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PUBLICAÇÕES ONLINE O Princípio da Transparência e a Troca de Informações Entre Administrações Fiscais Tese de Mestrado Patrícia Anjos Azevedo

Patricia Azevedo

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    O Princpio da Transparncia e a Troca de InformaesEntre Administraes Fiscais

    Tese de Mestrado

    Patrcia Anjos Azevedo

  • FACULDADEDEDIREITODAUNIVERSIDADEDO PORTO

    O Princpio da Transparnciae a

    Troca de Informaes entre Administraes Fiscais

    TESE DEMESTRADO(Modalidade: TESEDEDISSERTAO)

    Patrcia Anjos Azevedo

  • 1O Princpio da Transparnciae a

    Troca de Informaes entre Administraes Fiscais

    Patrcia dos Anjos Oliveira Nogueira de Azevedo- Investigadora do Centro de Investigao Jurdico-Econmica (CIJE) da Faculdade de Direito da Universidade doPorto (FDUP);- Assistente convidada na Escola Superior de Gesto (ESG) Instituto Politcnico do Cvado e do Ave (IPCA);- Consultora;- Licenciada em Direito pela FDUP;- Curso de Especializao do Mestrado em Direito; Ramo: Cincias Jurdico-Econmicas (FDUP).

    Instituio de ensino:Faculdade de Direito da Universidade do PortoRua dos Bragas, 2234050-123 PortoPortugal

    Orientao:Professora Doutora Glria Teixeira(com co-orientao do Professor Doutor Joo Paulo Valadas Guimares)

    Tese de dissertao para finalizao do ciclo de estudos conducente ao grau de Mestre.

    Ano Lectivo 2009/2010

  • 2Resumo:O presente estudo pretende ser uma anlise com interesse acadmico acerca da

    questo da Troca de Informaes entre Administraes Fiscais, luz da necessidadede concretizao efectiva do Princpio da Transparncia.

    Digamos que o principal intento ser fazer uma abordagem ao modo como setem concretizado e como tem evoludo a questo, com recurso a uma tentativa deexplanao do porqu de se ter chegado a uma priorizao deste tpico (e da seremreferidos assuntos marginais como a economia informal, os parasos fiscais, aconcorrncia fiscal prejudicial e o combate fraude/evaso fiscal).

    Alm disso, pretende sempre analisar-se os problemas tratados luz doprincpio de enquadramento que, para a autora, ser o princpio da transparncia, umdos princpios que deve ser tido sempre em conta aquando de quaisquer anlises ereflexes acerca de assuntos relacionados com a dogmtica ou at mesmo com aprtica do Direito Fiscal.

    A troca de informaes em matria fiscal (cfr. art. 26. da Conveno Modeloda OCDE) ser o assunto tratado mais exaustivamente, sendo referidos e explanadosvrios instrumentos e realidades que tm contribudo para a sua implementao,aplicao e efectivao. A par disso, ir ser exposta a temtica dos acordos decooperao mtua entre Administraes Fiscais para os quais alerta o art. 27. daConveno Modelo da OCDE. Na ligao, teremos uma anlise do que tem sidotrabalhado pela Comisso Europeia.

    A troca de informaes em matria de informaes bancrias ser outro dosassuntos marginais retratados, j que a sua ligao ao tema principal bastante actual,tem sido largamente discutida e afigura-se como um dos pontos crticos de resistnciaa uma total transparncia e troca de informaes entre Estados e como tal ser aquique haver muito a fazer, apesar de todos os desenvolvimentos no tocante ainstrumentos legislativos e convencionais.

    Finalmente, uma palavra para a inverso do nus da prova. Ser analisada aforma como poder contribuir para uma cada vez maior transparncia do sistema e deque modo poder concorrer para a efectiva troca de informaes entre asAdministraes Fiscais.

    Palavras-chave:Princpio da Transparncia;Troca de Informaes entre Administraes Fiscais.

  • 3Abstract:

    This work is intended to be an analysis of the subject of the exchange ofinformation on tax matters, regarding the need of effective implementation of thetransparency principle.

    The exchange of information on tax matters (see article 26 of the OECD modelconvention on income and capital) will be the most explained topic, but along withthat, the issue of mutual assistance between jurisdictions in order to collect taxes(article 27 of the same OECD model convention) will be presented.

    Other related topics such as black economy, bank secrecy, tax heavens, taxfraud and evasion and harmful tax competition (between others) will be treated so thatone who reads this work can have an idea of what occurs and what needs to bechanged so that the exchange of information on tax matters takes place and becomeseffectively implemented.

    Key-words:Transparency Principle;Exchange of Information on Tax Matters.

  • 4Prefcio

    A elaborao do presente estudo (tese de dissertao/investigao) serve todosos propsitos julgados convenientes no mbito da finalizao do ciclo de estudosconducente ao grau de Mestre em Direito, na rea de especializao em CinciasJurdico-Econmicas, de acordo com o Regulamento de Mestrado e demais despachos edecises dos competentes rgos da Faculdade de Direito da Universidade do Porto.

    A escolha do tema a tratar resulta de um longo caminho percorrido, iniciado noano lectivo transacto aquando da elaborao de um trabalho final para o practicum, cujottulo O Princpio da Transparncia: Entraves e algumas manifestaes e soluesprticas1. J na altura ponderei muito bem a minha escolha, em virtude dapossibilidade de adiantar as minhas pesquisas, conhecimentos e bases para futuraelaborao da tese de dissertao com vista finalizao do meu segundo ciclo deestudos universitrios.

    Existem estudos muito recentes sobre a troca de informaes entreAdministraes Fiscais e sobre a cooperao mtua; no entanto, mais de cariz oficial(nomeadamente textos, discursos, manuais e notcias que podem ser consultadoslivremente no site oficial da OCDE)2. Tem-se discorrido cada vez mais sobre o assunto,pois teve lugar em Abril de 2009 a cimeira do G20, em Londres. Este acontecimentotornou-se, a meu ver, num verdadeiro ponto de viragem; num marco histricomuitssimo importante e que tem vindo a mudar muito do anteriormente estabelecido,de forma muito positiva, pelo menos nas intenes. O tema em discusso na referidacimeira foi precisamente a transparncia, a cooperao internacional e a necessidade decontrolar os chamados parasos fiscais e colocar um fim ao sigilo bancrio tal como otemos vindo a conhecer, com o objectivo de evitar o encobrimento de situaesfraudulentas ou pelo menos tentar incitar as jurisdies que o praticam a flexibilizaremas suas legislaes. Assim, assistimos a um movimento geral de presso internacionalcom vista a fomentar um aumento da transparncia, da cooperao e da troca deinformaes entre os Estados.

    1 Vide ANJOS AZEVEDO, Patrcia, "O princpio da transparncia: entraves e algumas manifestaes esolues prticas", in Os 10 anos de investigao do CIJE - Estudos Jurdico-Econmicos, Almedina,2010.2 www.oecd.org.

  • 5Alm disso, no mais recente encontro da Associao Europeia de Professores deDireito Fiscal3 (EATLP) foi tratada a temtica da Assistncia Mtua e Troca deInformaes, tendo este assunto sido alvo de contributos de variadssimos pases com aelaborao das respostas ao questionrio proposto, respostas essas que permitiram acomposio de um documento4 com concluses interessantssimas e de grande valia quepodero ajudar a um melhor conhecimento do que se vai passando nos vrios pases, attulo de direito comparado, podendo tambm levar a um melhoramento geral nestasquestes no seio da UE e no s (refiro, aqui, os pases terceiros com os quaismantemos relaes).

    A opo, em particular e desta vez, pelo ttulo O Princpio da Transparncia e aTroca de Informaes entre Administraes Fiscais foi feita em virtude do alerta quepretendo reforar no tocante importncia crescente da necessidade de combate aofinanciamento do terrorismo, da luta contra a fraude e evaso fiscal e da luta contra acorrupo e o branqueamento de capitais, bem como devido ao meu elevado interessepor estas questes, aliado actualidade e novidade de uma abordagem deste gnero esobre estes assuntos e necessidade emergente de contributos acadmicos e cientficosnesta matria.

    O mbito do tratamento a que me proponho no se fica estritamente peloproblema principal com a anlise da questo da troca de informaes entreAdministraes Fiscais, luz do princpio da transparncia. Tentarei tambm fazer umabreve abordagem de questes marginais ou secundrias e que me parecem importantescomo pressupostos e base de entendimento, sem no entanto me descentrar dos temasprincipais e do problema a analisar.

    O meu objectivo no ser compilar neste estudo tudo o que me pareceimportante e a propsito, mas sim tentar apresentar os meus pontos de vista e fazer umaanlise diferente, do modo que se me afigura necessrio e importante (ou no fosse esseo objectivo de uma tese de investigao).

    Por fim, gostaria de fazer um agradecimento a todas as pessoas que me soqueridas e com quem tenho convivido at aqui, nomeadamente familiares e amigos, semesquecer tambm os docentes da FDUP, em geral (nica casa que, at hoje, frequenteicomo estudante de Direito) e colegas estudantes e ex-estudantes da FDUP, com quem

    3 Este encontro teve lugar entre os dias 4 e 6 de Junho de 2009, em Santiago de Compostela.4 Refiro, aqui, o General Report Mutual Assistance and information exchange, 2009 (Prof. Dr. iur.Roman Seer).

  • 6tenho vindo a aprender bastante na troca de ideias, impresses, opinies econhecimentos, em geral.

    Gostaria tambm de registar o meu profundo agradecimento s pessoas(conferencistas, colegas, docentes de outras universidades, aos nossos alunos e avariadssimas personalidades do mundo do Direito, nomeadamente acadmicos eprticos) que tenho vindo a ter a oportunidade de conhecer nas ocasies prpriasproporcionadas pelo meu trabalho de investigao e apoio no CIJE e que muitocontriburam na fase embrionria deste meu trabalho com algumas ideias, orientaese conhecimentos que tive oportunidade de reter para a elaborao desta tese.

    Sem cair no erro da elevada particularizao (e todos os outros que meperdoem), gostaria de salientar num sentido muito particular o meu profundoagradecimento minha orientadora de Mestrado Professora Doutora Glria Teixeira5.Foi com a Professora, como docente da FDUP, que aprendi as minhas primeiras noesde Direito Fiscal rea que se tornou desde logo uma das minhas maiores paixes.Assim, alm da parte da aprendizagem, tive oportunidade de conhecer uma daspersonalidades da rea do Direito Fiscal que mais admiro como pessoa e comoacadmica. Admiro a sua simplicidade, simpatia e elevada disponibilidade (apesar doseu enorme volume de trabalho com as aulas e contactos internacionais constantes, emvirtude da coordenao do CIJE e das suas restantes afiliaes, nomeadamente aEATLP). Academicamente, admiro imenso a forma esquemtica e bem organizadacomo lecciona e como escreve e coordena os seus manuais e artigos, o que permite aboa compreenso e acessibilidade dos textos. Passei tambm, ainda na licenciatura, epelas mos da hoje minha orientadora de Mestrado, por uma cadeira j extinta do planode estudos da FDUP aquando da mudana no mbito do Processo de Bolonha Sistemas Jurdicos Comparados que contribuiu para o fomento da minha curiosidadeacerca de outros sistemas (que se tem prolongado at aos dias de hoje) e para oalargamento da minha cultura geral no tocante ao campo do saber jurdico. Alm disso,quero tambm agradecer toda a ajuda e apoio no mbito do trabalho final do curso deespecializao do mestrado (fui mais uma vez aluna da Professora, desta feita na cadeirade Finanas Pblicas e Direito Fiscal e no practicum). Finalmente, agradeo aoportunidade e a aposta da Professora em mim, que com o convite para o CIJE mepermitiu que eu comeasse tambm a leccionar, cumprindo um dos meus sonhos e

    5 Professora Associada da FDUP e coordenadora do CIJE.

  • 7vontades no tocante parte acadmica. Por tudo o referido e pela sua pronta aceitaono tocante a orientar-me nesta tese, o meu sentido muitssimo obrigada ProfessoraGlria Teixeira.

    Uma palavra de agradecimento tambm para o Professor Doutor Joo Guimaresque, amvelmente, colaborou com a Professora na orientao da minha tese e foisempre estando presente nas reunies mensais dando importantes sugestes noacompanhamento e orientao desta dissertao de mestrado.

    Agradeo tambm ao IPCA e a todas as pessoas que to bem me acolheram,nomeadamente colegas (tambm eles docentes) e corpo da direco, bem como aosmeus alunos que to interessadamente me ouviram aquando da exposio de algumasdas questes tratadas nas minhas investigaes acadmicas e cientficas, nomeadamentee tambm no mbito desta dissertao.

    Por ltimo, e no menos importante, quero agradecer a todos os meus colegas deescritrio, em particular ao Dr. Durval Tiago Ferreira, que me disponibilizou espao etempo para trabalhar e dedicar-me devidamente a esta minha dissertao de Mestrado.

  • 8Sumrio (Table of contents)

    O princpio da transparncia e a troca de informaes entre AdministraesFiscais.Pginas 11 a 15

    O princpio da transparncia...Pginas 16 e 17

    Problemas relacionados e de ligao (breve anlise e enquadramento).Pginas 18 a 35

    A troca de informaes entre Administraes Fiscais...Pginas 36 a 99

    A troca de informaes em matria de sigilo bancrio..Pginas 100 a 128

    A transferncia do nus da prova para os contribuintes.Pginas 129 a 145

  • 9Abreviaturas e smbolosAML Anti-Money LaunderingAPA Advance Pricing ArrangementsAPPT Acordos prvios sobre preos de transfernciaCE Comisso EuropeiaCEGEA Centro de Estudos Avanados em Economia AplicadaCFT Combating financing of terrorismCIJE Centro de Investigao Jurdico-EconmicaCIRC Cdigo do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivasCIRS Cdigo do imposto sobre o rendimento das pessoas singularesCMVI Comisso de Mercado de Valores ImobiliriosCOTEC Associao Empresarial para a inovaoCPPT Cdigo de Procedimento e Processo TributrioCPT Cdigo de Procedimento TributrioCRP Constituio da Repblica PortuguesaDGCI Direco-Geral das Contribuies e ImpostosEATLP European Association of Tax Law ProfessorsEI Economia InformalEITI Extractive industrie transparency initiativeENO Economia no observadaEUA Estados Unidos da AmricaFDUP Faculdade de Direito da Universidade do PortoFMI Fundo Monetrio InternacionalG7 Grupo dos 7G8 Grupo dos 8G20 Grupo dos 20GAFI Grupo de aco financeiraIAPMEI Instituto de apoio s pequenas e mdias empresas e ao investimentoIBFD International Bureaux of Fiscal DocumentationIPCA Instituto Politcnico do Cvado e do AveIRC Imposto sobre o rendimento das pessoas colectivasIRS Imposto sobre o rendimento das pessoas singularesIVA Imposto sobre o valor acrescentado

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    LGT Lei Geral TributriaMAP Mutual Agreement ProcedureMOU Memorandum of understandingOCDE Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento EconmicoOE Oramento de EstadoOECD Organization for Economic Cooperation and DevelopmentONU Organizao das Naes UnidasPIB Produto Interno BrutoRGIT Regime Geral das Infraces TributriasRJIFNA Regime Jurdico das Infraces Fiscais No AduaneirasRSI Rendimento Social de InseroSMF Standard Magnetic FormatSTA Supremo Tribunal AdministrativoSTF Standard Transmission FormatTIEAs Tax Information Exchange AgreementsTINs Taxpayer identification numbersUE Unio EuropeiaUN United NationsUP Universidade do Porto

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    O princpio da Transparncia e a Troca de Informaesentre Administraes Fiscais

    1 IntroduoA presente tese de dissertao versa fundamentalmente sobre a anlise da

    questo da troca de informaes entre Administraes Fiscais, anlise esta feita luz deum dos princpios fundamentais do Direito Fiscal, enquanto ramo autnomo da CinciaJurdica. Refiro, aqui, e como j se percebeu pelo que j foi referenciado e pelo prpriottulo, o princpio da transparncia6.

    Na minha opinio, uma anlise acadmica e/ou uma boa aplicao deve semprepartir dos princpios, ou no comeassem praticamente todos os manuais dos vriosramos do Direito e de Direito Fiscal, em particular, por enunciar os princpios que emconjunto nos fazem perceber melhor as concretas solues e ter noes e quadrosmentais de algo que poderemos designar como esprito do sistema. Alis, esteconceito bastante importante em termos de aplicao da teoria da interpretao ouhermenutica jurdica, com a questo do preenchimento de lacunas quando no existamde todo, no sistema, normas para regular determinada questo nem to pouco casosanlogos7.

    De uma maneira rpida e concisa, poderemos dizer que o princpio em anlisepostula que o sistema fiscal dever ser simples e claro, no excessivamente burocrtico,com deveres de colaborao recproca, devendo tambm haver uma clara publicao epublicitao de todas as regras aplicveis s relaes entre a Administrao Fiscal e osadministrados (no caso, os contribuintes ou sujeitos passivos de imposto)8. Alm disso,ser importante a relao deste princpio com a necessidade de uma colectnea delegislao que, infelizmente no existe.

    A nvel internacional, a actualidade do tema est bastante presente, senopensemos na recente cimeira do G20 (que teve lugar em Londres, em Abril de 2009),

    6 Que em nada se confunde com o regime da transparncia fiscal do art. 6. do CIRC.7 A este propsito vide art. 9. e art. 10. do Cdigo Civil, especialmente o art. 10., n. 3.8 Fica aqui, e desde j, a indicao de alguns estudos relacionados com o tema aqui a tratar: OECD,Harmful Tax Competition, An Emerging Global Issue, 1998; TEIXEIRA, Glria, Manual de DireitoFiscal (2. edio), Almedina, 2010; Comunicao da Comisso Europeia de 28-04-2009 a propsito daboa governao em matria fiscal e com expressa consagrao do princpio da transparncia.

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    cujos temas principais e em discusso se prenderam com o assunto da necessidade deuma cada vez maior transparncia, por meio de mecanismos de cooperaointernacional e troca de informaes, com vista nomeadamente colocao de um pontofinal no sigilo bancrio, comummente oferecido como uma das principais vantagens dautilizao dos chamados parasos fiscais ou regimes fiscais preferenciais. Aconstatao do encobrimento de situaes fraudulentas e/ou criminosas por essa vialevou a uma espcie de movimento internacional de presso, enfatizando atransparncia, a troca de informaes e a cooperao mtua (alis presentesrespectivamente nos art.s 26. e 27. da Conveno Modelo da OCDE sobre orendimento e o capital).

    De uma maneira muito resumida e s para ir adiantando o que vai ser expostoem lugar prprio e com o detalhe que penso que ser necessrio, podemos dizer que oart. 26. (que tem como epgrafe Troca de Informaes) se concretiza num modelo deacordo sobre troca de informaes tambm emanado pela OCDE9, pressupondo acelebrao de acordos bilaterais entre Estados com vista troca de informaes emmatrias fiscais e para efeitos de controle e investigao fiscal, existindo portanto umabase e modelo, na tentativa de harmonizao no tocante ao contedo dos acordosinternacionais. Por sua vez, o art. 27. da mesma Conveno Modelo sobre orendimento e o capital refere a questo da assistncia mtua na recolha dos impostos.

    Estas preocupaes existem e tem havido um enormssimo esforo por parte daOCDE e da Comisso Europeia no tocante a uma aplicao prtica, muito para alm dapretensa implementao sob a forma de compromisso poltico. Existe, assim, umaenorme preocupao em dar cumprimento efectivo a todas as recomendaes. necessria uma aplicao correcta de todos os preceitos, sendo que o ideal ser umaefectiva troca de informaes e cruzamento de dados, permitindo uma troca deexperincias e do know how adquirido com essas experincias, tudo isto com vista prossecuo do objectivo comum que ser combater a fraude e a evaso fiscal, obranqueamento de capitais, o trfico de armas, de droga e de pessoas e tambm anecessidade do combate ao financiamento do terrorismo, neste mundo globalizado epraticamente sem fronteiras, cooperando-se numa espcie de regime de solidariedadesupra-nacional. Aponta-se como muito necessria uma maior transparncia nos

    9 Refiro-me ao chamado Acordo modelo sobre troca de informaes em matrias fiscais, datado de 2002.

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    mercados financeiros, ainda mais no contexto de grave crise a que se tem vindo aassistir.

    Decorrente de todas estas preocupaes e necessidades materializadas emimportantes avanos, alertas e negociaes veio mesmo a afirmar-se aps a j referidacimeira do G20 (Londres, Abril de 2009) que a era do sigilo bancrio terminou, o que muito positivo e realmente tem efectivamente vindo a verificar-se, j que se acaboucom a lista negra de pases no cooperantes10 (os resistentes ustria, Sua,Andorra, Mnaco e Liechtenstein tm vindo a ceder nas suas reservas no tocante divulgao da informao bancria dos seus clientes). A par disso, cada vez mais se tmcelebrado acordos sobre troca de informaes que incluem uma clusula sobre troca deinformaes bancrias ( o caso dos j existentes e dos mais recentes TIEAs11 acordossobre troca de informaes em matrias fiscais nomeadamente os celebrados pelasIlhas Caimo, Gibraltar, Bermudas, Bahrain, Ilhas Virgens Britnicas, Singapura e oprprio Luxemburgo com variadssimos territrios).

    , de facto, o sigilo bancrio o principal obstculo transparncia nos mercadosfinanceiros e o responsvel pelo encobrimento de situaes que poderiam sercontroladas e evitadas. A abolio de fronteiras com o estabelecimento da livrecirculao de pessoas, mercadorias e capitais dentro do espao comunitrio europeu(cada vez mais alargado) permite uma espcie de law shopping que coloca gravesproblemas e distores nos mercados internacionais, nomeadamente provocando achamada concorrncia fiscal prejudicial, assunto acerca do qual a OCDE tambm setem debruado12.

    A troca de informaes serve para fins quer civis quer criminais, sendo que ocruzamento de informaes ser muito necessrio mesmo em relao a problemastributrios novos, nomeadamente a tributao do comrcio electrnico (assunto com oqual a OCDE tambm se ocupa)13.

    Esse cruzamento de informaes torna-se mesmo uma questo fulcral. Passa,entre outras coisas, pelo desenvolvimento de sistemas informticos capazes, pelodesenvolvimento de formulrios comuns e electrnicos no tocante, por exemplo, a10 Este assunto ir ser melhor analisado em local prprio. O relatrio de 2 de Abril emanado da cimeirareferida tem sido permanentemente actualizado com a celebrao de cada vez mais acordos bilateraissobre troca de informaes.11 Tax Information Exchange Agreements.12 Vide OECD, Harmful Tax Competition, An emerging global issue, 1998.13 Nomeadamente atravs do trabalho e dos relatrios e encontros do chamado Directorate for Science,Technology and Industry, um dos mais importantes com o ttulo: Electronic Commerce: TaxationFramework Conditions.

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    requerimentos para troca de informaes, levando a uma maior rapidez e a umaexigncia em termos de prazos de resposta, adiantando-se tambm a necessidade dautilizao de uma lngua nica, que poder ser o ingls, no obstante as dificuldades deexpresso e a morosidade e os custos com tradues e pessoal tcnico especializado queessa opo poder trazer. Uma cooperao to perfeita e de acordo com tal comunhotem obviamente como pressuposto uma eliminao das desconfianas dos pases entresi, a par de uma supresso de pretensos ressentimentos no tocante troca deinformaes.

    Voltando ao caso Portugus, estamos a acompanhar a evoluo mundial, j quese tem avanado com um novo regime fiscal para o sigilo bancrio, no contexto da lutacontra a corrupo e o enriquecimento injustificado. O novo regime foi mesmo japrovado, com todas as dificuldades que poder enfrentar, dificuldades estas que seroanalisadas e explicitadas neste estudo em local prprio.

    Em jeito de concluso desta parte de enquadramento e explicao da importnciae actualidade do tema, gostaria de salientar que hoje em dia podemos afirmar que osstandards da OCDE no tocante transparncia e troca de informaes so quaseuniversalmente aceites, tendo-se feito tambm um enorme progresso em direco suaefectiva implementao. A crise financeira, os desafios que se colocam em relao aessa situao, a recuperao econmica, a responsabilizao e a cooperao e aresponsabilidade fiscal tm levado a uma opo pela transparncia nos mercadosfinanceiros (j referenciada), tendo-se mesmo feito mais progresso em 8-10 meses doque em 10 anos. O prximo desafio ser uma coerncia entre a lei da UE e as linhasorientadoras da OCDE. O princpio da proporcionalidade na troca de informaes eassistncia mtua ter sempre de ser observado como princpio ordenador, havendo apossibilidade do recurso arbitragem da OCDE (atravs nomeadamente da Convenode Arbitragem da OCDE)14.

    14 A Conveno de Arbitragem (Conveno 90/436/CEE) entrou em vigor no dia 01/01/1995, tendo sidomodificada posteriormente pela Conveno 96/C26/01, e com protocolo de prorrogao(1999/C2002/01). A dita Conveno (relativa eliminao da dupla tributao no caso de correco doslucros provenientes de operaes entre empresas associadas) introduz um processo de arbitragem paraevitar a dupla tributao aquando da correco dos lucros de empresas associadas situadas em Estados-Membros diferentes.

    Caso os Estados no cheguem a um acordo, as autoridades competentes dos Estados implicadossolicitam a uma Comisso Consultiva a emisso de um parecer sobre a forma a adoptar no sentido daeliminao da dupla tributao, sendo esse mesmo parecer vinculativo em caso de persistncia da falta deconsenso.

    No entanto, a Conveno de Arbitragem no est em vigor desde 2002, uma vez que nem todosos Estados-Membros ratificaram o protocolo de prorrogao.

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    Assim, para uma anlise detalhada do que fui referindo ao longo destaintroduo e quanto metodologia, proponho-me ir tratando os vrios temas emseparado, tirando as concluses necessrias e estabelecendo pontos de ligao.

    Analisarei em pormenor a questo da troca de informaes entre AdministraesFiscais, a par da cooperao mtua, com detalhes e algum pormenor acerca de todos osinstrumentos relacionados (essencialmente por parte da OCDE e da ComissoEuropeia), ocupando-me inevitavelmente das novidades mais relevantes.

    Previamente a essa anlise irei explicitar o princpio de enquadramento eanalisar alguns pontos de ligao entre o princpio da transparncia e a troca deinformaes entre Administraes Fiscais.

    Finalmente, sero tratadas outras questes marginais, mas muito importantes,como o caso do sigilo bancrio (no esquecendo as obrigaes de informao porparte das instituies bancrias) e a questo do nus da prova imposto aos contribuintesno seio de toda esta panormica de cada vez maiores exigncias em termos decooperao e transparncia.

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    2 O princpio da transparnciaAps anlise de vrios manuais de Direito Fiscal, poderemos concluir que a

    doutrina15 tende a elencar um conjunto de princpios aplicveis ao nosso sistema fiscalem particular e multiplicidade dos sistemas fiscais em geral, de entre os quais dougrande relevo e destaque ao princpio da transparncia. Este princpio materializa-se,entre outras coisas, na necessidade de uma clara e atempada publicao e publicitaodas regras aplicveis pela Administrao Fiscal, a fim de serem invocadasposteriormente pelos contribuintes, por exemplo em sede de reclamaes e recursos,assegurando-se assim o cumprimento do imperativo do direito audio e defesa, bemcomo o efectivo acesso ao Direito e aos tribunais, princpio alis consignado na nossalei fundamental.16 17

    Alm disso, no podemos esquecer-nos da necessidade de disponibilidade nadivulgao por parte de outras jurisdies dos detalhes de aplicao prtica das regraspor estas aplicveis e aplicadas a casos concretos18. Esta necessidade remete-nosconcretamente para a troca de informaes entre os Estados e todas as suas implicaese ramificaes, presentes nomeadamente no Cdigo Europeu de Conduta, na ConvenoModelo da OCDE sobre o rendimento e o capital e tambm noutros instrumentoslegislativos e convencionais, e a saber: a Directiva n. 77/799/CEE19, de 19 deDezembro de 1977; os vrios acordos bilaterais sobre troca de informaes existentes20;a Conveno de Arbitragem da OCDE21; a proposta de Directiva COM(2009)2922;alguns acordos multilaterais conjuntos entre a OCDE e a Comisso Europeia23 etambm algumas regras unilaterais que podem ser encontradas analisando vrios15 Apesar de ser um princpio jovem, vide Glria Teixeira, Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2010,por exemplo.16 Vide art. 20. da Constituio da Repblica Portuguesa acesso ao Direito e tutela jurisdicionalefectiva.17 Cfr. OECD, Harmful Tax Competition, An Emerging Global Issue, 1998; TEIXEIRA, Glria, Manualde Direito Fiscal (2. edio), Almedina, 2010; Comunicao da Comisso Europeia de 28-04-2009 apropsito da boa governao em matria fiscal e com expressa consagrao do princpio da transparncia.18 Vide International Bureau of Fiscal Documentation (IBFD), International Tax Glossary, 5th Edition(pgina 423).19 A ttulo complementar, gostaria de referir que o Decreto-Lei n. 127/90, de 17 de Abril de 1990,transpe para a ordem jurdica Portuguesa a Directiva n. 77/799/CEE, do Conselho, de 19 de Dezembrode 1977, relativa assistncia mtua das autoridades competentes dos Estados membros no domnio dosimpostos directos. Esta directiva ir ser objecto de estudo, mais adiante.20 Que costumam conter uma disposio sobre assistncia mtua na recuperao de receita fiscal.21 J referenciada anteriormente (Conveno n. 90/436/CEE), direccionada para a resoluo de litgiosentre Estados-Membros, em caso de falta de acordo.22 Esta proposta, datada de 02/02/2009, relativa cooperao administrativa no domnio da fiscalidade.23 Nomeadamente a conveno conjunta de 1988 sobre assistncia mtua em questes fiscais.

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    ordenamentos jurdicos em particular, no mbito e alcance das suas soluesespecficas24.

    Como j vimos, este princpio encontra-se ligado ideia de uma certasimplicidade do sistema, pretendendo-se e sendo desejvel que as leis fiscais sejamdotadas de clareza e objectividade bastantes, devendo comportar o mnimo possvel desituaes de excepo, iseno e benefcios fiscais25, o que ao ser utilizado como normaconferir incerteza e insegurana ao sistema.

    A acrescentar ao rol de ideias sobre as implicaes e imperativos do princpio datransparncia devemos ter presente o dever de cooperao recproca entre os rgos daAdministrao Tributria e os contribuintes26, aplicando-se tambm esse dever aosprprios contribuintes que devem declarar tudo aquilo que possuem, a par dosrendimentos auferidos e/ou da provenincia de outras quantias pecunirias quepermitiram levar aquisio de tudo aquilo que declaram possuir, de acordo com opostulado no art. 89.-A da Lei Geral Tributria27. A serem cumpridos estes deveres decooperao, demonstrar-se- uma total aceitao do sistema, podendo garantir-se umcada vez mais eficaz funcionamento do mesmo. Alm disso, o sistema fiscal no deverser excessivamente burocrtico, evitando elevados custos de cumprimento (e anlisecusto/benefcio em desfavor do cumprimento), devendo partir-se sempre do pressupostobsico de que os contribuintes so cumpridores.

    24 Por exemplo, a Alemanha, com os deveres alargados de cooperao que sobrelevam at mesmo sobreas convenes internacionais, a fim de se evitar a sua aplicao.25 Cfr. TEIXEIRA, Glria, A tributao do rendimento perspectiva nacional e internacional,Almedina, Porto, 2000 ; TEIXEIRA, Glria, Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2010.26 Vide art. 59. da LGT.27 A obrigao constante na LGT de declarar sinais exteriores de riqueza constitui um exemplo muitoparadigmtico da cooperao do contribuinte com vista a uma maior transparncia fiscal. Esta matriair ser trabalhada mais frente neste estudo.

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    3 Problemas relacionados e de ligao (breve anlisee enquadramento)

    3.1 A economia informal ou subterrneaA economia informal, ou como a queiramos chamar28, encontra-se includa no

    conceito de Economia No-Observada (ENO), lato sensu. Este conceito bastanteabrangente, sendo utilizado nomeadamente pela Unio Europeia, em documentao dendole essencialmente estatstica29. So entendidas como actividades da ENO todasaquelas que sejam consideradas ilegais, informais ou subterrneas atentem-se,desde j, as situaes com as quais pretende evitar-se o pagamento de impostos, obstarao pagamento das contribuies para regimes de proteco social, desrespeitarimposies legais em matria de direito laboral e evitar procedimentos administrativose/ou burocrticos. Alm disso, o exerccio de actividades por parte das famlias para seuconsumo final30, bem como todas as outras actividades em relao s quais no seconsiga fazer uma quantificao estatstica, caem neste mbito. Tambm faz parte desteconceito a produo e/ou venda de bens ou servios como estupefacientes,comercializao de bebidas alcolicas a menores ou prostituio ilcita, assim como oexerccio ilegal de certas actividades que, de outra sorte, apenas seriam exercidas porpessoas devidamente credenciadas e com licenciamento para tal.

    Face a estes problemas e aos seus reflexos e peso na economia real Portuguesa(e no s), foi criado um grupo de trabalho (mediante despacho de 24 de Abril de 2006,do Director-Geral dos Impostos) com a misso de delinear o mapa da fraude e evasofiscal Portuguesa, atravs de um enquadramento da problemtica da economia paralelaem confronto com o problema da fraude e da evaso, seguindo-se uma tentativa dedelimitao e quantificao, sua distribuio e discusso de resultados. Este grupo foi

    28 De acordo com Van Eck (Secondary Activities and the National Accounts, working paper, CentralBureau of Statistics, Voorburg, 1987), temos dezenas de expresses sinnimas deste fenmeno e suasmanifestaes, das quais so exemplo: economia alternativa, autnoma, cinzenta, clandestina,contra-economia, dissimulada, dual, escondida, fantasma, invisvel, irregular,,marginal, no-oficial, no-tributada, negra, obscura, oculta, outra economia,perifrica, secundria, de sombra, soterrada, submarina, etc.29 Vide OCDE, Manuel sur la mesure de leconomie non observe, Paris, 2003.30 Designadamente a produo agrcola e criao de gado, a produo de bens para auto-consumo, aconstruo da prpria habitao e o exerccio de prestao de servios por parte de empregadosdomsticos.

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    criado em virtude da necessidade de obteno de receitas oramentais, a par do combate evaso e fraude, tentando evitar-se a eroso da base tributvel, a queda dos princpiosde igualdade e justia tributria e a distoro da concorrncia31.

    As questes referidas e analisadas por este grupo de trabalho encontram-senormalmente indissociadas no seu tratamento, pois as actividades informaisprovocam, partida, uma produo de riqueza no tributada, o que naturalmente sereflecte numa situao de perda de receita por parte do Estado32. No entanto, h que tercuidado, uma vez que esta tendencial equivalncia e associao nem sempre vlida, jque poder haver actividades que no geram total perda de receita, sendo alvo detributao numa qualquer outra fase do circuito econmico. Pensemos, por exemplo,num processo de produo desencadeado ao arrepio das normas vigentes, umrevendedor e, posteriormente, algum que compra ao revendedor e vende, legalmente,numa feira. Por vender esses produtos pagar, por exemplo, uma taxa municipal. Logo,apesar de no tributado ab initio, o destino desses bens cruzar-se- com o fenmenotributrio.

    De acordo com o grupo de trabalho que elaborou o relatrio em questo, poderavanar-se com alguns mtodos de clculo indirectos33 com a finalidade de investigar arealidade que no conhecemos. Deste modo, encontrando-se um valor estimado daexpresso quantitativa da dimenso da informalidade, podero somar-se o PIB oficiale o PIB subterrneo, a fim de se ter uma ideia mais exacta da riqueza produzida. Domesmo estudo constam dados estatsticos acerca das correces matria colectvel eimposto em falta em Portugal, fazendo-se uma panormica geral, um estudo acerca dadistribuio geogrfica e, por fim, retrata-se a distribuio em sectores. Estes dadosconsubstanciam-se num alerta importante, fazendo com que haja uma maior percepodas reas (geogrficas e sectoriais) relativamente s quais se ter de ter atenoredobrada e cuidados especiais na investigao, fiscalizao tributria e controlo.Assim, torna-se importante uma cooperao cada vez maior, havendo benefcios com apartilha de know how e experincias recprocas. conveniente tambm alertar para ointeresse do trabalho dos centros de investigao econmica e estatstica das

    31 Cfr. SANTOS, Jos Carlos Gomes (coordenao), Mapa da Fraude e da Evaso Fiscal RelatrioFinal, in Cincia e Tcnica Fiscal, n. 421, Janeiro-Junho de 2008.32 Cfr. PYLE, David, Tax Evasion and Black Economy, Edies Macmillan, 1989.33 Para maiores desenvolvimentos, consultar o documento citado. Podero, assim, ser utilizados mtodosna ptica da produo, das despesas, mistos ou de macromodelizao.

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    universidades, e, como tal, temos aqui uma ponte para a anlise que vai ser apresentadaj de seguida.

    Efectivamente, de acordo com mais um estudo recente34, a Economia Informal(adiante designada por EI) toda a actividade econmica que, no sendo em si mesmailegal, se processa ao arrepio de normas vigentes. Considera-se, neste conceito, no sa evaso s normas fiscais mas tambm a evaso s normas laborais (tal como j foiadiantado). Tudo o que escapa, portanto, aos parmetros legais e regulamentares, querem termos de Direito Fiscal, quer em termos de Direito do Trabalho consideradocomo parte integrante dos dados acerca da economia informal. O estudo referenciadoanalisa as causas e consequncias da EI, procurando propor polticas que contribuam dealguma forma para a sua reduo, levando a uma consequente atenuao do seu peso.

    Estima-se que Portugal se encontra no grupo de pases em cujo peso da EI rondamais de 20% do PIB cerca de 23%. Quer isto dizer que mais de 1/5 do que se produzescapa, de alguma forma, tributao35. Esta questo traz srias consequncias a nvelda receita obtida pelo Estado, com problemas gravssimos para os sistemas de protecosocial (o que preocupante dado o agravamento do desemprego e a tendnciademogrfica para um cada vez maior envelhecimento da populao), a par dadiminuio das verbas disponveis para dar cumprimento ao delineado no Oramento deEstado de cada ano.

    Como determinantes da EI (ponderadas na base de uma anlise custo-benefcio)apontam-se, neste estudo, e entre outras, a probabilidade de penalizao, sendonecessria uma efectividade do sistema de justia como factor dissuasor; a poupananos custos de cumprimento de burocracias e as taxas de imposto elevadas. Fala-se numaespcie de crculo vicioso relacionando o mau funcionamento das instituies, acorrupo e a obteno de receitas fiscais reduzidas, o que leva a penalizar oscumpridores pelo que no recebido da parte dos incumpridores.

    Quanto aos efeitos da EI, este estudo alerta para a degradao da moral cvica; areduo da fiabilidade dos indicadores econmicos; a reduo de receita para o Estado o que implicar dificuldades srias de fornecimento de bens pblicos; os inconvenientespara os trabalhadores e os efeitos negativos em termos de concorrncia e produtividade,34 Vide CEGEA (Centro de Estudos de Gesto e Economia Aplicada) da Universidade CatlicaPortuguesa, Estudo elaborado para a COTEC e IAPMEI Economia Informal em Portugal, RelatrioFinal, Julho de 2008. [Estudo disponvel em www.cotecportugal.pt (parte das iniciativas)].35 Portanto, em mdia, os contribuintes pagam voluntariamente apenas 80% do que deveriam. - VideCRUZ, Jos Neves, Economia e Poltica: Uma abordagem dialctica da escolha pblica, CoimbraEditora, Coimbra, 2008.

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    receando-se mesmo a traduo numa vantagem competitiva desleal, desincentivando oinvestimento e a inovao e levando a um menor crescimento econmico.

    Em relao aos trabalhadores, e em jeito de aparte, outro facto interessante e derelevo que em perodos de crise econmica na informalidade que muitas vezes oscidados asseguram a sua sobrevivncia. So disso exemplo dados recentes da OCDEque apontam para 60% de emprego informal no mundo, alertando-se para o facto de queo crescimento do emprego informal aumentar a pobreza36. H mesmo autores37 querelacionam este fenmeno do emprego informal com segundos empregos clandestinosque fornecem receitas adicionais para estudantes, pensionistas e desempregados abeneficiar de subsdios. Alm disso, defende a mesma autora que o emprego informal uma forma de evaso muito procurada por trabalhadores de sectores dspares, como oexemplo dos trabalhadores tanto do ramo da medicina como do sector das pescas, queprocuram evitar impostos como o IRS e o IVA e at mesmo encargos com regimes deproteco social. H que ter em ateno que nem sempre ser positivo para ostrabalhadores porque muitas vezes o trabalho informal tambm se relaciona com baixossalrios, pssimas condies de trabalho e elevada exposio ao risco, j para no referiro trfico de pessoas e o problema da imigrao ilegal.

    Voltando anlise e reflexo acerca do estudo sobre a economia informal emPortugal, o mesmo aponta para a necessidade de cruzamento de informaes internas,bem como do fomento do cumprimento voluntrio por parte dos contribuintes comsanes suficientemente penalizadoras, apelando-se para o exemplo da experincia deoutros pases no combate informalidade. Avanam-se alguns princpios essenciaispara o combate informalidade, apresentando-se recomendaes teis queresumidamente agrupo em: melhorias necessrias na legislao, processos geis decriao de empresas, competncia dos tribunais, criao/agrupamento de organismos eequipas de fiscalizao, sensibilizao dos prprios contribuintes, troca de informaesa nvel nacional e internacional e, finalmente, melhoria de software e redes deinformao.

    A necessidade de maior transparncia portanto emergente. necessrio reduzirao mximo este fenmeno da EI. obvio que com os nmeros elevados da evaso ereceita fiscal por receber no est a dar-se satisfao ao princpio, pois h realidades36 Fonte: OECD Development Centre, Is Informal Normal?, 2009. (retirado de www.oecd.org notciasobre a publicao, 08/04/2009).37 Vide DOGGART, Caroline, Parasos fiscais guia prtico, 2. Edio, Vida Econmica, Porto, 1998.

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    ocultas que provocam mesmo situaes graves de injustia social e de desconfiana nosistema.

    Com um maior e mais efectivo cruzamento de dados, a par de uma troca deinformaes (seja ela automtica, espontnea e/ou a pedido), alm do fomento daspolticas no tocante celebrao de acordos de assistncia mtua entre as vriasAdministraes Fiscais poder contribuir-se para uma minimizao destes problemas.Deste modo, tudo ficar mais controlado e poder-se- salvar muita receita fiscal etambm muitas pessoas das mos de autnticos exploradores sem escrpulos,evitando-se que construam grandes fortunas de forma completamente ilcita, fortunasessas injustificadas e que escapam naturalmente tributao.

    O problema no est apenas na mentalidade e nas prticas recorrentes, nem topouco se prender apenas com a falta de escrpulos de alguns. A questo coloca-se,muitas vezes, na permissividade por parte dos ordenamentos jurdicos, a par da falta deefectividade prtica das solues preconizadas.

    3.2 O velho problema dos parasos fiscaisNo mbito do fenmeno da concorrncia fiscal prejudicial38, tem-se dado

    ateno especial ao estudo do uso dos chamados parasos fiscais e regimes fiscaispreferenciais 39. Apesar de estas terminologias no corresponderem totalmente aomesmo conceito40, a existncia deste tipo de jurisdies e as condies que oferecem,

    38 O problema da concorrncia fiscal prejudicial ser analisado no ponto seguinte deste estudo.39 A propsito dos vrios critrios de distino entre parasos fiscais e regimes fiscais preferenciais, videOECD, Harmful Tax Competition, An Emerging Global Issue,1998.40 Ao longo do referenciado relatrio da OCDE, mais concretamente no seu captulo 2, encontramos osfactores que nos permitem distinguir entre parasos fiscais e regimes fiscais preferenciais.Seguidamente, figura a enunciao dos factores que possibilitam a atraco de investimento estrangeiro,bem como as linhas orientadoras que ajudaro os Governos a identificar parasos fiscais e a distinguirentre regimes fiscais preferenciais tolerveis e prejudiciais, ao que se acrescenta a anlise dos factores quepodero levar considerao de certos regimes fiscais preferenciais como causadores de concorrnciafiscal prejudicial.

    Assim, os factores chave para identificar os parasos fiscais so os seguintes: ausncia deimpostos ou tributao apenas nominal (em geral ou em circunstncias especiais), o que leva a que essajurisdio se apresente como um local que poder ser utilizado por contribuintes no residentes paraescapar tributao devida no seu pas de residncia; falta ou ausncia de troca de informaes efectiva,possibilitada por leis ou prticas administrativas; falta de transparncia; prtica de actividades nosubstanciais, ou seja, prtica de actividades muitas vezes fictcias ou prticas que no acrescentem valor,havendo pouca actividade efectiva (os chamados booking centres).

    Apesar disso, e ainda relativamente aos parasos fiscais, o mesmo relatrio da OCDE enaltece oprogresso feito na rea do acesso informao, nomeadamente os tratados de assistncia mtua emmatrias criminais e relacionados com determinado tipo de crimes, tais como o narcotrfico, ou a troca deinformaes em casos de indcios fundados de crime de fraude fiscal. Como restries a essa troca de

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    nomeadamente o sigilo bancrio, a ausncia de troca de informaes e a falta detransparncia contrariam fortemente o princpio que temos estado a estudar. Estasrealidades esto em conexo com o desenvolvimento da fraude fiscal internacional,tendo esta como factores principais a mobilidade de pessoas e de capitais, ainternacionalizao das empresas e o aperfeioamento das tcnicas e prticas evasivas41.Efectivamente, tais situaes so permitidas e at mesmo facilitadas pelo recurso aoschamados parasos fiscais, jurisdies tradicionalmente altamente ligadas eespecializadas para essas situaes.

    No entanto, a definio do que sejam estes parasos no unvoca42. Avana-se para que seja uma questo essencialmente relativa43, uma vez que h pases quepodem ser parasos fiscais em relao a outros, bastando que para isso tenham umnvel de tributao inferior ou se abstenham de tributar uma situao altamente tributadapelo outro pas com o qual se esto a comparar44. Outros pases adoptam uma definioabsoluta, avanando para um critrio percentual de tributao efectiva o caso daAlemanha, que considera estarmos perante um paraso fiscal quando temos um territrio

    informaes e assistncia mtua na recolha de impostos, surge ainda o sigilo bancrio, afigurando-se talsigilo como um factor-chave para identificao dos parasos fiscais, pois a limitao do acesso informao pretendida obsta a uma correcta e atempada aplicao das leis fiscais.

    Quanto aos regimes fiscais preferenciais, aponta-se no sentido da ausncia de tributao ou taxasde imposto efectivo baixas; regimes proteccionistas com restrio de benefcios a no residentes eproibio implcita ou explcita no acesso aos mercados domsticos por parte dos investidores quebeneficiam desse regime fiscal; polticas discriminatrias (o chamado ring-fenced regime); falta detransparncia possibilitada por regras procedimentais favorveis, prticas administrativas contrrias aoprincpio da transparncia ou ainda por falta de efectividade prtica de normas tendentes transparnciaque eventualmente j existam; falta de troca de informaes efectiva fomentada pelo acesso ainda muitolimitado s informaes bancrias.

    Ainda a propsito dos chamados regimes fiscais preferenciais, a parte do relatrio da OCDE aquiem anlise, indica outros factores no entanto, j no so factores-chave para identificao dos regimesfiscais preferenciais prejudiciais. Assim, refere-se a definio artificial da base tributvel; a falha naimplementao dos princpios internacionais sobre preos de transferncia; a atraco de rendimento defonte estrangeira no pais de residncia, por forma a fomentar o treaty shopping; taxas de imposto ou aprpria base tributvel sujeitas a negociao; existncia de disposies sobre sigilo (com a dificultaoem termos de acesso informao bancria, instrumentos financeiros com garantia de anonimato, etc.);acesso a uma vasta rede de tratados em matria fiscal; regimes permissivos utilizao de veculostendentes atenuao de imposto; fomento de operaes meramente formais e no substanciais.

    Finalmente, uma nota para destacar que o referido relatrio indica tambm formas possveis dereaco contra a concorrncia fiscal prejudicial, indicando-se as fontes relevantes, nomeadamenterelatrios, recomendaes, linhas orientadoras, etc. Como casos a ter em ateno so referidos eexplicitados os do Luxemburgo e da Sua.41 Cfr. MENEZES DE LEITO, Lus, Aplicao de medidas anti-abuso na luta contra e evaso fiscal,in Fisco, n. 107/108, Ano XIV, Maro de 2003.42 Idem.43 Cfr. COMISSO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS, Rapport du comit de rflxion des expertsindpendants sur la fiscalit des entreprises, Maro de 1992 habitualmente designado por RelatrioRudding.44 Neste sentido, cfr. COLLINS, Maurice H., Evasion and avoidance of tax at the international level,in European Taxation, n. 9, Vol. 28, 1998.

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    que tributa a uma taxa inferior a 30% os rendimentos de uma empresa instalada no seuterritrio. H tambm pases que adoptam uma enumerao casustica, por listas45 porexemplo a Alemanha, a Austrlia, a Frana e o Japo. Finalmente, temos pases queprocuram definir os parasos fiscais pela negativa, como o Reino Unido e o Canad.46 47

    Outro facto curioso que, de acordo com a doutrina48, h tambm que distinguirentre paraso fiscal e zona de baixa presso fiscal, j que poder haver territrios queno tm grandes necessidades oramentais devido, por exemplo, a baixas despesas ou agrande riqueza de recursos naturais, nomeadamente petrolferos.

    Estas zonas s podero tornar-se verdadeiros parasos fiscais quando entramem acordo com zonas de alta presso fiscal, oferecendo vantagens fiscais. Assim,percebemos que os territrios que podero ser considerados parasos fiscais nopodem apenas ser zonas de baixa presso fiscal, mas tambm tero de ter comoobjectivo a atraco de fluxos financeiros de outros pases49.

    Quanto aos tipos de parasos fiscais, Menezes de Leito, na obra citada,agrupa-os em: pases que no prevem qualquer tributao dos rendimentos, mais valiase capitais (caso paradigmtico das Bahamas e Ilhas Caimo); pases que prevemtributao com base territorial (Hong Kong, Libria e Panam); pases de taxa detributao pouco elevada (Ilhas Virgens Britnicas, Antilhas Holandesas, Jersey,Guernsey e Ilha de Man); e, finalmente, pases que oferecem privilgios particulares ssociedades holding (casos do Luxemburgo e Sua).

    O mesmo autor elucida-nos para as formas de utilizao dos parasos fiscais,podendo estes ser utilizados como territrios para estabelecimento de residncia,instalao de sociedades ou prtica de preos de transferncia. Esta ltima situaoconsubstancia uma prtica muito comum de evaso fiscal internacional, transmitindo-sebens a um preo artificial baixo a uma pessoa independente que escapa ao imposto ou45 Cfr. MENEZES DE LEITO, Lus, Aplicao de medidas anti-abuso na luta contra e evaso fiscal,in Fisco, n. 107/108, Ano XIV, Maro de 2003.46 Este pas apresenta uma enumerao dos territrios onde as distribuies feitas por sociedadescontroladas por canadianos esto isentas.47 Cfr. Relatrio da OCDE, Les paradis fiscaux: mesures prises pour eviter leur utilisation abusive parles contribuables, in OCDE, Lvasion et la fraude fiscales internationales, Paris, 1987; UCKMAR,General Report/Rapport Gnral, in Cahiers de Droit Fiscal International, Vol. LXVIII, AssociaoFiscal Internacional.48 Por exemplo, LEVINE, Pierre, La Lutte contre lvasion fiscale de caractre international enlabsence et en prsence de conventions internationales, Paris, LGDJ, 1988.49 No relatrio Gordon (Tax havens and their use by the United States taxpayers an overview, 1981,elaborado por Richard Gordon), defendem-se como objectivos dos parasos fiscais o sistema fiscalfavorvel; uma legislao fortemente protectora em termos de sigilo bancrio e comercial; importnciamuito elevada do sector financeiro; facilidade de comunicao; falta de controlo cambial e de depsitos epublicidade enquanto centro offshore.

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    adquire bens na mesma situao, mas a um preo elevado. Tal prtica efectivamentecomum entre empresas de grupos multinacionais, operando-se a transferncia debenefcios de jurisdies altamente tributadas para jurisdies de baixa tributao.

    A escolha do melhor tratado (treaty shopping) tambm se coloca nesta sede, jque a confidencialidade oferecida pelos parasos fiscais poder levar a que se utilizemestas jurisdies para se conseguirem situaes altamente proveitosas. Assim, porexemplo, dois pases que no tenham celebrado qualquer tratado sobre dupla tributaopodem eximir-se da mesma, se, pelo meio, houver um paraso fiscal com convenocelebrada com cada um deles.

    Concretamente no caso de Portugal, a Lei n. 30-G/2000, de 29 de Dezembro de2000 tentou introduzir o sistema da lista em alternativa com outros sistemas, o que almde ser um problema para a certeza e segurana jurdica, coloca uma dificuldade deinterpretao e aplicao acrescida, bem vincada por exemplo nas referncias que oCIRC faz aquando das medidas especficas anti-abuso50. Este problema coloca-nos noimpasse relativamente aplicao do critrio da lista ou do critrio da tributaoefectiva (este ltimo um pouco terico por ser de aplicao complexa, pois no sabemoscomo calcular a tributao efectiva dos outros Estados). A agravar estas dificuldades,veio o Decreto-Lei n. 29/2008, de 25 de Fevereiro de 2008 introduzir no seu art. 4.,n. 1, a) a noo de regime fiscal privilegiado, j existindo no nosso sistema a noode regime fiscal claramente mais favorvel, ficando o intrprete sem perceber muitobem se se quis significar o mesmo. bom que a resposta seja positiva, pois so deevitar estas incongruncias terminolgicas, no resolvidas nos diplomas legais.

    Ultrapassados todos estes problemas, uma boa definio doutrinria para parasofiscal ser a que o define como um pas ou um territrio que atribua a pessoas fsicasou colectivas vantagens fiscais susceptveis de evitar a tributao no seu pas de origemou de beneficiar de um regime fiscal mais favorvel que o desse pas, sobretudo emmatria de impostos sobre o rendimento e sobre as sucesses51.

    Por tudo isto, ser fcil inferirmos que os parasos fiscais so geradores deuma forte concorrncia desleal, oferecendo vantagens muito atractivas na busca degrandes investimentos estrangeiros e na procura das grandes fortunas. Ao longo dostempos foram tendo uma importncia crescente, cujos factores que a explicam os

    50 v.g., regimes dos preos de transferncia, imputao e no dedutibilidade e subcapitalizao (anterioresart.s 58. a 61. do CIRC; actuais art.s 63. a 67. do CIRC).51 Cfr. BEAUCHAMP, Andr, Guide Mondial des Paradis Fiscaux, Grasset, Paris, 1981.

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    autores que estudam especificamente esta temtica tm vindo a enunciar52. De entreesses factores destaco a internacionalizao, a facilidade de mobilidade, astelecomunicaes, a competitividade, as ms condies oferecidas por centros que noso offshores, a importncia dos mercados internacionais e o prestgio das praaseuropeias mais importantes, normalmente ligadas a estes fenmenos.

    Na obra citada, tambm se subdivide os parasos fiscais em diferentes grupos,um pouco semelhana de Menezes de Leito, consoante as taxas de imposto,referindo-se e explicando-se tambm os objectivos a alcanar como sejam um menornvel de tributao, maior rentabilidade das operaes financeiras, confidencialidade,flexibilidade para operaes no exterior e inexistncia de restries; assim como outrascaractersticas importantes que levam opo por estas realidades, nomeadamente aestabilidade poltica, taxas de imposto favorveis, confidencialidade comercial ebancria, moeda e controlo cambial, caractersticas do sector bancrio, convenesfiscais, lngua, factores culturais, telecomunicaes, notoriedade internacional, bemcomo aproveitamento para operaes ilegais. Outros autores53 ilustram que em funodo que se pretende h espcies de parasos especializados, listando mesmo os lderesde mercado Antilhas, Bahamas, Bermudas, Ilhas Caimo, Jersey, Guernsey, Chipre,Hong Kong, Liechtenstein, Luxemburgo, Ilha de Man, Maurcias, Sua e Ilhas VirgensBritnicas.

    No entanto, ressalve-se que no regra que se usem estas jurisdies apenaspara fins ilegais, mas no entanto convm efectuar prova do contrrio. Estas situaesalertam-nos para uma necessidade de maior abertura por parte dessas jurisdies, navelha mxima do quem no deve no teme.

    Assim, face a tudo o exposto, e em virtude de todos os problemas e dificuldadesque estas jurisdies trazem ao panorama mundial, quanto ao futuro dos parasosfiscais54, j em finais de Maro de 2009 a Comisso Sigglitz apresentou a seguinterecomendao: Tax havens and financial centers in both developed and developingcountries that fail to meet Basic standards of transparency, information exchange andregulation should be given strong incentives to reform their practices, e.g. by restricting

    52 A este propsito veja-se BRAZ DA SILVA, Jos Manuel, Os parasos fiscais - casos prticos comempresas portuguesas, Almedina, Coimbra, 2000.53 Vide DOGGART, Caroline, Parasos fiscais guia prtico, 2. Edio, Vida Econmica, Porto, 1998.54 Cfr. TOMS, Joo Amaral, A reunio do G20 de 2 de Abril de 2009 e o futuro dos parasos fiscais,in Revista de Finanas Pblicas e Direito Fiscal, Ano 2, nmero 2, Almedina, 2009.

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    transactions between financial institutions in those jurisdictions and those in morehighly regulated countries.

    No final da reunio do G20, de Abril de 2009, Gordon Brown, o primeiro-ministro ingls, foi peremptrio ao indicar aquilo que poderia ser uma espcie deprincpio do fim na era dos parasos fiscais, tendo afirmado que We have agreed thatthere will be an end to tax havens that do not transfer information request. The bankingsecrecy of the past must come to an end. This is the start of the end of tax havens,because country after country is now signing up to the principles that have been setforward internationally. The principle is you have to be prepared to exchangeinformation about tax on request.

    O destaque destas duas importantes opinies/declaraes toca, precisamente, nasquestes que iro ser objecto de anlise detalhada neste nosso estudo, servindo comocomprovao da ligao vlida desta questo preliminar com o problema fundamentalem tratamento.

    Ora, pelo exposto em relao temtica dos parasos fiscais, e no tocante a todasas preocupaes de transparncia, troca de informaes, cooperao internacional ederrogao do sigilo bancrio que se afigura to importante o caminho que se temfeito no sentido de tentar mudar-se o panorama internacional de encontro a todas asnecessidades que tm vindo a aferir-se como prioritrias, tal como j explicitado.

    3.3 A concorrncia fiscal prejudicialAcerca desta temtica, valem em primeiro lugar as referncias feitas no ponto

    anterior a ttulo de enquadramento. De facto, a OCDE, no seu papel de instnciaharmonizadora e de fomento da cooperao com vista ao desenvolvimento econmico esocial global, tem tido especial ateno em relao existncia de uma forteconcorrncia fiscal prejudicial, a par das prticas fiscais prejudiciais. disso exemploum relatrio de 199855 (alis, este relatrio foi j referenciado no ponto anterior desteestudo56). Alm disso, bastar acedermos ao site da OCDE57 para constatarmos que h

    55 OECD, Harmful Tax Competition, An emerging global issue, 1998.56 As principais concluses do G20 na rea do combate concorrncia fiscal prejudicial prendem-se com:requerimentos por parte dos contribuintes e das instituies financeiras a fim de divulgarem astransaces nas quais estejam envolvidas jurisdies no cooperantes; taxas de reteno na fonte arespeito de uma enorme variedade de pagamentos; negar dedues a residentes em jurisdies nocooperantes; rever a politica dos tratados internacionais; pedir a instituies internacionais e bancos

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    um constante tratamento do problema e informao sempre actualizada por meio denotcias, manuais e relatrios de encontros dos principais grupos informais de pasespreocupados com as relaes entre eles e entre eles e pases terceiros, tentando analisaro estado de coisas, apresentar causas e consequncias e possveis solues commedidas propostas e compromissos para o futuro.

    A meu ver, este dilogo e estes encontros so muito importantes, levando implementao de importantes medidas e a avanos significativos com a celebrao deacordos fundamentais (nomeadamente acordos sobre dupla tributao, acordos deassistncia mtua para recuperao de receitas fiscais e acordos sobre troca deinformaes em matrias fiscais) que implementam substancialmente os padresinternacionalmente aceites e acordados entre os pases, com a necessria e sempreimportante intermediao e arbitragem da OCDE.

    Acerca da concorrncia fiscal prejudicial na Europa ser muito interessante aanlise de um trabalho apresentado no congresso da EATLP de 2000, que teve lugar emMasstricht58. De acordo com esse trabalho, os elementos essenciais da competio fiscalsero as baixas taxas de imposto, com vista a atrair investimentos estrangeiros;enquadramentos fiscais especiais para o investimento estrangeiro; regalias quanto aevitar a dupla tributao e outras vantagens como ausncia de troca de informaes, porexemplo e, tambm, vantagens procedimentais como sejam decises especiais, feitas medida, alm de disposies sobre sigilo. No fundo, um pouco todas as vantagenstradicionais oferecidas pelos chamados parasos fiscais. Em adio, apresentam-semedidas contra a concorrncia desleal que se prendem com normas especficasdireccionadas ao combate a sistemas fiscais mais favorveis ou at mesmo normas anti--abuso.

    O problema da concorrncia fiscal prejudicial e das prticas fiscais prejudiciaisagrava-se no mundo globalizado em que vivemos com a necessidade de atrairinvestimentos a fim de fomentar o desenvolvimento de cada pas, em particular. Queristo dizer que, muitas vezes, os pases comportam-se como o que eu chamaria deautnticas organizaes empresariais a actuar no mercado, tentando apresentar as

    regionais para reverem as suas politicas; e, finalmente, reforar os princpios da transparncia fiscal etroca de informaes aquando da elaborao de programas de cooperao bilaterais.57 Nomeadamente utilizando directamente o seguinte link para a seco sobre Harmful Tax Practices:http://www.oecd.org/topic/0,3373,en_2649_33745_1_1_1_1_37427,00.html.58 Vide CUNHA, Patrcia Noiret, Tax Competition in Europe Portuguese Report, congresso EATLP2000, Maastricht, (disponvel em www.eatlp.org).

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    melhores ofertas para atrarem o mximo nmero de clientes e bons clientes, que,no caso, so empresas internacionais e tambm grandes fortunas.

    Este facto leva a uma enorme distoro, pois cada um tenta elaborar e negociaras melhores condies legislativas na parte fiscal, a fim de roubar oportunidades aoutros pases de se desenvolverem e de serem a sede ou direco efectiva deimportantes organizaes que alm de poderem contribuir para o desenvolvimento epara a saudvel concorrncia interna nos pases com bons preos e produtos razoveis,criariam muitos postos de trabalho nesses mesmos pases, o que seria o necessrio e oautntico motor de arranque de certas economias. Este facto torna-se numa questoextremamente complicada de trabalhar, dada a ferocidade da concorrncia e asdificuldades na sua regulao e controlo, uma vez que estamos a falar da concorrnciaentre pases (com o problema da sua soberania) e no propriamente de empresas entresi.

    Tambm a liberdade de estabelecimento postulada no Tratado de Roma (queinstituiu a UE) permite que se faam escolhas mediante as condies oferecidas nospases, o que apesar de ser positivo em termos de planeamento fiscal individual, podeser extremamente prejudicial para os pases que no tm o poder de oferecer asmelhores condies.

    A concorrncia fiscal prejudicial relaciona-se fortemente com o princpio datransparncia, ou no fosse por existir tantas discrepncias nas legislaes internas dospases que se tenta que os pases publicitem as condies que aplicam e as suaslegislaes, a fim de partilharem experincias e vantagens com outros pases, tentandoreduzir-se o enorme fosso que existe. Alm disso, o facto de outrora existirem pasesque no trocavam qualquer tipo de informaes para efeitos de investigao de matriasrelacionadas com a fiscalidade, levou a muitos malefcios que, agora, so de muitodifcil reparao. Talvez se no houvesse tanta ambio nem tanta concorrncia entre ospases, o mundo fosse um local melhor para se viver, com maior paz e harmoniainternacionais, sem ter-se chegado a situaes aflitivas, de crise e de um autnticoultimato e presso internacional para se mudarem as prticas recorrentes59.

    59 A propsito destas questes, veja-se: FREITAS PEREIRA, Manuel Henrique, Concorrncia FiscalPrejudicial o Cdigo de Conduta da Unio Europeia, in Cincia e Tcnica Fiscal, n. 390, 1998;SANTOS, Antnio Carlos/PALMA, Clotilde Celorico, A regulao internacional da concorrnciafiscal prejudicial, in Cincia e Tcnica Fiscal, n. 395, 1999.

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    3.4 O combate fraude/evaso fiscal: desenvolvimentosrecentes, nomeadamente em Portugal

    A ttulo de enquadramento geral, e antes de quaisquer outras consideraes,gostaria de referir que, no mbito do planeamento fiscal dito legtimo (ou seja, quando aprpria lei permite a escolha do melhor caminho face a determinadas situaes), amaior parte da doutrina60 identifica trs grupos de alternativas.

    Assim, poder em primeiro lugar considerar-se a forma de realizao dasoperaes: imagine-se, por exemplo, um contribuinte que, para a sua actividade, poderenveredar pela tributao em sede de categoria B (sujeitando-se a taxas progressivasmuito penalizadoras) e, por alguma circunstncia, ter a facilidade de formar umasociedade unipessoal por quotas. Se optar pela segunda, a tributao no ser topesada para determinado nvel de rendimentos. Por isso, convm a realizao de umatarefa de anlise prvia da situao, a fim de se aproveitar as possibilidades de escolha(lcitas) que a lei contempla, com o intuito de conseguir uma menor tributao.

    Em segundo lugar, poder tambm ser pensada e ponderada a localizao dasoperaes ou das transaces, com a ressalva de que certo tipo de rendimentos (porexemplo, rendimentos do trabalho dependente, penses e rendimentos de imveis) noso deslocveis, de acordo com o critrio da territorialidade. No entanto, as empresaspodero colocar a sua sede ou direco efectiva (princpio da residncia) num pas queoferea melhores condies. Esta escolha dever ser feita em funo da jurisdio e dascondies que oferece, a par do tipo de rendimentos em causa e do volume dos prpriosrendimentos. Tal situao remete-nos para o problema dos parasos fiscais e daconcorrncia fiscal prejudicial que lhes est subjacente. Todavia, fica aqui provado queessas jurisdies no so apenas utilizadas para fins ilcitos e operaes fraudulentase/ou fictcias.

    Finalmente, haver tambm que atender ao momento da tributao. O art. 18.do CIRC postula o princpio da especializao de exerccios, determinando um critriode imputao a um dado exerccio econmico, praticamente inflexvel. No entanto,poder haver excepes que podem ser legitimamente enquadrveis, nomeadamentequanto tributao de juros, dividendos e mais-valias.

    60 Glria Teixeira e Freitas Pereira, por exemplo cfr. TEIXEIRA, Glria, Manual de Direito Fiscal,Almedina, Coimbra, 2010; FREITAS PEREIRA, Manuel Henrique, Fiscalidade, Almedina, Coimbra,2005.

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    Diferentemente, o planeamento poder revestir uma forma abusiva,especialmente quando o contribuinte se mantm dentro da licitude, mas abusa da forma,de maneira a que os resultados a que se chega no so bem aceites pelo ordenamentojurdico, atentas as solues alcanadas e que podero mesmo chocar com princpiosfundamentais do ordenamento jurdico-fiscal. O abuso no consubstancia nenhum ilcitopenal nem criminal, tendo como consequncias no a priso, no a multa, no a coima,mas sim correces matria colectvel e consequente agravamento do imposto apagar. Neste contexto, surgem as chamadas medidas anti-abuso (definidas no art. 63.,n. 2 do CPPT).

    Deste modo, temos uma clusula geral anti-abuso no art. 38. da LGT, sendo deaplicao muito reduzida dada a sua abrangncia e discricionariedade de aplicao, oque vai contra a necessidade emergente de certeza e segurana jurdica. Os princpiosque postula foram retirados do Direito Civil e, portanto, tudo aquilo que no passe nochamado teste da substncia ser declarado ineficaz.

    A disposio do art. 39. da LGT prev a simulao dos negcios jurdicos,concretamente tocando no caso da simulao relativa. Assim, de acordo com o n. 1, atributao recair sobre o negcio real e no sobre o negcio simulado que encapota onegcio real (situao acordada entre as partes em consilium fraudis), com o intuito dedefraudar um terceiro (que poder ser a Fazenda Pblica)61.

    Alm desta clusula geral (no obstante todas as suas dificuldades deaplicabilidade), temos os regimes especiais (de maior e mais eficaz aplicabilidade),sendo estes regimes pensados para subsuno a situaes mais concretas,nomeadamente os regimes dos preos de transferncia62, subcapitalizao63 e, por fim,

    61 No caso de simulao de preos, por exemplo, poder haver lugar ao ajustamento do preo pelosTribunais, mas, no entanto, a jurisprudncia nacional ainda no chegou requalificao do negciojurdico. Apesar do princpio de que o nomen iuris no vincula a aplicao do Direito, a evoluo aindano se encontra no sentido da requalificao.62 Vide art. 63. do CIRC. Sobre esta matria ir ser destacada a questo do nus da prova, na parte finaldeste nosso estudo.

    O regime dos preos de transferncia postula que em qualquer transaco dever ser praticado opreo justo, de acordo com o princpio da independncia ou da plena concorrncia. Estes termos soinfelizes em virtude da verificao da existncia de muito poucos operadores econmicos. Intimamenterelacionado e subjacente a estas questes, encontra-se o conceito (transversal) do art. 63., n.4 relaesespeciais.

    Em relao a esta matria, verificamos que o art. 63. do CIRC dever ser interpretado nosentido de que, nas relaes comerciais e financeiras entre sujeitos passivos, devem ser contratados,aceites e praticados termos e condies substancialmente idnticos aos que seriam normalmentecontratados em situaes normais de mercado.63 Vide art. 67. do CIRC.

    O regime da subcapitalizao regula a no considerao como custos do exerccio de jurosrelativos a emprstimos de scios, no caso de se verificar endividamento excessivo da entidade devedora

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    imputao64 e no dedutibilidade fiscal65 (previstos nos anteriores art.s 58. a 61. doCIRC, actuais art.s 63. a 67. do CIRC).

    Continuando a discorrer acerca das medidas anti-abuso, temos tambm vriasdisposies nos diferentes cdigos e legislao, nomeadamente as limitaes no reportede prejuzos em sede de IRC e a prpria reforma do imposto sobre o patrimnio (quetem em vista a preveno da fraude e do abuso fiscal). Tambm em diplomas avulsos,tais como o DL n. 29/2008, de 25 de Fevereiro de 2008 (bem como em legislaoextravagante relacionada)66 h bastante cuidado no sentido de tentar prevenir-se ecombater a fraude/evaso.

    O planeamento fiscal pode tambm ser internacional, remetendo-nos para osproblemas dos parasos fiscais e do sigilo bancrio, bem como o branqueamento decapitais muitas vezes associado. Para isso, as convenes sobre dupla tributao e osacordos sobre troca de informaes sero importantes, no sentido de tentar evitarsituaes duvidosas. As prprias directivas da Unio Europeia sero instrumentosadequados e direccionados para este combate67.

    Pelo que tem vindo a ser explicitado ao longo deste estudo, e aps oenquadramento geral que foi aqui feito, encontramo-nos em condies de perceber oalcance do problema da fraude e evaso fiscal nacional e at mesmo internacional e assuas graves consequncias. Tais problemas levaram a uma preocupao crescente emtermos de mecanismos para o seu combate efectivo, dos quais exemplo paradigmticoo tema principal em anlise neste estudo, nas suas mltiplas vertentes.

    Desde o incio do sculo passado que pases como a Inglaterra e os EUAincluram nas suas legislaes penais disposies tendentes a prevenir com pena demulta (e at mesmo pena de priso) comportamentos de fraude fiscal. Em Portugal, edos mesmos. Tem por detrs o objectivo de evitar a eroso da base tributvel das pessoas colectivasresidentes em Portugal, mas detidas e controladas maioritariamente por entidades localizadas fora doespao da UE. Diferentemente do regime dos preos de transferncia (nota de rodap anterior), aplica-senum contexto exclusivamente internacional, sendo que os preos de transferncia se aplicam a residentese a no residentes.

    Importa tambm atender ao Acrdo do STA, proferido no mbito do Recurso 275/08, de04/06/2008. Este acrdo mostra-nos que o regime da subcapitalizao deve ser aplicado com cuidado,apenas em situao de endividamento excessivo (comparando o valor do endividamento com o valor docapital prprio). Esta ideia vem j do Acrdo do TJCE relativo ao Processo C-324/00 caso Lankhorst--Hohorst.64 Art. 66. do CIRC tributao aos scios por lucros no repatriados.65 Art. 65. do CIRC no dedutibilidade iuris tantum relacionada com operaes levadas a cabo emregimes fiscais mais favorveis.66 Alis, este diploma ir ser objecto de tratamento e anlise especial neste ponto.67 Estas matrias iro ser detalhadamente expostas, em local prprio, neste estudo.

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    aps vrios avanos e recuos, publica-se finalmente o RGIT (em 2001), prevendo-se apunio da fraude fiscal e da fraude associada segurana social68.

    A fraude fiscal tem sido tambm objecto de estudos e preocupaes vrias porparte da OCDE69, FMI, Comisso Europeia e at do prprio Ministrio das Finanasportugus, tendo resultado em importantes trabalhos de reflexo, dados estatsticos e atmesmo regulamentao especial com vista a evitar situaes de fraude70.

    A evaso e fraude fiscal internacionais permitem uma fuga ao imposto, porintermdio de algumas manifestaes tpicas, nomeadamente o recurso a parasosfiscais, uso abusivo de convenes sobre dupla tributao e o chamado treatyshopping. A injustia fiscal e as suas consequncias a nvel internacional levam a umprivilegiar constante e cada vez mais emergente das medidas tendentes ao seu combate.Por isso, h que atacar o mal pela raiz, logo todas as lutas que tm sido travadascontra as condies oferecidas pelos parasos fiscais e o sigilo em especfico, a par daluta pela transparncia e troca de informaes, tornam-se cada vez mais prementes.

    No caso particular de Portugal, em virtude da necessidade de combate fraude eao planeamento fiscal abusivo e da grande dificuldade de balizamento entre oplaneamento fiscal legtimo71 e o abusivo (o mesmo que dizer agressivo, excessivo oueliso fiscal)72 e no seguimento do art. 98. da Lei do Oramento de Estado de 200773,surge o Decreto-Lei n. 29/2008, de 25 de Fevereiro.

    O referido diploma obriga comunicao dos esquemas de planeamento Administrao Fiscal, especialmente quando possam envolver os chamados parasosfiscais. As intenes do legislador foram as melhores, referindo-se mesmo no

    68 Cfr. TEIXEIRA, Glria, A Fraude Fiscal e o Princpio da Transparncia, in Cincia e TcnicaFiscal, n. 422, Centro de Estudos Fiscais, Direco-Geral dos Impostos, Lisboa, Julho-Dezembro de2008.69 Veja-se DOURADO, Ana Paula, O papel do G20: Era uma vez trs trilies de dlares ou a acoconsequente das autoridades nacionais e supra-nacionais, in Revista de Finanas Pblicas e DireitoFiscal, Ano II, n. 2, Almedina, 2009.70 Para maiores desenvolvimentos, cfr. TEIXEIRA, Glria, A Fraude Fiscal e o Princpio daTransparncia, in Cincia e Tcnica Fiscal, n. 422, Centro de Estudos Fiscais, Direco-Geral dosImpostos, Lisboa, Julho-Dezembro de 2008.71 Segundo o qual o contribuinte, mantendo-se dentro da perfeita legalidade, escolhe as melhores soluespara poupana de despesas fiscais, conseguindo um no pagamento, um menor pagamento ou umpagamento mais distante dos impostos a que est sujeito.72 De acordo com o qual o contribuinte ainda se mantm dentro das fronteiras da legalidade, mas abusa daforma. Quer isto dizer que pratica actos lcitos (no estamos aqui a falar de ilcitos penais ou criminais),mas os resultados a que chega no so bem aceites pelo sistema fiscal, pois contrariam princpiosfundamentais.73 Esta disposio conferiu uma autorizao legislativa para fixao, com carcter preventivo e para evitarsituaes de planeamento agressivo, da obrigatria comunicao sobre esquemas ou operaes deplaneamento.

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    prembulo do diploma em questo que com a revelao dos esquemas ou actuaes deplaneamento fiscal se pretende melhorar a transparncia e a justia do sistema fiscal.No seguimento deste diploma, surgiu a Portaria n. 364-A/2008, de 14 de Maio tendoesta aprovado um modelo de declarao para comunicao de esquemas ou situaes deplaneamento, alm das respectivas instrues de preenchimento. J o Despacho n.14.592/2008, de 27 de Maio apresenta algumas orientaes interpretativas,nomeadamente sobre a delimitao do objecto, o mbito objectivo e subjectivo deaplicao e a execuo do dever de comunicao.

    Com estas novas exigncias, a Administrao Fiscal pretende controlar osesquemas em aplicao ou em vias de aplicao e adquirir know-how para deteco, nofuturo, de esquemas abusivos ou fraudulentos do mesmo gnero. No entanto, esqueceu--se aqui o problema da imoralidade de muitos, a impossibilidade de controlo capaz eefectivo, bem como muitas vezes a falta de preparao tcnica para elaborao dosesquemas nos moldes que se pretende.

    Poderemos constatar tambm que um dos graves problemas deste Decreto-Lei ainda alguma contradio patente entre os objectivos presentes no prembulo e oenunciado legal, nomeadamente no mbito da delimitao subjectiva do art. 6. domesmo. Poder, portanto, no ter muita aplicao prtica porque outilizador/beneficirio destes esquemas quem tem o nus de fazer a comunicao. Ora,a meu ver, a lgica dos utilizadores no faz muito sentido. Os prprios funcionrios daAdministrao Fiscal no vem muito alcance prtico nestes diplomas, j que quem teminteno de efectivamente praticar algo abusivo ou at mesmo fraudulento nopretende arriscar-se s pesadas penalizaes sob a forma de coimas, comunicandopreviamente as suas intenes. Essas pessoas preferem praticar directamente asinfraces e tentar com que nunca sejam descobertas. Infelizmente, a no detecoacontece e no raras vezes.

    Alm disso, continuando a referir os defeitos da legislao em questo, aconfuso terminolgica que se faz, por exemplo, referindo regime fiscal privilegiadoem vez de regime fiscal claramente mais favorvel no veio trazer nada de novo,muito pelo contrrio74.

    No seguimento deste imperativo legal de comunicao dos esquemas deplaneamento agressivo, existe j um Comunicado de Imprensa do Ministrio das74 Este mesmo problema em virtude de imprecises terminolgicas foi j rebatido aquando da anlise daquesto dos critrios para definio dos chamados parasos fiscais, bem como realidades afins.

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    Finanas75 que funciona como que um ponto de situao e uma clarificao dosobjectivos, apresentando dados percentuais e concluses acerca dos primeiros temposde aplicao das exigncias de que estamos a tratar. Gostaria de salientar a relevnciadas insuficincias e inconsistncias detectadas em muitos dos esquemas apresentados,o que quer dizer que nem sempre existe transparncia total, podendo a sua falta serintencional ou no. Outra razo poder ser a falta de preparao tcnica e prtica porparte dos utilizadores ou beneficirios que, repito, so quem tem o nus de efectuar ascomunicaes, sob cominao de incorrerem em pesadas penalizaes pecunirias, emrelao s quais podero no estar dispostos a arriscar incorrer. Em virtude desse facto,preferem esconder os seus esquemas, confiando nas falhas existentes quanto spossibilidades de deteco e controle de tais prticas agressivas.

    O prximo passo, se tudo correr como planeado, ser a publicao dos esquemasno site da DGCI76. Na minha opinio, tal facto ser muito positivo no sentido de umaainda maior transparncia do sistema, funcionando como que uma espcie depreveno geral e preveno especial, alm de permitir que se perceba, de uma vezpor todas, o que so situaes que podero cair na fronteira cinzenta entre alegalidade e a ilegalidade ou o abuso, simplesmente. Poder ser tambm que muitosvejam a publicitao como factor dissuasor, j que pode ser publicidade muito negativapara as empresas e para os prprios contribuintes singulares que muitas vezesencabeam e do a cara s organizaes empresariais em questo.

    75 Vide Ministrio das Finanas e da Administrao Pblica - Comunicado de imprensa sobre oPlaneamento Fiscal, Lisboa, 06 de Novembro de 2008 (disponvel em www.min-financas.pt).76 Cfr. Comunicado do Ministrio das Finanas, j referenciado, e site do IRS, Department of Treasusy(EUA).

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    4 A troca de informaes entre AdministraesFiscais:

    A OCDE tem sido a organizao que mais se tem preocupado com a causa datransparncia fiscal, nomeadamente atravs do combate fraude e seus veculos, isto, os parasos fiscais. Assim, identificou em 2002, e com base nos critrios do sigilobancrio e da ausncia de troca de informaes, uma lista de parasos fiscais, os quais sealertaram acerca da necessidade de se pautarem por critrios de transparncia, a par daabolio das vantagens excessivas oferecidas tradicionalmente.

    A abertura dos parasos fiscais tem permitido, de facto, maior transparncia notocante ao conhecimento dos montantes de rendimentos neles investidos, o que seafigura como uma questo muito importante77.

    Assim, a troca de informaes entre Administraes Fiscais um tema que temsido objecto de inmeras inovaes recentes, ou no fosse a cimeira do G20, realizadaem Abril de 2009, um importante marco histrico para estas questes78 (apesar de noserem novas, j na altura).

    4.1 Anlise do art. 26. da Conveno Modelo da OCDEA Conveno Modelo da OCDE sobre o rendimento e o capital inclui h j

    muito tempo no seu art. 26. (inserido no captulo VI, designado por disposiesespeciais 79) uma disposio acerca de Troca de Informaes. Postula, no seu nmero1 que As autoridades competentes dos Estados contratantes tm de trocar taisinformaes [fiscais] na medida em que sejam previsivelmente relevantes para darcumprimento s disposies desta Conveno [sobre o rendimento e o capital], assimcomo para reforar as leis domsticas relativamente a impostos de todo o tipo e

    77 TEIXEIRA, Glria, A Fraude Fiscal e o Princpio da Transparncia, in Cincia e Tcnica Fiscal,n. 422, Centro de Estudos Fiscais, Direco-Geral dos Impostos, Lisboa, Julho-Dezembro de 2008.78 Acerca do processo de criao do G20, bem como acerca da referida cimeira ou reunio, consultar:GONALVES, Jos Renato, A crise financeira de 2007/2009 e as suas diversas implicaes globais (apropsito da reunio do G20 de 2 de Abril de 2009), in Revista de Finanas Pblicas e Direito Fiscal,n. 3, Ano II, 2009; SANTOS, Lus Mximo, O G20 e a reforma da regulao bancria, in Revista deFinanas Pblicas e Direito Fiscal, n. 2, Ano II, 2009; TOMS, Joo Amaral, A reunio do G20 de 2de Abril de 2009 e o futuro dos parasos fiscais, in Revista de Finanas Pblicas e Direito Fiscal, AnoII, n. 2, Almedina, 2009.79 Vide Articles of the Model Convention with respect to taxes on income and on capital (disponvelem www.oecd.org), Chapter VI Special provisions.

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    descries impostas em benefcio dos Estados contratantes, ou das suas divisespoliticas e autoridades locais, at ao ponto em que a tributao em questo no sejacontrria Conveno80. A parte final desse n. 1 postula que dever ser trocadainformao sem ser atendido o facto de a conduta sob investigao ser ou noconsiderada crime, de acordo com as leis do requerente, caso essa conduta tenhaocorrido no Estado requerido. Alm disso, prev o mesmo art. 26., n. 1 in fine dareferida conveno que a troca de informao no se encontra restringida pelos Artigosn. 1 e n. 2 (sobre o mbito da conveno81, designada e respectivamente sobre ossujeitos passivos82 e os impostos abrangidos83)84.

    Quer isto dizer que a troca de informaes bastante importante e at mesmoindispensvel para dar cumprimento Conveno e para um reforo das leis internasdos pases contratantes, desde que essas informaes sejam previsivelmente relevantes(isto implica um juzo para o futuro). O facto de haver sujeitos passivos especificamenteabrangidos e impostos especificamente no mbito das convenes no limita os deveresde informao, o que nos alude para um carcter globalizante da informao a fornecer.Procura-se, assim, uma limitao pelo mnimo, tratando-se, relembro, de informaesque, de acordo com um juzo prvio, sero relevantes para os fins que se pretendeperseguir, a fim de se justificar todo um investimento no procedimento a levar a cabo nocontexto da troca de informaes.

    Continuando a analisar a disposio em questo (art. 26.), o seu nmero 2indica que Qualquer informao recebida por um Estado contratante de acordo com onmero 1 tem de ser tratada como um segredo do mesmo modo que a informao obtidade acordo com as leis domsticas daquele Estado e deve ser disponibilizada apenas apessoas ou autoridades (incluindo tribunais e corpos administrativos) relacionadas coma tributao, liquidao ou cobrana, com o reforo ou litgios a respeito dadeterminao de recursos relacionados com os impostos referidos no pargrafo 1, ou odescrito acima. Tais pessoas ou autoridades devem usar a informao apenas para essesefeitos. Podem revelar e expor a informao em procedimentos, processos ou decises

    80 Traduo e informao interpretativa realizados pela autora desta tese a partir do texto original, emlngua inglesa.81 Vide Articles of the Model Convention with respect to taxes on income and on capital, 2003(disponvel em www.oecd.org), Chapter I Scope of the Convention.82 Article 1 (Persons Covered).83 Article 2 (Taxes Covered).84 Esta disposio encontra-se a maior parte das vezes deste modo no articulado de variadssimos TIEAs,bem como nas Convenes sobre dupla tributao celebradas entre os Estados.

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    judiciais85. Caso a informao no seja suficiente, o pas deve usar todas as medidasaplicveis com a finalidade de recolha de informao, no obstante a possibilidade de orequerido no necessitar de toda a informao fornecida para os seus prprios finsdomsticos.

    Daqui deduzimos que o sigilo em relao s informaes deve ser respeitado deacordo com um princpio de reciprocidade, devendo tambm ser restrito a grupos depessoas devidamente credenciadas e explicitamente definidas, com finalidade limitadaao pleiteado nos tribunais ou ao referido em procedimentos administrativos. A parte queindica a comparao com as leis domsticas na forma como deve ser tratado o segredopode levar a diferenas na aplicao prtica, o que, no meu entendimento, necessitariade regulao unitria e expressa nas convenes.

    O nmero 3 do art. 26. da conveno modelo em anlise diz-nos que Em casoalgum deve o disposto nos nmeros 1 e 2 ser utilizado para impor a um Estadocontratante a obrigao de: a) desenvolver medidas administrativas que variem das leise prticas administrativas daquele ou do outro Estado contratante; b) fornecerinformao que no seria possvel de obter de acordo com as leis ou no curso normal daadministrao daquele ou do outro Estado contratante; c) fornecer informao queexporia algum segredo do trfego, do negcio, industrial, comercial, profissional ou doprocedimento de negociaes, ou informao revelada que possa ser contrria ordempblica86.

    Analisando este nmero 3, podemos dizer que temos uma espcie de vlvula desegurana onde se protegem as legislaes internas dos pases contratantes dasconvenes bilaterais sobre troca de informaes, limitando-se o mbito da troca deinformaes para prevenir e/ou travar situaes de aproveitamento ilegtimo e prejuzopara as actividades comerciais, evitando-se abusos no tocante obteno deinformaes ao abrigo das convenes quando as leis domsticas no o permitem paraoutros procedimentos diferentes dos previstos nas convenes, salvaguardando-setambm todo o tipo de segredos, nomeadamente o segredo comercial mas ateno queaqui no se inclui a salvaguarda do sigilo bancrio. Esta questo muito importante eum enormssimo ponto de apoio na luta para se acabar com o sigilo bancrio, tal comoveremos adiante. Pretendo, por isso, que este importante ponto seja retido desde j pelosleitores.85 Traduo da autora, a partir da verso original, em lngua inglesa.86 Idem.

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    Prosseguindo nesta anlise, chegamos ao nmero 4 do art. 26. que postula queSe for requerida informao por um Estado contratante de acordo com esta norma, ooutro Estado contratante tem de usar as informaes adoptando medidas e envidandoesforos para obter a informao pedida, mesmo que o outro Estado possa no precisarde tal informao para os seus prprios fins fiscais. A obrigao contida na fraseanterior sujeita s limitaes do nmero 3, mas em caso algum devem as limitaesser delineadas para permitir a um Estado contratante recusar-se a fornecer informaosomente porque no tem interesse domstico em tais informaes87.

    Assim, conclumos que devem ser investidos todos os esforos possveis para ofornecimento das informaes pedidas, ainda que no interessem directa ouindirectamente ao pas que as fornece: esta ideia muito importante. De facto, aobrigao de prestar informaes ter como limites os j analisados no nmero anterior,mas no devem estas limitaes ser invocadas s porque no existe interesse domsticono fornecimento das informaes.

    Finalmente, o nmero 5 do art. 26. dispe que Em caso algum deve o dispostono nmero 3 [limitaes ao fornecimento de informaes] ser utilizado para permitir aum Estado contratante recusar-se a fornecer a informao por esta ser detida por umbanco, instituio financeira, nomeado ou pessoa a actu