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Relatorio medico sobre saúdo em Açailândia
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
CENTRO DE REFERÊNCIA EM DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS
NÚCLEO DE ESTUDOS EM MEDICINA TROPICAL DA PRÉ-AMAZÕNIA
Praça Madre Deus, 2 Térreo, Bairro Madre Deus – São Luís-Maranhão
Cep:65.560 Tel:(98)3221-0270 Email:[email protected]
OFICIO Nº 172/2011-DPEMA/AÇAILÂNDIA/SOLICITAÇÃO
ORIGEM: CLARICE VIANA BINDA
(DEFENSORA PÚBLICA ESTADUAL)
ASSUNTO: “PARECER MÉDICO ACERCA DOS PROBLEMAS DE SAÚDE QUE AFETEM A
POPULAÇÃO DO POVOADO DO PEQUIÁ NO MUNICÍPIO DE AÇAILÂNDIA-MA”.
PARTE INTRODUTÓRIA
Em abril de 2011 a equipe do Centro de Referência em Doenças Infecciosas e
Parasitárias recebeu em suas dependências, em São Luís, a visita dos párocos Antonio
Soffientin, Dario Bossi e Policarpo Tchangi, da Paróquia São José, em Pequiá, município de
Açailândia. Anteriormente, o Dr. Antonio Rafael da Silva Júnior, Vice-Presidente da
Comissão dos Direitos Humanos da OAB, havia pedido para nossa equipe receber a Comissão
acima referida, pois se tratava de assunto na esfera dos direitos humanos.
Como resultado da reunião ficou acertado uma visita da equipe a Piquiá para proceder
um estudo sobre as condições de saúde dos moradores do povoado, uma vez que as famílias
que lá residem acusam problemas de saúde, “muito provavelmente ligada ao contato
permanente com os resíduos da Indústria de Ferro Gusa, expelida pelas chaminés das fábricas,
bem como outras substâncias lançadas em seus arredores”, segundo conteúdo de relatórios.
A equipe formada por Antonio Rafael da Silva, Eloisa da Graça do Rosário Gonçalves
e Gisele Maria Campelo dos Santos (Centro de Referências em Doenças Infecciosas e
Parasitárias da Universidade Federal do Maranhão), João Souza dos Santos e Irandir Mendes
Alves (Núcleo de Estudos em Medicina Tropical da Pré-Amazônia), chegou a Açailândia no
dia 1º de junho, lá permanecendo nos dias 2 e 3.
No Quadro I está exposto o Plano de Trabalho elaborado após as discussões e
apresentado aos presentes na reunião realizada no dia 1º de junho com a presença dos padres
da paróquia de São José, Clarice Viana Binda (Defensora Pública), Danilo D’Addio
Chammas (Assessor Jurídico da ONG Justiça nos Trilhos), Edvar Dantas Cárdia, José Albina
dos Santos e Wiliam Pereira (lideres do Piquiá).
No dia 2 de junho recebemos correspondência da Exma. Defensora Pública, através do
Of. 172/2011-DPEMA/ACAILÂNDIA, solicitando “Parecer médico acerca dos problemas de
saúde que afetem a população do povoado do Pequiá no município de Açailândia-MA”.
Quadro I – Plano de atividades utilizado para a avaliação de saúde da população do povoado
do Pequiá-Acailândia, Maranhão – jun. 2011.
DIA MANHÃ TARDE NOITE
01 de Junho
Partida de São Luís Chegada ao Município de Açailandia
Reunião e Apresentação da Equipe
02 de Junho
Triagem e entrevista com famílias dos blocos I, II e III
Consulta Médica: Pacientes triados dos blocos I e II
Jantar
03 de Junho
Consulta Médica: Pacientes triados no bloco III
Consolidação dos Dados; Reunião geral para exposição dos dados preliminares
Retorno
No decorrer da primeira reunião os presentes, comandados pelos padres e líderes de
Piquiá, fizeram a distribuição de tarefas, ficando encarregados de apresentar nossa equipe aos
seus moradores.
Na manhã do dia 2 de junho, cada um dos integrantes da UFMA, acompanhado de um
membro da comunidade, visitou os domicílios do povoado de Piquiá de Baixo, com vistas a
responder o que foi pedido pela Defensora Pública de Açailândia.
O estudo foi feito em visitas domiciliares, a partir de amostragem aleatória sistemática
da população, tendo como unidade de estudo a família. A distribuição dos domicílios
sorteados foi feita de modo a contemplar todos os setores e segmentos da comunidade,
distribuídos em blocos I, II e III, a fim de obter-se amostra representativa da população geral.
Quando numa casa sorteada não havia moradores, passava-se a outra vizinha. Em cada casa
foi entrevistado um morador, seguindo os critérios seguintes: ser adulto, pai, mãe ou
responsável pelo domicílio.
Em cada domicílio visitado eram indicadas pessoas para serem examinadas,
posteriormente, no salão paroquial da Igreja pelos médicos da equipe.
Após a entrevista com moradores, os integrantes do Núcleo de Estudos em Medicina
Tropical visitavam as casas para conhecer as dependências, as áreas livres, estado de
conservação e instalações sanitárias.
PARTE EXPOSITIVA (SITUAÇÃO DE SAÚDE DO POVOADO DE PIQUIÁ)
Piquiá de Baixo é um povoado do município de Açailândia, com casas distribuídas em
ruas de pisos de terra e areia, irregulares, exibindo trechos planos e trechos com escavações,
situadas à esquerda e à direita da rodovia 222. O aspecto geral das casas guarda certa limpeza
e, à vista geral, são tratadas com cuidado pelos moradores.
Devido tratar-se de dia útil da semana, uma parte das casas estava desabitada, outra
não possuía uma pessoa com características de responder as perguntas conforme estabeleceu a
equipe (ser adulto, pai, mãe ou responsável pelo domicílio). Da visita ao Povoado constou
uma passagem pelo Posto de Saúde, fechado há algum tempo. A população, que necessita de
cuidados à saúde, segundo informações, é atendida apenas uma vez por semana no Centro de
Saúde de Piquiá de Cima.
Para melhor compreensão do que foi o trabalho, seus resultados serão apresentados na
sequência em que foram desenvolvidos: Visita aos domicílios, Entrevista com as famílias,
Exame clínico dos pacientes, Parte Conclusiva, Parecer e de Bibliografia consultada
seguindo-se de anexos.
Visita aos domicílios
O estudo abrangeu 55% dos domicílios com moradores presentes no momento da
visita, ou seja, 90 famílias, onde residiam 409 pessoas, sendo 212 mulheres e 197 homens
(52% e 48%, respectivamente).
As casas, minuciosamente avaliadas pela equipe, apresentavam-se: 60% com aspecto
regular, 20% bom e 20% precário. Como característica comum, todas possuíam instalações
elétricas e 66,6% possuíam água encanada; a outra parte era servida por poços artesanais;
53,3% das casas possuíam instalações sanitárias (existência de banheiro com pia, chuveiro,
vaso sanitário) e todas as casas tinham algum lugar para recolhimento do lixo.
Obervando-se o aspecto da casa e seus arredores, constatou-se que significativo
número de domicílios examinados estavam cobertos de uma matéria enegrecida, podendo-se
destacar que havia partículas maiores e mais pesadas que se misturavam a outras com
características de pó aderida aos telhados e plantas (Anexo V), nos móveis, nos pisos e
depositadas nas plantas ornamentais ao redor das casas (Anexo VI). No decorrer das
consultas na parte referente a “Histórico da Doença Atual” nossa equipe ouviu muitos relatos
que repetiam outras queixas. Exemplos: “eu tenho filhos que se queixam de dor na face - o
médico disse que é sinusite; outro tem dor de garganta e se queixa de irritação na vista”. “Eu
sou vendedor e levo vida saudável; de uns tempos para cá tenho problemas de visão e às vezes
não consigo abrir os olhos”. “Fui ao médico levar minha criança que estava com falta de ar e
ele disse que gente grande sofre com a fuligem imagine uma criança”. “Passo boa parte do
meu tempo socorrendo meus meninos com falta de ar”.
Perguntado aos moradores a origem daquele material, respondiam: “é a fuligem da
indústria” e apontavam para as chaminés que expeliam fumaça de cor negro-acizentada.
Numa das casas visitadas, forrada de lona, igual a outras vistas no povoado, perguntamos ao
entrevistado.
- Por que algumas casas são forradas com esse material?
- “Para diminuir a quantidade de fuligem que é abundante”.
- Forrada dessa maneira, evita o depósito da fuligem?
- “Apenas diminui”
- Como assim? Você pode explicar melhor....?
- “Quer ver”?
E ofereceu uma colher e um vasilhame a um membro da nossa equipe (ARS) que
subiu numa escada até o forro e de lá recolheu um farto material de cor negra, formado por
grãos maiores misturados com pó (Anexo I e VII) o mesmo encontrado no piso e nos móveis
das casas anteriormente visitadas .
Não raro, éramos surpreendidos cor afirmações de que aquele material “é muito mais
abundante no verão”, diferente do momento atual que é chuvoso; e a de que as alterações
“respiratórias” e a “alergia” que várias pessoas do local (inclusive crianças), padecem, é mais
severa.
Entrevistas com as famílias
Após a apresentação ao entrevistado, este reunia a família ao seu redor, passando a
responder as indagações que eram registradas em ficha própria, contendo nome e endereço,
tempo de moradia, atividade da família e ocorrência de agravos à saúde da família (Anexo I1).
As informações sobre o tempo de moradia no Povoado e a atividade profissional estão
registrados no Quadro II.
Quadro II - Tempo de moradia X Atividade da população de Piquiá, Açailândia – jun. 2011
Tempo de moradia (anos)
Número de Famílias
Atividade das Famílias
Do Lar
Vend. Carv. Lavra. Estud. Aposent. Siderurg. Mot. Outros
0 -9 22 14 1 1 2 1 1 2 - -
10 -19 23 12 2 1 1 1 2 - 2 2
20 -29 18 11 2 - 2 2 1 - - -
30 –39 23 12 - - 3 1 2 2 1 2
>40 04 03 - 1 - - - - - -
Total 90 52 5 3 8 5 6 4 3 4
O quadro mostra que 75,5% das famílias moram há mais de 10 anos e 50% mais de 20
anos no lugar; todos têm uma vida profissional bem definida, sendo que 75,5% eram
constituídos por mães de família, com atividades no lar.
O estado geral dos entrevistados era de regular para bom em 86,6% e com sinais de
precariedade em 13,4%, ou seja, indivíduos que manifestavam falta de ar, estavam acamados
ou eram possuidores de alguma doença degenerativa (diabetes, hipertensão arterial, doença de
Parkinson ou doença cardiovascular).
Na sequência, o Quadro III mostra o relato de agravos à saúde ocorrida nas famílias,
ou seja, o estado de saúde de membros da família, apresentado no momento ou no mês
anterior a nossa visita.
Quadro III – Relato de agravos à saúde das famílias de Piquiá, Açailândia – jun. 2011
Ocorrência Situação %
Doença Anterior Sim: 57 63,3 Não: 33
Doença Atual Sim: 37 41,1 Não: 53
Doença Pulmonar Sim: 37 41,1 Não: 53
Doença de Pele Sim: 30 33,3 Não: 60
Chama-se a atenção que 63,3% referiu ter tido alguma doença anteriormente e 41,1%
doença atual. Quanto a manifestações orgânicas, as queixas recaíram sobre os pulmões e a
pele.
Exame clínico
Os pacientes encaminhados para serem examinados nas instalações da Igreja Católica
tiveram seus dados registrados em ficha previamente elaborada (Anexo III).
O estado geral era bom em 81,6% e regular em 18,4% dos examinados. As
manifestações ligadas ao aparelho respiratório (tosse, falta de ar e chiado no peito) foram
queixas encontradas em todas as faixas etárias, inclusive com boa intensidade em menores de
9 anos de idade. Do mesmo modo cefaléia, encontrada em 61,2% dos pacientes (sintoma não
comum em crianças de tenra idade) e manifestações de alergia, acometendo as vias aéreas
superiores e olhos (coriza e lacrimejamento) foram encontradas em 61,2% dos pacientes. O
exame físico dos pacientes constatou as alterações que estão apresentadas no Quadro V,
destacando-se aquelas relacionadas ao aparelho respiratório.
O Quadro IV mostra o conteúdo das respostas dadas pelos pacientes às indagações a
respeito de sua saúde pregressa.
Quadro IV – Manifestações clínicas dos pacientes examinados em Piquiá, Açailândia – jun. 2011
Faixa etária
Sexo Manifestações Clínicas Mas Fem Febre Cefaleia Tosse Falta de ar Chiado
peito Emagre- cimento
Alergias
Ferida Outros*
0 – 9 4 5 3 4 6 6 3 0 1 1 1 10 – 19 2 2 1 3 4 2 1 1 4 0 1 20 – 29 2 6 1 4 3 4 0 2 4 2 3 30 – 39 1 2 1 1 3 1 1 1 3 0 3 40 – 49 1 8 3 7 6 5 2 0 10 2 3 50 – 59 1 5 2 5 3 2 1 0 5 2 1
≥ 60 5 5 3 6 5 5 1 3 3 1 1 Total 16 33 14 30 30 25 9 7 30 8 13
O termo “Outros” descrito na tabela, refere-se a um conjunto de queixas que incluíam:
“rouquidão, asma, cansaço, alergia a fuligem, amigdalite de repetição, coriza, manchas na pele, dor
abdominal, irritação nos olhos, dores no peito e pressão alta”.
Os achados encontrados no decorrer do Exame Físico são mostrados no Quadro V. As
alterações respiratórias, de orofaringe, da pele e dos olhos guardavam em muitos pacientes uma
relação de causa e efeito resultante de contato com substâncias de teor alergênico (irritação
conjuntival, falta de ar e chiado no peito).
Quadro V – Sinais clínicos constatados no exame físico dos pacientes do Povoado de Piquiá,
Açailândia - 2011
Alterações Respiratórias
Orofaringe Alterações Cardiovasculares
Alterações Abdominais
Alterações dos Membros (braços e pernas)
Alterações da pele Olhos
Roncos esparsos Tiragens Sibilos Atrito pleural Murmúrio vesicular rude Murmúrio vesicular reduzido nas bases pulmonares Falta de ar
Hipertrofia de amígdalas Hiperemia de amígdalas Focos purulentos em pilar amigdaliano Hipertrofia de gengivas
Hipertensão arterial
Aumento do volume abdominal Hepatomegalia Esplenomegalia
Edema moderado
Larva migrans Molusco contagioso Descamação na mão Ptiríase versicolor Carcinoma Epidermoide
Irritação conjuntival
No decorrer das consultas na parte referente à “Histórico da Doença Atual” (Anexo
III) nossa equipe ouviu relatos que repetiam outras queixas. Exemplos: “eu tenho filhos que se
queixam de dor na face - o médico disse que é sinusite; outro tem dor de garganta e se queixa
de irritação na vista”. “Eu sou vendedor e levo vida saudável; de uns tempos para cá tenho
problemas de visão e às vezes não consigo abrir os olhos”. “Fui ao médico levar minha
criança que estava com falta de ar e ele disse que gente grande sofre com a fuligem imagine
uma criança”. “Passo boa parte do meu tempo socorrendo meus meninos com falta de ar”.
PARTE CONCLUSIVA
Impacto sobre o meio ambiente sofrido por comunidades que vivem no entorno de
empresas de mineração e siderurgia têm sido motivo de vários estudos encomendados por
movimentos sociais ou mesmo por iniciativa das próprias comunidades afetadas. A pobreza e
a desigualdade, a situação das ruas, as precárias condições de moradias, a falta de saneamento
básico e de condições de atenção à saúde, descritas nos relatórios, contrastam com a situação
de empresas cujo poderio econômico e político as tornam surdas aos reclamos das populações
afetadas em seu patrimônio ambiental, dilapidados aos poucos, até de maneira irreversível, o
que configura uma nítida violação aos direitos do ser humano à saúde, à justiça, ao trabalho, à
vida digna e ao ambiente saudável.
Ao sermos solicitados oficialmente pela Defensora Pública de Açailândia para dar
“Parecer médico acerca dos problemas de saúde que afetem a população do povoado do
Pequiá no município de Açailândia-MA” na qualidade de defensora, por lei, do direito
cidadão, vimo-la como um ente jurídico preocupado não somente com as condições de saúde
mas, principalmente, com a verdade acerca da saúde da população de Piquiá de Baixo -
povoado distante 14 Km de Açailândia, a cidade a qual pertence, situada a oeste do Estado do
Maranhão, na Amazônia Legal, no meio do bioma Pré-Amazônico e que é possuidora de uma
renda “per capita” de R$17.671,52 superior a vários países desenvolvidos do mundo, mas,
inexplicavelmente, acumuladora de índices de desigualdade que tornam seus habitantes ainda
mais pobres Índice de Pobreza 58,66% e IDH e Índice de Gini de 0,666 e 0,41,
respectivamente.
O presente estudo é uma resposta à solicitação que nos foi encaminhada pela
Defensora Pública, logo após a reunião solicitada pelos padres cambonianos e líderes de
Piquiá de Baixo, povoado onde há vários anos foram instaladas siderúrgicas e termelétricas.
Os resultados apresentados, fruto dos estudos realizados no Povoado Piquiá de Baixo,
faz pensar na dinâmica sócio-econômica que governa o município de Acailândia e sua relação
entre seu crescimento econômico e o bem estar de sua população. O contraste se revela
quando “da visita ao Povoado constou uma passagem pelo Posto de Saúde, fechado há algum
tempo. A população, que necessita de cuidados à saúde, é atendida apenas uma vez por
semana no Centro de Saúde de Piquiá de Cima”.
Quando da minuciosa avaliação nos domicílios, verificou-se o cuidado dos habitantes
com seu aspecto e suas dependências. Mesmo assim, olhando o aspecto da casa e seus
arredores, constata-se que significativa parte dos domicílios examinados eram cobertos por
uma matéria enegrecida, podendo-se destacar que havia partículas maiores e mais pesadas que
se misturavam a outras com características de pó aderida aos móveis, aos pisos e depositadas
nas plantações ao redor das casas (Anexos V e VI). Os moradores sabem a origem do que lhes
afeta ao apontar para as chaminés das indústrias expelindo uma fumaça negro-acizentada.
Ouviram-se afirmações do tipo: a fuligem é muito mais abundante no verão e aqui
inúmeras crianças, padecem de alterações “respiratórias” e uma espécie de “alergia”.
Não há dúvida de que o cotidiano da população é afetada de maneira impiedosa em
seus lares. A visita a uma casa forrada de lona (a maioria não tem essa proteção) e o diálogo
travado com seu proprietário é uma afirmativa:
- Por que algumas casas são forradas com esse material?
- “Para diminuir a quantidade de fuligem que é abundante”.
- Forrada dessa maneira, evita o depósito da fuligem?
- “Apenas diminui”
- Como assim? Você pode explicar melhor?
- “Quer ver”? E ofereceu uma colher e um vasilhame a um membro da nossa equipe
que subiu numa escada...
Nas entrevistas com as famílias constata-se a série histórica de suas vivências em
Piquiá de Baixo, 75,5% das famílias moram há mais de 10 anos, a maioria mais de 20 anos
construindo uma vida profissional, simples, é verdade, mas compatível com que oferece o
quadro sócio-político em seus arredores.
Observem o que se conseguiu nas entrevistas a partir do estado geral dos
entrevistados. O contingente de moradores que apresentou doença anterior e atual é muito alto
quando se compara com habitantes de outros municípios (possuidor até de menor nível
econômico de vida) do meio rural que não vivem sobre o impacto ambiental das pessoas de
Piquiá. O mesmo se pode dizer para as manifestações que dizem respeito aos pulmões e a
pele, dois sistemas orgânicos que sofrem ação direta de substâncias que se depositam ou são
aspiradas, poeiras, fuligens, pós, e outras substâncias.
O exame clínico dos pacientes corrobora o que se encontrou no relato dos
entrevistados em relação a sua saúde. Manifestações ligadas ao aparelho respiratório (tosse,
falta de ar e chiado no peito) foram queixas encontradas em todas as faixas etárias, inclusive
com boa intensidade em menores de 9 anos de idade. Dores de cabeça é um sintoma muito
encontrado na população geral e também em crianças de tenra idade, segmento não
comumente afetado por estas manifestações. Manifestações de que alguma coisa irrita a pele e
as vias aéreas superiores e os olhos foi constatado na maioria dos examinados..
Outros depoimentos, em momentos diferentes, sobre saúde da população de Piquiá de
Baixo mostram coincidência com os que ouvimos atualmente. Exemplos: um morador da
“rua da fumaça” contou que há alguns anos pegou uma espécie de gripe. No entanto, “fiquei
acamado durante três meses, praticamente sem conseguir me alimentar, nunca fiquei bom...”;
uma moradora, cujo muro da casa faz fronteira com a uma siderúrgica, também dá
testemunho dos danos à saúde no bairro: “Aqui em casa temos sinusite, problema de garganta,
dor na cabeça, problema de vista. O meu menino tem só 21 anos e já tem problema de vista,
vive piscando, não consegue abrir o olho, não enxerga muito bem (...) O médico diz que a
gente fica com o pulmão todo preto por dentro. A vizinha já bateu chapa e o médico disse
para sair daqui o mais rápido possível (...) meu marido morreu tem quatro meses. Dois meses
antes o médico examinou e disse que não tinha mais jeito, que o pulmão dele tava muito
cheio”.
PARECER
Piquiá de Baixo possui uma população perene, a maioria originada do lugar com vida
profissional definida. O estado geral dos seus moradores é de certa higidez, o que contrasta
com manifestações que se repetem: a) falta de ar, dor no orofaringe, dor nos olhos, irritação
conjuntival e chiado no peito, sintomas que guardam em muitos pacientes uma certa relação
de causa e efeito resultante de contato com substâncias de teor alergênico. E relatos do tipo:
b) tenho filhos que se queixam de dor na face e o médico afirma que é sinusite; outro tem dor
de garganta e se queixa de irritação na vista. Sou vendedor e de uns tempos para cá tenho
problemas de visão e às vezes não consigo abrir os olhos. Estes relatos corroboram a relação
causa/efeito acima exposta.
Quem anda em suas ruas, visita as casas e seus arredores, constata que o meio
ambiente é dominado por uma substância enegrecida com características de pó que se
deposita nos telhados, no interior das casas e nas folhagens das plantações. Ao conversar com
a população, podem-se ouvir afirmações de que essa substância “é muito mais abundante no
verão”, ocasião que manifestações que comprometem os pulmões e a pele são mais
acentuadas, conforme afirmam.
Um profissional da saúde que conversa e examina pessoas do local não deixa de ouvir
relatos contundentes do tipo: “doutor passo boa parte do meu tempo socorrendo meus
meninos com falta de ar”; “minha criança está com falta de ar” e de dar como resposta: “se
gente grande sofre com a fuligem, imagine uma criança...”.
A experiência de profissional médico, de professor universitário e membro consultor
do Ministério da Saúde, fazendo diagnóstico em doenças endêmicas e examinando
populações de todas as idades, em vários municípios do nosso e outros estados, nunca se
deparou com queixas e manifestações que se assemelhassem às descritas pelos habitantes de
Piquiá de Baixo.
Cabe uma pergunta. Que outras causas poderiam ser que a do bombardeamento de
fuligem e outras substâncias de indústrias que trabalham 24 horas por dia?
Senhora Defensora Pública,
Finalizamos com recomendações para que o Posto de Saúde reabra imediatamente as
suas portas e as indústrias sediadas em Piquiá de Baixo busquem recursos modernos para
filtrar suas escórias que ofendem a dignidade e contribuem para reduzir a paz, o sossego e a
vida de seres humanos.
Este é o nosso Parecer s.m.j.
São Luís, 06 de junho de 2011.
Prof. Dr. Antonio Rafael da Silva
Coordenador do Centro de Referência em Doenças Infecciosas e Parasitárias da UFMA
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
Carson R. Primavera Silenciosa. Barcelona: Editora Critica, 2011
Collin RT, Begons M; Harper JL. Fundamentos de Ecologia. 2ª Ed. Porto Alegre: Artmed,
2000.
Fidh. Justiça Global. Brasil quanto valem os direitos humanos. Relatório, maio 2011.
Lovelock, J. Gaia: cura para um planeta doente. São Paulo: Cultrix, 2006
Silva AR. Malária: fotografia de uma crise no setor saúde. São Luís, UFMA, 1988
Silva AR, Portela EGL, Matos WB, Bastos Silva CC, Gonçalves,EGR. Hanseníase no
município de Buriticupu, Estado do Maranhão: busca ativa na população infantil.
Revista da Soc.Bras. Med. Tropical 40(6):657-660, Nov-dez, 2007.
Silva AR, Matos WB, Bastos Silva CC, Gonçalves,EGR. Hanseníase no município de
Buriticupu, Estado do Maranhão: busca ativa na população adulta. Ver. Soc.Bras. Med.
Tropical 43(6):691-694, Nov-dez, 2010.
ANEXO I – MATERIAIS COLHIDOS DURANTE A VISITA AO POVOADO PEQUIÁ DE
BAIXO, AÇAILÂNDIA, MARANHÃO – JUNHO DE 2011
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO – UFMA
CENTRO DE REFERÊNCIA EM DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS – CREDIP
NÚCLEO DE ESTUDOS EM MEDICINA TROPICAL DA PRÉ-AMAZÕNIA – NEMPTA Pequiá, _____/_____/2011.
ANEXO II – FORMULÁRIO DE ENTREVISTA
Casa
Nº/Qte
Nome / Endereço Sexo Idade Cor Atividade QUADRO CLÍNICO E.
Geral
Doença
Anterior
Doença
Atual
Doença
Pulmonar
Doença
Pele
Outras Manifestações
Nomear Nomear Sim Não Sim Não
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO – UFMA
CENTRO DE REFERÊNCIA EM DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS – CREDIP
NUCLEO DE ESTUDOS EM MEDICINA TROPICAL DA PRÉ-AMAZÔNIA – NEMPTA
ANEXO III – FORMULÁRIO DE EXAME CLÍNICO Pequiá, ____/____/2011.
Nome:
Nº da Casa:
Idade:
Sexo: Atividade:
HISTÓRICO DA DOENÇA ATUAL
Início da Doença: ___/___/___
Febre: Cefaléia: Tosse:
Falta de ar: Chiado no peito: Dor no peito:
Emagrecimento:
Alergias:
Prurido: Feridas na pele:
Outros:
EXAME FÍSICO
Estado Geral: Temp. ________ºC F. Resp.
F. Cardíaca: P.A.
Ap. Respiratório:
Ap. Vascular:
Abdomem:
Membros Inferiores:
Exames:
Observações:
ANEXO IV – Vista de arruado do Povoado Piquiá de Baixo situado à beira da Lagoa do Piquiá, junho
de 2011.
Anexos V e VI – Vista de casas e plantas (acima) e plantas (abaixo) de Piquiá de Baixo, com fuligem, junho
2011
Anexo VII- Um dos membros da equipe (ARS à direita) mostrando material retirado do forro
da casa (material 3 do anexo I) ao proprietário (centro) e líderes (à esquerda) do Povoado de
Pequiá, junho de 2011.