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6º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais
25 a 28 de Julho de 2017
PARIS IN FLAMES: UM ESTUDO COMPARADO ENTRE A BBC E A DABIQ SOBRE O
TERRORISMO INTERNACIONAL
Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Artigo
Pablo Victor Fontes Santos
IRI/PUC-RJ
Jessika Cardoso de Medeiros
DGEI/UFRJ
Belo Horizonte
2017
1
RESUMO: “Às vezes, a única coisa verdadeira num jornal é a data” (Luís Fernando
Veríssimo). Este artigo tem como propósito, a partir da perspectiva comparada, analisar e
apontar a partir das construções discursivas e semiológicas, produzidas pelas reportagens
jornalísticas da BBC e pela DABIQ Magazine. O fato histórico investigado corresponde aos
ataques em Paris de 13 de novembro de 2015 tendo em vista a espetacularização midiática
construída e transmitida por intermédio das mensagens verbais e não verbais. Assim sendo,
o artigo busca responder a seguinte pergunta: Como é possível construir narrativas e
discursos sobre a temática do terrorismo a partir de perspectivas dualistas. Temos como
hipótese que as construções discursivas e narrativas ocorrem segundo duas questões. De
um lado, existe a transmissão de ideias, valores mediante a lógica de segurança,
solidariedade e a retorno à normalidade, já por outro espectro há a construção da sensação
de insegurança, de tragédias e de desespero. Metodologicamente,utilizou-se de referências
bibliográficas a cerca do tema sobre os estudos de segurança/insegurança internacional,
terrorismo, análises de discurso e um estudo pormenorizado comparando as capas e os
conteúdos jornalísticos dos referentes meios de comunicação.
PALAVRAS-CHAVE: Terrorismo; Estado Islâmico; Mídia; Dabiq; BBC.
ABSTRACT: "Sometimes the only real thing in a newspaper is the date" (Luís Fernando
Veríssimo). This article has the purpose, from the comparative perspective, to analyze and
point out from the discursive and semiological constructions produced by the journalistic
reports of the BBC and DABIQ Magazine. The historical fact investigated corresponds to the
attacks in Paris of November 13, 2015 in view of the media spectacularization constructed
and transmitted through verbal and nonverbal messages. Thus, the article seeks to answer
the following question: How can we construct narratives and discourses on the subject of
terrorism from dualistic perspectives. We have as hypothesis that the discursive and
narrative constructions occur according to two questions. On the one hand, there is the
transmission of ideas, values through the logic of security, solidarity and a return to
normality, on the other hand there is the construction of a sense of insecurity, tragedy and
despair. Methodologically, bibliographical references were used on the subject of
international security studies, terrorism, discourse analysis and a detailed study comparing
the covers and the journalistic contents of the referring mass media.
KEY-WORDS: Terrorism;Media; Dabiq; BBC.
2
INTRODUÇÃO
Desde sua origem, no início dos anos 2000, o grupo intitulado Estado Islâmico (EI)
foi se moldando e alterando suas estruturas até chegar ao que se conhece atualmente.
Diferentemente dos outros grupos terroristas, o EI ganha notoriedade não apenas por
difundir o terrorismo, mas porque se utiliza dos meios de comunicação digital e das redes
sociais para difundir seus valores, suas ideias e concepções sobre mundo. Após, o ano de
2014, com a declaração do Califado, a atuação do grupo se tornou mais ostensiva com
constantes atividades de combatentes no Oriente Médio e com a expansão
geopolítica/geoestratégica sobre o globo.
Ao longo do tempo, a atividade midiática do grupo também tomou forma e força. A
Dabiq, revista online, tornou-se uma das principais ferramentas de marketing utilizadas pelo
grupo. Porém, é preciso apontar que o grupo possui, para além da revista, uma extensa
cadeia de operação midiática. Através de diversas plataformas, como publicações online,
aplicativos para celular, redes sociais, vídeos, o grupo exalta os feitos militares, as crenças
religiosas para efeito propagandístico. Dentro dessa divisão midiática encontra-se uma
estação de rádio (Al-Bayan) que é transmitida na Síria, Iraque e Líbia, mas possui alguns
boletins diários que são noticiados em outras línguas, como o inglês, francês, russo, turco.
Também possuem uma agência de notícias (Amaq), que reporta as ações do grupo dentro e
fora do território do Oriente Médio, e uma divisão de mídia em língua estrangeira (Al-Hayat
Media Center) responsável pelas revistas e produção dos vídeos, entre outros aplicativos
para celular.
Entre os objetivos externos do EI, há a zona de influência direta, está o continente
europeu, por exemplo, a França que no dia 13 de novembro de 2015 foi alvo de diversos
ataques em sua capital, Paris. Tal evento teve forte repercussão na mídia europeia e
internacional ganhandotambém espaço no periódico do grupo terrorista. Desta maneira,
utilizou-se os ataques de Paris, em novembro de 2015, como marco temporal, para delimitar
o escopo de pesquisa, realizando duas análises de modo comparato entre a Dabiq
Magazine e a BBC (uma das maiores coorporaçãoes midiáticas da Europa)- objetos desta
pesquisa.
Assim sendo, o artigo busca responder a seguinte pergunta: Como é possível
construir narrativas e discursos sobre a temática do terrorismo a partir de perspectivas
dualistas. Temos como hipótese que as construções discursivas e narrativas ocorrem
segundo duas questões. De um lado, existe a transmissão de ideias, valores mediante a
lógica de segurança, solidariedade e a retorno à normalidade, já por outro espectro há a
construção da sensação de insegurança, de tragédias e de desespero.
3
No que concerne as divisões do artigo, primeiramente foi feita a constatação sobre a
importância da contribuição dos estudos críticos sobre a agenda da segurança/insegurança
internacional a partir dos atores não estatais, sobretudo, o impacto do terrorismo do EI por
intermédio das mídias. No segundo momento, o texto aborda a relação que existe entre
mídias, análise de discurso através do pós-estruturalismo. Na última secção, o artigo faz uso
de modo permenorizado da análise de discurso em perspectiva comparada tendo como
estudos de caso a Dabiq Magazine e a BBC.
Metodologicamente, o paper se utilizou de referências bibliográficas a cerca do tema
sobre os estudos de segurança/insegurança internacional, terrorismo e mídia. Além disso,
fez-se um estudo pormenorizado, a partir da análise de discurso, comparando as capas e os
conteúdos jornalísticos dos referentes meios de comunicação.
1. A CONTRIBUIÇÃO DOS ESTUDOS CRÍTICOS SOBRE A AGENDA DA
SEGURANÇA/INSEGURANÇA INTERNACIONAL A PARTIR DOS ATORES NÃO
ESTATAIS: O TERRORISMO DO EI
Após o fim da Guerra Fria (1991), os estudos sobre a segurança/insegurança
internacional passaram por mudanças e inovações. A Escola de Copenhagen, através de
seus teóricos, como Barry Buzan, Ole Weaver e Jaap Wilde lançaram obras a partir da
temática sobre a segurança que permitiram e proporcionaram uma ampliação/alargamento
sobre os atores e agendas que antes eram marginalizados. Ao lançarem luz sobre o
conceito de securitização1 e desecuritização2 alavacaram temas que vão desde os estudos
sobre segurança humana até temas que envolvem a segurança/insegurança de atores não
estatais.
Diante desta possbilidade de ampliação do tema, novas escolas passaram a também
contribuir sobre os estudos de segurança/insegurança. As Escolas de Paris3 (Pierre
1Securitização pode, portanto, ser vista como uma versão mais extrema de politização. Em teoria, qualquer emissão pública pode ser localizada no espectro que vai de não politizada (ou seja, o Estado não lidar com isso e não é de qualquer outra forma uma questão de debate público e de decisão) ou através da politização (ou seja, a questão faz parte da política pública, exigindo do governo tomada de decisão e de recursos ou, mais raramente, alguma outra forma de governação comunal) para securitizados (ou seja, a questão é apresentada como uma ameaça existencial, necessitando de medidas de emergência e justificar ações fora dos limites normais do processo político). Em princípio, a colocação das questões sobre este espectro está aberta: Dependendo das circunstâncias, qualquer problema pode acabar em qualquer parte do spectrum. Na prática, a colocação varia substancialmente de Estado para Estado (e também ao longo do tempo). Alguns Estados politizam a religião (Irã, Arábia Saudita) e outros não (França, Estados Unidos). Alguns vão securitizar a cultura (URSS, Irã) e outros não (Reino Unido, Países Baixos) (BUZAN; WEAVER; WILDE, 1998, pp.23-24). 2 Ver em BUZAN; WEAVER; WILDE, 1998, pp.23-24. 3 Paris tem sido o principal local do desenvolvimento teórico distinto, principalmente, inspirado por Bourdieu e outros sociólogos, com uma dose de Foucault e um compromisso completo para
4
Bourdieu, Didier Bigo e Jef Huysmans em 1990) e de Aberystwyth4 (Ken Booth e Wyn
Jonnes) passaram a trazer visões ainda mais críticas possibilitando que outras agendas e
temas para além de uma dimensão positivista e em oposição ao realismo ganhassem
relevância (BUZAN; HANSEN, 2009; WEAVER, 2004).
As visões sobre segurança/insegurança internacional permitiram que uma infinidade
de temas e agendas pudessem ser estudados e analisados vinculados e não atrelados a
dimensão estatal. O terrorrismo tornou-se uma das temáticas nos debates sobre
segurança/insegurança ganhando projeção internacional, sobretudo, a partir dos principais
discursos de Chefes de Estados, dos analistas e dos meios de comunicação,
principalmente, após os atentados de 11 de setembro de 2001 cujo evento histórico,
politizado, ganhou projeção e impacto global, através das imagens impactantes
espetacularizadas, pelas redes de TV norte-americanas e pelas agências de notícias
internacionais (HUYSMANS, 2006).
Um dos personagens que se tornou cada vez mais presente, nas principais capas de
revistas e jornais do mundo, a partir do discurso e dos Speech Acts sobre a insegurança
internacional, foi o Estado Islâmico (cuja ideologia religiosa baseada no wahabismo,
subconjunto do salafismo jihadista5). Em 2001, quando os Estados Unidos invadiram o
investigações empíricas detalhadas por meio das práticas reais realizado por diversas agências - práticas que muitas vezes revelam padrões e processos diferentes daqueles encontrados ao estudar o discurso oficial. Didier Bigo é a figura principal neste desenvolvimento e 'seu' jornal Cultures & Conflits publicou uma série de trabalhos importantes em relação a este programa de pesquisa. Empiricamente, Bigo mostrou, entre outras coisas, a fusão entre a segurança interna e a segurança externa, sobretudo, à medida que as agências competem pelas tarefas gradualmente desterritorializadas envolvendo a polícia, os militares e os militares tradicionais. Além disso, produzem conjuntamente uma nova imagem de ameaça conectando constantemente a imigração, o crime organizado e o terrorismo. (WEAVER, 2004, pp.10-11) (Tradução Nossa). 4 Aberystwyth tem sido um dos sites mais importantes para o desenvolvimento dos chamados Estudos de Segurança Crítica (CSS). O CSS é a escola que tem um movimento amplo que emergiu de muitas fontes e muitos lugares, na Europa. O CSS tem as duas figuras principais estão localizadas no Universidade de Gales, Aberystwyth - Ken Booth e Richard Wyn Jones. O trabalho definidor da escola, a antologia Estudos de Segurança Crítica, foi editada por dois pós-canadenses Keith Krause (Genebra) e Mike Williams (então Portland, Maine), mas Mike Williams mudou-se para Aberystwyth em 1998. CSS argumenta que nós, como pesquisadores, devemos evitar ver o mundo através dos olhos do estado. É preciso emancipar-se da figura do Estado tendo em vista que muitas das vezes ele é considerado o problema (WEAVER, 2004, pp.6-7). (Tradução Nossa). 5 Há duas correntes de pensamento que contribuíram para a eclosão do pensamento jihadista: O primeiro está associado com a Irmandade Muçulmana, grupo fundado em 1928, no Egito, e que defendia que o califado deveria ser o sistema de governo para o mundo islâmico a partir de uma reforma do Islã, visando à restauração da pureza doutrinária. A segunda corrente é justamente o salafismo de origem sunita5 que prega a pureza doutrinária da religião islâmica. Nessa vertente existe a busca por eliminar a idolatria da religião e afirmar a unicidade de Deus (tawhid) (BUNZEL, 2015; NAPOLEONI, 2015). Dentro do salafismo existe o wahabismo, movimento religioso que exerce influência direta no Estado Islâmico. Consiste no retorno as origens do Islã, com o desprezo e a hostilidade aos muçulmanos que não possuem a mesma visão ideológica. Desse modo, o salafismo jihadista surgiu pela combinação dessas correntes (BUNZEL, 2015; COCKBURN, 2015). Essa corrente ideológica chegou futuramente ao Estado Islâmico por Abu Musab al-Zarqawi, jordaniano que na década de 1980 foi para o Afeganistão lutar ao lado dos mujahedin contra o Exército Vermelho soviético.
5
Afeganistão, Zarqawi6 (líder) e seus seguidores se viram obrigados a se mudar para áreas
no território iraquiano, onde em 2002 foi constituído o grupo Jama’at al-Tawhid wa’al-Jihad
(Organização do Monoteismo ou Unidade e Jihad). Somente em 2004, Zarqawi jurou
lealdade à Al-Qaeda e rebatiza seu grupo como Al-Qaeda no Iraque (AQI). No ano de 2006,
foi formado o Mujahidin Shura Council que buscava unir a AQI e os outros grupos jihadistas
que também atuavam na região. Esse foi o primeiro passo do desejo nutrido pelo líder da
AQI de formar um califado. Após a morte de Zarqawi (feito por um ataque aéreo norte-
americano), Abu Umar al-Baghdadi é nomeado líder renomeando o grupo para Estado
Islâmico do Iraque (EII)7 (VULTEE, 2011; BUNZEL, 2015; NAPOLEONI, 2015).
Buscando cooptar indivíduos que se indentificassem com as causas e os objetivos
do grupo terrorrista, o EI passou a investir nos meios de comunicação (“tradicionais” e
digitais) tendo em vista o impacto e o poder de mobilização junto a opinião pública
internacional. A forma encontrada pelo EI deu-se pela divulgação de conteúdos jornalísticos
e de vídeos, numa comunicação em rede de modo transnacional. Além disso, os conteúdos
jornalísticos e o marketing produzido pelo EI tem como ênfase, a desconstrução dos
discursos e das narrativas (reportagens e matérias), das mídias mainstream ocidental que
apenas apontam, para uma visão uniderecional sobre o terrorismo “esquecendo” o passado
e a dívida histórica durante e pós-processo de colonização.
Como bem lembra Jeff Huysmans (2006) a segurança/ insegurança são fenômenos
construídos politicamente e socialmente. Nos meios de comunicação tanto mainstream
como os “alternativos”, os discursos sobre insegurança e segurança são enfatizados e
reafirmados através da linguagem, da estética (fotografias), do framing etc. Os jogos de
linguagem semióticos amparados na estética da TV e no impresso criam e constroem um
imaginário e uma representação da violência onde a anarquia, o caos, a barbárie devem ser
combatidos a todo instante. Há um marketing do terror, principalmente, nos dias atuais onde
por meio das redes sociais (twitter, facebook, youtube) o discurso e a narrativa (luto e
instropecção) contra o terrorismo enquadrado como inimigo (guerra global) a ser combatido
(eixo do mal) (DUPAS, 2006; HUYSMANS, 2006; SONTAG, 2005).
Deste modo, destacamos a importância nos estudos e nas analises discursivas e
semiológicas sobre o terrorismo do EI nas subáreas de segurança/insegurança. O modo soft
que as mensagens são transferidas e transmitidas pelos meios de comunicação (inclusive
no âmbito virtual) calcadas na natureza política do terrorismo, como uma tática para atingir
seus principais objetivos elencados, principalmente, pós-2001 onde o terrorismo atingiu
aproximadamente 31.000 incidentes terroristas e 64.000 mortes. O número de incidentes
6 O primeiro contato com a Al-Qaeda e seu líder, Osama Bin Laden, aconteceu no ano de 2000. No entanto, no primeiro momento Zarqawi tinha outras prioridades, e se recusou a fazer parte da Al-Qaeda (BUNZEL, 2015). 7Islamic State of Iraq (ISI).
6
aumentou acentuadamente em 464% em 2011, em comparação com 2002 (começaram a
aumentar em 2005, saltou em 2007-2008 e cruzou o pico mais alto de 5000 ataques / ano
em 2011) segundo a base de dados do Terrorismo Global (GTD) (STEPANOVA, 2011;
STAMPNITZKY, 2013).
2. A ANÁLISE DISCURSIVA A PARTIR DO PÓS-ESTRUTURALISMO
Observa-se, a partir das últimas décadas do século XX, um vertiginoso
desenvolvimento tecnológico dos meios de comunicação, marcado pelo surgimento de
novas mídias, como a internet, o celular e o IPTV, e, por conseguinte, pela transformação do
status e do consumo da informação. Novas estratégias passaram a ser organizadas para a
sobrevivência do ameaçado controle do establishement sobre a informação, assim como
para a sobrevivência dos conglomerados que constituem as tradicionais imprensa escrita e
televisiva, que passaram a concorrer com uma infinidade de blogs, sites, redes de
sociabilidades e IPTVs que reconfiguraram a produção e o consumo da informação.
A “era da informação” passou a exigir, portanto, novas estratégias de comunicação
por parte dos Estados, e dos governos, como destacou VALENTE (2007), sem que para
isso, no mundo globalizado8, se observasse o desaparecimento do caráter nacional dos
veículos de comunicação de relevância global. A Revista Dabiq é um exemplo desse
movimento globalizante, cuja publicação ocorre de modo online e bimestralmente, pela qual
a organização do Estado Islâmico atua como uma difusora de sua ideologia (universalista)
por meio da propaganda transnacional onde a segurança/insegurança passou a atuar para
além dos Estados (networks e de modo privado) (ABRAHAMSEN; WILLIAMS, 2011).
A Britsh Broadcasting Corporation (BBC) é outro meio de comunicação que ganhou
relevância nos últimos anos, pelas ampliações e pelas inovações que passou. Além disso, a
BBC é pertence a uma das regiões do mundo que vem sofrendo com os atentados
terroristas pelos membros que compõem o Estado Islâmico. Nesse sentido, a escolha por
estes dois objetos são essenciais para entendermos como as mídias, nos seus variados
tipos, por vezes, influenciam, manipulam os discursos e as narrativas ao longo do tempo e
do espaço a partir dos seus respectivos enquadramentos.
Entender os processos de construção e de desconstrução tornam-se importantes
tento em vista que através da desconstrução dos discursos é possível enxergar as
oposições binárias em que os significados dos discursos são produzidos. Por intermédio da
linguagem, objetos, assuntos, estruturas ganham relevância dado o significado e o impacto
que exercem na sociedade para além da representação linguística (MALMVIG, 2006).
8Compartilhamos a visão de David Held (1980) sobre a definição de globalização.
7
Nesse sentido, tanto os discursos como as linguagens são usadas para reforçar certas
visões de mundo.
Alguns estudos pós-modernos ajudam neste artigo já que as narrativas têm uma
função de legitimação para a reivindicação do conhecimento. Em termos epistemológicos,
as grandes narrativas servem como um modo de auto-fundação, enquanto que no nível
político servem como auto-regulamentação ou auto-afirmação. Ao olharmos para a lógica
ocidental é possível a realizar uma desconstrução das narrativas e dos discursos que
legitimam a dominação, as implicações políticas e morais (DEVETAK, 1997).
Como um livro, o discurso não apresenta de modo nítido nem tampouco de modo
determinado suas essências. Desde suas primeiras linhas até o ponto final, o discurso
apresenta unidades que são relativas e variáveis. Portanto, os discursos e as narrativas não
podem ser consideradas como unidades imediatas e homogêneas. Nesse sentido, por meio
do fim das grandes narrativas, a política passa a ter lugar onde o contexto e as fundações
consideradas estáveis para a decisão e ação são retirados (FOUCAULT, 1997; DEVETAK,
1997).
Segundo Foucault (1997), ao olharmos para os meios de comunicação e seus modos
de atuação, na política internacional, é possível observar as críticas que as mídias realizam
as "regras discursisvas universais” já pré-estabelecidas. Mas, ao mesmo tempo, é possível
enxergar como os meios de comunicação podem promover o silenciamento de questões e
de vozes utilizando os discursos (FOUCAULT, 1997, pp.24-27). Por isso, a política não
pode ser entendida com base em heróis e vilões, ou apoiada em posição politicamente
correta e suas alternativas incorretas.
Em regiões marcadas pela vulnerabilidade, os meios de comunicação tem uma
importância ainda maior tendo em vista as questões complexas com que vem a se deparar.
Em muitos processos históricos conflituosos, a mídia promoveu e/ou acentou as crises ao
invés de mediar ou mesmo solucionar (CAMARGO, 2008). Por vezes, os jornalistas
descrevem os conflitos de modo desordenado caracterizando de modo homogêneo conflitos
étnicos que em si, são muito complexos. A mídia, por vezes, incita a violência das mais
variadas e multiplas formas. A construção do esteriótipos só amplifica e distorce a realidade
local. Além disso, os meios de comunicação, geralmente, mas não somente, manipulam as
informações e o acesso as fontes imprimem uma ideia de “verdade”, objetividade,
imparcialidade e neutralidade para os leitores (FROHARDT; TEMIN, 2007).
Nesse sentido, o uso da metodologia da análise de discurso é importante já que por
intermédio do discurso é possível reconhecer as dualidades entre a retórica e a prática
construpidas midiaticamente. A partir do discurso também é possível enxergar os possíveis
interesses que determinados setores da sociedade internacional defendem. Cabe ressaltar
que por meio dos discursos existem elementos de dominação, de ideologia e de poder.
8
Nesse sentido, os jornais tornam-se importantes ferramentas para se analisar as narrativas
e os discursos estereotipados construídos no tempo e no espaço.
Suponho que em toda a sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesa e temível materialidade (FOUCAULT, 2014, p.9).
Como ressalta Hansen (2006), a língua pertence à dimensão social, política e cultural de
uma sociedade. A língua representa um sistema instável onde sinais são evidenciados a
partir da construção da identidade e da diferença. Através da linguagem é possível enxergar
as implicações do discurso político marcados por construções específicas e subjetividades.
Os meios de comunicação na medida em que trabalham com diversos tipos de linguagem
atuam de modo ambíguo. Portanto, para entender a linguagem é preciso observar o local de
produção, reprodução de particulares subjetividades e identidades ao mesmo tempo
enxergar as exclusões e os silenciamentos.
A análise do campo discursivo orienta-se de forma a tratar e o compreender do
enunciado. Para, além disso, o discurso permite enxergar as estreitezas, as singularidades
determinando condições de sua existência. Por intermédio do discurso, algumas correlações
com outros tópicos mostram que outras questões acabam por serem marginalizadas. A
análise de discurso possibilita demarcar as superfícies das primeiras emergências, as
instâncias de delimitação chegando inclusive às grades de especificação (FOUCAULT,
1997, p.31).
Como afirma Doty (1993), a abordagem de práticas discursivas enfatiza a construção
linguística da realidade. A natureza produtiva da linguagem não depende tampouco
coincide, necessariamente com as motivações, percepções, intenções ou entendimento dos
atores sociais. A análise de discurso, portanto, permite,ao longo do tempo, que é possível
enxergar que as práticas discursivas não são feitas com uma base onde o centro é fixo e
estável. Isto é, as práticas discursivas constituem termos e modos de subjetivação de modo
disperso e espalhados por vários locais.
3. A APLICABILIDADE DA ANÁLISE DE DISCURSO EM PERSPECTIVA COMPARADA:
DABIQ MAGAZINE X BBC
3.1 Dabiq Magazine
O trabalho tem como ponto de partida, as análises sobre a Dabiq Magazine, edição
número 12, de 18 de novembro de 2015. A revista possui 66 páginas, no entanto é preciso
destacar que nem todos os conteúdos foram utilizados na medida em que partes destas
matérias/reportagens não mencionaram ou abordaram, os ataques ocorridos em Paris.
9
Assim, a análise utilizou-se como fonte, a capa, o prólogo com suas fotos e legendas, e a
matéria que se inicia na página 25 até 28. Seguindo a ordem de apresentação dos
conteúdos na revista, a primeira figura é a foto da capa.
Nesta imagem é possível observar alguns sentidos produzidos pela capa.
Começando pelo título, “JUST TERROR”, que em português significa “terror justo”,faz
referência a Shari’ah (lei) de Allah seguida pelos militantes do Estado Islâmico. Um dos
ensinamentos da Shari’ah há o decretarde que a punição deve acontecer aos cruzados
(modo como o grupodenomina os ocidentais que são contra as suas doutrinas, fazendo
analogia com as cruzadas cristãs na Idade Média) beligerantes de onde eles não
esperavam9. A ideia de justiça inferida nesse discurso, também pode ser associada aos
ataques aéreos10 executados por tropas francesas em curso contra o califado, dessa
maneira, tornaria justo aos olhos de Allah e no âmbito político-militar.
Uma segunda interpretação discursiva e semiológica corresponde às cores utilizadas
no título, na palavra terror (destacada com o uso da cor vermelha), enquanto a palavra just
está em branco; o uso da cor vermelha remete à agressividade, sangue, enquanto que o
branco transmite um sentimento de pureza, paz. Desta forma, no que toca ao “justo” é puro
e com bênçãos, e o “terror” será um meio agressivo e sangrento de se chegar à justiça.
Além disso, o título faz uso de letras em formato de caixa alta (letra maiúscula). Na redação
jornalística, o uso de letras em caixa alta funciona como uma maneira de chamar atenção.
Há um hábito, por parte da revista, em fazer uso de publicações em caixa alta. Apenas a
edição 14 da revista fez uso de letras maiúsculas e minúsculas.
No que concerne a foto observa-se o escurecimento das bordas e o foco claro na
pessoa que está sendo socorrida. Os bombeiros, com semblantes preocupados, revelam
que o ataque promovido pelo grupo obetve êxito. A ação de ferir pessoas, e principalmente,
ferir psicologicamente também ganha destaca. A passagem escrita na página do prólogo é
possível apontar tal conclusão: “The divided crusaders of the East and West thought
themselves safe in their jets as they cowardly bombarded the Muslims of the Khilāfah11”
(DABIQ MAGAZINE, 2015, p. 2).
Avançando para o conteúdo do prólogo, que conta com uma parte textual rica e
algumas fotos, destacamos algumas partes textuais já que foram contextualizadas e
correlacionadas com a Figura 1. Outro ponto que destacamos, deve-se às outras fotos que
fazem referência aos ataques de Paris. A figura 2 tem como legenda “The coward François
9“But Allah decreed that punishment befall the warring crusaders from where they had not expected” (DABIQ MAGAZINE, 2015, p. 2). 10 “A year earlier, on “19 September 2014,” France haughtily began executing airstrikes against the Khilāfah”(DABIQ MAGAZINE, 2015, p. 2). 11 “Os cruzados divididos do Leste e Oeste pensaram estarem salvos em seus jatos enquanto eles covardemente bombardeavam os muçulmanos do califado.” (Tradução nossa)
10
Hollande”, que em português significa “O covarde François Hollande”. A importância desta
imagem deve-se, em termos contextuais, a figura do antigo presidente da França, François
Hollande, eleito em 2012.
Os dois homens a frente do presidente são aparentemente, seguranças, visto que
um deles está armado, no entanto é preciso destacar que os indivíduos não estão
uniformizados. Nesse sentido, a utilização do termo “covarde” dá-se em função de François
Hollande está escoltado (dependendo da interpretação, escondido, já que mal pode ser visto
e o rosto coberto pela sombra) por homens armados e utilizando coletes à prova de
balas.Nota-se também o desfocar da paisagem, ao redor dos homens, isso faz com que a
atenção/enquadramento seja direcionada ao centro, onde se encontra o presidente francês.
A Figura 3 possui a seguinte legenda: “The Scene after the Khilafah’s daring raids in
Paris”, em português: “A cena depois da ousada incursão do Califado em Paris”. Na foto
pode ser visto a cena do restaurante La Belle Equipe após o ataque dos atiradores, com
corpos no chão e ação dos bombeiros. A luz do refletor no rapaz destaca o rosto assustado,
deixando o registro com uma grande carga dramática; Tal como a Figura 1, a Figura 3
aponta para os corpos ensanguentados,bombeiros e semblantes assustados remetendo
mais uma vez, para o sucesso da ação por parte do grupo Estado Islâmico.
No que concerne às palavras podemos destacar o uso da expressão
ousada.Segundo nossa interpretação, a expressão está relacionada as dificuldades do EI
em avançar geopoliticamente e geoestrategicamente o território europeu. Ao revisitarmos o
prólogo, as palavras utilizadas pelo EI apontam que apesar da inteligência internacional está
em guerra contra o Estado Islâmico, os ataques contra a nação francesa foram executados
com êxito12. A palavra incursão também tem destaque haja vista que a expressão tem
conotação de uma ação militar que por sua vez, nos remete a ideia de invasão. Outra
informação vista no prólogo é a frase “oito guerreiros derrubaram Paris de joelhos, depois de
anos de arrogância francesa na face do Islã”. Segundo nossa interpretação, a frase remete
a existência de um estado de emergência nacional onde as ações dos oito homens
armados, somente com rifles de assalto e cintos explosivos, foram capazes de promover
uma cena de guerra13” (DABIQ MAGAZINE, 2015, p. 2).
Já na Figura 4 vemos a legenda: “The nightmare in France has only begun”, que
significa, “O pesadelo na França apenas começou”. A foto com um homem com a camisa
com sangue, acompanhado de um policial, falando ao celular com um rosto assustado
retrata o horror vivido pelos ataques. A ameaça na legenda revela que a França é um alvo
12 “Thus, the blessed attacks against the Russians and the French were successfully executed despite the international intelligence war against the Islamic State” (DABIQ MAGAZINE, 2015, p. 2). 13 “The eight knights brought Paris down on its knees, after years of French conceit in the face of Islam.A nationwide state of emergency was declared as a result of the actions of eight men armed only with assault rifles and explosive belts” (DABIQ MAGAZINE, 2015, p. 2).
11
do Estado Islâmico, muito se deve ao que já foi abordado na Figura 1 com relação aos
ataques aéreos no território do Califado. No texto do prólogo há uma passagem que passa a
sensação de orgulho sentida com o choque da população francesa: “Thus, the Islamic State
dispatched its brave knights to wage war in the homelands of the wicked crusaders, leaving
Paris and its residents “shocked and awed.14” (DABIQ MAGAZINE, 2015, p. 2).
Dando sequência ao conteúdo da edição #12, em uma seção intitulada “A selection
of military operations by the Islamic State”15, são destacadas algumas operações conduzidas
pelo grupo terrorista em diversas regiões do globo. Ressaltamos esta passagem da revista
posto que existe a transmissão de um discurso e de uma narrativa em defesa das
operações onde obteve-se êxito, por intermédio, de uma expansão geopolítica do território
do Califado. A expansão do Califado pode ser também interpretada como um modo de
massacrar, de aterrorizar e de humilhar os inimigos de Allah (DABIQ MAGAZINE, 2015, p.
25).Entre essas operações militares do grupo que deram “certo” estão os ataques em Paris.
A foto de número 6 tem como legenda a seguinte descrição: “Carnage on the streets
of Paris following the Islamic State’s blessed assault”, em português, “Matança nas ruas de
Paris após o abençoado ataque do Estado Islâmico”. Tal como qual as fotos analisadas
anteriormente, a presença de elementos que mostram preocupação e/ou sensação de
emergência/urgência reafirmam mais uma vez o impacto dos atentados terroristas.Nesta
imagem especificamente destacamos dois alvos: de um lado o estádio de futebol (Stade de
France) e a casa de show (Bataclan). O primeiro alvo (estádio de futebol) ganha relevância
já que duarante o atentado, havia a presença do presidente francês durante uma partida de
futebol.
O segundo alvo ganha relevância, do ponto de vista religioso, já que “mushrikin”,
traduzido como idólatras, foi o termo utilizado para denominar os franceses que estavam no
show. Novamente, os ataques de Paris são usados como uma resposta para chocar o
mundo. Os óbitos são associados aos cruzados que executaram ataques aéreos nas terras
do Califado, como fica explicitado na última sentença.Realizada a análise da Dabiq, com
suas nuances nos texto e fotos, a seguir é feito uma analise discursiva e semiológica da
BBC. Os mesmos objetivos e parâmetros foram abordados e respeitados desde a utilização
de matérias, com fotos, textos edelimitação temporal.
3.2 BBC
14“Assim, o Estado Islâmico despachou seus bravos guerreiros para travar uma guerra na pátria dos perversos cruzados, deixando Paris e seus residentes “chocados e temerosos.” (Tradução nossa) 15“Uma seleção de operações militares pelo Estado Islâmico”. Essa seção no formato atual teve início na edição #11 da revista, anteriormente era feita de maneira mais diluída no conteúdo.
12
A BBC realizou uma cobertura, sobre os ataques de Paris (sexta-feira) e
posteriormente até o dia 18 de novembro (quarta-feira). Diversas matérias e reportagens
foram realizadas, onde pode ser encontrado, através de um sistema de busca, pelo próprio
site,vídeos de sobreviventes contando suas experiências e como conseguiram sair vivos dos
locais atacados.
Filmagens amadoras de celulares das vítimas ou dos vizinhos próximos aos locais
dos atentados. Alguns vídeos internacionais também foram destacados nas matérias tendo
como o sentimento de solidariedade, compaixão as vítimas, ao redor do mundo. As
reportagens fizeram alusão a utilização das redes sociais no mundo, sobretudo, o facebook,
que possibilitava aos seus respectivos usuários, alterassem suas fotos nas cores da
bandeira francesa (azul, branco e vermelho) com um lema “Je suis Paris”.
Estímulos as reportagens sobre os ataques possibilitou que outras análises e
histórias paralelas pudessem ser abordadas e/ou revisitadas. A alusão a outros ataques no
mundo também foi endossada pela BBC. A temática da segurança/insegurança ganhou
notoriedade, principalmente, no que tange as questões envolvendo os refugiados que
chegavam cada vez mais a Europa. O aumento de segurança/insegurança em vários países
do continente também foi um tema levantado, sobretudo, a mudança da estratégia militar em
ações contra o Estado Islâmico. Entretanto, apesar de ser importante citar essas matérias, o
foco da pesquisa reside na análise textual e fotográfica que compõe a matéria jornalística
que versa especificamente sobre os ataques.
A primeira fonte é do dia 14 de novembro de 2015, com o título “Paris attacks:
Islamic State militants change tactics” (“Ataques de Paris: Militantes do Estado Islâmico
mudam tática”) do autor Frank Gardner, correspondente de segurança da BBC desde 2002,
e vítima de um atirador na Arábia Saudita em 2004. O título da matéria explica-se tendo em
vista que o grupo do EI passa a realizar ataques, par’álem da região do Oriente Médio. Dirá
Gardner (2015): “Mas os militantes estão bem cientes do seu apelo transnacional à violência
jihadista na Europa e em outro lugar.16”. O uso da palavra “apelo” dentro da mudança de
tática busca desqualificar a ação, já que tal palavra remete à uma ação tida como última
instância, buscando chamar a atenção ao atacar em terreno europeu ou outros fora da
região de influência direta do grupo.
As ações, fora do território habitual, são tratadas na matéria, como consequência,
dos ataques aéreos17, na região, dominada pelo grupo. Entretanto, os ataques são tidos
como vitoriosos já que buscam acabar com os lideres. Portanto,as novas ações passam a
ser realizadas fora do centro de gravidade do Estado Islâmico, leia-se Iraque e Síria. No
16“For most of last year and much of this, IS's focus has been on taking and holding territory in the Middle East. For its leaders in Raqqa and Mosul, that is still the priority.” 17“As they reel under the daily onslaught of US-led coalition airstrikes, haemorrhaging one leader after another, they are increasingly looking to direct or inspire attacks further afield”(GARDNER, 2015).
13
decorrer da reportagem são abordados outros temas que buscam apresentar um pano de
fundo para explicar a ação. Dentre eles estão: ataques ocorridos em países do Oriente
Médio, nos meses próximos a novembro de 2015, leia-se: a questão da fronteira entre
Turquia e a Síria. Essa região de fronteira ganha relevância já que é o espaço, onde
transitam os jihadistas,advindos da Europa, para se juntar ao EI.
A reportagem, produzida pela BBC, possui três fotos, contudo, apenas duas que
abordam os ataques de Paris. A Figura 7 possui a seguinte legenda: “Security has been
stepped up across France in the wake of the attacks” (“Segurança tem sido aumentada por
toda a França no despertar dos ataques”). A foto de militares, fortemente armados, em um
aeroporto,faz à associação, com as vias de entrada no país, visto que existe um conflito
quanto a entrada de refugiados. A Figura 8 com a legenda “Across France and beyond,
tributes are being paid the victims of the attacks” (“Pela França e além, estão sendo
prestadas homenagens às vítimas dos ataques”), nos mostra dois rapazes grafitando, em
um dos muros da cidade, a mensagem “reze por Paris”, uma mensagem que se espalhou
pelas redes sociais, sendo registrada.
A próxima reportagem, também é do dia 14 de novembro, com o seguinte título:
“Paris attacks: A new terrorism and fear stalks a city” (“Ataques de Paris: Um novo
terrorismo e medo perseguem uma cidade”). No começo da matéria jornalistica há alusão
aos ataques ao jornal francês Charlie Hebdo (janeiro de 2015). A correlação feita pelo jornal,
busca realizar um paralelo e uma comparação,com o que aconteceu nas ruas de Paris em
2015. O autor da matéria também destaca que os ataques que parecem “normais” de
ocorrerem e serem associados ao Oriente Médio, chegaram a Europa, em Paris cidade
onde não existe esse tipo de ferocidade. Tal elucidações podem ser encontradas no trecho
a seguir.
The majority in January marched in solidarity, but they did not share the fear.Today it is different.Friday night's attacks were the Middle East come to Europe.They were of a ferocity, scope and randomness which we associate with Beirut or Baghdad - but not with Paris or London.18 (SCHOFIELD, 2015)
Schofield (2015) informa que os ataques em Paris, aponta para um novo tipo de
terrorismo caracetrizado pela lacuna quantos as crenças, massivo e mortal. Isto é, não
existe um objetivo politico que busca-se ser alcançado, apenas um fundo religioso. O autor
parece descrer e/ou mesmo desqualificar o fundo religioso.Por fim,Schofield (2015) fala
sobre a (possível) reação da sociedade francesa (solidariedade) que clama pela retomada
do armamento policial para aqueles que estão fora de serviço. Ao mesmo tempo, o autor
aponta que a sociedade francesa clama pela volta do armamento na sociedade que vive
18A maioria em Janeiro marchou em solidariedade, mas eles não compartilhavam o medo. Hoje é diferente. Os ataques de sexta à noite estavam no Oriente Médio vieram para a Europa. Eles foram de uma ferocidade, alcance e aleatoriedade que nós associamos com Beirute ou Bagdá- mas não com Paris e Londres (Tradução nossa).
14
com medo/insegurança. De acordo com o autor, esse seria o principal objetivo dos
perpetradores, ou seja, deixar a sociedade francesa sob o medo, armada e dividida entre si.
A matéria também composta por duas imagens (Figura 9) na primeira imagem, a
frente do restaurante que foi alvo do ataque, está repleta de flores no chão, onde associa-se
com o sentimento de solidariedade da sociedade francesa. A segunda imagem podem ser
observados militares armados, nas ruas de Paris, mais precisamente, em frente à Catedral
de Notre-Dame de Paris, uma igreja cristã e ponto turístico da cidade, onde existe a
transmissão de uma mensagem de proteção, símbolo cristão.
Outra inferência que pode ser feita a matéria jornalística está relacionada à
angulação e ao enquadramento, na primeira foto o ângulo é perpendicular ao local atingido,
permitindo avistar, a entrada com flores, o nome do restaurante e as pessoas passando na
rua ao lado, o que mostra o retorno à normalidade da vida cotidiana em contraste, com os
resquícios da tragédia (flores e o chão sujo, com o que parece areia). Na segunda imagem,
toda a imponência da Catedral de Notre-Dame é vista a partir do posicionamento de baixo
para cima da câmera, com os militares armados protegendo sua base, e no canto direito,
existe uma aglomeração de pessoas que novamente retoma ao cotidiano daquela região
turística.
A última reportagem do dia 14 de novembro de 2015, tal como a anterior, levanta o
questionamento de um novo tipo de terrorismo em seu título, “Paris attacks: A new type of
terrorism?”. Ao longo da reportagem, o jornalista Peter (2015) aponta questionamentos,
sobre os ataques em Paris, principalmente, porquê Paris foi o alvo. Uma das possíveis
respostas dá-se justamente aos ataques aéreos contra o grupo na Síria e no Iraque19, mas
nessa passagem, especificamente, esses ataques não são usados para transmitir uma
mensagem de vitória sobre o grupo.
O jornalista entende que a escolha dos alvos civis tinha como intenção, matar o
máximo de pessoas possíveis e de maneira aleatória20. Como já foi citado, mais uma vez, é
feito um histórico com outros ataques e, através do argumento de um especialista belga, em
grupos jihadistas. Na reportagem é dito que na França, esse tipo de barbarie não é comum,
ao contrário de outros países do Oriente Médio, em que muitas das ações passam a
impressão de naturalidade. Segue o trecho do jornalista: “There have been similar suicide
attacks in Syria and Iraq, where militants have used up all their bullets, then blown
themselves up in a crowd, he said. But never before in France”21(PETER, 2015).
19 “French warplanes have repeatedly attacked IS fighters in Syria and Iraq, as part of the US-led campaign against the group” (PETER, 2015). 20“They were soft civilian targets in Paris - the intention was evidently to kill many people randomly.” (PETER, 2015). 21Têm acontecido ataques suicida similar na Síria e Iraque, onde militantes usam todas as suas balas, e então se explodem na multidão, ele disse. Masnunca antes na França (Tradução nossa).
15
Estão presentes nesta mesma reportagem, três fotos, sendo que uma delas é o
mapa onde aconteceram os ataques.Na legenda “Police are on the highest alert as the hunt
for possible accomplices continues” (“Polícia está em alerta máximo enquanto a busca por
possível cúmplice continua”). Na foto, a viatura policial e a fita de isolamento ganham
destaque. A legenda da fotografia transmitea mensagem de que a polícia está presente nas
ruas de Paris, e medidas estão sendo tomadas para a proteção dos cidadãos parisienses.A
legenda “Extra French soldiers have been deployed - joining thousands mobilised in cities
after the January attacks” (“Soldados franceses extras foram movimentados- se unindo aos
milhares mobilizados nas cidades depois dos ataques de Janeiro”). Novamente, a foto de
militares armados está presente no material jornalístico, demostrando o potencial da força
militar frente às ameaças.
Dando seguimento, a matéria do dia 18 de novembro de 2015, “Paris attacks: Grief,
anger and defiance on city streets” (“Ataques de Paris: Pesar, raiva e resistência”) trata-se
especialmente dos parentes das vítimas e dos sobreviventes com seus respectivos
depoimentos. A matéria de Burridge (2015) dissemina, em suas fotos (figura 12),
novamente, o sentimento de solidariedade que se espalhou por Paris e foi demostrada nos
locais alvos. A figura 13 tem como legenda, as palavras: “Flowers and tributes have been left
outside Le Carillon bar in Paris” (“Flores e tributos têm sido deixados no lado de fora do Le
Carillon em Paris”). A foto com a rosa, um símbolo do amor, é focalizada e em volta, todas
as flores, quase que tomando metade da imagem, reforça a mensagem de amor e de
solidariedade na sociedade francesa.
Por fim, mas não menos importante, a imagem 14 tem como legenda“The Bonne
Biere was one of the venues targeted in Friday's attacks” (“O Bonne Biere foi um dos locais
alvos nos ataques de sexta”). Mesmo mudando a localização, as flores, mantém a mesma
intenção. Todavia, é preciso destacar que nesta imagem temoso momento em que há um
cidadão francês ler as homenagens prestadas. Há um reforçar da fotografia em remeter a
memória e o trauma sofrido pelos cidadãos (ãs) franceses (as).Na última foto,“The attacks
have left the people of Paris in shock” (“Os ataques deixaram as pessoas de Paris em
choque”), além das inúmeras flores, também é colocado em destaque a foto de duas
mulheres, que possivelmente foram vítimas. A mensagem de empatia fica mais forte, visto
que mostra de modo nítido os rostosdas duas jovens vítimas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O artigo tratou a partir de uma perspectiva comparada, os diversos discursos
midiáticos que ocorreram em Paris, no dia 13 de novembro de 2015, após os atentados
terroristas. Nesse sentido foi possível a partir de uma análise pormenorizada, um estudo
16
entre o portal de noticias da BBC e revista online Dabiq Magazine produzida pelo Estado
Islâmico. No que concerne à BBC, as reportagens produzidas transmitiam ideias e valores,
por meio de suas fotos, a partir de uma lógica onde segurança, solidariedade e retorno à
“normalidade” eram priorizadas.
Os discursos tentavam contextualizar a sociedade francesa, remetendo a outros
atentados que ocorreram na região e/ou no país. Com relação à Dabiq, a revista constrói
ideias e concepções que estão em contraposição à visão mainstream dos meios de
comunicação. Isto é, as imagens exploradas com mortos, feridos, pessoas ensanguentadas,
semblantes preocupados, evidenciam uma sensação de insegurança em Paris e no mundo
ocidental.
Ao olhar os estudos de casos não pretendemos trazer conclusões finais, mas
algumas considerações, dentre elas apontar para além de uma visão maniqueísta, entre o
certo ou errado, justo ou injusto, boa ou ruim. Nesse sentido, compreendemos que tanto a
Dabiq (Estado Islâmico) quanto a BBC apresentam visões de mundo diferentes tendo como
alicerces abordagens e processos históricos que são instrumentalizados pelos meios de
comunicação, cujos objetivos são conquistar a opinião pública internacional a partir de
diferentes narrativas.
Destacamos também que o objetivo de apresentar duas abordagens diferentes para
o mesmo fato foi atingido, enriquecendo o material para o debate acerca do tema, visto que
atualmente, o Estado Islâmico encontra-se em constante destaque na mídia internacional.
Nesse sentido, as análises discursivas reforçou as hipoteses deste artigo já que de um lado,
existiu a transmissão de ideias, de valores, mediante a lógica de segurança, solidariedade e
a retorno à normalidade, já por outro espectro houve a construção da sensação de
insegurança, de tragédias e de desespero. Esse artigo abre possibilidades para que outras
visões acerca do tema sejam trabalhadas em pesquisas futuras ao qual pretende-se dar
continuidade.
Não menos importante, devemos perceber que através de diferentes framings pode-
se abordar uma determinada questão, independentemente, de qual área estejamos falando.
No entanto, ao abordamos a temática de segurança/insegurança, sobretudo, por meio de
atores não estatais (EI), percebemos o quanto cada vez mais, movimentos transnacionais
caracterizados por ideologias universalistas (insiders/outsiders) buscam cooptar indivíduos,
para certas causas, consideradas essenciais. As mídias atuam e funcionam, neste sentido,
como ferramentas do marketing do terrorismo, atualmente, em rede e de modo
espetacularizado.
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