parede celular

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1 - Consideraes Tericas

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1.1 - A Parede Celular das Plantas

1.1.1 - Definio e Importncia

As paredes celulares dos tecidos parenquimatosos e dos imaturos so os principais componentes estruturais das clulas das plantas, as quais envolvem e do forma aos protoplastos. So compostas por polissacardeos e pequenas quantidades de protenas e compostos fenlicos que vo sofrendo alteraes ao longo da vida das clulas. So estruturas muito complexas que possuem uma grande diversidade de funes durante a vida da planta: proporcionam s clulas robustez mecnica, mantm a sua morfologia, controlam a expanso celular e o transporte intercelular, protegem a clula contra a maioria dos organismos potencialmente patognicos e predadores, participam na comunicao intercelular e contribuem em alguns casos como reserva alimentar (Northcote, 1972; Brett e Waldron, 1990).

1.1.2 - Estrutura

Os tecidos parenquimatosos das plantas dicotiledneas possuem paredes celulares primrias e camadas intercelulares (lamela mdia) ricas em substncias pcticas mergulhadas num meio aquoso. Segundo o modelo clssico, a parede celular primria constituda por duas fases, uma microfibrilhar e outra matricial. A fase microfibrilhar distingue-se da matricial pelo alto grau de cristalinidade visvel ao microscpio electrnico e por possuir uma composio qumica relativamente homognea. composta por estruturas longas e finas designadas microfibrilhas, constitudas por molculas de celulose associadas entre si por pontes de hidrognio e alinhadas paralelamente ao longo das microfibrilhas. Co-existindo com as zonas cristalinas encontram-se nas microfibrilhas zonas amorfas em que as fibras de celulose no tm orientao regular. A fase matricial consiste n uma variedade de polissacardeos, glicoprotenas e compostos fenlicos, variando a sua composio com as diferentes camadas da parede, tipos de clulas e diferentes fases do ciclo celular. Recentemente, tcnicas melhoradas de espectroscopia electrnica tm permitido visualizar uma estrutura ordenada por camadas em que todos os componentes da parede se apresentam como

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longas fibras cilndricas (McCann et al., 1990), pondo-se em causa a existncia de verdadeiras zonas amorfas. Em algumas clulas especializadas em que ocorreu lenhificao, a parede celular apresenta-se muito mais espessa devido deposio de celulose, hemiceluloses e lenhina. A lenhificao tem o seu incio na regio da parede celular primria e estende-se quer para o exterior, em direco lamela mdia, quer para o interior, onde se desenvolve a parede celular secundria. As clulas com parede celular secundria encontram-se geralmente mortas. Podem ser muito alongadas (fibras) e terem funes de suporte, como as clulas de esclernquima, ou serem isodiamtricas (escleritos) e terem funes de proteco, como nas sementes. Os escleritos podem tambm ocorrer em pequenos grupos de clulas, como nas pras, sendo as responsveis pela textura por vezes "arenosa" que a polpa apresenta (Selvendran e Robertson, 1990).

Figura 1.1 - Seco longitudinal de uma parede celular secundria. a) Representao tridimensional (Brett e Waldron, 1990); b) Representao planar (Selvendran, 1983).

As paredes celulares secundrias contm tipicamente 3 camadas distintas, S1, S2 e S3 (Figura 1.1), que diferem em espessura, orientao de microfibrilhas e composio. A camada exterior (S1) e a interior (S3) possuem microfibrilhas orientadas aproximadamente de maneira transversal; a camada intermdia (S2) muito mais grossa que as outras duas e apresenta microfibrilhas orientadas longitudinalmente em relao ao comprimento da clula. Esta orientao proporciona clula grande resistncia tenso e compresso (Fengel e Wagener, 1984).

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Numa clula com parede celular secundria a camada que compreende a lamela mdia e a parede celular primria (Figura 1.1) rica em substncias pcticas quando comparada com o restante material; S3 e a parte interior de S2 tm um contedo em celulose mais elevado enquanto S1 e a camada exterior de S2 so relativamente ricas em hemiceluloses (glucuronoxilanas) ( Selvendran, 1983). A maior nfase deste captulo introdutrio ir ser dada s paredes celulares das plantas comestveis com a excepo dos cereais. As paredes celulares dos cereais so muito diferentes das dos restantes tecidos; em geral, e como exemplo, as paredes celulares do endosperma no possuem polissacardeos pcticos (Selvendran, 1985), no sendo comparveis s das plantas dicotiledneas como a azeitona.

1.2 - Composio das Paredes Celulares das Plantas

1.2.1 - Principais Componentes das Paredes Celulares

A composio da parede celular varia consideravelmente com o tipo de tecido, podendo a comparao entre os polissacardeos de cada grupo ser til compreenso das propriedades das paredes celulares. Os polissacardeos no celulsicos das paredes celulares so geralmente classificados de acordo com os mtodos de extraco em substncias pcticas e hemiceluloses. Esta classificao torna-se conveniente devido sua simplicidade, no entanto, demasiado genrica e pouco selectiva. A classificao que tem sido adoptada baseada no modo de extraco complementada com base na organizao estrutural dos polissacardeos. Na Tabela 1.1 apresentam-se os polmeros existentes em vrios dos tecidos mais representativos; na Tabela 1.2 so salientadas algumas caractersticas estruturais de alguns polissacardeos que ocorrem nas paredes celulares das plantas.

1 - Consideraes Tericas Tabela 1.1- Polmeros componentes da parede celular de diferentes tipos de tecidos.Tipo de Tecido Clulas em Crescimento e Tecidos Parenquimatosos Frutos e Legumes Tecidos Lenhificados Principais Constituintes Celulose, Substncias Pcticas, Hemiceluloses (xiloglucanas) e Glicoprotenas Referncias Stevens e Selvendran, 1984 a,b,c,d; Ryden e Selvendran, 1990 a,b

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Celulose, Lenhina, Hemiceluloses (glucuronoxilanas), pequenas quantidades de Glicoprotenas e Substncias Pcticas Hemiceluloses (arabinoxilanas e -Dglucanas), Celulose, steres Fenlicos e Proteoglicanas Hemiceluloses (glucuronoarabinoxilanas), Celulose, Lenhina, steres Fenlicos e Proteoglicanas Celulose, Hemiceluloses (xiloglucanas), Substncias Pcticas e Glicoprotenas Hemiceluloses (galactomananas), Celulose, Substncias Pcticas e Glicoprotenas Celulose, Substncias Pcticas, Xilanas Acdicas, Xiloglucanas Celulose, Substncias Pcticas, Hemiceluloses (xiloglucanas) e Glicoprotenas Celulose, Lenhina, Hemiceluloses (xilanas), (glico)protenas e pequenas quantidades de Pectinas Celulose, Substncias Pcticas, Hemiceluloses (xiloglucanas, xilanas e arabinogalactanas) Celulose, Hemiceluloses (galactoglucomananas e arabinoglucuronoxilanas) e Lenhina Celulose, Lenhina e Hemiceluloses (glucuronoxilanas e pequenas quantidades de glucomananas) Substncias Pcticas, Hemiceluloses (xiloglucanas e xilanas), Glicoprotenas e Polifenis Hemiceluloses (glucuronoarabinoxilanas e -D-glucanas), Celulose, Substncias Pcticas, Fenis e Proteoglicanas Celulose, Substncias Pcticas, Hemiceluloses (xiloglucanas)

Selvendran e King, 1989

Endosperma Cereais Tecidos Lenhificados

Selvendran, 1983, 1984 Carpita, 1984 Ring e Selvendran, 1980; Dupont e Selvendran, 1987

Tecidos Parenquimatosos Sementes excepto cereais (ex. leguminosas)

Talbott e Ray, 1992

Clulas de endosperma (parede secundria no lenhificada) Tecidos Lenhificados

Selvendran, 1983, 1984 Reid, 1985

Aspinall et al., 1967 Redgwell e Selvendran, 1986; Jarvis et al., 1988; Waldron e Selvendran, 1990a,b, 1992 Waldron e Selvendran, 1990a

Tecidos Parenquimatosos Monocotiledneas suculentas Tecidos Lenhificados

Tecidos Parenquimatosos Gimnosprmicas Tecidos Lenhificados (rvores de madeira mole)

Lorences et al., 1987; Lorences et al., 1990

Timell, 1964b Fengel e Wegener, 1984

rvores de madeira dura

Tecidos Lenhificados

Timell, 1964a Fengel e Wegener, 1984

Dicotiledneas Tecidos de Cultura em Suspenso

Darvill et al., 1980a

Cereais (Monocotiledneas)

Thomas et al., 1989a,b

Gimnosprmicas

Thomas et al., 1987

1 - Consideraes Tericas Tabela 1.2 - Caractersticas glicosdicas dos principais polmeros constituintes das paredes celulares das plantas.Monossacardeos Cadeia Cadeias Principal Laterais(14)-D-GalpA -(12)-L-Rhap -(15)-L-Araf -(14)-D-Galp

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Polmero1 - Subst. Pcticas Pectinas e cidos Pcticos RG-I

Caractersticas Estruturais

Referncias

O GalA pode-se encontrar como ster metlico; Ara e Gal podem ocorrer como cadeias laterais; podem apresentar acetilao atravs do C-4 da Rha; Polmero proveniente das pectinas; o GalA e a Rha encontram-se intercalados em estrutura linear; 50% da Rha ramificada em C-4. Polmero proveniente das pectinas; cadeias laterais contendo 2 heptassacardeos diferentes e vrios oligossacardeos mais pequenos associados directamente cadeia principal de GalA.

Aspinall, 1980, 1981 Colquhoun et al., 1990

(14)-D-GalpA -(12)-L-Rhap

-(15)-L-Araf -(14)-D-Galp

Darvill et al., 1980a York et al., 1985 O'Neill et al., 1990

RG-II

(14)-D-GalpA

L-Rhap (,), -L-Fucp (2-Me), L-Ara (,) (f,p), 2-Me--D-Xylp, Apif, -D-Galp, -D-GlcpA, D-GalpA (,), -L-Acef, D-KDOp, D-DHAp -L-Araf

York et al., 1985 O'Neill et al., 1990

Arabinanas

-(15)-L-Araf

Polmero constitudo s por resduos de Araf; muito ramificado geralmente em C-3; ocorre como cadeias laterais de pectinas e cidos pcticos. Polmero constitudo s por resduos de Galp; ramificado em C-6 por resduos de Galp terminais. A cadeia principal encontra-se substituda pontualmente em C-3 da Gal com pequenas cadeias de Araf.

Aspinall, 1980, 1981 Selvendran e O'Neill, 1987 Aspinall, 1980, 1981

Galactanas

-(14)-D-Galp

-D-Galp

Arabinogalactanas (AG-I) 2 - Hemiceluloses Xiloglucanas

-(14)-D-Galp

-(15)-L-Araf

Aspinall e Cottrell, 1971

-(14)-D-Glcp

-D-Xylp, -D-Galp -L-Fucp, -L-Araf -D-Xylp

Os resduos de Xyl encontram-se ligados ao C6 de cerca de 50% dos resduos de Glc; a Xyl pode ser substituda em C2 com Gal e esta, em C2 com Fuc; Ara encontra-se ligada ao C2 da Glc ou C3 da -Xyl; os resduos de Galp encontram-se acetilados. A Gal, se presente, ocorre ligada ao C-6.da Man ou Glc. A razo Man/Glc geralmente 3:1. Polmero linear; pode ocorrer Gal no C6 da Man. Os resduos de GlcpA so o principal substituinte da C2 da Xyl em tec. lenh. de dicotiledneas; Araf em C2 e C3 substituem as xilanas em gimnosprmicas e em monocotiledneas. Razo (14)/(1 3) entre 2:1 e 3:1; polmero muito abundante em cereais. Polmero linear; ocorre em poros celulares. Polmero linear com d.p entre 500 e 14.000.

O'Neill e Selvendran, 1987; York et al., 1988; Hisamatsu et al., 1992 Sjstrom, 1981

Glucomananas

-(14)-D-Manp -(14)-D-Glcp -(14)-D-Manp -(14)-D-Xylp

-D-Galp

Mananas Glucuronoxilanas

-D-Galp -D-GlcpA (4-Me), -L-Araf

Aspinall, 1980, 1981 Aspinall, 1980, 1981 Darvill et al., 1980a Bacic et al., 1988 Sjstrom, 1981 Fry, 1988

-D-Glucanas

-(14)-D-Glcp -(13)-D-Glcp -(13)-D-Glcp -(14)-D-Glcp

Calose 3 - Celulose 4 - Glicoprotenas Glicoprot.ricas arabinogalact. Glicoprot.estrut ricas em Hyp

Brett e Waldron, 1990 Fengel e Wegener,1984

(13)-D-Galp

(16)-D-Galp L-Araf

A arabinogalactana surge como cadeia lateral da glicoprotena e tem estrutura igual da AG-II. Tri ou tetra-arabinosdeos ligados Hyp como cadeias laterais. -D-Galp em ligao Ser.

Fincher et al., 1983

-(12)-L-Araf

Lamport e Catt, 1981

Nos tecidos parenquimatosos dos frutos e legumes, os polmeros mais abundantes so a celulose e as substncias pcticas; tambm so encontradas hemiceluloses, geralmente xiloglucanas e glicoprotenas.

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Em geral, sementes de leguminosas e os tecidos parenquimatosos das monocotiledneas suculentas, das Gimnosprmicas e dos tecidos de cultura em suspenso de dicotiledneas e Gimnosprmicas possuem uma composio em polissacardeos muito semelhante descrita para os tecidos parenquimatosos de frutos e legumes. Os tecidos lenhificados dos frutos e legumes possuem composio semelhante aos das rvores de madeira dura, em que os principais constituintes da parede celular so celulose, lenhina e glucuronoxilanas; nos tecidos lenhificados dos cereais as glucuronoarabinoxilanas so o polissacardeo hemicelulsico mais abundante e nas rvores de madeira mole (Gimnosprmicas) predominam as galactoglucomananas.

1.2.2 - Substncias Pcticas

As substncias pcticas so os polissacardeos extractveis com agentes quelantes, gua quente ou cidos diludos mais os polissacardeos que apesar de no serem extractveis com estes agentes so quimicamente semelhantes aos primeiros, ou seja, polissacardeos ricos em cido galacturnico, os polissacardeos componentes das suas cadeias laterais e polissacardeos quimicamente semelhantes. So substncias pcticas os polmeros em que o cido galacturnico se encontra metil-esterificado (pectinas), os polmeros em que este se encontra desesterificado (cidos pcticos) e os polissacardeos neutros que apesar de no possurem uma cadeia de cido galacturnico se encontram geralmente em associao com as pectinas (arabinanas, galactanas e arabinogalactanas). As pectinas so compostas por cadeias lineares de cido D-galacturnico em ligao -(1 4), interrompidas pontualmente por resduos de L-ramnose em ligao -(12); grande parte dos resduos de cido galacturnico encontram-se esterificados com metanol (Tabela 1.2). As cadeias laterais so compostas principalmente por arabinose e galactose; zonas muito e pouco ramificadas coexistem na mesma molcula (deVries et al., 1982, 1983). Os principais pontos de ramificao so as posies C-4 dos resduos de ramnose, havendo tambm cadeias laterais ligadas directamente ao C2 ou C-3 de resduos de cido galacturnico (Aspinall, 1981; Stevenson et al., 1988b). As pectinas da lamela mdia encontram-se associadas por pontes de Ca2+ sendo solubilizadas por extraco com agentes quelantes como o CDTA (Jarvis et al., 1981, Jarvis, 1982). Na

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Figura 1.2 encontram-se representadas algumas das caractersticas estruturais das pectinas provenientes da lamela mdia e da parede celular primria, podendo-se observar que as pectinas provenientes da lamela mdia so menos ramificadas e possuem cadeias laterais mais curtas do que as da parede celular primria.

Figura 1.2 - Representao diagramtica de algumas caractersticas estruturais das pectinas provenientes da lamela mdia (a) e da parede celular primria (b) (Selvendran, 1985).

Por aco da endo-poligalacturonase (endo-PG), enzima que hidrolisa ligaes glicosdicas entre resduos de cido galacturnico no esterificados, trs tipos de polissacardeos pcticos tm sido obtidos a partir de clulas de sicmoro de cultura em suspenso: homogalacturonanas, ramnogalacturonanas do tipo I (RG-I) e ramnogalacturonanas do tipo II (RG-II) (Tabela 1.2). Estes polissacardeos tm sido analisados detalhadamente permitindo a deteco de algumas caractersticas singulares.

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As homogalacturonanas so polissacardeos constitudos por resduos de D-GalpA em ligao -(14), em geral parcialmente esterificados com metanol, razo pela qual so resistentes aco da endo-PG (McNeil et al., 1980); por desesterificao e retratamento da homogalacturonana com endo-PG resulta na formao de mono, di e trissacardeos (York et al., 1985). Resduos de ramnose podem ser encontrados ocasionalmente na homogalacturonana (Fry, 1988). As RG-I so polissacardeos constitudos por unidades repetitivas do dissacardeo 4)--D-GalpA-(12)--L-Rhap-(1]. Aproximadamente 50% dos resduos de Rha, em [ C-4,

so pontos de ramificao de curtas cadeias laterais ricas em arabinose e/ou galactose (Figura 1.3) distribudas de maneira no regular (McNeil et al., 1980). Este polmero tem sido isolado e caracterizado em clulas de sicmoro de cultura em suspenso e recentemente tambm em kiwi (Dawson e Melton, 1991) e em clulas de cultura em suspenso de cereais como o milho e o arroz (Thomas et al., 1989a, b).

Ara-AraAra-Ara-AraAra-Ara-Ara-AraAra-Ara-Ara-Ara-AraAra-RhaAra-Ara-RhaAra-(13)-Gal-RhaAra-Ara-(13)-Gal-RhaAra-Ara-Ara-(13)-Gal-Rha-

Gal-GalGal-Gal-Gal-Gal-D-Gal-RhaGal-Gal-RhaGal-Gal-Gal-RhaGal-Gal-Gal-Gal-RhaDesoxi-hexose-Ara-Rha-

Figura 1.3 - Cadeias laterais da RG-I comuns ao sicmoro (dicotilednea) e ao milho (monocotilednea) em clulas de cultura em suspenso (Thomas et al., 1989b).

As RG-II possuem uma estrutura invulgar, sendo constitudas por 12 acares diferentes, alguns deles no usuais (Tabela 1.2) que ocorrem como cadeias laterais de (ramno)galacturona-nas com ligao directas ao C-2 ou C-3 de resduos de cido galacturnico (Figura 1.4). Enquanto que as RG-I parecem conter cadeias laterais atravs de ramificaes pelos resduos de ramnose, as RG-II, ao contrrio, encontram-se ramificadas pelos resduos de cido galacturnico. A RG-II constitui 3 a 4% da massa seca das paredes celulares primrias de clulas de sicmoro de cultura em suspenso. Este polmero foi tambm isolado de clulas de cultura em suspenso de

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cereais como o arroz (Thomas et al., 1989a) e de gimnosprmicas (Thomas et al., 1987), da polpa de kiwi (Redgwell et al., 1988) e tambm em vinho tinto (Doco e Brillouet, 1992).

a)

2Me--L-Fucp 1 2 -D-Galp-(12)--L-Acef-(13)--L-Rhap-(13')-Apif-(12)--D-GalpA 4 1 -L-Arap 2 1 -L-Rhap -L-Rhap-(15)-D-KDOp-(13)--D-GalpA -L-Araf-(15)-D-DHAp-(13)--D-GalpA L-Araf-(13)-D-GalpA-(14)-D-GalpA 4 -D-GalpA-(14)-[-D-GalpA]5-7 -(14)-D-GalpA -D-Galp -D-GalpA 1 1 2 3 -D-GlcpA-(14)--L-Fucp-(14)--L-Rhap-(13')-Apif-(12)--D-GalpA 2 -D-GalpA

b) c) d)

e) f)

Figura 1.4 - Estruturas dos oligossacardeos pertencentes a cadeias laterais da RG-II, libertados por hidrlise cida parcial (Stevenson et al., 1988b, O'Neill et al., 1990).

A complexidade da RG-II e a ubiquidade das ramnogalacturonanas nas paredes celulares das plantas permite supor que possam desempenhar funes fundamentais para a organizao celular (O'Neill et al., 1990). Arabinanas, galactanas e arabinogalactanas (Tabela 1.2) tm sido isoladas das paredes celulares de plantas comestveis. O seu grau de polimerizao sugere ser baixo, parecendo ocorrer como cadeias laterais das pectinas. A extraco de arabinanas (Rees e Richardson, 1966; Joseleau et

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al., 1977), galactanas (Wood e Siddiqui, 1972) e arabinogalactanas (Aspinall e Cottrell, 1971) com mtodos no degradativos evidencia a existncia destes polissacardeos tambm como entidades individualizadas. Galactanas ou polissacardeos ricos em galactose podem tambm ocorrer como principais polmeros de reserva de sementes como o tremoo (Crawshaw e Reid, 1984; Northcote, 1985).

1.2.3 - Hemiceluloses

As hemiceluloses so os polissacardeos extrados com solues alcalinas de bases fortes como KOH ou NaOH mas no com agentes quelantes; geralmente tm capacidade de se ligar por pontes de hidrognio celulose. As xiloglucanas so polissacardeos cuja cadeia principal constituda por unidades de (1 4)--D-Glcp, tal como a celulose. Grande parte dos resduos de glucose encontram-se ramificados em C-6 por resduos de -D-Xylp, encontrando-se alguns destes resduos de xilose substitudos em C-2 com um resduo de -D-Galp ou com -L-Fucp-(12)--D-Galp (Tabela 1.2 e Figura 1.5). Nas plantas dicotiledneas as xiloglucanas parecem ser constitudas principalmente por unidades de nonassacardeos (XG9) e heptassacardeos (XG7) resistentes aco da enzima endo--(14)glucanase (Hayashi, 1989). Em menor quantidade ocorrem tambm penta, deca e undecassacardeos (Hisamatsu et al., 1991). Estudos detalhados das xiloglucanas secretadas pelas clulas de sicmoro de cultura em suspenso que incluram tcnicas de FAB-MS e RMN de 1H permitiram verificar que, com alguma frequncia, o resduo de (12)--D-Galp se encontra substitudo com grupos acetilo, predominantemente em O-6 mas tambm em O-4 e O-3 (York et al., 1988). Por tratamento destas xiloglucanas com endo--(14)-D-glucanase, a estrutura at 20 resduos glicosdicos foi determinada (Figura 1.5), tendo sido identificados como cadeias laterais novos componentes estruturais nas xiloglucanas como -L-Araf (Kiefer et al., 1990), -L-Araf-(13)--D-Xylp e -D-Xylp e (Hisamatsu et al., 1992). A metilao de fraces ricas em xiloglucanas de diferentes origens mostra a ocorrncia de pequenas percentagens de resduos de (14)-Xylp (Karcsonyi e Kovacik, 1989; Ryden e

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Selvendran, 1990a). possvel que estes resduos sejam parte integrante das xiloglucanas de alguns tipos de tecidos; no entanto, no ser de excluir a possibilidade de poderem ser reminiscncias de associaes entre xiloglucanas e xilanas. Este aspecto foi estudado com algum detalhe neste trabalho.

-L-Araf 1 3 -D-Xylp 1 2 -D-Glcp(14)--D-Glcp(14)--D-Glcp(14)--D-Glcp(14)--D-Glcp(14)--D-Glcp(14)--D-Glcp(14)-D-Glcol 6 6 6 6 6 6 1 1 1 1 1 1 -D-Xylp -D-Xylp -D-Xylp -D-Xylp -D-Xylp -D-Xylp 2 2 1 1 -D-Galp -D-Galp 2 2 1 1 -L-Fucp -L-Fucp

Figura 1.5 - Estrutura do oligossacardeo constitudo por 20 resduos glicosdicos obtido a partir das xiloglucanas das clulas de sicmoro de cultura em suspenso por tratamento com endo--(14)-D-glucanase (Hisamatsu et al., 1992).

As xiloglucanas encontram-se associadas celulose por pontes de h idrognio (Hayashi e Maclachlan, 1984; Hayashi et al., 1987), desempenhando funes estruturais de unio de microfibrilhas de celulose adjacentes (Fry, 1989a; Hayashi, 1989). Para alm da funo estrutural, alguns polissacardeos hemicelulsicos como as mananas e galactomananas em sementes de plantas leguminosas e tubrculos (Aspinall et al., 1953, 1958; Keusch, 1968) ou mesmo as xiloglucanas em sementes de tamarindo (Meier e Reid, 1982; Reid, 1985) possuem funes de polissacardeos de reserva. Pequenas quantidades de xilanas acdicas conjuntamente com polissacardeos pcticos foram detectados nos tecidos parenquimatosos da vagem do feijo (O'Neill e Selvendran, 1985) e tambm em tecidos de espargo que iniciavam o processo de lenhificao (Waldron e Selvendran, 1992). Glucuronoxilanas foram tambm detectadas nas paredes celulares de tecidos cambiais de floema e

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xilema em trs espcies de rvores (Selvendran, 1985); nas paredes celulares de clulas de sicmoro de cultura em suspenso encontram-se presentes arabinoglucuronoxilanas (Darvill et al., 1980b).

1.2.4 - Celulose

A celulose constitui 20 a 30% das paredes celulares primrias (McNeil et al., 1984) e 40% das paredes celulares secundrias, sendo o composto orgnico mais abundante no mundo (Fry, 1988). A maior parte do trabalho de estudo da celulose foi efectuado em tecidos lenhificados. um polmero linear de (14)--D-Glcp. Este tipo de ligao permite a adopo de uma conformao linear em que vrios polmeros se agregam fortemente por pontes de hidrognio formando microfibrilhas. A funo biolgica da celulose pensa-se ser unicamente de suporte

proporcionando forma e resistncia parede celular (Fry, 1988). O grau de polimerizao da celulose nas paredes celulares secundrias de 14 000 resduos; nas paredes celulares primrias a celulose aparenta possuir uma distribuio bifsica do grau de polimerizao com uma populao de polmeros com cerca de 500 resduos de glucose e outra que varia entre os 2 500 e os 4 500. A celulose das paredes celulares primrias possui um menor grau de cristalizao do que a das secundrias, possuindo muito maior abundncia de celulose em estado amorfo e microfibrilhas mais finas (McNeil et al., 1984).

1.2.5 - Protenas e Glicoprotenas

As paredes celulares contm uma gama de protenas, a maioria das quais glicosiladas, que desempenham funes estruturais, de reconhecimento e catalticas. Ao contrrio das protenas citoplasmticas, muitas destas protenas que desempenham funes estruturais so ricas em hidroxiprolina (Hyp) que ocorre como parte de uma sequncia de Ser-(Hyp)4 (Esquerr-Tugay e Lamport, 1979; Lamport e Catt, 1981) em que os resduos de Hyp so os locais de ligao de oligossacardeos contendo 1 a 4 resduos de arabinose (Akiyama e Kato, 1977). Nas dicotiledneas, os resduos de arabinose so geralmente 3 ou 4 sendo fceis de distinguir da arabinose proveniente das substncias

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pcticas por possuirem resduos de Araf em ligao (12) e (13) e a configurao anomrica ser com excepo do tetra-arabinosdeo (Akiyama et al., 1980):

-L-Araf-(13)--L-Araf-(12)--L-Araf-(12)--L-Araf-(14)-Hyp

As glicoprotenas ricas em Hyp constituem cerca de 10% dos tecidos de cultura em suspenso; nos tecidos moles a sua percentagem de cerca de 5% do material da parede celular (Ryden e Selvendran, 1990a). Um grupo de protenas em que a Hyp tambm abundante so as "protenas ricas em arabinogalactanas", a maioria das quais ocorre nos espaos intercelulares; uma pequena quantidade poder entrar na composio da parede celular (Fincher et al., 1983). A localizao destas molculas na clula tem sido dificultada pela alta solubilidade que apresentam. Contm normalmente 2 a 10% de protena; resduos de galactose em ligao (13) constituem a cadeia principal havendo

ramificaes com pequenas cadeias de galactose em ligao (16); a arabinose ocorre como resduos terminais (Fincher et al., 1983).

1.2.6 - Compostos Fenlicos

Os tecidos imaturos contm pouca ou nenhuma lenhina, existindo no entanto quantidades vestigiais de compostos fenlicos como os cidos p-cumrico, ferlico e p -hidroxibenzico que podem desempenhar funes de cross-linking entre os polissacardeos (Fry, 1986). Alguns dos polissacardeos pcticos da parede celular de um grupo limitado de famlias como as Chenopodiaceae onde se incluem os espinafres e a beterraba encontram-se esterificados com compostos fenlicos, geralmente cido ferlico (Fry, 1987, O'Neill et al., 1990).

1 - Consideraes Tericas

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1.2.7 - Polmeros da Parede Celular de Tecidos Lenhificados

a) Glucuronoxilanas

As glucuronoxilanas so o polmero hemicelulsico mais abundante, constituindo 15 a 30% da parede celular das rvores de madeira dura (Sjstrom, 1981); nestes tecidos so tambm encontradas pequenas quantidades de glucomananas (Timell, 1964a). As glucuronoxilanas so constitudas por unidades de (14)--D-Xylp ramificadas em C-2 por resduos terminais de -D-GlcpA. Em paredes celulares secundrias de angiosprmicas dicotiledneas como as das rvores de madeira dura em que se incluem a btula, o eucalipto e a oliveira, as xilanas ocorrem na forma de O-acetil-4-O-metilglucurono--D-xilanas na proporo de 1 resduo de MeGlcA para 10 resduos de xilose. Os grupos acetilo esto igualmente distribudos pelos C-2 e C-3 da xilose na proporo de um acetilo por cada dois resduos de xilose (Fengel e Wegener, 1984). Com base na degradao alcalina de glucuronoxilanas de btula (Johansson e Samuelson, 1977; Andersson et al., 1983) foi proposta a seguinte sequncia como terminal redutor deste polissacardeo:

4)--D-Xylp-(14)--D-Xylp-(13)--L-Rhap-(12)--D-GalpA-(14)-D-Xyl

A ligao (12) entre a ramnose e o cido galacturnico poder ser a origem da retardao da degradao destes polmeros durante o tratamento alcalino a que so submetidos durante a fabricao de papel. A regularidade da distribuio ou a existncia de blocos de resduos de cido glucurnico como cadeias laterais das xilanas ainda uma questo em aberto. provvel que no mesmo tecido existam polmeros com diferentes graus de substituio, tal como verificado em cascas de girassol (Bazus et al., 1992).

1 - Consideraes Tericas

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b) Lenhina

A lenhina no pode ser isolada sem que a sua estrutura seja alterada, sendo esta a principal causa que impede a elucidao da sua estrutura (Hwang et al., 1989). A lenhina possui uma estrutura muito complexa (Freudenberg, 1968), sendo formada a partir de 3 lcoois fenilpropanides (pcumarilo, coniferilo e sinapilo). O mecanismo de polimerizao da lenhina, apesar de se saber no ser totalmente ao acaso (Lewis et al., 1987), ainda desconhecido, possivelmente via radicais livres em presena de perxido de hidrognio/peroxidase (Hwang et al., 1991). A lenhina das plantas Gimnosprmicas e Angiosprmicas dicotiledneas e monocotiledneas composta por diferentes combinaes dos 3 precursores. Nas plantas dicotiledneas, em que se inclui a oliveira, a lenhina composta principalmente pelos lcoois p-cumarilo e sinapilo (Goodwin e Mercer, 1983). A existncia de ligaes covalentes lenhina-polissacardeos em tecidos lenhificados tem sido considerada desde h alguns anos (Lai e Sarkanen, 1971). A evidncia deste tipo de ligaes tem sido obtida a partir de tecidos de plantas Gimnosprmicas (Azuma et al., 1981; Das et al., 1981; Minor, 1982 e 1986; Watanabe e Koshijima, 1988; Watanabe et al., 1989) e monocotiledneas (Scalbert et al., 1985, Lam et al., 1990, Iiyama et al., 1990; Lam et al., 1992). As ligaes lenhinapolissacardeos parecem ocorrer segundo dois tipos: ter ou steres benzlicos, tal como mostrado na Figura 1.6 (Azuma, 1989). Aps exaustiva deslenhificao dos tecidos lenhificados do caroo da azeitona foi possvel o isolamento de complexos lenhina-polissacardeos.

1 - Consideraes Tericas

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aO

CH2OH O OH OH O

CH2OH O OH O C O

CH2OH O OH OH C C O

O

CH3O

b

C C C OOC O OH CH3O CH3O O OH O OH

O O OH

O O

O

OH

Figura 1.6 - Tipos de ligaes propostos entre a lenhina os polissacardeos (Azuma, 1989). a) Ligao ter benzlica; b) Ligao ster benzlica.

1.3 - Metodologia Aplicada ao Estudo das Paredes Celulares

1.3.1- Preparao do Material das Paredes Celulares

Para se proceder aos estudos detalhados dos polmeros constituintes das paredes celulares, estas tm que ser isoladas e purificadas de material intra-celular ao mesmo tempo que se minimiza a actividade de enzimas que degradam as paredes celulares como pectina-metilesterases e poligalacturonases. Os mtodos que tm sido propostos procuram evitar a degradao e alterao

1 - Consideraes Tericas

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estrutural dos polmeros enquanto estes so libertados de compostos estranhos s paredes. O procedimento experimental necessrio para a obteno de preparaes de paredes celulares puras muito dependente do tipo de rgo da planta ou tecido. A maioria dos polissacardeos das paredes celulares tende a precipitar em solues quentes de etanol (80 a 95%). O material assim obtido designa-se "Resduo Insolvel em lcool" (AIR) e muito eficiente na inactivao de enzimas sem haver degradao de polmeros. Durante muitos anos, o resduo insolvel em lcool (Jermyn e Isherwood, 1956) ou em lcool-benzeno (Thornber e Northcote, 1962) foi utilizado como material de partida para o fraccionamento dos polissacardeos constituintes das paredes celulares das plantas. Esta tcnica, no entanto, permite que, juntamente com os polmeros constituintes das paredes celulares, ocorra co-precipitao de protenas intra-celulares (Newcomb, 1963), a interaco de polifenis e dos seus produtos de condensao com as protenas e a subsequente insolubilizao destes complexos (Loomis e Battaile, 1966), e a co-precipitao de cidos nuclicos e amido (Selvendran e O'Neill, 1987). Estes efeitos de co-precipitao alteram a extractabilidade do material das paredes celulares, impedem a anlise das protenas e glicoprotenas associadas s paredes celulares (Selvendran et al., 1975; Selvendran, 1975a,b) e interferem tambm com a anlise por metilao da natureza das ligaes glicosdicas (Stevens e Selvendran, 1980a). Os efeitos da desidratao provocados pelo lcool podero tambm ocasionar novas interaces entre os polmeros presentes. Em tecidos relativamente pobres em protenas intra-celulares, polifenis e amido, tal como alguns frutos (tomate), legumes (folhas de couve imaturas) e tecidos lenhificados, a preparao de um AIR pode ser um mtodo praticvel para obteno do material das paredes celulares. Para os restantes produtos, novos passos de purificao tm sido introduzidos, como a remoo do AIR de protenas exgenas com pronase (Stevens e Selvendran, 1980a) ou a extraco com solues de fenol-cido actico-gua (2:1:1, w/v/v) (PAW) (Selvendran, 1975a), e a remoo do amido com amilase (Selvendran e Dupont, 1980) ou dimetilsulfxido a 90% (v/v) aps macerao do material em monho de bolas com etanol a 80% (Selvendran e Ryden, 1990). Estas modificaes removem, contudo, quantidades significativas de polmeros das paredes celulares como as substncias pcticas ricas em cido urnico.

1 - Consideraes Tericas

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Um mtodo de preparao de material das paredes celulares de tecidos parenquimatosos de frutos e legumes, ricos em material intra-celular, foi desenvolvido no Food Research Institute de Norwich, em Inglaterra (Selvendran e O'Neill, 1987). Este mtodo envolve a utilizao de dodecilsulfato de sdio (SDS) 1,5 e 0,5%, PAW e DMSO a 90%, evitando os efeitos de co-pre- cipitao provocados pelo lcool. O resduo final foi designado "Material da Parede Celular" (CWM). Uma das limitaes do mtodo as solues de SDS no inibirem nem removerem totalmente as enzimas da parede celular pelo que pode ocorrer autolise da parede se no forem tomadas as precaues necessrias. Parte deste problema resolvido com a extraco com PAW, que inactiva e solubiliza estas enzimas ligadas parede celular (Selvendran e Ryden, 1990).

1.3.2- Extraco e Isolamento dos Componentes das Paredes Celulares

Os polmeros constituintes das paredes celulares podem ser extrados a partir do CWM por diferentes processos, incluindo o uso de enzimas, agentes quelantes, solues alcalinas, solventes orgnicos ou combinaes destes. Os mtodos de purificao de polissacardeos baseiam-se na explorao de propriedades especficas de cada polmero ou de grupos de polmeros, sendo utilizadas vrias etapas de purificao.

a) Solubilizao de Substncias Pcticas

O isolamento dos polmeros das paredes celulares de clulas parenquimatosas tem sido feito de forma sequencial comeando selectivamente pela extraco das substncias pcticas. A extraco de pectinas por ebulio em solues cidas diludas de materiais ricos nestes polmeros como as cascas de citrinos utilizada desde meados do sculo passado (McCready, 1965) sendo ainda hoje o procedimento mais comum a nvel industrial (May, 1990). A simples imerso de pedaos de polpa de ma em gua a ferver durante 30 a 40 minutos produz um pH de 2,8-3,0, suficiente para que as pectinas possam ser parcialmente degradadas e solubilizadas em gua (Barrett e Northcote, 1965).

1 - Consideraes Tericas

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A nvel laboratorial de pequena escala, vrios mtodos tm sido utilizados para a solubilizao destes polissacardeos, sendo constante em todos eles o uso de agentes quelantes. Oxalato de amnio a pH 4 e 70C (Talbott e Ray, 1992), temperatura ambiente (Rombouts e Thibault, 1986) ou juntamente com EDTA em tampo acetato pH 5,2 a 70C (deVries et al., 1981) e CDTA temperatura ambiente (Redgwell e Selvendran, 1986) so alguns dos procedimentos de extraco com agentes quelantes. O CDTA possui o mrito de ser muito eficiente na remoo do Ca2+ sem necessitar de aquecimento, evitando-se a exposio dos polmeros a temperaturas mais elevadas durante a extraco. A degradao dos polissacardeos pcticos depende do pH a que ocorre o aquecimento e da temperatura atingida (Van Buren, 1979; Talbott e Ray, 1992) e do tempo de exposio (Plat et al., 1988). A pHs cidos (3 a 5) ocorre hidrlise da cadeia principal do polissacardeo uma vez que as ligaes entre os resduos de cido galacturnico so mais lbeis nesta gama de pH do que as dos acares neutros componentes das cadeias laterais (Talbott e Ray, 1992); a pH 1, no entanto, a labilidade dos acares neutros maior (Fry, 1988). A pHs neutros (6 a 8), o aquecimento provoca a degradao por eliminao em vez de hidrlise do cido galacturnico da cadeia principal das substncias pcticas. Esta degradao tanto mais extensa quanto mais metil-esterificado estiver o polmero (Barrett e Northcote, 1965). Este efeito o mesmo que se verifica na cozedura prolongada (30 min) de legumes onde a remoo do Ca2+ da regio da lamela mdia e a degradao de pectinas por -eliminao (Figura 1.7) leva separao das clulas e ao amolecimento dos tecidos (Waldron e Selvendran, 1990c). Uma breve cozedura (4 min) afecta principalmente os acares neutros das

cadeias muito ramificadas das substncias pcticas (Plat et al., 1988). Outros mtodos degradativos como o uso de enzimas (Talmadge et al., 1973; Dawson e Melton, 1991) ou combinao de tratamentos enzimticos e qumicos (Renard et al., 1991a; Ishii et al., 1989) tm sido utilizados para a extraco de substncias pcticas. Qualquer que seja o mtodo, qumico ou enzimtico, no extrai a totalidade das substncias pcticas presentes, sendo tambm encontradas pectinas aps extraco com CDTA e Na2CO3, em extractos de reagentes caotrpicos como tiocianato de guanidnio (Redgwell et al., 1988), em fraces de hemiceluloses e no resduo rico em celulose (-celulose) (Ryden e Selvendran, 1990). A

1 - Consideraes Tericas

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ocorrncia de substncias pcticas no resduo rico em celulose ser um dos pontos a abordar no decorrer do trabalho.

a)Cadeia lateral

-eliminao Cadeia lateral

+

2

b)COOH O O OH OH O COOCH3 O OH OH O

COOH O O OH OH H OH

COOCH3 O

+

OH OH

O

Figura 1.7 - Degradao de pectinas por -eliminao. a) Reaco de despolimerizao; b) Quebra da ligao qumica.

1 - Consideraes Tericas

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b) Purificao de Substncias Pcticas

As substncias pcticas tm sido purificadas por cromatografia de troca aninica, onde o DEAE-Trisacryl M em tampo fosfato, pH 6,5 parece oferecer os melhores resultados em termos de recuperao do material (Redgwell e Selvendran, 1986). O fraccionamento de pectinas por precipitao com solues de sulfato de amnio (70%) (Barrett e Northcote, 1965) ou de acetato de cobre a 7% (Aspinall et al., 1968) foram tcnicas utilizadas no passado na purificao de pectinas. Neste trabalho iro ser experimentadas tcnicas de purificao de pectinas por precipitao com solues de concentrao crescente de etanol seguida de cromatografia de troca aninica.

c) Solubilizao de Hemiceluloses

A maioria dos polmeros hemicelulsicos extrada com solues alcalinas a partir do material despectinado. Em tecidos lenhificados, um tratamento prvio com clorito/cido actico facilita a solubilizao das hemiceluloses (Jermyn e Isherwood, 1956). Este tratamento foi adaptado a um vasto nmero de tecidos parenquimatosos de plantas (Selvendran, 1975a; Selvendran et al., 1985). As solues alcalinas so geralmente de KOH entre 0,5 e 4M (2 e 16%), contm NaBH4 e so desprovidas de O2 para evitar reaces de degradao. A neutralizao dos extractos de hemiceluloses leva precipitao de parte do material (hemicelulose A) deixando em soluo uma mistura de polissacardeos (hemicelulose B). Outros solventes como os agentes caotrpicos tiocianato de guanidnio (Stevens e Selvendran, 1984d) e N-xido de 4-metilmorfolino (MMNO) (Dsterhft et al., 1991), que extraem polmeros por rompimento de ligaes por pontes de hidrognio, e DMSO (Bouveng e Lindberg, 1965), que um bom solvente de xilanas sem lhes alterar o grau de acetilao, tambm tm sido utilizados para extraco de compostos hemicelulsicos.

1 - Consideraes Tericas

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d) Purificao de Hemiceluloses

As hemiceluloses tm sido facilmente fraccionadas por precipitao com concentraes crescentes de etanol (Whistler e Sannella, 1965). Outro mtodo de fraccionamento a precipitao ou reprecipitao em solues de Cu (II) (Jones e Stoodley, 1965), tendo sido, nomeadamente, utilizado na purificao de xiloglucanas da batata (Ring e Selvendran, 1981) e glucuronoxilanas da azeitona (Gil Serrano et al., 1986). A cromatografia em coluna com resinas de troca aninica como o DEAE-Trisacryl (Redgwell e Selvendran, 1986) ou DEAE-Sephacel (Ruperez et al., 1985) tambm tem sido utilizada. O fraccionamento por etanol antes do fraccionamento em coluna parece resultar em melhor rendimento das colunas de troca aninica (Dupont e Selvendran, 1987; Selvendran e King, 1989; Selvendran e Ryden, 1990).

1.4 - A azeitona

1.4.1- Consideraes Gerais

A azeitona (Olea europaea) o fruto da oliveira, rvore que se cultiva nos pases envolventes do Mar Mediterrneo, de onde originria, encontrando-se tambm em regies como a Califrnia, frica do Sul e Austrlia. Em Portugal, medianamente abundante em todo o territrio sendo no Alentejo e Trs-os-Montes as regies onde a sua concentrao maior. A azeitona (Figura 1.8) uma drupa, classificao q designa os frutos carnosos que ue possuem no interior um caroo muito duro. um fruto ovalado de cor verde que passa a prpura ou preto quando maduro e possui um peso que varia entre 1,5 e 12 gramas de acordo com a variedade. A polpa, muito amarga especialmente na fase em que ainda verde, compreende entre 70 a 88% do fruto. O caroo (endocarpo) duro e alongado e possui no interior a semente. A azeitona muito rica em leo, o azeite, proveniente principalmente da polpa. Uma azeitona possui uma quantidade mdia em leo de cerca de 22% do seu peso fresco (44% do peso seco) (Kiritsakis e Markakis, 1987),

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variando esta percentagem com o amadurecimento, podendo atingir 65% do peso seco (Fernndez Dez, 1971).

Figura 1.8 - A azeitona, segundo a descrio e apresentao de Leito et al. (1986). a) Aspecto de um ramo de oliveira com os respectivos frutos (ampliao de 0.7 vezes); b) Aspecto dos frutos em estado de maturao adiantado: frutos inteiros vistos em posio longitudinal (b1 e b2), frutos inteiros vistos de topo mostrando o pice (b3) e a base (b4), fruto seccionado longitudinalmente (b5), endocarpo seccionado longitudinalmente (b6) e tranversalmente (b7), semente (b8).

A polpa da azeitona muito rica em compostos fenlicos (Amiot et al., 1986; Vlahov, 1992). Um destes compostos, a oleuropena (Figura 1.9) o responsvel pelo sabor amargo das azeitonas verdes e pela aco inibidora da fermentao lctica na preparao da azeitona de mesa; contribui

1 - Consideraes Tericas

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tambm para o desenvolvimento de cor em alguns tipos de azeitonas processadas (Vzquez Roncero e Janer del Valle, 1977). O enegrecimento da azeitona com a maturao resultado da aco da enzima polifenol oxidase, estando dependente da quantidade de o-fenis existentes (Sciancalepore e Longone, 1984; Sciancalepore, 1985).

OCH3 O O C C

CH2 O

CH2

OH O CH2OH O O OH HO OH Figura 1.9 - Estrutura da oleuropena. OH CH3

O crescimento da azeitona segue uma curva sigmoidal (Figura 1.10), caracterstica das drupas (Romani e Jennings, 1971), em que a lenhificao do endocarpo ocorre na fase II e a expanso da parte edvel ocorre na fase III. Nos pases de influncia mediterrnica a azeitona desenvolve-se entre os meses de Junho/Julho e Novembro. A valorizao da azeitona reside na importncia econmica e social do azeite e tambm na sua utilizao como azeitona de mesa onde, devido s suas propriedades organolpticas e composio, muito apreciada em gastronomia como aperitivo, elemento decorativo ou mesmo elemento nutricional (Fernndez Dez, 1983).

1 - Consideraes Tericas

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Figura 1.10 - Curva de crescimento da azeitona.

1.4.2- Tipos de Estrutura Celular

A polpa da azeitona apresenta uma estrutura celular caracterstica em que clulas de parede celular espessa (escleritos) se encontram dispersas ou em pequenos grupos entre as clulas parenquimatosas de parede celular fina (Figura 1.11) (Winton e Winton, 1932).

Figura 1.11 - Estrutura celular da polpa da azeitona.

1 - Consideraes Tericas

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O caroo da azeitona constitudo por clulas lenhificadas mais ou menos comprimidas e de parede celular espessa que formam uma capa que envolve clulas parenquimatosas de parede celular fina (Figura 1.12).

Figura 1.12 - Estrutura celular do caroo da azeitona.

1.4.3- Mtodos de Processamento

Vrios mtodos so utilizados para o processamento da azeitona a azeitona de mesa sendo os mais utilizados em Portugal os procedimentos segundo o "estilo Espanhol" (Sevilhano) e "estilo Americano" (Californiano) que se resumem no Esquema 1.1. Segundo o "Estilo Espanhol" as azeitonas, em verde, so submetidas a tratamento anaerbico com NaOH para eliminao da oleuropena seguindo-se uma fermentao lctica; segundo o "Estilo

1 - Consideraes Tericas

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Americano" as azeitonas j em estado de maturao adiantado (mistas ou pretas) so submetidas a tratamento aerbico com NaOH para eliminao dos compostos amargos e uniformizao da cor. As alteraes provocadas na parede celular pelos diversos tipos de processamento no foi ainda objecto de estudo apesar da sua importncia para a compreenso das alteraes de textura e eficincia na penetrao dos reagentes utilizados no tratamento com vista sua optimizao em diferentes variedades e tamanhos de azeitona.

a)

Azeitonas Verdes

b)

Azeitonas Mistas (entre verde e preto)

2% NaOH 9h T.amb. Salmoura 2-3 meses pH 4 5-10% NaCl com arejamento Lavagem com gua (2 vezes) NaOH 2% com borbulhamento de ar (at penetrao do NaOH em 2/3 da polpa) Salmoura em NaCl 7-10% Lavagem com gua (5 vezes em 5 dias)

Fermentao ( Lactobacilli ) 3 meses pH 4-5

Lavagem

Pasteurizao a 60-70o C

Salmoura

Salmoura (3-5% NaCl) 1 semana

Empacotamento

Empacotamento

Azeitonas Verdes Processadas Segundo o E s t i l o E s p a nhol

(Esterilizao)

Azeitonas Pretas Processadas Segundo o E s t i l o A m e ri c a no

Esquema 1.1 - Procedimentos utilizados para a preparao de azeitona de mesa segundo os mtodos (a) Sevilhano e (b) Californiano.

1 - Consideraes Tericas

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1.4.4 - Variaes de Textura Durante o Amadurecimento

A informao referente organizao macromolecular e composio das paredes celulares da azeitona escassa. O facto de a azeitona ser um fruto rico em leo, possuir protenas intra-celulares e ser muito rica em polifenis, caractersticas que dificultam bastante a preparao e isolamento do material das paredes celulares, poder estar na origem desta escassez de informao referente s paredes celulares da azeitona. Alguma ateno foi dada nos anos 70 ao estudo da variao das substncias pcticas e presena das enzimas pectinolticas pectina-esterase e poligalacturonase (Fernndez Dez et al., 1985). Destes trabalhos realam-se as seguintes concluses: (1) a textura e contedo de cido galacturnico diminuem progressivamente com a maturao; (2) a percentagem de esterificao das substncias pcticas diminui com a maturao, chegando a ser zero em azeitonas muito maduras; (3) a actividade de pectina-esterase pouco significativa em azeitonas imaturas, crescendo a sua concentrao at maturao (onde apresenta um mximo), decrescendo de seguida at desaparecer; (4) a actividade de poligalacturonase s detectada em azeitonas maduras ou muito maduras, possuindo um mximo de actividade aps a extino da actividade de pectina-esterase. O reconhecimento do valor nutritivo e influncia da fibra dos frutos e legumes na preveno de um vasto nmero de doenas motivou o estudo da fibra da azeitona, tendo-se verificado ser um fruto equilibrado em fibra diettica (Herdia et al., 1990). As hemiceluloses foram objecto particular de estudo, tendo permitido o isolamento e caracterizao parcial de uma 4-O-metilglucuronoxilana (Tejero Mateo et al., 1985a,b; Gil Serrano et al., 1986), de uma galactoglucomanana (Tejero Mateo et al., 1986a) e de uma xiloglucana (Tejero Mateo et al., 1986b; Gil Serrano e Tejero Mateo, 1988), esta ltima a partir da polpa de azeitonas processadas segundo o estilo sevilhano.

1 - Consideraes Tericas

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1.5 - Sumrio e mbito do Trabalho

O desenvolvimento, nos ltimos vinte anos, dos mtodos de preparao e anlise das paredes celulares tem permitido o isolamento e caracterizao de polmeros de uma vasta gama de tecidos de plantas. O melhoramento das tcnicas de preparao de paredes celulares livres de contaminantes intra-celulares e a aplicao de mtodos suaves e no degradativos extraco dos polmeros das paredes celulares permitiu estabelecer definitivamente a composio e estrutura dos polissacardeos da maioria das paredes celulares. As principais caractersticas estruturais dos polissacardeos que tm sido caracterizados foram sucintamente descritos neste captulo introdutrio. Complementando a aplicao destas tcnicas, o desenvolvimento de tcnicas de GC, GC/MS, HPLC e RMN de 1H e 13C tm permitido o fraccionamento e caracterizao de quantidades nfimas de material. A nova metodologia tornou possvel o isolamento e a caracterizao de polissacardeos das paredes celulares de materiais ricos em protenas, compostos fenlicos e leo, tal como a polpa da azeitona. Devido aos problemas inerentes ao estudo das paredes celulares da polpa da azeitona, muito pouco trabalho foi at agora efectuado neste tipo de tecidos, tendo o trabalho at data sido restringido ao isolamento e caracterizao parcial de xilanas acdicas e xiloglucanas. No entanto, o conhecimento detalhado da estrutura das paredes celulares da azeitona poderia ajudar a projectar melhores mtodos para a ruptura da parede celular e aumento da extraco de azeite. Em adio, o conhecimento das paredes celulares da azeitona poderiam ajudar a compreender melhor as modificaes que ocorrem durante o processamento da azeitona. Neste trabalho, foi dada especial ateno ao isolamento das paredes celulares da azeitona numa forma relativamente pura. A extraco sequencial dos polissacardeos utilizou condies que causassem um mnimo de degradao nos polmeros, tendo sido aplicados mtodos de anlise melhorados a fim de serem elucidadas as caractersticas estruturais dos polissacardeos presentes. O mesmo tipo de procedimento foi aplicado ao estudo de azeitonas processadas, contribuindo para um acesso mais realista s variaes que ocorrem durante o processamento. Em adio,

1 - Consideraes Tericas

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foram tambm planeados mtodos para o isolamento e caracterizao dos polmeros das paredes celulares dos tecidos lenhificados do caroo da azeitona.