maio de 1932; o Mestre estava em Santa Mônica, numa casa de praia alugada. Pedi para Tony Diegel me levar até o Mestre. Chegando lá, tive que esperar na praia até uma hora da manhã, até que o Mestre retor-nasse, pois ele havia saído naquela noite. Então lhe contei minha história. Quando voltamos para Mt. Washington, o Mestre chamou meu irmão para uma conversa. Meu irmão estava tão perturbado em seus pensamentos malignos que avançou em direção ao Mestre para bater nele, mas o Senhor prote-geu o Mestre, arremessando uma chama fulgurante na direção de Dufour. Ele sentiu imediatamente o impacto. A sensação de ardência foi tão forte que Dufour correu para fora do quarto, desceu as esca-das e se jogou na grama fresca, tentando aliviar a sensação de queimadura. Acho que aquela sensação não durou muito tempo, contudo foi o suficiente para lhe ensinar uma boa lição. Minha cunhada pre-cisou encontrar um quarto numa casa vizinha, com pessoas com quem tinham feito amizade em sua busca de camaradas que também compartilhassem de seus maus pensamentos sobre o trabalho e o Mestre. Dufour então exigiu que o Mestre lhe pagasse quinhentos dólares, pois disse que não tinha um centavo para procurar por emprego, alugar uma casa, etc. O Mestre não tinha muito dinheiro, mas como Dufour era meu irmão, acabou dando. Quando chegou a hora de entregar o dinheiro, Dufour não quis entrar na casa para receber, mas disse para o Mestre ir até o meio da quadra de tênis. Eu es-tava acompanhando o Mestre quando meu irmão me viu. Enlouquecido, ele gritou: “Diga para ela fi-car fora disto. Eu não a quero por perto. Peça para ela dar o fora.” O Mestre fez sinal para eu ficar de lado. Perguntei a ele por que Dufour não me queria lá. O Mestre respondeu: “Porque o demônio não gosta da presença de um anjo”. Ora, pensei, por causa de dinheiro Dufour iria desafiar um Cristo na pessoa do Mestre! Eu nada tinha para lhe oferecer, por isso ele não me queria por perto. O casal ficou por algum tempo em Los Angeles, mas posteriormente voltou para Detroit. Eles agora vivem em In-diana, ainda muito amargos em espírito e agarrando-se a seu falso orgulho. Transcrevo um trecho de uma carta que o Mestre me escreveu em 20 de maio de 1933, enquanto estava em Detroit.

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20 DE MAIO DE 1933 – Querida Durga, tive uma reunião interessante com Dufour; ele veio para o hotel a meu pedido; a velha briga está terminada. Eu disse que você iria lhe escrever. Por favor, escre-va para ele depois que nos encontrarmos. O endereço dele é Box 173 Utica, Michigan.

– P.Y.

Em 1938, o Mestre me mandou para minhas primeiras férias sozinha. Ele queria que eu vestisse as melhores roupas e ficasse no melhor hotel, o Book Cadillac, de Detroit, para mostrar aos Dufours que minha escolha de vida era muito melhor do que aquela que ele havia escolhido para si e sua famí-lia. Antes de meu irmão deixar Los Angeles, disse que eu poderia ir junto e morar com ele, mas minha resposta foi que o meu lar era aqui e é onde vou ficar até o resto de minha vida. O Sr. Darling chega à Califórnia

Mais tarde, Sr. Darling chegou à Califórnia, mas não ficou em Mt. Washington, e foi morar com sua mãe e irmão em Huntington Beach. O Mestre me disse posteriormente que o Sr. Darling lhe havia confessado: “Eu sabia que ela (eu) não permaneceria na vida mundana e, se o senhor curar o corpo dela, darei de boa vontade permissão para que ela dedique sua vida para servi-lo e a Deus”. Meu primeiro piquenique na praia

Quando o Mestre voltava de suas viagens de campanha, precisava afastar-se das multidões. Ele levava Dickenson, Schramm e a mim para fazer piqueniques na praia. Lembro-me do primeiro piquenique na praia, logo abaixo da Torrey Pines. Ele levou Nerode, Dickenson, Schramm, a mim e alguns outros. Tenho fotos desse dia. Não recebemos salário

Ninguém recebeu salário em 1930 e 1931. Quando o Mestre estava fora, nós nos reuníamos e costu-mávamos brincar, dizendo: “Tenho dinheiro suficiente para comprar uma casquinha de sorvete”, ou então: “Tenho o suficiente para um malte”. Nós nos divertíamos mais do que se tivéssemos gastado um dólar com alguma distração. O grande regalo do Mestre para nós eram picolés Esquimó, um tipo de sorvete coberto com chocolate. Ele adorava aquilo. Para regalar toda a sua grande família, compra-va uma caixa inteira desses picolés e dava um para cada. O maior prazer do Mestre era comprar coisas ou guloseimas para comer e, com suas sagradas mãos, entregar para todo mundo. Cada mordida car-regava consigo uma bênção.

Em 1935, nós ainda recebíamos apenas um dólar por semana, para as despesas. Isso deixou uma impressão muito profunda em Rajasi, quando soube que comprávamos nossas próprias roupas com aquele minguado ordenado, além de vários outros gastos casuais. É claro que naquela época o dinhei-ro durava mais. Conseguíamos comprar um vestido e outros itens por menos de um dólar. Também conseguíamos roupas de segunda mão. Schramm obtinha algumas roupas que eram de suas irmãs e amigas. Ele pegava o que precisava e dava o resto para mim. Em anos posteriores, nosso salário au-mentou para cinco dólares por mês e gradualmente foi subindo até o padrão de hoje, vinte dólares por mês; para os diretores, vinte e cinco. Viagens de treiler

O Mestre comprou seu primeiro treiler em 1930. Era do tipo antigo, bem diferente desses modernos de hoje em dia, mas do tipo em que a carroceria fica junto com o chassi e o motor, tudo numa peça só. Eu tenho muitas memórias maravilhosas daquele treiler, as quais gostaria de partilhar com vocês.

O Mestre usava muito esse treiler para fugir de telefonemas e entrevistas, aproveitando para via-jar, fazer piqueniques e escrever. Nem sempre podíamos pagar hotéis, albergues ou restaurantes. Aon-de quer que fôssemos, tínhamos nosso equipamento de cozinha em mãos. Podíamos parar num lugar agradável ou sob uma árvore, arrumar nossos utensílios e as comidas, preparando as refeições em nos-

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so fogão a gasolina, que precisava ser bombeado várias vezes para conseguir preparar qualquer coisa, e aquilo fazia um monte de fumaça. Depois, demorava séculos para tirarmos as manchas negras do fun-do das panelas. O Mestre apreciava cada detalhe dessas viagens, assim como nós.

O Mestre dormia no treiler, que tinha uma cama. Carson, ou os demais motoristas, dormiam fora, ao lado do carro; Karla e eu, em nossos sacos de dormir (o meu, ela comprou para mim), ficávamos a uma boa distância. Lembro-me que a primeira vez que dormi assim, passei muito frio. Podem acredi-tar que, posteriormente, comecei a trazer roupas quentes para dormir. Nós sempre dirigíamos até tar-de da noite. Só parávamos quando o Mestre queria, qualquer que fosse o lugar. Algumas vezes já esta-va tão escuro que nem sabíamos onde estacionamos e, na manhã seguinte, descobríamos que estáva-mos no quintal de alguém.

O Mestre adorava ir para a praia. Certa vez, fomos para Dana Point, Califórnia, e estacionamos num penhasco cuja vista dava para o mar. Ficamos lá por vários dias. Numa tarde, estávamos nós qua-tro – ou seja, o Mestre, Karla Schramm, Carson e eu – lado a lado contemplando o mar. Enquanto olhávamos o mar, vários raios de luz, que se inclinavam sobre o oceano, apareceram no céu. Eram como raios de sol rasgando através das nuvens. Um de nós mencionou o fato para o Mestre. Ele disse com regozijo: “Estou feliz que todos estejam vendo este milagre de Deus”. Foi essa ocasião que inspi-rou o Mestre a compor o cântico “Come, Listen to My Soul Song” (“Vem Ouvir a Canção de Minha Alma”).

Outra vez, fomos para Palm Springs. Estacionamos no Palm Canyon e acampamos lá por vários dias. Num desses dias, o Mestre e eu caminhávamos pelo canyon e ele me pediu que cantasse “Divine Love Sorrows”. Ao ver as árvores e rochas centenárias, senti o profundo significado das palavras da canção do Mestre: “Séculos e séculos... Teu nome tenho invocado”.

Outra vez, naquele mesmo canyon, o Mestre lavou sua cabeleira no riacho e sentou-se numa gran-de pedra para meditar, enquanto o calor do sol secava seu cabelo. Ele entrou num êxtase muito pro-fundo. Karla estava sentada numa outra rocha, a curta distância do Mestre, e eu estava a uma boa dis-tância, numa grande pedra, meditando também. Ele chamou nós duas para voltarmos ao treiler. Quando cheguei perto, enquanto caminhava atrás dele, fui alcançada por uma imensa sensação de qui-etude. Era como se todos os movimentos do corpo e, particularmente, da mente tivessem parado, e eu estava consciente apenas dessa quietude onipresente. Eu estava consciente de estar caminhando, ten-do o cuidado de me desviar dos obstáculos no caminho. Ao me aproximar do carro, o Mestre se virou e pediu-me que pegasse alguma lenha. Ajuntei algumas sem perder aquela bem-aventurada sensação de quietude. Deixei a madeira no chão e segui o Mestre até o treiler. Ele parou no degrau e, virando-se para me encarar, disse: “A quietude é Deus”.

Essa ocasião também inspirou o Mestre a escrever e compor outro cântico: “Come Out of the Si-lent Sky” (“Vem do Silencioso Céu”).

Logo no início de 1931, o Mestre deixou Los Angeles para sua campanha em Denver. Ele embar-cou no trem e instruiu a mim, Karla e meu irmão para irmos de treiler e nos juntarmos a ele em Den-ver. Após as palestras, fomos a Colorado Springs, tirar umas férias. O Mestre alugara uma casa, a resi-dência de um pastor que estava passando o mês fora. Era uma casa agradável. Quando partimos, eu e Karla limpamos minuciosamente a casa, de maneira que ficasse tão limpa quanto no dia em que che-gamos. O Mestre deixou seu livro “Science of Religion” (“A Ciência da Religião”) com uma dedicató-ria e uma nota de agradecimento para o pastor e sua esposa. Mais tarde, o pastor agradeceu ao Mestre pelo livro e disse que ficou tremendamente satisfeito ao encontrar a casa em melhor estado do que havia deixado antes de partir.

Durante esse tempo, alguns dos membros ajudaram o Mestre a comprar um Ford conversível, de quatro lugares. Como o Mestre gostava de sentar no alto, apoiando os pés no banco de trás, tirando o máximo benefício das bonitas paisagens do Colorado! Diversos devotos queriam voltar para Los An-

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geles com o Mestre. Ele estava glorioso, com uma caravana a segui-lo, apreciando os belos cenários de Bryce, Zion e outras paisagens no trajeto.

Nos fins de 1930, o Mestre reuniu um grande grupo para um passeio no treiler. Antes de irmos embora, no final do piquenique, era o hábito do Mestre meditar com todos. Os bancos no treiler, quando estavam inclinados, transformavam-se numa cama para o Mestre durante a noite. Isso foi feito nessa ocasião, para aumentar a capacidade do veículo. O Mestre sentou-se no centro com as costas apoiadas no corpo do treiler. Vários de nós estávamos sentados na beira da cama, a seu lado. O Mes-tre entrou num êxtase muito profundo. Durante a meditação, sentiu calor, tirou o casaco e o deixou perto dele. Muito mais tarde, Ettie Bletch, recém-chegada a Mt. Washington e que estava sentada pró-xima a mim, desconhecendo que jamais se deve usar a roupa do Guru em si mesmo ou em outra pes-soa, percebeu que estava frio e colocou o casaco do Mestre sobre meus ombros. Na hora em que o casaco tocou meu corpo, senti uma corrente elétrica percorrendo todo o meu ser. Quando vi qual era o casaco que ela colocou em mim, sem hesitação comecei a tirá-lo, mas o Mestre me interrompeu, di-zendo: “Não tire”. Que incontáveis bênçãos eu e outras pessoas recebemos na presença dessa alma semelhante a Cristo vivo; e o referido incidente nos mostra que as vibrações permanecem impregna-das nas roupas e no ambiente daquele que está imerso em Deus.

Esse treiler foi mais tarde doado aos Nerodes, para servir de transporte e casa durante suas cam-panhas na Costa Leste e no Centro do país. Mais tarde, eles o venderam.

Em 1934, após o Mestre ter dado seu treiler para os Nerodes, Karla o ajudou a comprar outro. Esse era quase igual ao primeiro, só que tinha mais acessórios, como chuveiro, fogão, banheiro, etc. Era bem fabricado, mas o chassi e o motor não eram muito bons. Em março de 1935, o Mestre com-prou o chassi novo de um Dodge. Ele estava planejando como a carroceria poderia ser transferida para o novo chassi. Olhou para mim e disse: “Você vai armá-la”. Desolada, respondi: “Mas, senhor, eu não sei nem o básico dessas coisas”. Ele respondeu: "Você saberá como fazer; eu trabalharei com você. Castillo também vai ajudar.” Pedi a Castillo que arrumasse uma garagem que tivesse um elevador para erguer a carroceria do velho chassi e colocá-la sobre o novo. Ele descobriu um lugar na 60 Avenue, em Highland Park, que era perfeito para nosso propósito. Trabalhei dia sim, dia não, junto com Castil-lo, sujando-me de graxa e óleo dos pés à cabeça.

Quando começamos a retirar a carroceria do chassi, vimos com espanto que esse era mantido preso por apenas dois parafusos. Meu coração disparou ao pensar como esse treiler subiu e desceu pela 43 Avenida, nossa ladeira no monte, lotado de pessoas e, também, com o Mestre. O que teria a-contecido se um desses parafusos se houvesse partido numa subida? Veio-me imagens da carroceria escorregando por cima do chassi e caindo montanha abaixo, enquanto o motor continuava subindo. Felizmente, todos estavam seguros na fortaleza da proteção divina.

E, agora, estávamos removendo aquela ameaça, fixando com segurança vários parafusos. Mas en-tão, descobrimos que a nossa carroceria era grande demais para o chassi. Ainda bem que havia um velho ferreiro por perto. Eu lhe fiz uma consulta, e ele fez os reparos necessários, soldando uma e-menda forte no chassi.

Um dia de quinta-feira, Castillo precisou ir para outro lugar. Naquela manhã, ele me levou até a oficina e me deixou lá, afirmando que Mt. Washington viria me pegar ao redor das cinco da tarde. Após trabalhar por conta própria durante o dia inteiro, eu estava toda suja de graxa e não havia ba-nheiro feminino no local para eu me lavar. Não havia problemas quando era Castillo que me levava de volta no final do dia, mas dessa vez eu estava esperando outro carro de Mt. Washington. Como eu sabia que eles sempre atrasavam, esperei uma hora antes de telefonar para o Mestre. Ele me disse que o carro já estava vindo e que levaria apenas dez minutos para me pegar. Esperei mais meia hora e nada de aparecer o carro. Cansada, suja e zangada, liguei novamente para o Mestre, reclamando que eles ainda não tinham chegado. Ele respondeu: “Não posso fazer nada se o carro que mandei ainda não chegou”. Então minha voz expressou todo o meu descontentamento: “O que devo fazer agora, se já está quase na hora da meditação, e ainda estou aqui esperando?” Sua única resposta foi: “Bem, então

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venha andando”. Perguntei para o mecânico se me podia levar até o pé da montanha, pois de lá nosso carro iria me pegar. Ele disse que não poderia, porque estava sozinho na oficina e não tinha como dei-xá-la sem ninguém por tanto tempo. Devo ter aparentado muita tristeza e, sem dúvida, o Mestre envi-ou pensamentos para a cabeça dele, pois, após refletir um pouco, ele concordou em levar-me de carro até o início da subida da colina. Desnecessário dizer como fiquei feliz, pois não estava apropriadamen-te vestida para tomar o bonde ou até mesmo para andar na rua. Felizmente, havia apenas uma pessoa, também esperando nosso carro para nos levar até o topo da montanha para os serviços. Como eu a conhecia bem, não passei vergonha. Mais tarde, fiquei sabendo que o carro que o Mestre havia man-dado teve um pneu furado e eles não tinham um de reserva. Devido ainda a outras interrupções, eles nem chegaram e deixar a casa. Essa foi uma boa lição para mim, pois demonstrou que quando a pes-soa está trabalhando para Deus ou para o Mestre, ela não deve esperar favores em troca. No fundo da mente, eu pensava: “Eu estava trabalhando duro para ele, num tipo de trabalho que deveria ter sido feito por um homem, e pelo menos tenho o direito de receber alguma recompensa”. A resposta do Mestre me colocou de volta ao meu devido lugar e, daquele momento em diante, não importava o quanto fosse difícil qualquer trabalho, aprendi a não esperar por favores especiais em troca.

Após levarmos o treiler de volta para casa, pintei seu interior e o lado de fora. O Mestre então queria forrar os assentos. Eu mesma fiz o serviço, depois de estofá-los, e coloquei novas cortinas; fi-nalmente, estava pronto para novas viagens e piqueniques. O Mestre ficou muito feliz com os resulta-dos.

Rajasi andou no treiler apenas num pequeno passeio ao redor de Encinitas, com o Mestre e al-guns de nós. Ainda temos a carroceria, que esperamos dedicar como um santuário. Ele está agora lo-calizado nos fundos do SRF café, em Encinitas. Se Deus quiser, será feito algum dia.2 Algumas profecias do Mestre para mim

Em 1930, o Mestre estava em campanha no lado leste do país. Certa manhã, recebi uma carta que ele havia escrito muitos dias antes, pois veio do correio por trem, além dos dias para a entrega. Estou for-necendo esses detalhes apenas para convencê-los dos poderes proféticos do Mestre. No final da carta, ele escreveu: “Hoje você verá milhões de pequenas luzes”. Ao olhar para o céu, havia luzes sobre a minha cabeça. Como ele sabia em qual dia eu iria receber a carta para poder ter escrito “hoje”?

Em outra ocasião, em 1930, alguns de nós estávamos sentados na cozinha do andar de baixo ou à mesa de jantar. Alguém perguntou ao Mestre o que estava reservado para a vida de cada um. Não me recordo o que ele disse para cada um dos presentes, mas lembro-me do que disse quando lhe pergun-tei se eu teria que dar palestras e ensinar como ele. Ele respondeu: “Não, o seu caminho é o ensino individual e o canto”, embora muitos anos depois ele me disse que eu daria uma boa palestrante.

Lembro-me muito bem do primeiro banquete que o Mestre deu logo após eu ter-me mudado pa-ra Mt. Washington. Ele tinha inventado o glúten, e não permitia que ninguém ficasse perto, à exceção daqueles que ele havia ensinado como fazer. Naquela noite de sábado, ele me pediu para que ficasse com ele na sala de jantar, enquanto Tony e Dickenson trabalhavam no glúten. O Mestre pediu que eu me sentasse à mesa com ele. Pegou uma faca de pão e pediu que eu segurasse uma corda com ambas as mãos e, com um rápido movimento, cortou a corda em duas. Então, pegou uma batata e me fez arremessá-la no ar enquanto ele atirava a faca cortando a batata em duas. Continuei jogando a batata para cima até que ela tivesse sido cortada em diversos pedacinhos. Durante as preparações para um banquete, o Mestre estava sempre muito feliz. De repente, ele podia dançar em estilo hindu, movi-mentando os braços e a cabeça; embora fosse apenas por alguns segundos, já era suficiente para me arrepiar, pois, mesmo sem eu saber, o gesto estava reavivando memórias de vidas passadas.

Quando alguém procura Deus com todo o coração, Ele Se manifesta na abençoada forma do Gu-ru. Uma vez eu estava junto à pia, preparando os vegetais para um banquete e cantando “Door of My 2 Esse treiler ainda hoje está localizado em Encinitas.

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Heart” (“A Porta do Meu Coração”). Assim que repeti as palavras “Wilt Thou come, just for once come to me” (“Vem a mim, vem ao menos uma vez”), percebi o Mestre parado do meu lado, e ele disse: “Eu vim”. Eu era tão nova aqui que apenas a minha alma reconheceu a profundidade de suas sagradas palavras. Banquetes

O Mestre adorava banquetes e providenciava a realização de um todo mês. No início, ele me encarre-gou da decoração da sala de jantar, que agora é o escritório central. Tínhamos que decorar o teto, as paredes e as mesas. O tampo das mesas era feito de papelão bem grosso, e era apoiado sobre cavale-tes. Estes eram feitos de uma madeira tão tosca que as mulheres acabavam prendendo as meias neles, mas era o melhor que podíamos adquirir naquela época. Não tínhamos toalhas de mesas. Usávamos rolos de papel branco, semelhantes aos papéis de embrulho das lojas, e flores no centro da mesa. Para nós, parecia bonito de qualquer forma. O Mestre não podia fazer tudo, mas ficava observando cada detalhe. Ele também me encarregou da cozinha. Eu fazia a decoração de tarde, e cozinhava a noite inteira antes do banquete, seguindo as instruções do Mestre. Ele, obviamente, punha seu toque final nos temperos, que ficavam perfeitos. O Mestre, naqueles tempos, costumava ferver todos os vegetais antes de colocá-los no curry. Fazíamos a fervura na noite anterior e, após algumas horas de sono, des-cíamos para terminar de cozinhar. Fazíamos chatney (um doce picante), patês ou alguma outra coisa que o Mestre havia inventado para a ocasião. O Mestre era um excelente cozinheiro, tudo precisava estar perfeito para satisfazer a seu paladar. Ele trabalhava na comida até conseguir o resultado que al-mejava. Cozinhávamos a comida em panelas altas, e eu, pequena em estatura, tinha de subir numa ca-deira para poder trabalhar. Em nossos corações e mentes, o banquete só era um sucesso se nosso Mestre ficasse satisfeito. O Mestre toca o órgão

O Mestre adorava tocar o pequeno órgão com pedais que nós tínhamos. De noite, costumávamos nos reunir ao redor do Mestre, junto ao órgão, e cantar de todo o coração. Quando ele comprou o grande órgão de pistões, costumava tocar até tarde da noite, e quanto mais alto, tanto mais ele gostava. Os vizinhos ligavam para que abaixássemos um pouco o volume, pois não conseguiam dormir. Sankirtan – o Mestre me apresenta como musicista

O Mestre costumava nos chamar à sua biblioteca para nossas meditações matutinas e um sankirtan; nós todos nos sentávamos no chão. Lembro-me de como o pesado tambor sobre minhas pernas cru-zadas cortava a circulação. Felizmente, eu tinha esse tambor como apoio quando o Mestre nos man-dava levantar, pois pelo menos uma de minhas pernas ficava dormente por falta de circulação. Era difícil perceber em minha mente limitada o quanto a alma se expandia naquelas maravilhosas medita-ções com nosso Amado Guruji. Falando em cantar, um dia, em 1930, o Mestre nos levou a Schramm e a mim, juntamente com Carson como motorista do treiler, até Phoenix, para visitar uma devota que tinha um retiro no deserto. O Mestre apresentou Schramm para a anfitriã como musicista, e a mim também ele apresentou dessa forma. A mulher tinha um piano na casa e meu primeiro pensamento foi: “O que acontecerá se ela me pedir para tocar?” Tão logo tive uma chance, perguntei ao Mestre: “Por que disse que sou musicista? Sabe que não sei distinguir uma nota de outra.” De maneira rápida, mas definitiva, ele respondeu: “Era dessa maneira que eu queria você”. Mais tarde, ele me explicou em detalhes: “Embora Schramm tenha contato com a música desde criança, ela não consegue tocar um dos meus cânticos, porque não tem as notas. Ela poderia tocá-lo perfeitamente se tivesse as notas, mas não viria do seu coração. Eu quero que você cante com o coração e a mente, e que flua naturalmente de mim para você.”

As primeiras notas para alguns dos seus cânticos foram escritas pelo filho de Minie Christmas Mayo, durante a ausência do Mestre, em sua viagem à Índia, em 1935-36. Embora alguns dos cânticos

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no hinário atual não estejam corretos, já é alguma coisa. Foi por causa disso que o Mestre comentou, quando voltou da viagem: “Duj manteve meus cânticos vivos”. Eu toco o grande tambor pela primeira vez

Em 1930, o Mestre foi convidado para a inauguração de um templo sikh, em Stockton, na Califórnia. O Mestre levou consigo Nina Parshell, Kamala, Tony Diegle, Schramm e a mim. Tivemos que ficar de pé na porta do templo por duas horas, até que a direção deles resolvesse se iria ou não haver cadeiras no templo e se era necessário tirar ou não os sapatos. Finalmente se decidiram, e todos entraram des-calços. Nós seguimos o Mestre e nos sentamos ao redor dele no chão, no centro do templo. Para mi-nha surpresa, percebi que éramos as únicas mulheres no templo, pois os sikhs não as admitem em seus templos. O Mestre me havia treinado para tocar os címbalos, enquanto ele tocava o harmônio ou, al-gumas vezes, seu grande tambor. Quando chegou a vez de o Mestre executar seu canto, ele me pediu para dar os címbalos a Tony. Então, sem hesitar, o Mestre pegou seu grande tambor e o colocou no meu colo, dizendo: “Aqui, você toca isto”. Nunca fiquei tão alarmada. Ele cantou “Oh God Beauti-ful” em bengali, e eu toquei o tambor como se o tivesse tocado minha vida inteira. Muito mais tarde, ele me contou que eu havia tocado o tambor em uma encarnação anterior, em seu eremitério na Índia. Por isso toquei tão naturalmente. Daquele dia em diante, até o Mahasamadhi do Mestre, toquei o tam-bor em todos os seus sankirtans e meditações. E se ele quisesse tocar o tambor ou os címbalos, eu to-cava o harmônio, pois conseguia acompanhar o seu andamento. Ele tocava tão bem os instrumentos, que fazia todos os nossos esforços, sem dúvida, parecerem amadorísticos para ele. Os votos de Irmã

O Mestre disse que, na Índia, os diferentes votos são sempre proferidos depois de uma iniciação, pois as vibrações e o altar são propícios para a ocasião. A Sra. E. P. Bissett tornou-se Irmã Gyanamata no dia 20 de julho de 1931. Eu estava no andar térreo, decorando o local para a iniciação que o Mestre iria dar à noite. Ele tinha dito a ela, vários dias antes, que fosse preparando a mente para a ocasião. Mais ou menos uma hora antes do início da cerimônia, o Mestre me chamou em seu quarto e pergun-tou: “Que acha de se tornar uma Irmã hoje à noite?” Minha resposta foi: “Está bem, mas acho que proferir os votos de Irmã é algo muito sagrado e, em meu coração e mente, desejo muito me tornar uma; mas não acha que eu deveria ter tido alguns dias de preparação para essa ocasião solene? Agora faltam poucos momentos para o início do serviço; estou suja do trabalho, que ainda não terminei, mas farei qualquer coisa que o senhor disser.” Ele respondeu: “Tem razão. Você deveria ao menos ter al-guns dias de preparação. Vamos deixar sua cerimônia pública para outro dia.” Ele disse “pública” porque eu já tinha recebido os votos privativamente, junto com Schramm, tendo apenas uma a outra como testemunha. Desde então, nem sei quantas vezes já proferi os votos de Irmã, pois sempre que uma nova discípula chegava e ele dava seus votos individuais, eu estava sempre incluída no círculo em que todas nós dávamos as mãos ao redor do Mestre, enquanto repetíamos os votos após ele. Ele cos-tumava dizer: “Vocês não precisam usar uniformes, hábitos ou saris enquanto eu estiver aqui. Essas coisas podem vir depois que eu partir para o Infinito.” A Irmã Gyanamata foi quem deu início à idéia de vestir um hábito branco. Ela tinha dificuldades em vestir o sari, por isso usava hábitos brancos que eram mais fáceis de colocar e tirar; e, por ela não lavar e cortar sempre o cabelo, começou a usar tam-bém um véu branco. A túnica ocre

Muitos anos atrás, o Mestre me deu uma de suas túnicas ocre e disse que eu tinha o direito de vestir essa cor. Eu entendo por que não podíamos usar túnicas ocre enquanto ele estava vivo, tanto porque era ele quem usava a túnica ocre e, também, por muitas outras razões. Mas desde o último ano e meio, ele quer que usemos hábitos ocre. Ele me deu autorização, e é por isso que uso essa cor nas reuniões de meditação e nas entrevistas.

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Projetos diferentes

Em 1933 o Mestre pintou a Sede Central pela primeira vez (vejam no arquivo de Mt. Washington a minha parte no projeto). E em 1934, adquiriu o segundo templo, na West 7th Street, 711 (vejam o ar-quivo deste projeto também). Também foi nessa época que o Mestre contratou um advogado para organizar e completar os processos legais para estabelecimento do nosso status jurídico como igreja. O Mestre era o presidente, Irmã Gyanamata, a vice-presidente; Richard Wright, o secretário; eu, a te-soureira; e todos nós formávamos o Conselho de Diretores, junto com Karla Schramm. Eu sou a úni-ca desse grupo original de diretores que ainda continua no cargo.

Em 1934-5, o Mestre tinha um programa na rádio todos os domingos, às 4:15 da tarde. Falava durante quinze minutos. Ele abria o programa tocando o harmônio, Daya, os címbalos e eu, o tambor. O motorista e todos nós cantávamos “Pole Star” (“Estrela Polar”). O Mestre promete levar-me consigo para a Índia

Durante meus primeiros anos com o Mestre, ele costumava dizer: “Vou levá-la para a Índia quando eu for para lá. Eu lhe mostrarei o eremitério onde você viveu comigo como Irmã – não uma irmã de san-gue – em sua encarnação anterior”. Um dia, em 1930, ele levou a mim, Schramm e Carson para uma viagem de treiler até Phoenix. Uma de suas estudantes lhe havia convidado para conhecer seu retiro no deserto. Ele parecia estar particularmente ansioso para que eu visse o lugar. Era um belo prédio em estilo espanhol, com um pátio no meio. Eu estava lá no pátio, apreciando-lhe a atmosfera. O Mestre chegou ao meu lado e perguntou: “O que acha deste lugar e como ele a faz sentir?” Respondi que me parecia familiar, como se já estivesse estado ali antes. Ele acrescentou: “E deveria mesmo sentir-se as-sim, pois este lugar é uma réplica quase exata do eremitério na Índia onde você viveu comigo, e do qual lhe falei”. A viagem do Mestre para a Índia

Quando finalmente o Mestre foi capaz de ir para a Índia, em 1935, ele com tristeza me disse que não poderia levar-me consigo; em primeiro lugar, porque não tinha dinheiro suficiente e, em segundo, não tinha mais ninguém para cuidar da organização enquanto estivesse fora. A razão pela qual ele havia nomeado oficialmente a Irmã Gyanamata era o fato de ela ser mais velha, sendo melhor que uma irmã de mais idade assumisse. A pobre Irmã não tinha habilidades de escritório, nem resistência física para cuidar dos milhões de detalhes financeiros e legais que estavam por vir durante o ano e meio de au-sência do Mestre. A Irmã Gyanamata e eu éramos muito próximas e nos considerávamos parceiras. Eu a consultava em assuntos que eu sabia que ela, em sua grande sabedoria, seria capaz de me ajudar. Ela e eu recebemos procuração do Mestre para os assuntos legais. Eu comandava Daya, Mataji e Saila-suta, as únicas aqui naquela época, e a Irmã era superior a todas nós. O Mestre ficou muito feliz ao saber, por intermédio de minhas cartas, que eu consegui pagar muitos débitos antigos. E que, dentro de nosso pequeno orçamento, consegui economizar o suficiente para mandar-lhe uma certa quantia para a Índia. Quando o Mestre me disse pela primeira vez que eu não poderia viajar com ele, pergun-tei: “O senhor acha que alguma vez conseguirei ver seu Mestre?” Ele não pôde responder, pois sabia que Sri Yukteswarji estava planejando deixar o corpo, como a carta do Mestre para Rajasi irá indicar (vejam o arquivo da viagem à Índia). O Mestre me contou mais tarde que ele sabia que eu não veria Sri Yukteswar nesta vida, por isso me disse: “Pedi para Sri Yukteswar lhe enviar uma bênção especial”. E ele o fez: quando deixou seu corpo, ele apareceu para mim em um sonho superconsciente. Tocou-me a testa e eu senti a mesma onda elétrica vinda de sua mão em meu corpo, criando uma luz de bênçãos. Ele desapareceu, e então vi Jesus de costas, caminhando. Chamei: “Mestre Jesus”. Ele se voltou para mim e fez um pronam, mencionando meu nome. Tudo isso demonstrou que não é preciso necessaria-mente ir para a Índia para receber bênçãos dessas grandes almas. Foi também nessa época, num dia em que Rajasi estava nos visitando e meditávamos juntos, que abri meus olhos e vi Lahiri Mahasaya saindo do corpo de Rajasi e voltando para ele novamente. Embora eu não fosse com o Mestre para a Índia, tive a satisfação de saber que ele gostaria que eu estivesse lá, como indicam suas cartas, no ar-

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quivo “Cartas do Mestre a Durga”. (Foi nessa época também que Rajasi doou e construiu o eremitério de Encinitas; vejam também o arquivo com esse título, onde encontrarão a minha parte nesse projeto.)

Em 1950 e 1951, o Mestre fez planos de retornar para a Índia. Novamente ele me disse que não poderia me levar, porque minha saúde não permitia, mas eu também sabia que precisava ficar para continuar e concluir o dever que ele me dera, o de cuidar do bem-estar de Rajasi. Como a história de-monstra, o Mestre também não pôde ir para a Índia, pois a Mãe Divina planejara outra coisa. Já tive muitas ofertas para viajar para a Índia desde a morte de Rajasi, mas o Mestre quer que eu termine o trabalho que me ordenou que fizesse antes de eu ir para lá, ou antes que esta alma escape para juntar-se a ele em sua morada infinita, onde quer que ele esteja. Nem é preciso dizer o quanto sentimos a fal-ta de nosso abençoado Guruji durante sua ausência. Éramos como crianças perdidas, tentando cum-prir os deveres que todos os dias chegavam à nossa atenção, e procurando fazer tudo o que podíamos, em todos os sentidos, para agradá-lo. Você nem precisa usar sua imaginação para imaginar nossa rea-ção quando o Mestre, finalmente, voltou da viagem. Transbordávamos de júbilo, a casa estava limpa de cima a baixo.

O Mestre já havia mandado as caixas e malas na frente, que nós colocamos na biblioteca, aguar-dando seu retorno. Ele ligou de Nova Iorque; Rajasi estava aqui naquele dia. Que alegria ouvir sua amada voz novamente! O Mestre tinha planejado encontrar-se conosco em Salt Lake City, Utah, no dia 16 de novembro de 1936. Marquart levou de carro Sailasuta, Daya, Mataji e a Sra. Wright. Eu pe-guei o trem alguns dias depois, porque tinha que resolver alguns detalhes de última hora, no eremité-rio. Fui para Salt Lake na noite do dia 15 e, na manhã seguinte, fomos para a estação pegar o Mestre. Mal podíamos esperar. Chegamos lá numa hora boa. A estação parecia estranhamente calma para um trem que estava para chegar. Quando chegou a hora, vimos o Mestre se esconder atrás de um poste. Nós gritamos todos juntos: “Lá está ele!” e corremos tão depressa quanto nossas pernas conseguiam. Nós todos voltamos para a estação; o Mestre nos fez sentar num banco e ele se sentou na nossa fren-te, brincando com a ansiedade dos Wrights, dizendo que Dick e Ettie não tinham voltado, e outras estórias. O Mestre os escondera em outra parte da estação. Jamais esquecerei como o Mestre se sentou fitando a cada um com sua visão penetrante, como se estivesse adentrando em nossas próprias almas para verificar que mudanças ocorreram durante sua ausência. Então, apareceram Dick e Ettie, e os Wrights pularam de surpresa para cumprimentar seu irmão e filho. Havíamos reservado um quarto para o Mestre no Hotel Newhouse, onde ele já tinha ficado antes. Ele pediu sorvete com calda de chocolate derretido para todos. Sentamo-nos no chão, agarrando-nos a cada palavra que ele pronunci-ava, mas ele não falou muito porque estava interiormente ocupado, analisando nossas almas. Foi quando perguntou sobre a propriedade de Encinitas e entrevistou a cada um separadamente. Eu me sentei com a coluna ereta, pronta para responder a qualquer questão que ele disparasse, mas tudo o que ele perguntou foi: “Duj, você me ama?”. Joguei-me a seus pés e dei minha resposta com lágrimas. Ele ficou satisfeito.

Ficamos em Salt Lake City por alguns dias e, então, nos dirigimos a Zion Canyon e vimos as lin-das paisagens durante o caminho de volta para Los Angeles. O Mestre queria ir para San Francisco, ver se conseguia persuadir Tara a retornar para Mt. Washington e trabalhar nos livros dele. Apenas eu e o Mestre tomamos o trem em Barstow. Passamos aquela noite até tarde falando sobre muitas coisas. Na manhã seguinte, eu estava ocupada arrumando minha mala e a do Mestre. Quando o Mestre saiu do sanitário público, viu Tara sentada num dos assentos, pois ela tinha tomado o trem em Oakland para estar com ele em San Francisco. Eles se cumprimentaram como amigos que não se viam há mui-to tempo, e conversaram durante o resto do caminho, enquanto eu continuava arrumando as coisas para nossa chegada em San Francisco. Almoçamos com Truth Burberry. É estranho: eu, que tenho boa memória, não consigo recordar quanto tempo ficamos e o que mais fizemos em San Francisco, mas sei que não permanecemos lá por muito tempo, pois o Mestre já tinha alcançado seu objetivo. Voltamos a Los Angeles para o banquete de boas vindas ao Mestre. Dá para imaginar a elevação que todos sentiam quando viram nosso Amado Mestre novamente.

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Nossa próxima grande emoção foi quando o Mestre abriu todas as caixas e malas. Ele sempre pensava em todos; as caixas estavam repletas de lembranças dos vários lugares pelos quais passou. Naquele Natal, ele realmente nos encheu de presentes vindos da Índia e de vários outros lugares. Deu-me três saris, uma amarelo com bordado negro, um de seda branca com costura vermelha e o nosso favorito (meu e dele), o sari que eu uso em cada Natal desde aquele memorável de 1936. Lembro-me bem como o Mestre abençoou a cada um de seus discípulos, tocando suas testas com o dedo, dizendo: “Kali está escrevendo o nome Dela, com letras de fogo, em suas testas”. Que bênçãos! Como poderi-am, seres insignificantes como nós, compreender a grandeza dessa alma semelhante a Cristo? Muitas tarefas

A minha vida foi sempre uma tarefa depois de outra. Trabalhei como carpinteira, projetista, desenhis-ta, eletricista, encanadora, pedreira, jardineira, faxineira e empreiteira. Gosto de máquinas. Trabalhei na gráfica. Acho que não existe muitas tarefas ou linhas de trabalho com as quais eu não tenha traba-lhado durante meus anos de treinamento com o Mestre, e mesmo após seu Mahasamadhi. O Mestre costumava dizer-se: “Duj está vivendo muitas vidas nesta agora”. Quando ele estava muito satisfeito com meu trabalho ou com meu comportamento, costumava me chamar de “Duj Gag”, outras vezes me chamava de Durga ou, mais freqüentemente, “Duj”, abreviando.

Ele freqüentemente me dizia que eu estava vivendo com tempo emprestado. O conserto do pequeno Taj Mahal

Em 1941, após haver retornado da Costa Leste, o Mestre trouxe consigo uma delicada réplica do Taj Mahal, que está agora no entrada principal em Mt. Washington. Ele alertou para quem dirigisse o car-ro ficar muito atento a buracos, para que não houvesse solavancos que pudessem quebrar o Taj Mahal que ele tinha na mala. Quando Rajasi veio visitar o Mestre após sua chegada, o Taj Mahal estava na escrivaninha do Mestre, na biblioteca. O Mestre me pediu para fechar as cortinas para que pudesse mostrar a Rajasi o Taj iluminado. Ao pegar a corda da cortina, meu braço esbarrou no canto do Taj e o jogou no chão. O som que fez foi como se ele tivesse se partido em milhões de pedaços, assim co-mo meu coração. Ao recolher os cacos, realmente pareciam milhões deles. O Mestre não disse uma palavra. Mais tarde, eu disse ao Mestre que encontraria algum lugar que consertasse e eu pagaria por isso. Mas eu não sabia aonde ir, então levei os pedaços até meu quarto e tive a idéia de usar adesivo plástico. Colei as peças que pude e fiz outras. O Mestre entrou no quarto enquanto eu estava traba-lhando. June Adams estava comigo e perguntou a ele: “Como é que ela consegue?” O Mestre respon-deu: “Duj consegue fazer qualquer coisa que põe na cabeça, porque ela aplica o princípio da concen-tração”.

Após a fixação com o adesivo, as partes coladas ficaram meio embaçadas, mas o resto estava bri-lhante. Tive a idéia de usar cera de parafina transparente. Derreti um pouco de cera e cobri as partes embotadas com ela. Ninguém podia dizer onde os reparos haviam sido feitos, para a enorme satisfa-ção minha e do Mestre. Peço para fazer cem Kriyas

Eu ouvia com freqüência o Mestre elogiar um homem que fazia muitas Kriyas por dia. Pensei que se o Mestre estava satisfeito com ele, talvez eu pudesse fazer o mesmo. Um dia, cheia de alegria, perguntei ao Mestre: “Senhor, posso fazer cem Kriyas por dia?” Seus olhos se alargaram e ele exclamou: “Você está louca?” Bem, eu disse: “O senhor sempre elogiou o Sr. Marcus por ele fazer mais Kriyas”. Ele res-pondeu: “Essa quantidade não é para você; apegue-se ao número que está fazendo, isso é tudo”. Nun-ca mais pedi aquilo novamente.

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Fios grisalhos no meu cabelo são arrancados

Numa ocasião, em 1941, eu estava sentada no chão em frente ao Mestre. Ele estava conversando co-nosco. De repente, percebeu que meu cabelo estava ficando grisalho. Enquanto falava, ele puxou um cabelo grisalho na parte de frente de minha cabeça, e depois outro. Continuou a fazer isso por quase duas horas. Mais tarde, ele costumava relembrar com alegria: “Os cabelos negros de Duj ainda estão lá, porque eu arranquei os grisalhos com a minha força de vontade”. O cabelo grisalho não voltou a crescer até depois do seu Mahasamadhi. Minhas diferentes encarnações

Falando de reencarnação, o Mestre me contou certa vez que eu fora dançarina em um templo, e que, também, em certa vida, fui guilhotinada em nome da religião. Nos meus primeiros tempos em Mt. Washington, o Mestre costumava dar-me uma maçã ou banana para que eu segurasse e comesse. Nunca soube o porquê durante muitos anos. Depois, ele me falou a razão. Era porque ele gostava de me ver segurar essas coisas com apenas meus três primeiros dedos, e os outros dois ficavam esticados para fora. Isso lhe trazia memórias de minhas atividades no templo, quando eu vivia na Índia ofere-cendo incenso e flores no altar. Correções

Eu me recordo de uma vez em que o Mestre estava me dando uma bronca – não me lembro exata-mente por qual motivo, pois havia tantos e eu realmente os merecia – mas, nesse incidente em particu-lar, respondi: “Afinal de contas, senhor, eu já sou uma mulher crescida”. Sua expressão se abateu e ele respondeu: “Eu gostaria que você não tivesse dito isso, porque eu nunca vejo vocês todas como mu-lheres crescidas, mas como crianças de Deus”. Acreditem-me, eu jamais disse aquilo novamente.

Eu não ficava sem a minha quota de repreensões, pois tinha muitos nós para desatar. Como o Mestre costumava dizer, seu próprio Guru quebrou cada osso psicológico em seu corpo, e agradeço a Deus pelo Mestre ter sido bondoso e sábio o suficiente para quebrar todos os ossos psicológicos de minha mente. Recebi muitas e muitas correções merecidas, e se não fossem por elas e a constante vigi-lância do Mestre, eu não estaria aqui hoje, porque sem correções imparciais, impessoais e justas, a pes-soa não consegue progredir no caminho espiritual, mental ou físico. Na verdade, eu merecia muito mais broncas do que realmente recebi, pois ele era misericordioso e sempre perdoava, mesmo que não pedíssemos perdão, bastando que lhe mostrássemos arrependimento e provássemos nossos sinceros esforços para melhorar. Guardo uma noite de silêncio

Após ler sobre o dia de silêncio de Mahatma Gandhi, decidi guardar um desses também. Com alegria, fui contar ao Mestre sobre meus planos. Eu queria fazer das quintas-feiras meu dia de silêncio. Sua resposta foi: “O quê? Tomar um dia inteiro de trabalho! Ao invés disso, faça das seis da tarde até meia-noite.” Comecei essa prática e, após algumas semanas, o Mestre decidiu guardar uma noite de silêncio também. Ele escolheu as noites de sábado. Mudei a minha noite para ajustar-me com a dele. Se ele perdesse o sábado, fazia no domingo seguinte. Sua vida, entretanto, não lhe pertencia. E desde que cada momento de sua vida era dedicado ao serviço de Deus e à meditação, realmente não era ne-cessário que o Mestre fizesse essa prática, mas ele continuou por um longo tempo.

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Parte 3 Minha mudança para Encinitas

O fato de Rajasi haver comprado um apartamento próximo ao do Mestre, no eremitério, era uma indicação clara de que ele faria do apartamento sua futura morada e escritório, o que muito agradou ao Mestre, pois era uma garantia de que Rajasi faria retiros em Encinitas, em vez de ir para a Flórida. Por-tanto, o Mestre estava determinado a lhe dar todo o conforto, sendo que me indicou para cuidar do bem-estar de Rajasi no início de dezembro de 1936.

No começo de 1937, o Mestre mandou que eu e a Irmã Gyanamata fôssemos morar no eremité-rio. Lembro-me muito bem desse incidente. Eu estava sentada no chão de meu quarto, em Mt. Wa-shington, o que fica ao lado do dormitório do Mestre e que passei a ocupar alguns meses depois de mudar-me para a Sede Central. Eu estava guardando algumas coisas necessárias quando o Mestre en-trou, passou a mão de leve sobre a minha cabeça, com simpatia, e disse: “Não ligue, Duj, você terá muitos quartos para morar algum dia”. No eremitério, me foi dado o melhor quarto na parte norte, onde Mataji e os convidados agora ocupam. Entretanto, eu não podia ficar nele muito tempo, pois o Mestre convidava muitos hóspedes e gostava que tivessem o melhor tratamento. Assim, lá saía eu com mala na mão tão freqüentemente, que raramente ocupava aquele adorável quarto. De 1937 a 1939, morei literalmente em todos os quartos da casa que estavam disponíveis, ou em quartinhos, na sala de visitas, no toalete feminino, ou em qualquer lugar onde houvesse um espaço grande o suficiente para esta concha se deitar. Eu realmente não possuía um lugar que pudesse chamar de meu para meditar. Eu construo o meu quarto no Eremitério

Um dia, tive a brilhante idéia de cavar uma gruta para mim, para que ao menos tivesse um lugar para meditar, pois até mesmo as cavernas de meditação já estavam ocupadas. Contei ao Mestre o que eu estava fazendo. Ele me perguntou: “Onde?” e eu disse que amarrava uma corda grossa na cerca e des-cia com ela pela encosta da praia até um local no meio do penhasco, onde ninguém me poderia alcan-çar. Nunca me esquecerei da extrema surpresa nos olhos do Mestre quando ele exclamou: “Você está maluca! Poderá quebrar o pescoço ou cair nas rochas da praia lá embaixo.” Posso garantir que jamais desci naquela corda novamente, mas esse episódio deu início ao movimento para que fosse construído um quarto para mim, em algum lugar. O Mestre me disse que procurasse encontrar no eremitério um local onde eu poderia construir um quarto para mim. Descobri que o porão abaixo do apartamento de Rajasi era adequado a meu propósito e barato, e o encanamento serviria para fazer um banheiro. Cas-tillo, Manuel e eu cavamos o chão e colocamos um trilho de bonde como suporte. Colocamos concre-to no chão e nas paredes, fizemos uma escada de acesso, um banheiro, colocamos um telefone e até um interfone. Eu finalmente tinha um quarto que não precisaria deixar, porque o Mestre não queria convidados na parte em que ele e Rajasi ficavam. Eu também poderia vigiar aquele lado do eremitério, enquanto a Irmã observava a outra ponta. Meu quarto ficou pronto em julho de 1939. Lembro-me da primeira noite em que iria dormir no meu novo quarto. Era um dia extremamente quente. O Mestre desceu ao meu novo quarto e ficou lá o dia inteiro, pois era o quarto mais fresco na casa; dessa forma, meu quarto foi divinamente inaugurado por sua presença sagrada. Servindo o Mestre no Eremitério

Permaneci continuamente no eremitério durante sete anos. Nesses primeiros anos, o Mestre costuma-va vir freqüentemente e por longos períodos de cada vez, enquanto Rajasi fazia relativamente poucas

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visitas e apenas por uma semana ou dez dias de cada vez. Mesmo quando Rajasi estava no eremitério e não ocupava todo o meu tempo, eu continuava meus serviços pessoais ao Mestre: cozinhava para ele e, todo domingo, o Mestre convidava vinte a vinte e cinco pessoas para almoçar, após o serviço de meditação. Eu limpava o templo e recebia os visitantes e convidados que vinham conhecer o eremité-rio. Após Rajasi ir dormir, eu costumava ir ao escritório do Mestre, até que ele me pedisse para ir dormir também, que às vezes já era 3 ou 4 da manhã. Havia muitos outros afazeres quando Rajasi não estava no eremitério. Era meu privilégio sair com o Mestre em suas viagens de passeio ou de visita às sementeiras, ou ir à praia com ele e ajudá-lo a trazer pedras marinhas; fazer sua comida e acompanhá-lo em suas caminhadas; remar na lagoa artificial junto do templo; nadar na piscina com o Mestre e ou-tros discípulos. Trabalhei lado a lado com o Mestre durante a construção do Golden Lotus Temple (ver arquivo com este nome) e cuidava de tudo durante suas ausências, quando ele ia para Los Angeles. Eu alimentava os peixes quando ele não tinha tempo ou estava longe, cuidava dos convidados, pintava a moldura enferrujada das janelas e conferia e pagava as contas. O corretor de imóveis, Sr. Willis, e eu trabalhávamos juntos na aquisição de lotes e de propriedades em geral. Após alguns anos, Daya pas-sou a cuidar do pagamento das contas e, muitos anos depois, Sraddha assumiu essa tarefa e a de cuidar das propriedades. Os homens pintavam as falhas nas paredes do prédio, poupando-me assim dessa tarefa. Quando o primeiro deslizamento de terra aconteceu, trabalhei com os homens e supervisionei os trabalhos. Eu estava em Mt. Washington quando o templo desabou. Retornei para cuidar de que tudo fosse recuperado e tive de arrumar as coisas nos seus devidos lugares. (Veja o arquivo sobre as propriedades de Encinitas, etc., para conferir a minha participação nesses projetos.) Faço um colchão para o Mestre

O Mestre reclamava tão raramente sobre qualquer assunto que, quando o fazia, nós prestávamos logo atenção. Ouvi ele dizer: “Por que as fábricas não fazer colchões maiores?” Entendi o que ele quis di-zer; então, enquanto ele estava em Los Angeles, comprei os materiais, pedi para Castillo fazer uma extensão na sua cama de Iogue e fiz um acréscimo ao colchão, com molas e tudo o mais. Castillo e eu ainda estávamos trabalhando e mal havíamos terminado quando o Mestre entrou no quarto. Castillo e eu fizemos a surpresa para ele. Ah, como ele ficou feliz e satisfeito por usar o novo colchão, e como apreciou o amor que motivou aquele ato. Minhas viagens de ida e volta para Los Angeles

Quando o Mestre estava em Mt. Washington, eu costumava fazer várias viagens por mês para vê-lo e estar com ele. Se ele estivesse no eremitério, mandava-me a Los Angeles procurar diferentes coisas úteis para o eremitério ou o templo. Transcrevo agora uma nota que o Mestre me escreveu.

12 DE JULHO DE 1938 – Querida Duj: Amanhã, segunda-feira à tarde, quero que você comece o seu trabalho por aqui, pois assuntos importantes estão esperando para ser resolvidos. Quando você che-gar à estação, telefone-me e iremos buscá-la. Tente chegar ao redor de uma hora da tarde. Muitas bênçãos. Atenciosamente,

– P. Yogananda Em uma dessas ocasiões, eu estava com uma forte gripe. O Mestre desceu até meu quarto; ainda

consigo vê-lo sentado na cadeira. Ele me olhou por um momento e perguntou se eu poderia ir para Los Angeles comprar, em determinada loja, algumas coisas que ele desejava para o templo. Ele acres-centou: “Castillo irá dirigir. Você pode ficar deitada no banco de trás, e volte imediatamente.” Con-cordei em ir. Depois de deixar meu quarto, ele mandou Woody para ajudar a me vestir e aprontar. Fui com lençóis, travesseiros e me deitei no banco de trás. Castillo estava preocupado; eu conseguia vê-lo me olhando pelo retrovisor. Quando chegamos em Los Angeles, entrei na loja. Levou apenas alguns minutos e voltei para o carro, assumi minha posição no banco de trás, e retornamos para o eremitério. Eu já estava praticamente curada quando chegamos.

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A visão que o Mestre teve de Jesus e do cálice

Eu estava presente quando o Mestre nos contou sobre a visão que ele teve de Jesus com o cálice. O Mestre disse: “Gostaria de saber por que Jesus me fez beber do cálice?” As palavras brotaram de mi-nha boca, antes que eu me desse conta, dizendo: “É porque o senhor está bebendo da mesma taça de sabedoria que Cristo bebe”. O Mestre olhou para mim e disse: “Jesus me respondeu através de você”. Projetos

Em 1942, o Mestre queria que eu o ajudasse na construção da igreja em Hollywood, então fiquei em Mt. Washington para trabalhar até a inauguração do templo (veja o arquivo sobre a igreja de Hollywo-od para encontrar a minha parte no projeto). Após, em 1943, comecei a trabalhar na igreja de San Di-ego, de forma que eu ia e voltava diariamente do eremitério para San Diego, até a inauguração (veja o arquivo sobre a igreja de San Diego para encontrar a minha parte no projeto). Em 1941 o Mestre trouxe consigo da costa leste R. K. Das, e o colocou como chefe do escritório. Era uma pessoa ambiciosa pelo trabalho e o fazia muito bem. Ele fez muitas mudanças boas e maravilho-sas. O Mestre estava bastante satisfeito com ele. Em 1944, durante a fome na Índia, o Mestre criou o “Fundo para os Famintos na Índia”, e queria que centenas de cartas fossem enviadas, pedindo doa-ções. Sri Das encaminhou as cartas por algum tempo. Quando ele viu o dinheiro aparecendo em grande fluxo, quis guardá-lo para o escritório e não mandava para a Índia, nem mesmo quis continuar a enviar as cartas. O Mestre, que sempre teve uma consideração especial por sua amada Índia, ficou desgostoso com a atitude de Das. O Mestre sabia do meu amor pela Índia. Ele me chamou de Encini-tas, dizendo: “Quero que você assuma aquele departamento da Índia, e envie o máximo de cartas que puder”. Eu trabalhava de manhã à noite apenas com as cartas, centenas por dia, pois era muito rápida. O Mestre estava mais do que satisfeito com o meu trabalho e os resultados que alcancei, mas Das não estava tão feliz assim, e também não gostava nada dos meus olhos aguçados no escritório. Ele se quei-xou ao Mestre de que eu nada fazia além de enviar aquelas cartas e que eu deveria fazer outro traba-lho. O Mestre lhe respondeu: “Essa é a razão pela qual eu a coloquei naquele departamento: para rea-lizar o meu desejo, pois você não quer fazer”. Das tornou-se arrogante e tentou assustar o Mestre, di-zendo: “Então está certo, coloque-a na chefia do escritório; estou indo embora”. O Mestre imediata-mente concordou, e Das respondeu: “Muito bem, vou-me embora”. Fiquei estupefata quando o Mes-tre me contou tudo isso e que ele estava me colocando como responsável pelo escritório. As ativida-des do escritório cresciam continuamente. Falei ao Mestre que eu faria o melhor que pudesse, mas que ele teria de trabalhar através de mim, porque muitas coisas haviam mudado. Eu era boa em cumprir ordens, trabalhar, gerir e tinha criatividade, mas achava que não seria capaz de tratar de negócios e dos procedimentos do escritório, e avisei o Mestre quanto a isso. Ele respondeu: “Tudo o que quero é que você siga as minhas instruções da melhor maneira possível, e deixe o resto comigo”. Eu disse: “Tudo bem então; eu não entendo muito do serviço para achar que este seja o meu lugar e não me sentirei mal se a qualquer hora o senhor encontrar alguém com capacidade para me substituir”. Transcrevo agora algumas das cartas do Mestre para Rajasi, comentando o meu trabalho no escritório.

28 DE ABRIL DE 1944 – É surpreendente como Duj está ajudando no escritório e como eu não havia pensado nisso antes. Ela prepara tudo e não tem desejos para si mesma que pudessem obstruir a mi-nha vontade pelo bem do trabalho. Estou muito satisfeito.

– P.Y. 12 DE MAIO DE 1944 – Duj está se saindo maravilhosamente bem ao conduzir seu trabalho diaria-mente. Eu sempre me pergunto por que não havia pensado nisso antes; ela é humilde, conscienciosa e dá o maior exemplo de humildade e practicidade ao meu Amado que reside em você. Duj organiza as coisas e nunca falha com a palavra dada ou tenta esquivar-se das promessas. Eu gostaria que todos os outros antes dela tivessem agido assim, pois este trabalho estaria espalhado por toda a terra.

– P.Y.

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Trabalhei no escritório de 1944 até 1948. Durante esse tempo, meu corpo me dava mais e mais pro-blemas, e depois de maio de 1946, Rajasi passava em Encinitas pelo menos quatro a cinco meses do inverno, e três ou mais meses do verão. Eu tinha que deixar o escritório naqueles períodos e voltar ao ponto de onde deixei, mas essa não é a maneira de se conduzir um escritório. O Mestre percebeu que eu não conseguiria fazer ambas as tarefas com perfeição, então decidiu colocar Daya na direção do escritório, o que devo dizer foi uma decisão muito sábia. Eu, novamente, mudei-me para Encinitas e deixei o meu quarto. O meu era o que a Sra. Wright está ocupando agora.

Foi também em 1948 que todos nós tivemos uma experiência memorável. O Mestre entrou num êxtase extremamente profundo. Era meio-dia, ali pelo dia 16 de junho. Eu fora à nossa pequena cozi-nha para comer, mas não consegui. Deixei a mesa e fui direto ao quarto do Mestre. Ele estava sozi-nho, no sofá, e me sentei perto dele, mas ele falou: “Sente-se um pouco mais afastada; a Mãe Divina não quer que ninguém me toque”. Ele começou a falar de seu amor pela Mãe Divina. Um por um, seus discípulos mais próximos foram chegando. Ele nos contou, mais tarde, que não queria chamar ninguém, e seria a Mãe Divina que teria de chamar aqueles que Ela própria quisesse, e assim foi. De-pois de mim, chegaram Daya, Mataji, Sailasuta e Woody. Ele nos fez chamar o casal Lewis também; era a primeira vez que nós o vimos em um êxtase tão diferente. Ele falava em voz alta com a Mãe Di-vina, e Ela respondia utilizando a própria voz do Mestre, para que nós também pudéssemos ouvir tu-do. A Mãe Divina chamava a cada um de nós pelo nome e apontava quais eram os erros de cada um, mas o Mestre, cheio de ternura, falava em nossa defesa. Daya fez algumas anotações. A Mãe Divina nos repreendia severamente e, também, a alguns que não estavam presentes, de acordo com o que ca-da um merecia. Lembro-me muito bem do meu sermão. Eu deveria deixar meu quarto para os hóspe-des em Mt. Washington e, particularmente, em Encinitas. Pouco tempo antes, eu tinha sido solicitada a emprestar novamente meu quarto em Mt. Washington para um convidado, e, pela primeira vez, eu havia criado uma confusão. A Mãe Divina estava me dando um pito por causa desse incidente, dizen-do: “Duj foi egoísta e não cedeu seu quarto”. O Mestre respondeu: “Por favor, Mãe, não a castigues. Ela sempre foi altruísta e é minha parceira, e Tu sabes que ela carrega o pecado dos outros. Não a cas-tigues, Mãe.” Todos, sem exceção, receberam uma lição da qual jamais se esqueceram. Dá para imagi-nar como essa situação nos fez ficar com um tremendo remorso? Choramos tanto e por tanto tempo que estávamos inconsoláveis. Após três dias e noites dessa choradeira e ouvindo as conversas entre o Mestre e a Mãe Divina, tive que ir para Encinitas durante a noite. Ele continuou as conversas da mesma maneira, durante o tempo em que eu estava ausente. Bem cedo naquela manhã, Daya me ligou para dizer que eu deveria vir imediatamente, pois temiam que o Mestre estava deixando o corpo. Diri-gi tão rápido que cheguei em pouco tempo. Nem senti o tempo passar. Quando eu disse para ele: “Desculpe, eu não estava aqui na noite passada”, ele olhou para mim e respondeu: “Você estava aqui, eu a vi”. Sempre havia um ou mais de nós cuidando dele, dia e noite.

Um dia, enquanto eu estava trabalhando no escritório, o Mestre recebeu uma carta de uma das funcionárias, reclamando de minhas ações e ainda acrescentando que eu não tinha instrução e era ig-norante. Quando ele leu a carta para mim, respondi que ela estava certa, eu não tenho instrução. Ele respondeu, indignado: “Você pode não ter instrução, mas não é ignorante. Olhe para mim, eu não co-nheço o inglês além da conversação básica, mas veja o que o Senhor escreve através de mim. Algum dia você também irá escrever.” Eu não havia percebido o quanto aquela carta o havia magoado, por-que até naquela noite do grande êxtase do Mestre, quando era a minha vez de tomar conta dele, al-guém havia chamado uma de suas crianças de ignorante. Eu me sentei no chão e ele começou a ditar para mim. Havia apenas uma fraca luz vinda de uma fresta no quarto para iluminar meu bloco de ano-tações, e eu tinha que escrever à mão. Ele ditou por muito tempo. No final do ditado, ele disse, e eu transcrevo agora: “20 de junho de 1948. Uma Deusa ignorante porém amorosa secretamente foi esco-lhida para transcrever estas palavras ditadas por mim próprio, um ignorante”. Ele também disse: “A Mãe Divina queria que eu ditasse tudo isso para você, a fim de provar àquela pessoa que você não é ignorante, pois é você quem está fazendo esse trabalho, e não ela.” Eu ainda tenho minhas anotações

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originais bem como a transcrição datilografada que fiz imediatamente depois, para não esquecer o que ele ditara enquanto tudo ainda estava fresco na minha mente. A força vital tenta deixar meu corpo

Nessa época, o Mestre não se importava em comer, nem mesmo mangas, que ele gostava tanto. Du-rante as semanas seguintes, a mais sutil reminiscência despertava seu samadhi extático. O seu querido corpo estava sofrendo a dor de outra pessoa. Ao se levantar para sair do quarto, seu corpo oscilou e eu rapidamente o segurei, para que não caísse. Ao fazer isso, rezei fervorosamente para a Mãe Divina transferir o sofrimento dele para mim. Vários dias mais tarde, apareceram no meu corpo os mesmos sintomas que ele tinha, e o seu corpo ficou curado. No dia 1º de julho, ao redor das cinco da manhã, senti uma grande tremedeira no meu corpo, parecia um calafrio, mas era muito mais grave e diferente. Tentei chamar a Sra. Wright, que cuidava de mim e vivia no outro lado do corredor, mas não obtive resposta. A tremedeira se tornou mais violenta. Falei para mim mesma: “Você precisa controlar isto, ou isto acabará dominando você”. A violência parou, mas voltava a intervalos regulares. Mais tarde naquela manhã, quando Mataji, a pedido do Mestre, veio ver como eu estava, falei a ela de minha ex-periência. Ela foi contar para o Mestre. Ele veio ao meu quarto usando uma máscara. Eu lhe implorei: “Por favor, é melhor não entrar; minha doença pode ser contagiosa, e eu não gostaria que a pegasse”. Ele permaneceu na entrada da porta quando perguntei o que era aquela tremedeira. Ele respondeu: “Era a Força Vital tentando deixar o seu corpo”. Acabei dizendo: “A qualquer hora que a Mãe Divina quiser me levar, estarei pronta para ir”. Ele olhou para mim com tristeza, e disse: “Não, você ainda tem bastante trabalho para fazer”. O abençoado Guruji mais uma vez salvou este corpo de deixar este mundo. Ele tinha suas razões, e agora sei de maneira muito clara quais são elas. Sempre pronta quando o Mestre está doente

Em 1950, permaneci outros seis meses para tomar conta do Mestre, enquanto ele sofria no pró-prio corpo o carma de outras pessoas; eu estava sempre à disposição quando ele estava sofrendo. Cito agora um trecho de uma nota que ele me escreveu.

13 DE OUTUBRO DE 1942 – Fiquei deitado durante 8 dias, com meu velho problema do pé inflamado. Eu gostaria que você estivesse aqui para cuidar de mim com sua maneira incomparável.

– P.Y. O Mestre costumava me chamar “a especialista em sensações”, porque eu conseguia achar o problema e tinha um toque delicado. Ele sempre dizia: “Deixe Duj fazer, ela sabe”. Eu, deliberadamente, mantive separados, nesta autobiografia, meus serviços pessoais ao Mestre e ao trabalho da SRF em Mt. Washington e em Encinitas, para que o leitor possa entender melhor meus deveres com Rajasi, que o Mestre me deu, os quais identifico nas páginas seguintes, bem como meus sentimentos pessoais pelo Mestre, que escrevi na minha biografia do Mestre, no último capítulo deste livro.

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Parte 4 Meus serviços a Rajasi Janakananda conforme as ordens e os desejos do Mestre

Em dezembro de 1936, após o Mestre me haver designado para cuidar do conforto e bem-estar de Rajasi em Encinitas e Mt. Washington, perguntei: “Por que eu?” Ele me relatou o que já havia deixado transparecer nas primeiras entrevistas que teve com Rajasi em 1932, em Kansas City. O Mestre disse: “Eu estava conversando com Sr. Lynn (Rajasi) e ele me contava sua vida doméstica e os serviços que lhe eram prestados pelos empregados, etc. e, enquanto ele falava, a Mãe Divina mostrou-me a sua face astral próxima à dele; foi quando eu disse a Sr. Lynn: ‘Algum dia, eu lhe mostrarei o que é um serviço verdadeiramente desinteressado’. Eu sabia que a Mãe Divina estava me dizendo que você deveria to-mar conta dele, e que você seria capaz de me ajudar a cuidar dele. Espero muito de você, e confio em você com a minha vida. Sei que você passará por muitos momentos difíceis, mas eu a guiarei e prote-gerei. Você não deve me decepcionar, nem à Mãe Divina.” Quando o Mestre viajou para a Índia, ele me instruiu – como suas cartas indicarão – para servir a Sr. Lynn, tendo Daya como assistente; mas depois que o Mestre voltou, servi a Rajasi sozinha, porque o Mestre estava aqui e era a minha maior proteção. Ele me observava e me dirigia, de acordo com sua vontade em todos os aspectos. Quão gra-ta eu fui, e ainda sou, por seus olhos sempre vigilantes, tanto física como psicologicamente, mas acima de tudo espiritualmente.

Esse serviço envolvia muitas tarefas, tais como cozinhar, fazer compras, fazer e desfazer as malas. O Mestre me deixou muito consciente de como Rajasi era meticulosamente limpo e asseado. Portanto, eu fazia o maior dos esforços para deixar seu apartamento sem um único grão de poeira. Eu varria, passava o aspirador, limpava o chão e as janelas, polia os móveis, arrumava as flores, etc. Quando ele estava presente, eu tinha que mudar os lençóis diariamente. De vez em quando, eu recebia uma ajudi-nha da esposa de Manuel para limpar a casa. Vestindo um casaco

As tentativas de manter o apartamento de Rajasi livre dos odores da cozinha, especialmente do curry, era definitivamente um trabalho. Ele não se importava com os odores de suas próprias comidas, pois eram muito leves, mas todas as janelas e portas eram mantidas bem abertas, mesmo nos dias mais frios de inverno, para que o ar fresco circulasse constantemente. Eu sentia tanto frio que precisava me ves-tir pesadamente, para manter minhas pernas aquecidas. Eu usava grandes casacos até os tornozelos. Um dia, o Mestre me perguntou: “Por que você sempre usa esses vestidos longos? Fica tão engraçada com eles.” Eu respondi: “Sinto frio, senhor. As outras moças usam calças para manter suas pernas aquecidas, mas eu não gosto de usá-las; além do mais, Rajasi mantém seu apartamento muito mais frio do que o resto da casa, por isso preciso de roupas quentes.”

Um dia, logo após esse incidente, o Mestre entrou no quarto de Rajasi para meditarem juntos. Ele estava vestindo seu casaco e se sentou, esperando Rajasi sair do banheiro. O Mestre me pediu para buscar seu cachecol, dizendo: “Por que ele deixa ficar tão frio aqui?” Eu rapidamente aproveitei a o-portunidade para defender meus vestidos longos. “Viu só? O senhor está aqui nesta sala fria há pouco tempo e já deseja outra coisa, mais quente, para vestir. Eu visto esses casacões para me manter aqueci-da.” O Mestre nunca mais comentou sobre meus longos vestidos. Ele enxergou meu ponto de vista e estava satisfeito com meu argumento.

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O sentido olfativo de Rajasi

Rajasi tinha um sentido de olfato muitíssimo aguçado, e não hesitava em me falar que não gostava de certos odores, especialmente se vinham do outro lado do eremitério. Eu tinha que me manter sempre limpa e nem mesmo usava perfumes, pois tudo ao redor de Rajasi tinha que ser natural. Para evitar conflitos devido aos odores da cozinha, tive a idéia de construir uma parede. Isso, pensei, também da-ria mais privacidade ao Mestre em relação aos discípulos, nas idas e vindas dele, entre um aposento e outro, durante as horas noturnas. Aprendo a dirigir

Antes de 1943, eu não sabia dirigir um carro. O Mestre freqüentemente manifestara o desejo de que eu aprendesse a dirigir, mas desde que ele não tinha dado uma ordem nesse sentido, eu não queria a-crescentar mais uma tarefa à minha já pesada agenda de trabalhos. Entretanto, durante a guerra contra o Japão em 1943, a gasolina e os pneus estavam racionados. Rajasi não tinha seu próprio carro em Encinitas, naquela época. Quando ele nos informava que viria fazer uma visita, eu pegava o trem para Los Angeles e ia comprar suprimento de comida. Então Sailasuta ou Castillo dirigiam até lá, para me levar ao aeroporto ou à estação de trem para recebermos Rajasi e levá-lo para Encinitas. Depois, quem dirigisse tinha de tomar o trem ou um ônibus de volta para Los Angeles. Esse procedimento se repetia quando chegava a hora de Rajasi ir embora. Um dia, Rajasi e eu comentávamos sobre os problemas que tudo isso acarretava ao Mestre e aos motoristas. Rajasi se ofereceu para me ensinar a dirigir e me encorajou, acrescentando: “Manteremos isso em segredo, e na próxima vez que o Mestre quiser que eu vá para Mt. Washington, você poderá me levar e surpreender o Mestre, dizendo que você dirigiu até lá”. Daquele momento em diante, todos os dias, ele me fazia dirigir. Era um bom professor. Rodá-vamos nas estradas rurais de Encinitas, para evitar no início a rodovia. Ele não me deixava perder um só dia, pois dizia: “Ficaria mais difícil começar novamente”. Aprendi no velho Buick, cujo banco esta-va ajustado para motoristas com pernas compridas, e Rajasi se esqueceu de me dizer que o banco po-deria ser adequado a qualquer estatura. Minhas pernas são tão curtas que eu tinha dificuldade em al-cançar o acelerador. Pensei: “Jamais gostarei de dirigir, se tiver de me esticar toda vez que precisar mudar do acelerador para o freio”. Eu não me sentia segura ao volante. Bem mais tarde, Rajasi perce-beu que o assento estava muito longe para mim. Pressionou a alavanca para ajustar o banco, e devo dizer que fiquei muito aliviada de poder tocar os pedais apropriadamente com os pés. Quando Rajasi contou ao Mestre que eu dirigi para ele, o Mestre gritou de alegria, pois afastou de sua mente a preo-cupação de contratar um motorista, além dos custos que isso implicaria. Daquele dia em diante, o de-ver de motorista foi acrescentado aos meus serviços para Rajasi. Dia e noite, eu o levava aonde ele de-sejasse, levando-o a aeroportos e estações de trem, e buscando-o. O Mestre tinha seus próprios moto-ristas, portanto só dirigi para ele em poucas ocasiões. Durante a guerra, não podíamos exceder o limite de 60 quilômetros por hora nas rodovias. Isso me ajudou a aprender minuciosamente a arte de dirigir antes que o limite fosse aumentado. Nunca me esquecerei do dia em que deixei minha bolsa e o cartão de racionamento de gasolina sobre o pára-lamas, enquanto colocava bagagens no carro. Foram-me devolvidos no dia seguinte, certamente devido às orações do Mestre, pois eu realmente precisava da-quele cartão de racionamento de gasolina. Eu levantava pesos além da minha força

O Mestre não permitia que Rajasi carregasse qualquer peso, fosse leve ou pesado. A pessoa que dirigia para ele também deveria carregar suas malas, caixas de comida, etc., para dentro e para fora do carro, até o destino. Além de eu dirigir o carro, também deveria carregar e descarregar o carro, subir e descer escadas, levando os pesos sozinha. Na maioria das vezes, as cargas excediam em muito a minha força, mas as bênçãos do Mestre e minha força de vontade tornavam-me capaz de carregá-las. A Irmã Gya-namata me dizia com freqüência: “Quando a vejo curvada pelo peso das malas, meu coração quase se rebela, mas minha mente logo me alerta que as bênçãos do Mestre estão com você nesse serviço, não importa o quão pesadas as cargas sejam”.

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Sempre que eu começava a sentir que não queria fazer isso ou aquilo, lembrava-me das palavras que o Mestre freqüentemente me dizia: “Lembre-se que aquilo que você fizer de bom ou de mau irá refletir-se em mim”. Quando minha mente se rebelava, meu coração dizia: “Não deixe o Mestre ficar triste”.

Recordo-me que um dia eu não havia pegado a toalha de praia que Rajasi costumava estender no gramado, e que ele a havia deixado lá depois que chegara da praia, no fim da tarde. Posteriormente, o Mestre me contou que Rajasi havia se queixado a ele sobre o episódio. Respondi: “Ora bolas, senhor, será que ele não pode nem mesmo pegar uma toalha sozinho?” O Mestre gentilmente me explicou que já havia aconselhado a Rajasi que me ajudasse, ao invés de reclamar, e o Mestre ilustrou a sabedo-ria do seu conselho: “Qualquer coisa que você faz se reflete em mim, e já que ele foi reclamar comigo, eu é que fiquei com o abacaxi”. Daquele momento em diante, fui extremamente cuidadosa para que o Mestre não tivesse que passar por aquilo novamente, mas Rajasi se corrigiu e não fez mais queixas ao Mestre ou a mim. Se não fosse as bênçãos do Mestre, eu não poderia fazer nada, pois esta concha que é meu corpo nunca foi muito forte, nem esteve sempre livre de uma dor ou outra. Em anos posterio-res, apesar de viver em um ambiente maravilhoso, das bênçãos e da força do Mestre, que me ajudavam a concluir meus trabalhos apesar das dificuldades, eu ainda precisava tomar banhos quentes pela ma-nhã para conseguir manter este corpo funcionando. Idas à praia

Durante muitos anos, havia apenas uns poucos rapazes vivendo no apartamento-garagem, em Encini-tas. O Mestre ainda me designava como guarda-costas de Rajasi quando ele descesse para a praia, e me dava instruções para não permitir que outra pessoa fosse com ele, nem deixá-lo ir sozinho. Eu tam-bém deveria andar a certa distância atrás dele e ficar sentada na areia enquanto ele nadasse, para que, se houvesse algum problema no mar, eu pudesse ajudá-lo. O Mestre acrescentou: “A posição e o di-nheiro dele irão atrair aqueles que se aproximam apenas para pedir favores, etc., mas se alguém estiver junto, essas pessoas não se atreverão”. Muitos anos mais tarde, após Manuel haver deixado o empre-go, o Mestre me contou uma história que lhe foi reportada por um dos mexicanos que conheciam Manuel, que disseram: “Manuel havia feito um plano para que sua própria esposa se aproximasse de Rajasi na praia. Eles iriam dizer que Rajasi dava cantadas nela, e então iriam chantageá-lo, mas Manuel reclamou: ‘A Srta. Darling estava sempre em algum lugar da praia e seria testemunha contra nós; por-tanto, não pudemos concluir nosso plano’.” O Mestre acrescentou com grande satisfação: “Veja só como minha intuição está constantemente protegendo-o”. A outra razão era que Rajasi tinha carma de acidente, e como o meu carma era diferente do dele, eu ajudava a neutralizar essa tendência, e essa é a razão pela qual o Mestre sempre fazia questão de designar um motorista para Rajasi. Eu também car-regava suas toalhas e alguns solventes para tirar o piche dos pés dele. Eu guardava essas coisas no local que ele escolhia, e então eu saía e encontrava um lugar para mim a uma boa distância dele, mas de on-de pudesse vê-lo.

Ele sempre ia e voltava da praia pela escada. No início, os degraus não pareciam muito altos ou numerosos para mim. Fosse inverno ou verão, Rajasi freqüentava a praia diariamente, sempre que es-tivesse no eremitério. Com o passar dos dias e dos anos, aquela escada foi se tornando cada vez mais longa e difícil para subir. Minhas pernas tremiam tanto que as vezes parecia que eu não iria conseguir subir. Descobri que conseguia subir a escada se começasse a dizer nos primeiros degraus “Om Cóc-cix”, subindo pela medula espinhal a cada degrau até alcançar o último; ou então eu repetia “Om”; com um degrau para Babaji e cada outro representando um Mestre. Somente assim eu conseguia subir. Quantas vezes durante esses anos pedi ao Mestre que deixasse outra pessoa acompanhar Rajasi na praia, mas ele sempre respondia: “Não confio em mais ninguém além de você”. Foi somente depois de 1948, quando a saúde de meu corpo piorou, que o Mestre, para minha grande alegria, livrou-me dessa obrigação, pois agora havia mais rapazes discípulos vivendo na colônia, e eu podia pedir a um deles que descesse com Rajasi. Desde então, não voltei mais para a praia.

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Os suprimentos de Rajasi, compras

Renovar o estoque dos artigos de banheiro e comida para Rajasi não parece algo que fosse muito difí-cil, mas acabei descobrindo que tudo aquilo que ele utilizava era difícil de se conseguir ou só era ven-dido em algumas lojas específicas, e então eu tinha que andar quilômetros de uma loja para outra, até encontrar o que ele queria, especialmente durante a guerra, quando as coisas eram mais difíceis de se-rem obtidas. Acreditem-me, quando eu achava os itens, comprava uma grande quantidade deles. Não aceitar dinheiro

Quando cheguei pela primeira vez a Mt. Washington, além de servir pessoalmente ao Mestre, eu fazia numerosos serviços para muitas pessoas, e jamais me veio à cabeça a idéia de aceitar remuneração por serviços prestados. Em 1930, eu era muito amiga de um jovem casal que vivia numa cabana em Mt. Washington. (O V. L., agora o dormitório dos monges da SRF.) Depois que se mudaram, ambos ado-eceram ao mesmo tempo. Eles me chamaram para ajudar. Fui socorrê-los até que pudessem se cuidar sozinhos. Quando terminei, eles colocaram uma nota de vinte dólares no meu bolso. Devolvi na hora, mas eles me deram novamente falando que ficariam magoados se eu não aceitasse, etc. Um lado de minha mente não queria aceitar, mas o outro, sim, pensando que eu poderia comprar um novo vestido para ir encontrar-me com o Mestre em San Diego, junto com Schramm, naquele final de semana. En-tão, aceitei o dinheiro e saí. Quando falei para o Mestre como havia conseguido meu novo vestido e vários outros itens, ele me disse algo que me fez nunca mais aceitar dinheiro na minha vida. Não im-porta o que eu pensasse ou se os outros fossem ficar magoados, o Mestre me falou, com paciência: “Eu preferia que você tivesse vindo me ver vestindo trapos, do que com um vestido novo, comprado com dinheiro aceito por um serviço que foi feito para Deus.” Nunca mais trajei aquele vestido nova-mente nem jamais voltei a aceitar dinheiro. O Mestre disse que não havia problema em aceitar presen-tes, mas dinheiro era diferente, porque iria parecer que estávamos nos alugando. Um presente, entre-tanto, era um gesto de carinho. Rajasi sabia que não recebíamos salário ou dinheiro, e então queria me fazer umas gentilezas devido aos serviços prestados, escondendo algum dinheiro num local onde eu pudesse achar. Depois que ele saía, eu encontrava o dinheiro, colocava num envelope e mandava-o de volta para ele, em Kansas City. Ele nunca mais repetiu esse gesto, mas, na época de Natal, o Mestre permitia que ele desse para todos da casa uma nota de cinco dólares, novinha. Eu também era incluída com o resto. O Mestre não queria que Rajasi desse dinheiro em qualquer outra época do ano porque, conforme disse: “Eles iriam se acostumar e passariam a pensar nele como um saco de dinheiro, ao in-vés do santo que ele realmente é”. Eu tinha que repassar essa informação delicadamente para Rajasi, sem ofendê-lo, pois ele era muito generoso e gostava de ajudar a quem estivesse no caminho espiritu-al. O Mestre queria incutir na mente de todos os devotos uma profunda atitude de respeito com rela-ção a Rajasi em todas as horas. Serviçal

Rajasi tinha vários empregados em sua casa, em Kansas City. Quando chegava ao eremitério, algumas vezes se esquecia de onde estava e falava comigo como se estivesse dando ordens para algum de seus serviçais. Foi nessa vez que eu realmente apreciei a maravilhosa sabedoria do Mestre, contida na lição: “Quando a pessoa aceita dinheiro torna-se escrava de quem dá”. Como eu fiquei orgulhosa de encarar direto nos olhos de Rajasi e, sem raiva, poder dizer: “Eu sou sua irmã, sua condiscípula, e não sua em-pregada”. Sem mais uma palavra, fui para meu quarto. Logo ele me chamava pedindo desculpas. Eu imediatamente apagava o incidente da memória e recomeçava minhas tarefas onde havia parado. Raja-si era uma pessoa com enorme força de vontade e determinação, então usava essas habilidades para se corrigir sempre que encontrava alguma discrepância em si mesmo. Ele sabia que esse seu jeito de falar era um de seus defeitos, e eu somente tive que repetir aquelas palavras umas poucas vezes, durante todos os meus anos de serviço a ele. Tive muitas outras ocasiões, não apenas com Rajasi, mas com outros também, para pôr em prática o maravilhoso treinamento do Mestre. A última vez foi depois que Rajasi deixou este mundo profano, em 1955. O inventariante de seu testamento me disse: “Você

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não foi mencionada no testamento do Sr. Lynn, e eu sei que prestou grandes serviços a ele antes e du-rante sua doença. Se quiser qualquer quantia, dentro dos limites razoáveis, eu tenho o poder de conce-dê-la.” Novamente, como fui grata ao Mestre por sua paciência e princípios idealistas, bem como por sua confiança em mim, de modo que pude sinceramente responder: “Eu me dediquei ao serviço de Deus. Meus serviços ao Sr. Lynn foram apenas uma parte dessa missão. Eu jamais poderia aceitar pa-gamento por esse serviço.” Apenas uma governanta

Havia outra coisa que o Mestre sempre repetia para mim, durante meus muitos anos de serviço a Raja-si: “Eu não quero que você seja apenas uma governanta”. O Mestre muito raramente nos explicava o significado de suas frases. O motivo talvez fosse para nós aprendermos a captar o significado intuiti-vamente, dependendo menos de palavras externas. Devido a esse treinamento, poderíamos receber suas instruções mesmo depois que ele partisse deste plano terreno para o seu lar eterno. Como eu não me considerava uma governanta, pois sentia que estava fazendo o que o Mestre queria de mim, não consegui entender o significado de suas palavras. Entretanto, após eu haver retornado ao meu segun-do período de permanência no eremitério, em 1948, fui um dia à ampla cozinha onde os jovens discí-pulos, ainda crianças, comiam e tinham seus quartos, na parte norte do eremitério. Quando passei pela porta da cozinha, começaram e me fazer perguntas espirituais. Quando os deixei, estava feliz por ha-vê-los prestado um serviço. Na hora que cheguei à cozinha de Rajasi, e ele estava lá, o significado das palavras “não ser apenas uma governanta” veio com muita força à minha mente. Com a alegria da compreensão, bati palmas e, em voz alta, respondi para mim mesma: “Então é isto que o Mestre que-ria dizer por ‘não ser apenas uma governanta’.” Tudo se havia tornado muito claro na minha mente. Imediatamente, voltei para as crianças e contei para elas que iria levá-las pelas mãos e ser responsável em passar para elas os benefícios da maravilhoso treinamento espiritual que o Mestre nos concedeu com tanta paciência. Eu também daria aulas sobre as Lições aos adultos que viviam na colônia, toda segunda-feira à noite, às quais as crianças também poderiam comparecer, e escrevi ao Mestre uma no-ta nesse sentido. Na próxima vez que vi o Mestre, ele disse com muita alegria: “Você está afinal fazen-do justamente aquilo que sempre quis que fizesse. Mas o que mais me agradou foi o fato de você ter tomado essa decisão por conta própria.” Fiquei aborrecida por algum tempo pelo fato de o Mestre haver pensado que eu não gostaria de fazer aquelas atividades antes, até que um dia disse ao Mestre que gostaria de esclarecer alguns mal-entendidos sobre as minhas razões. “O senhor me disse que es-tava satisfeito por eu finalmente estar fazendo algo que gostaria que eu fizesse, com as crianças e as reuniões semanais, etc. Por que não me falou antes que gostaria que eu fizesse essas coisas? Não há nada que eu goste mais do que encorajar e incentivar a todos, contando as coisas que o senhor gentil-mente fez para nós, mas sou muito tímida quando se trata de ensinar os outros em assuntos espiritu-ais, pois não me considero digna para tanta responsabilidade e, além do mais, já ouvi o senhor criticar certo homem por fazer reuniões regulares com os meninos sem tê-lo consultado primeiro. Portanto, não acho que tinha o direito de me adiantar sem seu consentimento.” O Mestre respondeu: “Aquele homem tinha outros motivos. Ele estava tentando competir com Rajasi, que estava meditando com os meninos. Nunca se compare com essa pessoa. Além disso, não é preciso que eu lhe peça coisa alguma; você tem o direito de fazer qualquer coisa espiritual sem precisar pedir ou esperar que eu lhe peça. A timidez não tem lugar no mundo espiritual.” Fiz as reuniões sempre que possível, toda semana que estava no eremitério. Um dia, anos depois, o Mestre me censurou: “Acho que você não está mais fa-zendo aquelas reuniões”. Respondi com alegria: “Sim, senhor, toda semana que estou aqui”. Essa res-posta afirmativa o agradou e aliviou, pois ele temia que eu tivesse parado com as reuniões. Deveres de secretária

Eu também secretariei Rajasi. Quando ninguém mais ia para o correio, eu tinha que ir. Quando eu a-inda não dirigia, precisava ir a pé para pegar as correspondências. Eu mantinha sua escrivaninha e pa-péis em ordem. Após ele escrever suas cartas, eu endereçava os envelopes, pesava e colocava os selos

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e providenciava para que fossem enviados no início da manhã seguinte. Eu encomendava os selos e demais materiais de seu escritório de Kansas City. Ele trabalhava principalmente durante a noite, em sua escrivaninha. Eu até fiz um breve curso de taquigrafia manual para anotar o que ele me ditava. Durante algum tempo, datilografei suas cartas. Em 1948, ele soube que Marjorie BenVau sabia taqui-grafar, e a contratou para tomar anotações e datilografar suas cartas para ele. Quando os BenVaus dei-xaram a cidade, Irmão Sarolananda, que era um prodígio na rapidez da escrita, assumiu essa tarefa, usando um estenógrafo. Mas ele não ficou muito tempo no trabalho. Então acabamos descobrindo que Brenda Lewis sabia taquigrafia. Ela foi contratada e fez o trabalho até a morte dele. Dessa forma, os negócios de Rajasi eram enviados por meio de cartas e por telefone até seu escritório. Lavanderia

Quando Rajasi vinha para ficar um longo período, eu tinha que mandar suas roupas para sua residên-cia em Kansas City, para que eles as lavassem e, depois, mandassem de volta, limpas. Isso me ajudava bastante, pois eu já passava e costurava. Fiz algumas peças que ele gostava de usar no eremitério, mas que não usaria em Kansas City. Jardinagem

Eu tinha que treinar os novos rapazes que foram selecionados para fazer serviços pessoais para Rajasi, como a seleção de vegetais e frutas. Antes era eu que tinha que colher os vegetais do jardim, lavá-los e cozinhá-los antes do jantar. Prestação de contas

Rajasi pagava seu próprio sustento durante suas estadas no eremitério, conforme dizia: “Gosto de coi-sas boas, mas elas são caras, e não quero sobrecarregar a SRF com minhas extravagâncias”. Ele era muito generoso e me dava muito dinheiro para comprar suas coisas. Após, eu fazia uma prestação de contas. Ele não gostava disso, e dizia: “Você não precisa me prestar contas. Veja, estou rasgando esses papéis sem nem mesmo olhar para eles, e se você insistir em trazê-los, continuarei rasgando. Logo, você não precisa ter essa preocupação em me trazer as contas.” Concordei com seu desejo, mas era extremamente cautelosa com seu dinheiro, pois sabia que ele era muito econômico, mas também sabia que gostava de boa qualidade. Algumas vezes, se eu não estava com minha própria bolsa e comprasse algo para mim, sempre reembolsava o dinheiro, para que minha consciência estivesse sempre tranqüila de aceitar dinheiro, direta ou indiretamente, dele ou de qualquer outra pessoa. O Mestre tinha medo de que, por eu lidar com o dinheiro de Rajasi e viver no luxuoso eremitério, eu acabasse desenvolven-do uma consciência de suntuosidade. Durante o seu Samadhi extático de junho de 1948, ele estava fa-lando de mim à Mãe Divina. Tomei notas e as transcrevo aqui: “Eu tinha medo de que o luxo e o di-nheiro pudessem estragá-la, mas agora sei que essas coisas jamais irão corrompê-la”. Uma lição de altruísmo

Rajasi estava tão acostumado em sempre conseguir de todas as pessoas o melhor de tudo que, quando foi pela primeira vez para Encinitas, tinha a tendência de deixar o segundo melhor para o Mestre. In-ternamente, senti que o Mestre deveria receber o melhor e, nós, o segundo ou o que sobrasse. Essa atitude de Rajasi me perturbou muito. Quando já estava mais familiarizada com ele, pensei bem antes de falar algo, pois não poderia dizer exatamente o que pensava, visto que teria sido muito dura e ele agiria de forma oposta; tive então que usar uma tática diferente. Quando chegavam as frutas e vege-tais, eu pegava a maior e melhor para o Mestre, mostrava para Rajasi e dizia: “O Mestre vai gostar des-ta aqui”, ou, “Na Índia, o Mestre sempre recebe o maior”, ou “O discípulo que dá o melhor de tudo ao Mestre recebe uma bênção por agradar ao Guru. Dessa maneira, aposto que você dará esta aqui para o Mestre.” Dessa forma, ele recebeu a indireta e ficou ansioso para agradar o Mestre. Fazia ques-tão de ser o primeiro a pegar a melhor e maior fruta e, orgulhosamente, me dizia: “Esta aqui é para o Mestre”, ou “Você acha que o Mestre vai gostar desta aqui?”, ou “Esta é a maior, mas aquela está mais

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madura, então vou dar a ele uma grande e esta que eu acho que é a mais doce”. Eu rapidamente con-tava ao Mestre como Rajasi escolhia a melhor para lhe oferecer. Como agradou ao Mestre a atitude de seu pequenino! E eu tive a secreta satisfação de, acima de tudo, agradar ao Mestre e conseguir para Rajasi uma bênção especial. Usar a razão e não a emoção com Rajasi

Podia-se facilmente usar a razão com Rajasi e obter resultados. Embora fosse um homem de negócios bem sucedido, parecia-se muito a uma criança em seus maneirismos. Ele amava profundamente sua mãe terrena, portanto respondia mais prontamente a apelos maternais do que a emoções femininas. Incentivos maternos por suas boas ações em prol da organização, do Mestre e de outras pessoas da-vam-lhe o estímulo para continuar a fazer sempre mais. A cura de resfriados

Se eu pegasse um resfriado pouco antes da hora agendada para Rajasi chegar, o Mestre imediatamente me curava, para que eu pudesse estar pronta para cumprir minhas tarefas; mas se eu ficasse resfriada quando Rajasi não estava presente ou não estava planejado para chegar, minha gripe só terminava no devido tempo. Uma lição em negatividade

Recebi um treinamento vigoroso do Mestre durante meus vinte anos de serviço para Rajasi; também recebi um bom treinamento diretamente do meu serviço para Rajasi. Eu tinha que ser extremamente cuidadosa nas coisas e na maneira que falasse sobre qualquer assunto com Rajasi, pois falar para ele com palavras ou pensamentos negativos era desastroso, visto que ele não suportava qualquer tipo de negatividade. Pedindo a ajuda de Rajasi para diferentes projetos

A mim competia interceder entre o Mestre e Rajasi quando o Mestre precisava de fundos para seus diversos projetos. Eu conhecia o lado do Mestre na história, mas também sabia o de Rajasi. Muitas vezes, estive numa encruzilhada, entre ter de pedir dinheiro para Rajasi, quando sabia que ele não po-deria fornecer naquele momento em particular, e o meu profundo desejo de fazer o que o Mestre que-ria que eu fizesse. Algumas vezes, eu sentia que determinado projeto não iria funcionar, mas ainda as-sim meu desejo de agradar ao Mestre vencia, e lá ia eu pedir apoio de Rajasi. Felizmente, apenas uns poucos projetos do Mestre falharam, mas pelo menos tive a satisfação de fazer tudo pelo Mestre e por Deus, sabendo muito bem que tudo que nosso Amado Mestre fazia era pelo trabalho e para Deus. Quando o Mestre me pedia para me aproximar de Rajasi e pedir verbas ou qualquer outra coisa, queria que eu o fizesse imediatamente, e voltasse logo com a resposta. Com o Mestre, tudo precisava ser fei-to com pressa e rápido. Ele freqüentemente nos dizia que não tinha tempo para esperar. Rajasi era o contrário. Ele atrasava e esperava, pois julgava dispor ainda de muitos anos pela frente para fazer grandes coisas pela SRF, financeiramente. Toda vez que o Mestre o abençoava, dizia: “Você será a-bençoado com uma vida longa por fazer tanto pela SRF”, mas Satã não gostava que ele estivesse fa-zendo pela obra salvadora da SRF e tentou detê-lo antes que sua missão estivesse completa; mas, pela graça de Deus e do Mestre, ele a terminou e recebeu sua merecida recompensa.

A vontade que o Mestre tinha de receber respostas rápidas raramente funcionava, pois Rajasi era homem de decisões lentas. Ele tinha que pensar em como agir ou obter fundos, sem causar prejuízo a seus negócios. Eu sabia disso, então perguntei ao Mestre se poderia tentar com minhas próprias pala-vras e na hora que eu julgasse apropriada. Expliquei ao Mestre que eu havia descoberto que se pudesse conversar com Rajasi na hora certa, teria mais êxito, pois eu geralmente escolhia uma hora em que ele não estava com fome ou quando surgia uma oportunidade na conversa para puxar o assunto pretendi-do. Esse pensamento agradou ao Mestre e, daquele momento em diante, ele me pedia: “Pergunte a ele

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com o seu jeitinho”. Se uma palavra negativa, por mais sutil que fosse, entrasse sem querer na conver-sa, ou se eu não conseguisse manter a conversa num tom positivo, o negócio estava condenado. Eu precisava falar positivamente sobre as pessoas e as coisas o tempo inteiro. Dessa maneira, eu quase sempre conseguia uma resposta positiva ao apelo que o Mestre fazia através de mim. Após a resposta, eu ia com toda a felicidade reportar o meu êxito ao Mestre.

Quão bem me lembro do dia em que Rajasi fez ao Mestre o dote para o eremitério. O Mestre me abençoou muitas vezes por causa de minha participação no assunto. No Natal, o Mestre me deu um anel de opala australiana como recompensa por cuidar tão bem de Rajasi.

Quando o Mestre manifestava o desejo de meditar com Rajasi, eu precisava me desdobrar para encontrar o melhor horário para ambos, normalmente antes de Rajasi ir para a praia, pois o Mestre costumava sair. Expressões utilizadas

Rajasi não gostava da expressão “Oh boy” (“Rapaz!”). Eu tive que me livrar rapidamente desse hábito, pois ele me dizia o quanto detestava essa expressão. Mudei-a para “Oh Joy!” (“Que alegria!”). O mes-mo com a palavra “dam” (“droga, maldição”). Essa era uma palavra proibida perto dele, e também tive que a cortá-la do meu vocabulário. Freqüentemente, eu era colocada entre a cruz e a espada, por assim dizer, e tinha que perguntar ao Mestre se ele não podia designar outra pessoa para assumir meu lugar cuidando de Rajasi, mas o Mes-tre sempre dava a mesma resposta: “O que você faz para ele está fazendo para mim, não há diferença, pois estou tanto nele quanto estou no meu próprio corpo”. Ou então ele dizia: “Eu tenho minhas ra-zões para não designar outra pessoa”. Agora sei quais são essas razões e agradeço ao Amado Mestre por depositar tanta confiança em mim. Transcrevo agora uma nota do Mestre para mim e uma para Rajasi.

7 DE MAIO DE 1942 – Querida Duj: Sei que você está cuidando bem do mais querido. Você tirou uma grande responsabilidade de minhas próprias mãos. Eu mesmo teria que providenciar que as necessi-dades dele fossem observadas. 7 DE OUTUBRO DE 1942 – Duj tem sido tão boa e estou tão feliz que o trabalho dela por você está sendo feito corretamente.

– P.Y. Nos primeiros anos após a construção do eremitério, as visitas de Rajasi eram esporádicas e cur-

tas, mas com o passar do tempo ele conseguiu homens mais capazes para cuidar dos negócios durante sua ausência, e então ele pôde vir mais freqüentemente e ficar por longos períodos. Após a sua doença quase fatal em 1946, ele passava os três meses mais quentes e os três meses mais frios de Kansas City no eremitério. Ao longo desses anos, eu tinha de largar tudo o que estivesse fazendo, não interessa o quanto fosse importante para a SRF, a fim de cuidar de Rajasi quando ele chegava. A não ser que o trabalho que eu estivesse fazendo fosse em Encinitas, pois então podia atender às duas coisas alterna-damente. Eu só retomava as minhas atividades, no ponto em que as interrompera, quando ele voltava para Kansas City. As previsões feitas pelo Mestre em 1948

De 1936 a 1948, servi a Rajasi sozinha com muito pouca ajuda dos outros. Eu fiz todas as tarefas leves e pesadas até a meditação de Natal de 1948, em Mt. Washington. O Mestre estava em Samadhi, fazen-do diversas previsões a respeito da vida de diversas pessoas que estavam presentes. De repente, ouvi meu nome ser mencionado, e o Mestre dizendo: “Duj, a Mãe Divina a abençoou muito hoje, o seu trabalho está terminado”. Embora eu soubesse o que ele queria dizer, fui depois perguntar, quando estávamos sozinhos, o que ele quis dizer com haver terminado meu trabalho. Ele respondeu: “Eu quis

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dizer o seu trabalho manual pesado, mas você terá que continuar no trabalho de um modo diferente”. Daquela época em diante, eu recebia ajuda para todos os trabalhos pesados. Primeiro, contei com Eu-gene BenVau, que trabalhava no jardim, para carregar todas as cargas, colocando e retirando do carro, colher os vegetais e lavá-los. Marjorie, sua esposa, limpava o apartamento e fazia anotações de suas palavras. Quando eles deixaram a cidade, houve outros que fizeram esse trabalho. Irmão Sarolananda colhia os vegetais e fazia o trabalho pesado junto com Bhaktananda e outros. Não importa aonde eu fosse, sempre tinha ajuda para fazer essas coisas. Ainda, estou colhendo até hoje o benefício dessa Di-vina Bênção do Mestre e da Mãe Divina. Os hábitos alimentares de Rajasi

Rajasi era muito rígido em relação a seus hábitos alimentares, a ponto de fanatismo, criticando os ou-tros que não aderiam estritamente a qualquer sistema saudável de alimentação. Se alguém me desse um pedaço de doce, torta ou bolo, eu o comia no santuário do meu quarto ou no outro lado do eremité-rio, para evitar suas críticas. Durante todo o dia, Rajasi se alimentava sempre que sentia fome. Sua primeira ingestão, após os exercícios matinais, eram: se fosse a estação das frutas cítricas, eu preparava vários copos de suco de toronja coado; mais tarde, ele bebia ainda vários copos de suco de laranja. Nas outras estações, comia melões. Eu cortava essas frutas até encontrar uma que fosse muito doce para lhe dar. Ele bebia ainda suco de cenoura, que eu preparava bem fresco todos os dias, quase dois litros de cada vez; ainda tomava outro copo antes de ir dormir. Ou então eu preparava um grande co-po de suco de verduras com polpa, batidas no liqüidificador, com suco de cenoura ou de laranja como base, e um pedaço pequeno ou uma certa quantidade de vários vegetais frescos, colhidos no jardim, adicionando amêndoas ou castanhas. Ou ele bebia leite de cabra com mel, tâmaras frescas ou um ma-ravilhoso xarope de boldo fresquinho, ou soro de leite preparado com suco de abacaxi. Quando as frutas estavam maduras, eu as descascava, com ele de pé perto da pia, e ele comia uma verdadeira re-feição de pêssegos, figos, cherimoyas e mangas, dependendo de qual fruta estava na estação. Eu experi-mentava um pedaço de cada fruta para ver se estava suficientemente doce para ele e, se não estivesse, eu terminava de comê-la e procurava uma mais doce. Não havendo frutas frescas da estação, ele co-mia frutas secas, como uvas passas, figos ou tâmaras com nozes. Na estação do milho, eu raspava o milho do sabugo e ele o comia imediatamente. Ele também gostava de milho cozido. Não gostava de comprar nozes sem casca, exceto as importadas, já que não dava para evitar, mas as nozes locais devi-am ser frescas e na casca. Eu tinha de quebrá-las enquanto ele comia. A sua única comida cozida era no jantar, sem horário e quando ele quisesse. Consistia em alguns vegetais cozidos de maneira bem simples, com muito pouco sal ou manteiga, pois não gostava de cebolas, alho ou condimentos pican-tes. Quando deixei os curries apimentados e outros pratos deliciosos do Mestre para cozinhar para Rajasi, tive que me conformar com seu gosto simples de comer. Era um contraste tão grande que levei vários dias para me ajustar; a comida parecia tão insossa. Rajasi gostava dos curries do Mestre e os comia com as bênçãos dele. Na verdade, eu cozinhava duas refeições, uma de vegetais simples para Rajasi e uma porção cozida separadamente, com cebolas e condimentos, para mim. Rajasi naturalmente sentia a fragrância dos condimentos e pedia para provar um pouco. Uma pequena porção era timidamente co-locada diante dele. O resultado dessa pequena amostra geralmente terminava com Rajasi comendo todo o meu saboroso prato e eu tendo que comer seus vegetais simples e insípidos. Então eu lhe per-guntava se gostaria para o dia seguinte que eu fizesse algo diferente, e ele respondia: “Não, apenas co-zinhe como sempre”. Ele gostava de comida crocante, especialmente com arroz cozido. Como não bebia junto com as re-feições, apreciava caldos e molhos, mas não gostava que fossem misturados com trigo ou maisena; então, eu usava farinha de castanhas, compradas nos mercados chineses. Em geral, não comia pão mas, de vez em quando, aceitava pão de leite, ou tortilhas de milho, ou pão de milho torrado no forno com um suave queijo derretido. Às vezes, comia uma salada de vegetais crus com um molho que eu fazia em casa. Ele não gostava de falar durante a refeição. Mastigava tão bem a comida que freqüen-temente levava uma hora e meia até duas horas para comer sua refeição. Ele nunca dizia se gostava ou

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não dos alimentos cozidos. A única maneira de saber se havia gostado era quando repetia o prato ou então, caso não gostasse, deixava o prato de lado; ou ainda quando, no dia seguinte, sugeria: “Não co-loque isto ou aquilo”. Após muitos erros e tentativas, aprendi quais eram os alimentos que ele gostava ou não.

Atrevo-me a dizer que essa alimentação saudável ajudou meu corpo, minha mente e meu treina-mento espiritual, pois as comidas puras e naturais ajudam o poder de reflexão da pessoa. Sou grata por aqueles dias de alimentação natural e por Rajasi cultivar os vegetais e frutas, providenciando os recur-sos para que eu, juntamente com ele, aproveitássemos os benefícios da boa comida, de alta qualidade, para que este corpo continuasse a servir o Mestre, a Deus e o trabalho da SRF. O amor do Mestre por Rajasi

Eu recebia minha maior recompensa quando o Mestre chegava para visitar Rajasi. Eu estava presente em muitas discussões espirituais maravilhosas e recebia suas bênçãos, além da alegria de presenciar o amor expresso entre uma alma semelhante a Cristo e a de um santo. Eles tinham um amor enorme um pelo outro. O mundo jamais viu um amor tão grande quanto aqueles olhos do Mestre, quando olhava para o seu “Pequenino”. Esse amor poderia ofuscar até mesmo a ternura do amor de uma mãe em face do seu recém-nascido, pois esse amor era incondicional e vinha diretamente do Divino. O Mestre diz que eu sofro pelo carma alheio

O Mestre também dissera que Rajasi iria sofrer pelo carma dos outros, pois ele estava incomparavel-mente fazendo muito para divulgar o trabalho. O Mestre disse para mim que também eu assumiria o carma dos outros. Em 1950, enquanto estava em Mt. Washington, falei com o Mestre: “Eu não com-preendo, senhor, já faz um longo tempo que venho sonhando que estou limpando a casa ou o quarto de outra pessoa, ou que estou fazendo isso ou aquilo por alguém”. O Mestre respondeu: “Que bom, que bom, que bom, isso significa que você está pelo menos ajudando alguma pessoa”. Um pouco an-tes de seu Mahasamadhi, eu estava falando com ele ao telefone e perguntei: “O senhor me falou sobre esses sonhos de eu estar ajudando outras pessoas; isso significa que eu sofrerei em meu corpo para ajudá-las?” Ele respondeu: “Sim”. Eu sei até que ponto e o quanto eu assumo o sofrimento alheio, mas eu também sei quando o sofrimento é meu próprio. O Mestre me avisa que Rajasi corre perigo

Já no início do verão de 1951, o Mestre freqüentemente me dizia que a vida de Rajasi estava em grave perigo e que Satã estava tentando destruir o corpo dele. Quando perguntei por que Satã estava tentan-do fazer isso, ele respondeu: “Porque ele tem feito muito pelo trabalho e está ajudando um monte de almas a voltarem para Deus, como Seu instrumento divino. Por isso Satã quer destruir seu corpo, para ele não fazer mais isso.” Rajasi não pôde ir para a festa de aniversário do Mestre em Mt. Washington, em 1952. Ele não estava resfriado e não havia sinal algum de doença, dores ou qualquer coisa de erra-do. Sua face era sempre tão corada e saudável, mas dessa vez parecia pálida. O Mestre me fala de sua encarnação como Arjuna

No dia 6 de janeiro de 1952, após o aniversário do Mestre, Rajasi não estava se sentindo bem, então o Mestre foi ao eremitério para vê-lo. O Mestre chegou na noite anterior mas, porque já era tarde, disse-me que não contasse a Rajasi que já havia chegado, pois iria vê-lo na manhã seguinte.

Na manhã seguinte, o Mestre me chamou a seus aposentos e perguntou onde Rajasi estava, di-zendo: “Não conte pra ele, quero lhe fazer uma surpresa”. Rajasi estava sentado em sua cadeira recli-nável, na sua sala, olhando pela janela, de costas para a porta aberta. O Mestre parou perto da porta, olhando pra ele; Rajasi sentiu a presença de alguém na porta, olhou ao redor, pulou da cadeira, envol-veu o Mestre com seus braços, e os dois se abraçaram por longo tempo. Rajasi levou o Mestre para a cadeira onde estava sentado antes, e fez o Mestre sentar-se nela. Então puseram-se a conversar por

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muito tempo, de mãos dadas. Após um tempo, Rajasi teve que deixar a sala por alguns momentos. Naquela preciosa ocasião, o Mestre me perguntou: “Quem você acha que eu fui no passado distante, quem melhor poderia ter escrito o Gita nesta vida?” Alguns anos antes, eu havia perguntado ao Mestre se ele havia sido Arjuna, mas ele não respondera, porque naquela época ainda não estava pronto para divulgar esse segredo. Mas agora, após o Mestre haver perguntado, respondi: “Vyasa, o escritor do Gita”. O Mestre disse: “Não, mas eu me lembro que você me perguntou anos atrás se eu fui Arjuna”. Então, exclamei com muita alegria: “O senhor foi Arjuna!” Ele sorriu e disse: “Sim”. Então perguntei se Rajasi estava com ele naquela época. O Mestre respondeu: “Sim, ele foi um dos gêmeos, o positivo, Nakula. Ele era meu irmão favorito e eu o amava mais do que a qualquer outro. Eu também era seu Guru naquela época. Krishna era meu guru, e Babaji, tendo sido Krishna, ainda é meu guru. Sri Yuk-teswar foi meu guru por procuração de Babaji.” Então perguntei se eu estava também com ele naquela época, e ele, olhando para mim, disse: “Claro que estava”. Perguntei se eu era homem ou mulher. Ele respondeu: “Você foi mulher, aliás você tem sido mulher por longo tempo, e continuará sendo por muito tempo ainda”. Eu ainda perguntei quem fui, mas ele respondeu: “Eu não tenho que lhe contar tudo”. Então eu disse: “Suponho que eu tenha sido uma das mães que foi procurar por seu amado filho que tombou no campo de batalha”. O Mestre sorriu e então Rajasi retornou para a sala. Logo após, o Mestre partiu para Twenty-Nine Palms. O Mestre me fala de suas preocupações

Rajasi precisou voltar para Kansas City durante o mês de janeiro de 1952. Após levá-lo para o aero-porto, permaneci em Mt. Washington por vários dias. O Mestre estava lá e tivemos uma longa conver-sa. Ele repetiu suas preocupações quanto ao trabalho e à saúde de Rajasi, expondo mais uma vez seu medo de que Satã tentasse destruir o corpo de Rajasi. O Mestre disse: “Ele sempre atrasa, atrasa, por-que pensa que ainda tem muito tempo para fazer as coisas pela SRF, mas não tem: Satã está tentando destruir seu corpo”. Lágrimas rolaram pelas maçãs de seu sagrado rosto. Ele acrescentou: “Eu não seria capaz de viver na terra sem ele. Se ele partir primeiro, deixarei meu corpo conscientemente.” Ninguém seria capaz de suportar as lágrimas dessa amada alma sem também acompanhá-lo. Ele enxu-gou suas lágrimas e começou a me falar: “Meus dias, sim, até mesmo as horas de minha vida estão contadas, Duj, eu não posso mais apelar para ele. Duj, escreva para ele, diga-lhe que ele nasceu para doar a este trabalho um milhão ou mais de dólares, para que a obra possa continuar depois que nós dois partirmos desta terra. Pela mesma razão, ele não teve filhos, para que esta obra e todos aqui fos-sem os seus filhos. Diga para ele como este trabalho ficaria órfão se ele e eu formos ambos embora, pois nossas três vidas; a sua, a dele e a minha estão igualmente correndo o mesmo perigo. Se ele deixar segurança para este trabalho continuar depois que partirmos, talvez isso possa estender nossas vidas por um período maior de tempo.” Meu coração ia ficando pesado à medida que minha mente absorvia cada palavra e ia penetrando até o mais íntimo de minha alma. Isso tudo, entretanto, sem que soubés-semos, foi apenas o início de uma série de sofrimentos para nós. Prometi ao Mestre que iria escrever para Rajasi aquelas exatas palavras, tão logo voltasse para Encinitas, sobrando assim tempo suficiente para deixar Rajasi ter a chance de assimilar seu conteúdo antes que ele retornasse em fevereiro.

O Mestre falou repetidamente: “Estou tão preocupado com a saúde dele, Duj, cuide bem dele”. Aquela foi a última vez em que vi meu doce Amado Mestre com vida, ao vê-lo partindo para Twenty-Nine Palms.

Voltei ao eremitério a fim de deixar a casa pronta para a chegada de Rajasi. Escrevi aquela carta de apelo e mandei pelo correio, para que ele tivesse uma semana antes de chegar a Encinitas. Rajasi chegou uma semana antes de partir para San Francisco, para uma das convenções do 25º aniversário de uma das suas companhias, em 20 de fevereiro de 1952. Rajasi não disse uma só palavra sobre a car-ta, mas isso não chega a ser surpresa, pois ele nunca dizia nada, preferindo agir.

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Minha conversa com o Mestre em março de 1952

Quando o Mestre voltou a Mt. Washington, no início de março, para os preparativos da recepção ao embaixador da Índia, ele me ligou para que eu chamasse os Lewis para acompanhá-lo na recepção, e acrescentou: “Por que você também não vem?” Eu respondi: “Sim, irei se o senhor desejar”. Ele res-pondeu: “Não, é melhor você ficar aí e cuidar bem dele”. Naquela mesma conversa, eu lhe falei que havia escrito a carta para Rajasi e tudo que o Mestre disse foi: “É tarde demais”. Eu não sabia o que ele quis dizer com isso. Também contei que Rajasi estava pensando em comprar uma grande fazenda no deserto para negócios que iriam trazer lucros para a SRF e perguntei se ele gostava da idéia. Nor-malmente, o Mestre era cheio de entusiasmo, mas dessa vez ele só deu como resposta um vagaroso “sim”, mas também disse: “Diga-lhe para não comprar um lugar muito grande”. Então, falei que Raja-si poderia alugar um local primeiro, esperando até que comprasse a fazenda e construísse algo nela. Ele respondeu: “Faça com que o proprietário pinte o interior da casa primeiro antes de alugar; eu não quero que ele vá para uma casa suja”. Até mesmo naquele momento nosso Amado Mestre pensava no conforto de Rajasi. (Veja o arquivo de Borrego Springs para mais detalhes.)

Não tenho como expressar o profundo sentimento de desânimo que me acometia a mente, o co-ração e a alma, ao mesmo tempo em que sentia uma vontade imensa de ver o Mestre novamente. Per-guntei a Rajasi se poderíamos ir ver o Mestre, e ele respondeu: “Sim, tão logo a visita do embaixador tenha terminado e o Mestre não estiver tão ocupado, ele terá mais tempo para nos ver; iremos assim que o embaixador for embora”. O Mestre telefonou algumas vezes durante esse tempo. Numa das vezes em que ligou, eu atendi. Ele me contou algumas coisas sobre o embaixador e perguntou se po-deria falar com Rajasi, dizendo-me que eu poderia ouvir a conversa na extensão, caso ele tivesse algu-ma coisa extra para me dizer. A voz do Mestre se revestiu de um tremor lacrimoso quando disse a Ra-jasi: “Você sabe que eu daria qualquer parte ou até mesmo a minha vida inteira para prolongar a sua”. Nem consigo dizer como aquelas palavras calaram fundo em meu coração, mas eu não conseguia en-tender por que me senti daquela maneira, pois o Mestre já tinha falado daquele jeito muitas vezes, só que nessa ocasião parecia algo definitivo. Mas, na próxima vez que ele ligou, era a pessoa feliz de sem-pre, e falou com entusiasmo e alegria sobre como o embaixador tinha sido respeitoso com ele e como estava satisfeito com tudo. Não havia traço na sua voz ou jeito de expressão daquela tristeza de antes. Então tirei da mente qualquer pressentimento que tivera. A notícia da morte do Mestre

Naquela fatídica noite de 7 de março de 1952, ao redor das 21:45 h, Rajasi e eu estávamos à sua escri-vaninha quando o telefone tocou. Eu atendi, era a operadora perguntando se eu aceitava uma ligação a cobrar de Herbert F., de Phoenix. Eu estava disposta a recusar, pois Herbert tinha o hábito de ligar de Phoenix pedindo dinheiro, e pensei que ele ia fazer isso dessa vez. Herbert estava pedindo à operado-ra: “Por favor, peça para eles aceitarem”. Falei com Rajasi e ele disse: “Vou atender”. Então, percebi a expressão de Rajasi ficar sombria e ele falou: “O Mestre se foi” e me passou o telefone. Eu falava para Herbert instruir os discípulos presentes com o Mestre para ficarem repetindo “Om” no ouvido dele e não pararem, devendo nos ligar em seguida para dizer se o Mestre estava bem. Algum tempo depois, o Sr. Fredericks nos ligou e atendi o telefone com a esperança de ouvir boas notícias, mas ao invés disso ele me falou que os médicos presentes no hotel atestaram sua morte. Desliguei o telefone e, desde a mais profunda região de minha alma, comecei a chamar o Mestre, gritando “Om” e, em minha agonia, fiz um comentário mal-educado para Rajasi: “Eu queria ver o Mestre, mas não, você quis esperar, você sempre espera”. Mais tarde, recordei-me do que o Mestre nos contara quando seu próprio Mestre dei-xou esta terra: “A Mãe Divina sabia que não iria atender minhas preces para segurar o Mestre na terra por mais tempo, por isso Ela me impediu de estar lá quando ele entrou em Mahasamadhi”. Acredito firmemente agora que foi a vontade da Mãe Divina que Rajasi não estivesse lá com o Mestre, e colo-cou o pensamento na sua cabeça para esperar. A Mãe sabia do profundo amor do Mestre por Rajasi e não queria deixar o Mestre ficar mais tempo neste planeta mundano. Rajasi nada respondeu a meu

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comentário, ele estava em torpor, deitado no divã, sem derramar uma lágrima. Ele se levantou e ten-tou me consolar, já que minhas lágrimas jorravam abundantes.

Liguei para a família Lewis que estava dando uma palestra ou aula na igreja de San Diego. Pobre Sra. Lewis, tudo o que consegui dizer ao telefone foi: “O Mestre se foi, Mama, o Mestre nos deixou”. Ele dizia repetidamente: “Controle-se, o que você está tentando me dizer?” Quando voltaram para casa, eu lhes contei o que havia acontecido. Fizemos os preparativos para ir de carro até Mt. Washing-ton, eles no seu carro, Rajasi e eu no nosso. Rajasi disse: “É melhor que eu dirija, você não está em condições”. Não me importei, porque realmente não acredito que teria enxergado alguma coisa na es-trada naquela noite. Chegamos lá ao redor das 4 da manhã, porque Mt. Washington esperou para nos contar que, quando saímos, o Mestre já estava de volta para seu quarto. Nós quatro tomamos o eleva-dor no térreo. Quebrei o profundo silêncio, dizendo: “Mama, eu daria qualquer coisa se pudéssemos entrar no quarto do Mestre e encontrá-lo sentado na beira da cama, balançando as pernas para nos saudar”, mas isso não aconteceu. Como se pode escrever acerca da incomensurável da tristeza que atinge tão profundamente a alma, que nem mesmo um sussurro consegue ser pronunciado? Após ex-pressar minha tristeza exteriormente, sentei-me ao lado de sua cabeça e acariciei seu divino rosto si-lencioso, quando uma paz serena baixou sobre mim como um cobertor de conforto. Todos os que estavam presentes no quarto naquela hora disseram que também sentiram a mesma paz. Foi nesse momento que pude ver e apreciar o sorriso bem-aventurado que reluzia em sua sagrada face, suas mãozinhas e pés ainda estavam macios e flexíveis. Mesmo então Rajasi não derramou uma lágrima. Algumas pessoas são assim, as lágrimas não conseguem brotar no momento em que seriam um alívio, mas podem surgir de repente. Tentando trazer o Mestre de volta

Nenhum dos discípulos íntimos queria que o Mestre já fosse levado para Forest Lawn. Queríamos fazer uma última tentativa para termos absoluta certeza de que ele não estava apenas em samadhi. Decidimos que cada um de nós iria repetir o mantra que o Mestre havia ensinado, para trazê-lo de volta à consci-ência do mundo exterior no caso de ele entrar em samadhi profundo. Eu fui a primeira e, após repetir o mantra algumas vezes, ouvi a voz do Mestre dizer: “Por que você quer me trazer de volta a esta velha carcaça?” Respondi mentalmente: “Porque somos egoístas, senhor”. Ele acrescentou: “Duj sempre diz a verdade”. Mas tive a plena convicção de que ele não iria retornar para nós, e cada um sentiu a mes-ma coisa que eu. Não sei se também ouviram a voz do Mestre, mas sei que Rajasi nos contou que o Mestre lhe dissera: “Eu sou Om, tudo é Om, voltarei no seu corpo e na consciência de todos”. Já que agora nós todos tínhamos certeza, deixamos os homens do cemitério levá-lo para a preparação dos serviços em nossa capela.

Rajasi quis retornar para Encinitas durante os poucos dias em que o Mestre estaria longe de Mt. Washington. Voltamos para os serviços. Mais tarde, Rajasi nos falou sobre a cerimônia: “Eu não con-seguia falar, as palavras não saíam, então orei para o Mestre pedindo: ‘Terás que falar através de mim, não consigo pronunciar as palavras’.” Imediatamente a voz de Rajasi soou com tanta força que todos perceberam: sabíamos que o Mestre estava falando através de Rajasi, pois sua voz era naturalmente baixa e mansa, muito diferente daquela que havia acabado de falar a todos nós. Que palavras existem para expressar nosso sentimento na última vez em que olhamos a face divina que amávamos tão profundamente? Após tudo haver terminado, nosso único consolo eram as pala-vras que o Mestre nos dizia com freqüência: “Irei na frente para preparar um bom lugar para todos vocês, no qual iremos nos encontrar numa glória maior”. Os primeiros sinais da doença de Rajasi

Após os serviços, voltamos para Encinitas. Rajasi descansou por alguns dias. Uma noite, ele trabalhou em algumas reportagens sobre a SRF por duas horas. Após ter ido para a cama, recebemos uma liga-ção interurbana para ele. Eu o chamei, mas ele não pôde entender o que a pessoa estava dizendo. Fi-nalmente, o Sr. Wieder, de Kansas City, falou: “Voltarei a ligar amanhã”. Pensava que a conexão tele-

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fônica estava ruim. Nem consigo dizer o pesado sentimento que me acometeu após aquela reação de Rajasi ao telefone; era como uma nuvem negra de mau agouro pairando sobre minha cabeça e percor-rendo todo o eremitério. Na manhã seguinte, ele parecia muito diferente e cheguei a pensar que eu havia apenas imaginado coisas, ou que meu sentimento poderia ter sido apenas um reflexo da minha tristeza pelo fato de o Mestre haver nos deixado.

Rajasi voltou para Kansas City em maio, retornando em julho para nossa Convenção. Novamente ele não foi capaz de discursar na confraternização no jardim e teve que se desculpar. Pensei que ainda estava abalado pela morte do Mestre e pelo manto que agora estava sobre seus ombros. Após voltar-mos ao eremitério, começou a ficar cada vez pior. Eu não conseguia entender por que ele piorava, pois não sentia dores, mas sua mão direita não conseguia segurar objetos. Eu tinha que alimentá-lo e, certa manhã, ele me chamou para ver se eu conseguia fazer parar o sangramento no seu ouvido, que ele cortara enquanto se barbeava. Precisei de muito tempo para estancar o sangue. É claro que, mais tarde, entendi o porquê. O tumor estava pressionando o sangue até a ferida aberta. Após aquele inci-dente, eu temia que ele pudesse se cortar com gravidade. Então comecei a fazer sua barba diariamente, até que ele foi para o hospital.

Consultei o Dr. Lewis acerca da condição de Rajasi, e ele me aconselhou a ligar para o Dr. Novac. Esse médico conversou com Rajasi. Pensou que talvez fosse um pequeno derrame e que logo melho-raria; disse-me que voltaria em poucos dias. Eu tinha lido que, às vezes, os santos não conseguem se-gurar metais, etc. quando se encontram num elevado estado de consciência, e desde que o Mestre dis-sera que passaria seu manto espiritual para Rajasi, pensei que essa poderia ser a razão de todo o seu mal-estar. Quando o Dr. Novac retornou, viu que Rajasi estava piorando e então perguntou se poderia trazer um amigo seu que era especialista nessa área e que iria passar alguns dias com ele em sua casa, em Rancho Santa Fé. Ele iria trazê-lo ao redor das 10 da manhã no dia seguinte. Rajasi consentiu e no decurso daquele dia eu podia ver que todo o seu lado direito estava progressivamente pior. Naquela noite, não ousei deixá-lo sozinho e fiquei sentada o tempo inteiro no lado de fora do seu quarto, bem perto da porta, para o caso de ele cair e precisar de mim. Eu mal podia esperar para o médico chegar na manhã seguinte, pois tive que ajudar Rajasi a ir ao banheiro diversas vezes durante a noite, e pude constatar que ele estava cada vez pior. Eu já havia sentido uma profunda apreensão, antes mesmo de saber o problema que lhe acometia. Durante o dia, tive a intuição de preparar uma bagagem para nós dois, para o caso de precisarmos repentinamente ir para o hospital.

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Quando vimos que o eremitério não estaria concluído antes que o Mestre chegasse, pedimos a Sr. Frye que, pelo menos, completasse primeiro os aposentos do Mestre e de Rajasi. Planejamos mobiliá-los e estar com eles prontos para uso, e levaríamos o Mestre para lá alguns dias depois de seu regresso. Estávamos temerosos de que o segredo vazasse antes que pudéssemos levá-lo para lá. Enquanto o edifício ainda estava em construção, Sr. Frye me apresentou ao Sr. Roy Wertheimer, decorador de in-teriores. Ele forneceu projetos para a mobília. O Sr. Wertheimer me levou a uma fábrica de móveis em Los Angeles para escolhermos a mobília. Então Rajasi fez uma viagem especial para aprovar a mobília selecionada. Ele deu seu consentimento e também ajudou a escolher o tapete, as cortinas, jo-gos de toalhas, tapeçaria para cadeiras e sofás. Rajasi me deu rédeas soltas para terminar de mobiliar o eremitério.

Eu estava ocupada comprando linhos, luminárias de teto, de chão e outras, utensílios, talheres, colchões, cobertores e camas de iogue, e atendendo a todos os outros detalhes, até mesmo um kit de costura. Finalmente a data para a chegada do Mestre estava marcada, com o Mestre fazendo arranjos para que nosso motorista levasse Faye, Virgínia, Lani e eu para encontrá-lo em Salt Lake City, Utah, em 16 de novembro de 1936, e voltarmos para casa com ele.

Na noite seguinte, estávamos sentadas no chão, na frente do Mestre, no seu quarto de hotel, ab-sortas em cada palavra sua daqueles momentos preciosos. Olhando diretamente em meus olhos, o Mestre perguntou de repente: “Você mostrou a Sr. Lynn o terreno de Encinitas, como eu lhe pedi?” As moças não podiam manter a face solene diante dele. Elas deram um pretexto ou outro e, uma a uma, me deixaram a sós para encarar o olho onisciente do Mestre. Ele repetiu a pergunta, com mais ênfase. Eu não queria dizer não, e não queria admitir. A Mãe Divina veio em meu socorro e, sem vaci-lar, respondi: “Quero saber como eu poderia, quando ele estava fazendo tanto pela Índia”. Ele falou, pensativamente: “É verdade. Ele fez muito pela Índia.” Ele me disse, depois: “Sua resposta me enga-nou completamente e me tirou de guarda, e eu afastei o pensamento de minha mente”.

Tínhamos mais duas semanas de espera, após a chegada do Mestre a Mt. Washington, antes que seus aposentos estivessem concluídos. Tivemos que fazer muita conspiração para achar meios de levar o Mestre a Encinitas sem lhe despertar a curiosidade. Rajasi disse que esperaria nosso telefonema, para vir quando os quartos deles estivessem terminados. Ele também teve a idéia de perguntar ao Mestre, no dia seguinte à sua chegada: “Tenho um amigo em La Jolla que vai me deixar usar sua casa de praia durante alguns dias, enquanto ele está ausente. Eu gostaria que o senhor fosse comigo.”

Também planejamos que Faye, Virgínia, Sr. Wright e eu iríamos de carro antes do Mestre, e nos esconderíamos no quarto dele. Rajasi prometeu que não diria nada até que o Mestre abrisse a porta do seu quarto e todos nós gritaríamos: “Surpresa”. O plano foi executado. O Mestre, ansioso por agradar Rajasi, consentiu em ir com ele. Porém, houve uma mudança. Eu não sabia que Rajasi, atenciosamen-te, como recompensa pelo meu papel na criação do eremitério, perguntara ao Mestre se eu não pode-ria ir no carro com eles. O Mestre, muito amavelmente, me permitiu ir com eles. Havíamos instruído previamente os trabalhadores para que não nos reconhecessem quando entrássemos no edifício. Não queríamos que ninguém revelasse nosso segredo, pelo menos não até que os gritos de surpresa tives-sem sido articulados. As meninas rumaram para Encinitas assim que o carro do Mestre e de Rajasi partiu.

Quando nos aproximamos de Encinitas, o Mestre adormeceu. Quando acordou, perguntou a Castillo: “Onde estamos? Por que não parou em Encinitas? Eu queria mostrar aquele lugar a Sr. Lynn.” Castillo olhou para Rajasi e para mim, querendo uma resposta. Rajasi perguntou ao Mestre: “Quer que paremos em algum lugar? Podemos voltar se o senhor quer realmente ver aquele local.” Nessa hora, já estávamos nos aproximando do entroncamento de La Jolla. Demos meia-volta e retor-namos para Encinitas. Quando chegamos a Solana Beach, onde o local do eremitério pode ser visto, eu vi uma onda de luz entrar nos olhos do Mestre, no momento em que ele, também, via o edifício. O pensamento cruzou minha mente: “Oh, o Mestre está vendo o edifício”. Mas ele imediatamente vol-tou a fechar os olhos. Mais tarde, ele nos contou que o motivo de ter fechado os olhos foi que não

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queria que a Mãe Divina lhe mostrasse mais. Quando fechou os olhos, ele disse: “Não, não, Mãe. Não me diga mais nada. Deixe que seja uma surpresa.”

Como passamos pela entrada, o Mestre viu, num lado, a garagem, o apartamento e uma grande construção em andamento, e exclamou: “Oh, alguém comprou isto para fazer um parque de diversão e está construído um edifício de recreação. Oh, meu lugar se foi.” Nós sorrimos interiormente, mas nada dissemos. Os degraus da frente ainda não estavam construídos, nem a sala de estar estava com-pleta. Havia várias pranchas pesadas, colocadas para caminharmos até a parte cima, com Rajasi segu-rando e ajudando o Mestre pela mão, de um lado, e Castillo, do outro, e eu caminhando atrás deles. Eu podia ver a face doce e sorridente do Mestre olhando e dizendo repetidamente a Rajasi: “Isto é coisa sua? Isto é coisa sua?” Rajasi retribuiu o sorriso para evitar uma resposta direta, e disse: “É um grande edifício”.

Não nos demoramos na parte dianteira do edifício. Fomos direto para o quarto do Mestre. Quando ele abriu a porta, quatro vozes gritaram: “Surpresa! Surpresa!” Tudo que o Mestre podia dizer era: “Meu Deus, isto é coisa sua!” e abraçou Rajasi inúmeras vezes e abençoou a cada um de nós. Esta parte do eremitério estava completamente mobiliada com cortinas, tapete e outras coisas. Ele foi leva-do para ver os aposentos de Rajasi e o resto do terreno e do eremitério incompleto. Enquanto ele ca-minhava, nós lhe contávamos a história do nascimento do eremitério.

Permanecemos vários dias, o Mestre e Rajasi nos aposentos deles e nós no apartamento da gara-gem. Ajudamos o Mestre a cozinhar na sua cozinha utilitária e fizemos nossa primeira refeição juntos, em nosso novo retiro. Em dezembro, o Mestre foi e voltou várias vezes, antes que o eremitério ficasse pronto, ao redor de 22 de dezembro. Ele estava satisfeito com tudo, menos com o teto da sala de es-tar. Em 1936, não havia opção de cores ou de estilo em Celotex, como existe hoje. Não podíamos pin-tá-lo porque tiraria o valor acústico e ele perderia seu propósito. Toda a mobília foi exatamente o que Mestre secretamente desejara para Mt. Washington. Quando o Mestre visitou a casa de Amelita Galli-Curci, em 1926, ele viu e admirou muito sua mesa de jantar e cadeiras. Assim, ele ficou agradavelmen-te surpreso ao uma quase igual na sala de jantar do eremitério. Ele dizia freqüentemente: “As surpresas jamais terminarão?” Rajasi também veio naquela época e desfrutou do eremitério, enquanto esperava ir a Mt. Washington para a meditação longa do dia 24 e a celebração de 25 de dezembro. Rajasi me ajudou a podar a primeira árvore de Natal do eremitério. Os trabalhadores tinham colocado uma grande árvore iluminada no lado de fora, no ponto alto do terreno, mas o vento era tão violento que tivemos de tirá-la de lá. O Mestre também havia convidado os instrutores da SRF da costa Leste, para virem para o Natal e lhes mostrar seu presente surpresa. No dia seguinte ao Natal, fomos de carro ao eremitério para celebrarmos o segundo Natal e o maior presente que o Mestre já recebeu. O Mestre nos falou que andou nas nuvens, durante meses; não podia acreditar que seu sonho de uma colônia perto do oceano tinha sido cumprido. Copio uma carta que o Mestre escreveu a Rajasi:

15 DE NOVEMBRO DE 1936 – A cor de marfim tem impressionado a todos os que olham de fora, de todos os lados. Parece um retiro de sonho. O soalho da capela parece que estará completo no dia 24. Realmente, meu desejo de algo excelente para você foi cumprido por nosso intermédio, e como Ele está igualmente presente em nós, já está desfrutando através do nosso deleite pela casa-de-bonecas de sonho, à beira do mar azul. Esse amor, esse abandono em Deus, expresso por você neste eremitério, é a realização de meus sonhos de muitas encarnações. Essa felicidade é a comunhão mútua dos san-tos, pois, muitas vezes, quando eu estava vindo do eremitério, no carro, o imenso céu debruçou-se sobre mim, elevou minha alma e espalhou minha consciência por toda parte. Por muito tempo, eu não sabia que meu corpo estava viajando no carro. Eu realmente me tornara o vasto céu azul.

– P. Yogananda. 15 DE DEZEMBRO DE 1936 – Eu não estou mais vivendo neste mundo, mas no império da Eternida-de, e você é meu Vivekananda: a própria visão de você paralisa toda a minha atividade no mundo e dá início à atividade em Deus, até que todas as coisas se tornam Deus. Deus nos deu o sonho de Encini-tas, para que todos os momentos lá possam ser usados como altares de Sua Presença. Abençoado seja

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você, abençoados somos nós, pois somos privilegiados por termos o Céu aqui na terra, em Encinitas, e também o céu no além. Assim, precisamos estar juntos, agora e para todo o sempre, no Espírito. Que o nosso amor esteja no altar do Infinito, Amor sempre. Amor Eterno.

– P. Yogananda. A face empresarial de Rajasi

No início de dezembro de 1936, o Mestre me deu a responsabilidade de tratar das necessidades pesso-ais de Rajasi, tais como cozinhar e cuidar da alimentação em geral, fazer e desfazer suas malas. O Mes-tre me fez muito consciente de quão meticulosamente asseado Rajasi era; por isso, fiz um esforço es-pecial para manter o apartamento dele imaculado o tempo todo. Depois que o eremitério foi construí-do, Rajasi aguardava ansiosamente suas visitas a Encinitas, não só para se afastar dos negócios, mas para absorver todas as vibrações espirituais do Mestre e a atmosfera maravilhosa que o Mestre criou para o conforto e o crescimento espiritual dele. Quando chegava para uma de suas visitas, sua face era a de um empresário, austera e enérgica, mas depois de alguns dias no eremitério, podíamos vê-la mu-dar-se na face suave, terna e espiritual de uma criança. O Mestre me disse que esperava alguns dias para vir de Mt. Washington para ver Rajasi, a fim de lhe dar a oportunidade de abandonar seu ar em-presarial e assumir o que o Mestre sempre chamava de “a face do meu menino”. Os hábitos alimentares de Rajasi

Um ou dois anos antes de encontrar-se com o Mestre em 1932, Rajasi comia carne em grande quanti-dade, e isto incluía todas as guarnições, batatas e molhos. Não lhe era incomum comer uma bisnaga inteira de pão branco, em uma refeição, ou, como sobremesa, uma torta ou bolo inteiros, com um co-po de leite. Tais eram os hábitos de alimentação desse homem de 1,70 m de altura, que pesava mais de 90 quilos. Ele tinha resfriados constantes; não conseguia permanecer onde houvesse uma corrente de ar; todas as portas e janelas tinham que estar bem fechadas, o corpo dele era coberto até as orelhas. Uma noite, estava viajando de trem; quando se preparava para ir dormir, depois de uma refeição pesa-da, e tentava entrar na cabina, ouviu estranhos na cabina vizinha comentar a seu respeito, rindo: “Veja aquele p-o-r-c-o gordo subindo na cama, grunhindo”. Esse comentário calou profundamente no seu orgulho, e ele decidiu nesse mesmo momento que iria mudar seus hábitos alimentares. Imediatamente, procurou livros de dieta e saúde sobre o assunto e fez uma viravolta completa. Deixou de comer to-dos os tipos de carne e todos os doces desnaturais. Durante sua mudança de dieta, conheceu um pro-fessor que o aconselhou a comer uma dúzia ovos crus por dia. Quando Rajasi começava uma coisa, ia até o fim. Ele comeu ovos fielmente até não poder sequer olhar para um ovo. Durante anos, não to-cou em ovo em qualquer forma. Só no último ano de sua vida, comia um ovo cozido por dia. Perdeu o excesso de peso muito depressa. Tomava sol e ar fresco no seu pomar e no espaçoso gramado até a hora de ir para o escritório, entre onze horas e meio-dia. Aprendera alguns exercícios e os praticava diligentemente; até nos meses de inverno, dormia em uma varanda parcialmente aberta. Ele sempre me contava a história de como suas empregadas pareciam quando tinham de ir à varanda para prepa-rarem a cama dele. Rindo, dizia: “Estavam tão cobertas de roupas que eu não podia ver o rosto delas”. Ele raramente tinha resfriados. Se sentisse que uma gripe se aproximava, bebia apenas suco de toronja coado. Segundo ele, livrava-se do resfriado em poucos dias. Embora esse método fosse contrário à teoria do Mestre, ele conseguia os resultados que procurava. Copio aqui uma carta do Mestre para Ra-jasi.

10 DE ABRIL DE 1942 – Eu sempre sustentei que a toronja reduz o catarro, mas apenas num estágio posterior do resfriado. Nos estados iniciais, quando a (garganta está) inflamada, toronja crua é muito irritante, mas é claro que, se a mente está muito acostumada a certo alimento durante a enfermidade, se esse for tomado em quantidade razoável, a pessoa se sairá bem. P. Yogananda.

Rajasi também gostava de beber mais líquidos que alimentos sólidos.

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9 DE FEVEREIRO DE 1940 – É melhor não beber líquidos em demasia. Conquanto eles vitalizem e quimifiquem o corpo, diminuirão as ações peristálticas do estômago e dos intestinos. Quando alimen-to sólido entra no estômago e nos intestinos, os músculos peristálticos começam a trabalhar e lutam com a comida, tentando digeri-la, mas se apenas líquidos são introduzidos no estômago, ele não luta muito. A polpa de cenoura, etc. é muito boa e é melhor que demasiado suco, pois, então, os dentes e o estômago têm que trabalhar. É por isto que o Senhor fez legumes muito duros. Mastigando ossos, o cão mantém os músculos dos dentes, os sucos digestivos da saliva e os músculos peristálticos ati-vos. Estamos perdendo a vida de muitos órgãos porque não mastigamos o suficiente. Até o gato lam-be e mastiga o leite antes de engolir, enquanto nós, erroneamente, não salivamos os sucos que bebe-mos. Todos os alimentos, com exceções, devido ao hábito, deveriam ter a temperatura da natureza e da atmosfera circunvizinha com as quais nossos corpos estão sujeitos. Então esse alimento vitalizará nosso corpo adequadamente. P. Yogananda.

Rajasi, depois disso, era muito rígido em seus hábitos de comer e viver, a ponto de ser fanático e

criticar os outros que não aderissem tão estritamente quanto ele a qualquer bom hábito particular. Se alguém me desse um pedaço de doce, torta ou bolo, eu o comia no santuário de meu quarto para evi-tar a crítica. Um dia ele criticou a imaculada Irmã Gyanamata, diante do Mestre, porque ela bebia chá. O Mestre, que não defendia o fanatismo sob qualquer forma, respondeu: “Ela não será menos santa por causa disso”. O Mestre prosseguiu, explicando que “bons hábitos podem se tornar maus hábitos se nós, sob certas circunstâncias, não pudermos levar a cabo certos bons hábitos e nos permitirmos ficar mentalmente transtornados. Perturbação é evidência de perda do autocontrole; então, o bom há-bito torna-se mau. É melhor ser equânime e permanecer jovial e feliz sob todas as circunstâncias. A pessoa tem de ser fanática em sua busca de Deus, mas sem perturbar-se.”

Rajasi foi rápido em capturar a sabedoria das palavras do Mestre, e se corrigiu e removeu qual-quer espírito crítico dentro de si. Ele nunca mais criticou alguém depois disso. O Mestre chamava Ra-jasi de seu “menino naturalista”, porque Rajasi gostava de comer seu alimento na forma natural. Ele me disse que nunca deixava o quarto até que seus intestinos estivessem completamente limpos. Para isso, bebia quatro ou cinco copos de água da maneira como saía da garrafa, com várias gotas de suco de limão ou de lima. Depois, saía para fazer seus exercícios e ia para a praia. Durante o dia, comia sempre que sentisse fome.

Depois dos exercícios matutinos, se as frutas cítricas estivessem na época, a primeira coisa que ele fazia era beber vários copos grandes de suco de toronja, coado. Quando lhe perguntei por que bebia o suco coado, ele explicou que se todas as células da toronja não fossem estouradas no processo de pre-parar o suco, o estômago não as digeriria. Contudo, depois, ele bebia vários copos de suco de laranja, este com a polpa. Em outras estações, comia melões. Levava uma hora e meia para comer a metade de uma melancia, cortada longitudinalmente. Ele apenas mastigava o suco da melancia e cuspia a polpa. Eu lhe perguntei por que não engolia a polpa também. Ele respondeu: “A melancia é uma fruta muito depurativa e algumas pessoas não conseguem suportá-la em grande quantidade”. Depois de pouco tempo, quando a melancia tinha feito seu processo de limpeza no estômago, ele a regurgitava volunta-riamente.

Se comesse certo alimento que lhe causasse acidez no estômago, Rajasi tinha a habilidade de li-vrar-se dele à vontade, sem que nenhum dos outros alimentos que estivessem no estômago saíssem, exceto o que lhe causou mal. Perguntei ao Mestre como Rajasi podia fazer isso sem ficar enjoado ou sem que toda a comida também saísse do estômago. O Mestre explicou que, na Índia, “há certos exer-cícios iogues pelos quais a pessoa pode remover qualquer porção ou todo o alimento do estômago, à vontade, sem esforço ou sem a náusea relacionado com isso. Rajasi praticara esse exercício em sua encarnação na Índia, e agora, nesta vida, isso lhe era natural.” Contudo, diariamente, no final da ma-nhã ou da tarde, ele bebia um copo de suco de cenoura fresco, ou um copo grande de suco de legu-mes com polpa, batido no liquidificador, tendo como base suco de cenoura, de laranja ou de abacaxi, e

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um pedacinho ou uma pequena quantidade de todos os diversos legumes frescos colhidos na horta, adicionando-se amêndoas ou nozes-pecãs; ou então, ele bebia leite de cabra com tâmaras ou mel, ou coalhada fresquinha com mel ou xarope de bordo fresco, ou ainda soro de leite com suco de abacaxi.

Quando as frutas estavam maduras nas árvores, ele ficava diante da pia e comia uma refeição in-teira de pêssegos, figos, cherimólias e mangas. Se as frutas frescas não estivessem na época, ele comia passas, figos e tâmaras não sulfurados, com nozes. Costumava nos enviar, pelo correio, sacos de 50 quilos de nozes-pecãs frescas, colhidas das árvores que ele plantara quando era menino, na fazenda de seus pais, em Louisiana. Eram tão oleosas que queimavam como uma tocha, o que o Mestre adorava nos mostrar. Quando chegava a estação do milho, Irmão Sarolananda colhia as espigas, descascava e trazia para nós. Eu debulhava a espiga e Rajasi comia imediatamente. Comendo, ele sabia se o milho fora colhido antes do tempo. Ele dizia: “Este milho foi colhido uma hora atrás”. Eu respondia: “Aca-bou de ser trazido”. Depois, eu indagava a Sarolananda e ele confirmava que havia colhido o milho com antecedência. Rajasi também comia o milho cozido a vapor, na espiga.

Rajasi não gostava de comprar nozes que já estavam descascadas, exceto as importadas, pois era inevitável. Mas as nozes domésticas tinham de estar na casca. Eram quebradas enquanto ele as comia. Ele também, como o Mestre, não gostava de frutas azedas. Usava mel nas amoras, framboesas, uvas, morangos e outras frutas ácidas. Sua única refeição cozida era à noite, sem hora específica, preparada sempre que ele quisesse. Consistia de alguns legumes levemente cozidos com muito pouco sal ou manteiga. Não gostava de cebola, alho, ovos ou ervas picantes, embora comesse os curries que o Mes-tre preparava, e os apreciava junto com as bênçãos do Mestre. Às vezes, eu cozinhava duas refeições, uma de legumes crus, para Rajasi, e uma porção cozida separadamente, com cebola e temperos, para mim. Rajasi, naturalmente, sentia o aroma dos temperos e pedia para provar. Uma pequena porção era colocada timidamente diante dele. Geralmente, o resultado da provação terminava com Rajasi comen-do todo o meu prato gostoso, e eu comendo os insípidos legumes crus. Quando lhe perguntava, no dia seguinte, se ele queria algo cozido em particular, respondia: “Não, apenas cozinhe a seu modo”.

Rajasi gostava de alimentos crocantes, especialmente com arroz. Quando se tratava de comer ar-roz, ele era um hindu. Se arroz fosse um alimento mais saudável, podia ter comido três vezes por dia. Não bebia chá e nunca tocou em café em toda a sua vida. Ele me contou o motivo: o café e seu odor deixavam-no enjoado. Quando era menino, sua mãe lhe dava óleo de rícino com um pouco de café, deixando-o com aversão ao cheiro do café. Como não bebesse durante as refeições, gostava de caldos ou molhos, mas não podiam ser engrossados com farinha ou amido de milho, mas apenas com farinha de castanha-da-índia, comprada em uma loja do bairro chinês.

Via de regra, não comia pão, mas, de vez em quando, gostava de pão fermentado, ou broa de mi-lho, ou pão de milho torrado no forno até escurecer, com queijo derretido. Às vezes, ele comia uma salada de vegetais crus, com um molho caseiro de azeite de oliva, suco de limão e, às vezes, queijo pigmentado. Não gostava de falar durante a refeição porque, segundo ele, a mesa de jantar era lugar para se comer e mastigar completamente a comida. Mastigava tão bem sua comida que, às vezes, leva-va de uma hora e meia até duas horas para acabar de comer. Ele até mastigava os líquidos. Nunca fa-lou se gostava ou não de comida cozida. O único modo de eu saber se ele gostou era quando me pedia um segundo prato ou, se não gostou, deixava a sobra no prato; ou então, no dia seguinte, ele sugeria: “Não coloque isso ou aquilo hoje”. Depois de muitas tentativas e erros, aprendi o que ele gostava e não gostava.

Era encantador ver o Mestre e Rajasi sentados no gramado, um na frente do outro, com um balde grande de ervilhas recém-colhidas, diante deles, comendo até fartarem-se. Quando Rajasi achava ervi-lhas especialmente grandes, ele as colocava na mão do Mestre e dizia: “Veja como esta é saborosa”. O Mestre, por sua vez, fazia a mesma coisa. O mesmo acontecia com as frutas que eles compartilhavam entre si. Quando as frutas recém-colhidas chegavam do pomar, a primeira coisa que Rajasi fazia era escolher a maior e a que julgava ser a mais doce para enviá-la ao Mestre, não importa onde ele estives-se, em Encinitas, Mt. Washington ou Twenty-Nine Palms. O Mestre, igualmente, não passava por

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uma loja sem entrar para ver se por acaso não haveria algo diferente para seu menino. Tais pensamen-tos amorosos passavam de um lado para outro com essas gentilezas, e estou certa que as frutas e ou-tros comestíveis ficavam ainda mais doces, pois estavam impregnados com o amor divino que eles tinham um pelo outro. A enfermidade de Rajasi em 1946

No começo de 1937, dificuldades financeiras e empresariais forçaram Rajasi a permanecer em Kansas City mais do que desejava. Suas visitas ao eremitério foram muito poucas, e quando pôde vir, foi só por uma semana ou, no máximo, duas semanas. Todavia, com o passar dos anos, seus negócios pro-grediram e ele conseguiu pessoas melhores a quem confiar seus negócios durante sua ausência, o que lhe possibilitou vir mais freqüentemente e por períodos mais prolongados. Na primavera de 1946, Ra-jasi sofreu uma enfermidade séria. Ele veio ao eremitério para se recuperar e permaneceu durante o verão inteiro. Nesse mesmo ano, ele veio novamente para passar alguns meses do inverno. Depois disso, Rajasi vinha ao eremitério durante os meses mais quentes de Kansas City, e nos meses mais fri-os do inverno. No período entre fevereiro de 1952 e fevereiro de 1955, Rajasi só voltou a Kansas City em três pequenas viagens de negócio. Exercícios

Rajasi era um madrugador, mas não saía do quarto antes das nove ou dez da manhã, dependendo do clima. Se estivesse claro e ensolarado, ele saía para o gramado mais cedo, a fim de fazer os exercícios de tensão e outros, como ficar de ponta-cabeça ou caminhar sobre as mãos, com as pernas suspensas no ar. Ele podia caminhar assim, apoiado nas mãos, por uma longa distância. Depois de aperfeiçoar isso, ele me falou que, quando era mais jovem, tinha um primo que podia caminhar sobre as mãos, e ele, Rajasi, não podia; por isso, criou o desejo profundo de fazer o mesmo. Parecia um menino orgu-lhoso quando mostrava para o Mestre e para nós quão bem podia fazer esse exercício. Quando o ir-mão do Mestre, Bishnu Ghosh, veio da Índia para Encinitas, quis ensinar a Rajasi todas as asanas. O Mestre aconselhou Rajasi a não praticar muitos exercícios físicos porque, segundo disse: “Você perde-rá seu êxtase”. Exercícios físicos – excetuando-se os de tensão e outros exercícios do Mestre – são apropriados para aqueles que não meditam profundamente.

Rajasi gostava de deitar-se estendido no chão, para endireitar as costas e a coluna vertebral; do-brava os joelhos encostando-os no estômago, tal qual um bebê, e permanecia nessa posição por muito tempo. Ele repetia esse exercício muitas vezes durante o dia e a noite. Disse que o praticava freqüen-temente durante suas horas de trabalho, na privacidade de seu escritório.

Rajasi e seus colegas (o sol e o ar fresco) se davam muito bem. Ele amava os dois. Não entrava em casa até que fosse necessário. Passava o dia inteiro ao ar livre, no gramado, tomando banho de sol e meditando. Era hábito de Rajasi deitar-se sobre o estômago, com a coluna ereta. Eu podia ver, pela expressão de sua face, que a mente e a vontade dele puxavam a energia para cima, através da coluna, até o Centro Crístico. Uma vez, eu lhe perguntei: “Você medita o tempo todo?” Ele disse: “Bem, não o tempo todo. Do contrário, eu não poderia concentrar-me em meus negócios. Se eles não forem bem-sucedidos, a SRF sofrerá.” O Mestre repetia freqüentemente seu dito favorito a Rajasi: “Você está nos negócios por Deus”. Toda vez que Rajasi ajudava financeiramente a SRF, o Mestre repetia: “Fazer tanto para Deus prova que você está nos negócios por Ele”. O Mestre explicou: “Há muitos religiosos que usam a religião como negócio, mas não há pecado em usar métodos empresariais na religião, nem em tornar seu negócio próspero para que você possa ajudar a obra de Deus”.

Rajasi amava a música, mas não sabia cantar afinado. Sempre que fazia uma meditação especial-mente profunda, ele entrava em casa cantando: “Eu sou o céu, Mãe, sou o oceano azul do céu”, es-tendendo os braços acima da cabeça, enquanto cantava.

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Nadando no mar

No verão ou no inverno, ele gostava de ir à praia para nadar por um longo tempo; todavia, gostava mais de boiar do que de nadar. Embora gostasse do exercício revigorante de nadar, preferia os efeitos relaxantes de ficar boiando. Ele me falou: “É como flutuar no Infinito, com o oceano sem fundo em-baixo e o céu ilimitado em cima”. Depois, dava uma longa caminhada pela areia, antes de voltar para casa.

Por muitos anos, havia apenas alguns rapazes morando no apartamento da garagem, em Encini-tas, mas o Mestre ainda me designava como guarda-costas de Rajasi quando este descia para a praia, e me dava instruções para não permitir que alguém mais fosse com Rajasi ou o deixasse descer sozinho. Também eu tinha de caminhar a certa distância atrás dele, e sentar-me na praia enquanto ele nadava. Caso ele tivesse algum problema na água, eu poderia prestar ajuda; acrescentou o Mestre: “A posição e o dinheiro dele atrairão aqueles que desejam pedir-lhe favores, e se alguém estiver com ele, eles não se atreverão”.

Após muitos anos, depois que Manuel deixou o emprego, o Mestre me contou esta história que lhe foi contada por um dos rapazes mexicanos que conheciam Manuel, dizendo: “Manuel tinha plane-jado que sua esposa se aproximasse de Rajasi na praia. Eles iriam dizer que Rajasi dava cantadas nela, para então tentar chantageá-lo, mas Manuel se queixou: ‘A Srta. Darling estava sempre em algum lugar na praia e teria servido de testemunha contra nós. Por isso, não pudemos levar a cabo nosso esquema.’ O Mestre acrescentou com grande satisfação: “Veja, minha intuição está tentando protegê-lo constan-temente”.

A outra razão pela qual o Mestre me fazia acompanhar Rajasi era que Rajasi tinha carma de aci-dente. Meu carma, sendo diferente, ajudava a neutralizar o dele. Essa é também outra razão para o Mestre sempre providenciar um motorista para Rajasi. Eu também podia levar suas toalhas e o solven-te para remover o piche dos pés dele. Eu colocava essas coisas onde ele escolhia, então me afastava para um lugar a boa distância, mas dentro da visão. Ele sempre descia pela nossa própria escada. No inverno ou no verão, quando estava no eremitério, Rajasi descia para a praia diariamente. Eu me lem-bro que ele desceu sozinho uma vez. Quando voltou, estava sangrando profusamente. Fora cortado profundamente por uma água-viva. Era semi-venenosa e a ferida, muito dolorosa. Chamei o médico, por via das dúvidas. Não houve outro acidente. Quando os rapazes estavam disponíveis, Rajasi gosta-va de levar alguns deles para a praia.

Durante os primeiros anos, o Mestre costumava descer para a praia com Rajasi e um grupo de nós. Foi em uma dessas ocasiões, em janeiro de 1937, que o Mestre se sentou em uma grande pedra, com Rajasi a seu lado. O Mestre tocou-lhe o peito e Rajasi entrou em samadhi, e permaneceu por mui-to tempo nessa consciência. O Mestre o trouxe de volta para este mundo profano. Rajasi não gostava de nadar em piscinas, pois a água não era fresca o suficiente para ele, especialmente se podia ter a água salgada e fresca do mar para banhar-se. Todavia, entrou algumas vezes em nossa piscina, só porque o Mestre lhe pediu para acompanhá-lo e ele queria agradá-lo. O passatempo de Rajasi

O passatempo de Rajasi era cultivar frutas e legumes. Ele tinha um pomar de quinhentos acres em Pharr, Texas, de toronjas, vários tipos de laranjas e grandes tangerinas. Suas laranjas de umbigo eram as maiores que já vi. Todas essas frutas eram muito doces e suculentas, as melhores do mundo, excla-mava o Mestre, e todos nós concordávamos. As frutas dele ganharam muitos prêmios. Seu maior or-gulho era alcançar a melhor qualidade e mantê-la. Ele costumava enviar pelo correio milhares de ces-tas cheias de frutas, como presente de Natal para seus amigos e sócios. Enchia suas malas de frutas e as trazia para que o Mestre e todos nós desfrutássemos. Um inverno, no final dos anos de 1940, seu pomar sofreu uma geada de três dias, que destruiu todas as frutas e matou muitas árvores. Ele não te-ve frutas para vender ou dar para os amigos, embora houvesse o suficiente para seu uso pessoal. Du-rante vários anos, esse pomar foi um negócio de um milhão de dólares. Era um passatempo lucrativo.

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Em sua propriedade de Kansas City, ele mantinha também um grande pomar de maçãs douradas, deli-ciosas, maravilhosas, e outras variedades de maçãs e frutas. Ele tinha uma horta agradável que lhe for-necia legumes frescos em cada refeição, exceto, é claro, nos meses de inverno. Em 1947, nossa horta de Encinitas teve o orgulho de lhe enviar duas vezes, por via aérea, duas caixas grandes de legumes e frutas frescas, duas vezes por semana, para que ele nunca ficasse sem legumes frescos de horta, duran-te os meses de inverno em que ficava em Kansas City. Durante o período de 1938 a 1947, o Mestre e Rajasi fizeram vários tentativas de cultivar legumes e frutas em Encinitas. Não tínhamos homens ou dinheiro suficientes para manter a horta por um tempo bastante longo, embora com um pouco de cul-tivo, havia sempre legumes suficientes para o Mestre e Rajasi. Copio aqui algumas cartas do Mestre a Rajasi a respeito do cultivo de hortas.

30 DE SETEMBRO DE 1940 – Estou tentando achar sementes de cenoura Imperate e as plantarei atrás da casa. 11 DE SETEMBRO DE 1941 – Abandonei a horta por falta de ajuda eficiente. A conta de água era tão alta que é mais barato comprar legumes. Mas suas cenouras e a pequena plantação de ervilhas serão cuidadas regularmente. Providenciei definitivamente, sob a supervisão minha e de Durga, que uma grande provisão de cenoura seja mantida para você. P. Yogananda.

Rajasi, vendo que nossa terra em Encinitas não estava sendo utilizada, quis começar uma ampla

fazenda para abastecer os discípulos de Mt. Washington e Encinitas. Mas o Mestre tinha planos para esse ou aquele pedaço de terra. Então, a terra ficava ociosa. Rajasi sempre dizia: “A terra foi feita por Deus para prover as necessidades da vida”. Um dia, ele veio a mim e disse: “Se não posso ter terra ao redor desta colônia pra cultivar coisas, eu mesmo comprarei uma fazenda”. Ele me pediu que o levas-se de carro para a zona rural, em uma caça de fazendas. Fomos várias vezes, mas sempre que voltava ao eremitério, ele dizia: “Não há lugar como este”. Vendo quão ansioso ele estava para ter uma fazen-da, falei ao Mestre sobre isto. Quando o Mestre soube que Rajasi estava determinado a ter uma fazen-da, a ponto de comprar uma em outro lugar, concordou em deixar que ele usasse toda a terra disponí-vel em Encinitas para fazer ali o seu projeto. Rajasi ficou muito contente. Ele sempre quis contratar uma família japonesa para trabalhar na horta, mas o Mestre não era muito a favor da idéia, porque sen-tia que estranhos causariam problemas.

No começo de 1947, o Mestre descobriu que Eugene BenVau, estudante e fazendeiro, tinha per-dido sua fazenda por causa do mau clima e dívidas. O Mestre contratou-o para trabalhar na horta. Ra-jasi se encarregou da plantação de chá, com todas as despesas e salários, e a administrou. Ele adquiriu todas as variedades de árvores frutíferas e nogueiras e comprou um trator novo e equipamentos de fazenda. Entrou no projeto em grande estilo. Plantou muitas variedades de legumes. Ocasionalmente, tínhamos o sortimento de onze legumes diferentes, até de sementes da Índia. Tentamos e obtivemos êxito em cultivar algumas delas. Ele até colocou gaiolas de arame em volta de cada árvore para manter os pássaros afastados. Podíamos ver Rajasi caminhando ao redor de cada árvore com sua cesta, indo de uma gaiola a outra, colhendo pêssegos, figos ou tudo que estava na época. Ele comia até fartar-se e trazia a cesta cheia para todos nós em casa. Seu único passatempo e alegria, assim me disse uma vez, “era cultivar e comer frutas frescas e legumes. Não fumo, não como carne, não bebo, nem tenho ou-tros maus hábitos, assim gosto de cultivar coisas”, um passatempo que era muito lucrativo para a SRF. Nós colhemos os resultados do projeto. Seu único passatempo, em Encinitas ou Kansas City, era no pomar ou na horta, arrancando os legumes cozidos pelo sol, e as frutas das árvores, das vinhas ou do solo, e ele os comia ali mesmo. O Mestre estava muito feliz com o êxito do pomar. Ele adorava todos os vegetais, especialmente os pêssegos Babcock. O Mestre e Rajasi costumavam se sentar ou caminhar de mãos dadas, falando desse ou daquele legume ou fruta. Estavam unidos em sua compreensão mú-tua, pois o amor um pelo outro reinava supremo em seus corações.

Transcrevo duas cartas do Mestre a Rajasi:

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6 DE JULHO DE 1946 – Sua idéia de plantar árvores frutíferas é muito prática e atraente; se você não fizesse o pomar, teríamos pouco para comer aqui. 9 DE SETEMBRO DE 1947 – Sua natureza prática é muito evidente pelo modo como age de acordo com os meus desejos guiados por Deus e pelo modo como administra a horta, enlatando e vendendo o excesso, para impedir qualquer desperdício proposital.

Rajasi adorava caminhar. Ele fazia uma longa caminhada antes ou depois do jantar. Ia para o po-

mar, ou até o retiro e o restaurante, para abençoar os devotos e encorajá-los. Amava a chuva, vestia seus trajes de banho e saía para caminhar nela. A cena mais doce era quando o Mestre estava em En-cinitas: ele e Rajasi caminhavam alegremente de mãos dadas, de cima abaixo sobre o gramado do ere-mitério.

Renovar o estoque dos artigos de banheiro, de comida e de casa para Rajasi não parece algo que fosse muito difícil, mas acabei descobrindo que tudo aquilo que ele utilizava era difícil de se conseguir, ou só era vendido em algumas lojas específicas, e então eu tinha que andar quilômetros de uma loja para outra, até encontrar o que ele queria, especialmente durante a guerra, quando as coisas eram mais difíceis de serem obtidas. Acreditem-me, quando eu achava os itens, comprava uma grande quantidade deles.

Rajasi era mais feliz no ar fresco, aberto. A casa tinha de estar bem arejada a toda hora, mesmo com chuva, frio ou neblina. As janelas e portas tinham de ser mantidas bem abertas. O lençol de sua cama nunca era esticado porque ele gostava de ter a cama com lençóis novos diariamente e descober-tos, e a cama era empurrada para a porta, onde o sol brilhava, para deixar que incidisse sobre ela até o entardecer. Estando perto do mar, o apartamento estava sempre úmido. Rajasi dando dinheiro aos membros

Na época do Natal, o Mestre permitia que Rajasi desse a todos na casa $5.00. O Mestre não queria que Rajasi desse às pessoas em nenhuma outra ocasião, porque: “Eles se acostumarão com ele lhes dando coisas e pensarão nele como uma bolsa de dinheiro em vez do santo que realmente é”. Esta informa-ção, eu tive que passar cuidadosamente para Rajasi sem ofendê-lo, pois ele era muito generoso e gos-tava de ajudar aqueles que estavam no caminho espiritual. O Mestre queria incutir nas mentes e nos corações de todos os devotos a atitude de profundo respeito por Rajasi em todos os momentos. Odores e higiene

A higiene pessoal era uma necessidade ao redor dele. Ele mesmo era muito asseado. Mesmo depois de nadar, tomava uma ducha diariamente. Nem mesmo gostava que se usasse perfumes fortes a seu re-dor. O Mestre o chamava de seu “menino naturalista”.

Para evitar que os odores da cozinha principal entrassem no seu apartamento, tive a idéia de er-guer uma parede entre o quarto do Mestre e o quarto e a cozinha de Rajasi. Pensei que isso também daria mais privacidade ao Mestre em relação aos discípulos, em suas idas e vindas entre seus aposentos a todas as horas, de dia ou de noite. Os hábitos de leitura de Rajasi

Rajasi não lia muito. O jornal, alguns livros do Mestre e suas cartas estavam todos no banheiro, onde, segundo ele, fazia a maior parte de suas leituras. Sendo homem de negócios, era muito rígido quando se tratava de receber suas cartas empresariais. Viagens especiais tinham de ser feitas para garantir que eles as receberia na hora certa. Ele as lia com cuidado. A menos que o clima não lhe permitisse tomar banho de sol, ele raramente se sentava à escrivaninha para trabalhar durante o dia porque não queria perder um dia ao ar livre. Trabalhava e respondia suas cartas até tarde da noite. Escrevia notas ou car-tas à mão, ou as ditava. Em 1948, Marjorie BenVau aprendeu taquigrafia. Ele a contratou para redigir

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as cartas que ditava e, depois, datilografá-las. Quando os BenVau deixaram a cidade, Irmão Sarolanan-da que era taquígrafo no tribunal, tomava o ditado na sua máquina. Deste modo, os negócios de Rajasi eram cuidados por meio de cartas e telefonemas enquanto ele estava no eremitério. Ele fazia quase diariamente uma ou duas chamadas a longa distância, para Kansas City ou Texas, para tratar de negó-cios. Raramente se deitava muito tarde, normalmente às onze horas da noite, por aí. Carregar pesos

O Mestre não permitia que Rajasi carregasse coisas pesadas. O Mestre disse que “pessoas que se apro-fundam na meditação podem fazer trabalho leve ou mental, mas não trabalho manual pesado”. Os hábitos de vestir-se de Rajasi

Enquanto estava em Encinitas, Rajasi vivia com trajes de banho. Contudo, ele se vestia para encon-trar-se com alguém ou para dar seus passeios. Vestia-se com esmero e possuía belos ternos e jaquetas de casimira, de excelente qualidade. Não gostava de coisas ásperas. Só usava gravata se fosse necessá-rio. Os sapatos dele eram grandes o suficiente para serem confortáveis, e ele os tirava no minuto que entrava em casa; todavia, também não gostava de andar descalço, porque isso era muito anti-higiênico. Usava sandálias, chinelos abertos no calcanhar, ou outros chinelos macios. Sendo de natureza conser-vadora, no começo não usava camisas esportes, mas logo superou isso, pois perto da praia a maioria dos homens usa camisas esportes e bermudas. Ficou feliz por usá-las depois disso, porque provaram-se muito confortáveis para ele. Quando Rajasi vinha passar períodos longos, eu enviava suas roupas sujas para sua casa de Kansas City. Ele tinha uma boa lavadeira que lavava suas roupas todos os dias e depois as mandava de volta, limpas e engomadas.

De vez em quando, Rajasi gostava de sair para um passeio de carro, especialmente para a zona ru-ral. Gostava de andar com boa velocidade, se o tráfico permitisse. Era bastante impaciente na estrada com outros motoristas que não se moviam para o lado se ele os quisesse ultrapassar. Ele apertava a buzina até que eles lhe davam passagem. Era um excelente motorista e, às vezes, gostava ele mesmo de dirigir. No princípio, o Mestre deixou que um dos seus carros ficasse disponível para Rajasi, mas, nos anos posteriores, Rajasi comprou seu próprio carro. Gostava dos Oldsmobiles. Rajasi tinha um cho-fer em Kansas City, embora costumasse ir e voltar do escritório dirigindo. O chofer mantinha o carro de Rajasi imaculadamente limpo e em perfeitas condições de funcionamento, o tempo todo, pronto para Rajasi virar a chave. Rajasi esperava de nós o mesmo serviço, e ficava um tanto impaciente se o carro não estivesse pronto na hora.

Antes de 1943, eu não sabia dirigir. O Mestre freqüentemente expressava o desejo de que eu a-prendesse a dirigir, mas já que ele não insistia nisso, eu não desejei somar outro item à minha agenda já pesada. Todavia, durante a guerra com o Japão, em 1943, pneus e gasolina estavam racionados. Ra-jasi não tinha seu próprio carro em Encinitas, naquele tempo. Quando ele nos informava de sua pró-xima visita, eu pegava o trem para Los Angeles, a fim de comprar mantimentos frescos; depois, Irmã Sailasuta ou Sr. Castillo me levavam de carro ao aeroporto ou a estação ferroviária para pegar Rajasi e levá-lo a Encinitas. O motorista tinha que tomar um trem ou ônibus de volta para Los Angeles. Esse procedimento tinha de ser repetido quando chegava a hora da partida de Rajasi. Um dia, Rajasi e eu comentávamos o problema que isso acarretava ao Mestre e aos motoristas. Rajasi ofereceu-se para me ensinar a dirigir e encorajou-me para que eu aprendesse, acrescentando: “Manteremos isto em segredo e da próxima vez que o Mestre quiser que eu vá a Monte Washington, você poderá me levar de carro e surpreender o Mestre dizendo que me trouxe”. Depois disso, todos os dias, ele me fazia dirigir. Era um bom professor. No começo, dirigíamos nas estradas da zona rural de Encinitas, para evitar as ro-dovias. Ele não perdia um dia, porque segundo ele: “Seria mais difícil recomeçar”. Quando Rajasi fa-lou que eu o trouxera de carro, o Mestre gritou de alegria, porque isso aliviou sua mente de ter de pro-videnciar um motorista, além de eliminar as despesas de viagem. Daí em diante, o dever de dirigir foi somado aos meus serviços a Rajasi. De dia ou de noite, eu o levava de carro para onde ele quisesse, e o levava e trazia do aeroporto e das estações.

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Deslizamento de terra

Rajasi estava na praia quando o primeiro deslizamento de terra aconteceu debaixo do templo. Bernard Cole desceu correndo para lhe contar. Rajasi não ficou nem um pouco perturbado. Não disse uma palavra a Bernard, nem se apressou a voltar. Nadou e caminhou como sempre antes de vir ver o dano que o deslizamento fizera. Fealdade e negativismo

Rajasi não gostava da fealdade em qualquer de suas formas. Por exemplo, se ele deixasse cair algo no chão e derramava o conteúdo, saía da sala, desgostoso, tão rápido quanto podia, para que não preci-sasse ver aquilo. Repugnava-lhe qualquer palavra feia; até “dam” (“droga, maldição”) ele não aprovava, nem jamais o ouvi dizer essa ou qualquer outra palavra feia, nem mesmo “Oh, boy” (“Rapaz!”). O Mestre não nos permitia falar em tom negativo para Rajasi; com ele, as conversas ou os relatórios ti-nham de ser com uma base construtiva. Posso bem entender a razão desta sabedoria, pois Rajasi não podia suportar nenhum tipo de negativismo. Se o mais leve elemento negativo entrasse nos relatórios, ele depois disso não queria ter mais nada a ver com o projeto ou a pessoa, ou se visse alguém resvalar no caráter, perdia a consideração por essa pessoa. Se tivesse que lidar com a pessoa de qualquer ma-neira, não concedia favores a ela, embora fosse muito misericordioso e perdoador na maior parte do tempo.

Rajasi era especialmente ingênuo para com alguém que estivesse no caminho espiritual. Ele pen-sava que eram todos anjos e sem defeitos, e se os visse cometer um deslize, era altamente crítico dessa pessoa. Ele, porém, tornou-se muito tolerante à medida que foi progredindo no caminho espiritual. Foi por isso que o Mestre me falou que Rajasi atraíra uma esposa mental e fisicamente inválida para aprender a paciência, e ele seguramente aprendeu.

A pessoa podia argumentar facilmente com Rajasi e conseguir resultados. Embora fosse um ho-mem de negócios muito próspero, era muito parecido com uma criança nos seus maneirismos. Ele amava profundamente sua mãe terrena, por isso respondia mais prontamente a apelos maternais do que a emoções femininas. Elogios maternais por suas boas ações em prol da organização, do Mestre e dos outros davam-lhe o incentivo para continuar fazendo mais. Hábitos econômicos

Rajasi era o tipo de pessoa que se você lhe dissesse que tomasse uma colherada de qualquer coisa, ele tomava duas por boa medida. Isto também se aplicava à sua generosidade. Não se importava em pagar um preço alto por algo bom, mas era muito econômico em outras coisas, por exemplo: quando des-cascava uma maçã, usava de paciência infinita para descascar a pele tão fina que parecia transparente. Ele era honesto até a medula e gostava da honestidade nos outros, por exemplo quando me dava di-nheiro para gastar em artigos domésticos. Rajasi pagava sua própria manutenção enquanto estava no eremitério, porque dizia: “Gosto de coisas boas e elas são caras, e não quero sobrecarregar a SRF com a minha extravagância”. Finanças

Ele era muito generoso e me dava bastante dinheiro para adquirir suas coisas. Certa vez eu lhe fiz um relatório dos gastos. Ele não gostou, dizendo: “Você não precisa me fazer esses relatórios. Veja, eu os estou rasgando sem nem mesmo olhar para eles. Se você persistir em fazer isso, continuarei a rasgá-los, portanto, não faz sentido você passar esse trabalho todo com a contabilidade.”

Eu respeitava seus desejos, mas era extremamente cuidadosa com seu dinheiro, pois sabia que ele era econômico, mas que também gostava de boa qualidade. Ele nunca questionou o Mestre, depois que lhe dava dinheiro, coisas do tipo: o que ele fez com o valor ou o quanto havia sido gasto nesse ou

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naquele projeto. Logo depois que o eremitério ficou pronto, Rajasi passou por grandes dificuldades financeiras em seus negócios. Como tinha o coração cheio de ternura, muito gentil e generoso, não queria frustrar a alegria e o entusiasmo do Mestre pelas melhorias no terreno do eremitério. Ele não falou nada sobre seus problemas para o Mestre. O Mestre, não percebendo a difícil situação de Rajasi, continuava comprando e pagando as contas, e para isso tinha que escrever continuamente a Rajasi pe-dindo mais fundos, tendo em vista que o Fundo Indiano, que Rajasi lhe dera como presente de Natal em 1936, estava rapidamente se esgotando. De alguma forma Rajasi providenciava o dinheiro para as despesas correntes, mas não o montante que o Mestre gastou no embelezamento do eremitério e de Mt. Washington. Assim, Rajasi não conseguiu repor o dinheiro do Mestre para o Fundo Indiano.

O Mestre, por causa de seu ideal, estava habituado à pobreza e à abnegação. O estilo simples de vida na Índia não necessitava de tantas compras de mobílias, consertos e reabastecimento de supri-mentos como nós temos aqui. Obviamente o Mestre percebeu que as condições de vida na América não se adaptavam ao estilo de vida indiano. Ele costumava dizer: “Na América, sou criticado por usar um hábito de algodão e, na Índia, seria criticado se usasse uma túnica de seda”. Essas e outras condi-ções similares o amarraram ao pesado fardo de ter que ganhar dinheiro para prover sua instituição na América com as necessidades imediatas. O Mestre não era um homem de negócios. Não conhecia os meandros, problemas, dificuldades e táticas envolvidos nas atividades de negócios na América. Teve de aprender pelo método de tentativa e erro para conseguir transformar em sucesso a sua organização, cujas despesas sempre excediam as receitas. Portanto, o Mestre passou por inúmeras dificuldades e sofrimentos, conhecidos e desconhecidos, durante toda a sua vida.

O Mestre batalhou durante os anos da depressão de 1930 e 1931. Ele recebia e dependia da ajuda financeira que o Dr. e a Sra. Lewis providenciaram nos anos anteriores, mas essa nova empreitada da administração de Mt. Washington era mais do que eles podiam ajudar sozinhos, então a constante ora-ção dele era para que Deus lhe enviasse um discípulo homem, que fosse rico, honesto, bondoso e, a-cima de tudo, que tivesse um profundo amor e desejo de entrar em contato com Deus consciente-mente. Essa não era uma oração incomum, pois o Mestre sabia da lei Divina que, quando o Senhor envia um de seus mensageiros, também envia ambos os tipos de devotos: aqueles que o ajudarão fi-nanceiramente e aqueles que darão seu serviço para ajudá-lo a cumprir sua missão terrena. Deus res-pondeu aos apelos do Mestre em fevereiro de 1932, com um de Seus diligentes filhos, J. J. Lynn, que em 1951 recebeu o nome espiritual de Rajasi Janakananda, para ajudar o Mestre a carregar sua cruz financeira. Rajasi era tudo aquilo que o Mestre esperava, sim, até mais. Era um prático homem de ne-gócios, humilde, nunca se exibindo com seu talento. Tanto era que foi somente nos últimos anos de vida que o Mestre descobriu que Rajasi era um mago financeiro, que conhecia o mercado de ações como a palma da mão, pois também era banqueiro, advogado e muito conhecedor do mercado imobi-liário, além de numerosas outras capacidades.

Imediatamente após o encontro com Paramhansaji, Rajasi o aceitou como seu guru e implicita-mente confiou nele e o reverenciava como um Cristo. Todas essas qualidades lhe serviram bem até agora e sempre, pois os testes impostos a ele foram realmente pesados. Deus havia respondido às ora-ções do Mestre por um amigo que ajudaria na condução do trabalho divino. Já no seu primeiro encon-tro, Rajasi tinha dado uma grande doação para reiniciar a publicação bimestral da revista East-West e colocou mais anúncios para promover as Lições, a fim de divulgar a salvadora técnica de Kriya para o mundo, por meio da continua exposição do nome da SRF perante o público. O Mestre tinha plenas expectativas que o dinheiro viria em quantidade ilimitada para esse propósito, e até pode ter sido as-sim, mas nesse meio tempo o Mestre fez seu primeiro apelo para Rajasi no dia 3 de abril de 1932, em uma carta para quitar a hipoteca de Mt. Washington. Após vários pedidos e a devida consideração, Rajasi falou para o Mestre começar as negociações com a companhia que detinha a hipoteca. Em maio de 1933, Rajasi deu para o Mestre alguns títulos do governo, cujo valor era o suficiente para cobrir a totalidade da hipoteca.

Nesse ínterim, o Mestre, desesperadamente necessitando de dinheiro, vendeu os títulos que Rajasi concedeu para o pagamento da hipoteca. Rajasi posteriormente me explicou que tinha dado para o

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Mestre em dinheiro toda a quantia que estava disponível com ele naquele primeiro encontro dos dois, em fevereiro. Portanto, quando o Mestre lhe pediu para quitar a hipoteca, ele não tinha o dinheiro, mas tinha aqueles títulos que deu para o Mestre manter até que as negociações estivessem terminadas e pudessem ser vendidos para pagar a dívida. Quando chegou a hora de fazer o pagamento, nem o Mestre ou Rajasi tinham o dinheiro para finalizar a transação.

Por outro lado, vamos levar a grave situação do Mestre em consideração. Nosso país em 1932-33 estava em uma de suas maiores crises financeiras, Mt. Washington estava com grandes dívidas e com muitas pessoas para alimentar. O Mestre tinha as despesas com viagens e as palestras, a organização estava num período de estagnação e o Mestre não tinha ninguém para cuidar de todas essas coisas ou que fizesse anúncios para atrair novos membros. Temendo uma outra quebra da bolsa de valores, o Mestre vendeu os títulos para amortizar a hipoteca, a fim de manter os lobos afastados de nossas por-tas. Houve grande benefício para a organização e para as almas que moravam em Mt. Washington com essa atitude do Mestre. Entretanto, foi somente em outubro de 1936, quando o Mestre nos tele-fonou de Nova Iorque, em seu retorno da Índia, que Rajasi foi capaz de dizer que o fardo da hipoteca lhe fora tirado dos ombros, bem como muitas outras dívidas que estavam pendentes antes e durante o passeio transcontinental do Mestre.

No início de 1933, o Mestre decidiu não viajar mais em suas campanhas país afora. Queria per-manecer na Sede Central e se concentrar em escrever e divulgar o ensinamento por meio do sistema postal, para atrair e treinar mais almas para o futuro da obra. Sua justificativa foi que, quando chegava em uma cidade, ele palestrava e ensinava para centenas, até mesmo milhares de pessoas, mas só podia estar em um lugar ao mesmo tempo, sendo que pelo correio seus ensinamentos alcançariam todos os cantos do planeta. Ele deu, entretanto, várias palestras em Los Angeles e arredores, cuja proximidade eliminava as despesas de viagem para si e para seus acompanhantes. Essa decisão colocou o peso da manutenção da organização unicamente sobre os ombros de Rajasi. Embora Rajasi fosse um homem de negócios de sucesso, conforme me contou mais tarde, ele não estava financeira nem mentalmente preparado para suportar o peso total dessa surpreendente mudança de eventos. O Mestre, entretanto, não permaneceu parado. Ele estava extremamente ocupado planejando o progresso e a expansão dos ensinamentos, escrevendo, realizando Serviços Dominicais e concedendo entrevistas que se alonga-vam até tarde da noite; tudo isso ajudava na situação financeira. Naquela carta escrita em 3 de abril, o Mestre pediu a Rajasi uma doação de 100 mil dólares, a fim de criar um fundo permanente que a insti-tuição pudesse receber e ser capaz de ir levando as despesas gerais com a renda do investimento, sem precisar mexer no principal. O Mestre queria ainda uma grande soma em dinheiro vivo, que servisse como um fundo de trabalho. Se Rajasi não tinha dinheiro nem para quitar a hipoteca, também não tinha para doar uma quantia tão expressiva para o fundo de depósitos ou para o fundo de trabalho.

Embora seu coração estivesse ansioso com o desejo de agradar ao Mestre, e embora fosse um bem-sucedido homem de negócios, havia um limite para sua riqueza, pois ele recebia somente um sa-lário de sua companhia de seguros contra incêndios e, também, outras rendas. O Mestre não sabia, contudo, que Rajasi não ficava com o dinheiro que suas companhias recebiam, pois elas vendiam um serviço e não um produto. Dessa forma, o dinheiro pertencia aos segurados e não a ele. O capital pre-cisava ser mantido para ser utilizado no pagamento dos estragos dos incêndios. Ele também respondia perante um Conselho e não podia utilizar ou dar aquele dinheiro.

Rajasi não podia dar conforme os mandos de seu generoso coração, pois também sofria com as leis fiscais, que ditam que alguém pode fazer uma doação para uma igreja, mas que apenas uma pe-quena porcentagem da renda para fins de caridade ficava livre de impostos. Disse-me que não impor-tava se os impostos estavam altos ou baixos, por muitos anos ele sempre esteve na faixa mais alta de contribuição. Na parte final de sua vida, ele só ficava com oito centavos de cada dólar que ganhava, o resto ia tudo para os impostos. Ele também tinha suas próprias despesas para cobrir. Rajasi providen-ciou o dinheiro para quitar dívidas antigas, contas atuais, reparos nas edificações e carros de Mt. Wa-shington e na compra de um veículo novo. Também pagava os anúncios publicitários e centenas de outras coisas necessárias a uma organização. Quando o Mestre percebia que as grandes quantias que

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ele havia prometido não viriam, procurava novas oportunidades para tornar sua obra auto-sustentável. Imaginou que o começo de novos e diversificados projetos poderia ser o único jeito de pedir a Rajasi doações para a SRF. Dessa forma, as doações não seriam muito grandes de uma vez só e ele poderia realizar seus sonhos para o presente da SRF e seu progresso no futuro.

Esse foi o início da bola de neve que continuou aumentando a cada criação de um novo projeto. Juntamente com os apelos por novos projetos, o Mestre repetia constantemente sua sugestão de um fundo permanente. Nesse meio tempo, Rajasi era mantido ocupado providenciando valores para os novos projetos, mas por outras razões de negócios não pôde doar dinheiro para o fundo. Portanto, para a criação do fundo permanente que o Mestre queria, Rajasi doou toda a sua carteira de ações que havia adquirido através dos anos a um custo bem razoável, mas que posteriormente valiam três vezes mais do que o Mestre havia pedido e gerou enormes dividendos.

Carteira de ações não era dinheiro que o Mestre pudesse ver ou gastar. Então ele temia por outra quebra na bolsa de valores, fazendo que elas ficassem sem valor. Ele achava que imóveis eram muito melhor investimento que ações, embora Rajasi, um banqueiro, tivesse dito que as propriedades imobi-liárias para fins de renda também era um negócio arriscado, pois os prédios precisam ser mantidos em boas condições, aumentando assim seus gastos, sendo que as ações pagam seus dividendos sem qual-quer despesa para seus donos. É verdade, elas oscilam seu valor, mas os imóveis também se depreci-am, e se o país está mal todos os negócios vão mal, inclusive os imobiliários. O Mestre não percebia que cada novo projeto aumentava as despesas, ao invés de gerar renda. O custo primário de constru-ção não era o único gasto do projeto, mas também a manutenção, com os funcionários que cuidam e administram o lugar, aumentavam as despesas. O Mestre ainda queria um grande fundo de trabalho em dinheiro para pode inventar esses novos projetos sem precisar ficar pedindo dinheiro extra para Rajasi. Dessa forma, o Mestre vendeu prematuramente várias ações. Ele não percebeu que vendendo as ações estava inviabilizando aquilo mesmo que mais queria: um fundo permanente.

Os continuados apelos do Mestre para uma doação para o eremitério foram atendidos em 1948. Quando Rajasi chegou ao eremitério, o Mestre foi encontrá-lo usando seu anel de ametista. Eles se sentaram juntos no sofá. De repente, Rajasi deixou a sala e retornou segurando um grande envelope. Sentou-se no chão, aos pés do Mestre, e abriu o envelope, alinhando vários certificados de ações lado a lado. Em seguida, ao lado dos títulos de crédito do Forum Cafeteria, colocou vários títulos de resgate pronto. Sorrindo, ergueu os olhos e perguntou ao Mestre: “Qual desses o senhor quer?” O Mestre sorriu timidamente e respondeu: “Ambos”. Rajasi riu e deu tudo para ele, assegurando assim para o eremitério uma boa renda mensal. Lágrimas de alegria escorreram no rosto do Mestre, pois finalmente o eremitério de seus sonhos continuaria a existir após a partida terrena deles. O Mestre lançou os bra-ços ao redor do pescoço de Rajasi e lhe deu um beijo na testa, abençoando-o muitas e muitas vezes. Após esse dia, o Mestre chamava o anel que estava usando de seu “anel da sorte”. Ele acrescentou essa ametista a outras que tinha e fez uma cruz como presente de Natal para Rajasi, intitulando-a “a cruz da prosperidade de Rajasi”. Rajasi adorou aquela cruz, bem como a cruz de diamantes que o Mes-tre lhe deu no seu último Natal na terra conosco.

Nos últimos anos de sua vida, o Mestre compreendeu o valor das ações e de seus dividendos, la-mentando profundamente ter vendido aquelas maravilhosas ações e gastado tanto dinheiro em edifi-cações, pois foi também nesse momento que Rajasi contou ao Mestre quanto dinheiro ele tinha doado nesses anos todos. Embora de maneira irregular, às vezes quantias pequenas, às vezes médias e por outras grandes, ele deu à Self-Realization Fellowship mais de um milhão de dólares em dinheiro, que fo-ram utilizados nos projetos de construção e mais um milhão em ações. Foi então que o Mestre disse, arrependido, que desejava não ter gasto aquele dinheiro em projetos focalizados em tantas direções diferentes, mas se tivesse concentrado seus esforços e aquele dinheiro na divulgação dos ensinamentos e para transformar Mt. Washington numa apresentável Sede Central Internacional, ao invés de prédios que custam tanto em manutenção, o trabalho teria ido longe durante sua vida.

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Era minha atribuição interceder pelo Mestre junto a Rajasi, quando o Mestre queria fundos para seus diferentes projetos. Era assim que eu sabia o lado do Mestre na história, mas também conhecia a posição de Rajasi. Quando o Mestre pedia que me aproximasse de Rajasi para pedir fundos para isso ou aquilo, queria que eu fosse imediatamente e corresse de volta com a resposta. Com o Mestre, tudo precisava ser feito na pressa e rápido. Ele costumava dizer que não tinha tempo para esperar. Rajasi era o oposto. Ele atrasava e esperava, pois pensava que ainda teria muitos anos pela frente para fazer grandes coisas financeiramente pela SRF. Sempre que o Mestre abençoava Rajasi, dizia: “Você será abençoado com uma longa vida por estar fazendo tanto pela SRF”. Mas, como veremos depois, Satã não gostava de ver Rajasi realizando tantas coisas pelo trabalho salvador da SRF e tentou impedi-lo antes que sua missão estivesse completa. Mas, pela graça de Deus e do Mestre, ele finalizou sua tarefa e recebeu sua merecida recompensa.

A vontade que o Mestre tinha de obter respostas imediatas raramente era atendida, porque Rajasi era homem de decisões lentas, que precisava pensar como agir ou como conseguir levantar os fundos necessários sem prejuízo para seus negócios. Escrevendo todas essas coisas após a passagem de tantos anos, parece como se o Mestre e Rajasi tivessem recebido uma enorme incumbência. Nossas mentes americanas podem se questionar por que o Mestre esperava tanto de uma pessoa. A resposta é que nosso Amado Mestre sentia sua unidade com o Criador do Universo, então, ele é como um filho que espera abundância de seu Pai Celestial, da Mãe Divina, ou vice-versa; e acontece a mesma coisa no relacionamento entre o Mestre e seu discípulo. O Mestre amava muito Rajasi e o considerava e tratava como um filho. Portanto, sentia-se no direito de um pai exigindo do filho o cumprimento de seu des-tino programado para ser o salvador financeiro da SRF. Embora o Mestre conhecesse essa verdade secreta e escrevesse com freqüência para Rajasi sobre o assunto, ainda assim ela não conseguiu pene-trar profundamente na consciência de Rajasi naquele tempo, da maneira em que essa verdade estava impressa na Consciência Crística do Mestre. Mas basta alguém conferir os arquivos acerca dos diferen-tes projetos e os atuais relatórios financeiros da SRF para perceber como, por meio da graça Divina, da visão empreendedora do Mestre e da generosidade amorosa de Rajasi, que essa grandiosa obra nas-ceu e agora, mais do que nunca, colhe os frutos de suas ações e sacrifícios individuais.

O Mestre tinha esperanças e orava para que Rajasi pudesse fornecer todos os fundos de que ne-cessitava sem que tivesse que constantemente ficar fazendo apelos, mas como não foi o caso, o Mestre resignou-se a desempenhar esse difícil papel pelo bem de sua missão Divina. Rajasi era muito genero-so e tinha muito orgulho em atender a cada desejo do Mestre. Seu coração compassivo não suportava ver de nenhuma maneira o Mestre sofrendo. Ele abraçava o Mestre e colocava a mão no próprio bol-so e esvaziava tudo na mão do Mestre. Vi com freqüência Rajasi partir para Kansas City com apenas alguns dólares no bolso, pois tinha dado tudo o que tinha para o Mestre, em favor de sua missão. Mas Rajasi era suficientemente humano para se enervar com alguns pedidos. Ele pouco ou nada dizia, mas sua expressão demonstrava bem sua determinação ou sua repulsa. Na maioria das vezes, Rajasi atendia amorosamente, pois era muito mais fácil atingir seu coração por meio do amor e gentileza do que por exigências forçadas. O Mestre amava-o tanto que não desejava provocar a menor desarmonia entre os dois, e se por uma razão ou outra Rajasi tivesse que recusar algum pedido, o Mestre não tinha vontade de ficar discutindo por mais tempo.

O maior desejo do Mestre era permanecer em um relacionamento espiritual com Rajasi em todos os momentos e a todo custo. Quando Rajasi vinha para Encinitas ou Mt. Washington, o Mestre ape-nas meditava e conversava sobre assuntos espirituais, evitando tratar de negócios, pois talvez tais as-suntos pudessem trazer a mínima desarmonia. Portanto, apenas em casos extremos o Mestre debatia pessoalmente os assuntos envolvendo os negócios da organização. Ao invés disso, ele escrevia todos os requerimentos em cartas ou me pedia para interceder por ele. Não apenas que eu pudesse incenti-var seus projetos junto a Rajasi, mas, acima de tudo, o Mestre não queria sentir o peso da recusa de Rajasi, caso houvesse. O Mestre sempre quis ver e lembrar-se de Rajasi não como um homem de ne-gócios, mas como um amado filho de Deus. O amor que tinham um ao outro era verdadeiramente

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divino. Transcrevo uma das cartas do Mestre para Rajasi, na qual expressava seu profundo amor espi-ritual por ele.

8 DE MARÇO DE 1932 – Meu mais Amado: O Guru é discípulo e o discípulo é guru, atados em uma promessa de amizade eterna até que redimam suas almas no Espírito. A amizade Divina é incondicio-nal e espera até que a perfeição seja atingida. É assim minha amizade por você. A amizade humana é egoísta, imperfeita e principalmente não chega além dos portais da morte. Sua própria presença já me relembra e inflama em mim o samadhi de Deus. Pois eu vejo Deus desperto em você com grande ful-gor. Você sabe o que é encontrar alguém florescendo depois de encarnações de sombria espera? Es-perarei até que todas as pétalas de sua mente despertem e bebam da fragrante luz solar divina e espa-lhem o perfume da Yogoda para todos. É bom encontrar uma pessoa que é seja a realização da profe-cia do Mestre. Alguém que corresponda nos mínimos detalhes a todas as minhas divinas expectativas. Ninguém na América atraiu de mim tanto amor e apreço quanto você, graças à sua divina simplicida-de, autocontrole e, acima de tudo, seu inebriante e aprofundado amor Divino. Eu guiarei você. A pro-fundidade do oceano do néctar é infinita. Mergulharemos até atingirmos a infindável e sempre reno-vada bem-aventurança. Não conseguimos nos encontrar com a freqüência que eu gostaria para que você entrasse em samadhi junto comigo. Não me importo com nada mais. Escreva-me, embora você seja um homem tão ocupado. Uma só linha já será suficiente para nosso elo permanecer sempre forte e para manter nossas almas atadas ao Espírito. Abençoado, um milhão de bênçãos por sua coopera-ção da noite passada. Eu sinto o que você tem feito pela obra de meu Guru. Jamais vi alguém agir com tanto coração, espontaneidade e nobreza quanto você. Eu rezava para que a Mãe Divina envias-se um filho divino, poderoso e imaculado como os raios de sol para ser meu parceiro na grande mis-são que Babaji me conferiu. Já que você está se rejubilando pela nova bem-aventurança reunida em seu coração, lembre-se que você também me concedeu a mesma alegria por ser o instrumento da mi-nha emancipação das dificuldades de nosso trabalho divino, a fim de que eu possa servir a você, ao Guru, a Deus, a Yogoda e a todas as pessoas por meio de meus escritos e do samadhi. Minha alegria não tem limites. Com meu mais profundo amor e eterna bênção, sempre com meus vigilantes olhos de amor por seu progresso constante. Seu muito sincero,

S. Yogananda. Transcrevo agora um trecho de uma carta do Mestre para Rajasi em 1934:

Mais um banquete já aconteceu e terminou. Temos outro planejado para 11 de novembro. Você po-derá vir?

Reuniões Públicas

Rajasi não gostava de comparecer a compromissos públicos. Ele raramente participava de banquetes ou grandes eventos, mesmo em seus próprios negócios. Os poucos eventos aos quais comparecia em Mt. Washington era puramente para agradar ao Mestre. Por causa dos negócios, tinha a preocupação de não expor seu nome em público, o que normalmente acontece nessas ocasiões. Especialmente se havia conexão com a Ioga, os jornais ficavam ansiosos para expor o seu nome, como haviam feito an-tes, por diversas vezes, em Kansas City , causando muitos transtornos a seus negócios. (Como Rajasi tinha falado ao Mestre: “Na Índia, por ser um seguidor da Ioga eu seria chamado de santo, mas na América sou chamado de tolo”.) O Mestre ansiava por proteger Rajasi das dificuldades, pois Rajasi estava nos negócios por Deus. Em um dos banquetes que Rajasi compareceu, acredito que tenha sido na primeira vez em que veio a Mt. Washington, em 1933, enquanto caminhava na sala de jantar (que agora é o escritório principal), eu estava colocando as toalhas na primeira mesa quando ele entrou e parou para me ajudar na outra ponta da mesa. O Mestre ficou muito satisfeito com sua atitude, con-forme disse: “Vejo que você tem o espírito de servir. Isto é muito bom.”

Rajasi também compareceu à inauguração do nosso restaurante em Encinitas. Após os refrescos terem sido servidos, todos nos sentamos à mesa, quando, de repente, o Mestre tocou Rajasi. Ele en-trou novamente em profundo samadhi. Quando voltou ao estado consciente, o Mestre pediu-lhe que abençoasse a cada um dos presentes. Todos os que receberam a bênção disseram a mesma coisa, que

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sentiram um impressionante amor vindo dele. O Mestre falou que aquele fora um “samadhi de Amor Divino”. Rajasi preferia permanecer sozinho e meditar em ambientes espirituais sempre que tinha chance, ao invés de ficar em público. O sentido do olfato

Rajasi tinha um olfato aguçadíssimo. Podia detectar odores a longas distâncias. Ele nunca fumou, por-tanto era muito mais sensível ao cigarro do que a outros cheiros. Ele me disse: “Se um vendedor vem até meu escritório com um cigarro na mão, ele sai sem vender coisa alguma”. Ele tinha um aviso de “Proibido Fumar” na mesa de seu escritório em Kansas City. Graças ao exemplo de Rajasi, muitos de seus associados nos negócios pararam de beber e fumar. Eu perguntei a ele, sabendo que não gostava da fumaça do cigarro, como se virava naquelas rotineiras reuniões de negócios em que precisava com-parecer. Ele respondeu: “Eu não permito que se fume quando estou com meus subordinados. Quan-do vou às reuniões em bancos, restaurantes ou na ferrovia, eles também sabem que não gosto de ci-garro e então me respeitam e não fumam durante a reunião. Mas em outros compromissos, suporto pacientemente.”

Perguntei a Rajasi como era o comportamento dos membros do conselho de diretores, quando ele comparecia às reuniões ou encontros informais. “Se eles discutem entre si ou conversam muito, como você age ou reage às suas ações?” Sua resposta foi: “Sento-me em silêncio e pratico Hong-Só, ou então mentalmente subo e desço a coluna vertebral, com os olhos abertos, é claro, e deixo que falem. Quando seu debate e suas palavras terminam, alguém se vira para mim e pergunta: ‘O que você acha, Jimmy?’ Nesse momento, eu já tenho intuitivamente uma resposta, e então eles se admiram: ‘Como você consegue? Você não disse uma só palavra e agora é o único que resolve o problema!’ Eles não acreditariam nem que eu lhes contasse, então permaneço quieto com meu método e eles ficam satisfei-tos.” Por essa razão, Rajasi era sempre muito solicitado, pois todos os que sabiam de sua reputação como homem de negócios queriam sua presença nas reuniões. Um de seus sócios me falou: “Estou com o Sr. Lynn há 40 anos e ainda estou para vê-lo cometer um erro na condução dos negócios”.

Eugene BenVau, sabendo que Rajasi era muito sensível a odores, sentia-se na obrigação de tomar banho e trocar de roupa antes de encontrá-lo, ou, se não tinha tempo, ficava a certa distância para conversar com ele. Os outros trabalhadores de Encinitas agiam da mesma forma. Durante a doença de Rajasi, tive várias ocasiões para conversar com os sócios dele, que me falaram: “O Sr. Lynn certamen-te tem um olfato poderoso. Nós ficamos longe dele quando acabamos de fumar ou de beber, pois ele consegue detectar o cheiro a centenas de metros.” Durante sua última enfermidade, Satã o fez passar por várias provações. Em 20 de agosto de 1954, ele estava tomando seu rotineiro banho de sol quan-do, apressadamente, veio me perguntar se eu conseguia sentir aquele cheiro horrível que estava ema-nando dele. Não consegui sentir cheiro algum. O odor era tão ruim que lhe causava arrepios nos pêlos de seu braço e peito, bem como estouravam bolhas, as maiores que já vi em alguém. Saí para investi-gar o lugar onde ele estivera deitado na grama, para ver se havia alguma coisa provocando aquilo. A-pós cuidadosa procura, não pude achar qualquer coisa. Depois de um curto tempo, ele voltou a recla-mar do mesmo cheiro. Vendo como estava perturbado, pedi-lhe para sentar-se e lhe contei como ha-via lido que, na vida de alguns santos, Satã tentava desencorajá-los do caminho espiritual com odores malignos e aparições. E continuei: “Satã assumirá qualquer forma para roubar do devoto sua consci-ência da bem-aventurança e acredito que ele está criando esse odor, na tentativa de perturbá-lo, por-que sabe como você é sensível. Apenas ria da cara de Satã e diga que ele não pode, com sua farsa, a-fastá-lo de Deus e do Mestre.” Rajasi sorriu e disse: “É, deve ser isso”.

Deixei que ele ficasse sozinho para refletir sobre isso. Quando voltei, após alguns minutos, para ver se estava tudo bem com ele e se o terrível cheiro ainda o incomodava, ele me sorriu e disse: “Sri Yukteswarji veio. Ele estava muito feliz e sorriu para mim, e o odor foi embora.” Aquele cheiro repul-sivo não voltou mais. Tais são as maneiras de Deus para nos ajudar a superar nossos abusos na utiliza-ção de qualquer um de nossos cinco sentidos.

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Guerra

Transcrevo alguns trechos das cartas do Mestre para Rajasi sobre a América.

18 DE FEV. DE 1940 – O mundo está ficando cada vez mais complicado. Estou dedicando minhas o-rações à Amada América. 9 DE NOV. DE 1944 – A característica única e redentora da amada América é que ela está na guerra por um ideal e não por lucros, mas também está criando bastante carma negativo, que está influenci-ando a tendência política deste país em direção ao comunismo e à enfeudação. Nunca houve um país melhor do que a América, onde o capital e o trabalho laboram em harmonia para a felicidade e a prosperidade de todos. 15 DE OUT. DE 1947 – Nunca houve uma civilização mais democrática e benigna do que a América. A maior parte do mundo é complicada de se viver, ou seja, naquele verdadeiro sentido dos padrões de conforto e vida com segurança que é oferecida pelos Estados Unidos.

Cito alguns trechos das cartas do Mestre para Rajasi acerca da Guerra. 16 DE FEV. DE 1940 – O propósito metafísico da guerra é a pavimentação do caminho da liberdade para a Índia, China, Egito, Indonésia, África e todas as nações subjugadas. Ainda assim, eu oro diari-amente para que a guerra termine antes do prazo determinado pelo carma coletivo das nações belige-rantes. Há um grave perigo, pois Satã está induzindo alguns políticos a alistarem a América na guerra. Rezemos para que tal dia jamais chegue. Rajasi era um americano patriota. Embora quase fora convocado para a I Guerra, que terminou

antes que fosse chamado, ele era velho demais para a II Guerra; por isso foi poupado. Muitos de seus colegas foram convocados ou alistaram-se. Como em outros negócios, suas companhias tiveram que contratar mulheres para o lugar dos homens que perderam para o serviço militar. Após a guerra, eles voltaram.

Havia uma coisa em particular que o deixava impaciente. É que era muito difícil conseguir uma reserva de trem ou avião, e muitas vezes, quando ia para o aeroporto, acabava descobrindo que outra prioridade acabou pegando o seu lugar no avião e ele tinha que retornar ao escritório ou ao eremitério e conseguir uma nova reserva. Embora ligasse antes de sair, para confirmar sua reserva, sempre havia a possibilidade de na última hora um militar exigir uma cadeira e os passageiros serem obrigados a a-brir mão. Ele não se incomodava com isso. Era a incerteza dessa situação toda que o deixava impaci-ente.

Rajasi também, lado a lado com o Mestre e todos nós, rezava por um rápido desfecho de uma guerra inútil. Apenas uma vez eu o ouvi usar a palavra “brigar”. Tinha a ver com as melancias que ele plantara e os meninos da vizinhança que as roubavam. Ele não se importava de as melancias serem levadas, mas os rapazes estragavam as plantações, e as frutas não voltavam a crescer. Quando isso a-contecia com muita freqüência, ele dizia: “Há suficiente sangue irlandês em mim para querer brigar”. Ele era três-quartos escocês e um-quarto irlandês. Ele brigou colocando um vigia na plantação de me-lancias durante a noite, e funcionou. Os meninos não retornaram.

Rajasi era muito sensível ao sofrimento alheio e não gostava de qualquer tipo de violência. Ele me falou: “Quando eu era pequeno e meus irmãos ou amigos brigavam entre si, eu corria para trás de uma árvore e chorava muito, pois não queria que ninguém se machucasse”. Bracelete

O Mestre deu para Rajasi um bracelete, no Natal de 1937, como proteção física, mental e espiritual. O bracelete saía facilmente do braço, e Rajasi tinha medo que pudesse cair no oceano e se perder. Por

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isso ele o tirava, não sabendo o perigo a que se expunha. Eu falei para o Mestre sobre isso e ele ficou muito preocupado, escrevendo para Rajasi a seguinte carta, que transcrevo:

15 DE DEZ. DE 1938 – Segundo as leis astrológicas, não há nada melhor que um bracelete, para afastar todas as más influências dos planetas. Dois corpos no universo se atraem. Quando esse poder de a-tração das células corporais se enfraquece devido ao avanço da idade, a atração dos planetas se torna mais forte, causando ainda mais relaxamento das células, assim provocando doenças e distúrbios mentais. O bracelete, com sua combinação de metais conforme as regras elaboradas pelos Rishis, emi-tem raios eletrônicos (invisíveis ao olho humano) que neutralizam todas as vibrações planetárias. As-sim como um pára-raios é colocado numa casa para absorver os relâmpagos e descargas elétricas, também um bracelete age para absorver a ferocidade dos raios planetários prejudiciais que incidem sobre o corpo, quando o mau carma da doença ataca. Além do mais, ouvi o Mestre dizer várias vezes que Satã cria na mente do usuário do bracelete o impulso de tirá-lo, de maneira que ele possa conti-nuar a punir as pessoas por intermédio do carma negativo de vidas passadas. Recordo-me de casos precisos em que a pessoa não conseguia usar o bracelete porque aquela parte do braço ficava infla-mada. A pessoa teve que mudar a posição do bracelete umas três ou quatro vezes. Ela foi curada de paralisia e algumas convulsões. O bracelete também modificará e diminuirá quaisquer influências ne-gativas nos negócios. Algumas vezes, tirar o bracelete quando é necessário, mesmo nessa hora, tam-bém é perigoso. Escrevo essas coisas apenas para enfatizar as leis das vibrações eletrônicas, que Deus criou e os Rishis descobriram, para neutralizar as más influências planetárias sobre o corpo humano.

Rajasi nunca mais tirou seu bracelete.

Aviões

Transcrevo agora algumas das cartas que o Mestre escreveu para Rajasi sobre suas viagens de avião como meio de transporte.

20 DE OUTUBRO DE 1937 – Aconteceu outro acidente aéreo com uma pessoa ilustre, um banqueiro de Utah. 25 DE MAIO DE 1938 – Pessoas ricas viajam de avião porque têm dinheiro, arriscando assim suas vi-das, e seu carma de serem ricas convida a morte delas, quando acontecem desastres aéreos. Viajar de avião não é tão seguro quanto viajar de trem. Todos aqueles que viajaram de trem ainda estão viven-do. Além do carma individual, as diferentes máquinas tem um carma relacionado. Navios a vapor ver-sus automóveis, conforme seus carmas individuais. Vários graus de níveis de segurança fazem o ho-mem desfrutar ou sofrer de acordo. Em outras palavras, se um homem com bom carma dirige um au-tomóvel de maneira deliberadamente arriscada, irá provocar as condições cármicas perigosas do veí-culo também. Acontece o mesmo com os aviões. É assim que a lei funciona. A lei não respeita as pessoas por causa de seu bom carma. Todos nós devemos ter cautela. 3 DE SETEMBRO DE 1940 – Em acidentes rodoviários, sempre há alguma chance de escapar ileso, mas nos acidentes aéreos não há chance alguma. É melhor chegar em algum lugar, mesmo que demore mais, do que nem chegar. Minha alma estremece sempre que ouço sobre algum acidente aéreo. Daqui a mais dois anos será seguro para você usar os aviões. Entretanto, você gosta de viajar de avião, mas por favor não se arrisque quando o tempo estiver nublado ou chovendo. Por favor, vá de trem nessas oportunidades. Por favor, siga este conselho, apenas embarque nos melhores aviões. Espero que Satã nunca me faça sofrer fazendo mal a você, pois se acontecer algo com seu corpo, também o meu ces-sará de existir. A sua amável pessoa divina é meu maior incentivo para permanecer na terra. Entretan-to, esteja sempre com Deus e lembre-se que Ele está sempre com você, sempre protegendo-o. Meu amor e minha amizade estão sempre com você. P. Yogananda. Rajasi era um executivo muito ocupado e o elemento tempo tem fundamental importância para

um homem de negócios. Ele começou as viagens aéreas tão logo os aviões comerciais de passageiros se tornaram disponíveis. Ele até mesmo comprou um avião para si e começou a tomar lições de vôo.

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Seu professor falava tão grosso com ele enquanto ensinava, que Rajasi parou com as aulas e deu o avi-ão para seu irmão menor. Esse rapaz, mais tarde, acabou morrendo num desastre com um avião parti-cular de um amigo, quando voltavam de uma pescaria. Após esse acidente, Rajasi prometeu para si mesmo que nunca mais voaria em avião particular novamente. Só viajava em grandes aviões de passa-geiros e tinha o cuidado de apenas embarcar quando o tempo estava bom; contudo, algumas vezes durante suas viagens, o avião teve que retornar ao chão em qualquer aeroporto disponível devido ao mau tempo repentino durante o trajeto. Uma vez, quando estava voando para Los Angeles para nos visitar, durante a ausência do Mestre na Índia, houve uma terrível tempestade com raios. Tiveram que pousar no Arizona.

Outra vez, um dos motores do avião pegou fogo e caiu. Entretanto, eles conseguiram pousar com segurança, utilizando os outros motores.

Depois que voltou da Índia, o Mestre pediu para Rajasi deixar de voar por um tempo e viajar de trem, e que ele iria dizer quando Rajasi poderia voltar a voar novamente. Rajasi obedeceu à vontade do Mestre, mas um dia em 1937 recebemos um telegrama em que ele pedia para nós o pegarmos, em de-terminado horário, no Hotel Biltmore. Tive o pressentimento que ele havia viajado de avião ao invés do trem. Não falei nada, mas Rajasi contou para o Mestre que tinha voado e pediu para ser liberado de sua promessa de pegar trens. O Mestre não pôde negar, mas pediu a Deus para protegê-lo em dobro. É claro, os trens naquela época eram mais lentos do que agora. Os poucos dias que Rajasi tinha livres eram gastos em viagens, deixando-lhe pouco tempo para aproveitar a paz e a meditação que ele tanto gostava no eremitério. Por avião, ele poderia chegar em seis ou sete horas, e posteriormente em quatro ou cinco horas. E isso fazia uma enorme diferença para quem dispõe de tempo limitado.

Embora Rajasi tenha sido liberado de sua promessa, o Mestre não foi capaz de se livrar da ansie-dade, pois sabia que o carma de Rajasi era o semelhante ao de seus dois irmãos: um deles morreu de acidente aéreo e o outro, em acidente de carro. O Mestre ficava muito preocupado, por isso as cartas que ele escreveu avisando sobre os aviões. E também não era somente o carma de acidentes de Rajasi que o preocupava, mas também porque ele era a nossa única fonte de doações para a propagação dos nossos ensinamentos e projetos. O Mestre temia as maneiras sutis em que Satã age, pois poderia usar o carma de acidentes de Rajasi para afastá-lo, evitando assim que aquela alma Divina ajudasse muitas outras almas. Era meu dever levar Rajasi até o aeroporto e, sabendo da profunda preocupação do Mestre, eu ficava parada na cerca do aeroporto após a decolagem, rezando silenciosamente. Eu não ficava sossegada até que visse uma luz circundando o avião, pois então eu sabia e sentia que as orações do Mestre o estavam protegendo.

Uma vez, Rajasi viu da janela do avião eu curvar minha cabeça em oração. Ele ficou profunda-mente comovido e começou a pegar trens de novo. Ficou assim por um tempo, mas seu hábito de voar era muito forte e, novamente, voltou a viajar de avião. Nosso pobre Mestre, depois que lia sobre um acidente aéreo, ficava ainda mais ansioso e sua preocupação durava desde a decolagem do avião até receber notícias de que Rajasi tinha pousado em segurança. Ele pedia para Rajasi mandar um tele-grama ou ligar logo após sua chegada. Rajasi continuou a voar até o fim da vida. Após sua primeira operação em abril de 1953, sentiu que precisava voltar para os negócios em Kansas City. Ele estava ponderando acerca do meio de transporte que deveria utilizar: avião ou trem. Então eu disse: “Por que não pergunta ao Mestre para saber em qual deles você deve ir? Ele vai dizer qual maneira é a melhor para você.” Ele respondeu: “Vou perguntar a ele”.

Quando o Mestre apareceu numa visão, Rajasi fez a pergunta. O Mestre olhou para ele e disse: “No devido tempo eu falo”, e disse para Rajasi que o final de maio seria o melhor período para ele viajar. A próxima vez que Rajasi viu o Mestre numa aparição foi em 2 de maio de 1953. Ele viu o Mes-tre e Sri Yukteswarji juntos e falou ao Mestre: “Mestre, se não quer me dizer em qual meio devo viajar, porque não pede para Sri Yukteswarji me dizer?” Sri Yukteswarji e o Mestre explodiram em gargalha-das e desapareceram sem lhe dar satisfação. Novamente, em 9 de maio de 1953, quando Rajasi viu o Mestre naquela manhã, ele disse: “Mestre, sempre viajei do jeito que eu queria, pelo ar, mas desta vez

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Uma Trilogia do Amor Divino 121

estou indo de trem a menos que me diga o contrário. Se quiser que eu voe terá que me dizer.” O Mes-tre sorriu, mas não falou nada.

O tempo se encurtava e Rajasi ainda não havia recebido uma resposta. Então novamente, em 14 de maio de 1953, enquanto meditava, falou com o Mestre: “Diga-me como deverei viajar. Quero agra-dá-lo. Se quiser que seja de trem, diga. Se for de avião, também. Quero que esteja satisfeito comigo.” Após Rajasi terminar de falar, houve uma grande luz. Sri Yukteswarji saiu daquela luz, envolveu Rajasi nela e disse: “Eu protejo você”. O Mestre estava parado sorrindo atrás de Sri Yukteswarji, e então Ra-jasi obteve sua resposta, por meio de Sri Yukteswar. Ele tomou o avião em 31 de maio de 1953, para Kansas City. Rajasi e eu sentimos que os Mestres estavam deixando que ele passasse pela mesma ansi-edade que o Mestre sofreu, por causa dos aviões, durante sua vida. Votos

Quarta-feira, 22 de agosto de 1951, levei Rajasi a Mt. Washington para ver o Mestre. Durante a con-versa dos dois, o Mestre estava inspirado. Ele me chamou e pediu para trazer um de seus xales dos hábitos alaranjados. O Mestre prendeu o xale ao redor do pescoço de Rajasi com o seu próprio pin-gente da SRF. Enquanto admirava e exclamava sua alegria ao ver Rajasi vestido com a cor alaranjada dos renunciantes, eu perguntei: “Senhor, por que não lhe dá um nome indiano?” O Mestre meditou por longo tempo antes de encontrar o nome que procurava. Pude observar um sorriso de felicidade brotar em sua face divina, enquanto dizia:

Eu pensei em muitos nomes, mas nenhum parecia me agradar, mas Deus me forneceu este: Rajasi Ja-nakananda. Primeiramente, pensei no nome Janaka, o rei que também foi um santo profeta e guru de Suk Deva, porque você, como ele, possui riquezas mundanas e é um santo, mas eu queria algo mais para você, então pensei em Rajarsi, que significa “Rei dos Santos”.

Ainda na minha presença, o Mestre pediu para Rajasi ajoelhar-se diante dele. Pondo as mãos na

cabeça de Rajasi, o Mestre mandou-lhe repetir os seguintes votos: Faço aqui o seguinte voto, em nome e sob a autoridade de Deus, Babaji, Lahiri Mahasaya, Sri Yuk-teswarji Guruji e eu próprio. O Mestre disse:

Estou ungindo você com o Espírito Divino e o nome de Rajasi Janakananda. Você, assim como o Rei Janaka, pode vestir roupas civis, ou quaisquer outras, inclusive a túnica alaranjada que eu visto. Com todo o meu amor e as bênçãos dos Gurus. Permaneço seu para sempre,

– Paramhansa Yogananda 22 DE AGOSTO, QUARTA-FEIRA, DE 1951

LOS ANGELES.

Ambos, o Mestre e Rajasi, derreteram-se de alegria naquela ocasião. O Mestre continuou expli-cando: “Bibidisha significa ‘com cerimônia’, com fogo e incenso, mas o seu voto foi Bidwat, que quer dizer ‘sem cerimônia’. É o voto mais elevado, porque vem diretamente de Deus através do Guru.” O Mestre escreveu os votos num pequeno pedaço de papel e deu para Rajasi. Ele está junto com o resto dos seus tesouros que ganhou do Mestre. O Mestre não quis que ninguém soubesse desse evento até que ele estivesse pronto para anunciar, no dia 25 de agosto de 1951, a noite da iniciação conferida por Dr. Lewis e Bernard. Na parte final da cerimônia, o Mestre desceu com Rajasi vestindo pela primeira vez seu hábito alaranjado. O Mestre estava tão orgulhoso de apresentar para o público seu menininho na túnica alaranjada. Ao final do encontro, o Mestre pediu para Rajasi ajoelhar-se perante ele e repetir o voto, na frente dos kriyabans recém-iniciados.

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Uma Trilogia do Amor Divino 122

No início, o Mestre soletrava o nome como eles fazem na Índia, com um “r”, como em Rajarsi. Mais tarde, ele retirou o “r” (para fazer Rajasi). No Natal de 1951, Irmã Tara perguntou ao Mestre com relação à diferença. O Mestre explicou para todos nós: “Rajarsi significa ‘Santo Real’, mas sem o ‘r’ quer dizer ‘Rei dos Santos’, o que faz uma grande diferença para mim, pois é isso que eu sinto que ele é”. A Índia ainda está criticando a escrita sem o “r”, mas é assim que o Mestre queria. Então, que seja. Rajasi e os animais

Alguns discípulos me disseram que haviam ouvido dizer que Rajasi odiava animais. Minha resposta a isso foi: “Se ele era tão sensível que nem pescava ou caçava, como poderia odiar animais domésticos? Ele só não queria a presença deles na casa, porque eles têm cheiros fortes, deixam cair pêlos e latem ou miam.” Frieda certa vez chegou a ter vários cachorros ao mesmo tempo, mas ele não permitia a presença deles dentro de casa. Tinham que ficar nos lugares específicos deles. Recordo-me que um dia alguém deixou um gatinho na garagem do eremitério. Aquela coisinha estava faminta e veio chorando até minha porta. Rajasi ouviu e me aconselhou a não alimentá-lo, porque “se você lhe der de comer, não conseguirá mais se livrar dele”.

Bem, eu não alimentei o gatinho naquela noite, mas na manhã seguinte não pude deixá-lo ir em-bora com fome. Peguei-o em meus braços e fui com ele até a entrada norte do eremitério para lhe dar leite. Enquanto o carregava, a pobre criaturinha me encarava e eu podia ver em seus olhos (como se dissessem): “Então, finalmente você vai me alimentar?” A expressão era tão marcante que chorei en-quanto via o gatinho bebendo. Relatei esse incidente a Rajasi. Ele ficou com pena do gatinho e me mandou que continuasse a alimentá-lo até que encontrássemos um lugar para ele. O satisfeito animal-zinho chegou perto de Rajasi que estava deitado na grama. Eu ia impedir que o gatinho fosse pertur-bá-lo, mas, para minha surpresa, Rajasi disse: “Deixe-o ficar”. O gatinho conquistou seu coração e brincava ao redor das pernas dele, mas não entrava na casa.

Um outro incidente ocorreu quando Rajasi estava em sua última doença. George Shintaku trouxe para a casa um cabrito recém-nascido. Eu o peguei para mostrar para Rajasi. Ele quis segurar o cabrito nos braços. Ele o segurou por pelo menos uma hora, acariciando as orelhas e as cauda. Ele amou a criaturinha e nos deixou mantê-la na casa. Rajasi sorria, olhando o cabrito brincar e correr. O animal tinha o hábito de pular na cama de Rajasi. Tudo bem quando era pequeno, mas ele ficou pesado e no dia fatal, antes da partida de Rajasi, o cabrito parecia pressentir que havia algo de errado. Antes que soubéssemos, não conseguimos fazê-lo brincar e pular como de costume. Vi que ele estava se prepa-rando para pular na cama de Rajasi. Então tive que impedi-lo e fechei a porta antes que desse o salto, com medo de que pudesse tentar novamente e machucasse Rajasi. Pude notar que o cabrito ficou ma-goado por ter sido impedido. Ele se escondeu atrás do sofá durante o resto do dia, até que George viesse buscá-lo de noite. Nós levamos o cabrito de volta conosco para Mt. Washington, mas tivemos que vendê-lo mais tarde. Satã querendo destruir o corpo de Rajasi

Já no início do verão de 1951 o Mestre freqüentemente me dizia que a vida de Rajasi estava em perigo e que Satã estava tentando destruir o corpo dele. Quando perguntei porque Satã queria destruir Rajasi, o Mestre respondeu: “Porque ele fez e continua fazendo, como Instrumento Divino, muitas coisas pela obra e está ajudando muitas almas a voltarem para Deus, e por isso Satã que destruí-lo para que não faça mais”. Rajasi não pôde comparecer na última festa de aniversário do Mestre em Mt. Wa-shington. Não estava gripado, nem havia qualquer sinal de doença, dores ou qualquer outra coisa erra-da com ele. Sua face estava sempre firme e saudável, mas dessa vez ele parecia pálido.

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A última visita do Mestre a Encinitas

Em 6 de janeiro, após o aniversário do Mestre, ele foi até o eremitério ver Rajasi, porque este não es-tava se sentindo bem. O Mestre chegou na noite anterior, mas porque já estava muito tarde pediu-me que não dissesse a Rajasi que estava lá, pois iria vê-lo na manhã seguinte. No outro dia, o Mestre me chamou até seu quarto para perguntar onde Rajasi estava: “Não diga a ele. Quero fazer uma surpresa.” Rajasi estava sentado em sua cadeira de balanço, olhando para a paisagem. O Mestre ficou parado na porta olhando para ele. Rajasi, sentindo a presença de alguém, voltou o olhar. Quando viu que era o Mestre, pulou da cadeira e o abraçou, ficando assim por um longo tempo. Rajasi fez o Mestre sentar-se em sua cadeira e puxou sua cadeira da escrivaninha a seu lado. Conversaram bastante tempo de mãos dadas. Rajasi teve que deixar o quarto por alguns instantes.

Naquela hora preciosa, o Mestre me perguntou: “Quem você acha que eu fui no passado distan-te? Quem melhor poderia ter escrito o Gita nesta vida?” Vários anos antes eu havia perguntado ao Mestre se ele foi Arjuna, mas ele não respondera; não estava pronto para divulgar o segredo. Falando nisso, quando o Mestre me perguntou, respondi: “Vyasa, o autor do Gita”. O Mestre disse: “Não, mas me recordo que você perguntou, anos atrás, se eu fui Arjuna”. Exclamei alegremente: “O senhor foi Arjuna!” Ele sorriu um “sim”. Então, perguntei: “Rajasi estava com o senhor naquela época também?” Ele respondeu: “Sim, ele foi um dos gêmeos, o positivo, Nakula. Ele era meu irmão favorito, e eu o amava mais do que a qualquer outro. Eu também era seu Guru. Krishna era meu Guru, e Babaji, que foi Krishna, ainda é meu guru nesta vida. Sri Yukteswarji foi meu guru por procuração.” Rajasi voltou ao quarto. O Mestre em breve partiu para Twenty-Nine Palms.

Rajasi teve que voltar para Kansas City durante o mês de janeiro de 1952. Após levá-lo ao aero-porto, permaneci em Mt. Washington por vários dias. O Mestre estava lá. Eu e ele tivemos uma longa conversa. Ele me repetiu suas preocupações com a organização e a saúde de Rajasi, bem como seu medo de que Satã estivesse tentando destruir o corpo de Rajasi. Ele disse: “Sim, você sabe que ele sempre demora e atrasa para resolver as coisas. Ele acha que ainda tem muito tempo para fazer as coi-sas pela SRF, mas não tem. Satã está tentando destruir o corpo dele.” Lágrima rolaram em seu rosto sagrado. Ele acrescentou: “Eu não conseguiria viver na terra sem ele. Deixarei meu corpo consciente-mente.” Quem seria capaz de ver aquela amada alma chorando sem o acompanhar? Ele secou suas lágrimas e começou a falar:

Meus dias, sim, até mesmo as horas de minha vida estão contadas, Duj. Não posso mais pedir nada para ele. Duj, escreva para ele, conte-lhe que ele nasceu apenas para firmar essa missão com um ou mais milhões de dólares, para que o trabalho possa continuar após nossa partida desta terra. Por essa mesma razão, ele não teve seus próprios filhos, para que este trabalho e todos pudessem ser seus fi-lhos. Diga-lhe como esta obra ficaria órfã se eu e ele fôssemos ambos embora, pois todas as nossas três vidas – a sua, a dele e a minha – estão igualmente em perigo. Se ele tornar essa organização firme e assegurar a continuidade dela depois de partirmos, talvez isso possa prolongar nossas vidas por um tempo maior.

Meu coração pesava como o chumbo, enquanto cada palavra sua era absorvida até as mais pro-

fundas regiões da minha alma. Mas isso, não sabíamos, era apenas o início de uma longa série de so-frimentos para todos nós. Prometi que escreveria a Rajasi suas exatas palavras, assim que eu chegasse a Encinitas, para que ele tivesse tempo suficiente para assimilar seu conteúdo antes que retornasse em fevereiro. O Mestre falou repetidas vezes: “Estou tão preocupado com a saúde dele, Duj. Cuide bem dele.” Essa foi a última vez que vi meu doce e amado Mestre com vida. Quando ele foi para o retiro de Twenty-Nine Palms, voltei ao eremitério a fim de deixar a casa pronta para a chegada de Rajasi. Escrevi aquela carta e logo coloquei no correio, de modo que ela chegasse uma semana antes de sua vinda para Encinitas. Rajasi visitou o Mestre em Twenty-Nine Palms apenas duas vezes. Embora Ra-jasi adorasse ver o Mestre e amasse o ar do deserto, o lugar ficava a 320 km de Encinitas.

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Deserto/Borrego

Na minha última conversa com o Mestre em Mt. Washington, ele me havia pedido para fazer Rajasi comprar uma propriedade no deserto, conforme me disse: “Ouvi dizer que há um deserto a apenas 160 km de Encinitas. Antes que ele chegue, vá lá e veja se encontra um lugar adequado para ele com-prar um terreno ou uma casa em que possa passar os meses de inverno. Não há outro lugar no mundo melhor que Encinitas no verão, mas os invernos são muito úmidos para ele e Twenty-Nine fica muito longe. Ele não gostaria de viajar tanto, mas não iria se importar com 160 km.” Seu requerimento me lembrou que em novembro ou dezembro de 1951 as garçonetes do nosso restaurante me levaram para um piquenique em Borrego Springs. Falei para o Mestre que estivera lá e que era um lugar belo e tran-qüilo, e que, com toda a certeza, Rajasi também iria gostar. O Mestre respondeu: “Bem, não demore. Ache algum lugar para ele passar esse inverno. Diga-lhe para comprar vários lotes, a fim de que não tenha ao redor vizinhos incomodando.”

Mais tarde, perguntei a Sra. Lewis se ele iria comigo até Borrego para ver o lugar. Ela consentiu e fomos até lá para investigarmos e conseguirmos informações. Sentamo-nos no chão e cavamos para ver como era o subsolo, descobrindo apenas alguns centímetros de profundidade de areia, o resto era um solo bom e fértil para plantações. Após algumas perguntas na imobiliária, descobrimos que havia alguns lotes que eram destinados para colheitas e outros apenas para moradia. Retornamos para Enci-nitas entusiasmadas com nossas descobertas.

Rajasi estava de volta uma semana antes de sua partida a San Francisco, para uma convenção de uma das suas companhias, que estava fazendo 25 anos em 20 de fevereiro de 1952. Perguntei a ele se gostaria de ver aquele terreno no deserto e ele me respondeu que iria após retornar de San Francisco. Vários dias após seu retorno, fui com ele até Borrego. Ele se apaixonou pelo vale. O Sr. Jack Benson, o corretor, nos mostrou o local com um jipe, avançando no terreno onde não havia estradas, mos-trando a ele todas as fazendas que estavam à venda. Rajasi queria uma bem grande, porque, segundo me disse, não custava mais cuidar de uma fazenda maior do que de uma menor, porque você precisa comprar o maquinário do mesmo jeito, e então terá grandes áreas para usar essas máquinas. Ele queria cultivar frutas cítricas. Aquele solo era ideal, pois era constituído de granito decomposto e lama, sendo que as árvores cítricas agüentam ventos fortes. Já que era um homem cauteloso, voltamos várias vezes para Borrego durante o mês de fevereiro e no início de março. Joe Hanada nos acompanhava, porque Rajasi queria que ele fosse o administrador da fazenda. Rajasi estava com a cabeça voltada para aquela fazenda de 300 acres, mas sua decisão definitiva só foi tomada após o Mahasamadhi do Mestre.

Falei com o Mestre ao telefone, poucos dias antes de sua partida, e lhe falei que Rajasi estava pen-sando em comprar uma fazenda. Ele disse: “Não deixe que compre uma fazenda muito grande”. En-tão respondi: “Rajasi quer alugar uma casa para morar, até chegar a hora em que queira construir na fazenda”. Ele respondeu: “Tudo bem, se os proprietários pintarem o interior da casa antes de ele se mudar. Não gosto de pensar nele se mudando para uma casa suja.” O Sr. Benson encontrou uma casa para alugar, a mesma que Rajasi comprou para a SRF utilizar depois que construiu na fazenda. Rajasi se mudou para a casa de aluguel que havia acabado de ser pintada em março, após os ritos do Mahasa-madhi do Mestre. Ele comprou aquela casa em novembro de 1952. Na manhã seguinte à compra da casa, que nós sabíamos que o Mestre teria amado, pois era justamente do tipo que ele teria gostado se tivesse tido a oportunidade de ver. Em 20 de novembro de 1952, em Twenty-Nine, Rajasi teve uma visão do Mestre. Rajasi disse que o Mestre estava que nem uma criança. Ele nunca tinha visto o Mes-tre tão feliz quando naquela manhã. Rajasi disse: “Você sabe como o Mestre ficava feliz quando eu fazia as coisas para ele ou para a SRF. Bem, era bem assim que ele estava nessa manhã. O Mestre feliz, feliz, feliz.” Rajasi sentiu que tinha sido porque comprara a casa.

Ele morou naquela casa até os últimos três meses de sua vida, que foi quando sua casa na fazenda foi construída. Ele só aproveitou a nova casa na fazenda durante aqueles três meses antes de sua parti-da. Rajasi adquiriu a fazenda com 300 acres e foi aumentando até que ficasse com 710 acres quando de sua morte. Plantou-se alfafa, sete muros foram escavados e centenas de árvores frutíferas foram plan-tadas como teste. Havia uma casa para o administrador, que era George Shintaku e sua família, uma

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casa para o capataz e outra para seu assistente. Trinta rapazes mexicanos moravam numa grande caba-na de alumínio e também havia uma casa em separado para refeitório e outra para lavanderia e chuvei-ros. Também havia um grande galpão e um maquinário de colheita, com grandes equipamentos de aragem, tudo o que é preciso para se cuidar de uma fazenda. Houve nove cortes de alfafa naquele primeiro ano e vários nas plantações de vegetais, nas quais Rajasi adorava caminhar e comer os vege-tais crus arrancados do chão.

Joe Hanada, o jardineiro japonês que foi contratado para plantar vegetais em Encinitas, era um pequeno agricultor e ficou assustado com a perspectiva de uma fazenda tão grande. Ele conversou com George Shintaku para aceitar o emprego em Borrego. E foi para o bem de Rajasi, pois George era um homem muito melhor para o serviço do que Joe. É um trabalhador esforçado, muito honesto e bom organizador. Sua esposa, Yona, costumava limpar a casa de Rajasi uma vez por semana e lavar as roupas. Rajasi os tratava como amigos e eles, por sua vez, o amavam muito. Após a morte de Rajasi, a fazenda foi vendida pelo administrador dos bens. George e sua família agora vivem em Los Angeles, trabalhando em uma fábrica.

Rajasi também comprou um chalé para uso da SRF, próximo ao retiro do deserto. Eu, hoje em dia, utilizo o retiro de Rajasi para descansos ocasionais. Foi nesse retiro que Rajasi teve tantas visões do Mestre e de todos os Mestres, as quais mencionarei no final desta história. O Mestre telefona para Rajasi em março de 1952

Quando chegou de Kansas City, Rajasi nada mencionou sobre a carta que eu havia escrito em nome do Mestre, mas isso não chegava a ser surpresa, pois ele nunca dizia as coisas: preferia agir. Quando o Mestre voltou para Mt. Washington no início de março para os preparativos da recepção do embaixa-dor da Índia, telefonou-me para dar instruções de que os Lewis deveriam vir a Mt. Washington num determinado momento, para estar com ele quando recepcionasse o embaixador. Ele acrescentou: “Por que você também não vem?” Eu respondi: “Sim senhor, irei se quiser que eu vá”. Ele respondeu: “Não, é melhor você ficar e cuidar bem dele”. Naquela mesma conversa, eu lhe contei que havia escri-to aquela carta para Rajasi, e tudo que ele me disse foi: “É tarde demais”. Eu não sabia o que ele quis dizer. Também lhe contei que Rajasi pensava em comprar uma grande fazenda no deserto, a qual, com o tempo, iria gerar receita para a SRF, e perguntei se ele gostaria disso. Normalmente o Mestre era sempre muito cheio de entusiasmo, mas dessa vez só me respondeu um lento “sim”. Mas acrescentou: “Diga-lhe para não comprar um local muito grande”. Não consegui expressar meu profundo e depres-sivo sentimento que persistia em meu coração, mente e alma. Naquela mesma hora, senti um profun-do anseio de ver o Mestre novamente.

Perguntei a Rajasi se poderíamos sair e ver o Mestre. Ele respondeu: “Sim, tão logo a visita do embaixador termine e o Mestre não esteja tão ocupado, ele então terá mais tempo para nos ver. Ire-mos assim que o embaixador for embora.” O Mestre ligou algumas vezes nesse período. Uma vez o Mestre ligou e eu atendi. Ele me contou algumas coisas sobre o embaixador e então pediu para falar com Rajasi, dizendo que eu poderia ouvir na extensão, para o caso de ele precisar falar comigo nova-mente. Dessa vez a voz do Mestre tinha um tremor lacrimoso: “Você sabe que eu daria qualquer parte ou até a minha vida inteira para prolongar a sua”. Não consigo dizer a vocês o quão profundamente aquelas palavras penetraram em meu coração, mas eu não entendia o porquê, pois o Mestre já havia falado várias vezes daquela maneira, mas nessa vez parecia tão definitivo. Entretanto, na próxima vez que o Mestre telefonou, estava todo feliz e falou com entusiasmo e alegria que o embaixador fora tão respeitoso com ele e feliz com tudo. Não havia traço daquela tristeza anterior em sua voz ou expres-são, então afastei qualquer mau pressentimento que tive. O Mahasamadhi do Mestre

Naquela noite fatal de 7 de março de 1952, ao redor das 21h45min, eu e Rajasi estávamos em sua sala quando o telefone tocou. Eu atendi. Era a telefonista perguntando se eu aceitaria uma chamada a co-

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brar de Herbert F., do Arizona. Tive vontade de recusar, pois Herbert tinha o hábito de ligar de Pho-enix pedindo dinheiro, e pensei que era isso o que ele queria. Herbert insistia com a telefonista: “Por favor, peça para que aceitem”. Falei a Rajasi e ele me disse: “Vou atender”. Vi a expressão de Rajasi se abater: “O Mestre se foi”, disse ele, dando-me o telefone. Eu insistia com Herbert para que falasse aos discípulos presentes com o Mestre para repetirem OM no seu ouvido e não parassem, devendo nos ligar em seguida para dizerem se o Mestre estava bem. Um pouco depois, ligou o Sr. Fredericks. Aten-di a chamada, esperando ouvir que estava tudo bem com o Mestre, mas ao invés disso ele nos contou que os médicos presentes no hotel confirmaram a fatalidade.

Desliguei o telefone e das profundezas da minha alma comecei a chamar o Mestre gritando OM e, em minha agonia, fiz um comentário grosseiro a Rajasi. “Eu queria sair e ver o Mestre, mas não, você quis esperar. É sempre a mesma espera.” Ele nada disse. Recordei mais tarde o que o Mestre dissera sobre a partida de seu Mestre desta terra. “A Mãe Divina sabia que não poderia atender minha prece para segurar o Mestre na terra por mais tempo. Ela me impediu de estar lá quando ele partiu em Maha-samadhi.” Acredito firmemente agora que foi a vontade da Mãe Divina que Rajasi não estivesse lá com o Mestre e que Ela tenha colocado em sua cabeça o pensamento de esperar. A Mãe sabia do profundo amor do Mestre por Rajasi e não queria prolongar a vida do Mestre neste mundo por mais tempo.

Rajasi estava entorpecido em seu divã, sem derramar uma lágrima. Liguei para os Lewis que esta-vam na igreja de San Diego proferindo um sermão ou uma palestra. Quando vieram, contei o que ha-via acontecido. Fizemos os preparativos para a partida a Mt. Washington. Eles iriam no carro deles e Rajasi me disse: “É melhor eu dirigir, você não está em condições de pegar no volante agora à noite”. Não me importei, pois afinal não acreditava que teria conseguido enxergar a estrada mesmo. Chega-mos ao redor das 4 da manhã, pois esperamos que Mt. Washington confirmasse o retorno do Mestre ao quarto antes que partíssemos. Mesmo então Rajasi não derramou lágrima. Algumas pessoas são assim, as lágrimas não surgem quando são mais necessárias para aliviar, mas de repente elas brotam. Rajasi repete o mantra para o Mestre

Nenhum dos discípulos queria que o Mestre fosse levado para o cemitério Forest Lawn até que tivés-semos feito uma última tentativa para nos assegurarmos de que ele não estava apenas em samadhi. De-cidimos que cada um repetiria o mantra que o Mestre nos havia ensinado para o caso de ele entrar em samadhi profundo, de modo a trazê-lo de volta à consciência do mundo exterior. Rajasi nos contou o que o Mestre lhe dissera enquanto estava repetindo o mantra em seu ouvido. “Eu sou Om, eu sou Om, nada mais que Om. Estou em toda parte e em tudo. Voltarei em seu corpo e na consciência do corpo de todos.” Depois que todos nós tivemos a certeza de que ele não voltaria, permitimos que os agentes funerários o levassem para os preparativos dos serviços em nossa própria capela. Rajasi quis voltar para Encinitas para repousar nos poucos dias em que o corpo do Mestre estaria fora de Mt. Washing-ton. Depois retornamos para os serviços.

Durante seu discurso de despedida, Rajasi disse: “Eu não conseguia falar, as palavras simplesmen-te não saíam; então rezei ao Mestre, pedindo: ‘Terá de falar através de mim. Eu não consigo’.” Imedia-tamente sua voz vibrou com tamanha força que todos perceberam. Sabíamos que o Mestre estava fa-lando através de Rajasi, pois sua voz costumava ser suave e baixa, muito diferente daquela que havia acabado de falar.

Que palavras podem expressar nossos sentimentos durante nosso último olhar àquela Face Divi-na que amávamos tão profundamente? Após tudo haver terminado, nosso único consolo foi a recor-dação do que o Mestre freqüentemente nos dizia: “Eu vou na frente para preparar um lugar melhor para todos vocês, onde iremos nos encontrar novamente em uma glória maior”. Os primeiros sintomas da doença de Rajasi

Após os serviços, voltamos para Encinitas. Rajasi descansou alguns dias. Numa noite, ele trabalhou por duas horas em alguns relatórios da SRF. Após ter ido dormir, recebeu uma ligação interurbana de

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Kansas City. Eu o chamei para que atendesse o telefonema, mas ele não conseguia entender o que a pessoa estava dizendo. Por fim, Sr. Wider disse que ligaria novamente pela manhã. Não consigo expli-car a pesada sensação que tive ao ver a reação de Rajasi ao telefone. Era como se fosse um negra nu-vem de apreensão pairando sobre minha cabeça e sobre todo o apartamento. Rajasi voltou a Kansas City em maio e retornou em julho, para a nossa convenção. Novamente, em seu discurso no encontro no jardim, ele não conseguiu falar e teve que se desculpar, mas eu pensei que era somente a emoção pela partida do Mestre e pelo manto dele, que agora estava sobre seus ombros. Cito agora um trecho de uma carta do Mestre para Rajasi:

23 DE NOVEMBRO DE 1932 – Estou feliz além dos sonhos, pois se alguma vez amei e rezei por al-guém, é por alguém como você. O desejo de meu Mestre era que eu encontrasse um americano digno para quem eu pudesse me doar por inteiro, da mesma forma que recebi de meu próprio guru. Assim como a riqueza material pode ser desejada e transferida, assim também a realização espiritual pode ser transferida e você é o meu mais amado, a quem darei tudo. Então alegre-se! Eu vejo você freqüente-mente brilhando Nele.

Após nosso retorno ao eremitério, ele foi ficando gradualmente pior. Eu não entendia como ele

estava piorando, pois não sentia dor, mas sua mão direita não conseguia segurar as coisas. Ele deixava cair. Numa manhã ele me pediu para vir e tentar parar o sangramento em seu ouvido. Ele tinha feito um corte enquanto se barbeava. Demorou um bom tempo até que eu conseguisse estancar o sangue. Mais tarde entendi o porquê, pois o tumor pressionava o sangue para a ferida aberta. Após esse inci-dente, fiquei com medo de que ele pudesse se cortar com gravidade. Eu fazia sua barba com uma lâ-mina segura. Fiz uma consulta a Dr. Lewis acerca de sua condição. Ele me aconselhou a telefonar para Dr. Novac, que então conversou com Rajasi. Pensou que talvez fosse um pequeno derrame e que logo estaria recuperado. O médico falou que voltaria em alguns dias para vê-lo de novo.

Eu havia lido que algumas vezes os santos não conseguem segurar metais e outros objetos en-quanto estão num elevado estado de consciência. Imaginei que já que o Mestre dissera que passaria seu manto espiritual para Rajasi, esta seria a razão de tudo isso, pois ele não sentia dores. Quando Dr. Novac retornou, verificou que Rajasi estava piorando e me perguntou se poderia trazer um amigo seu, que era especialista nessa área e passaria alguns dias com ele em sua casa. Ele viria ao redor das 10 ho-ras da manhã do dia seguinte. Rajasi consentiu.

Durante o resto daquele dia, pude constatar que todo o lado direito de Rajasi estava ficando pro-gressivamente pior. Após Dr. Raney tê-lo examinado em 13 de agosto de 1952, ele me disse que era um tumor cerebral progredindo rapidamente e que quanto mais rápido o levássemos para o hospital, melhor. Talvez eles até fossem operá-lo naquela mesma noite, se seu irmão julgasse apropriado. Sua vida poderia ser uma questão de horas. Liguei para os Lewis e lhes contei. Eles se ofereceram para nos levar até o Good Samaritan Hospital. Fui ajudá-lo a se preparar para partimos, logo após o almoço, para Los Angeles. Esse foi o segundo grande choque de nossas vidas e apenas cinco meses após perdermos nosso amado Mestre. Vocês podem imaginar nosso estado emocional. Rajasi passou por uma série de exames, na manhã seguinte, para localizar o tumor. O Sr. Challinor e Eugene Lynn, o sobrinho favori-to de Rajasi, a quem considerava um filho, não queriam que fosse operado até que tivessem a opinião de vários especialistas. A vida de Rajasi aproximava-se do fim, até que finalmente concordaram em operá-lo. Tivemos a garantia de que os irmãos Raney eram os melhores médicos do país nessa área. O Dr. e a Sra. Lewis tiveram que pegar um trem de volta, após nos deixarem no hospital. Na estação, ele encontrou seu médico de San Diego e lhe perguntou se conhecia os Doutores Raney. O médico disse que eles são os melhores neste país. O Dr. Lewis ficou tão aliviado que me ligou da própria estação para me contar essas notícias encorajadoras. A primeira operação

Rajasi foi operado em 14 de agosto de 1952, entre 15h30min e 18h30min. Sua vida foi poupada pela graça e sacrifício pessoal do Mestre. Ele tinha três enfermeiras particulares se revezando em diferentes

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turnos. Ao redor das 3 horas da manhã daquele dia, ele acordou e perguntou à enfermeira se já haviam descoberto o que estava errado com ele. Estava alegre e animado, conversou e sorriu com os médicos. Eles lhe pediram para levantar o braço direito e a perna, que ele não conseguia levantar antes. Ele os levantou. Os médicos ficaram espantados. Após uma cirurgia daquela complexidade, o paciente não costuma reagir com tanta rapidez. Todos ficaram perplexos. Ele era o “homem milagre” do hospital.

Na quarta manhã, como de costume, fui vê-lo. Ele estava de costas para mim. Ele falou num tom de voz muito forte, que realmente não parecia ser o seu: “Dê-me um lenço de papel”. Pareceu ser mais a voz do Mestre do que a de Rajasi. Aquela voz me atingiu com força. Quando retornei a Mt. Washington naquela noite, contei para alguns discípulos a peculiar sensação que tive quando o ouvi falar: “Dê-me um lenço de papel”. Visões

Em 20 de agosto, entrei no quarto e vi Rajasi inclinado na cama, chorando. Ele me contou com uma voz lacrimosa:

Sabe o que vi? Tive uma experiência muito, muito ruim. Vi Satã em uma forma negra; tudo estava preto e Satã estava assumindo diversas formas horrorosas e tentava me pegar. Ele até tentou me des-truir com chamas saltitantes. Embora as chamas chegassem perto de mim, não conseguiam me tocar. E através do fogo pude ver casas e as pessoas dentro delas, e as chamas tentavam destruí-las. Foi ter-rível, muito horroroso. Se alguém tentar me falar que Satã não existe, posso dizer o contrário, pois eu realmente o vi. Eu estava muito assustado. Tentei me livrar daquela força maligna. Então tudo desa-pareceu e apenas uma densa escuridão permaneceu. Num canto longínquo, vi uma minúscula e tênue luz se expandir na forma de Sri Yukteswarji. Com sua chegada, toda a escuridão desapareceu e Ele sorriu para mim, dizendo: “Tudo está bem agora”. Então Babaji, Lahiri Mahasaya, o Mestre, e até Je-sus apareceram perante minha visão.

Aí está a profecia do Mestre na hora em que Rajasi estava repetindo o mantra no seu ouvido: “Eu

voltarei em seu corpo”. Ele voltou e ocupou o corpo de Rajasi de 13 a 20 de agosto de 1952. Era o Mestre quem estava falando, movendo seus membros e também o Mestre quem me pediu um lenço de papel. Vários dias após 20 de agosto, Rajasi me disse que havia perguntado ao Mestre se poderia nos contar o que tinha acontecido na hora da operação e nos sete dias seguintes. O Mestre respondeu: “Como queira”. Rajasi disse:

O Mestre entrou e ocupou o meu corpo na hora da operação e nos sete dias depois. Eu estava no é-ter, fora do corpo, pois eu morri na mesa de operação, mas o Mestre trouxe-me de volta ocupando meu corpo durante aquele período crítico.

O Mestre costumava nos contar uma história. Ela ilustra o poder que um mestre utiliza para sal-

var um discípulo. Ao mesmo tempo, também explica como os mestres podem salvar os discípulos do carma da morte, e como Swami Shankara se converteu à Kriya Yoga. Swami Shankara era conhecido como um dos maiores astrólogos da Índia em seu tempo. Sempre que predizia algum evento, este ine-vitavelmente acabava acontecendo. Um discípulo de Babaji foi ver esse grande astrólogo. Shankara contou ao discípulo que na sétima noite a partir de então ele iria morrer atingido por um raio. O discí-pulo ficou abalado com a perspectiva da morte iminente. Foi até Babaji e, chorando muito, contou-lhe o ocorrido. Babaji falou para o discípulo retornar ao astrólogo e lhe dizer “que você não morrerá por causa de um raio na sétima noite”. Quando Shankara ouviu isso, falou ao discípulo: “Diz a teu Mestre que se não morreres na sétima noite, atirarei todos os meus livros de astrologia no Ganges e serei dis-cípulo dele. Não acho que será necessário fazer isso, pois os astros nunca falham.”

Na manhã do oitavo dia, o discípulo retornou a Shankara para mostrar que não morreu conforme fora previsto. Shankara, um homem de palavra, atirou seus livros no Ganges e seguiu o discípulo até a cabana de seu Mestre. Babaji sorriu. Shankara, com o devido respeito, curvou-se perante o grande

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Mestre e perguntou: “Esse homem, conforme todos os prognósticos, deveria perder a vida ontem à noite, atingido por um raio. Como é que pode ele não ter morrido?” Babaji respondeu: “Estavas certo. O corpo dele, conforme seu carma, deveria ter sido eletrocutado na noite passada por um raio, mas eu não fui.” Shankara respondeu: “Eu não estava predizendo a tua morte”. “Verdade”, disse Babaji. “Na noite passada falei para esse homem vir a minha cabana e dormir em minha cama. Ele veio. Nesta manhã ele me contou que teve um sonho muito real, no qual via raios brincando a seu redor, com su-as línguas de fogo tentando destruir seu corpo. Mas as chamas não se aproximavam dele. Eu entrei no corpo dele, e assim o protegi do ataque da morte. Não era a minha hora de ir, por isso nós dois esta-mos vivos.”

Nosso Amado Mestre fez o mesmo, a fim de que a vida de Rajasi fosse poupada e ele completas-se sua missão com a SRF. O Mestre escreveu a Rajasi em 19 de setembro de 1932, e eu cito: “Estarei com você no último dia e além, quando poderei lhe prestar meu maior auxílio”. Aquele foi o último dia de Rajasi e o Mestre manteve sua promessa de prestar-lhe o maior auxílio, que nenhum outro ser humano seria capaz de cumprir. Outra citação:

11 DE JUNHO DE 1935 – No oceano, na sala, no quarto e no céu, vejo sua adorada imagem. Que ale-gria você trouxe para esta obra e para mim. Embora não espere recompensa, eu darei a você no céu a riqueza infinita e as bênçãos da interminável alegria na terra. Diariamente deposito metade de minha meditação no seu armazém astral. Muitas riquezas astrais estão sendo guardadas para você. Você as necessitará na longa, longa jornada, quando, por um tempo, estaremos aparentemente separados, ain-da que eu o esteja vigiando o tempo todo.

E ainda outra citação de uma carta do Mestre para Rajasi:

6 DE DEZEMBRO DE 1935 – Quando tudo parecer escuro e ainda assim você continuar a trabalhar por Ela, Ela em pessoa virá em seu auxílio.

Outra ainda:

21 DE JULHO DE 1935 – Você ficará mais tempo aqui na terra do que eu. Eu ficarei até que meu tra-balho esteja terminado. Você me ajudou enormemente a realizar minha tarefa predestinada.

Satã ainda tentando destruir Rajasi

O Mestre estava certo: Satã estava tentando destruir o corpo de Rajasi. Quando não conseguia pegá-lo, tentava várias vezes. Rajasi ainda estava no hospital durante a primeira operação. Numa vez, quan-do a enfermeira saiu da sala, ele bebeu um pouco de água. Após terminar, errou a mesa e o copo caiu no chão, quebrando-se em pedaços. A enfermeira tomou as providências necessárias, limpando o chão minuciosamente. Posteriormente, quando cheguei, Rajasi teve de ir ao banheiro. Seus chinelos esta-vam na beira da cama. Ele os colocou e quando voltou me disse: “Tem alguma coisa neles”. Procurei e vi que havia dentro um pedaço de vidro de cinco centímetros. Ele calçou o chinelo e caminhou ida e volta sem sofrer um só arranhão. Um incidente mais grave aconteceu quando já estava de volta ao e-remitério. A Sra. Slavos fazia gentilmente um iogurte caseiro que ele gostava. Se Rajasi fosse como alguns de nós, que quase engolimos a comida inteira (mas Rajasi mastigava tudo o que ingeria, até mesmo os líquidos), poderia ter sofrido uma séria lesão interna. Enquanto tomava o iogurte fresco, seu dente esbarrou em algo duro. Ele o tirou da boca. Era um afiado pedaço de vidro com duas pon-tas, de uns dois centímetros de comprimento. Verifiquei o copo no qual ele estava comendo e os ou-tros que estavam no congelador, mas nenhum deles tinha pedaço quebrado. A Sra. Slavos procurou em sua cozinha, mas não conseguiu localizar de onde ele veio. Pode ter sido do leite que ela usou. Era tão afiado que, se ele tivesse engolido, poderia tê-lo matado. Novamente, nosso amado Mestre o pro-tegeu.

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Diariamente, enquanto estava no hospital, Rajasi tinha algumas novas visões para me contar. Ele costumava dizer: “Vocês não sabem o quanto o Mestre está consciente de todos vocês”. Ou: “O Mes-tre está com vocês todos mais do que nunca esteve”, o que nos mantinha encorajados e o trazia mais próximo de nossas mentes. Eu cito algumas das visões que Rajasi teve enquanto estava no hospital, entre 20 de agosto e 22 de setembro de 1952: “Eu vejo Sri Yukteswarji muitas vezes”. Quando lhe perguntei: “Não vê o Mestre também?” ele respondeu: “Ele também vem, mas Sri Yukteswarji enviou o Mestre a outro lugar, para fazer alguma coisa”. Numa manhã, quando entrei em seu quarto ele me perguntou:

Você sabe que eu vi Sri Yukteswarji segurando a cabeça do pequeno Mestre em seu colo e acarician-do-o como um menininho, e que o Mestre estava tão feliz e olhava para Sri Yukteswarji com seus grandes olhos cheios de amor? Olhando para ambos, eu me derreti na alegria do Mestre, e lá estáva-mos os dois, no colo de Sri Yukteswarji. Eu não vi mais aquela escuridão novamente. É como se (eu) me retirasse e agora apenas o Mestre permanecesse. O que quer que eu diga ou faça, é o Mestre quem está dizendo, não eu. Não me sinto mais como eu mesmo. Apenas o Mestre, o tempo inteiro. É ele quem está abençoando. É ele quem está falando. É ele quem está caminhando, tudo é o Mestre, o pe-queno Mestre em toda parte. “Muito embora vocês não vejam o Mestre”, dizia Rajasi para um grupo de nós, “o Mestre está

muito consciente de todos vocês.” Eu cito uma carta que o Mestre escreveu para Rajasi: 27 DE FEV. DE 1935 – Sempre recorde-se disso, esteja eu neste corpo ou não. Meu amor é sua porta para o Reino Dele. Sinto você freqüentemente no meu peito, como uma luz indescritível se espalhan-do. Duas luzes juntas eternamente alargando-se no espaço. Estou feliz por ter encontrado você.

Outra em 25 de maio de 1935:

Esta é a verdade. Você é tudo que é Divino para mim e, em você, estão satisfeitos meus mais eleva-dos desejos espirituais. Eu gostaria de viver em alguém após minha partida, e estou feliz por estar vi-vendo em você. Você é meu filho divino. Através de você minha vida dará salvação a muitos, trazen-do-os de volta à mansão de Deus.

Rajasi saiu do hospital após um mês. Os dois médicos Raney aconselharam uma série de trata-

mentos com raio-x. Escolheram um bom médico em La Jolla para que ele não precisasse ir para muito longe. Após uma semana de descanso, ele começou o tratamento cinco dias por semana, durante três meses, com um mês de descanso entre cada mês. Rajasi continuou tendo visões. Cito algumas aqui:

22 DE SETEMBRO DE 1952 – Estava deitado de lado quando o Mestre chegou. De repente fiquei pe-queno como um bebê, inocente, sem preocupações com nada no mundo. Em 28 de setembro de 1952, Rajasi conversava com um grupo de nós e esfregava seu coração,

dizendo:

É aqui que vocês sentirão o Mestre. Tragam toda a consciência para cá e vocês sentirão o pequeno Mestre.7 Ele está aqui. Tragam a consciência do cóccix ao coração, e vocês verão e sentirão o Mestre aqui. Não sou eu. Perdi completamente a consciência de meu próprio eu. É tudo o Mestre. O Mestre conversando, caminhando e falando, porque o Mestre está em toda parte. Eu morri quando fui para a mesa de operação. É ele quem está ocupando este corpo agora.

Em 30 de setembro de 1952, Rajasi disse:

7 Nessa época, Rajasi usava muito a expressão “Pequeno Mestre”, como um tratamento carinhoso. Ele se derretia de alegria quando falava “Pequeno Mestre”.

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O Mestre me disse: “Não medite com muito esforço, subindo e descendo a coluna. Apenas relaxe em mim e em seu coração. Se fizer um esforço muito grande, você sairá do corpo. Apenas sinta e esteja com minha consciência, sem esforço, e eu estarei em você.”

Fogo no apartamento de Rajasi Em fins de outubro, a temperatura já estava fria o suficiente para podermos passar os finais de semana em Borrego. Após seu tratamento da sexta-feira, fomos direto para o deserto. Em novembro, fomos a seu tratamento usual das sextas-feiras e, do consultório do médico, dirigimo-nos ao deserto. No dia seguinte ou no próximo, os Lewis apareceram inesperadamente. Fiquei surpresa ao vê-los, mas pensei que tivessem vindo apenas para uma visita. Entretanto, traziam más notícias. Disseram que houve um incêndio no apartamento de Rajasi. Eu havia deixado o cobertor elétrico ligado na quinta-feira à noite; contudo, ele estava bem estendido por cima de uma cadeira, no canto do quarto. Na sexta à tarde, de-pois que saímos, Yoshio Hamada foi limpar o apartamento e amontoou o cobertor em cima da cadei-ra para poder passar o aspirador em baixo. Já estava muito quente e, sem ar para circular, pegou fogo no início da manhã.

Nina, que morava na parte norte do eremitério, levantou-se cedo para apagar as luzes do corredor do escritório. Ela ouviu um barulho constante de campainha e telefonou, alarmada, para Dr. Lewis, que veio imediatamente e, com grande dificuldade, conseguiu apagar o fogo com o extintor. Eu tinha instalado um botão elétrico na cama de Rajasi, conectado a uma campainha na sala, para o caso de ele precisar de mim e não conseguir chegar ao interfone, que ficava sobre a cômoda, longe da cama. Os fios ficavam embaixo do local de onde começou o fogo. Quando as chamas chegaram aos fios, o a-larme disparou. Foi esse alarme que chamou a atenção de Nina. Esse aviso, somado à rápida reação de Nina, salvou todo o eremitério de ser consumido pelas chamas. Obviamente, sabíamos que havia a mão do Mestre por detrás disso.

Mildred Lewis nos aconselhou a permanecermos em Borrego, pois o apartamento estava em es-tado deplorável. Ela, o Doutor, Sr. Slavos e outra pessoa retiraram todas as coisas do apartamento pa-ra fazer a limpeza, até meu quarto foi atingido. Pensei que poderíamos ficar na parte norte do eremité-rio, mas Rajasi queria permanecer em Borrego durante as obras de reconstrução do apartamento e de meu quarto. Tive que dirigir ida e volta cinco dias da semana até La Jolla para o seu tratamento médi-co. Confesso que ficava feliz quando chegava o final de semana e não precisava dirigir 320 quilôme-tros por dia. O último tratamento de Rajasi foi em 24 de dezembro de 1952. As moças estavam todas de volta após o jantar natalino em Mt. Washington, para estarem comigo e com Rajasi na noite de Na-tal. Foi um Natal muito triste, pois foi o primeiro sem nosso Amado Mestre. A Sra. Lewis gentilmente decorou uma bela árvore, colocando-a no quarto de Rajasi.

Voltamos para Borrego no dia seguinte ao Natal e ficamos lá até que o apartamento estivesse re-construído e mobiliado. A Sra. Lewis, abençoado coração, foi muito bondosa, arrumando tudo para mim e fazendo o trabalho pesado da mudança, limpeza, pois era preciso tirar fumaça de cada centíme-tro do lugar. Que belo trabalho realizado por ela! A companhia de seguros de Rajasi pagou tudo. To-dos estávamos muito felizes com o resultado daquele pequeno incêndio, que não foi tão sério. A água e a fumaça fizeram a maior parte dos estragos. Mais visões

Durante os meses dos invernos de 1952 e 1953, Rajasi teve maravilhosas experiências com o Mestre e os outros Mestres. Em 6 de dezembro de 1952, Rajasi viu todos os Mestres: Babaji, Lahiri Mahasaya, Sri Yukteswarji e o Mestre. Transcrevo algumas das visões desse período. Em 5 de janeiro de 1953, a primeira celebração de aniversário do Mestre após seu Mahasamadhi, Mt. Washington enviou a Rajasi, no deserto, um pedaço do bolo de aniversário do Mestre. Após Rajasi comer o bolo, o que nunca ti-nha feito, sentou-se muito tranqüilamente e disse: “O Mestre me absorveu completamente. Ele está

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satisfeito que eu comi o bolo em seu nome” (não porque comeu o bolo, simplesmente, mas porque Rajasi comeu apenas para agradar o Mestre). Nessa noite, Rajasi disse:

Noite passada, após me deitar, entrei em meditação profunda e me descobri em um imenso saguão, onde estava reunido um grande grupo. Você sabe que Babaji criou um castelo dourado para Lahiri Mahasaya. Bem, Babaji criou um parecido para o aniversário do Mestre. Eu estava em um lado, com outras pessoas, quando nosso Pequenino Mestre entrou. Você nunca viu na vida, nem jamais verá, um jovem mais belo. Ele parecia tão jovem, sua face e sorriso radiantes de pura alegria. Ele estava muito feliz. Suas passadas eram leves, vigorosas e cheias de luz e alegria. Ele vestia uma túnica, supo-nho que era para representar seu nascimento na terra. Era parecida com a túnica que ele costumava usar, mas ainda assim era muito diferente. Ela ficava agarrada à pele e quando ele caminhava, não pa-recia flutuar ou se mover do jeito que uma túnica faz quando alguém caminha. Era como se fosse parte do corpo dele. Era bem colorida, com o azul mais belo que jamais vi e tinha uma faixa dourada, com aproximadamente sete centímetros de largura, que ia de ombro a ombro. Era brilhante, mas não ofuscava o olhar. Ele caminhava em direção a um trono, e parava e cumprimentava quem estivesse no caminho. Eu nunca o tinha visto tão radiante e feliz, tudo e todos estavam repletos de alegria, ale-gria. Eu estava absorto nessa alegria, mas fiquei magoado que o Mestre não tivesse vindo me saudar também.

Em 19 de janeiro de 1953, Rajasi disse:

Eu vi o Mestre com um grupo, demonstrando a eles certa técnica. O Mestre e Babaji estavam ambos me mostrando essa técnica e como eu deveria praticá-la. Babaji estava deitado e até se virou de lado para mostrar, com o dedo, como se fazia. Vários dias depois, Rajasi disse: “Babaji me demonstrou novamente aquela mesma técnica. É algo

especial para mim, por causa da operação.” Em 26 de janeiro de 1953, Rajasi estava caminhando em sua fazenda, ao pôr do sol. Estava um lindo céu. Ele me narrou o incidente:

Eu caminhava rapidamente, até que meu ritmo foi diminuindo, chegando ao ponto em que eu não conseguia mover meus pés e tive de parar, sendo que encarei o leste. Ao fazer isso, uma luz muito brilhante surgiu no céu. A bela face do Mestre apareceu naquela luz. Ele exibia um sorriso de satisfa-ção. Após o desaparecimento da visão, fui capaz de caminhar novamente. Em 15 de fevereiro de 1953, Rajasi saiu para sua caminhada noturna habitual. Quando retornou,

disse-se: “Logo no início do caminho, o Mestre parou na minha frente e disse: ‘Babaji quer ver você’. Então, vi Babaji na minha frente.” Rajasi não disse o que Babaji queria dele ou o que falou.

Em 27 de fevereiro de 1953, quando perguntei a Rajasi se ele tinha visto o Mestre ultimamente, ele respondeu: “Não, o Mestre foi a outro lugar fazer alguma coisa. Não perdi seu contato, mas ele está muito ocupado. Mas os outros Mestres aparecem.” Em 1° de março de 1953, um dos rapazes perguntou se podia viajar aos diferentes centros em todo o país para dar palestras. Pedi para Rajasi procurar saber a opinião do Mestre sobre isso. Após o jantar, Rajasi descansou na mesa com a cabeça em cima dos braços. Fui ver se estava tudo bem com ele. Ele olhou para mim e respondeu:

Eu estava obtendo a resposta sobre o rapaz que pediu para viajar. Recebi uma resposta diretamente de Sri Yukteswarji, que me disse: “Eu não quero aqueles que tenham ambições pessoais, ou que pro-curam elogios nem que tenham objetivos egoístas. Quero que saiam para ensinar apenas aqueles que são altruístas, que amam Deus somente e que tenham alguma realização. Ninguém, além desses, deve sair para ensinar.” Então, todos os Mestre chegaram e o Mestre estava no meio deles.

Em 7 de março de 1953, eu estava dizendo a Rajasi: “Foi exatamente um ano atrás, a esta hora,

que nosso Amado Mestre nos deixou tão sozinhos”. Rajasi respondeu, dizendo:

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O Mestre está muito presente comigo hoje e me disse: “Eu também senti a dor da partida. Eu não queria deixar todos vocês. Eu não tinha apego algum a qualquer coisa ou qualquer pessoa, mas não queria causar tanta tristeza a vocês com minha partida. Um ano se passou sem mim. Será mais fácil de suportar, de agora em diante.” Rajasi acrescentou: “O Mestre nos amou muito”. Em 27 de março de 1953, Rajasi disse: “Sri

Yukteswarji esteve comigo o dia inteiro, numa esplêndida luz brilhante”. Em 28 de março, Rajasi ca-minhava nas redondezas de seu retiro no deserto. Saí para ver se poderia fazer algo por ele. Ele olhou para mim e disse:

Digo a você que realmente não sinto meu corpo. É o Mestre que está caminhando. É como se ele es-tivesse em meu corpo e eu, pessoalmente, não existisse. Quando caminho, sinto o corpo do Mestre movendo-se dentro do meu. Sinto os músculos dele nos meus músculos. Sinto sua cabeça em minha cabeça. Não sou eu quem anda agora, mas o Mestre.

5 de maio de 1953 – Naquela manhã, Rajasi disse:

Nesta manhã, fui acordado por um cântico e com os Mestres dançando a meu redor. Não conseguia entender o porquê da celebração, quando o pensamento me veio que era meu aniversário e que os Mestres cantavam e dançavam a meu redor, comemorando.

Enquanto Rajasi ainda estava no quarto, sentei-me ao órgão e toquei “Parabéns para Você”, até

que ele saísse. Finalmente ele apareceu, sentou-se na grande cadeira da sala e entrou em meditação profunda. Ele me contou, mais tarde: “Babaji veio na luz mais brilhante que jamais vi. Sri Yukteswarji e o Mestre dançavam ao redor de Babaji.” Fui até ele receber minha bênção. Perguntei se ele poderia ir para Mt. Washington ou Encinitas, para que todos pudessem celebrar o aniversário com ele. Ele respondeu: “Perguntarei ao Mestre”. Posteriormente naquela manhã, ele recebeu a resposta do Mestre. Rajasi disse: “O Mestre me disse: ‘Por que não vai para Encinitas celebrar seu aniversário com to-dos?’” Avisei todo mundo para vir a Encinitas naquela noite, que era o aniversário de Rajasi. Trans-crevo uma carta que o Mestre escreveu a Rajasi no aniversário dele:

5 DE MAIO DE 1940 – Amantíssimo e Abençoado Pequenino: Esta carta é escrita no seu aniversário para dizer o quanto a Índia e eu apreciamos o precioso presente de Deus no seu nascimento. Você nasceu para o bem da elevação do mundo. O bem realizado por seu intermédio e da missão da Self-Realization é apreciada não apenas na Índia e por aqueles que o conhecem aqui, mas também recebe a mais alta aprovação do Pai Celestial, dos Mestres e de minha humilde pessoa. A opinião do mundo e a fama são fugazes, mas o certificado do reconhecimento Divino por sua bondade é permanente. A-precio sobremaneira o seu aniversário, pois além de ser um presente para o mundo, você é um pre-sente pessoal de Deus para mim, da mais alta, sincera e doce amizade. E esta é a minha eterna oração, que você possa permanecer para sempre, perante meus olhos, na mais alta estima e amor, progredin-do mais e mais espiritualmente, para que eu possa sempre dizer o mesmo a meu Pai, que me delegou nesta terra a tarefa de conduzi-lo na carruagem do amor até Seu reino eterno. Possa seu aniversário ser um eterno facho de luminosa inspiração, guiando os aspirantes espirituais na terra e na vida astral no além. Possa sua vida se tornar um modelo inspirador, que servirá de base para os aspirantes espiri-tuais do Ocidente e Oriente moldarem suas próprias vidas. Minha alma expressa essa percepção acer-ca do seu aniversário, que eu levei mais a sério desta vez do que de costume. Todos vocês recente-mente me fizeram lembrar de meus aniversários aqui, após um longo tempo em que eu os deixava de lado. Providenciarei para que na Índia, especialmente nos eremitérios de Ranchi e Dakshineswar, ce-lebrem seu aniversário. Este é um desejo pessoal, pois nos anais da Índia você já é imortal. Diga a seu grupo, aqueles que meditam regularmente com você, que é meu desejo particular que eles celebrem o seu aniversário todos os anos com uma meditação especial, seguida por refrescos leves. Por favor, não se esqueça de falar isso para eles. Faremos o mesmo sempre que você estiver aqui conosco. Com o mais profundo amor e bênçãos para você nesta ocasião. Muito sinceramente

– Paramhansa Yogananda.

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Uma Trilogia do Amor Divino 134

Em 31 de maio de 1953, Rajasi voltou para Kansas City pela primeira vez após sua operação. Eu-

gene Lynn o acompanhou nas viagens. Rajasi retornou no final de junho e passou o verão no eremité-rio. Em 2 de junho de 1953, após seu retorno de Kansas City, eu lhe perguntei: “Os Mestres estiveram com você em Kansas tanto quanto estavam no deserto?” Ele respondeu: “Sim, mas principalmente o Mestre, porque eu estava fazendo coisas para ele enquanto me instruía sobre o que fazer pela obra”. Em 1º de agosto de 1953, Rajasi disse: “Pedi para o Mestre ajudar o Senador Taft, que morreu em 31 de julho. O Mestre gostava muito de Taft.” Posteriormente, naquela mesma tarde, Rajasi disse: “O Mestre sente muito por Taft e o está ajudando, porque Taft não pode fazer nada por si mesmo. Então o Mestre está indo até ele e o ajudando, por causa dos bons serviços que Taft prestou à América.” Em 20 de agosto, 1953, Rajasi estava deitado na grama. Ele falou: “Em meu coração e mente, eu estava chamando os Mestres – Babaji, Lahiri Mahasaya, Sri Yukteswarji, o Mestre e Jesus – quando, partindo do éter, as vozes de todos os Mestres me responderam em uníssono: ‘Eu, sozinho, nada posso fazer. Seja feita a Tua vontade’.”

Rajasi compareceu à iniciação, na convenção daquele ano. Rajasi estava abençoando e marcando o olho espiritual dos novos kriyabans. Era bastante tempo para ficar em pé. De repente, ele se sentou e teve que deixar o salão. Enquanto se deitava no divã do Mestre, na biblioteca do andar de cima, foi deixado sozinho por alguns minutos. Foi quando teve uma visão. Em 22 de agosto de 1952, Rajasi me disse:

Eu tenho visto o Mestre do peito para cima, mas dessa vez o vi dentro de uma luz muito brilhante: vi a forma inteira do Mestre. Havia apenas um fino véu entre ele e a completa materialização em forma humana.

Eu lia com freqüência para Rajasi algumas das cartas que o Mestre escrevera para ele. Essa que eu

li foi escrita em 1933 e era particularmente doce, com o Mestre expressando grande amor por ele. Ra-jasi não disse nada e foi para o quarto. Ele voltou em poucos instantes e parou no meio da sala, apa-rentemente em estado de êxtase. Ele ficava repetindo: “Tudo é alegria, nada mais que alegria, amor, nada mais que amor, êxtase, muito amor e alegria de todos os Mestres”. Ele acrescentou: “Todos os Mestres vieram a mim e me encheram com grande amor e muita alegria”. A face de Rajasi brilhava. Ele estava tão extasiado que mal conseguia conter o amor e a alegria que sentia. Rajasi fala em doar milhões à SRF

Foi no verão de 1953 que Eugene Lynn visitou seu tio a negócios. Ele e Rajasi caminhavam no gra-mado, conversando; eu estava no quarto de Daya, conversando com ela e Mataji. Estávamos na janela, olhando eles passarem. Rajasi nos viu. Os dois vieram até a janela. Rajasi nos disse: “Fiz preparativos para a SRF ser a beneficiária do meu seguro de vida de meio milhão de dólares. Até a hora em que tiver que parar de fazer coisas pela SRF, terei conseguido garantir para a SRF uns três, quatro, sim, talvez até uns seis milhões de dólares. Isso agradaria ao Mestre.” Desnecessário dizer como aprecia-mos e ficamos agradecidas em nossos “ohs” e “ahs”.

Com o clima permitindo, Rajasi estava de volta a Borrego para o inverno de 1953 e 1954. Nova-mente, o que contarei a seguir são visões que ele teve no deserto. Em 6 de dezembro de 1953, Rajasi estava dizendo: “Eu não sinto a mim mesmo. É apenas o Mestre. Quando sua alegre presença chega, eu choro de emoção.” Em 8 de dezembro de 1953, Rajasi não deu explicação, apenas disse: “O Mestre com certeza gosta de Babaji”. Em 9 de dezembro de 1953, diversas pessoas perguntaram a Rajasi: “Por que o Mestre não aparece a mim?” O Mestre deu a resposta para Rajasi: “Eles devem vir a mim por meio da meditação e da luz; não é para eu descer até eles, mas eles é que devem subir para me ve-rem”. Em 5 de janeiro de 1954, Rajasi disse:

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Uma Trilogia do Amor Divino 135

Acordei ao redor das 2 ou 3 da manhã e vi Lahiri Mahasaya na luz mais fulgurante que jamais havia visto. Então, um por um, Sri Yukteswarji, Babaji e o Mestre. O Mestre me ergueu do corpo e flutua-mos juntos sobre muitas reuniões de pessoas, até na Índia. O Mestre abençoou cada grupo, enquanto flutuávamos sobre eles. Não estávamos andando, mas flutuando. Era como se o Mestre quisesse que todos soubessem que eu estava com ele. Fiquei com o Mestre por um longo tempo, desde que acor-dei até às 9 horas. Aquele foi o tempo mais longo que fiquei com ele dessa maneira. O Mestre anda muito ocupado por lá, tanto quanto estava aqui, ajudando pessoas nas outras esferas, ensinando-as o caminho da salvação e como podem conseguir a Auto-realização.

Em 12 de janeiro de 1954, Rajasi ficou mais diversas horas com o Mestre, novamente visitando

muitos lugares, o Mestre mostrando às pessoas o caminho da salvação, em viagens flutuantes acima dos grupos. Em 17 de janeiro de 1954, perguntei novamente se o Mestre tinha vindo na noite passada e se o Mestre dissera alguma coisa. Rajasi respondeu: “Sim, o Mestre veio, mas não falou nada. Ele veio apenas me ver.” Indianos visitam Rajasi

Em 18 de janeiro de 1954, novamente perguntei a Rajasi se o Mestre veio para dar respostas a deter-minadas questões que lhe havíamos pedido que perguntasse a Ele. Rajasi respondeu: “Sim, o Mestre veio de novo, mas não deu qualquer resposta. Ele veio apenas para me dar seu amor.” Também em janeiro de 1954, perguntei novamente se o Mestre tinha vindo para dar as resposta que esperávamos. Rajasi respondeu: “Não, o Mestre está na Índia fazendo alguma coisa”. Aquela foi a primeira vez que Rajasi nos disse que o Mestre estava em algum lugar específico. Várias semanas depois, ouvimos dizer que indianos nos visitariam em fevereiro de 1954 e que haviam recebido permissão para deixar a Índia. Aquilo que Rajasi falou sobre o Mestre estar na Índia levou-nos a acreditar que ele estava preparando o caminho para os indianos poderem vir. Nessa mesma época, o Mestre tinha aparecido numa visão para um discípulo na Índia, dizendo para ele: “Por que eles estão atrasando a viagem para a América?” Evidentemente, o Mestre queria que os indianos visitassem Rajasi antes que fosse tarde demais.

Na manhã de 8 de fevereiro de 1954, o Mestre disse a Rajasi que ele não estava correndo um pe-rigo imediato, mas que não era para permanecer em lugares muito quentes ou barulhentos, devendo ficar atento para evitar essas duas coisas e qualquer confusão. Em 30 de março de 1954, Rajasi disse: “O Mestre está muito feliz que os indianos estejam chegando”. Sempre que perguntávamos a Rajasi sobre alguma pessoa que quisesse voltar para viver em Mt. Washington, ele respondia: “Quando eu conversar com essa pessoa, o Mestre me dirá o que ele quer que eu diga para ela”. Sempre que pergun-távamos a Rajasi algo sobre os problemas da organização, ele respondia: “Perguntarei ao Mestre. Ele me dirá a coisa certa a se fazer.”

Após a chegada dos indianos, Rajasi foi encontrá-los, vendo Prabhas Ghosh e Atmanandaji pela primeira vez. Ele estava parado no alto da escadaria frontal do eremitério. Vestia sua túnica alaranjada. Como foi comovente aquele encontro! Ele pôs seus braços em volta dos homens e os três choraram como crianças, pensando em nosso Amado Mestre. Rajasi sentou-se na poltrona da sala. Os dois indi-anos sentaram-se no chão, acariciando as pernas e pés de Rajasi, olhando para ele com olhos respeito-sos e reverentes. Eles ficaram no eremitério por alguns dias. Os homens trouxeram presentes da Índia para Rajasi. Tiramos fotos dos três juntos. Rajasi, como representante do Mestre, deu a Atmanandaji seus votos de Swami, pois o Mestre já havia feito de Atmanandaji um Swami, mas ele queria receber as bênçãos do Mestre através de Rajasi no quarto do guru.

Percebi, na noite anterior à ida ao quarto do Mestre, que Rajasi não parecia bem. Ele até passou direto pela porta, mas voltou e continuou com a cerimônia. Novamente, senti uma punhalada no co-ração. Ele estava melhor no dia seguinte. Alguns dias depois, os homens saíram para sua viagem ao Grand Canyon, pois Rajasi dissera que planejava ficar para Kansas City por algum tempo e que eles po-deriam aproveitar o tempo para saírem antes que ele retornasse.

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Rajasi doa milhões de dólares em ações

Rajasi partiu em 18 de abril de 1954. Fiquei em Mt. Washington ainda até 23 de abril. Eu estava me preparando para partir na manhã seguinte. Naquela noite, recebi uma chamada de longa distância de Eugene Lynn, contando-me que estava trazendo Rajasi de volta e que era para encontrá-los no aero-porto naquela noite. Eu levaria Rajasi diretamente ao hospital, pois ele sentia que os sintomas do tu-mor estavam voltando. Ele ligou para Dr. Raney e foi aconselhado a vir imediatamente para Los An-geles. Após desligar o telefone, contei tudo para Sraddha, que estava na cozinha naquela hora: “Sei que Rajasi está vindo para outra grande provação, mas de alguma forma sinto como se um grande peso saísse de minha mente”. Eu não sabia por quê, mas descobri após Rajasi chegar ao hospital. Levei S-raddha comigo até o aeroporto, pois não queria voltar sozinha após deixar Rajasi. Enquanto Eugene tomava as providências e procurava o médico, nós três estávamos sentados no carro. Rajasi, na minha frente, olhou-me e disse: “Você sabe o que eu fiz?” Orgulhosamente, me falou: “A SRF vai ter uma receita de 66 mil dólares por ano em dividendos. Coloquei 22 mil ações da ferrovia Kansas City Southern em nome da SRF. Elas valem um milhão de dólares.” Nós duas vibramos com grande alegria. Não pudemos dizer mais nada, pois logo Eugene voltou com o médico. Rajasi entrou no hospital e se pre-parou para dormir, pois já era tarde. Então eu soube a razão pela qual o peso havia sido tirado de mi-nha cabeça. Pois durante tantos anos o Mestre quis que Rajasi dotasse o trabalho da SRF com um ou mais milhões de dólares. Sempre trabalhei lado a lado com o Mestre e intercedi por ele quando o as-sunto era conseguir fundos para sua missão.

Após o Mahasamadhi do Mestre, comecei a datilografar as cartas dele para Rajasi. Ele tem mais de setecentas delas, durante os vinte anos de correspondência entre eles. Sempre que achava alguma em particular em que houvesse belas passagens nas quais o Mestre expressava seu profundo amor por ele, eu lia essa carta para Rajasi. Uma vez, após terminar de ler uma passagem, ele chorou, dizendo: “Eu não sabia que ele me amava tanto”. Também, em uma dessas maravilhosas cartas, li um dos apelos financeiros do Mestre e, no final dessa carta, ele fala: “Se eu não pedir a você, não haverá mais nin-guém que o faça depois que eu partir”. Meu coração e minha mente responderam ao Mestre: “Não se preocupe, senhor, continuarei com esses pedidos em seu lugar”, e fiz isso em cada oportunidade que tive.

No inverno de 1952, até escrevi uma carta a Rajasi lembrando-lhe de seus deveres para tornar a SRF segura. Era uma carta datilografada, não muito longa, mas direta. Eu poderia tê-la escrito melhor e lido para ele, pois sempre lia sua correspondência e artigos nos jornais para ele. Mas, se eu apenas falasse, ele iria simplesmente dizer: “Agora não. Depois que eu melhorar.” Eu queria ir direto ao pon-to, então lhe perguntei se poderia ler uma carta para ele. Sentei-me atrás dele, para que não tivesse de ver seu rosto, pois se visse alguma expressão de tristeza, não poderia seguir adiante. Após terminar de ler, ele me chamou para seu lado. Ajoelhei-me, e ele me abençoou. Com lágrimas nos olhos, ele disse: “Sei que ainda não completei minha missão, mas tão logo eu melhore cuidarei de tudo”. A realização completa de sua missão foi o peso erguido de ambas as mentes, a de Rajasi e a minha. Pois ele com-pletou o propósito para o qual nascera nesta vida, aquela mesma coisa que o Mestre queria, que o tra-balho continuasse a progredir depois que ambos os corpos estivessem dissolvidos no Infinito. A segunda operação de Rajasi

A segunda operação de Rajasi foi em 26 de abril de 1954. Entre os dias 23 e 26, Rajasi dissera-me que tinha visto o Mestre: “Ah, o Mestre está comigo o tempo inteiro. Ele está feliz, feliz. Ele está em mim. Ele está tão feliz. Ele não está nada mais do que alegre, alegre o tempo inteiro.” Rajasi acrescentou: “O Mestre está feliz porque passei aquelas ações para a SRF e eu terminei minha missão neste plane-ta”.

Enquanto esperávamos os enfermeiros levarem Rajasi para a sala de operação, ele estava muito calmo e parecia até que aguardava um encontro com o Mestre, ao invés de mais uma operação. Ele parecia tão venturoso e feliz. Eugene Lynn e eu estávamos, cada um, de um lado da cama. Ele pegou nossas mãos e disse: “Júnior, perante Durga, quero dizer isto, que você será meu sucessor nos negó-

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cios. Quero que cuide da SRF da mesma maneira que eu cuidei. A SRF deve vir sempre em primeiro lugar nos seus pensamentos.” Eugene olhou-me com lágrimas nos olhos e disse: “Durga, não sei o que significa um guru, mas é isto o que Tio Jimmy significa para mim. As vontades dele são as mi-nhas.” Então meditamos até que viessem buscá-lo. Sua face continuava extasiada. Ficamos lá até que ele saísse da sala de operação.

Ele estava muito quieto quando o vi na manhã seguinte. Olhou-me e sorriu com doçura. Não sentia dor alguma. Pouco antes de deixar o hospital, a enfermeira do turno da tarde, que cuidou dele após ele voltar da operação, disse: “Sabem, sempre se consegue dizer como é um paciente após ele voltar da anestesia. Pode-se ver como é um homem por sua mente subconsciente.” Ela continuou: “Nunca vi em toda a minha carreira alguém tão cheio de paz e quietude angélica como Sr. Lynn quan-do estava subconsciente. Era como se ele fosse Deus encarnado. Sua face estava tão iluminada. Nunca tinha experimentado algo tão belo quanto nesse momento, e acho que jamais experimentarei nova-mente.” Uma completa estranha dizendo isso me fez ver ainda mais o Mestre brilhando através de Rajasi. Transcrevo algumas citações das cartas do Mestre a Rajasi:

25 DE MAIO DE 1932 – Agora, a mesma força deve ser utilizada para se conquistar algo duradouro pa-ra Mt. Washington. Então, nossos carmas gêmeos estarão libertados, e estaremos livres para vagar no Espírito, em alegria sempre borbulhante. 20 DE JANEIRO DE 1934 – Quando seu trabalho estiver terminado, você brilhará no seio Dela, como a criança mais adorada, e nós cantaremos e usaremos muitas vidas para trazer outros de volta ao palá-cio Dela. Você está sempre comigo e eu com você, em nosso Pai. Alegre-se, pois o Reino de Deus é seu. 18 DE FEVEREIRO DE 1934 – Você jamais saberá o grande papel que tem desempenhado nessa gran-de missão de Babaji, e aqueles que são os instrumentos do Altíssimo sentam-se em Seu trono. Você não está apenas me ajudando com este trabalho, mas também está cooperando com os Grandes. A-través das vibrações, sei que eles estão supremamente satisfeitos com você. Detesto pensar nas difi-culdades que teríamos de enfrentar, se Deus não tivesse mandado você para nós. Você desempenha um papel idêntico ao meu nesta obra, pois ao contrário dos cavalos de Platão, virados um em direção à terra e outro em direção ao céu, nós dois estamos puxando a carruagem desta organização para o objetivo único da realização Divina. Ambos somos necessários para puxar esse veículo Divino até a meta estabelecida pelos Grandes. Quando você realizar sua elevada missão na terra de estabelecer esta obra com firmeza, então você e eu estaremos para sempre libertos de nosso dever terreno. Então permaneceremos livres no Céu. Caso contrário, seremos forçados a retornar. Mas quando estivermos livres, poderemos fazer viagens até a terra quando quisermos, para encher nossos botes com as almas náufragas, trazendo-as para as praias do céu. Escrevo estas coisas agora, enquanto estou tendo uma visão, em cima do telhado, sob o sol circundado pelo Infinito. 25 DE AGOSTO DE 1934 – As palavras falham na tentativa de descrever o que você me faz sentir, pois você está tentando e realmente conseguindo libertar esta obra das garras de indizíveis tribulações. Du-rante muitas encarnações, se quiser retornar com seu barco para a terra e levar muitos outros até as praias da Mãe Divina, você terá indizível prosperidade, material e espiritual. 17 DE OUTUBRO DE 1934 – Detesto pensar o que aconteceria a esse trabalho se nós dois fôssemos levados repentinamente para o seio do Pai. Esse é o pensamento de responsabilidade que o Pai Celes-tial me transmite constantemente. Eu e você devemos estabelecer permanentemente este trabalho, para que, quando formos chamados ao Céu, possamos dizer a eles: nós garantimos a continuidade do trabalho contra a força destruidora de Satã durante nossa ausência na terra. Até esse dia chegar, não estaremos livres.

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Uma Trilogia do Amor Divino 138

Rajasi constrói seu apartamento na Sede Central

Quando nosso Amado Mestre ainda estava conosco, sempre que Rajasi visitava Mt. Washington, o Mestre lhe cedia seu quarto e ficava na biblioteca, sob nossos protestos e os de Rajasi. O Mestre dei-xava também para Rajasi suas demais dependências em Mt. Washington, pois Rajasi não tinha ne-nhuma. Mas Rajasi e todos nós decidimos que o quarto do Mestre devia ser preservado da maneira que o Mestre deixou, como um santuário. Portanto, essa decisão deixou apenas a biblioteca para Raja-si dormir. Naquele mês de março do Mahasamadhi do Mestre, Rajasi foi eleito o segundo presidente da SRF. Todos nós sentimos que ele deveria ter um lugar próprio para ficar enquanto estivesse em Mt. Washington. Observei um espaço aberto na torre e vi a possibilidade de construir um apartamento sossegado e maravilhoso, sendo que lhe sugeri: “Por que não nos deixa construir um apartamento na torre? Estive observando e vi que podemos fazer um banheiro e uma cozinha. Você não tem um lugar em Mt. Washington a não ser a biblioteca.” Ele respondeu: “Vou pensar”. Mais tarde ele me disse algo que eu nunca tinha ouvido antes: “Vá em frente e construa o apartamento para mim. E eu quero o melhor.”

Rajasi permaneceu no hospital entre 23 de abril e 22 de maio. Os médicos lhe deram alta antes, por causa de toda a publicidade que ele estava recebendo devido a notícia de sua doação milionária para a SRF. Os médicos julgaram que ele seria capaz de se esconder dos repórteres se saísse do hospi-tal, mas não queriam que fosse para Encinitas, pois ainda desejavam vê-lo diariamente por mais uma semana; então aconselharam-no a ir para Mt. Washington. Como ficamos felizes que ele já tinha seu apartamento pronto para receber os médicos e seus sócios nos negócios. Teria sido mesmo muito embaraçoso receber alguém que visse Rajasi na biblioteca, sem nem mesmo uma cama, apenas um acolchoado no chão, sendo ele o presidente da SRF e doador de uma fortuna de um milhão de dólares para a organização. Valeu a pena termos construído o apartamento, mesmo pelo pouco tempo em que ele ficou lá: apenas uma semana. Rajasi voltou a Encinitas para passar o verão. Um carro novo

Em setembro de 1954, pouco antes de voltar para Borrego no inverno, Rajasi anunciou que gostaria de um carro novo. Embora seu Oldsmobile creme tivesse vários anos, ainda estava em boas condições, mas estava no nome da SRF. A SRF o utiliza ainda até hoje (1958). Ele me pediu para ir até San Diego escolher um carro para ele. Queria todos os novos acessórios, como direção hidráulica e freios poten-tes. Ele ficou feliz com a minha escolha. É triste dizer que ele andou com o carro apenas poucas ve-zes. Eu consigo ajuda para cuidar de Rajasi

Uma semana antes de sua ida para passar o inverno em Borrego, ouvi cedo pela manhã o pesado ba-que de algo caindo no chão. Fui correndo ver o que era, e vi Rajasi desmaiado na frente da porta de seu vestiário. Tive que empurrá-la gentilmente, pois sua cabeça estava encostada na porta. Eu estava sozinha na casa. Até os Lewis tinham saído. Quando finalmente consegui ajuda do pessoal do retiro da SRF, ele já tinha acordado e estava na cama. Fiquei tão assustada que pedi, pela primeira vez em dezenove anos, que alguém me ajudasse, ficando de prontidão na parte norte do eremitério, para o caso de algo semelhante voltar a acontecer. Daya designou Sraddha e, durante os últimos cinco meses da vida de Rajasi, fui grata por contar com a ajuda de diversas almas: Mrinalini, Sraddha, Pat Hogan e, nas últimas semanas, Mataji. Foi um alívio ter alguém me ajudando, pois aqueles últimos meses foram debilitantes, já que até o fim ele tinha de ser alimentado, barbeado e precisava ter alguém junto em suas caminhadas, por causa da possibilidade de cair e acabar se machucando. Após sua segunda opera-ção, tive que barbeá-lo até o fim de sua vida. Rajasi não chegou a sofrer, nem sentia quaisquer dores até quando foi operado e mesmo após sua terceira operação. Cito uma carta do Mestre para Rajasi:

31 DE JULHO DE 1935 – Metade da minha realização espiritual é sua. Jamais doei tanto para alguém quanto a você. No seu último dia desta existência terrena, você sentirá de repente uma iluminação

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duplicada de todas as suas percepções internas e uma inesperada expansão de indizível leveza e bem-aventurança. Então você saberá o que eu lhe dei. O que eu dou agora está sendo sutilmente acrescen-tado aos resultados de seu próprio esforço. Assumi para mim quase todo o seu carma e resgatarei os sofrimentos neste corpo, para que você possa libertar-se das sutis armadilhas dos desejos e apegos, navegando livremente, como uma estrela cadente no céu distante. De todo o meu esforço, você foi abençoado com uma alegria sempre crescente e um desenvolvimento espiritual ininterrupto. É este o meu espontâneo presente, de meu mais profundo amor e devoção, por você me aliviar dos numero-sos e pesados deveres para com a organização. Todas essas coisas que estou lhe dizendo são muito sagradas.

A terceira operação de Rajasi, sua enfermidade, sua morte

Rajasi era capaz de cuidar da maior parte de suas necessidades pessoais, exceto fazer a barba, mas quando chegamos em Borrego no final de setembro, ele já não era capaz de comer sozinho, pois seu braço direito estava mais fraco. Logo ele, que fora sempre tão limpo e cuidadoso, a ponto de ficar afli-to quando derramava alguma coisa nele. Para evitar que isso acontecesse, eu, ou a outra pessoa que cuidava dele, dávamos-lhe de comer. Irmão Sarolananda ficava na cabana e vinha no final da tarde para o turno da noite, pois eu tinha medo de deixar Rajasi sozinho, caso precisasse se levantar para ir ao banheiro de madrugada. Parece que foi por muito pouco tempo que ficamos em Borrego, antes de os sintomas voltarem. Telefonei para Dr. Novac, em Encinitas. Ele já quis logo vir com a ambulância, mas eu disse que não era para ele deixar que Rajasi visse a ambulância antes que os dois tivessem a oportunidade de conversar e o médico adiantasse um pouco do que estava por vir. Quando o médico chegou, trouxe a ambulância, mas ela foi mantida à distância, enquanto Dr. Novac, que veio de carona com Dr. Lewis, falava com Rajasi. Foi necessário algum tempo para convencer Rajasi a retornar para o hospital, até que afinal ele concordou. Quando chegamos ao hospital, Dr. Raney achou que Rajasi pa-recia estar melhor do que previra. O médico afirmou que a descida até Los Angeles tinha estancado suficientemente o tumor, aliviando a pressão.

Rajasi deu entrada no hospital em 5 de outubro de 1954, mas não foi necessário operar até 12 de outubro, quando a pressão retornou. Então ele ficou mais um mês no hospital. Voltamos direto para Borrego. As moças, Mrinalini e Pat, foram de carro até Oceanside, então a Sra. Lewis nos encontrou lá para mostrar o caminho para as duas. Ela dirigiu o resto da viagem até Borrego e Rajasi foi o primeiro a ver a Sra. Lewis na beira da estrada, esperando para irmos pegá-la. Ele disse: “Bem, olha só quem está aqui”. Rajasi nunca mais retornou para sua amada Encinitas. Ele saiu de lá nos fins de setembro de 1954. Tínhamos a esperança que na hora que Rajasi deixasse o hospital, ele poderia ir direto para sua nova casa na fazenda, pois ainda não a tinha visto. Mas tivemos de esperar até a véspera do Dia de Ação de Graças para viajarmos. Ele estava tão ansioso para ver a propriedade que até mesmo um atra-so de poucas horas o desagradou. Quando finalmente chegamos, nós o levamos em sua cadeira de rodas para ver cada centímetro da casa. Estava extremamente satisfeito, pois a construção de uma casa em sua amada fazenda em Borrego era outro desejo seu, de longa data.

A terceira operação naquela pobre alma deixou-o visivelmente mais fraco. Para a surpresa dos médicos, ele ainda não sofria nem sentia qualquer dor, pois essa é, normalmente, uma doença muito difícil de se tratar e suportar. Só mesmo graças às bênçãos e a intervenção do Mestre é que isso foi possível. Recordo-me do Mestre dizendo: “Estou sofrendo para que todos vocês não sofram”. Isso ficou provado sem a menor sombra de dúvida. O que mais me surpreendeu é que eu sabia que Rajasi sempre havia sido muito saudável, por isso sua resignação perante o destino não foi para mim nada mais que um milagre. O Dr. Raney, o irmão mais novo, veio duas vezes para ver Rajasi na fazenda. Lembro-me da expressão de Rajasi quando viu o médico. Após ele sair, tive que garantir a Rajasi que não voltaríamos ao hospital, pois pude ler em seus olhos que ele pensou que o médico viera fazer a visita para levá-lo novamente para outra operação e ele não queria passar por isso novamente, nem nós.

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Uma Trilogia do Amor Divino 140

Levávamos Rajasi até sua varanda para tomar banhos de sol, de onde pudesse ver os mexicanos trabalhando na fazenda e a nós, trabalhando nas outras partes da propriedade. Ele raramente ficava sozinho. Sempre havia um de nós com ele. Nós o levávamos em sua cadeira de rodas para passear nos arredores e o ajudávamos a caminhar. Ficamos aliviados por Dr. Neville, que era um bom médico da região, vir diariamente cuidar de Rajasi e ver se ele precisava de qualquer ajuda. Quando Dr. Raney veio pela última vez, após 1º de janeiro de 1955, ficou surpreso ao constatar como a pele de Rajasi es-tava macia e como seus membros paralisados estavam flexíveis, pois normalmente a paralisia deixa os membros enrijecidos em pouco tempo. Após o banho diário de Rajasi, Sarolananda vinha de tarde para massageá-lo com óleo e fazer exercícios em seu corpo inteiro. Nós o levantávamos e o ajudáva-mos a ficar de pé pelo tempo que conseguisse.

Quando Mataji chegou nas últimas semanas para ajudar-me, trouxe consigo vários dos presentes que o Mestre tinha dado para ela e a cruz da prosperidade, que Rajasi tanto amava. Rajasi segurava esses presentes em suas mãos. Nós não conseguíamos tirá-los de sua mão nem mesmo quando ele adormecia. Ele se apegava a tudo que era do Mestre e nunca tirava o olhar da foto do Mestre que es-tava sobre a cômoda, de onde pudesse vê-lo. Deixávamos a foto iluminada a noite inteira. Ele também olhava para a estátua de São Francisco que a família BenVau lhe dera de presente enquanto ele estava no hospital.

Numa tarde, Sarolananda estava me ajudando a virar Rajasi de costas para lavá-lo. Naquele mo-mento, Rajasi olhou para mim, depois para Sarolananda e, gentilmente, colocou seu braço bom ao re-dor do pescoço de Sarolananda e trouxe a cabeça dele até seu peito, segurando-o dessa maneira por um bom tempo, abençoando-o. Lágrimas de gratidão rolaram dos olhos de Sarolananda. Após essa bênção, pudemos notar uma evidente melhora no comportamento de Sarolananda. Em diferentes o-casiões, Rajasi deu uma bênção especial à pessoa que o estava ajudando, como para demonstrar seu agradecimento pelo serviço que todos nós prestávamos.

Um dia, enquanto olhava para ele, eu disse: “Com todo o espetacular cuidado que você dedicou ao corpo, com as comidas mais saudáveis e exercícios, ainda assim não puderam evitar que tudo isto acontecesse”. Embora ele não conseguisse mais falar naqueles últimos dias, balançou a cabeça afirma-tivamente. Naqueles mesmos dias, eu perguntei: “Você viu o Mestre?” Ele mexeu a cabeça: “Sim”. Então perguntei: “O que ele disse?” Como resposta, lágrimas brotaram de seus tristes olhos azuis, a-baixando o olhar e a cabeça com uma expressão de que o Mestre dissera que viria buscá-lo em breve, para nos deixar.

Eugene Lynn veio ficar com Rajasi em seu último mês de vida. Durante uma de suas conversas comigo, ele me disse que a família de Rajasi insistiria em levar seu corpo para Kansas City, no caso de seu falecimento, para ser enterrado no jazigo particular da família. Fiquei profundamente magoada, pois minha fé era tão forte que jamais pensei em termos de morte, nem me ocorria que Rajasi perten-cesse a qualquer outra família que não fosse sua família divina da SRF. Eu respondi: “Quando chegas-se a hora, tínhamos vontade de colocá-lo próximo ao Mestre, pois há um lugar vazio perto dele”. Eu-gene disse: “Lamento, Durga, magoá-la dessa maneira. Se dependesse de mim ele poderia permanecer aqui, mas sei que tia Frieda não vai nem querer ouvir.” É por esta razão que Rajasi está enterrado em Kansas City, ao invés de no cemitério Forest Lawn, junto com o Mestre.

Na última visita do Dr. Raney, fomos avisados que talvez Rajasi não durasse mais que duas ou três semanas, e que ele não achava que o tumor seria a causa da morte. Ele disse para que me prepa-rasse, pois esse tipo de tumor cerebral traz consigo uma doença que enche os pulmões de líquido. Eles se enchem tão rapidamente que é impossível deter o processo, nem mesmo drenando-se os pulmões. Na manhã de 19 de fevereiro de 1955, Dr. Neville veio como de costume. Ele me perguntou se Rajasi estava respirando pesado há muito tempo. Eu disse que não tinha percebido. Ele me disse que estaria de volta naquela noite. Era ao redor das 22 horas, quando retornou e pronunciou as palavras fatídicas de que os pulmões de Rajasi estavam se enchendo e que era terminal. Para nos encorajar, acrescentou: “Talvez agüente até amanhã, mas pode vir a falecer a qualquer momento”.

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Uma Trilogia do Amor Divino 141

Eu estava completamente despreparada para receber tal notícia. Felizmente, Daya, Mrinalini e Sai-lasuta tinham vindo para o final de semana. Nenhuma de nós saiu do lado dele naquela noite. Sentei-me a seu lado e fiquei segurando sua mão entre as minhas até o fim. Pude sentir a força vital abando-nando suas mãos e pés. Não desgrudei meu olhar de seu rosto e olhos. Enquanto o observava, pude notar que seus olhos estavam se apagando e uma luz branca surgiu ao redor de sua cabeça. O Dr. Ne-ville permaneceu a noite inteira conosco. Mataji manteve fielmente a máscara de oxigênio sobre seu nariz e boca. Mais tarde, Dr. Neville disse a Sailasuta: “Foi a morte mais pacífica que já presenciei nes-se tipo de doença”. A luz foi ficando mais brilhante ao redor de sua cabeça. Fiquei pensando mais tar-de o quanto dependemos desse pequeno alento que entra e sai, unicamente pela graça de Deus. Pres-távamos atenção a cada inspiração de Rajasi. Quando o ar entrava em seus pulmões, nós inconscien-temente respirávamos junto, com um suspiro de alívio.

Então aconteceu, às 4 horas da manhã, domingo, 20 de fevereiro de 1955, que o ar não voltou mais. Tantas vidas, centenas delas, foram transformadas pelo sopro de vida, agora esgotado, desse bem-sucedido homem de negócios e santo. Não me surpreende que nosso Amado Mestre tenha leva-do primeiro para junto dele o seu querido Pequenino, para desfrutarem juntos da bem-aventurada li-berdade do Eterno Amado Deus. O que mais posso dizer de Rajasi, senão transcrever várias cartas em que o Mestre expressava seu amor por ele, amor esse que Rajasi recebia e retribuía igualmente. Ele sempre dizia que considerava o Mestre um Cristo.

O Mestre e Rajasi se encontravam pelo menos uma vez durante o dia e a noite, nas ocasiões em que ambos estavam presentes no eremitério. Não importava quantas vezes se vissem, a cada encontro eles se abraçavam e se saudavam com entusiasmo. O amor entre os dois era tão espontâneo que a ca-da momento parecia que estavam se vendo pela primeira vez nesta vida. Eles se sentavam no sofá ou na varanda, sob o sol, de mãos dadas, conversando. O Mestre tinha o costume de esfregar o peito de Rajasi à altura do coração, transmitindo suas bênçãos divinas. Quanto mais Rajasi agradava o Mestre, mais rápido ele lhe esfregava o peito. Rajasi, de olhos fechados, absorvia cada fração das bênçãos e se fundia naquele sentimento de receptividade divina. Eles meditavam de mãos dadas, o Mestre transmi-tindo a Rajasi maravilhosas visões espirituais e incontáveis bênçãos de êxtase e alegria. Eles agora va-gam de mãos dadas na terra da liberdade espiritual e descansam no Seio da Toda-bem-aventurada Mãe Divina, derretendo-se no seu mútuo amor divino.

As cartas seguintes foram escritas pelo Mestre a Rajasi Janakananda. Transcrevi uma para cada ano, entre 1932 e 1952. Elas podem demonstrar melhor o profundo amor que um Adorado Mestre tem por seu principal discípulo e Amado Pequenino. Cartas do Mestre a Rajasi Janakananda

21 DE ABRIL DE 1932 – Nunca antes na história da espiritualidade foi preciso um homem de negócios salvador como você, dotado de alma e poder, enviado por Deus. Por favor, saiba disso em seu cora-ção. Não tenho desejos pessoais de nada, mas quero ver na América o trabalho de Babaji, de Lahiri Mahasaya e do Guru perpetuados pelos esforços de uma alma tão digna como você. Você é abençoa-do por ter vindo como o melhor amigo desta causa. Eu lhe darei minha vida para livrá-lo do cativeiro da carne, então é recíproco que nos salvemos um ao outro. Nas horas em que a crucificação das res-ponsabilidades materiais e as dívidas parecem tão opressoras, penso em me livrar dessas coisas, mas continuo firme navegando em meio ao tiroteio das dificuldades, responsabilidades e até da morte, se necessário, com a Mãe Divina sempre em meu peito. Jamais esquecerei a ajuda material que você deu para a continuidade do trabalho, quando eu estava em Kansas City. Todas as minhas preocupação se desvaneceram graças à sua oportuna instrumentalidade Divina. 18 DE DEZEMBRO DE 1933 – Reconheço as suas muitas faces diferentes do passado. Com que fre-qüência meditei com você na sombra das diversas encarnações! São muitos os laços dourados de a-mor e amizade divina que uniram nossas almas no passado. Vale a pena retornar dez mil vezes para encontrar uma alma imaculada e sincera como você, alguém que nada sabe senão do amor de Deus.

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Você é mais rico do que muitos reis da terra. Se seus negócios o impedirem de vir, irei até você, para bebermos da fonte eterna e mergulharmos juntos nas jubilosas águas da imensurável bem-aventurança. Que palavras poderei dizer para expressar a alegria que você me deu? Quando meu na-vio chegou pela primeira vez ao porto Chelsea, perto de Boston, escrevi: “Memórias adormecidas dos amigos que reencontrarei d’outrora saudaram-me no mar em que navego agora”. Entre todas as misé-rias, incompreensões, crucificações, louvores e bajulações dos falsos sorrisos das pretensas amizades, permanece a sua face iluminada, como um dos mais preciosos amigos de minha alma no hemisfério ocidental. 31 DE AGOSTO DE 1934 – Sua amável carta me fez sentir sua presença dentro e fora de mim. Uma chama de bem-aventurança vinda de seu coração me atingiu. Uma alegria indescritível me transmitiu a infinita alegria de seu coração. Assim como Krishna encontrou seu amigo divino, Arjuna, assim tam-bém nos encontramos neste plano terrestre para treinar soldados divinos combatedores das forças da escuridão. Tamanha foi a alegria proporcionada por sua carta que meu espírito está pairando livre so-bre as colinas imprevisíveis da vida que estão em todo lugar. Meu Deus está me chamado e você é a lembrança de Sua Luz neste país. Para falar a verdade, você é a única pessoa neste país que, naqueles momentos de tribulações e angústias, me inspira e aumenta minha fé no infinito Deus. Você me pe-diu uma bênção. Pois bem, muitos recebem a minha bênção, que você já tem em abundância, mas você ainda possui uma eternidade inteira repleta do meu amor, e isto é algo que dou a muito poucos. 2 DE JULHO DE 1935 – Era Lahiri Mahasaya que estava comigo na última vez que vi você. Vi muitas vezes o corpo astral dele em sua fisionomia. Até mesmo o seu corpo está se transformando no dele. Ombros, cabeça, rosto, tudo. Há uma afirmação nas escrituras: “Quando um vaga-lume é capturado pelo besouro, o besouro se torna um vaga-lume.” O mesmo é válido com as Vibrações Divinas. OUTUBRO DE 1936 – Mais Amado e Abençoado das Idades: Sinto-me tão bem e feliz ao fazer as coi-sas por um trabalho espiritual no qual eu sei que você está lealmente trabalhando junto comigo. Deus e eu trabalhávamos sozinhos antes, pois Deus permanecia sutilmente comigo. Agora Ele trabalha vi-sivelmente através de seu corpo. Que encorajador! Você não esteve apenas uma vez, mas muitas ve-zes, na Índia. Tive uma confirmação especial desta verdade durante nossa meditação em Chicago. Você veio para o Ocidente onde há melhores oportunidades materiais para ajudar a Índia. Outro mo-tivo foi para que você pudesse desfrutar da cultura e limpeza do ocidente. Sem dúvida, você se sente muito atraído pela Índia. Fico muito feliz que sua memória de tempos passados, nos quais você foi um dos santos do Himalaia, tenha sido tão magnificamente despertada. Orei muitas vezes para isso acontecer, especialmente pelo bem da Índia. Tudo o que planejei para Dhirananda resultou numa grande decepção, mas, com você, Deus me recompensou centenas de vezes. Que alegria! Devo parar de escrever um pouco, pois meus olhos estão cheios de lágrimas de bem-aventurança. E cada uma dessas gotas tem o poder de acabar com muito do seu carma indesejável do passado. Você é abenço-ado em possuir o amor Dela. A Ela você amará eternamente em Deleite infinito. Essa é a recompensa por tudo que você renunciou em favor desta causa. Mil recompensas chegam, e a maior de todas é a entrega da Mãe Divina a Seus devotos. 27 DE AGOSTO DE 1937 – Obrigado, Pequenino, por seu amor imortal. Ofereço meu amor a você por toda a eternidade. Imagine só, logo após esta vida, a emancipação eterna estará a nossa espera. O objetivo que milhões almejam, mas não alcançam. Agradeça ao grande Amado Deus e aos Gurus. O que mais me agrada é a resposta da Mãe Divina a minhas preces. Você é exatamente do jeito que eu gostaria que fosse. Sua racionalidade na cooperação com meus ideais divinos – que Deus o abençoe eternamente por isso. Você tem todas as minhas bênçãos e o meu amor desde o mais íntimo de meu coração. Assim como você coopera com meus desejos, com amor e perfeição, assim também toda a natureza cooperará com os desejos que você tiver. Nós continuaremos a progredir cada vez mais no caminho eterno, com a Mãe Divina, os Gurus, você e eu rapidamente chegando ao objetivo final, ao infinito, ao incessante regaço da eternidade. Medite e esteja com o Espírito a todo momento. Dessa forma Satã, não terá a única chance de perturbá-lo com a inquietude. Medite com a mais profunda fé em que você encontrou Deus, e Ele estará para sempre com você e você, com Ele. Medite com a cer-teza de que todos os seus desejos já foram satisfeitos, pois você encontrou Aquele que é a realização de todos os desejos. Apenas mantenha aceso o desejo de ajudar os outros por meio de seu exemplo e

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da contínua expansão deste trabalho sobre a face da terra. Essa é sua missão, que foi ordenada pelos Grandes. Quão feliz e abençoado você é! Andrew Mellon morreu, mas suas riquezas não lhe vão ga-rantir um lugar no céu, nem as boas obras que ele fez sem Deus. O bom trabalho que você fez com a consciência de Deus lhe garantirá o reino eterno. Amor duradouro. Sempre seu,

– S. Yogananda. 12 DE DEZEMBRO DE 1938 – Meu Querido Pequeno Príncipe Divino: É assim que me dá vontade de chamá-lo, porque você foi um instrumento de Deus ao dar presentes de Natal para todos através de mim. Sinto muito que meu Pequenino tenha sido jogado ao mar das tribulações. Mas não importa quantos desafios ocorram ou quantos ventos furiosamente soprem sobre você, saiba que você está sendo levado com segurança para as praias da felicidade infinita. Os fortes ventos das tribulações são as Carícias Secretas de Deus para levá-lo ao lar e para fortificar seus passos no caminho de volta. Os desafios são a maneira que Deus utiliza para testar sua forte espiritualidade e sua profunda sintonia com Ele. Não leve os desafios a sério, mesmo que pareçam sérios. Apenas espere com um sorriso in-terior e tenha certeza que as dificuldades do presente e seus desafios irão se extinguir. 23 DE MAIO DE 1939 – Já que Deus vem em primeiro lugar em seu pensamento e em nosso trabalho, Ele continuará a ser cada vez mais presente em sua vida. Pensar em você me dá alegria. Esta alegria une nossas almas com Deus. 23 DE JANEIRO DE 1940 – Eu nunca senti tanto amor por você quanto na última vez em que esteve aqui. Quanto mais perfeito você fica, tanto mais você atrai o meu amor infinito. Fico feliz de ver as artimanhas de Satã fracassando. A sua redenção está justamente no seu reconhecimento por tudo o que Deus lhe tem dado através dos Gurus. Agora você sabe que o sofrimento faz parte da prática do bem. Jesus Cristo pagou com a vida por fazer o bem. Devemos estar preparados para sofrer por fa-zermos o bem, provando para Deus que estaremos sempre prontos para carregar nossas cruzes na fornalha dos testes cotidianos. 18 DE FEVEREIRO DE 1941 – Não passa um só dia sem que eu pense na tremenda alegria que tive em sua companhia enquanto você esteve aqui. Deixo tudo para trás e atiro-me no Espírito. Você sentiu seu espírito unido com tudo e com todos aqui. No passado, você deve ter sido um iogue com o poder de voar. Os vôos astrais são muito mais seguros. Se for a Vontade Divina, você aprenderá a voar no-vamente daquela maneira. Entretanto, entreguei você nos Braços Divinos, pois foi Deus que me en-viou você. Estou feliz. Contudo, fico arrepiado ao pensar em você voando ao vento, acima das nu-vens, mas no dia em que sua alma estiver voando mais e mais no imenso Espírito, ficarei muito mais feliz. Estou feliz que você gostou dos banhos de sol. Assim como o Guru me abençoou com um cli-ma bom sempre que eu desejar, que você também seja abençoado com bons climas. Esse é o meu permanente desejo por você no Pai Celestial. Estou embalado dia e noite nos braços da Mãe Divina e ofereço você a Ela, em meu contato diário com Ela. 5 DE ABRIL DE 1941 – Seu telegrama foi muito confortador e sua carta foi comovente e simpática. Já trabalhamos, nos divertimos e sorrimos juntos, caminhando de mãos dadas no Caminho de Deus. Pe-la primeira vez, nós sofremos juntos. 23 DE JULHO DE 1942 – A inspiração que sinto na sua presença e toda a ajuda financeira que você tem oferecido é a resposta do seu amor por tudo o que tenho passado. Eu vi tudo, mas não quis per-turbá-lo. Sua alma me atendeu e, sinceramente, eu poderia sorrir no próprio inferno se você estivesse comigo. O seu avanço espiritual somado à sua experiência como homem de negócios lhe conferiu o poder da imperturbável quietude interior e uma impressionante e compassiva tranqüilidade que muito me consolaram. Quero que saiba que, se não fosse por você, eu teria perdido o último vestígio de vontade de continuar vivendo neste mundo de miséria e imperfeição. 10 DE JANEIRO DE 1943 – Meus pensamentos, oferecidos com refrescante amor para aliviar nosso mútuo desapontamento, são para você como uma canção de ninar no berço da alegria Cósmica. A palavra que você escreveu, “refrescante”, foi muito comovente e revela que você me ama da mesma

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maneira sem medida que eu amo você. Sempre me lembrarei dessa expressão. Esse será o melhor re-médio que poderei utilizar para suportar a sua ausência forçada. 22 DE JANEIRO DE 1944 – Meu Amado e Abençoado .1:8 Sua última nota me deixou muito feliz. Vo-cê é a única pessoa na terra a quem posso levar os problemas da organização. Você é o único que me consola em minha ansiedade quanto ao futuro, pois a todos os outros, sou eu quem tem que conso-lar. Não existe palavra em meu vocabulário capaz de expressar todo o bem que você tem feito para nós. Lágrimas surgem em meus olhos quando sinto o grande amor divino que me inunda, irradiando-se e envolvendo sua pessoa onde quer que você esteja. Não tenho dúvidas que Deus utiliza seu corpo e seu coração para satisfazer meu desejo de uma amizade perfeita de compreensão e idealismo espiri-tual. Não consigo dizer mais nada que possa expressar adequadamente meus pensamentos. 25 DE JANEIRO DE 1945 – Estou orando profundamente por seu bondoso pai. Eis um exemplo de como o corpo é uma ilusão e como apenas a alma é real. Por isso é que todos deveriam alcançar a realização antes que o corpo se tornasse um estorvo. Estou tão feliz que seu espírito ergueu-se acima da matéria e que Deus lhe tenha conferido a realização. E não é só você que está redimido. Seu pai e sua mãe encontrarão a redenção graças ao seu bom carma, e herdarão as suas imperecíveis riquezas espirituais(…). 21 DE MARÇO DE 1946 – Foi seu verdadeiro eu, com sua doce voz e amável espírito de devoção a Deus, que se manifestou ontem durante a palestra. Você atingiu o máximo nesta vida por meio da Graça Divina e da ajuda dos Grandes Gurus. Eu também tenho passado por terríveis provações, pois sempre senti que não gostaria de viver sem você. Sempre quis partir antes de você. Conheço bem as artimanhas de Satã. Você pode muito bem compreender o porquê de eu ter falado com você a respei-to do pomar no Texas, etc, mas Satã acaba se tornando um instrumento de Deus, pois Ele transforma o mal de Satã em bem. Mesmo assim, Satã quase triunfou no Texas, mas Deus e os Grandes Gurus tinham outros planos. É muito bom que você agora perceba que toda a ajuda teria sido inútil, se Deus tivesse permitido que Satã providenciasse sua permanência no Texas por um pouco mais de tempo. Em cada provação, Deus deve vir em primeiro lugar. Então tudo o mais se endireita e sua dificuldade terá sido amenizada(…). 1º DE JANEIRO DE 1947 – Meu coração saúda São Lynn pela passagem do Ano Novo Por Paramhansa Yogananda Quando surgirá outro tão especial, assim tão doce, bondoso e compreensivo, Que apesar de minha incessante procura no éter deste mundo, Está sempre tentando ajudar Seus devotos a brilhar, Mesmo com as pesadas obrigações terrenas Que o mantêm ocupado nas encruzilhadas da vida? Cada vez mais rico do imenso tesouro do Espírito, muito maior que as diversas riquezas mundanas, que apodrecem e somem, Sob seus cuidados deixei o luminoso templo do lótus dourado, Que é de Deus e é imperecível, brilhante e abençoado. Tudo está bem quando termina bem em Seu Mar, Em cujas profundezas você mergulha cada vez mais com ardente júbilo. Aqui nos encontramos e juntos construímos O templo de Deus nas almas mais verdadeiras já criadas. Não consigo expressar corretamente a imemorial união de vidas, reunidas como gotas de orvalho. Prossiga, alma sagrada, de face iluminada, Oferecendo a todos o divino néctar de Deus no cálice de seu coração. Sua felicidade é minha felicidade, sua alegria, minha eterna alegria, Seu sorriso é meu eterno sorriso em Deus. Já nos encontramos antes e tornaremos a nos encontrar

8 O Mestre escrevia “.1” como abreviatura de “little One”, “Pequenino”. – N. T.

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no tumultuoso mar da terra. Mantenha fixa sua atenção, com esforço sempre crescente, além das fortes ilusões das névoas. Então, o que tenho em meu coração, que vive no coração de Deus, em suas mãos entregarei, Um buquê exalando a fragrância de pequenas almas imersas no Divino fulgor. 11 DE AGOSTO DE 1948 – Querido e Amado .1: Bem-vindo ao lar. Mil perdões por não lhe ter escri-to, pois tinha dúvidas quanto à data de sua chegada. De qualquer maneira, fiquei muito feliz ao ouvir sua doce voz ao telefone. Encinitas é o seu santuário, no altar da grama verde. Deus, os Gurus e o pôr do sol mantêm você sempre feliz, como um verdadeiro naturalista Divino. Não se envolva com os negócios e as políticas internas da organização. Isso não lhe acrescentará nada. Permaneça mais com Deus. Serão apenas os seus bons conselhos, sua boa vontade e cooperação que irão trazer o su-cesso, conforme a vontade de Deus. Sinto vontade de sair correndo para saudá-lo, mas meu Espírito está sempre com você. Com todo o meu amor, sempre seu,

– P. Yogananda 1º DE JANEIRO DE 1949 – Você atendeu às minhas expectativas e me deu muita alegria por estar vi-vendo assim de maneira tão ideal. Rejubile-se à vontade, pois realmente você conquistou a Graça da Mãe Divina e dos Gurus. Você é mais rico do que toda a fortuna dos reis. A riqueza de Sua Graça é imperecível. Tudo o mais, inclusive nosso corpo, não nos pertence e nos será tirado. Tenho sentido a sua alegria incessantemente. Continue com ela. O Reino Infinito é seu. Ofereço minhas bênçãos para que você seja sempre vitorioso sobre todos os testes que Deus enviar. A sua maior vitória reside na contínua permanência da alegria. Possa a eterna alegria e vitória serem suas. Com todo o meu amor. Muito sinceramente seu. Que todo o meu amor e o amor da Mãe sejam seus.

– Paramhansa Yogananda. 30 DE JULHO DE 1950 – Eu soube o que você fez por Phoenix. Só existe um São Lynn, verdadeiro santo vivo, para Deus e os Gurus, e pela Self-Realization. Essa é minha bênção por toda a eternidade. Ainda que nunca deseje, terá liberdade financeira e a suprema liberdade, e a recompensa Divina. Mi-nhas palavras ditas do coração são sempre verdadeiras. Deus está por trás delas. Serão sempre lem-bradas todos os dias. Você me ajudou a completar minha tarefa na terra por meio dos Gurus. Com todo o meu amor e infindáveis bênçãos por tudo o que você tem feito, meu incessante amor, inces-santes agradecimentos e incessantes bênçãos. P. Yogananda. 9 DE OUTUBRO DE 1951 – Meu mais Amado e Abençoado .1: Imaginei a mim e – Deus não queira! – a você, longe desta terra, assistindo ao que o Conselho da SRF faria e como conduziria o trabalho da SRF. Você tem sido um guerreiro valente e vitorioso nas dificuldades dos negócios, e certamente conseguirá comandar a SRF com sucesso até o fim. O que você tem feito ultimamente por Deus e os Gurus é recebido diretamente pelo Altíssimo e os Grandes, e pessoalmente, para minha grande felici-dade, será guardado por eras no Banco da Eternidade, esteja onde você estiver, aqui e no grande a-lém. E que você possa viver uma longa e saudável vida para continuar o abençoado trabalho dos Mestres na SRF por todo o globo(…). Esta é a última carta que o Mestre escreveu para Rajasi Janakananda antes do Mahasamadhi. 6 DE MARÇO DE 1952 – Meu mais Amado e Abençoado .1: Obrigado pelas maravilhosas toronjas e laranjas. Estou atarefado com a visita do embaixador da Índia. Foi um triunfo para a SRF, pois políti-ca e religião não se misturam. Com o mais profundo amor, muito sinceramente,

–. Yogananda. P. S. A comitiva do embaixador e o cônsul geral Ahega visitarão Encinitas no sábado. Por favor certi-fique-se de que irá encontrá-los e seja apresentado por Dr. Lewis. Duj, esteja lá também. Façam de tudo para agradá-los. Com amor,

– P. Y.

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APÊNDICE I A Sra. J. W. Lynn, de Archibald, morre após longa enfermidade

SÁBADO, 18 DE SETEMBRO DE 1943 – RAYVILLE, COMUNIDADE DE RICHLAND, LOUISIANA – A Sra. J. W. Lynn, 88 anos, uma das poucas remanescentes dos pioneiros que ajudaram a erguer a comunidade de Richland, morreu em sua casa, em Archibald, na quarta-feira pela manhã, após uma longa doença de vários anos.

Os serviços funerários foram prestados ontem (sexta-feira) na Igreja Presbiteriana de Archibald às 2h30min, sob a presidência do Reverendo A. R. Cates, das Igrejas Presbiterianas de Rayville e Archi-bald. O enterro, conduzido pela Casa Funerária Mulhearn de Rayville, ocorreu no cemitério da família em Archibald.

Carregaram o caixão os Srs. E. J. Archibald, R. H. Lynn Jr., Guy McDonald, Joe McDonald, Noel Bradford, J. C. McDonough, J. Foster Jones e Richard Downes.

Todos os membros da família foram os carregadores honorários.

Ela deixou marido; dois filhos: R. H. Lynn, de Archibald, e J. J. Lynn, de Kansas City, Mo.; duas filhas: Sra. C. I. Ellington, de Mangham, e Sra. T. W. Logan, de Archibald; um irmão: Velah Archibald, que mora próximo a Archibald; e muitos netos e bisnetos.

A Sra. Salethia Jane Archibald Lynn nasceu no Condado de Tuscaloosa, Alabama, no dia 13 de fevereiro de 1855, mudando-se com seus pais para a comunidade de Richland em 1871, fixando resi-dência no lugar que hoje é Archibald, na mesma casa em que viveu até sua morte. Ela casou-se com Jesse W. Lynn em 1883. Ele ainda vive e celebrou seu 90º aniversário em 3 de abril último. As família Lynn e Archibald são duas das proeminentes famílias desta localidade, sendo bem conhecidos e res-peitados nesta região do estado e em Kansas City, onde um dos seus filhos, J. J. Lynn, é um dos maio-res executivos da cidade, e onde outro filho, Eugene Lynn, que perdeu a vida em um acidente aéreo há alguns anos, era jovem e promissor advogado. Outro filho que perdeu a vida num acidente automobi-lístico foi V. Frank Lynn, que fundou a Companhia V. Frank Lynn, uma das maiores empresas ataca-distas no ramo alimentício de Monroe.

A Sra. Lynn era dotada de grande bondade, compaixão e amor, que eram ainda mais visíveis em seu lar, local onde foi uma devotada esposa e carinhosa mãe, sempre realizando suas tarefas com ter-nura e fé, enriquecendo assim a vida de todos aqueles que Deus lhe confiou. Amiga sincera e amorosa, tratava a todos que encontrava com seu coração fraterno. Poucas mulheres viveram para conseguir tamanha nobreza de caráter. Ela praticava sua religião a ponto de iluminar e consagrar sua vida para o bem e a felicidade dos outros. Essa vida de amor é agora uma abençoada lembrança.

Até pouco mais que uns quatro anos atrás, quando um infeliz acidente a deixou debilitada, ela mantinha uma vida de serviço incansável para aqueles a quem amava. Nunca havia um momento en-quanto estava acordada em que não direcionava toda as suas energias e seu ilimitado amor para trazer o conforto e alegria àqueles que foram sua família e seus amigos. Ela deu o máximo em pensamento e serviço aos outros, impulsionada por seu coração tão grandioso quanto o horizonte. Ela espalhava bondade assim como o sol espalha a luz. Se todas as suas ações fossem flores, o ar estaria carregado com seu perfume.

O jornal Beacon-News, cujo editor a considerava como uma tia, implora pelo sagrado privilégio de somar suas lágrimas àquelas de sua enlutada família, com o mais profundo e sincero pesar.

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Morre o mais idoso cidadão da comunidade

Jesse W. Lynn morre em idade avançada SÁBADO, 4 DE AGOSTO DE 1945 – RAYVILLE, COMUNIDADE RICHLAND, LOUISIANA – Jesse W. Lynn, 92 anos, talvez o cidadão mais idoso de Richland, membro de uma das famílias pioneiras a se fixarem na região antes da Guerra Civil, morreu em sua casa em Archibald, na última quarta-feira, às 10h50min. O Sr. Lynn esteve doente por vários anos, confinado a sua cama nos últimos meses antes de sua morte. Ele deixa dois filhos: R. H. Lynn, de Archibald, e J. J. Lynn, de Kansas City; duas filhas: Sra. C. I. Bilington, de Mangham, e Sra. T. W. Logan, de Archibald; e um irmão: J. B. Lynn, de Mon-tebello, Califórnia.

Os ofícios funerários foram feitos na Igreja Presbiteriana de Archibald, às 10 horas da manhã de sábado. O Reverendo A. R. Cates, de Rayville, presidiu a cerimônia. O enterro foi no cemitério da fa-mília. O Sr. Lynn nasceu no condado de Noxubee, Mississipi, em 3 de abril de 1853, e chegou com seus pais à cidade agora conhecida como Richland, em 1860, e durante sua vida residiu próximo ao lugar em que originalmente se estabelecera. Trabalhou como fazendeiro por toda a vida e foi bastante ativo até sua saúde começar a piorar. Embora nunca procurou se envolver com qualquer tipo de polí-tica, foi um cidadão com uma profunda porém desinteressada preocupação com os assuntos da co-munidade. Foi um pai de família, vizinho e cidadão ideal, contribuindo em muito para o enriqueci-mento desta parte da Louisiana do Norte, durante sua longa e proveitosa vida.

Sua esposa, senhorita Salethia Archibald, antes do casamento no início da década de 1880, faleceu antes, em setembro de 1943. Ela também enfrentou bravamente uma longa e penosa enfermidade du-rante meses até sua morte.

O amor e a dedicação que caracterizaram todo o seu casamento foram profundamente reafirma-dos em seus últimos dias quando a doença confinou a ambos em casa. Sempre modesto e introvertido, ele não demonstrava com alarde seus nobres sentimentos que brotavam de seu coração de ouro. A-queles que o conheciam bem, assim como este editor, um de seus sobrinhos, sabiam que seu caráter era pleno de rara doçura e encanto, assim como sua vida particular e sua relação com vizinhos e ami-gos um modelo de virtude, honestidade e cidadania. Nele estava presente a consistente beleza das idéi-as elevadas e dos ideais que fazem a vida algo mais doce e feliz. Puro amor, espírito de ternura e bon-dade, integridade e lealdade cristãs, amorosa fidelidade a sua família e amigos, delicadeza de pensa-mento e conduta, elevada concepção do trabalho como a expressão do caráter e, portanto, algo sagra-do; sublime coragem para enfrentar as enfermidades da vida, mesmo até o fim, e uma alma que ema-nava o calor do Sul.

Será enterrado no cemitério da família, no lugar que ele por muitos anos chamou de lar. A seu re-dor repousam aqueles que ele mais amou em vida, sem dúvida um lugar adequado para seu descanso até o despertar da eternidade.

A seus amados filhos que tiveram o privilégio de sua presença por tantos anos, nós ternamente encomendamos sua alma Àquele que conferiu a esse amado ser um raro coração e alma, que lhes enri-queceu a vida e deixou o inestimável legado de uma vida pura, própria de um pai bondoso.

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Recordações de meu Guru Paramhansa Yogananda

Sri Durga Mata Julho de 1959

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Índice: Livro 3

A aparência do Mestre .................................................................................................................................. 151 Exercícios e caminhadas............................................................................................................................... 152 Experiências com roupas e cabelo comprido ........................................................................................... 152 Suas roupas..................................................................................................................................................... 154 Alimentação.................................................................................................................................................... 154 A pele do Mestre ........................................................................................................................................... 157 A voz ............................................................................................................................................................... 158 Ausência de sono........................................................................................................................................... 158 Escrevendo..................................................................................................................................................... 158 Hábito de leitura ............................................................................................................................................ 158 A guerra, em 1941 ......................................................................................................................................... 159 América........................................................................................................................................................... 159 A respeito do dinheiro.................................................................................................................................. 159 Dirigindo um carro ....................................................................................................................................... 160 Trabalhando ................................................................................................................................................... 160 Filmes.............................................................................................................................................................. 160 Brincalhão....................................................................................................................................................... 161 Características humanas................................................................................................................................ 161 Rádio ............................................................................................................................................................... 161 Cantando......................................................................................................................................................... 161 Viagens............................................................................................................................................................ 162 A participação do Mestre em nossas atividades natalinas ....................................................................... 164 Mensagem de Babaji ..................................................................................................................................... 166 Tocando os pés do Mestre........................................................................................................................... 166 As celebrações dos aniversários do Mestre ............................................................................................... 166 Preconceito..................................................................................................................................................... 166 Emoções ......................................................................................................................................................... 167 O som de Om emanando de seus pés......................................................................................................... 167 Árvores............................................................................................................................................................ 168 Lealdade .......................................................................................................................................................... 168 Curando .......................................................................................................................................................... 168 Tomando o sofrimento para si.................................................................................................................... 168 O amor do Mestre......................................................................................................................................... 170 Ajudando os outros....................................................................................................................................... 170 O sofrimento do Mestre pelos outros........................................................................................................ 173 Os olhos do Mestre....................................................................................................................................... 174 Citação final.................................................................................................................................................... 175 APÊNDICE II................................................................................................................................................... 176

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O Mestre mencionou pela primeira vez o seu aniversário para Rajasi em 8 de janeiro de 1941. O Mestre utilizou o nome Swami ou S. Yogananda até 1938. Então, por um tempo, usou apenas Yogananda. Começou a assinar P. Yo-gananda em 28 de novembro de 1939. A primeira fez que escreveu Paramhansa Yogananda foi para Rajasi, em março de 1940.

– Durga

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Recordações de meu Guru Paramhansa Yogananda

Sri Durga Mata

Não escreverei aqui sobre todo o trabalho que o Mestre fez, nem os projetos que criou. As pastas que estão contidas nos arquivos deste escritório lhes dirão sobre as idéias dele, as batalhas para alcan-çá-las e os resultados. Assim sendo, limitarei este escrito ao Mestre, da maneira como eu pessoalmente o vi, ouvi e senti em minha limitada capacidade.

Foi em dezembro de 1927, em minha cidade natal, Detroit, que vi Paramhansa Yogananda pela primeira vez. Sem dúvida, a impressão que dele tive foi a mesma que tiveram milhares de outras pes-soas, nos anos que antecederam meu encontro com ele, durante sua curta existência terrena e depois de seu Mahasamadhi, através de suas fotografias, escritos e ensinamentos. Naquele primeiro encontro, no memorável dezembro de 1927, minha atenção fixou-se naquele belo rosto, porque minha alma sen-tia a alma divina dentro de sua forma exterior. Jamais havia visto alguém como ele antes e, logo, tam-bém iria descobrir que não haveria para mim outro como ele. Sem saber e nem mesmo imaginar o que era um guru ou para que servia, a estrela de minha alma sentiu Sua luz Divina e agarrou-se mais uma vez à Estrela Polar de meu eterno Guruji.

Como é que alguém pode escrever sobre seu guru, ou definir em palavras a grandeza de uma alma semelhante a Cristo? Como é que poderei expressar o que minha alma adquiriu por meio desse conta-to divino? As palavras são inadequadas, mas ainda assim farei uma humilde tentativa de expressar sua forma exterior assim como eu a vi, ouvi e senti, durante vinte e três anos de proximidade física, bem como outros sete anos de contato onipresente com a Estrela Polar de minha vida, que está sempre me ajudando intuitivamente. A aparência do Mestre

Primeiramente, irei descrever a forma física do Mestre. Ele tinha 1,70 m de altura; ossos curtos, mãos e pés pequenos. Era robusto, com alguma gordura, mas por meio dos exercícios de tensão ele desen-volveu músculos, ombros, braços e pernas bem torneadas. Os músculos não eram do tipo exagerado, mas bem distribuídos e duros como aço. Ele tinha um grande abdome. Nos últimos anos, enquanto fazia exercícios para perder um pouco da barriga, ele humanamente me confessou: “E pensar que quando eu era jovem, não tinha barriga; fui ter apenas depois de me tornar Swami; naquela época era algo especial um Swami ter uma grande barriga, então pratiquei exercícios específicos para desenvolver meus músculos abdominais, mas agora que não os quero mais, está difícil de perder.” Por essa razão, o Mestre não queria que o público em geral visse fotos suas sem túnica ou camisa; ele era humano o su-ficiente para não querer exibir seu estômago avantajado. Embora esse fosse grande, não era gordo, mas predominavam os músculos. Muitas vezes, o Mestre realizou façanhas em suas palestras demons-trando a força de seus músculos abdominais. Ele se encostava numa parede e convidava uma dúzia de homens da platéia para subir ao palco. Ele fazia os homens ficarem em fila empurrando um as costas do outro com o primeiro apoiado na barriga do Mestre. Então, com os músculos do estômago, ele dava um empurrão para a frente e todos os voluntários eram subitamente arremessados e caíam de costas no chão. Ele também disse que sabia como andar sobre o fogo e que poderia jejuar indefinida-

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mente, mas que Deus não desejava que realizasse tais proezas, pois sua missão era unicamente ensinar e trazer as almas de volta para Deus por meio da Kriya e do amor.

Ele tinha poucos pêlos cobrindo o corpo, considerando tratar-se de um corpo masculino. Para uma pessoa de seu peso e força, caminhava graciosamente a passos sutis; dificilmente alguém conse-guia ouvir sua aproximação. Ele podia correr como uma gazela, como se estivesse na ponta dos pés. Podia vencer na corrida qualquer pessoa. Costumava apostar muitas corridas conosco na quadra de tênis ou na praia e, com facilidade, nos deixava para trás. Usava uma bengala não porque precisasse, mas porque, para ele, representava o cajado que os mestres do Himalaia carregam como símbolo da coluna vertebral e da Kriya Yoga. Não importava com quanta pressa ou ocupado estivesse, ele jamais perdia seu banho diário. Nunca acordava sem escovar os dentes e fazer a barba. Jamais o vi com a barba mal feita; era tão meticuloso ao apará-la que muitos chegaram a pensar que sua barba não cres-cia. Para o Mestre, o asseio era quase uma religião. Exercícios e caminhadas

O maravilhoso físico do Mestre foi adquirido por meio de seus próprios exercícios de tensão, que ele criou e desenvolveu na Índia, antes de vir a este país em 1920. Ele disse que naquela época tentou to-dos os tipos de exercícios musculatórios para desenvolver e aprimorar sua força corporal. Ele freqüen-temente pensava: “Deve haver uma maneira melhor de se exercitar”. E prosseguiu: “Um dia, vi um gato acordando de uma soneca, e, logo após, percebi que ele esticava seu corpo o tanto quanto podia por um bom tempo. Fiquei imaginando por que ele se esticava e o que isso gerava para o corpo. En-tão comecei a me alongar também. Sendo eu dotado de um agudo poder de observação, descobri que estava sentindo muito mais vitalidade em meu corpo. O gato havia retesado o corpo, e essa experiên-cia forneceu-me a idéia de meus exercícios de tensão. Ao praticar o alongamento todas as manhãs e noites, e durante o dia, comecei a sentir resultados maravilhosos. Depois de uma melhora aqui e outra ali, os exercícios tornaram-se aqueles que coloquei nas primeiras lições Yogoda.” Em anos posteriores, o Mestre acrescentou mais exercícios, os mesmos que agora são praticados nas Lições da SRF, que despertaram o mundo para um novo método de exercícios. Houve casos de alguns estudantes que co-piaram as lições e começaram a ensinar como se fossem deles. Tudo o que o Mestre disse foi: “Pelo menos, estão fazendo algum bem para as pessoas”. O Mestre nunca deixou de fazer seus exercícios, não importava quão tarde da noite fosse ou quão cedo pela manhã. Recordo-me de muitas ocasiões em que fazíamos os exercícios na frente de um hotel, no passeio, na estrada ou na praia, ainda que houvesse passantes nos olhando com curiosidade. Após os exercícios, caminhávamos. O Mestre era inflexível em sua vontade de que continuássemos a fazer os exercícios. Numa ocasião em que sofria pelo carma de outra pessoa, ele se sentou na beira da cama e começou a exercitar-se. Perguntei: “Se-nhor, eu sei que já não precisa fazer os exercícios, por que então está fazendo?” Ele respondeu: “Para ser um bom exemplo para todos vocês”. Experiências com roupas e cabelo comprido

O Mestre freqüentemente nos contava histórias sobre seus primeiros tempos na América, com refe-rência à sua túnica ocre de Swami e seus longos cabelos flutuando por sob o turbante. Ele disse que queria educar os americanos usando seu hábito e cabelo comprido nas ruas e em qualquer lugar. Con-tou muitas histórias de suas experiências nas tentativas de educar as pessoas. Em certo mês de outu-bro, ele foi convidado para falar numa faculdade feminina perto de Boston. Tomou o bonde e, numa parada, um grupo de garotas embarcou. Ele estava de pé, pois não havia cadeiras sobrando. Algumas meninas foram, digamos, mal-educadas, e começaram a fazer comentários jocosos acerca de sua ves-timenta, seu cabelo etc., e até mesmo chegaram a puxar seu cabelo. Após praticar muita paciência, ele pensou em lhes dar uma lição e disse em voz alta: “Então são essas as garotas americanas sobre as quais ouvi falar tanto na Índia”. Encabuladas, elas pararam de rir e começaram a pedir desculpas pelo mau comportamento e explicaram que, como estava próximo do Halloween (Dias das Bruxas), pensa-ram que a roupa dele fosse uma fantasia e estavam entrando na brincadeira. Após o incidente, pediram

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perdão e fizeram o que podiam para lhe agradar. Deram um lugar para ele se sentar e começaram a fazer perguntas sobre a Índia, o que ele ensinava e até o conduziram para o auditório em que ele iria dar sua palestra.

Certa vez, ele foi a uma exposição e comeu algumas amostras de comida. Após, querendo lavar as mãos, perguntou onde ficavam os banheiros. Seguiu as direções indicadas e entrou no local sem olhar para a placa na porta. Lá dentro, só viu mulheres por todos os lados; teve que deixar o local correndo! Quando desceu as escadas em direção ao banheiro masculino, um dos homens que estava subindo lhe disse: “Para cima, senhora, para cima”. O Mestre continuou descendo e quando os homens o viram, vieram de todas as direções, dizendo que ele devia subir. Só se acalmaram após ouvirem a voz alta e masculina do Mestre dizer: “Eu sei para onde estou indo”.

Uma vez, enquanto estava num trem, notou que o cobrador ficava andando para lá e para cá per-to dele. Finalmente, não agüentando mais de curiosidade, ele perguntou ao Mestre: “Você é homem ou mulher?”

O cabelo do Mestre era longo, cheio, ondulado e de um negro-azulado. Muitos pensavam que ele “alisava” o cabelo. Certa época, ele tinha um jovem ajudante que lhe dava assistência durante uma temporada de palestras e, numa noite, antes de subir ao palco para fazer o discurso, o Mestre estava parado na frente do espelho, penteando o cabelo. Ele o repartia no meio e puxava o cabelo da parte de trás mais para a frente, por sobre os ombros. O rapaz pensava como o Mestre era vaidoso. O Mes-tre freqüentemente contava em suas palestras a lição que dera ao rapaz naquela noite. Disse que ficou deliberadamente o maior tempo possível na frente do espelho se penteando para fixar cada fio de ca-belo no seu devido lugar, puxando aqui e ali, alisando e soltando, enquanto observava que a expressão do rapaz passou de simples crítica para a mais profunda condenação. Finalmente, o Mestre se virou para ele e disse: “Então você pensa que sou vaidoso porque arrumo meu cabelo antes de encarar uma platéia. Eu vi você no espelho e recebi seus pensamentos. É por isso que, de propósito, fingi-me de vaidoso. Fiz de tudo para você me criticar. Que isso lhe sirva de lição. Nunca critique as pessoas por coisas que não compreende, nem julgue os outros por conta própria. Você também iria me criticar se eu subisse ao palco com a aparência de quem acabou de sair da cama.” O rapaz pediu desculpas e nunca mais criticou o Mestre. O Mestre raramente lavava o cabelo, porque tinha a velha teoria de que a lavagem freqüente poderia fazê-lo cair. Mantinha o couro cabeludo e os fios muito limpos, escovan-do-os religiosamente todos os dias. Nunca percebi uma só caspa e não me recordo de jamais sentir algum cheiro, exceto quando ele precisava estar em local onde havia fumantes; então, ele arejava seu cabelo quando chegava em casa, para se livrar dos odores. Transcrevo aqui um trecho de uma carta do Mestre para Rajasi, comentando sobre fumaça em seu cabelo.

14 DE JULHO DE 1937 – Depois de fazer discursos em banquetes, eu vinha para casa com o cabelo sa-turado de fumaça e os olhos ardendo. Eu até me sentia sufocado. Um dia, tomei a decisão de que o Espírito Divino era fumaça e luz, e nunca mais me incomodei depois disso. A mente é tudo, confor-me o treinamento que dermos a ela. Embora na maioria das vezes eu viajasse na primeira classe, nos trens da Índia, algumas vezes fui em vagões de terceira classe, amontoado com pessoas sujas, fedo-rentas e até mesmo leprosas. Eu me concentrava e descobria a Mãe Divina presente lá também.

O Mestre deixava seu cabelo solto sempre que usava seu hábito; nas outras vezes, fazia tranças.

Ele apertava bem e colocava a trança dentro da gola ou a pregueava por baixo do cabelo, atrás da nu-ca, prendendo-a com um grampo. Olhando de frente mal dava para perceber. De trás, poderia parecer cortado, de tão bem arrumado que estava. Ele não cortava o cabelo, exceto para aparar as pontas ao redor das orelhas e, na nuca, uns poucos fios soltos. Embora seu cabelo tivesse diminuído e houves-sem surgido alguns fios grisalhos no final de sua vida terrena, sempre permaneceu negro e bonito.

Uma vez, o Mestre ouviu de um de seus condiscípulos indianos que Sri Yukteswar havia visto uma foto sua com o cabelo amarrado atrás e dissera: “Agora vejo que Yogananda se americanizou de vez: ele cortou o cabelo”. Imediatamente após receber essa notícia, o Mestre tirou uma foto e a man-

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dou diretamente a seu guru, escrevendo: “Se eu tivesse cortado o cabelo, não teria crescido tão rápido. Ainda está comprido conforme a sua vontade.” Sri Yukteswar ficou satisfeito por seu filho espiritual haver respeitado sua vontade, e o Mestre também ficou feliz em mostrar a seu guru que manteve vivo seu desejo de que conservasse o cabelo comprido. Suas roupas

O Mestre disse que após alguns anos tentando educar o povo americano quanto a seu jeito de se vestir e de usar o cabelo, teve de admitir que era apenas uma única alma solitária entre milhões, então deci-diu seguir o modo de vestir-se desses milhões e começou a usar ternos. Quando cheguei, ele usava colarinho com um xale branco dobrado no centro e seguro por um broche de pavão. Mais tarde, usou nosso broche da SRF. Após alguns anos, deixou o colarinho duro e usava apenas o xale branco preso pelo emblema da SRF. Normalmente, usava ternos azul-marinho ou, algumas vezes, cinza ou marrom, mas nunca preto, e sempre com camisa branca. Em anos posteriores de sua vida, usou calças de cor azul claro, cinza ou branco, junto com casacos. Nunca deixou de usar seu xale branco e sapatos co-muns. Em anos posteriores, forrava a sola do sapato com crepe grosso. Sua teoria era de que as cami-nhadas no cimento duro abalavam muito os nervos do corpo. Sempre usava um casaco, fosse verão ou inverno. Por muitos anos, eu me interroguei por que ele sempre usava um sobretudo, mesmo nos dias de maior calor. Um dia lhe perguntei: “Por que o senhor sempre usa sobretudo, mesmo quando está calor?” Ele respondeu: “Porque isso me faz sentir como se estivesse vestindo uma túnica”. Então entendi que ele não iria permitir que as roupas mundanas afastassem de sua mente aquilo que ele sem-pre foi em pensamento: membro de uma ordem que usava túnica. Jamais o ouvi pedir algo para si mesmo e, se ele precisasse de roupa nova, outras pessoas tinham de perceber isso e conseguir para ele. Para dormir, ele usava camisolas de cor laranja, remendadas durante anos, e apenas em anos recentes usou pijamas de diferentes cores.

O Mestre usava sua túnica nas palestras, entrevistas, celebrações e cerimônias. Nos primeiros a-nos suas túnicas eram de algodão, mas descobriu que os americanos pensavam que ele era pobre e não o seguiam por causa disso. Na Índia, ele disse: “Aqui um Swami é mal visto se usar qualquer outra coi-sa que não seja algodão, mas na América sou desprezado se uso algodão; então, lá, tive que mudar mi-nha vestimenta para seda; mas quando retornei à Índia em 1935, voltei a usar algodão novamente”. Na primeira vez que o encontrei, ele usava sua túnica com um grande cinto ao redor dos quadris e seu longo xale dobrado pela metade, preso na frente do pescoço. Mais tarde, começou a usar o xale da maneira que se pode observar nas fotos mais recentes, nos lados. O Mestre disse que a cor laranja é a cor da alma e a cor do renunciante. Alimentação

O Mestre não tomava café da manhã, talvez o almoço, mas normalmente comia algo cozido, sem hora marcada, dependendo de suas atividades. Às vezes, ia até a geladeira pegar um pedaço disso ou daqui-lo, a sobra do curry ou outras comidas, ou então sentava-se à mesa e cortava batatas e outros vegetais para um curry que planejava cozinhar. Costumava tomar banho antes de comer. O Mestre gostava de suas comidas bem temperadas, ao molho de curry, e na maioria das vezes bem apimentadas. Embora não fizesse o molho muito picante para o resto das pessoas que comiam com ele, separava um prati-nho com pimenta malagueta picada para colocar no seu próprio curry.

O Mestre comia ao estilo indiano, com os dedos, exceto se houvesse convidados, ou num restau-rante, quando então usava talheres. Ele conseguia até mesmo fazer uma concha com as mãos para to-mar suco com os dedos. Horas após o término do almoço, ele costumava passar os dedos sob o nariz para sentir o cheiro do curry que ainda se demorava nos dedos, mesmo após diversas lavagens. Ele cos-tumava nos dizer que uma maneira de saber se o curry havia sido bem feito era se o cheiro permane-cesse nos dedos por muito tempo. O maior prazer do Mestre era cozinhar. Ele conseguia sentir na boca, intuitivamente, o gosto da comida e então, não importava a hora do dia ou da noite, descia para a cozinha e misturava os diferentes ingredientes até conseguir o mesmo gosto que provara em sua in-

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tuição. Ele tinha vários métodos de cortar batatas. Cortava de um jeito para determinado curry, de ou-tro para o curry de couve-flor, ou em tiras para uma sopa. As batatas “novas” precisavam ser cortadas de forma inteiramente diferente. Ele mesmo as cortava ou me mostrava como cortá-las, e dava instru-ções de como fritá-las, etc. Quando estava pronto, eu lhe dava uma amostra do curry para ele provar e me dizer o que ainda faltava. Então ele colocava aquele delicioso toque final, que fazia a comida ficar verdadeiramente “de outro mundo”. Ele algumas vezes ficava horas de pé na frente do fogão, com gotas de suor escorrendo da testa e do rosto. Ele sempre provava a comida para conseguir o sabor exato e outras vezes provava a comida ainda fervendo, mas nunca queimou a boca. O arroz com aça-frão era feito com uvas passas brancas e amêndoas peladas, canela em pau, folhas de louro, açafrão espanhol, açúcar e sal. Esse era um prato digno de lembrança. Ainda consigo enxergá-lo esmagando com os dedos um ovo bem cozido, de galinha ou de pato, adicionando ghi (manteiga clarificada), sal e arroz. Se estivesse na estação das mangas, fazíamos mais arroz para que ele misturasse a sobra com polpa de manga, creme de leite e açúcar como sobremesa. Que memórias maravilhosas que me traz! Ele nunca comia sozinho. Sempre partilhava com os outros, especialmente após os serviços, fosse no Golden Lotus Temple, na Igreja de Hollywood ou de San Diego. Ele enchia de pessoas suas salas de en-trevista para comer com elas. Como se deliciava ao alimentar suas crianças espirituais. O Mestre ado-rava colocar a comida no nosso prato e, se quiséssemos ser educados e passar para alguém que esti-vesse próximo a nós, ele pedia para a pessoa devolver o prato, dizendo: “Eu preparei este prato para você. Sirvo um prato para cada pessoa, dando uma bênção particular, e esse prato não pertence a mais ninguém.” Então, sempre mantivemos o prato que ele nos preparava, ansiosos para receber e manter nossas próprias bênçãos especiais.

A hora de comer era quando ficávamos todos juntos. Pensávamos que essa era a hora de colocar as conversas em dia. O pobre Mestre tinha que dizer diversas vezes durante o almoço que gostava de comer em silêncio. Ficávamos quietos por um tempo e, então, começávamos a sussurrar ou fazer si-nais, até que ele nos chamasse a atenção novamente. Nossa maior alegria era quando o Mestre pegava um pedacinho de sua própria comida com os dedos e colocava em nossas mãos para provar aquela amostra especial, impregnada de sua bênção. Para nós, era como se fosse o maná dos céus. Após nos-so jantar em família, o Mestre falava durante algum tempo e então, como criança da Mãe Divina que era, seus grandes olhos de lótus começavam a ficar pesados e sua cabeça finalmente se apoiava num dos ombros e ele pegava sonoramente no sono. Essa cena nos recordava aquelas fotos de bebês sen-tados em suas cadeiras altas, dormindo. Como são preciosas essas memórias!

O Mestre adorava banquetes e multidões de almas. Na noite anterior ao banquete, ficava acorda-do o tempo inteiro, dirigindo o preparo de acordo com o cardápio. Ele sempre fazia um cardápio dife-rente para cada banquete. Adorava surpreender as pessoas e fazê-las adivinhar o que era isso ou aqui-lo. Gargalhava quando as pessoas não conseguiam dizer o ingrediente que ele usara para substituir a carne. Ele inventou um peru com ossos feitos de bambu, e até colocou um tutano de abóbora dentro dos ossos. Gostava de fazer ovos artificiais, tanto a clara quanto a gema. Ficava satisfeito quando as pessoas não conseguiam notar a diferença. O Mestre ficava a noite inteira em estado de alegria. Para ele, não fazia diferença estar na frente de um fogão ardente, ou provando isso ou aquilo, às vezes can-tando ou contando histórias – ele sempre conseguia deixar nossos ânimos elevados o tempo inteiro. Se a comida preparada na noite anterior estragasse por causa do calor do verão, ele jamais se via per-dido, pois sabia exatamente como resolver a situação. A comida precisava estar perfeita, somente en-tão ele se dava por satisfeito. Era muito perfeccionista nesse assunto. O seu bom humor nos ajudava a passar a noite inteira acordados com ele.

Recordo-me quando o Mestre e Rajasi se mudaram pela primeira vez para o eremitério em Enci-nitas. O Mestre cozinhava na cozinha utilitária, instalada no centro da área reservada para ele e Rajasi. Ele ficava na maior alegria ao testar novas receitas para Rajasi e todos nós experimentarmos. O Mestre exultava de alegria quando Rajasi comia tudo que ele colocava no seu prato. Quando Rajasi expressava seu contentamento pela comida, o Mestre sorria e falava: “Ele gostou. Dê-lhe mais.” A mesa do jantar era a fagulha que acendia as conversas sobre comida. O Mestre nos falou que na Índia havia um pe-

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queno vegetal arredondado chamado patol, que tinha um sabor que lembrava nossa batata irlandesa, mas muito superior. Ele nos relatou as diferentes receitas feitas com patol. Como o Mestre ficou feliz ao receber seu primeiro patol fresquinho vindo da Índia. Tal ocasião pediu uma celebração. Todos ga-nhamos um pedaço e devo dizer que ele não exagerara na descrição, era realmente delicioso. O Mestre também nos disse como na Índia havia uns feijões com vagem de uns trinta centímetros, e pepinos ingleses igualmente longos, ou uma abóbora de Chicago com uns 50 centímetros de tamanho. Este último vegetal era deliciosíssimo quando frito na manteiga. O Mestre comprava essa abóbora no mer-cado do nosso Chinatown. A temporada das mangas era a deixa para o Mestre explicar que na Índia havia 200 variedades de mangas e como cada uma delas era diferente da outra. O Mestre plantou mangueiras em Mt. Washington. No ano em que o Mestre chegou a Nova Iorque vindo da sua viagem à Índia, saiu a primeira safra de mangas daquele pé. Mandamos por avião uma ou duas mangas até Nova Iorque, para que ele provasse as primeiras frutas brotadas de sua própria árvore.

Antigamente era difícil achar mangas. Só conseguíamos comprá-las numa feira mexicana, a um preço relativamente elevado, mas o Mestre sempre dava um jeito de conseguir algumas. Anos depois, alguns líderes do centro da Flórida mandavam mangas para o Mestre. Gradualmente, mais e mais pes-soas lhe enviavam, até que as frutas jorravam em abundância e o Mestre tinha todas as mangas que poderia desejar, sendo capaz, para sua grande alegria, de distribuir as frutas para todos na casa. Elas continuavam chegando em grandes cestos, e tínhamos mangas espalhadas por todo lugar, até mesmo no banheiro. Ah, como ele gostava disso! Mandava caixas e mais caixas para Rajasi em Kansas City ou Encinitas. Rajasi, por sua vez, encomendava algumas da Flórida e mandava para o Mestre também, então tínhamos nosso delicioso estoque de mangas. O Mestre adorava nozes litchi. As frescas era mui-to boas. Elas tinham a casca avermelhada e eram brancas por dentro, suculentas e doces quando ma-duras; são realmente uma delícia. O Mestre descobriu um lugar em San Diego que tinha várias dessas árvores de nozes litchi. Comprou todas as nozes daquelas árvores e as reservou já para a próxima esta-ção. Mandava caixas para Rajasi, após selecioná-las e estivessem bem maduras, ou então o Mestre as guardava no refrigerador até Rajasi chegar. Nós quase conseguíamos sentir realmente o sabor fresco, macio e cremoso do coco e do leite de coco, quando o Mestre descrevia o gosto deles. Conseguimos comprar cherimólias de um pomar em Encinitas. São deliciosas e o Mestre as adorava. Ele nos conta-va com detalhes como eram as cherimólias da Índia. Eram menores, mas doces como o mel. Ainda consigo ver o Mestre cortando o topo da fruta e, com ambas as mãos, espremendo a polpa suculenta que lhe caía na boca. Tínhamos videiras crescendo na cerca do pomar de mamoeiros. O Mestre tam-bém gostava de sapotis. O abacate era uma fruta nova para o Mestre. Quando chegou a este país, gos-tava de fazer experimentos culinários com eles, mas descobriu que ficavam amargos quando cozidos. Ele fazia sobremesas maravilhosas com o abacate esmagado com açúcar, um pouco de creme de leite e chatney. Ainda consigo provar mentalmente seu sabor. Ele também gostava de esmagar abacates com suco de cebola e alho, acrescentando ainda pimenta vermelha, um pouco de sal aqui e ali, colocando tudo dentro do chapati (um pão tradicional indiano) e, hmmmmm, delícia.

O tópico favorito do Mestre era a jaca da Índia. Ele ficava meia hora falando somente dela, pois havia tantas receitas que se podia fazer, considerando-se os diferentes pontos de maturação da fruta. Essa fruta é tão alta quanto um homem e é igualmente larga, existindo muitas variações de receitas possíveis para sua polpa, outras para as sementes e ainda outras para quando a fruta estivesse bem madura. Ele dizia: “Não consigo descrever para vocês essa fruta maravilhosa e os variados métodos de prepará-la”. O mamão era outra fruta que ele gostava, mas os mamões da Índia eram bem mais doces e variados. Ele nunca deixou de elogiar Rajasi por suas doces laranjas, toronjas e suculentas tangerinas, suas preferidas dentre todas as outras frutas cítricas. O Mestre não gostava de frutas azedas, como morangos e amoras, a menos que tivesse bastante açúcar misturado. Raramente comia bolos, tortas ou biscoitos, embora apreciasse as balas indianas. O Mestre passava horas preparando balas para os con-vidados indianos e fazia muitas para o resto de nós apreciá-las também. Ele fazia rashagulas (balas) brancas. Algumas ele fritava e outras ele fervia, em calda espessa. O sundish com nozes de pistache era

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muito bom, feito com leite ou channa (coalhada). Mas o halvah (pudim indiano) que o Mestre fazia era fora do comum. Ninguém jamais o fazia tão bom quanto ele.

O Mestre não mascava chicletes. Ele tentou, mas só mascava com os dentes da frente, nunca com os dos lados. Mostramos a ele como fazer, mas ele revertia e mascava nos dentes da frente.

O Mestre não bebia café. Assim que chegou ao país, não sabia que o café podia se tornar um ví-cio. Ele bebia e aonde quer que fosse as pessoas lhe serviam café. Um dia, enquanto estava sozinho, não conseguiu encontrar café e sentiu falta da bebida. Então, pensou para si mesmo: “Ah, então quer dizer que você sente falta do café, não é mesmo? Muito bem, você jamais irá tomar novamente”, e nunca mais bebeu. Dizia que se um hábito o escravizar, está na hora de livrar-se dele. O mesmo ocor-reu com o ginger ale (um refrigerante de gengibre). Seu gosto lhe recordava uma bebida que existe na Índia. Não importa aonde fosse, seus amigos lhe mandavam ginger ale. Um dia ele sentiu falta da bebi-da, e também a abandonou, do mesmo jeito que fizera com o café, embora, de vez em quando, muito esporadicamente, ainda bebia ginger ale.

Certo dia, um de seus amigos lhe perguntou se ele já havia provado cerveja. O Mestre respondeu: “Não”. O amigo insistiu que o Mestre experimentasse. O Mestre repetidamente recusou. Então o a-migo disse: “Por favor, por mim, apenas experimente”. Para agradá-lo, o Mestre molhou a ponta do dedo mínimo na cerveja e tocou a língua, dizendo: “Bem, você queria que eu provasse, então provei. É amargo, não gostei e, mesmo se tivesse gostado, não beberia.” Uma vez, o Mestre foi convidado para uma festa da alta sociedade na qual todos estavam bebendo coquetéis. Deram um copo para o Mestre. Ele estava sentado próximo de um escocês. Para o deleite desse, o Mestre despejava sua bebi-da no copo dele. O garçom vinha e enchia o copo do Mestre novamente. Isso continuou por algum tempo. De repente, alguém disse: “O Swami é um dos nossos, ele está bebendo conosco”. O Mestre pensou: “Ai meu Deus, estou em maus lençóis: vão pensar que estive bebendo e vão me tachar de al-coólatra”. Então o Senhor veio em seu resgate, pois um dos convidados gritou dizendo: “Nada disso, se vocês olharem para o escocês sentado perto dele, vão ver que o coitado já bebeu muito além da conta, pois o Swami estava colocando sua bebida no copo dele e durante todo esse tempo não bebeu uma gota sequer”. Isso salvou a reputação do Mestre, e ele decidiu nunca mais fazer o que fez, pois era quase o mesmo que beber. Ele não se importava se os indivíduos o considerassem um dos seus ou não. Ele continuava com suas recusas quando lhe ofereciam algo espiritualmente nocivo. O Mestre mantinha seus princípios o tempo inteiro.

Escrevi tudo isso sobre alimentação por causa do que o Mestre nos contou: “A atração que faz a alma reencarnar-se na terra é o desejo, e a única maneira de escapar desses renascimentos é aprender a se tornar sem desejos. A pesada carga dos desejos a faz descer para o local onde os desejos são forma-dos.” O Mestre costumava contar essa história: “Se você tiver desejo de tortas de maçã, terá de voltar à América para comê-las, pois só aqui, na América, se fazem tortas de maçã; mas quando você se livra do peso, pode migrar para uma esfera mais sutil de existência.” Ele também disse: “As almas que já se libertaram, mas voltam à terra para ajudar os outros, não têm mais desejos, por isso precisam delibera-damente criar um desejo para impedir que o corpo se dissolva no Infinito, antes que seu trabalho este-ja terminado.” O Mestre deixava subentendido que ele escolhera para si o desejo de boas comidas porque, além de inofensivo para ele, também não prejudicava a ninguém. Como nós fomos e ainda somos privilegiados pelo fato de que ele amou tanto os filhos de Deus, a ponto de sobrecarregar-se a si próprio para que pudesse descer a este planeta mundano e nos ajudar. A pele do Mestre

A pele do Mestre era típica do indiano do leste, misto de dourado e azulado. Era extremamente suave e aveludada, especialmente no rosto, mãos e pés. Mesmo quando ele andava com trajes de banho na praia, exposto ao vento e ao sol, sem protetor, sua pele continuava macia, muito embora usasse no rosto água de colônia e talco depois de barbear-se.

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A voz

Como vocês já ouviram a voz do Mestre em gravações e fitas, só tenho a acrescentar que observar a expressão de seus olhos, face e gestos, somada ao poder de percepção de sua alma, dava à sua voz um poder de convicção enorme. Ao ouvirem sua voz da tribuna, cantando ou falando, muitos foram cu-rados no corpo, na mente e na alma. Tais palavras de sabedoria e amor brotavam através de um dos maiores veículos de Deus: o Mestre e sua poderosa voz, guiada por Deus. Ausência de sono

O Mestre costumava escrever com maior freqüência no período noturno. Era tão ativo durante a noi-te quanto durante o dia, pois esses dois eram a mesma coisa para ele. O Mestre lia muito pouco, mas se mantinha atualizado lendo os jornais, ou pedindo que alguém os lesse para ele. As entrevistas com ele algumas vezes duravam toda a noite. Como não dormia, acabava se esquecendo de que os demais precisavam dormir. Quando pedia um certo número de telefone, lembrávamos a hora, acrescentando que a pessoa já estaria dormindo e não gostaria de ser acordada no meio da noite. Se ele fosse íntimo da pessoa, ligava de qualquer maneira. Às vezes, ligava para o Dr. Lewis e os dois conversavam duran-te horas. De vez em quando, telefonava para Eugene BenVau e outras pessoas durante a noite. Quan-do ligava para Mt. Washington, acabava conversando com várias pessoas. Além de não desejar, ele não gostava de dormir. Sempre que alguém lhe perguntava se ele estava indo para a cama, respondia: “Não mencione essa palavra, detesto cama”. O Mestre absolutamente não tinha consciência do tempo, por isso não tinha hora certa para deitar-se. Acredito que ele se recolhia no quarto para que pudéssemos ter nosso merecido descanso. Quando nos dispensava, dizia: “Primeiro a meditação, depois o sono”. Isso podia ser qualquer hora entre a meia-noite e as sete da manhã. Seu período de sono variava de duas a seis horas, mas na maioria das vezes era apenas de quatro horas. O Mestre nunca deixou de meditar antes de dormir. Permanecia consciente enquanto dormia, de forma que, para ele, o sono era quase uma meditação. A única vez que sabíamos que ele estava dormindo era quando, ao passarmos pela porta de seu quarto, ouvíamos altos roncos ou uma sonora respiração profunda. Contudo, o Mes-tre tirava vários cochilos durante o dia ou a noite, especialmente após as refeições. Também, se esti-vesse lendo o jornal, ele explicou que caía no sono porque havia praticado tanto o exercício da consci-ência associada aos três níveis do olhar que, quando seus olhos abaixavam para ler, ele automatica-mente entrava na subconsciência; mas não conseguia dormir se seus olhos estivessem dirigidos para a frente ou para cima, ao ponto entre as sobrancelhas, as sedes, respectivamente, dos níveis consciente e superconsciente. Escrevendo

Alguns dos maiores escritos do Mestre foram compostos no eremitério de Encinitas. Ele ficava nos seus aposentos enquanto escrevia. Na maioria das vezes, escrevia à mão. Outras vezes, ditava para Daya anotar taquigraficamente, ou então ela e Mataji se alternavam na máquina de escrever, enquanto ele ditava. Assim ele gostava mais, pois, conforme disse, podia pedir que elas lessem na hora e ele po-dia corrigir ou explicar melhor um pensamento imediatamente, sem precisar reler tudo depois. O Mes-tre escreveu em Encinitas sua Autobiografia de um Iogue, o livro Second Coming of Christ (“A Segunda Vin-da de Cristo”) e alguns trechos do Bhagavad Gita. O restante desta última obra ele escreveu em Twenty-Nine Palms. No transcurso de todos esses anos, o Mestre escreveu muitas outras jóias precio-sas, que brotavam das profundezas de sua percepção espiritual, para o benefício do mundo inteiro nos séculos que estão por vir. Hábito de leitura

O Mestre disse que não leu mais que uma dúzia de livros em toda a sua vida. Posso muito bem acredi-tar nisso, porque em todos os anos que estive em contato com ele, vi que quando ele pegava um livro lia apenas por alguns momentos e, depois, nunca mais o abria novamente. Ele lia, entretanto, os jor-nais, para manter-se atualizado. Não gostava que ninguém bagunçasse seu jornal. Queria lê-lo primeiro

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e a maioria de nós respeitava essa vontade. Ele poderia pegar o jornal para ler a qualquer hora do dia, mas especialmente durante a noite. Sempre havia alguma de nós pronta para atendê-lo em suas neces-sidades e, quando estávamos em mais de uma, freqüentemente acabávamos conversando. O Mestre abaixava o jornal, dizendo: “Sou um mau leitor, não consigo ler enquanto vocês conversam. Fiquem quietas se desejam permanecer no quarto.” Ficávamos quietas por um tempo, mas depois começavam os cochichos. Ele dizia: “Ainda consigo ouvir seus cochichos”. Então apelávamos para os gestos. Mas isso também o perturbava, pois ele conseguia captar nossa inquietude. Algumas vezes, uma de nós líamos o jornal para ele. Por “mau leitor”, quis dizer que sua mente costumava se interiorizar quando ele começava a ler. Sua mente dirigia-se para dentro e ficava difícil para ele trazê-la até o objeto em questão e, portanto, o mínimo ruído ou conversa distraíam sua mente da leitura. A guerra, em 1941

O Mestre acompanhou as notícias da guerra desde o início até o fim. Ele mesmo lia os jornais ou pe-dia para lermos os artigos sobre as atividades da guerra, especialmente durante o conflito do Japão, pois sua amada Índia corria perigo. Como o Mestre rezou e sofreu na luta da Índia pela liberdade e durante seus anos de fome. Sua maior preocupação em relação à América é que ela não cometesse muitos erros graves, acarretando assim para si mesma um mau carma por causa de decisões equivoca-das nas manobras de guerra. Seu coração estava em prece constante pelos rapazes nos campos de guerra, por suas mães aflitas e suas famílias. Ele sofria junto de cada alma que tombava ferida na terra, no ar ou no mar. Ele estava com elas em Espírito. Percebia a inutilidade da morte dos jovens de qual-quer nação, bem como a destruição de edifícios que levaram anos para se construir e pagar. O Mestre sempre disse que a matança de pessoas e a destruição de edifícios não resolviam coisa alguma. A ga-nância era a causa das guerras. A inutilidade da guerra sempre esteve em seu coração sensível e amoro-so. América

O Mestre freqüentemente dizia que seus estudantes, discípulos e amigos americanos eram seus verda-deiros parentes. Quando estávamos em viagens e precisávamos parar em algum lugar distante, sempre achávamos bastante comida, boas hospedagens com banheiros, hotéis ou albergues bem equipados. Os restaurantes serviam sorvetes; e a pessoa sempre conseguia leite ou qualquer coisa que se pode en-contrar nas cidades. A frase de espanto freqüentemente proferida pelo Mestre era: “Não há lugar no mundo como a América; conseguimos qualquer coisa em qualquer lugar”. Ou então: “Os americanos têm uma idéia e trabalham nela sem parar até conseguir realizá-la ou aperfeiçoá-la. Tais mentes práti-cas e progressivas estão fadadas ao sucesso.” Sua profunda apreciação pela América nos fez perceber o quanto somos privilegiados por sermos americanos. A respeito do dinheiro

O Mestre gostava de ter algum dinheiro no bolso, mas normalmente era para comprar alguma coisa para os discípulos ou dar um dólar para os rapazes e outras pessoas ao redor do eremitério. Ele gosta-va de pechinchar com os vendedores e ficava no caixa tentando reduzir o preço até que o homem vendesse aquele item pelo preço que o Mestre queria. Então, o Mestre dava uma substancial gorjeta, que fazia o valor gasto ao final ser maior do que seria sem o desconto que foi dado. Muitas vezes, ele decidiu guardar um presente que ganhara ou alguma coisa que comprara e que realmente havia gosta-do, dizendo que não iria se desfazer do bem. Mais dia menos dia, nós percebíamos que aquele objeto em particular havia sumido, e depois descobríamos que ele dera para alguém que havia expressado admiração pelo artigo. Ele não conseguia ver uma criança sem lhe dar uma moedinha.

Eu costumava recolher os donativos do templo, juntando a coleta e entregando o dinheiro para o Mestre cuidar das variadas despesas. No meio da semana, quando ele me pedia para entregar o dinhei-ro da coleta, eu respondia: “Já lhe dei, senhor” Ele replicava: “Quando você me deu? O que aconteceu com o dinheiro?” Então, de maneira a refrescar sua memória, eu disse: “Senhor, toda vez que eu lhe

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der o dinheiro de agora em diante (o montante era muito pequeno), farei com que o senhor rubrique um bilhetinho com a data e o valor entregue, para que não haja confusões no futuro.” Ele sorria toda vez que eu lhe dava o dinheiro junto com o bilhete para rubricar e, daquela época em diante, nunca mais esqueceu a quantia recebida, e ambos ficamos felizes. Eu ainda guardo alguns daqueles lembretes que ele tão docemente rubricara. Dirigindo um carro

O Mestre nunca dirigiu. Uma vez ele tentou, sobre cuja experiência disse: “Fui direto para o acosta-mento, depois de fazer ziguezagues por toda a estrada. A pessoa que estava comigo jamais esqueceu aquele dia. Sri Yukteswar me abençoara dizendo que eu sempre teria alguém para me levar aonde eu quisesse, e essa bênção jamais falhou.” Trabalhando

O Mestre não necessitava mais realizar trabalhos manuais, pois já havia terminado essa fase de treina-mento enquanto estava com seu guru na Índia. Às vezes, ele saía para varrer as calçadas e a quadra de tênis, a fim de ser um exemplo para todos nós, e também ficava de pé, horas a fio, preparando a co-mida e cozinhando. Nunca levantava pesos excessivos, pois já tinha o suficiente carregando nosso pe-sado fardo cármico, e não era preciso aumentar essa carga. Em relação aos trabalhos do Mestre, se você ler suas cartas a Rajasi sobre cada projeto que empreendeu, bem como as minhas descrições so-bre a história de cada um deles, compreenderá a tremenda força de vontade e o trabalho duro que ele teve que empregar para realizá-los durante seu curto período de vida. Trabalhava com total concentra-ção, força de vontade e máximo zelo, não para si mesmo, mas para seu filho espiritual, a SRF. Ele as-sumiu a missão que seus Mestres lhe haviam confiado, e trabalhou nela com toda a intensidade de seu corpo, mente e coração, enquanto sua alma se rejubilava no contato divino, providenciando para as gerações futuras uma organização cujos ensinamentos destinam-se à salvação de sua própria família da SRF e do mundo. O Mestre nunca nos contava de antemão seus planos, mesmo que estivéssemos tra-balhando com ele nesses planos, pois dizia que Satã tentaria impedir que fossem realizados, ou modi-ficá-los de alguma maneira. Somente depois que sua idéia se materializasse é que ele contava quais ti-nham sido seus planos. Nós nunca sabíamos se estava planejando um banquete até que ele o anuncias-se do púlpito, com dois domingos de antecedência. Ele recebia uma visão ou pensamento e, então, silenciosa mas firmemente, planejava sua materialização. O Mestre escreveu a Rajasi em 12 de maio de 1950: “Por favor, mantenha silêncio sobre a minha viagem à Índia, pois Deus deseja segredo absoluto, e meu Mestre sempre aconselhava a discrição no que se refere a planos”. Filmes

O Mestre costumava ir ao cinema para se afastar dos intermináveis telefonemas e entrevistas. Ele gos-tava de filmes de faroeste, terror e batalhas, porque tais filmes mantinham sua mente um pouco mais voltada para o mundo externo, muito embora, na maior parte do tempo, ele ficava em meditação, as-sistindo ao filme interno de Deus. Gostava de ter a companhia dos discípulos no cinema. Se houvesse alguém numa cadeira a seu lado, pedia que a pessoa cedesse o lugar a um de nós; ou, se estivéssemos espalhados, à medida que as pessoas iam saindo, ele mandava que nos aproximássemos, até que todos os discípulos estivessem junto dele. Gostava de brincar, cutucando um ou outro com a bengala, e en-tão disfarçava, fazendo de conta que não foi ele. Ou então enrolava guardanapos de papel em forma de espiral e colocava no cabelo da discípula sentada à sua frente. Quando a pessoa se levantava sem saber que tinha os papéis na cabeça, o Mestre morria de rir. Ele gostava que uma pessoa pequena se sentasse à sua frente, para que não fosse atrapalhado em sua visão do filme. Se fosse um estranho alto que lá estivesse sentado, mudava de lugar até encontrar uma pessoa baixinha na cadeira da frente. Na-turalmente, sempre lhe dávamos um lugar em que houvesse uma pessoa de pequena estatura na frente. Se os filmes fossem engraçados, ele ria tão alto e batia com os pés e a bengala no chão, com entusias-mo. Nosso Guruji era uma alma alegre e brincalhona, nele não havia qualquer pretensão em demons-

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trar santidade externa com atitudes de sobriedade forçada. Costumava dizer: “Não há razão para ser triste, pois tomar o caminho para Deus é um evento feliz, não sombrio, pois é a morte de toda ilusão”. Ele acrescentou: “As pessoas que fingem santidade são geralmente aquelas que precisam dar duro para tentar convencer as outras de sua santidade, ou daquela atitude ‘sou mais santo que você’, mas os san-tos genuínos não precisam fingir, só precisam agir naturalmente.” Brincalhão

Ele tinha o costume de chamar de sua janela da cozinha ou do quarto um discípulo no andar de baixo, e quando este aparecia na janela, o Mestre dizia: “Apareça um pouco mais, não consigo vê-lo”. E quando o discípulo colocava a cabeça mais para fora, o Mestre despejava uma panela de água na cabe-ça dele e morria de tanto rir. Era cheio de truques e brincadeiras. Costumava andar de chinelões ao redor da casa, ou melhor, na área dos dormitórios. Quando saía do quarto e via alguém parado no cor-redor, fazia a mira com os pés e arremessava em nós seus chinelos. Na grande maioria das vezes, acer-tava o alvo e, então, caía na gargalhada. Logo que cheguei, o Mestre pediu que me sentasse à mesa com ele. Pegou uma grande faca de pão e me fez arremessar uma batata no ar sobre a mesa e, tão rá-pido como um relâmpago, cortou a batata em duas. Continuei jogando a batata até que não restasse mais nada. Ele gostava de fazer truques com as mãos e outras brincadeiras com os discípulos. Ficava muito feliz em brincar conosco. Fazia de conta que ia jogar algo em mim, mas terminava jogando em outra pessoa próxima, ou guardava água na boca e esguichava sobre nós. Todas essas brincadeiras nos ajudavam a ter uma vida balanceada, pois nossas atividades eram exaustivas. Era impossível não rir com ele quando ouvíamos suas risadas, entendêssemos ou não o motivo. Ele adorava contar piadas e algumas vezes só contava a metade, começando a rir antes do final. Entendendo ou não a piada, nós ríamos, pois seu riso era muito contagioso. Características humanas

Quando uma alma liberta como a de nosso amado Mestre vem à terra, ela deliberadamente assume uma forma humana e então age como um ser humano. De outra forma, não poderíamos compreendê-las. Elas descem ao nosso patamar, embora internamente permaneçam em seu alto nível espiritual, para melhor corrigir nossas atitudes mentais e espirituais e elevar nosso grau de compreensão. Se per-manecessem do jeito que realmente são, não conseguiríamos agir de forma natural perante elas. Assim, elas não poderiam nos corrigir e nos conservar no caminho reto e estreito, mostrando-nos os perigos de se caminhar no fio da navalha. O fato de ele ter condescendido em descer a este planeta, conhe-cendo outros mundos melhores e maiores, e o sacrifício que fez por nossa causa, é verdadeiramente um milagre. Tal é a profundidade do amor de Deus e do Mestre por nós, Seus filhos desnorteados. Rádio

Não havia nada que o Mestre gostasse mais do que fazer coisas que promovessem sua obra. Ele tinha muito orgulho de seus programas no rádio. Cantando

O Mestre adorava fazer sankirtans conosco. Costumava tocar o harmônio e nos fazia cantar. Ele toca-va o tambor também. Conseguia fazer aquele grande tambor trovejar. Seus dedos pareciam relâmpa-gos golpeando as tablas. E ele fazia o esraj falar. O Mestre adorava exibir sua habilidade de tocar com perfeição vários instrumentos. Tocava muitos com a mesma habilidade e expressividade. Quando en-trava em meditação profunda ou samadhi, saía com a inspiração de um novo cântico, concebendo em palavras a profundidade de sua percepção. Então, cantava esse novo cântico repetidamente, de dia e de noite, por meses a fio, conforme costumava dizer: “Para espiritualizá-las”, embora já o estivessem, pois as palavras haviam sido recebidas diretamente de Deus. Quando ele cantava, podia-se sentir a profundidade que colocava nas palavras, pois cantava com o coração e a mente, não apenas com a voz. Algumas vezes, após compor um novo cântico, deixava de cantar as composições antigas durante

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longo tempo e, quando voltava a cantá-las, usava palavras e entonações diferentes, pois havia se es-quecido delas, devido ao longo tempo. Então, nós cantávamos mais alto, para que ele captasse a ento-nação correta ou a palavra certa e, da próxima vez, ele cantava como antes. No fim de sua vida, ele cantou com os novos discípulos enquanto nós, os veteranos, estávamos ocupados em nossas tarefas, e então não podíamos estar presentes para recordá-lo das notas e palavras certas. Por isso há tantos que cantam de maneira diferente. Viagens

O Mestre era um amante da natureza. Via a beleza em todas as coisas e escreveu muitos belos poemas e impressões acerca de seu amor pela natureza em geral. Precisa-se ler apenas um de seus poemas para perceber que ele enxergava Deus em toda a natureza. Pode-se ler em sua Autobiografia como ele apro-veitava cada oportunidade para viajar quando era garoto, e seu amor por viagens permaneceu consigo durante toda a sua vida. Estava sempre pronto e ansioso para viajar. Acredito não existirem muitos lugares na América, na Índia e na Europa que ele não tenha visto. O sannyasin errante de outras vidas ainda estava predominante nesta vida, embora utilizando-se dos modernos meios de transporte. Ele adorava ver novos lugares e diferentes panoramas. O Mestre costumava dizer que alguém que dá tanto de si mesmo a todos precisa se afastar da rotina cotidiana dos afazeres para se reabastecer. O Mestre comprou seu primeiro treiler em 1930. Era um modelo antigo, bem diferente desses modernos de ho-je em dia, mas do tipo em que a carroceria fica junto com o chassi e o motor, tudo numa peça só. O Mestre usava muito esse treiler para fugir de telefonemas e entrevistas, aproveitando para viajar, fazer piqueniques e escrever. Nem sempre podíamos pagar hotéis, albergues ou restaurantes. Aonde quer que fôssemos, tínhamos nosso equipamento de cozinha em mãos. Podíamos parar num lugar bonito ou sob uma árvore, arrumar nossos utensílios e as comidas, e cozinhávamos em nosso fogão à gasoli-na, que precisava ser bombeado várias vezes para conseguir preparar qualquer coisa; e isso fazia um monte de fumaça. Depois, demorava séculos para tirarmos as manchas negras do fundo das panelas. O Mestre apreciava cada detalhe dessas viagens, assim como nós. Ele dormia no treiler, que tinha uma cama. Carson, ou algum outro motorista, dormia no lado de fora, junto ao carro; e o resto do pessoal, a uma boa distância.

Nós sempre dirigíamos até tarde da noite. Então parávamos quando o Mestre queria, qualquer que fosse o lugar. Algumas vezes, já estava tão escuro que nem sabíamos onde estacionamos e, na manhã seguinte, descobríamos que estávamos no quintal de alguém.

O Mestre adorava ir à praia. Certa vez, fomos para Dana Point, na Califórnia, e estacionamos num penhasco, cuja vista dava para o mar. Ficamos lá por vários dias. Numa tarde, estávamos nós quatro – quer dizer, o Mestre, Karla Schramm, Carson e eu – lado a lado, contemplando o mar. En-quanto olhávamos o mar, vários raios de luz, que se inclinavam sobre o oceano, apareceram no céu. Eram como raios de sol perfurando as nuvens. Um de nós mencionou o fato para o Mestre. Ele disse com regozijo: “Estou feliz que todos estejam vendo esse milagre de Deus”. Foi essa ocasião que inspi-rou o Mestre a compor o cântico Come Listen to My Soul Song (“Vem Ouvir a Canção de Minha Alma”).

Outra vez, no Palm Springs Canyon, o Mestre lavou o cabelo no riacho e sentou-se numa grande pedra para meditar, enquanto o calor do sol secava seu cabelo. Ele entrou num êxtase muito profun-do. Essa ocasião também inspirou o Mestre a escrever e compor uma outra canção, Come Out of the Silent Sky (“Vem do Silencioso Céu”).

Logo no início de 1931, o Mestre deixou Los Angeles para sua campanha em Denver. Ele embar-cou no trem e instruiu a mim, Karla e meu irmão para irmos de treiler e nos juntarmos a ele em Den-ver. Após as palestras, fomos dirigindo até Colorado Springs, para tirar umas férias. O Mestre alugara uma casa, que era a residência de um pastor que estava passando o mês fora. Era uma casa limpa e agradável. Quando partimos, o Mestre deixou seu livro Science of Religion (“A Ciência da Religião”), com uma dedicatória e uma nota de agradecimento para o pastor e sua esposa. Mais tarde, o pastor agradeceu ao Mestre pelo livro e disse que ficou imensamente satisfeito por encontrar a casa em me-

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lhor estado do que havia deixado antes de partir. Durante esse tempo, alguns dos membros ajudaram o Mestre a comprar um Ford conversível, de quatro lugares. Como o Mestre gostava de sentar no alto, apoiando os pés no banco de trás, tirando o máximo benefício das bonitas paisagens do Colorado! Diversos devotos quiseram voltar para Los Angeles com o Mestre. Ele estava glorioso com uma cara-vana a segui-lo, apreciando os belos cenários de Bryce, Zion e outras paisagens no trajeto. No final do ano 1930, o Mestre reuniu um grande grupo para um passeio no treiler. Antes de irmos embora, no final do piquenique, era hábito do Mestre meditar com todos. Os bancos do treiler, quando estavam reclinados, transformavam-se em cama para o Mestre durante a noite. Isso foi feito nessa ocasião, para aumentar a capacidade do veículo. O Mestre sentou-se no centro, com as costas apoiadas na lateral do treiler. Vários de nós estávamos sentados na beira da cama, de cada lado dele. O Mestre entrou num êxtase muito profundo. Durante e meditação, sentiu calor, tirou o casaco e o deixou perto dele. Mais tarde, Ettie Bletch, que acabara de chegar a Mt. Washington e estava sentada próxima a mim, desco-nhecendo que jamais se deve usar a roupa do guru em si mesmo ou em outra pessoa, percebeu que eu estava com frio e colocou o casaco do Mestre sobre meus ombros. No momento em que o casaco tocou meu corpo, senti uma corrente elétrica percorrendo todo o meu ser. Quando vi qual era o casa-co que ela colocara em mim, apressei-me a retirá-lo, mas o Mestre me interrompeu, dizendo: “Não tire”. Que incontáveis bênçãos eu e outras pessoas recebemos na presença dessa alma semelhante a Cristo vivo! Esse incidente nos mostra que as vibrações permanecem impregnadas nas roupas e no ambiente daquele que está imerso em Deus.

Esse treiler foi mais tarde doado aos Nerode, para servir de transporte e casa durante suas cam-panhas na Costa Leste e no Centro-Oeste do país. Mais tarde, eles o venderam.

Em 1934, depois que o Mestre deu o treiler para os Nerode, Karla o ajudou a comprar outro. Es-se era quase igual ao primeiro, só que tinha mais acessórios, como chuveiro, fogão, banheiro, etc. Era bem fabricado, mas o chassi e o motor não eram muito bons. Em março de 1935, o Mestre comprou o chassi novo de um Dodge. Ele estava pensando em como a carroceria poderia ser transferida para o novo chassi. Olhou para mim e disse: “Você fará isso”. Desolada, respondi: “Mas, senhor, eu nem sei o básico dessas coisas”. Ele respondeu: “Você saberá como fazer, eu trabalharei com você. Castillo também irá ajudar”. Pedi que Castillo arrumasse uma garagem que tivesse um elevador para erguer a carroceria e colocá-la sobre o novo chassi. Ele descobriu um lugar na Avenue 60, em Highland Park, que era perfeito para nosso propósito. Trabalhei entra dia sai dia, junto com Castillo, sujando-me de graxa e óleo dos pés à cabeça. Quando começamos a retirar a carroceria do chassi, vimos com espanto que esse era mantido preso por apenas dois parafusos. Meu coração disparou ao pensar como esse treiler subiu e desceu pela Avenue 43, nossa ladeira íngreme, lotado de pessoas e, também, com o Mestre. O que teria acontecido se um desses parafusos se tivesse partido numa subida? Em minha i-maginação, vi a carroceria escorregando por cima do chassi e caindo montanha abaixo, enquanto o motor continuava subindo. Felizmente, todos estávamos salvos na fortaleza da proteção divina. E, agora, estávamos removendo aquela ameaça, fixando com segurança vários parafusos. Mas então, des-cobrimos que a carroceria era grande demais para o chassi. Ainda bem que havia um velho ferreiro por perto. Eu lhe fiz uma consulta, e ele fez os reparos necessários, soldando uma emenda forte no chassi.

Após levarmos o treiler de volta para casa, pintei seu interior e o lado de fora. O Mestre então queria forrar os assentos. Eu mesma fiz o serviço, depois de estofá-los, e coloquei novas cortinas; fi-nalmente, estava pronto para novas viagens e piqueniques. O Mestre ficou muito feliz com os resulta-dos.

Rajasi andou no treiler apenas num pequeno passeio ao redor de Encinitas, com o Mestre e al-guns de nós. Ainda temos a carroceria, que esperamos dedicar como um santuário. Ele está agora lo-calizado nos fundos do SRF café, em Encinitas. Se Deus quiser, será feito algum dia.9

9 Esse treiler ainda se encontra nos terrenos da SRF, em Encinitas.

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A participação do Mestre em nossas atividades natalinas

O Mestre aguardava o Natal com grande expectativa. Ele não passava por uma só loja de penhora ou antiquário em que não parasse para procurar alguma barganha. Ele conseguia mesmo comprar muitas coisas maravilhosas e, mais tarde, nos dizia, alegremente: “Comprei isto quase de graça”. Ele compra-va e colecionava objetos durante o ano inteiro, guardando-os no seu cofre da biblioteca e, quando chegava o Natal, metia a mão na sua arca do tesouro para distribuir os presentes a todos. O Mestre tinha fascinação por novidades e os movimentos mecânicos dos brinquedos lhe chamavam a atenção. Ele não resistia em comprar vários brinquedos para distribuir no Natal. O Mestre costumava dar sou-venires aos invés de coisas práticas e úteis. Depois ele se convenceu de que presentes úteis podem ser utilizados, enquanto os brindes são postos num canto e esquecidos, às vezes para sempre. Dessa for-ma, o Mestre se comprazia em dar presentes práticos e úteis, rejubilando-se quando via seus presentes sendo utilizados por Rajasi. Nos primeiros anos, o Mestre costumava desenhar seus próprios cartões espirituais de Natal para mandar aos amigos e discípulos.

O Mestre ia fazer compras natalinas de última hora, quando chegava cedo em casa na véspera de Natal. Ele e todos nós descíamos até a cozinha para começar a elaborar os pratos culinários para os jantares dos próximos dias. Já era ao redor de 1 ou 2 da manhã quando voltávamos para o andar de cima, então o Mestre queria começar a embrulhar os presentes. Às vezes, ele mesmo embrulhava a-queles que não queria que víssemos. Ele escrevia em todos os cartões. Após terminarmos e, quem sa-be, algumas horas de sono, voltávamos à cozinha para finalizar o jantar para os membros de casa e para os muitos convidados. O Mestre amava festas. Quanto mais pessoas houvesse andando pela casa, tanto mais ele gostava. Ele ficava como uma criança, pois o Natal sempre foi um evento muito especi-al e alegre para o Mestre. Gostava de decorações elaboradas e sempre queria ter uma grande árvore no saguão. A Irmã Sailasuta, a quem o Mestre havia incumbido da decoração, certamente estava à altura da confiança que ele depositou em seu talento decorativo. Ela fazia o melhor possível para apresentar a ele e a todos a mais bela das decorações, deixando-nos sem palavras. O Mestre estava sempre alegre com os magníficos esforços que ela fazia. Ela mesma pode nos contar melhor todo o processo de de-coração e dos programas natalinos. O Mestre tinha uma pequena árvore em sua sala particular, no an-dar de cima, para a celebração do Natal com os discípulos mais íntimos, que o serviam diariamente. Ele nos chamava até lá para celebrarmos com ele seu Natal pessoal e trocávamos nossos presentes. O Mestre costumava provocar: “Não vale espiar os presentes”, ou dizia brincando: “Papai Noel não vai trazer presentes para você neste Natal”, e depois descobríamos que já tinha comprado nossos presen-tes. O Mestre gostava de dar seus presentes pessoais para nós por último, e sempre guardava o melhor para o final.

Na véspera do Natal, dez minutos antes da meia-noite, o Mestre, com entusiasmo infantil, come-çava a contar os minutos no relógio para que, ao bater meia-noite, pudesse dizer: “Feliz Natal”. Então subia e descia as escadas gritando “Feliz Natal” para todos, não importa se saíamos ou não do quarto para responder, porém feliz por ser ele o primeiro a dizer “Feliz Natal”. Na virada do ano, nós medi-távamos desde as últimas horas do ano velho e dávamos as boas vindas ao Ano Novo em meditação; e, novamente, ele era o primeiro a dizer “Feliz Ano Novo”.

O Mestre ficava especialmente feliz se seu pequenino, Rajasi, vinha para o Natal, o que não acon-tecia tanto quanto Guruji gostaria. O Mestre algumas vezes começava em julho a convidar Rajasi para o Natal. O Mestre queria sentir que Rajasi preferia vir aqui para o Natal do que permanecer em Kan-sas City. O motivo de Rajasi não poder vir com freqüência para o nosso Natal é explicado em sua bio-grafia. Se Rajasi não viesse, o Mestre insistia para que deixássemos sua árvore pronta até o dia em que ele chegasse. Uma vez mantivemos a pobre árvore até que ficou apenas um esqueleto. Finalmente, precisou ser derrubada. Quando Rajasi chegou em abril, o Mestre decorou uma árvore artificial em sua sala de visitas, em Encinitas, e celebramos o Natal novamente para o Mestre, Rajasi e alguns de nós; entretanto, somente Rajasi ganhou presentes. A troca de presentes entre membros residentes era feita em suas respectivas portas, na véspera do Natal. Era e ainda é uma gostosa sensação ouvir os passos

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subindo e descendo as escadas para deixar os presentes lindamente embrulhados. Todos depositavam seus presentes para o Mestre debaixo da árvore no saguão. Na mesa de jantar, o Mestre foi sempre um perfeito anfitrião e um bom animador das conversas. Os convidados o assediavam de todos os lados, e todos ficavam encantados e felizes por estarem em sua presença. Ele caminhava ao redor das mesas saudando e falando com cada um, ninguém era ignorado e todos recebiam uma bênção por meio de um gesto especial. Após comer, ele normalmente proferia um discurso inspirador, chamando a todos pelo nome e agradecendo ao que cada um fez pela realização do jantar. Ele sempre foi generoso em seus agradecimentos e apreciava até mesmo o menor trabalho realizado. Depois ele cantava; uma me-ditação curta e então colocava seu xale alaranjado sobre os ombros e fazia as vezes de Papai Noel, dis-tribuindo presentes para todos e abrindo os seus próprios. Tudo isso levava horas. Um de nós lhe pas-sava um presente e lhe dizia para quem era; ele, por sua vez, chamava o nome da pessoa. Se alguém não abrisse o seu presente rapidamente, ele puxava o laço e arrancava o papel para ajudá-los, ficando muito feliz quando a pessoa demonstrava alegria pelo presente recebido. Se houvesse mais convidados do que presentes, o Mestre sussurrava umas instruções para pegar isso e aquilo, daqui e dali, embru-lhar e trazer para distribuir. Ninguém saía de mãos vazias das nossas celebrações de Natal. Durante os últimos anos da vida do Mestre, os presentes dos amigos e discípulos ficaram numerosos demais para serem abertos no andar de baixo. Eram depositados sob sua árvore particular e então ele os abria nas horas de folga. Dessa forma, ele gostava muito mais, pois tinha tempo para realmente ver e apreciar os presentes antes de guardá-los. O entusiasmo e espírito alegre do Mestre eram contagiosos, sua felici-dade se espalhava por toda a casa. Os Natais com o Mestre eram memoráveis. Mount Washington tinha a reputação de ter a mais alegre e festiva celebração de Natal; todos sentiam o verdadeiro Espíri-to de Cristo, pois na verdade tínhamos um Cristo vivo em nosso meio.

Celebrar o Natal em nossa Sede Central era uma tradição. O Mestre não celebrou, nem celebraria, o Natal em qualquer outro lugar. O mesmo valia para a meditação longa de Natal. Ele começou essa atividade no dia 24 de dezembro de 1932. Era um evento tão belo e espiritual, que o Mestre fez dele uma tradição. Em anos posteriores, alguém sugeriu que ficaria mais fácil decorar, embrulhar os pre-sentes e preparar o jantar se a meditação fosse no dia 23. Após muita persuasão, o Mestre condescen-deu em fazê-la uma vez no dia 23. Naquele dia, Jesus apareceu para o Mestre mais do que em qualquer outro dia anterior e sua experiência foi tão maravilhosa que ele sentiu que o dia 23 era definitivamente mais satisfatório para Jesus do que o 24. Então, esse dia foi permanentemente estabelecido. O Mestre estabeleceu o padrão que é seguido até hoje.

Quando o Mestre orava profundamente, o magnetismo das suas palavras penetrava nossas men-tes, e quando tocava o harmônio e cantava, puxava nossos corações e mentes junto com ele até as mais distantes profundezas. Eu tocava o grande tambor e Daya, os címbalos. Ele sinalizava quando queria que tocássemos mais alto ou mais depressa. Isso se tornou uma tradição, assim como eu cantar a música composta pelo Mestre, Divine Love Sorrows (“Tristezas do Amor Divino”).

Aqueles dias de meditação com o Mestre não ficaram impressos apenas em nossas mentes cons-cientes, mas também nos arquivos da subconsciência e, de maneira ainda mais profunda, na mente superconsciente, erradicando numerosos entraves psicológicos do passado, do presente e, assim espe-ro, do futuro também. Só não comparecíamos à meditação se estivéssemos passando muito mal. Quando o Mestre mencionava que viu Jesus, as vibrações eram tremendas. Transcrevo agora um tre-cho de uma carta que o Mestre escreveu para Rajasi em 17 de dezembro de 1943: “Pensei que jamais sairia do êxtase. Durou oito horas. Jesus apareceu três vezes, uma como um menino dentro de uma manjedoura de luz, depois como um jovem e, duas vezes, com a aparência que tinha logo antes de ser crucificado. Em Seus olhos tremulava o poder que controla o Universo; foi uma meditação maravilho-sa e eu senti o seu Espírito comigo.”

Desde a partida de nosso amado Mestre deste plano terrestre, ele se faz sentir especialmente nos dias especiais e é definitivamente uma presença viva entre nós. Eu sei, sem a menor sombra de dúvida, que ele vem para os puros de coração e mente, preenchendo a alma deles com o amor onipresente de Deus.

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Mensagem de Babaji

Logo depois que Brahmachari Premeswar chegou da Índia para Encinitas, o Mestre nos chamou para seu quarto. Estava sentado na beira da cama com uma mão sobre a outra. Sentamo-nos no chão, dian-te dele. O Mestre nos contou esta história. Pouco antes de Premeswar (posteriormente chamado Swami Binoyananda) embarcar para a América, um discípulo de Sri Yukteswar o procurou para levar esta mensagem a nosso Mestre, na América: “Nosso pequeno grupo estava de pé num campo quando sentimos uma repentina rajada de vento. Ela fez com que todos os outros homens se afastassem para longe, menos a mim. Sozinho e estupefato, vi Babaji aparecer à minha frente. Ouvi sua melodiosa voz me dizer: ‘Peça a Premeswar que leve esta semente para Yogananda, na América. Yogananda compre-enderá o significado.’ Com essas palavras, Babaji desapareceu.” Quando chegou a Encinitas, Premes-war passou a mensagem e a semente ao Mestre, explicando-lhe as circunstâncias em que lhe foram entregues. Após nos contar isso, o Mestre abriu sua sagrada mão. Na palma, havia uma semente, do tamanho da unha do polegar, na forma da cabeça de uma naja. O Mestre tocou o olho espiritual de cada um de nós com a semente sagrada. Quando tocou minha testa, senti uma tremenda força espiri-tual entrando em meu ser e, com ela, uma sutil sensação de calor espiritual que durou muito tempo. Essa semente ainda está em Encinitas, no local onde o Mestre a guardou. Tocando os pés do Mestre

Foi somente com a visita de Premeswar a Encinitas que notamos como ele tocava os pés do Mestre e, depois, a própria testa, em sinal de respeito a seu Guru. Aquela foi a primeira vez que vimos tal gesto. Portanto, daquele momento em diante, cada um de nós seguiu o exemplo e, nas saudações matinais e despedidas noturnas, tirávamos o pós de seus pés. O Mestre era tão humilde que jamais havia nos contado acerca desse costume indiano de tirar o pó dos pés do Guru, nem mesmo se referia a si mes-mo como nosso Guru, mas como um amigo. Ele nunca nos corrigiu por não sabermos como agir cor-retamente diante de um Guru. Recordo-me quando me sentei pela primeira vez próxima ao Mestre, e perguntei: “Por que é que toda vez que estou em sua presença sinto vontade de me ajoelhar?” Ele não disse uma só palavra, apenas apontou para o olho espiritual. Éramos tão beatificamente ignorantes em como se deveria tratar um Guru que, apenas observando algumas coisas, como Premeswar tocando os pés do Mestre, começamos a aprender pelo menos alguns atos de respeito ao Guru. As celebrações dos aniversário do Mestre

Freqüentemente fico abismada com nossa ignorância americana em relação às personalidades espiritu-ais. O mesmo se dava com os aniversários do Mestre. Ele não nos contou que, após a pessoa encon-trar seu Guru, ela deve deixar de lado todos os outros relacionamentos e comemorar apenas os sagra-dos aniversários do Guru. Vocês acham que ele nos disse isso? Só uma vez ele mencionou isto para mim, dizendo: “Na Índia, apenas os aniversários dos Gurus são comemorados”. Nem mesmo ele dis-se como se deveria comemorar. Na Índia, as pessoas depositam tudo aos pés do Guru. Premeswar disse à Irmã Sailasuta como fazer a celebração, mas quando ela esteve na Índia, descobriu que Pre-meswar não lhe havia contado nem a metade do que se faz naquele país. Então, mais uma vez, conti-nuamos em nossa ignorância. Ele disse: “Já que vocês celebram o meu aniversário, devem também comemorar o de vocês”, mas, aqui também, foi sua grande humildade que o fez dizer isso. Preconceito

O Mestre, sendo um homem de Deus, considerava a todos como filhos de Deus. Era capaz de, men-talmente, deixar de lado qualquer preconceito expresso pelas pessoas pelo fato de ele ser da Índia. O Mestre costumava contar esta história, que uma vez ele dividiu um assento de trem com um homem. Ao se sentar, ficou frente a frente com Warner Oland, o ator, que não tentou disfarçar seu desprazer por dividir o banco e encarar um hindu. O Mestre finalmente falou com ele, mas não houve resposta. O Mestre disse: “Será que você não poderia ser mais cortês?” O ator respondeu: “Não é de sua con-

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ta”. O Mestre replicou: “É claro que é de minha conta, pois toda vez que olho para a frente tenho que ver sua cara fechada”. O ator explodiu em risadas. Isso deu ao Mestre a chance que estava procurando para ajudá-lo. Ele disse: “Não é verdade que todo mundo tem uma certa loucura, e aqueles que têm loucuras semelhantes vivem juntos e não se dão conta disso, mas se pessoas com loucuras diferentes se encontram, acabam descobrindo suas próprias loucuras? Eu conheço a sua loucura, que é represen-tar, mas você não conhece a minha loucura, que é a de ser louco por Deus. Vamos fazer uma aposta. Se você conseguir provar que sua loucura é melhor do que a minha, eu me tornarei um ator, mas se eu puder provar que a minha loucura é a melhor, então você terá que me seguir”. O Mestre concluiu di-zendo que foi “salvo de se tornar um ator de cinema”. O Sr. Oland seguiu este caminho e até chegou a prever a data de sua morte.

O Mestre levou alguns de nós a Catalina Island. O Dr. e Sra. Lewis estavam conosco. Entramos num restaurante para comer. O lugar estava vazio, mas a proprietária veio rapidamente dizer que não havia mesas disponíveis. Nunca me senti tão magoada em toda a minha vida. Imagine só, um Cristo ser recusado num restaurante! O Mestre, sem uma palavra, virou as costas e foi embora. Falei com a dona do lugar, expressando toda a minha indignação, perguntando a ela que se Jesus Cristo entrasse no restaurante, a ele também seria negada uma mesa. Eu lhe disse que o Mestre era um dos maiores homens da Índia e dei-lhe as costas. Nosso abençoado Mestre, sempre que percebia o preconceito de uma pessoa, continuava voltando para ela até que o preconceito fosse superado; depois disso, não vol-tava mais. Ele não podia ver almas se fazendo de tolas por causa de diferenças de países, religiões, etc., pois dizia freqüentemente que as pessoas que odeiam determinado país irão nascer lá na próxima vida, até que aprendam a amá-lo; e já que todos são filhos de Deus, o ódio não deve ter lugar algum no co-ração e na mente das pessoas. Emoções

O Mestre tinha um coração meigo. Se alguém morresse, ele chorava profundamente e dizia: “Por que o Senhor o levou?” Ele era muito humano. O pai de Woody faleceu repentinamente, enquanto o Mes-tre falava com a mãe dela ao telefone. Quando desligou, ele chorou muito. Woody disse: “Não consi-go chorar”. Então eu soube que o Mestre havia assumido a dor e chorou no lugar dela.

Em 1946, quando a vida de Rajasi estava em perigo, o Mestre permanecia sentado no quarto a maior parte do tempo, orando dia e noite. Após meses de ansiedade, Rajasi veio para o eremitério. O Mestre lhe deu um jantar de boas vindas. Estávamos todos sentados à mesa. O Mestre começou a di-zer o quanto estava feliz por Rajasi haver chegado. Não conseguiu terminar a frase, pois sua voz tre-meu de emoção e o abençoado Mestre tentou esconder os olhos atrás da mão. Quando vimos aquelas queridas lágrimas descer pelo seu rosto, não conseguimos agüentar e todos o acompanhamos na emo-ção, inclusive Rajasi. Ele logo controlou suas emoções e começou a comer. Pouco depois já voltava a ser o velho conversador de sempre. Freqüentemente vi aquela abençoada alma derramar lágrimas; embora não fossem excessivas, eram genuinamente repletas de ternura. Ele era humano o suficiente para poder expressar outras emoções, tais como ansiedade, preocupação pelos outros e pelos desafios e tribulações da organização. Era um divino privilégio constatar que uma alma tão grande e semelhan-te a Cristo com o nosso Mestre demonstrava ações e reações humanas. Tudo isso só fazia com que parecesse ainda mais querido a meus olhos. Ele nunca se deixava dominar por essas emoções, mas as mantinha em perfeito controle, deixando-as transparecer apenas por alguns momentos, e controlando-as em fração de minutos. O som de Om emanando de seus pés

Mesmo que estivesse dormindo, eu sempre conseguia saber quando o Mestre estava chegando, pois eu ouvia o som de Om. No início, não associei a chegada do Mestre com o som de Om, mas logo percebi que o Mestre sempre aparecia alguns instantes após eu ouvir o Om, fosse em Mt. Washington ou em Encinitas. A mesma coisa acontecia se eu me sentasse silenciosamente no chão, a seus pés. Eu podia ouvir o Om emanando de seus pés. Um dia, após havermos meditado com o Mestre, ele pediu para

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cada um de nós encostar o ouvido em sua cabeça. Tão claro como se estivesse ouvindo em minha própria cabeça, escutei o som astral do zumbido de abelhão, próprio do centro coccígeo. O Mestre disse: “Isto é muito incomum, pois a pessoa só consegue ouvir o seu próprio som do abelhão, nunca o de outra pessoa, mas todos nós ouvimos o mesmo som”. Árvores

O Mestre amava as árvores com muito carinho e nunca permitia que fossem cortadas. Era até mesmo difícil deixar que fossem podadas, de tanto que ele as amava. Lealdade

O Mestre era a pessoa mais leal que já conheci ou hei de conhecer. Sua primeira lealdade era para Deus, em seguida para os Mestres, a obra deles, depois para aqueles que serviam, direta ou indireta-mente, a ele e ao trabalho com lealdade, e para aqueles a quem chamava de amigos. Ele era leal até a medula dos ossos à sua terra natal, a Índia, a seu país adotivo, os Estados Unidos, e aos lugares e coi-sas que serviam aos propósitos de Deus. O Mestre freqüentemente nos dizia: “Se todos os deuses es-tiverem satisfeitos, mas o Guru está insatisfeito, é essa insatisfação que conta. Por outro lado, se todos os deuses estiverem insatisfeitos, mas o Guru estiver satisfeito, o prazer dele será a jangada que con-duzirá você para as praias do Infinito.” Isso também significa lealdade incondicional. O Mestre era a própria personificação da lealdade. Curando

O Mestre acreditava que os médicos faziam um ótimo trabalho e enviava para esses profissionais to-dos aqueles que precisavam de cuidados médicos, como também aquelas pessoas que acreditavam mais nos médicos do que na cura divina. Ele expõe seu pensamento a respeito da cura nas lições. Uma vez ele nos contou a história de um homem que o procurou para ser curado. Após refletir sobre o problema do homem, o Mestre lhe disse que seria melhor que ele tivesse todos os dentes arrancados, pois sua boca e seu corpo haviam sido contaminados devido aos dentes infeccionados. O homem dis-se com raiva: “Eu vim aqui para ser curado e você me pede para arrancar todos os meus dentes. Vou embora me tratar com alguém que não me mande fazer uma loucura dessas.” O homem foi pedir aju-da em outro lugar e, pouco depois, o Mestre ouviu a notícia de que havia morrido devido à infecção nos dentes. Esse é apenas um exemplo da maneira prática e divina do Mestre.

Ele entendia de tudo, qualquer assunto. Disse que os iogues são mais suscetíveis a resfriados por-que a concentração deles é mais na cabeça do que no corpo, e então Satã ataca o iogue nessa região do corpo para tentar impedi-lo de meditar. O Mestre estava sempre procurando achar um remédio contra a gripe. Ele primeiro experimentava o remédio em si mesmo, pois era capaz de analisar precisamente as reações do remédio em seu corpo. Quando algum de nós estava resfriado em Mt. Washington, tí-nhamos que usar máscaras, para não espalhar para os outros. Quando o Mestre estava resfriado, aque-les que o servíamos precisávamos usar máscaras também. Ele ficava exposto a muitas pessoas resfria-das durante as entrevistas. Algumas vezes ele se contagiava e ficava severamente resfriado, mas isso nunca o impediu de trabalhar, pois sempre enxergou seu corpo como distinto dele mesmo. Sempre respeitou as leis da medicina e nunca aconselhou as pessoas a tomarem ou deixarem de tomar qual-quer remédio. Tomando o sofrimento para si

Desde o ano em que o Mestre chegou na América, como delegado da convenção religiosa em Boston, em 1920, ele viajava constantemente dia após dia, noite após noite, de uma cidade a outra, palestran-do, dando aulas e entrevistas. Ele se exigiu ao máximo, sem piedade e sem descanso. Durante os anos de 1920 até 1934 (quando parou suas campanhas), ele nos contou que a Mãe Divina lhe dissera que manteria seu corpo saudável e forte, não permitindo que ficasse doente ou que carregasse em seu cor-

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po as doenças e o sofrimento dos outros. Quando, porém, ele interrompeu suas palestras e aulas para permanecer na Sede Central, a Mãe Divina permitiu que assumisse o carma alheio em seu próprio corpo. Num primeiro momento, o sofrimento era esporádico, mas ao continuar com suas curas ao longo dos anos, seu corpo sofria com mais intensidade, algumas vezes mais, outras menos, até que tudo isso chegou ao ponto de cobrar um alto preço de seu corpo sagrado, que foi oferecido no altar de Deus como um cordeiro sacrificial. Ele não tomava remédios por conta própria, nem passava po-madas ou ingeria algum tipo de comida especial para ficar melhor, a menos que alguém lhe sugerisse, ou se Deus lhe dissesse diretamente, na meditação, ou indiretamente, através dos outros. Na verdade, era impiedoso com seu corpo, nunca preocupado com o conforto físico. Se alguém sugerisse algum remédio, ele dizia: “Se você acha que isso vai ajudar, vá em frente”. Ele também nunca permitia que nos queixássemos de nossos corpos, nem mesmo que disséssemos estar cansados. Quando lhe per-guntei o que dizer quando estivéssemos cansados, ele explicou: “Quando você admite que tem alguma coisa, é o que acontece, e isso enfraquece a sua vontade, também diminuindo o fluxo de energia para o corpo e a consciência. É melhor dizer que você necessita de algum descanso, pois significa que a con-dição é temporária e que um pequeno repouso irá ajudar, ao passo que dizer que está cansada é um decreto definitivo.” Recordo-me que, quando ele comprou o poço dos desejos, foi junto com os rapa-zes para trazê-lo. Tiveram que carregá-lo até a beira da calçada para colocar no caminhão. O poço começou a cair e o Mestre o segurou, mas, ao fazê-lo, escorregou no meio-fio e machucou o tornoze-lo com gravidade. O pé inchou imediatamente. Justamente naquela noite ele tinha que dar uma aula, assim como nas noites seguintes. Naquela noite, ele não tirou o sapato e deu a aula, mas, na noite se-guinte, quando foi colocar o sapato novamente, não havia espaço suficiente, por causa do pé inchado. Um de nós sugeriu que ele não desse a aula. Ele ficou triste por termos sugerido tal coisa. Eu o vi for-çando o pé inchado até entrar no sapato. Nem conseguiu amarrar o cadarço. Enquanto alguém o aju-dava a chegar até a porta da classe, pelo corredor de trás, ele pensava: “Como vou poder entrar lá sem mancar na frente de toda aquela gente?” Ele disse depois que fez um tremendo esforço e abriu a por-ta. Ao cruzar a soleira, sentiu seu pé curar-se repentinamente, ajeitando-se no sapato com um baque, e então ele pôde caminhar sem o menor sinal de torcedura. Aquilo, disse ele, foi uma cura direta da própria Mãe Divina. Afirmou que tudo foi um teste Dela para ver se ele iria ensinar apesar do pé ma-chucado, depositando Nela sua completa confiança. Quando viu que ele tinha confiança absoluta Ne-la, a Mãe Divina curou-lhe o pé completamente e ninguém percebeu que havia acontecido algo de er-rado com seu tornozelo.

O Mestre, sendo um homem de Deus, possuía tremendos poderes de cura. Eu sei disso por mi-nha própria experiência, e pelo que vi entre seus discípulos imediatos e numerosos outros, o que era evidente devido ao sofrimento que ele teve de suportar em seu próprio corpo por nossa causa. Ele não apenas curava o corpo da doença, mas também a mente dos entraves psicológicos e a alma da ig-norância que foi acumulada em nossas vidas passadas e presentes.

Pedidos de prece chegavam ao Mestre de todos os lugares. Por exemplo, uma vez uma mulher lhe pediu: “Swami, por favor ore para que as ações se desvalorizem”. O Mestre respondeu: “E quanto a todas as pessoas que estão orando para as ações subirem? Essa não é uma prece legítima, eu não pos-so rezar por você.” Então a mulher disse: “Então reze para que eu consiga me recuperar de alguma maneira”. “Essa”, disse o Mestre, “é uma oração legítima.” Graças às orações dele, a mulher se recu-perou financeiramente sem precisar virar o mundo e a bolsa de valores de ponta cabeça com seus ca-prichos. O Mestre manteve a Irmã Gyanamata viva por mais de vinte anos por meio de sua Vontade. Certa vez, ela caiu e quebrou o dedo. O Mestre queria que ela fosse ao médico tirar um raio-x, mas ela replicou: “O senhor é o meu único médico”. Na manhã seguinte, ela nos contou que durante a noite sentiu seu dedo sendo puxado e ajeitado no devido lugar. O Mestre insistiu para que ela tirasse um raio-x, de modo que não houvesse críticas dos parentes dela. Não havia qualquer sinal de fratura. Foi uma cura completa e instantânea. O Mestre sempre foi cauteloso quando a esses assuntos, pois a clas-se médica teria o maior prazer em processar um suposto curandeiro espiritual. Os mil e um resultados dos poderes de cura do Mestre são por demais numerosos para se escrever ou mesmo lembrar. É nu-

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ma hora como esta que eu gostaria de ter mantido um registro das maravilhosas curas que o Mestre realizou por meio do poder oniabrangente de Deus. O amor do Mestre

Deus ocupava o primeiro, o segundo e todos os lugares no coração do Mestre, e seu único filho era a obra da SRF. Quanto aos discípulos passados, presentes e futuros, o seu primeiro cuidado era levá-los tão longe quanto desejavam ir, e alguns até mais além, mesmo que não quisessem. A bondade do Mes-tre estava sempre alerta e vigilante para nos corrigir e trazer toda a nossa atenção de volta para Deus. A única vez que demonstrava insatisfação era quando agíamos de maneira contrária ao ideal que ele estabelecera para cada um de nós. Uma vez, quando fiz algo que o desapontou, eu disse: “O senhor deve me odiar por isso”. Ele respondeu: “Eu não odeio você, odeio suas ações”. Ele separava a ação da alma que a praticou, pois costumava nos dizer que os maus hábitos são apenas enxertos feitos em nossa árvore de perfeição, e se repetimos essas ações os enxertos crescem e dão frutos, mas se não deixamos o enxerto criar raízes, o ramo seca e termina caindo. Ele não queria que repetíssemos nossos erros. É por isso que era tão exigente conosco, que lhe demos o direito de agir assim. Com aqueles que julgava não serem capazes de aceitar sua disciplina, suas correções eram menos severas. Ajudando os outros

Ele costumava dizer para todos na casa: “Quando vocês todos estão dormindo, vou mentalmente até o quarto de cada um e vejo como está seu subconsciente e os ajudo. Conheço a mente de cada um de vocês. Eu sinto o pensamento e as reações de todos. Conheço seus humores e os motivos deles. Al-guns eu consigo corrigir, mas há aqueles que não me permitem. Aqueles que querem, recebem. Aque-les que não, me expulsam. É por isso que só posso levá-los até o ponto aonde vocês mesmos desejam ir. A disposição da alma é que faz a diferença. Vocês podem imaginar que estão com vontade, mas no primeiro revés que acontecer, a boa vontade foge pela janela da mente.” O Mestre detestava o mau humor acima de qualquer outro mau hábito. Ele costumava dizer: “Sinto-me recompensado quando vejo que vocês estão fazendo um esforço para mudar e estão sinceramente arrependidos de suas más ações”. Mesmo quando dizíamos estar arrependidos, ele conseguia perceber se o remorso era sincero ou apenas da boca para fora. Se fosse esse o caso, ele dizia: “Então você acha que dizer ‘sinto muito’ é suficiente para o meu perdão. Não é! O remorso deve brotar do coração e influenciar o comporta-mento, então poderei saber que você fala sério e não está proferindo somente palavras vazias. Só en-tão eu perdoarei; enquanto isso, não.” Mas o nosso Mestre nos perdoava, mesmo que não merecêsse-mos, pois ele era como uma verdadeira mãe. Quando agia com a razão e severidade, era como se fosse um pai. Ele sempre foi o mais confiável amigo e o Guru, quando a correção espiritual e a disciplina eram necessárias. As palmadas psicológicas que nos deu foram nossas maiores bênçãos. Ele era como uma mãe, sempre carinhoso, recompensando-nos com uma palavra gentil ou elogio, mas ainda assim as palmadas psicológicas e espirituais foram nossas maiores bênçãos, pois despertavam em nós a dis-posição e a determinação para consertar nossas atitudes, de maneira que pudéssemos obter nosso di-reito de nascença: Deus. O Mestre amava a todos os filhos de Deus da mesma maneira, muito embora a expressão desse amor fosse expressa de maneiras distintas, pois, segundo ele dizia: “Cada um de vo-cês é como os dedos da minha mão. Cada um tem uma força particular para realizar suas tarefas indi-viduais, mas todos são igualmente importantes para tornar a mão completa.” Nós éramos como seus filhos e, como um pai ou mãe, o disciplinador nele estava constantemente nos vigiando em seus cui-dados, protegendo nosso comportamento e nos ensinando a ouvir a intuição. Às vezes ele nos pedia alguma coisa específica, mas a chamava por outro nome, sem relação ao que queria, apenas para ver se nós intuitivamente recebíamos seu pensamento. Era assim que ele desenvolvia nossa intuição. Quando não nos concentrávamos naquilo que estávamos fazendo, ele dizia: “Se você colocar toda a sua aten-ção no que estiver fazendo levará menos tempo para ficar pronto”. Ou, se disséssemos: “Eu não sei fazer isso, senhor”, ele respondia: “Comece a fazer que eu trabalharei através de seu corpo e de sua

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mente”. O Mestre não aceitava um “não” como resposta se sentisse que deveríamos fazer um esforço maior.

O Mestre costumava nos manter ocupados o tempo inteiro. Não importa quantas pessoas o esta-vam rodeando, ele sempre dava um jeito de manter a todos ocupados. Um dia, perguntei: “Senhor, quando seremos capazes de ficar sossegados o tempo suficiente para desfrutar de Deus?” Ele não res-pondeu. Agora sabemos que tantas atividades tinham como objetivo criar em nós uma vida equilibra-da.

O Mestre raramente respondia nossas dúvidas sobre questões espirituais. Elas eram, entretanto, respondidas quando ele dava uma palestra, ou então ele respondia mentalmente, treinando-nos para receber a resposta intuitivamente, sem precisar da palavra exterior, mas do nosso íntimo. Algumas ve-zes ele respondia em sonho, ou testava nossas tendências internas por meio de sonhos. Por exemplo, se quisesse saber se algum discípulo já tinha superado a raiva, ele o fazia sonhar com isso, obrigando o eu interior a reagir ao sonho. Se a pessoa respondesse com raiva no sonho, então não a havia supera-do, mas se mantivesse a calma, ele sabia então que a raiva não estava mais presente na mente subcons-ciente, pois a pessoa se tornava consciente de sua própria reação no sonho, de maneira que também ela reconheceria se havia superado ou não.

Era e ainda é uma boa coisa que o amor do Mestre seja incondicional, suportando e observando nossas falhas e sendo capaz de perdoar e esquecer. Ele era como uma mãe: não importa o que a crian-ça fez consciente e inconscientemente, a mãe corrige e perdoa, pois sabe que a criança não tem enten-dimento e espera que a lição ensinada seja suficiente para que não repita os mesmos erros. Ele queria esse mesmo amor incondicional vindo de nós. Queria o nosso amor, independentemente de sua rígida disciplina para conosco, ou de suas demonstrações de atitudes humanas ou divinas, erros ou acertos, riqueza ou pobreza, quer nos corrigisse ou nos recompensasse. Não que ele precisasse de nosso amor incondicional para ser salvo, mas porque poderia nos levar mais longe se o amor prevalecesse. Com Rajasi, porém, ele só demonstrava amor, sem a disciplina externa. Rajasi recebia sua disciplina de ou-tras maneiras, pois o Mestre só conseguia expressar amor por Rajasi. O Mestre disse que um mestre normalmente traz consigo seus discípulos mais próximos, sempre que se encarna novamente para aju-dar o mundo. Certa vez, quando lhe disse que não gostaria de voltar à terra novamente, ele abaixou os olhos e disse: “Você não quer voltar para me ajudar?” O que mais pude dizer se não consentir?

O Mestre nutria um amor profundo por Dhirananda, um discípulo que treinara na Índia e trouxe-ra a este país para ajudá-lo no trabalho da SRF. Em 1925, quando o Mestre adquiriu a Sede Central, colocou Dhirananda na direção do lugar. No verão de 1929, o Mestre ficou profundamente magoado quando Dhirananda, a quem amava com tanto carinho, virou as costas para seu amor e abandonou tudo para casar-se. O Mestre viajou para o México para esquecer o episódio, e pensamos que jamais voltaria, mas o Senhor cicatrizou o coração ferido do Mestre. Nessa ocasião, ele compôs o cântico My Lord, I Will Be Thine Always (“Meu Deus, Serei para Sempre Teu”). Ele então voltou para assumir a direção da Sede Central, e dizia com freqüência que foi o Senhor que o trouxe de volta, pois Deus ti-nha um pequenino escondido em Kansas City, na forma de Rajasi Janakananda, para o Mestre amar um milhão de vezes mais do que poderia amar Dhirananda. Alguém que jamais o desapontara, em a-ção, palavra ou pensamento, alguém para o qual ele podia expressar externamente o seu amor e rece-ber esse mesmo amor de volta. Embora o Mestre tenha dito que jamais abandonaria mentalmente a Dhirananda, assim como Jesus teve o seu Judas, também o Mestre teve dois, um em Dhirananda e o outro em Nerode; mas ele também disse que seus discípulos fiéis compensavam todos os judas que o Senhor pudesse mandar para testá-lo. Era tão doce ver o amor que o Mestre tinha por Rajasi! Era um amor mais doce e mais terno do que qualquer pai ou mãe poderia ter por seu filho. Os dois se abraça-vam e saudavam um ao outro todas as vezes, como se fosse o primeiro encontro deles. O Mestre cos-tumava esfregar o peito de Rajasi na altura do coração. Quando Rajasi fazia algo pela obra da SRF que agradava ao Mestre, ele massageava o peito de Rajasi mais rápido e por longos períodos. Com os o-lhos fechados, Rajasi se derretia no carinho amoroso do Mestre. Essa amizade divina brotava da for-

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ma mais pura possível. Eles caminhavam de mãos dadas, conversavam, riam ou debatiam assuntos espirituais.

A natureza sensível e amorosa do Mestre percebia muito antes de nós mesmos quando havia algo físico ou mental nos perturbando. Perguntei ao Mestre: “O senhor nos diz que devemos ajudar as al-mas a encontrar Deus, mas como é que esse meu trabalho de folhear a moldura das janelas de doura-do as ajudará?” Ele respondeu: “As almas serão atraídas pelo lindo brilho das janelas como a mariposa pela chama, e terão o desejo de entrar na igreja. Lá, dentro das paredes de beleza exterior, encontrarão reinando a beleza interna de Deus. Um dia, você saberá o que quero dizer.” Desde 1942, em inúmeras ocasiões, ouvi os membros dizerem que foram atraídos primeiramente pelo brilho e singularidade da igreja e não resistiram em dar uma olhada. Depois se converteram e alguns foram curados no corpo, na mente e na alma. Isso serve para provar que não é preciso dar sermões ou pregar diretamente às pessoas para ajudá-las. Cada ação pura e altruísta realizada será reconhecida por Deus e o Guru, e vo-cê colherá os resultados apropriados. O amor de nosso Mestre em expressar a beleza em tudo o que fazia era apenas para atrair almas para a chama eterna de Deus.

Sempre senti, mesmo quando meu corpo estava muito debilitado, que toda vez que chegava perto da presença do Mestre a fadiga deixava meu corpo. Ele sempre dizia: “Aqueles que ficam a meu redor jamais podem ficar doentes, pois minhas vibrações que provém de Deus não permitem”. É claro que, em anos posteriores, sofremos muitas coisas, porque nossa pesada carga finalmente nos alcançou.

Gostaria agora de citar alguns trechos que o Mestre escreveu a Rajasi acerca de si mesmo. Se você ler o resto das citações deste livro a respeito de seus esforços pessoais para o bem da organização, as-sim como de seu próprio sofrimento e, acima de tudo, de suas maravilhosas experiências espirituais, descobrirá a verdadeira alma por debaixo da aparência externa.

13 DE MAIO DE 1937 – Orei pela moribunda Irmã Radharani, na Índia, mas pouca resposta recebi do Pai. Quem sabe melhor do que Ele sobre os desígnios das vidas humanas? Entretanto, estou orando muito. Sempre que rezo, sinto em meu corpo algumas reverberações dos problemas dela. Entretanto, Deus faz o que é melhor para cada um, e fará o melhor para ela.

Leia também as cartas datadas de 25 de maio a 15 de junho de 1937, para saber mais sobre os so-

frimentos dele e por quê.

12 DE MAIO DE 1941 – Estou com você e com a SRF, e darei meu sangue para a felicidade de todos. 23 DE JULHO DE 1942 – Com meu mais profundo e inexprimível amor para você, meu queridíssimo e amantíssimo, o mais cavalheiro, o maior e mais amável amigo na terra, por quem posso suportar to-das as crucificações deste mundo, tais como: l – a morte de minha mãe, 2 – deixar o Mestre na Índia e a morte dele; 3 – A traição de Dhirananda e minha crucificação em Miami; 4 – A traição de Nerode; 5 – O primeiro deslizamento de terra e o grande desastre do sonho de meu coração, o templo Golden Lotus de todas as religiões. Veja só, você esteve presente nessas minhas duas últimas agonias: Deus o manteve ali, pois ninguém me poderia consolar a não ser você. Meu amado – para quem escrevi mi-nhas palavras mais carinhosas, embora fúteis, pois nada pode expressar o que sinto – por favor, peça-me, ponha-me à prova se desejar, não há sacrifício algum que eu não possa fazer se for para ajudá-lo, pois até mesmo a minha vida está disponível para a sua salvação. 29 DE SETEMBRO DE 1943 – Fico triste quando não o vejo por longo tempo, e medos bobos invadem meu coração. Esse é o último laço que me prende à terra, e ele serve parcialmente para estabelecer em bases sólidas o trabalho de Deus para ajudar os outros. 22 DE ABRIL DE 1944 – Eu não rezo para mim mesmo, pois seria duvidar da Mãe Divina. Meu único desejo pela preservação do corpo é para poder ter a alegria de meditar com você, servir a SRF e estar com alguns devotos.

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22 DE AGOSTO DE 1945 – Até mesmo Jesus teve seu Judas, e esta humilde criatura também teve o seu, nas pessoas de Dhirananda e Nerode. Eu testo a cada um antes de dar meu amor, mas mesmo assim Satã tenta distorcer e me enviar problemas. Entretanto, nunca precisei testar você, desde o iní-cio nossas almas se prenderam uma à outra em Deus. 11 DE NOVEMBRO DE 1945 – Eu tenho acompanhado almas aflitas quando elas partem, no final desta vida terrena. Mas a sua jornada será reta e aplainada, e eu busco tomar para mim todas as suas dificul-dades, pois tenho que enfrentar muitas coisas ainda, antes de passar no teste final. Estou plenamente preparado, considero a vida e a morte apenas sonhos, e eu e o Eterno Espírito de alegria somos um. 8 DE MARÇO DE 1946 – Dei meu corpo a Deus; se o corpo estiver doente e Deus me mandar aceitar ajuda física eu o farei, se não, morro Nele para viver eternamente. 21 DE MARÇO DE 1946 – Tem sido um teste terrível para mim, pois sempre senti que não gostaria de viver sem você; sempre desejei partir antes. Eu matei Yogananda há muito tempo. Deixo que Deus guie minha vida e só posso responder algo que me perguntam se o Divino permitir. Se eu forçasse al-guma coisa, Deus não agiria através de mim. 16 DE OUTUBRO DE 1946 – Deus me deu muita responsabilidade por você, especialmente no último capítulo de minha vida. 9 DE OUTUBRO DE 1951 – Eu imaginei a mim e – Deus não permita – a você longe desta terra, ob-servando o que o Conselho de Diretores da SRF estaria fazendo e como levaria adiante o trabalho. Eu praticamente já terminei meu trabalho espiritual. 8-28 DE NOVEMBRO DE 1951 – Estou tentando dar parte da minha vida para prolongar a sua.

O sofrimento do Mestre pelos outros

Um dia, perguntei ao Mestre: “Senhor, li num artigo sobre Teresa Neümann que ela sofria no próprio corpo os maus hábitos dos padres, etc. Alguns dias, seu hálito e odores do corpo cheiravam a cigarro ou bebida, embora ela não tivesse consumido nenhum dos dois. Poderia me explicar isso?” Sua res-posta foi: “Aqueles que ajudam outras almas não apenas assumem suas doenças físicas mas, também, seus hábitos, como comer em excesso, beber, ter ciúmes, raiva, cobiça e todas as outras tendências psicológicas. Algumas vezes, aquele que cura deve encenar aquelas tendências particulares em seus próprios corpos ou em suas ações.” O Mestre deixou implícito que cada discípulo sucessivo que veio até ele tinha hábitos diferentes e, para que pudesse ajudá-lo a quebrar aquele vício, ele costumava agir como um amortecedor, assumindo sobre si as conseqüências das ações ou das doenças, etc.

Mesmo quando ele nos repreendia e exibia grande ira ou ansiedade, se olhássemos direto em seus olhos, podíamos ver um pequeno indício de sorriso no canto dos olhos. E, se conseguíssemos olhar por tempo suficiente e sorrir durante a repreensão, podíamos ver os cantos de sua boca se erguerem e ele não conseguia disfarçar o sorriso, pois nunca ficava interiormente com raiva. Era apenas uma en-cenação para nos ensinar uma lição ou nos corrigir. Ele só tinha alegria e bem-aventurança dentro de si. Em seu coração só havia preocupação por nós, e seu maior interesse era que encontrássemos a Deus e nos mantivéssemos no caminho reto e estreito e, para isso, nos observava carinhosamente. Agradeço a Deus que ele assim o fez. Nem sei o que seria de nós se não fosse sua enorme paciência, tolerância e perdão.

Nosso amado Mestre foi criticado algumas vezes por suas ações. Aqueles que o criticavam nem podiam imaginar que estavam falando mal de suas próprias más condutas, que o Mestre assumira para si. O Mestre não tinha qualquer mau hábito próprio. Se cometesse um deslize, era alguma de nossas próprias faltas que ele estava encenando, pois tínhamos muitas. Que Mestre Crístico nós tínhamos, que amava seus filhos espirituais ao ponto de sacrificar o próprio corpo, por nossa causa, na cruz do sofrimento. Que possamos sempre nos recordar disso e jamais repetir nossos pecados novamente, por

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amor àquele que tanto nos amou, pois nosso amado Mestre sofreu intensamente por nossos pecados do passado, do presente e do futuro. Vou relatar alguns episódios de pessoas cujo carma ele assumiu. Em 1931, uma mulher fez um comentário maldoso sobre o rapaz que servia o Mestre como motoris-ta. Ela insinuou que a face cheia de espinhas do rapaz era resultado de uma doença venérea. O Mestre defendeu o rapaz, dizendo: “Não é nada disso, amanhã o rosto dele estará limpo”. Na manhã seguinte, o rosto do rapaz estava limpo de todas as espinhas e não havia traço algum delas. O Mestre contraiu para si todas aquelas espinhas na forma de um único sinal em seu tornozelo. Ele ainda tinha aquele sinal em 1950, depois desapareceu completamente.

O Mestre nos contou que uma de suas irmãs de sangue ficou paralítica do quadril para baixo e jamais andaria novamente. Enquanto estava na Índia em 1935, o Senhor lhe disse o que fazer para a-judar sua irmã. O Mestre disse a ela o que aconteceria se fosse a um determinado lugar, instruindo-a assim: “Se você puder, com a ajuda de outros, ficar de pé sobre suas pernas inertes e caminhar cerca de uma milha até esse santuário de peregrinação, suas pernas ficarão curadas”. Com toda a força de vontade que conseguiu reunir, gemendo de dor a cada passo, ela finalmente chegou ao santuário e su-as pernas ficaram boas, mas, é claro, não sem que o preço fosse pago pelas pernas de nosso amado Mestre. Ele começou a sofrer com elas na Índia e até o fim de seus dias, mais intensamente em algu-mas ocasiões do que em outras, porém invariavelmente doloroso. Ele nunca reclamou, embora sentis-se a dor agudamente. Ele ironicamente chamava suas pernas de pneus velhos. Não sabíamos de quem ele havia assumido esse carma, até o dia em que eu estava sozinha com ele. Ele estava falando sobre o sofrimento de sua irmã terrena com as pernas. Exclamei: “Agora sei por quem o senhor está sofrendo com suas pernas. É o infortúnio de sua irmã que o senhor assumiu.” Ele acanhadamente respondeu: “Bem, isso a ajudou”. A Sra. Lewis tinha o coração dilatado e por muitos anos sofreu com isso. Per-guntei diretamente ao Mestre se ele havia assumido para si o problema cardíaco da Sra. Lewis, e ele, encabulado, respondeu que sim com a cabeça.

O Mestre nunca dizia de qual pessoa ele estava carregando o sofrimento sobre si mesmo e apenas nessas poucas ocasiões, quando questionado, chegou a admitir que o fazia. E eu sei que cada um de seus discípulos tínhamos uma grande parcela de mau carma que ele levou sobre os próprios ombros. Uma prova disso foi quando ele falou: “Estou sofrendo para que vocês todos não sofram”. Se ele ti-vesse uma entrevista agendada para a tarde ou a noite, mesmo que estivesse com dores durante o dia todo, levantava-se de sua cama de espinhos, vestia-se e nos fazia levá-lo até a sala da entrevista antes que a pessoa entrasse. Quando ela entrava, a face do Mestre não demonstrava qualquer sinal de sofri-mento e ele ficava horas sentado, conversando, rindo e ajudando aquela alma. Aquela pessoa que con-versava com o abençoado Mestre jamais poderia suspeitar que ele havia sofrido dia e noite, ou que suas pernas estavam duas vezes mais inchadas do que o normal, e que ele fora obrigado a forçar o pé para entrar no sapato, a fim de poder comparecer à entrevista.

Algumas vezes, quando suas pernas doíam intensamente, ele nos fazia tocar seus discos indianos. Eram canções em bengali ou sânscrito. Havia várias das quais ele especialmente gostava. Ele repetia aquelas músicas diversas vezes durante a noite, freqüentemente até altas horas. A cada vez que tocava, parecia que gostava mais do que antes. Às diferentes palavras da música, ele fazia gestos com os bra-ços como se estivesse oferecendo flores aos Pés do Senhor, e sua face se iluminava e ele dizia com júbilo: “Ah!” Podia-se perceber a alegria do contato com o Senhor em seu rosto meigo e seus olhos amorosos. O sofrimento deixava de ser visível e ninguém conseguia notar qualquer sinal de dor. Quando a carga ficou pesada demais para seu sagrado corpo, a Mãe Divina a retirou, e o Mestre se foi para a etérea dimensão do mundo astral. Os olhos do Mestre

Gostaria de terminar meu livro descrevendo os olhos de nosso amado Guruji, pois eles eram verdadei-ramente as janelas de sua alma. A testa do Mestre era larga e bem desenhada, com sobrancelhas perfei-tamente arqueadas que emolduravam um belo nariz e dois olhos de lótus, grandes, escuros e expressi-vos, que mudavam de expressão de acordo com os diferentes estados de espírito ou papéis que ele

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representava em cada momento particular. Olhos de travessura quando ele brincava, de fogo quando se tornava um disciplinador, de razão quando assumia o papel de pai; de ternura quando o de mãe, de tristeza e lágrimas quando solidário; de sabedoria quando ensinava; e distante quando sua mente esta-va além deste planeta. Olhos que curavam magneticamente o corpo da doença, a mente dos entraves psicológicos e a alma da ignorância. Olhos que podiam ver até mesmo o que nossas palavras não con-seguiam dizer. Olhos que iam além do físico e penetravam a mente e a alma, para enxergar o que nós próprios não sabíamos acerca de nós mesmos. Olhos que faiscavam com Força de Vontade quando ele se concentrava no progresso da SRF. Olhos que enxergavam o belo em toda a natureza. Olhos que estavam sempre atentos às almas que Deus queria que ele ajudasse. Olhos que podiam ver o lado mais negro de nossa natureza, mas se recusavam a vê-lo, preferindo concentrar-se em nossas boas qualida-des. Olhos de determinação que podiam superar qualquer obstáculo. Olhos que cuspiam fogo para secar o dilúvio da ilusão e incendiar o deserto da alma. E, acima de tudo, olhos que só tinham a aten-ção e o amor voltados para seu único Pai, Mãe, Amado Deus. Citação final

Vou citar um trecho de uma carta do Mestre a Rajasi a respeito de suas vidas juntos, aqui e no grande além.

7 DE AGOSTO DE 1938 – Abençoado e Amado Pequenino. Como uma neblina de fogo, nós nos espalharemos através do coração da vida e da morte, de relâmpagos e trovões, desastres, saúde e toda as dualidades. Nossa pele cósmica será o céu, com os poros brilhantes das estrelas. Usaremos a Via Láctea como uma guirlanda e correremos pelo infinito sem colidirmos com nada. Sem medo de afogamentos, males, acidentes, pobreza e doenças, a chama de nossas almas correrá como um turbilhão até a Eterna Onipresença, sempre a se expandir. Então faremos da chama de nossas almas um ponto de luz e passaremos despercebidos pelos poros dos átomos; a terra, o oceano e as árvores, tudo isso serão luzes tremeluzindo diante de nossa luz, todos consumidos em nossa luz, brotando de nossa luz, morrendo e respirando em nós, pois seremos o feixe de luz da Criação emanando da cabine de projeção, que é coração de Deus, e exibindo para todos o filme do Cosmos. Enquanto escrevo, vejo tudo isso, todos os nossos pequenos problemas momentâneos já estão resolvidos. Isso é Maya. O sublime deve ser obtido e a nobre atitude de conservar a consciência inalterada precisa ser mantida e conquistada, em meio ao redemoinho dos problemas oníricos da terra. O sonho será um sonho para você, bastando que sintonize sua consciência com Aquele que, com a ajuda de Deus, percebeu que tudo isso é um sonho. Domine sua vontade e tenha coragem, destrua este sonho com o sopro do seu despertar, e as mãos de Deus e dos gurus o estarão erguendo para a esfera Eternamente jubilosa, a esfera em que os sonhos não existem. Paramhansa Yogananda

Eu me curvo ao Eu Onipresente de nosso Guruji

Irmã Ma Durga (Sri Durga Mata)

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Paramhansa Yogananda em frente ao Golden Lotus Temple,

Encinitas, Califórnia, 1940.

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Página Musical

MELT ME IN ECSTASY

Letra e música de Sri Durga Mata Babaji, come to me! Babaji, come to me! Melt Thou my spine in Thee evermore. Come to me, Babaji, come to me. Babaji, come to me! Babaji, oh! give me That majic spark from Thee evermore. Come to me, oh! give me samadhi. Oh! melt me in ecstasy. Oh! melt me in ecstasy. Lahiri Mahsayji, Lahiri Mahsayji! Melt Thou my heart in Thee evermore. Lahiri Mahsayji, come to me! Lahiri Mahsayji, Come to me, oh! give me That majic spark from Thee evermore. Come to me, oh! give me samadhi. Oh! melt me in ecstasy. Oh! melt me in ecstasy. Sri Yukteswarji, Sri Yukteswarji! Melt Thou my mind in Thee evermore. Come to me, Sri Yukteswarji! Sri Yukteswarji, Come to me, oh! give me That majic spark from Thee evermore. Come to me, oh! give me samadhi. Oh! melt me in ecstasy. Oh! melt me in ecstasy. Gurudev, come to me! Gurudev, come to me! Melt Thou my all in Thee evermore. Gurudev, Gurudev, come to me! Gurudev, come to me! Gurudev, oh! give me That majic spark from Thee evermore. Come to me, oh! give me samadhi. Oh! melt me in ecstasy. Oh! melt me in ecstasy.

* * *

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LORD, DANCE WITH ME

Letra e música de Sri Durga Mata My Lord, I love Thee evermore. My Lord, come dance with me. My Lord, dance with me throughout eternity.

* * *

MASTER, COME TO ME

Letra e música de Sri Durga Mata Beloved Master, come unto me. Leave not my sight for I love Thee.

* * *

CHANT TO THE MASTERS

Letra e música de Sri Durga Mata Oh, great Babaji, Lahiri Mahsayaji, Master Sri Yukteswarji, And my Guruji. Take possession of my body, Take possession of my heart, Take possession of my mind, Take possession of my soul. Make my body omnipresent, Fill my heart with divine love, Let my thoughts reflect Thy wisdom, Let my soul shine with Thy light.

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Book description and ordering:

•Title: A Paramhansa Yogananda’s Trilogy of Divine Love •Author: Sri Durga Mata •Publisher: Joan Wight Publications, Beverly Hills, California •Hardcover, 210 pgs., including 13 pgs. illust. and 4 pgs. of music by Sri Durga

Ma. •First Printing in 1992/1993. •Sections: My Life and Service to My Guru, Biography of Saint Lynn: Spiritual

Millionaire, Reflections of My Guru Paramhansa Yogananda. The costs is $23.95 plus the shipping charge. Shipping charge Within the US $2.00 International (Surface only) $4.00 Within the US, checks are acceptable. For international orders, please send a money order or bank draft in US dollars. Checks should be made out to Joan Wight. Send book orders to:

Joan Wight Post Office Box 17582-I Beverly Hills, California 90209

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