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Ana Isabel RUFINO 1 , Maria Teresa FERREIRA 2,3 , Sofia N. WASTERLAIN 2,3 1 Departamento de Ciências da Vida, Universidade de Coimbra, Portugal, [email protected] 2 Laboratório de Antropologia Forense, Centre for Functional Ecology, Universidade de Coimbra, Portugal, [email protected] 3 CIAS - Centro de Investigação em Antropologia e Saúde, Departamento de Ciências da Vida, Universidade de Coimbra, Portugal, [email protected] Particularidades óssea e dentária na região retromolar superior: dois casos do Valle da Gafaria (séculos XV-XVII, Lagos, Portugal) Introdução Este trabalho discute as alterações ao nível da região retromolar de dois indivíduos adultos jovens pertencentes à Coleção Osteológica de Escravos Africanos do Valle da Gafaria (Lagos, Portugal), dos séculos XV a XVII. Referências Bibliográficas Berkovitz BKB, Holland GR, Moxham BJ. 1995. Anatomia Oral: Histologia e Embriologia. Mosby/Doyma Libros. Bhaskar SN. 1993. Histologia y embriologia bucal de Orban. Editorial Prado. Harris EF, Clark LL. 2008. An Epidemiological Study of Hyperdontia in American Blacks and Whites. Angle Orthodontist, 78: 460-465. Langlais RP, Miller CS. 2002. Atlas colorido de doenças comuns da boca. Guanabara Koogan. Regezi JA, Sciubba JJ, Jordan RCK. 2003. Oral Pathology: clinical pathologic correlations. Elsevier Science. Caso 1 - PAVd’09 I57 Adulto jovem (18-20 anos), sexo indeterminado Deposição: Decúbito dorsal, O-E Preservação: completo, bom estado de preservação Dentição: 32 dentes permanentes Na região retromolar superior direita observa-se o gérmen de um quarto molar, apenas com a coroa formada (Figura 1). Os dentes supranumerários resultam da proliferação focal do desenvolvimento da lâmina dentária, podendo ocorrer na dentição decídua ou permanente (Langlais e Miller, 2002). Esta particularidade ocorre mais comummente na região dos incisivos, seguida da região molar do maxilar superior (Regezi et al., 2003). Designa-se distomolar ou paramolar consoante a sua posição relativamente ao M3 (Langlais e Miller, 2002). Pode encontrar-se totalmente desenvolvido, com morfologia normal, ou apresentar-se como um microdente (Regezi et al., 2003). No caso aqui apresentado, embora o distomolar não esteja ainda totalmente formado, a sua coroa apresenta uma morfologia normal. Harris e Clark (2008) observaram uma prevalência superior de dentes supranumerários em indivíduos de origem africana comparativamente aos de origem europeia. Caso 2 - PAVd’09 I20 Adulto jovem (18-20 anos), sexo masculino Deposição: Decúbito ventral, SE-NO Preservação: completo, razoável estado de preservação Dentição: 31 dentes permanentes, perda ante-mortem do M1 esquerdo Na região posterior ao M3 esquerdo observa-se uma depressão óssea com 6 mm de profundidade (Figura 2), a partir da qual parte uma fenda no lado vestibular (Figura 3). A localização e forma da depressão óssea são compatíveis com um alvéolo de um quarto molar. Contudo, a ausência do dente e a presença da fenda sugerem outra condição, nomeadamente um defeito de desenvolvimento. As alterações do desenvolvimento facial embrionário produzem uma variedade de defeitos, sendo as mais comuns as fendas palatinas e/ou labiais (Bhaskar, 1993). Embora alguns destes defeitos possam afectar o osso alveolar, localizam-se mais frequentemente entre os dentes anteriores (Berkovitz et al., 1995). Não obstante, apesar da localização posterior da alteração observada, não se deverá excluir a hipótese de se tratar de um tipo de distúrbio de desenvolvimento mais incomum que afecte a região retromolar. Figura 1 - Coroa do distomolar superior direito do indivíduo PAVd’09 I57 (vista lateral). Figura 2 - Depressão óssea na região distal do maxilar superior esquerdo do indivíduo PAVd’09 I20 (vista oclusal). Figura 3 - Alteração óssea, tipo fenda, na região distal do maxilar superior esquerdo do indivíduo PAVd’09 I20 (vista lateral). Conclusões As alterações dentárias ou dos maxilares são variações que podem ser observadas em indivíduos de contextos arqueológicos. O indivíduo 57 apresenta um dente supranumerário, um quarto molar superior direito com formação incompleta. No caso do indivíduo 20, apresenta-se como hipótese mais provável uma alteração de desenvolvimento do maxilar superior. Estes dois casos ilustram particularidades que podem ocorrer na região da tuberosidade maxilar, e que devem ser alvo de avaliação cuidada.

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Ana Isabel RUFINO1, Maria Teresa FERREIRA2,3, Sofia N. WASTERLAIN2,3

1 Departamento de Ciências da Vida, Universidade de Coimbra, Portugal, [email protected] Laboratório de Antropologia Forense, Centre for Functional Ecology, Universidade de Coimbra, Portugal, [email protected]

3 CIAS - Centro de Investigação em Antropologia e Saúde, Departamento de Ciências da Vida, Universidade de Coimbra, Portugal, [email protected]

Particularidades óssea e dentária na região retromolar superior: dois casos do Valle da Gafaria (séculos XV-XVII, Lagos, Portugal)

Introdução

Este trabalho discute as alterações ao nível da região retromolar de dois indivíduos adultos jovens pertencentes à Coleção Osteológica de Escravos Africanos do

Valle da Gafaria (Lagos, Portugal), dos séculos XV a XVII.

Referências Bibliográficas

Berkovitz BKB, Holland GR, Moxham BJ. 1995. Anatomia Oral: Histologia e Embriologia. Mosby/Doyma Libros.Bhaskar SN. 1993. Histologia y embriologia bucal de Orban. Editorial Prado.Harris EF, Clark LL. 2008. An Epidemiological Study of Hyperdontia in American Blacks and Whites. Angle Orthodontist, 78: 460-465.Langlais RP, Miller CS. 2002. Atlas colorido de doenças comuns da boca. Guanabara Koogan.Regezi JA, Sciubba JJ, Jordan RCK. 2003. Oral Pathology: clinical pathologic correlations. Elsevier Science.

Caso 1 - PAVd’09 I57

Adulto jovem (18-20 anos), sexo indeterminado

Deposição: Decúbito dorsal, O-E

Preservação: completo, bom estado de preservação

Dentição: 32 dentes permanentes

Na região retromolar superior direita observa-se o

gérmen de um quarto molar, apenas com a coroa

formada (Figura 1).

Os dentes supranumerários resultam da proliferação

focal do desenvolvimento da lâmina dentária, podendo

ocorrer na dentição decídua ou permanente (Langlais e

Miller, 2002). Esta particularidade ocorre mais

comummente na região dos incisivos, seguida da

região molar do maxilar superior (Regezi et al., 2003).

Designa-se distomolar ou paramolar consoante a sua

posição relativamente ao M3 (Langlais e Miller, 2002).

Pode encontrar-se totalmente desenvolvido, com

morfologia normal, ou apresentar-se como um

microdente (Regezi et al., 2003). No caso aqui

apresentado, embora o distomolar não esteja ainda

totalmente formado, a sua coroa apresenta uma

morfologia normal. Harris e Clark (2008) observaram

uma prevalência superior de dentes supranumerários

em indivíduos de origem africana comparativamente

aos de origem europeia.

Caso 2 - PAVd’09 I20

Adulto jovem (18-20 anos), sexo masculino

Deposição: Decúbito ventral, SE-NO

Preservação: completo, razoável estado de preservação

Dentição: 31 dentes permanentes, perda ante-mortem

do M1 esquerdo

Na região posterior ao M3 esquerdo observa-se uma

depressão óssea com 6 mm de profundidade (Figura 2),

a partir da qual parte uma fenda no lado vestibular

(Figura 3).

A localização e forma da depressão óssea são

compatíveis com um alvéolo de um quarto molar.

Contudo, a ausência do dente e a presença da fenda

sugerem outra condição, nomeadamente um defeito

de desenvolvimento.

As alterações do desenvolvimento facial embrionário

produzem uma variedade de defeitos, sendo as mais

comuns as fendas palatinas e/ou labiais (Bhaskar,

1993). Embora alguns destes defeitos possam afectar o

osso alveolar, localizam-se mais frequentemente entre

os dentes anteriores (Berkovitz et al., 1995). Não

obstante, apesar da localização posterior da alteração

observada, não se deverá excluir a hipótese de se tratar

de um tipo de distúrbio de desenvolvimento mais

incomum que afecte a região retromolar.

Figura 1 - Coroa do distomolar superior direito do indivíduoPAVd’09 I57 (vista lateral).

Figura 2 - Depressão óssea na região distal do maxilarsuperior esquerdo do indivíduo PAVd’09 I20 (vista oclusal).

Figura 3 - Alteração óssea, tipo fenda, na região distal domaxilar superior esquerdo do indivíduo PAVd’09 I20 (vistalateral).

Conclusões

As alterações dentárias ou dos maxilares são variações que podem ser observadas em indivíduos de contextos arqueológicos. O indivíduo 57 apresenta um dente

supranumerário, um quarto molar superior direito com formação incompleta. No caso do indivíduo 20, apresenta-se como hipótese mais provável uma alteração de

desenvolvimento do maxilar superior. Estes dois casos ilustram particularidades que podem ocorrer na região da tuberosidade maxilar, e que devem ser alvo de

avaliação cuidada.