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    Universidade de So PauloFaculdade de Sade Pblica

    Superviso na formao profissional deagentes indgenas de sade no

    Parque Indgena do Xingu

    Patricia Rech

    Dissertao apresentada ao Programade Ps-Graduao em Sade Pblicapara obteno do ttulo de Mestre emSade Pblica.

    rea de Concentrao: Servios deSade Pblica

    Orientadora: Prof Dra. CleideLavieri Martins

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    Superviso na formao profissional deagentes indgenas de sade no

    Parque Indgena do Xingu

    Patricia Rech

    Dissertao apresentada ao Programa

    de Ps-Graduao em Sade Pblicapara obteno do ttulo de Mestre emSade Pblica.

    rea de Concentrao: Servios deSade Pblica

    Orientadora: Prof Dra. Cleide

    Lavieri Martins

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    Agente indgena de sade Tapi Kaiabi e enfermeira Raquel durante

    superviso na aldeia, 2005. Fonte: acervo equipe UNIFESP, 2005

    essa luta, estudar para agente indgena,

    professor, gestor, pra gente tentar

    associar as coisas da gente e as coisas

    de vocs, porque cada dia mais ... as

    coisas de vocs t mudando, o

    desmatamento t apertando a gente...

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    AGRADECIMENTOS

    Faculdade de Sade Pblica da USP, na figura da professora Cleide.

    Mais que orientadora, representou o acolhimento e serenidade que abrandou

    a brusca mudana de estilo de vida na volta para So Paulo. Agradeo a

    generosidade de uma educadora genuna, em receber e valorizar as idias,

    em aguar a curiosidade e a inquietao, alm da pacincia com minha falta

    de pragmatismo... Sua forma de conduzir o processo educativo foi

    fundamental para edificar minha formao nessa etapa.

    professora Lavnia, co-orientadora informal do mestrado e orientadora h 8

    anos da minha trajetria na sade indgena. Agradeo todo o aprendizado ereflexes ao longo do tempo, fundamentais para a construo desse estudo.

    Sou grata pelo direcionamento, essencial para no perder-se a objetividade,

    encorajamento e incentivo para expor meu pensamento. Seu olhar de sade

    pblica e a dedicao de anos sobre o tema da formao profissional de

    ndios fonte de inspirao. professora Carmen, nossa fada xinguana, por me proporcionar a honra de

    t-la em minha banca, por toda a generosidade e ensinamentos. Pelas

    reflexes e provocaes. Agradeo por ter me devolvido o prazer de ser

    aluna, de tentar, de arriscar e perder o medo...

    Prof Eliete Maria Silva, da Faculdade de Cincias Mdicas da UNICAMP,pela contribuio que sua produo terica proporcionou no rduo exerccio

    de aliar conhecimentos da sade coletiva ao corpo de conhecimentos, to

    importantes quanto, das sociedades indgenas do Xingu.

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    Aos povos indgenas do Parque do Xingu como um todo e aos agentesindgenas de sade pela convivncia e aprendizado ao longo dos anos em

    que morei l. Agradeo a receptividade em suas aldeias e por nos

    proporcionar a honra de dividir o cotidiano com suas famlias... pelas lies de

    vida e de trabalho que nunca esquecerei...

    A todos os entrevistados, agentes indgenas de sade, lideranas eprofissionais, pelas colaboraes que alimentaram de maneira fundamental

    as reflexes e a constituio desse trabalho. Agradeo a disposio em dividir

    comigo suas experincias e seus olhares, to ricos e complementares.

    Ao Dr. Marcos pela parceria ao longo de anos, pelo aprendizado profissional

    e pessoal que sua amizade e convvio me trouxe. Pelo exemplo dehumanismo e seriedade que representa. Agradeo todo o apoio nessa fase.

    s queridas amigas do Ambulatrio do ndio: rica, Juliana, Vanessa, Neuza,

    Rozenilda, Raquel Ferreira, Leidiane pelo carinho, troca de idias e apoio de

    todas as formas...

    Ao numeroso grupo de amigos e companheiros de trabalho, entre eles:Aigur, Ana Maria, Ayum, Cludio, Juliana Rosalen, Mariza, Paulo Ondei,

    Pablo Lemos, Raquel Pacagnella, Rui, Taciana, Tafuraki, Tymain e tantos

    outros, pelos momentos compartilhados nessa estrada da vida, pelo

    aprendizado precioso... enfermeira Mariana, pela troca de idias e

    colaborao na coleta de dados.

    Ao CNPQ, pela bolsa de estudos que viabilizou a efetivao deste trabalho.

    Ao meu Pai, Mximo, e minha Me Carmen, pelo amor e dedicao, pela

    minha formao como pessoa. Agradeo o estmulo constante aos estudos, o

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    RESUMO

    Rech P. Superviso na formao profissional de agentes indgenas de sade

    no Parque Indgena do Xingu. [dissertao de mestrado]. So Paulo:

    Faculdade de Sade Pblica da USP; 2008.

    A superviso de agentes indgenas de sade possui desafios especficos,

    entre eles a busca do dilogo entre os saberes tradicionais dos povos

    indgenas e os saberes do modelo biomdico ocidental. A superviso

    considerada uma atividade do processo de trabalho em sade, que

    demonstra a quais finalidades se presta em funo da necessidade de seucontexto histrico-social mais amplo e da sade pblica. O objetivo do estudo

    foi analisar o processo de superviso dos agentes indgenas de sade, seus

    componentes e especificidades. Procedemos a um estudo de caso do servio

    de ateno primria na regio do Mdio e Baixo Xingu, Mato Grosso.

    Utilizamos a anlise de contedo para o tratamento de dados secundrios eprimrios: documentos institucionais sobre a formao de recursos humanos

    e entrevistas com agentes indgenas de sade, lideranas indgenas,

    representantes da medicina tradicional e profissionais de sade de nvel

    universitrio. As anlises fundamentam-se no referencial terico do processo

    de trabalho em sade, com destaque para a superviso de trabalhadores dasade, e na abordagem da antropologia mdica e relaes interculturais.

    Apresentamos trs grandes ncleos temticos: os agentes do processo de

    trabalho em sade indgena; concepes e prticas da superviso;

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    ABSTRACT

    Rech P. Supervision on the professional training of Indigenous Agents of

    health at the Parque Indgena do Xingu. [Master degree essay]. So Paulo:

    Public Health College Faculdade de Sade Pblica da USP; 2008.

    The supervision of indigenous agents of health contained specific challenges,

    among them, the search for the dialogue between the traditional knowledge of

    the indigenous nations and the knowledge of the west biomedical model. The

    supervision on health is considered an activity on the work process. It

    demonstrates which finalities they will work concerning the necessity of amore broaden social-historical context and for the public health. The purpose

    of this research was to analyze the process of supervising the indigenous

    agents of health, its components and specificities. We have performed a case

    study of a primary service attention in the region of Low and Middle Xingu,

    Mato Grosso. We have used the analysis of content for the treatment ofprimary and secondary data: institutional documents about the formation of

    human resources and interviews with indigenous agents of health, indigenous

    leaderships, representatives of traditional medicine and graduated

    professionals of health. The analyses are based on the theoretical process of

    working on health, particularly for the supervision of health workers, and theapproach of the medical anthropology and intercultural relationships. Here we

    present three major thematic areas: the agents in the working process of

    health itself, the concepts and practices of supervision; and the finalities of the

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    APRESENTAO

    A motivao para a escolha do tema deste estudo decorrente da

    minha vivncia no servio de ateno primria sade no Parque do Xingu,

    durante a implantao dos Distritos Sanitrios Especiais Indgenas.

    Na graduao em enfermagem, fui me atraindo pelas discusses

    (raras!) de sade pblica e do potencial papel educativo dos profissionais de

    sade. Ao mesmo tempo, a vontade de atuar com sociedades culturalmente

    distintas povoava meu pensamento...

    Em 2000 participei do Ciclo de Palestras em Comemorao ao 35

    Aniversrio do Projeto Xingu, da UNIFESP, onde tive o primeiro contato com

    aspectos da sade indgena nacional atravs da fala de antroplogos,

    mdicos, lideranas indgenas e alguns ndios que estavam terminando sua

    formao como auxiliares de enfermagem. Chamou-me a ateno a

    apresentao dessas duas ltimas figuras: seus posicionamentos sobre

    sade, direito, cidadania e sobre a relao com a sociedade brasileira,

    fizeram-me refletir a respeito da viso comum que se tm dos povos

    indgenas: parcial e influenciada pelo aparelho educador e meios de

    comunicao em massa.

    Freqentei durante seis meses o Grupo de Extenso do Projeto Xingu.

    A mim, parecia um osis na aridez acadmica: alunos de diversos cursos da

    rea da sade estudavam e discutiam sobre as peculiaridades culturais dos

    povos indgenas e repercusses na atuao da medicina ocidental. Assim fui

    aproximando-me desse universo, curiosa e encantada.

    Logo que me formei comecei a trabalhar no Parque do Xingu Ao

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    prticas, foram experincias preciosas que transformaram meuposicionamento como profissional da sade.

    A partir dessa vivncia, pude refletir sobre a prtica dos profissionais

    de sade no-ndios como formadores de agentes indgenas de sade. Os

    primeiros, detentores de um conhecimento biomdico e impregnados de

    valores e atitudes que essa formao constri, esforam-se em lidar com asespecificidades to novas do contexto indgena. Aprendem a rever

    conhecimentos, prticas e valores da educao formal e profissionalizante,

    que receberam por aproximadamente 20 anos...

    Os trabalhadores indgenas, mergulhados em sua cultura to rica e

    peculiar, esforam-se em incorporar conhecimentos e habilidades do modelobiomdico ocidental para a proteo de suas comunidades. Comeam jovens

    a estudar conhecimentos provenientes de uma concepo de mundo muito

    diferente, em uma lngua estrangeira, enfrentando diversos desafios e

    mudanas de uma maneira muito corajosa. ndios e no-ndios, ao

    transitarem nesses dois mundos vivem conflitos de papis sociais e

    profissionais, aprendendo a construir um modelo inovador de ateno

    sade.

    Aprendemos a desenvolver conhecimentos e habilidades bastante

    amplos para a execuo da ateno primria: o enfoque na vigilncia da

    sade, a integrao ensino-trabalho com o desenvolvimento de recursos

    humanos indgenas e no indgenas em todos os momentos da produo de

    servios de sade, o desenvolvimento de competncias polticas e

    antropolgicas.

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    NDICE

    1. CONTEXTO... 23

    1.1 ANTECEDENTES E PANORAMA DA POLTICA DE

    ATENO SADE INDGENA .... 23

    1.2 FORMAO PROFISSIONAL DE AGENTES INDGENASDE SADE ... 31

    2. REFERENCIAL TERICO 39

    2.1 RELAES INTERCULTURAIS E O TRABALHO EM SADE

    INDGENA .... 392.2 SUPERVISO NO PROCESSO DE TRABALHO EM SADE . 47

    3. OBJETIVOS 57

    4. PERCURSO METODOLGICO . 59

    4.1 TIPO DE ESTUDO ... 59

    4.2 FONTE DE DADOS E INSTRUMENTOS DE COLETA . 59

    4.3 SOBRE O LOCAL E SUJEITOS ............................. 61

    4.4 TRABALHO DE CAMPO . 71

    4.5 ANLISE DOS RESULTADOS . 74

    4.6 PROCEDIMENTOS TICOS . 75

    5. RESULTADOS E DISCUSSO .. 77

    5.1 A FORMAO PROFISSIONAL DE AGENTES INDGENAS

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    5.2 SUPERVISO NO PROCESSO DE TRABALHO EM SADE 109

    5.2.1 Aspectos do Controle na Superviso ................... 109

    5.2.2 Aspectos da Educao na Superviso ............ 130

    5.2.3 Aspectos da Superviso na Organizao do Servio de

    Ateno Primria em Territrio Indgena . 151

    5.3 FINALIDADES DA SUPERVISO DE AIS 165

    6. CONSIDERAES FINAIS . 171

    7. REFERNCIAS .. 183

    ANEXOS

    ANEXO I - Lista de documentos utilizados como fonte de

    dados secundrios ..... 192

    ANEXO II - Roteiros das entrevistas ... 193ANEXO III - Termo de consentimento individual livre e

    Esclarecido . 195

    Anexo IV - Exemplo de uma ficha de avaliao de desempenho -

    sade da criana 196

    Anexo V - Avaliao de desempenho final do mdulo de sade da

    criana 197

    Anexo VI - Ficha de avaliao do perodo de disperso/superviso .. 198

    Anexo VII - Ficha de avaliao individual de desempenho .. 199

    A VIII Fi h d i t d f t 200

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    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 - Mapa da distribuio dos Distritos Sanitrios Especiais

    Indgenas no Brasil 26

    Figura 2 - Mapa do Parque Indgena do Xingu, Mato Grosso 63

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1: Nmero de fichas de avaliao de desempenho pra a

    superviso de AIS, Mdio e Baixo Xingu, 2007 82

    Quadro 2 Nmero de trabalhadores que atuam no territrio

    indgena do Mdio e Baixo Xingu e na sede administrativa do Projeto

    Xingu/UNIFESP, novembro 2007 84

    Quadro 3 Distribuio dos profissionais da EMSI por sexo, idade e

    experincia profissional anterior .. 93

    Quadro 4 Problemas levantados e deliberaes do Conselho

    Indgena de Sade sobre a superviso de AIS . 119

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    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Nmero e distribuio da populao por aldeias e etnias,

    Mdio e Baixo Xingu, novembro 2007. 65

    Tabela 2 -Nmero e distribuio da populao por plo-base, Mdio

    e Baixo Xingu, novembro 2007 66

    Tabela 3- Distribuio dos trabalhadores do Mdio e Baixo Xingu,

    novembro 2007, pela varivel indgena e no indgena. 84

    Tabela 4- Nmero e proporo de AIS pela populao geral por

    etnia, Mdio e Baixo Xingu, novembro 2007.. 86

    Tabela 5- Nmero e proporo de AIS por sexo, unio estvel e

    filhos, Mdio e Baixo Xingu, novembro 2007. .. 87

    Tabela 6- Proporo de AIS por idade atual e idade de incio de

    trabalho, Mdio e Baixo Xingu, novembro 2007 88

    Tabela 7 Nmero e distribuio dos AIS por tempo de trabalho em

    anos, novembro 2007 .. 89

    Tabela 8 Nmero e distribuio dos AIS por categoria de aes

    de sade e vnculo de trabalho, novembro 2007 89

    Tabela 9 -Distribuio dos AIS por nvel de escolaridade, novembro2007 . 90

    Tabela 10 Nmero e distribuio de AIS de acordo com outros

    papis que desempenha novembro 2007 90

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    Tabela 12 Nmero mdio de vezes que o aluno recebeu superviso

    - perodo de agosto de 2005 a outubro de 2007. . 122

    Tabela 13 Nmero mdio de carga horria por aluno - perodo de

    agosto de 2005 a outubro de 2007 . 123

    Tabela 14 Nmero mdio de vezes que o aluno recebeu

    superviso, por local onde mora o aluno - perodo de agosto de 2005

    a outubro de 2007 . 123

    Tabela 15 Nmero mdio de carga horria por local onde mora o

    aluno - perodo de agosto de 2005 a outubro de 2007 124

    Tabela 16 Nmero mdio de vezes que o aluno recebeu

    superviso por etnia, perodo de agosto de 2005 a outubro de 2007. 125

    Tabela 17 -Nmero mdio de carga horria por etnia, perodo de

    agosto de 2005 a outubro de 2007 de vezes e carga horria de

    superviso por categoria : AIS, AISB e AISAN .. 125

    Tabela 18- Mdia de vezes e carga horria de superviso por

    categoria : AIS, AISB e AISAN, agosto de 2005 a outubro de 2007 .. 126

    Tabela 19 Nmero e porcentagem das fichas de desempenho

    preenchidas para a superviso das categorias de AIS, AISB e

    AISAN, agosto de 2005 a outubro de 2007 .. 126

    Tabela 20 -Distribuio das fichas de superviso por profissional

    responsvel pelo preenchimento, agosto de 2005 a outubro de 2007 126

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    Em 1991 transferiu-se da FUNAI para o Ministrio da Sade (MS) a

    responsabilidade pela coordenao das aes de sade destinadas aos

    povos indgenas (MS, 2002). Em 1993, a 2 Conferncia Nacional de Sade

    Indgena (2 CNSI) contou com a participao paritria de indgenas e no-

    indgenas e avanou na concepo do modelo de ateno sade na lgica

    distrital (MENDONA, 2000).

    Segundo RODRIGUES (2005), aps a I CNPSI, seguiu-se um longo

    perodo de indefinies institucionais, entremeados por decretos que ora

    delegavam FUNAI, ora ao MS a responsabilidade pela sade indgena.

    Em 1997, a partir de uma demanda da Comisso Intersetorial de

    Sade do ndio, rgo assessor do Conselho Nacional de Sade, o Ministrio

    Pblico convocou uma audincia pblica para tratar da questo, cujo relatrio

    final deixa clara a responsabilidade do MS sobre a ateno sade indgena

    (RODRIGUES, 2005).

    A partir da aprovao da Lei n 9.836 de 23/09/99 (BRASIL, 1999a) e

    do Decreto 3156 de 27/08/99 (BRASIL, 1999b), estabelece-se a Poltica

    Nacional de Ateno Sade Indgena, cabendo ao Ministrio da Sade a

    responsabilidade pela gesto e direo desta poltica. A Fundao Nacional

    de Sade (FUNASA) definida como o rgo responsvel pela execuo das

    aes, porm na maioria dos casos, esta execuo vinha sendo realizada

    atravs de convnios com municpios, organizaes indgenas e no-

    governamentais, universidades e instituies de pesquisa.

    O modelo de ateno sade indgena est organizado na forma de

    34 Distritos Sanitrios Especiais Indgenas (DSEI) em articulao com o

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    desmantelamento de inmeras organizaes no-governamentais e

    associaes indgenas e a descontinuidade das aes de sade.

    A 4 Conferncia Nacional de Sade Indgena (4 CNSI), ocorrida em

    maro de 2006 como parte integrante da 12 Conferncia Nacional de Sade,

    j assinalava as contradies que caracterizam o panorama atual da sade

    indgena. Diversas resolues da 4 CNSI apontavam a preocupao dos

    conselheiros indgenas de sade quanto ao enfraquecimento do modelo de

    ateno sade indgena e falta de democracia no exerccio do controle

    social.

    Em 2007, a FUNASA e a SAS (Secretaria de Ateno Sade do MS)

    em articulao com o CONASENS (Conselho Nacional de Secretrios

    Municipais de Sade) se dirigiram a CISI (Comisso Intersetorial de Sade

    Indgena) para apresentar uma minuta de mudana da Portaria 1163/99 com

    a alegao de normatizar o controle no repasse e utilizao dos recursos

    destinados para os municpios prestadores de servios.

    Na avaliao dos representantes da CISI, a proposta desconsiderava a

    lei que regulamenta a poltica de sade indgena (Lei Arouca 9.836/99) e

    evidenciava a perspectiva da municipalizao da ateno e dos servios da

    sade indgena (COIAB, 2007).

    Em maro de 2007, a Funasa submeteu a minuta de Portaria ao

    Ministrio da Sade, que no dia 17 de outubro de 2007, revogou a Portaria

    1163/99 e editou, em seu lugar, a Portaria 2656, pretendendo estabelecer "as

    responsabilidades na prestao da ateno sade dos povos indgenas no

    Ministrio da Sade e a regulamentao dos Incentivos de Ateno Bsica e

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    1978 pela Organizao Mundial de Sade (OMS) e outros movimentos

    conduzidos pela Organizao Pan-Americana de Sade (OPAS).

    Diversos modelos de ateno sade no Brasil incorporaram atores

    da comunidade em suas prticas: o Servio Especial de Sade Pblica

    (SESP) na dcada de 1960; o Programa de Interiorizao de Aes de Sade

    e Saneamento (PIASS) na dcada de 1970; o Programa de Agentes

    Comunitrios de Sade (PACS).

    As denominaes e funes desse atores variaram de acordo com as

    necessidades e caractersticas do contexto histrico-poltico. No modelo do

    SESP, era denominado visitador sanitrio e no PIASS era o auxiliar de sade.

    Ambos possuam atribuies voltadas para a assistncia e saneamento

    populaes de regies do pas de interesse econmico. (SILVA, 2001)

    Por sua vez, o PACS acontece em um contexto de redemocratizao

    do Pas. Pautou-se nos princpios do SUS de regionalizao, universalizao

    e municipalizao. Sua implantao inicial privilegiou a periferia das grandes

    capitais e reas com altas taxas de morbi-mortalidade (MS, 1994).

    Nesse cenrio, o agente comunitrio de sade (ACS) considerado

    um mediador social: um elo entre os objetivos das polticas do Estado e os

    objetivos da comunidade; entre o conhecimento popular e o conhecimento

    cientfico sobre sade; entre a capacidade de auto-ajuda da comunidade e os

    direitos sociais garantidos pelo Estado (NOGUEIRA, 2000, p.36).

    Com o Programa de Sade da Famlia (PSF), oficializado em 1994,

    so institucionalizados mecanismos e patamares de financiamento do PACS.

    Muitos municpios passam a se interessar pelo Programa, inserindo o ACS na

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    Nacional de Educao/Cmara de Educao Bsica (CNE/CEB) n 19/2004,

    homologado em novembro de 2004, que aprovou a proposta do MS de

    habilitao tcnica para a profisso de agente comunitrio de sade (ME,

    2004).

    A Lei 11.350 de outubro de 2006 regulamentou as atribuies do ACS

    no mbito exclusivo do SUS, os requisitos para seu exerccio profissional e o

    tipo de vinculao trabalhista estabelecida pela Consolidao das Leis do

    Trabalho e processo de seleo pblica (BRASIL, 2006).

    A formao profissional do ACS estabelece uma carga horria mnima

    de 1.200 horas, incluindo a prtica profissional atravs de estgios

    supervisionados. Os cursos so executados por meio das Escolas Tcnicas

    de Sade do SUS (ETSUS) ou de instituio conveniada (MS, 2004)

    A proposta de habilitao tcnica para a profisso de Agente

    Comunitrio de Sade prev a oferta de etapas formativas seqenciais de

    ensino profissional e escolarizao. O ingresso no processo de formao

    independe da escolaridade do trabalhador, e a obteno do diploma da

    habilitao profissional tcnica fica condicionada concluso de todas as

    etapas formativas do curso, alm da concluso dos estudos no nvel do

    ensino mdio (ME, 2004).

    Apesar de polmica, a atuao do ACS est bem documentada e sua

    insero implantada na maior parte do pas atravs do Programa Sade da

    Famlia (PSF). Por sua vez, a atuao do AIS pouco documentada, entre

    outros fatores, por estar inserido em um modelo de ateno recente e com

    diversas especificidades operacionais (OLIVEIRA, 2001, 2005b).

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    operacionais de baixa qualificao, sem desenvolver uma poltica satisfatria

    de formao e insero no processo de trabalho (SSL, 2005).

    Atualmente encontra-se em discusso o processo de habilitao

    tcnica para a profisso de Agentes Indgenas de Sade. A SSL (2005),

    recomenda que a formao profissional do AIS esteja contemplada no

    processo desencadeado pelo DEGES/MS de habilitao tcnica e

    escolarizao do ACS, em articulao estreita com a FUNASA/MS no nvel

    central.

    Em alguns locais a formao de AIS e AISAN vm sendo pactuada

    com as Secretarias Estaduais de Educao visando a escolarizao no nvel

    do ensino fundamental, assim como o aproveitamento de estudos de toda a

    parte profissionalizante realizada at agora por meio dos mdulos

    curriculares, tambm a ser negociada com as ETSUS, para fins de

    certificao dessa formao inicial (MS, 2004).

    Na ltima Conferncia Nacional de Sade Indgena (4 CNSI, 2006), as

    delegaes de conselheiros indgenas de sade formalizaram uma moo de

    apoio profissionalizao dos AIS e AISAN, assim redigida:

    apoiamos a luta dos agentes de sade indgena e dos agentes desaneamento indgena, quanto ao reconhecimento de suas atividades comocategoria profissional, de acordo com os termos da Lei Federal que determinaa criao da categoria profissional de agente comunitrio de Sade, ao tempoem que encaminha ao Congresso Nacional o referido pleito para que sejamfeitas as devidas modificaes na legislao de modo a permitir o seu

    enquadramento e a regulamentao do exerccio do seu trabalho(MS, 2006).

    Mesmo sem um programa de formao, mais de 1.400 AIS vinham

    t d B il t 1999 i i d l t b lh d l t i t

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    A maioria dos AIS so jovens do sexo masculino, exercem influncia

    em sua comunidade pelo grau de parentesco que possuem com as

    lideranas, so falantes da lngua portuguesa e conhecem o sistema

    tradicional de cura praticado pelos pajs, raizeiros, rezadores e parteiras (MS,

    2002).

    O AISAN participa das aes de saneamento bsico em sua

    comunidade, desenvolvendo, prioritariamente aes de abastecimento e

    controle da qualidade da gua, aes no mbito do esgotamento sanitrio e

    resduos slidos (MS, 2004).

    O AIS participa da assistncia sade aos membros da sua

    comunidade e localidades de sua rea de abrangncia, desenvolvendo,

    prioritariamente, aes de vigilncia em sade, preveno, monitoramento e

    controle de doenas, sob a superviso e acompanhamento de profissionais

    de sade, lotados nas equipes dos DSEI (MS, 2004).

    De acordo com o Programa de Formao dos Agentes Indgenas de

    Sade da FUNASA, a formao deve ser desenvolvida em servio e de forma

    continuada, sob a responsabilidade da EMSI, com a colaborao de

    professores indgenas, lideranas e organizaes indgenas. Recomenda a

    construo de uma metodologia participativa, propcia comunicao

    intercultural, de modo a favorecer o processo recproco de aquisio de

    conhecimentos (MS, 2005).

    A proposta do curso prev uma carga horria total 1080 horas, em

    uma dinmica articulada entre teoria e prtica, atravs de momentos de

    concentrao e disperso. Os perodos de concentrao, no total de 700

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    ateno primria sade no local de atuao dos AIS: as aldeias e postos de

    sade locais (MS, 2005).

    O registro da superviso dos AIS realizado a partir de instrumentos

    de avaliao de desempenho individuais preconizados pela FUNASA, que

    encontram-se nas publicaes da Educao Profissional Bsica para

    Agentes Indgenas de Sade (MS, 2005)

    A disperso considerada uma atividade que no serve apenas ao

    registro protocolar do currculo. vista como parte fundamental da

    organizao dos servios:

    no somente o aluno que deve ser avaliado por meio das fichas dedesempenho; o servio tambm deve ser avaliado na sua finalidade para ousurio. Essa a essncia de um processo educativo que tem como eixometodolgico a integrao ensino-servio. O instrutor assume seu papel desupervisor do aluno e do servio. Mecanismos e instrumentos devem sercriados visando o impacto do processo de formao na qualidade dosservios prestados. O registro de desempenho nas fichas, substituiro otradicional histrico escolar, assegura ao aluno a certificao no campoprofissional. A disperso assim realizada equivale ao estgio supervisionado(MS, 2004).

    Apesar das recomendaes apontadas na Poltica Nacional de

    Ateno Sade Indgena e em outros documentos institucionais, no sentido

    de formao e superviso do AIS, sua atuao tem sido vista de modo geral

    como uma soluo para as populaes com dificuldades de acesso aos

    servios de sade. Recomenda que a estratgia de incorporao do trabalho

    do AIS constitua-se de modo qualificado, para que no se torne mais uma

    forma de assistncia desigual, refletindo restries de recursos e profissionais

    de sade qualificados (ERTHAL, 2003).

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    quadro das equipes multidisciplinares de sade indgena (EMSI), sendo: 600

    mdicos, 968 enfermeiros, 542 odontlogos e 8 nutricionistas.

    Segundo OLIVEIRA (2005b), o cenrio predominante dos recursos

    humanos em sade indgena no nvel nacional de despreparo para atuao

    em situaes de diversidade cultural, condies de trabalho adversas, alta

    rotatividade de equipes, ausncia de tecnologias adequadas para o cotidiano

    e vinculao trabalhista precria.

    Uma das caractersticas que demanda reflexes sobre o processo de

    trabalho em sade indgena, a insero de no ndios de uma maneira

    intensa em contextos culturais especficos. As equipe permanecem em mdia

    30 dias em rea indgena, onde desenvolvem aes de assistncia,

    vigilncia, promoo sade e formao em servio de trabalhadores

    indgenas. Convivem de maneira muito prxima com as comunidades, seus

    contextos sociais e suas prticas de sade.

    Buscamos a partir do referencial terico a seguir, elucidar algumas

    caractersticas do encontro desses conhecimentos to diversos.

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    essenciais unicamente aquelas referentes ao diagnstico biomdico. Todos

    os outros dados referentes ao impacto dos fatores sociais e culturais, so

    avaliados como acessrias (KLEINMAN,1987).

    Os trabalhos desenvolvidos por Arthur Kleinman e Byron Good, que se

    situam entre os principais representantes da corrente interpretativa do

    processo sade doena (ou antropologia mdica), fornecem os elementos-

    chave de um quadro terico e metodolgico para anlise dos fatores culturais

    que intervm no campo da sade. Esses trabalhos ressaltam a importncia

    de considerar que as desordens, sejam elas orgnicas ou psicolgicas, s

    nos so acessveis por meio da mediao cultural. Assim, a desordem

    sempre interpretada pelo doente, pelo mdico e pelas famlias (KLEINMAN &

    GOOD, 1985).

    KLEINMAN (1980) afirma que a cultura fornece modelos de e para

    os comportamentos humanos relativos sade e doena. Todas as

    atividades de cuidados em sade so respostas socialmente organizadas

    frente s doenas e podem ser vistas como um sistema cultural. Todo

    sistema de cuidados em sade seria constitudo pela interao de trs

    setores diferentes: profissional, tradicional e popular. Cada setor veicula

    crenas e normas de conduta especficas e legitima diferentes alternativas

    teraputicas (KLEINMAN,1987).

    Assim, considera-se que no existe correspondncia termo a termo

    entre os diagnsticos profissionais, que geralmente orientam os programas

    de sade, e os diagnsticos populares, que orientam as representaes e

    comportamentos das comunidades. Em geral, para os profissionais de sade,

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    Outra questo muito pertinente, que requer aprendizado constante dos

    profissionais de sade no ndios, refere-se s sutilezas na relao com uma

    cultura que possui expresses e comportamentos diferentes do modo

    ocidental.

    JUNQUEIRA (2004) aponta que ao lado de todo o benefcio da

    medicina ocidental, existe em geral uma falta de reconhecimento pelos

    profissionais de sade das etiquetas que regem as relaes de cada povo,

    das delicadezas que devem ser mantidas, das transgresses que no podem

    ser feitas: tanto ndios como no ndios devem tentar conhecer a cultura do

    outro, porque um fator fundamental para que possam dialogar

    (JUNQUEIRA, 2004, p.89).

    A dificuldade de considerao acerca dos aspectos culturais do

    processo sade-doena e das regras de comportamento na relao

    intercultural parece possuir como pano de fundo o contexto histrico e poltico

    das relaes entre ndios e no ndios no Brasil.

    MINDLIN (2004) adverte sobre o senso comum de aculturao dos

    povos indgenas, ainda muito enraizado na cultura brasileira e que pode

    determinar repercusses nas relaes do sistema oficial de sade com esses

    povos:

    um primeiro engano a ser evitado pelo sistema de sade usar a categoriade ndios aculturados em oposio aos de contato recente. um termo quepossui o sentido, explcito ou implcito, de que os ndios que atravessam

    mudanas culturais deixam de ser ndios e portanto, perdem seus direitosenquanto povos. Este conceito encobre a dominao econmica, aexpropriao de terras, o impedimento de modos diferentes de vida, e insuficiente para explicar a situao atual dos povos indgenas. Portanto, importante examinar em cada caso de mudana, que situao econmica,

    i l hi t i t j (MINDLIN 2004 82)

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    - o grau de predisposio dos grupos indgenas aceitao ou rejeio de

    inovaes;

    - a distncia entre a cultura tribal e a nacional.

    A interveno protecionista oficial das dcadas de 1960 e 1970, com a

    criao de condies artificiais de interao e garantia da posse de territrios

    a alguns grupos indgenas, como o Parque do Xingu, apontada como um

    dos fatores que asseguraram a alguns povos indgenas mais tempo e maior

    liberdade de resistncia s diversas compulses a que foram submetidos:

    O que vai definir o futuro das sociedades indgenas o ritmo, a direo e afora propulsora destas transformaes. Essa dominao ser maisrpida ou mais lentasegundo a maior ou menor receptividade dos grupos

    indgenas adoo de inovaes, segundo o carter dos agentes decontato que atuam como intermedirios neste processo e segundo a face dasociedade nacional que apresentada aos ndios(RIBEIRO, 1997 apudMENDONA, 2005).

    A partir da dcada de 1970, com tericos como Fredrik Barth, a viso

    antropolgica sobre mudana cultural concebe a idia de dinmica cultural.

    Esse enfoque no deve ser considerado apenas fruto de uma interpretao

    terica, mas conseqncia do fato dos povos indgenas - a despeito das

    mudanas impactantes em seus modos de vida - continuarem a manifestar

    com densidade seus processos culturais. O prprio debate sobre a

    coexistncia entre medicina tradicional e medicina ocidental exemplificam

    essa vitalidade cultural.

    Na produo antropolgica brasileira, a percepo de que as culturas

    i d d i d d i d t

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    ndios nas reivindaes dos diversos grupos etnicamente diferenciados

    (COHN, 2001).

    A interculturalidade pode ser vista como uma caracterstica presente

    nas relaes entre as diversas sociedades, permeando a vida de qualquer

    grupo indgena na situao pr e ps contato (COHN, 2001).

    O receio de que as comunidades indgenas percam sua cultura

    quando incorporam conhecimentos e habilidades do sistema de sade

    ocidental, uma preocupao nebulosa e concreta dos profissionais de

    sade que comeam a trabalhar em reas indgenas, em sua maioria jovens

    e sem experincia anterior com esses povos. Encaram o dilema de trazer

    novos conhecimentos para a proteo dessas comunidades e sentir-se

    responsvel pela alterao de caractersticas culturais daqueles povos.

    Para LANGDON (2006), em geral, no claro para os profissionais de

    sade os limites e conseqncias de suas intervenes.

    Como se configura a superviso de AIS nos servios oficiais de sade

    indgena, nesse encontro de saberes to diversos, pautados na sade pblica

    brasileira e nas prticas tradicionais do universo cultural? Nesse encontro

    com a medicina ocidental, o conhecimento de sade tradicional seria

    corrompido ? Como ficam os AIS nesse contexto de transformao ?

    A seguir, buscamos aprofundar a compreenso sobre as discusses

    atuais do processo de trabalho em sade, com destaque para a superviso

    em servios de sade pblica.

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    2.2 SUPERVISO NO PROCESSO DE TRABALHO EM SADE

    A categoria analtica trabalho vem sendo incorporada ao campo da

    sade desde a dcada de 60 na Amrica Latina, com Juan Csar Garcia, e

    na dcada de 1970 no Brasil, principalmente por Ricardo Bruno Mendes-

    Gonalves, Llian Blima Schraiber, Emerson E. Merhy, seguindo-se Gasto

    Wagner Campos e, na rea de Enfermagem, Maria Ceclia Puntel de

    Almeida, Marina Peduzzi, entre outros.

    A superviso em sade, articulada aos princpios do SUS, fundamenta-

    se teoricamente no referencial de processo de trabalho em sade e

    organizao tecnolgica do trabalho. Este referencial considera a tecnologia

    do trabalho em sade como um conjunto de saberes e instrumentos, que

    expressa, nos processos de produo de servios, a rede de relaes sociais,

    em que seus agentes articulam sua prtica em uma totalidade social

    (MISHIMA e cols, 1997, p.271)

    As relaes que se estabelecem entre objeto, instrumentos e produto,

    so dirigidas pela intencionalidade do trabalho frente a um certo saber

    operatrio que encaminha os agentes para o cumprimento de um certo

    projeto de vida em sociedade. Assim, as finalidades do processo de trabalho

    em sade so direcionadas pelas necessidades colocadas em seu contexto

    scio-poltico (MENDES -GONALVES, 1992; MISHIMA e cols, 1997)

    Uma explanao das origens e conceitos da atividade de superviso

    ser apresentado a seguir, visando fornecer elementos para a discusso

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    pouco aprofundamento, conseqente da nfase de temticas relativas ao

    cuidado, em detrimento daquelas pertinentes organizao do trabalho, e da

    viso dicotomizada entre assistncia e administrao na enfermagem.

    Embora aspectos do cuidado em sade e da organizao do trabalho

    encontrem-se presentes nas atividades de superviso, esta tem sido

    abordada como parte dos estudos de administrao de recursos humanos de

    uma maneira fragmentada (SCHRAIBER E PEDUZZI, 1993).

    Ainda na dcada de 1980 alguns estudos apontavam para a

    necessidade de articulao entre o que se considera como atividade de

    cuidado com as atividades de organizao do trabalho: A superviso no

    pode ser entendida como uma atividade isolada, que apareceria lado a lado

    com outras aes. Ao contrrio, trata-se de um agente catalisador de

    inmeras funes exercidas pelos vrios setores da estrutura operacional

    com vistas expanso e melhoria dos servios (MS, 1980, p.17).

    Considera-se que a superviso, por ser um processo historicamente

    estruturado e socialmente articulado, pode demonstrar a quais finalidades ela

    se presta em funo da necessidade de seu contexto histrico-social mais

    amplo e da sade pblica (MENDES GONALVES, 1992, 1994; SILVA,

    1991, 1997; PEDUZZI, 2000).

    As origens e conceitos da superviso como atividade do processo de

    trabalho surgem na Idade Moderna, ps revoluo industrial, uma vez que na

    sociedade medieval ocidental, o trabalho era definido pelas habilidades

    especiais, hierarquicamente transmitidas aos membros das corporaes de

    ofcio:

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    No incio do sculo XX, o Movimento da Administrao Cientfica,

    concebido por Henry Fayol e Frederick W. Taylor, considerou o conceito de

    especializao e de eliminao de todos os elementos estranhos tarefa

    principal como fundamentais a fim de se alcanar a concentrao, ateno e

    a mxima eficincia (CHIAVENATTO, 1983; KURCGANT, 1991) .

    s cinco funes administrativas clssicas definidas por Fayol: prever,

    organizar, comandar, coordenar e controlar, foi necessrio agregar a

    superviso pela evoluo do conceito moderno de administrao

    (CHIAVENATTO, 1983). A superviso considerada um prolongamento da

    autoridade no nvel da execuo, projetando a gerncia aos diversos nveis

    que no pode cobrir diretamente, em razo da magnitude, condies

    geogrficas e especializaes funcionais (MS, 1980; CUNHA, 1991).

    O papel do supervisor tradicional, que assume um posto administrativo

    de poder e autoridade, era de assegurar que se cumprissem as ordens e

    regulamentos, bem como detectar falhas e aplicar sanes. A superviso era

    uma atividade de inspeo, um policiamento imposto com fins corretivos e

    sem nenhum outro papel (MS 1980, SILVA, 1997).

    Os servios de sade incorporaram os pressupostos e a linguagem da

    administrao cientfica, em que o supervisor caracteriza-se como um

    prolongamento da gerncia, tendo como sua principal atribuio o controle da

    adequada produo, no caso da sade, da produo de servios de sade

    (MENDES-GONALVES, 1992; ALMEIDA, ROCHA, 1997).

    As contribuies das teorias administrativas podem ser reconhecidas

    nos estudos sobre as funes da enfermagem, que tiveram incio no Brasil

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    A partir do final do sculo 20 inicia-se a organizao das escolas para

    formao dos profissionais de sade. Durante o perodo mdico-sanitrio, de

    1925 ao final da dcada de 1960, os agentes principais eram os mdicos

    sanitaristas e educadores sanitrios, e em alguns servios, os auxiliares de

    enfermagem, enfermeiras, atendentes, visitadores e vacinadores. A

    superviso deste pessoal era atribuio do mdico e em algumas excees

    da enfermeira e educadora sanitria (MEHRY, 1985; SILVA, 1997).

    As caractersticas da superviso em sade pblica e em enfermagem

    apontadas por SILVA (1991) e PERES (1986) neste perodo so:

    - superviso no sentido exclusivo de garantir o cumprimento das metas e

    normas; a enfermeira supervisora se distancia da execuo;

    - publicaes de superviso em enfermagem relacionadas ao

    acompanhamento das alunas de enfermagem no espao hospitalar;

    - o pessoal de nvel operativo perde de vista o processo do trabalho em sua

    totalidade, por no participar de sua concepo e pela alta especializao e

    fragmentao do trabalho em tarefas menores.

    Diversas publicaes que analisaram as representaes dos

    enfermeiros com relao atividade de superviso, apontam a tendncia de

    o aspecto de controle da superviso ser visto como pejorativo, decorrente do

    contexto histrico da sade pblica e da enfermagem. (NUNES,1986;

    COSTA, 1994; LEITE, 1997; ALMEIDA e cols, 1997).

    A partir da dcada de 1970, com a departamentalizao das

    indstrias, o desenvolvimento de novos campos especializados de trabalho e

    o surgimento de sindicatos e associaes de classe, o conceito de superviso

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    chefe da unidade local deve ser necessariamente um supervisor (PERES,

    1986).

    As publicaes sobre superviso nesta fase destacam o processo de

    ensino e administrao de recursos humanos. Apontam a necessidade de

    preparo do enfermeiro para exercer as funes de supervisor, que deve

    adquirir um amplo leque de conhecimentos sobre as necessidades e

    motivaes da natureza humana; sobre princpios, fatores e metodologias

    que condicionam a aprendizagem e sobre os princpios das relaes

    humanas, comunicao e liderana (SILVA, 1997).

    Para SILVA (1991), o enfoque nas qualidades pessoais necessrias

    supervisora, parece considerar a superviso como uma atividade para ser

    desenvolvida por pessoas com caractersticas muito especiais, cujas

    habilidades podem no ser passvel de aquisio atravs da educao e das

    experincias profissionais e pessoais, assemelhando-se mais a poderes e

    saberes inatos.

    Esta mitificao das qualidades pessoais do supervisor pode ser

    percebido em manuais publicados pelo Ministrio da Sade na dcada de

    1980. Neles, so consideradas caractersticas necessrias ao supervisor:

    ser hbil em estabelecer relaes pessoais, sendo gentil, amvel e cordial;ser exemplo para a equipe: pontual, eficiente, constante, cordial, solcito,discreto e equilibrado; nutrir bons sentimentos para com os demais;considerar que as pessoas tm suas prprias necessidades, desejos, instinto

    gregrio, resistncia mudanas, caractersticas envolvendo ambio doego, problemas de personalidade, alm de necessitarem de segurana,proteo, companhia, conforto, respeito, valorizao e aceitao; ser umlder, ter atitudes democrticas, saber conduzir os supervisionados de modo aser aceito por sua conduta e no pela sua autoridade.(MS, 1980, p.20)

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    Assim, o processo de superviso move-se entre dois objetivos: o

    objetivo de tornar-se mais participativa, e a exigncia de reter uma eficcia

    tcnica, tendo em vista, elevar a prpria qualidade da assistncia. Para tanto,

    preconizou-se que a superviso esteja dotada de uma orientao educativa

    (SILVA, 1997).

    Outro aspecto relevante desta fase a considerao de que o eixo

    metodolgico da integrao ensino-servio postula a presena de

    supervisores na formao de categorias de nvel mdio que podem e devem

    ser formados pela prpria instituio de servio, de preferncia em articulao

    com o sistema educacional, com vistas concesso de ttulos aos

    trabalhadores (SILVA, 1991).

    Com a reformulao das prticas de sade em mbito nacional, a partir

    das contribuies do Movimento pela Reforma Sanitria e implantao do

    SUS, aponta-se para a necessidade de uma articulao mais estreita do

    processo de superviso com a reorganizao dos servios de sade, visando

    a descentralizao e fortalecimento da ateno primria (DONNANGELO,

    1979; MERHY, 1985; SILVA, 1991).

    Artigos especficos sobre superviso em sade foram publicados em

    menor nmero na dcada de 1980, caracterizando-se em sua maioria, por

    tratar-se de experincias em realidades concretas de trabalho na rea de

    sade pblica. O controle foi claramente assumido, passando pela

    necessidade de auto responsabilizao dos atores e pela ateno aosresultados do trabalho, aos fins sociais planejados, mais do que pela

    fiscalizao das tarefas e dos trabalhadores (SILVA, 1991).

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    da superviso, que passa a ser assumida pelas instncias mais prximas,

    entre gerentes e funcionrios das unidades locais, dentro da realidade da

    prestao de servios (SILVA, 1997).

    Recomenda-se que as tcnicas e instrumentos de acompanhamento

    da rede de servios descentralizada busque conduzir construo de um

    sistema democrtico, eficiente e comprometido com os interesses da

    populao ( MEHRY, 1994, 1997).

    Em publicaes sobre superviso no PACS e PSF (COSTA, 1994;

    LEITE, 1997; SILVA, 1997), aponta-se que, em geral, a nfase da superviso

    feita pelas enfermeiras ocorre sobre aspectos tcnicos dos auxiliares de

    enfermagem e escriturrios, ou seja, dos procedimentos auxiliares da

    consulta mdica. comum a enfermeira assumir uma relao de fiscal com o

    pessoal de enfermagem, e para amenizar esta relao social de dominao,

    a maneira identificada pelas mesmas fazer a superviso trabalhando

    junto (grifo da autora) com os funcionrios (ALMEIDA, 1991).

    Na superviso de ACS realizada por enfermeiras, estudos apontam

    diversos limites e desafios como: falta de preparo e capacitao formal para a

    funo de superviso, baixa freqncia do supervisor em campo; superviso

    sem sistematizao; ausncia de estratgias de superviso que levem em

    conta a especificidade do papel sui generis do ACS; servio cuja orientao

    no valoriza o desenvolvimento pessoal e interpessoal da equipe;

    administrao centralizadora e tarefista; questes operacionais; inadequaode recursos humanos e da estrutura tcnico-administrativa (ALMEIDA, 1991;

    COSTA, 1994; LEITE, 1997; MINAYO, 1990; SILVA, 2002)

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    visando apenas a execuo de normas e procedimentos, ou de controle dos

    resultados, que reflitam o controle de agravos e ndices adequados demelhoria de qualidade de vida, tambm so polticas. E na possibilidade declareamento destas opes onde situo o carter poltico desta atividade, napossibilidade de interlocuo entre os nveis centrais e locais, entre grupo deexecutores e planejadores e entre os clientes e mentores do servio (SILVA,1991 p. 75).

    Na atividade de superviso, educao e controle devem caminhar

    juntas, pela reciprocidade presente em ambas de viabilizar a realizao

    adequada do processo de trabalho:

    a educao dos trabalhadores necessria para que saibam realizar suasatividades a contento, bem como o controle necessrio para que seacompanhe e avalie os desempenhos desses trabalhadores. Do controledesdobram-se novas demandas por educao. Da educao derivam

    controles inovadores. Ambos se retroalimentando indefinidamente, ou at quenovas formas de organizao do trabalho venham a prescindir da educaoou do controle(SILVA, 1997, p..15).

    Para SILVA (1991), as caractersticas de controle esto presentes na

    superviso enquanto limites e potencialidades. A noo de controle parece

    estar relacionada a um contedo negativo em nossa cultura, muito ligado aquesto do poder, dominao, opresso e autoritarismo.

    Considerando-se os pressupostos atuais da Sade Coletiva,

    possvel reconhecer o aspecto de controle da superviso sem vincular a ele

    uma conotao e uma prtica pejorativa:

    O trabalho que se organiza em bases coletivas carece de integrao, deatividades que lhe confira unidade, que reconhecendo suas finalidadespreocupem-se em atingi-las. Quando negado o controle, limita-se o espaode questionamento e reconhecimento acerca desta possibilidade integradorae direcionadora do trabalho coletivo, e conseqentemente h umdistanciamento das preocupaes com os resultados e produtos dos servios

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    Outro aspecto levantado refere-se posio hierrquica e ao papel de

    comunicao entre nveis, que pode ser assumida como neutra (retratando

    uma posio poltica alienada, ingnua ou conformista), autoritria, ou

    democrtica (SILVA, 1997).

    Recomenda-se que a superviso busque superar o controle restrito de

    tarefas e procedimentos, com ampliao do poder local e do controle social.

    O controle, necessrio para a organizao dos servios, pode colaborar para

    ir desenvolvendo a responsabilizao dos agentes do e no trabalho (SILVA,

    1997).

    A superviso, no desenvolvimento de suas aes de ensino, de

    controle e articulao poltica, pode ser um espao de reflexo e

    compreenso acerca dos determinantes e condicionamentos das prticas

    sanitrias, nos quais as discusses tico-polticas do trabalho em sade

    constroem-se (SILVA, 1991, 1997).

    Atravs da educao e da articulao poltica, a superviso pode

    permitir o alcance de um trabalho com maior efetividade no atendimento s

    necessidades de sade de coletivos e menor alienao, bem como aampliao de espaos de trabalho com maior vnculo, compromisso,

    responsabilidade e prazer por parte dos agentes nele envolvidos

    (SILVA, 1997).

    A ao pedaggica da superviso como ferramenta da educao

    continuada e permanente no deve acontecer por intermdio da supervisopedaggica tradicional, reprodutora de contedos e conceitos prontos, mas

    uma superviso problematizadora que atue como instrumento de reflexo,

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    permeando o controle e a educao, imprescindvel na interlocuo e

    integrao dos nveis de planejamento e execuo do trabalho (ALMEIDA;

    SILVA, 1997; MENDES-GONALVES, 1994).

    Neste panorama, as questes que nos propomos refletir so: na

    superviso de AIS no Parque do Xingu, como se manifesta os componentes

    de controle, educao e articulao poltica, inerentes prtica de superviso

    na produo de servios de sade? Como estes componentes aparecem nas

    polticas institucionais, na execuo da superviso e na viso dos atores

    sociais inseridos neste contexto? Quais as especificidades encontradas na

    superviso de agentes indgenas de sade?

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    3. OBJETIVOS

    Objetivo geral: analisar os componentes do processo de superviso na

    formao profissional de agentes indgenas de sade do Distrito Sanitrio

    Especial Indgena Xingu.

    Objetivos especficos:

    1) Analisar o perfil dos trabalhadores de sade e aspectos das relaes

    interculturais no processo de trabalho em sade indgena.

    2) Analisar as prticas da superviso de agentes indgenas de sade em suas

    caractersticas de controle, educao e articulao poltica.

    3) Analisar as concepes e prticas da superviso em um contexto

    intercultural, atravs das representaes de agentes indgenas de sade,

    lideranas indgenas e profissionais de sade no-ndios.

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    4. PERCURSO METODOLGICO

    4.1 TIPO DE ESTUDO

    O desenvolvimento da pesquisa buscou uma abordagem metodolgica

    que possibilitasse a caracterizao da superviso de AIS em relao aos

    seus processos e concepes sociais.

    Optamos assim por uma abordagem predominantemente qualitativa,

    que segundo MYNAIO (1996, 1999), permite o aprofundamento do mundo

    dos significados das aes e relaes humanas, a compreenso dos valores

    culturais e das representaes de determinados grupos sobre temas

    especficos.

    O percurso metodolgico possui caractersticas de um estudo de caso,

    circunscrito a poucas unidades de anlise, de forma que a riqueza est na

    profundidade, e pressupe uma lista relevante de variveis com as quais se

    descrevem as unidades de anlise (TRIVINS, 1987).

    4.2 FONTE DE DADOS E INSTRUMENTOS DE COLETA

    Para a aproximao ao objeto de estudo, procedemos ao levantamento

    60

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    A proposta curricular da UNIFESP para a formao tcnica dos AIS e

    as fichas de avaliao de desempenho, utilizadas pela EMSI para a

    superviso, foram utilizadas como fonte essencial de anlise e sero

    detalhadas adiante, na discusso dos resultados.

    A coleta de dados primrios realizou-se a partir de entrevistas

    gravadas em udio, com atores sociais que desempenharam no passado ou

    no momento da pesquisa, participao em termos de elaborao, atuao ou

    avaliao de atividades de superviso de AIS.

    A entrevista oral considerada um instrumento privilegiado de coleta

    de informaes, possibilitando que a fala seja reveladora de sistemas de

    valores, normas e smbolos, e de transmitir, atravs de um porta-voz, as

    representaes de um grupo em condies histricas, scio-econmicas eculturais especficas (MINAYO, 1996).

    Para a apreenso da narrativa indgena, pareceu-nos adequada as

    caractersticas da entrevista semi-estruturada, com a utilizao de

    questionamentos bsicos e o informante seguindo espontaneamente a linha

    de seu pensamento e de suas experincias dentro do foco principal colocadopelo pesquisador (TRIVINOS,1987). Em cada questo levantada procurou-se

    delinear o objeto e fazer emergir a viso e os juzos a respeito dos fatos e das

    relaes que compem o objeto, do ponto de vista dos interlocutores

    (MINAYO, 1999).

    A tcnica de entrevista oral do mtodo etnogrfico visa descobriraspectos do passado e da memria coletiva, adotando a forma de uma

    conversa informal. A qualidade da informao depende da comodidade do

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    para a ocupao e integrao da Amaznia e Centro-Oeste pelas

    populaes dos estados do Sul do pas.

    Desde a criao do Parque at meados da dcada de 1980, seus

    habitantes viviam numa situao de isolamento geogrfico e contavam com

    uma presena forte e protecionista do Estado brasileiro. A partir de ento, os

    ndios do PIX comearam a se dar conta da situao de vulnerabilidade de

    seus limites territoriais e da sustentabilidade dos seus recursos naturais.Tornaram-se testemunhas do alastramento das queimadas originadas nas

    fazendas que foram se instalando no seu entorno, das invases intermitentes

    de caadores e pescadores, do assoreamento dos seus rios decorrente do

    crescente desmatamento, do risco da contaminao das guas pelo uso de

    defensivos qumicos nas atividades agrcolas e da intensa explorao ilegaldos recursos madeireiros (ISA, 2008).

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    Figura 2 Mapa do Parque Indgena do Xingu, Mato Grosso, 2002

    Fonte: ISA, 2002

    A Escola Paulista de Medicina, atual UNIFESP, iniciou suas atividades

    64

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    Brasileira. Equipes compostas por docentes, mdicos residentes, enfermeiros

    e alunos realizavam, em mdia, quatro viagens ao ano, nas quais eram

    realizadas as aes previstas do convnio (BARUZZI, 1978).

    A UNIFESP colaborava com a formao de recursos humanos da

    FUNAI que atuavam no PIX, especialmente na rea de enfermagem. No

    comeo da dcada de 1980, o trabalho se volta para a formao de agentes

    indgenas de sade, que se estrutura e amplia durante os anos de 1990.A partir de 1997, o processo de formao de recursos humanos se

    estendeu formao em servio de 16 auxiliares de enfermagem indgenas,

    que atuavam anteriormente como AIS. Eles obtiveram a certificao do curso

    de auxiliares de enfermagem no ano de 2001, uma experincia pioneira

    oferecida pela UNIFESP em parceria com a ETSUS e SEDUC/MT (UNIFESP,2007).

    Com a implantao dos DSEI em 1999, a UNIFESP, indicada pelas

    lideranas indgenas xinguanas, assume a gerncia do convnio com a

    FUNASA, executando os servios de ateno primria e dando continuidade

    formao de recursos humanos (UNIFESP, 2004). O processo de trabalhopossui como eixo organizador a assistncia e vigilncia sade, nas suas

    dimenses tcnica, polticas, educativas, administrativas e scio-culturais

    (OLIVEIRA, 2002).

    Ao longo dos anos, a instituio aprofundou seu trabalho na formao

    de pessoas das prprias comunidades para o trabalho de ateno primria egesto dos servios de sade, visando a partir da reivindicao destes povos,

    uma maior participao no processo de deciso da atual poltica de ateno

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    A UNIFESP, em parceria com a FUNASA, ETSUS de Mato Grosso e

    Secretaria Estadual de Educao, realiza a formao profissional de 59

    agentes indgenas de sade, contabilizados em novembro de 2007.

    Atualmente a UNIFESP executa as aes de sade do servio de

    ateno primria do Mdio e Baixo Xingu atravs de convnio com a

    FUNASA. Essa regio abriga sete etnias: Ikpeng, Kaiabi, Kamayura, Sui,

    Trumai, Waura, Yudja. Possui uma populao total de 2458 pessoas,residentes em 39 localidades (UNIFESP, 2007).

    A distribuio da populao do Mdio e Baixo Xingu demonstra-se na

    tabela abaixo:

    Tabela 1 - Nmero e distribuio da populao por aldeias e etnias, Mdio eBaixo Xingu, novembro 2007:

    Etnia Aldeias Habitantes Distribuio por etnia

    N N %

    Ikpeng 3 393 16

    Kaiabi 21 1094 45

    Kamayura 1 89 4

    Kisedje/Suia 4 387 16

    Waura 1 51 2

    Trumai 3 75 3

    66

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    Tabela 2 -Nmero e distribuio da populao por plo-base, Mdio e BaixoXingu, novembro 2007:

    Plo Base Aldeias Habitantes Distribuio por etnia

    N N %

    Diauarum 20 1201 49

    Pavuru 13 915 37

    Wawi 4 342 14

    Total 37 2458 100

    Fonte: Relatrio de imunizao, novembro de 2007, Projeto Xingu/ UNIFESP

    Sujeitos do estudo

    Segundo MYNAIO (1999), numa busca qualitativa, o critrio de

    amostragem no numrico, mas deve ser capaz de refletir a totalidade nas

    suas mltiplas dimenses. Para a escolha dos sujeitos de estudo

    propusemos a definio dos grupos sociais relevantes para as entrevistas,

    prevendo um processo de incluso progressiva encaminhada pelasdescobertas de campo e seu confronto com a teoria. Como conseqncia, a

    amostragem qualitativa privilegia os sujeitos sociais que detm os atributos

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    resultados no corresponde ordem da descrio que faremos seguir, com o

    objetivo de manter a confidencialidade descrita no Termo de ConsentimentoLivre e Esclarecido (ANEXO III).

    1. Profiss ionais de nvel universitrio

    Definimos inicialmente cinco indivduos para realizar as entrevistas,

    mas tivemos a oportunidade de acrescentar dois que ofereceram importantescolaboraes para o estudo. Buscamos abranger diferenas como pouca ou

    muita experincia em comunidades indgenas, pouca ou muita experincia

    em modelos de ateno primria a sade.

    Os profissionais entrevistadas foram: dois odontlogos, trs

    enfermeiras, um educador etnomatemtico e um nutricionista.O primeiro odontlogos trabalha no PIX h 28 anos. Vivenciou a fase

    de ateno sade executada pela FUNAI, antes da implantao do

    subsistema de ateno sade indgena. Participou da concepo, feita na

    prtica, do que hoje denomina-se de formao de agente indgena de sade

    e sade bucal. Atua nos cursos de formao de AIS e na ateno primria sade, no s no Mdio e Baixo Xingu, como na regio do DSEI Kaiap e

    Bahia.

    O segundo odontlogo atua na EMSI do Mdio e Baixo Xingu h 4

    anos. Conheceu a rea indgena como aluno de um projeto de extenso

    universitria da Faculdade de Odontologia da USP Ribeiro Preto. Foiadmitido recm-formado, realiza as aes de sade nos plos-base e aldeias,

    atua intensamente como supervisor de AIS, nos perodos de concentrao e

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    A i i f i t b lh t i i d Mdi B i

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    A primeira enfermeira trabalha na ateno primria do Mdio e Baixo

    Xingu h 3 anos. formada em Enfermagem com especializao em sadeda famlia e sade mental. Trabalhou anteriormente no PSF e na formao de

    ACS durante 4 anos e meio. Realiza as aes de sade nos plos-base e

    aldeias e atua intensamente na organizao dos servios e superviso de AIS

    nos perodos de concentrao e disperso.

    A segunda enfermeira trabalhou no PIX no perodo de 1990 a 1996,que corresponde uma fase de ampliao do trabalho da UNIFESP, com a

    presena mais constante de profissionais de nvel universitrio vivendo no

    Xingu. Recebeu um treinamento de 2 meses e ingressou no trabalho de

    campo recm-formada. Destacou-se como uma profissional comprometida e

    habilidosa na formao em servio dos AIS. Posteriormente fez parte dacoordenao da Sade Sem Limites, organizao no-governamental de

    atuao importante no DSEI Rio Negro.

    A terceira enfermeira atua no PIX h 28 anos. Trabalhou inicialmente

    como enfermeira assistencial na fase de ateno a sade executada pela

    Funai. Foi para o Xingu recm formada. Vivenciou o inicio da formao dosdenominados monitores de sade. Presenciou a motivao inicial de ndios e

    no ndios para a concepo de um modelo de atuao de jovens no servio

    de sade de sua aldeias. Atualmente assessora na formao de

    professores indgenas em diversas regies e coordena o ncleo de Educao

    Escolar do Curso de Formao de AIS da UNIFESP.O nutricionista formou-se em 2002, trabalhando durante 8 meses em

    um assentamento rural, em um projeto de alfabetizao e educao

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    F lhid i i i l t i i di d d t i dif t

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    Foram escolhidos inicialmente cinco indivduo de etnias diferentes,

    sendo trs AIS com mais de cinco anos de experincia profissional e doiscom menos de cinco anos de experincia profissional. Dois AIS foram

    convidado a fazer a entrevista pelo interesse que demonstraram e pelas

    observaes que na opinio da entrevistadora mereceram destaque. Todos

    os AIS entrevistados participavam do Curso de Formao.

    O primeiro AIS da etnia Ikpeng, trabalha h 9 anos em um plo base,em contato muito intenso com equipe de sade. Praticamente toca o servio

    nessa UBS e recebe muitos AIS estagirios de outras aldeias para

    treinamento.

    O segundo AIS, etnia Suia, comeou a trabalhar com 33 anos, pela

    necessidade de algum assumir esse trabalho em sua aldeia. Mora em umaaldeia pequena, longe do plo base.

    O terceiro AIS, da etnia Kaiabi, comeou a trabalhar como aos 17

    anos. Atua h 6 anos e tambm professora de sua pequena aldeia. neta

    de um casal muito respeitado pelo povo Kaiabi. Acompanha a atuao de sua

    av na transmisso de costumes e cuidados tradicionais. Sua aldeia bastante longe do plo base.

    A quarto AIS, da etnia Ikpeng, trabalha como agente indgenas de

    sade bucal (AISB) h 11 anos. Mora em um plo-base, acompanha

    intensamente o trabalho dos odontlogos, tanto na UBS quanto nas viagens

    s aldeias. Desenvolveu habilidades tcnicas e grande autonomia.O quinto AIS da etnia Waura. Comeou a atuar na sade com 17

    anos, por influncia de seu tio, que hoje auxiliar de enfermagem. Mora com

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    O stimo AIS da etnia Kaiabi atua como AISB h 14 anos

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    O stimo AIS, da etnia Kaiabi, atua como AISB h 14 anos.

    Acompanhou o trabalho de inmeros profissionais de sade, mora em aldeiagrande, relativamente longe do plo-base. Sua famlia tem uma participao

    importante na conservao das prticas tradicionais de cuidado.

    3. Lideranas e representantes da comunidades

    Entrevistamos cinco sujeitos, tambm pelo critrio de diversidadetnica e de papis que desempenham.

    A primeira liderana um homem da etnia Ikpeng, professor e

    conselheiro de sade. Possui uma longa trajetria na educao e j atuou

    como monitor de sade. Sua me era uma parteira experiente e o inspirou a

    ajudar as mulheres nessa fase, considera-se um parteiro. Atualmente diretor da primeira escola estadual indgena no Xingu, conselheiro de sade e

    aluno do Curso de Gesto em Sade Indgena.

    A segunda liderana um homem da etnia Kaiabi. uma figura social

    importante no s para os Kaiabi, mas considerado um conselheiro de

    ndios e no-ndios. Esteve muito prximo dos irmos Villas Boas, que viramnele a promessa de uma grande liderana, capaz de fazer a ponte entre

    ndios e no ndios, assegurando que as necessidade daqueles povos fossem

    garantidas. Trabalhou como chefe de posto, chefe da FUNAI e na associao

    ATIX, entre outras coisas. Atualmente um dos professores do Curso de

    Gesto em Sade Indgena.A terceira liderana uma mulher da etnia Kaiabi. av de uma

    agente de sade, conhecedora dos costumes, doenas e cuidados

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    participado de maneira muito importante na discusso de cuidados

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    participado de maneira muito importante na discusso de cuidados

    tradicionais com as crianas, alimentao e nutrio entre os Kaiabi.A quinta liderana um homem Waura, conselheiro de sade.

    cacique de uma aldeia pequena, relativamente longe do plo-base, de um

    povo originrio da regio do Alto Xingu. paj e tio de um agente de sade.

    4.4 TRABALHO DE CAMPO

    As entrevistas e anlise de documentos foram realizadas durante uma

    etapa do Curso de Formao dos AIS no Parque do Xingu, em novembro de2007. Neste perodo, tanto os AIS quanto boa parte da equipe tcnica

    encontravam-se reunidos. O Plo-Base Wawi e o povo Kisedje recebeu com

    extrema eficincia mais de 60 alunos, alm de um nmero considervel de

    profissionais da EMSI e membros da coordenao do Projeto Xingu.

    Foi uma experincia nova para a pesquisadora realizar entrevistas comum olhar metodolgico, considerando o convvio intenso com praticamente

    todos os entrevistados ao longo dos anos como enfermeira. Podemos

    descrever algumas especificidades do trabalho de campo e das entrevistas.

    Os espaos das entrevistas foram bem diversos: o alojamento dos

    agentes de sade, a casa da equipe tcnica, a UBS, o local onde aconteciamas aulas.

    A maioria preferiu conversar em lugares que circulavam um bocado de

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    A retrica dos ndios em geral longa e ritualizada Reafirmam as

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    A retrica dos ndios em geral longa e ritualizada. Reafirmam as

    opinies durante vrios momentos da oratria. Descrevem fatos com detalhesriqussimos. Quando falam do tempo cronolgico ou querem enfatizar algo,

    repetem a mesma palavra.

    Para o ouvido do no-ndio menos paciente, pode ser cansativo. Essa outra

    lio que aprendemos com o tempo: ouvir com ateno, se esforar em

    captar a riqueza que existe nas mensagens. preciso ter cuidado em nointerromper ou influenciar, e principalmente, no ter ouvido seletivo, ouvindo

    s o que quer.

    Apesar de ricas, suprimimos algumas caractersticas lingsticas dessa

    forma de se expressar na transcrio das entrevistas, por no influenciarem

    nos objetivos do estudo, pela necessidade de sntese e para facilitar acompreenso dos no-ndios. No fizemos correes nas falas, pois a

    transcrio deve respeitar a lngua do informante e os seus dialectalismos.

    Dois entrevistados falaram em sua lngua e escolheram um tradutor.

    Ambos escolheram um AIS, parentes prximos: neta e sobrinho. Acredito que

    facilitou a traduo o fato de serem AIS, que junto com os professoresindgenas possuem maior domnio do portugus. Por outro lado, busquei ficar

    atenta para momentos em que aparentemente o tradutor fazia uma sntese da

    fala, prtica bem comum nas reunies de sade, em que necessita-se de

    traduo. A fala que mais chamou a ateno nesse sentido, teve uma

    durao aproximada de 10 minutos e foi traduzida por uma de 2 minutos.Nessas situaes, eu procurava confirmar se a condensao era causada

    somente pela repetio de palavras e frase, ou se o tradutor tinha suprimido a

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    Mesmo com alguns cuidados para buscar integridade nas falas, so

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    Mesmo com alguns cuidados para buscar integridade nas falas, so

    inerentes algumas limitaes do mtodo de entrevista oral utilizando tradutor,com a possibilidade de condensaes, reinterpretaes e ocultamento

    (VELASCO, DAZ de RADA, 1997).

    No obstante as entrevistas serem realizadas em perodos fora dos

    horrios do curso ou de atendimento na UBS, foram diversos os momentos

    de interrupo. Tanto os profissionais de sade quanto alguns AIS saamconstantemente para atender um doente, levar um medicamento ou atender a

    solicitao de um colega de trabalho, pessoalmente ou via rdio

    multifreqncia. Ao mesmo tempo em que participam do curso como

    professores e alunos, os profissionais e os AIS prosseguem suas atividades

    no servio de ateno primria.Esta uma caracterstica muito prpria do processo de trabalho no

    Xingu: a intensidade dos acontecimentos e a integrao ensino-servio, que

    naquele espao de trabalho no apenas um conceito terico a se perseguir,

    faz-se presente de uma maneira muito intrnseca e especial.

    Escolhamos geralmente o perodo da noite para as entrevistas.Diversas vezes adivamos para o dia seguinte, pois era necessria alguma

    reunio de avaliao e planejamento do curso para a prxima manh. Os

    AIS, por sua vez, estavam muito envolvidos com exerccios de matemtica

    que receberam, alm de fazer algum atendimento domiciliar noite.

    A alegria e descontrao outra marca que sempre nos inspira: paraevitar atrapalhar os agentes de sade nos seus estudo noite, tentei

    combinar com um deles outro horrio. Todos paravam pra almoar ao meio-

    74

    4. 5 ANLISE DOS RESULTADOS

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    Procedemos a explorao do material emprico tendo em vista a

    identificao das caractersticas da superviso de AIS na dimenso do

    controle, educao e articulao poltica, e as especificidades interculturais

    presentes nessa atividade do trabalho em sade.A anlise documental forneceu elementos que permitiram construir o

    quadro de referncia para a caracterizao do modelo institucional de

    formao e superviso de agentes indgenas de sade.

    O tratamento dos dados primrios e secundrios aconteceu atravs da

    anlise de contedo, definida por BARDIN (1979) como um conjunto detcnicas de anlise de comunicao, visando obter por descrio do contedo

    das mensagens e indicadores, quantitativos ou qualitativos, que permitam a

    inferncia de conhecimentos relativos s condies de produo e recepo

    destas mensagens.

    Do ponto de vista operacional, a anlise de contedo parte de umaliteratura de primeiro plano para atingir um nvel mais aprofundado que

    ultrapassa os significados manifestos. Para isso, relaciona estruturas

    semnticas (significantes), com estruturas sociolgicas (significados) dos

    enunciados, por meio da categorizao de temas, ou unidades de

    significao que se libertam naturalmente de um texto analisado, segundocritrios relativos teoria que serve de guia leitura (BARDIN, 1979;

    MYNAIO, 1999).

    75

    beneficncia, a garantia da no maleficncia, relevncia social da pesquisa, e

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    g

    a obteno dos consentimentos livres e esclarecidos dos indivduosentrevistados (BRASIL, 1996).

    Conforme a Resoluo CNS n304/2000, que diz respeito rea

    temtica especial populaes indgenas, a pesquisa levou em considerao

    o respeito devido aos direitos destes povos no que se refere ao

    desenvolvimento terico e prtico de pesquisas que envolvam a vida, osterritrios, as culturas e os recursos naturais dos povos indgenas do Brasil,

    reconhecendo o direito de participao dos ndios nas decises que os

    afetem (BRASIL, 2000).

    Os aspectos ticos peculiares desta resoluo apontam que as

    pesquisas devem atender s necessidades de indivduos ou grupos-alvo doestudo, ou das sociedades afins; devem respeitar a viso de mundo,

    costumes, crenas religiosas, organizao social, diferenas lingsticas e

    estrutura poltica; devem ter a concordncia da comunidade, que pode ser

    obtida por intermdio de organizaes indgenas ou conselhos de sade local

    e distrital, sem prejuzo do consentimento individual (BRASIL, 2000).O projeto de pesquisa foi apresentado em Reunio do Conselho

    Distrital de Sade no Xingu, em 21 de agosto de 2006. Aps a apresentao

    de um documento de esclarecimento do projeto de pesquisa e de explanao

    sobre seus objetivos, mtodos e potenciais contribuies ao trabalho de

    sade local, houve a aprovao do Conselho e assinatura de um termo deanuncia pelo presidente distrital e presidentes locais.

    O Departamento de Medicina Preventiva da UNIFESP, onde est

    76

    O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comit de tica em Pesquisa

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    da Faculdade de Sade Pblica da USP e pelo Comit de tica em Pesquisada Universidade Federal de So Paulo, sendo enviado para o Conselho

    Nacional de tica em Pesquisa (CONEP) em abril de 2007 e aprovado para a

    coleta de dados primrios em julho de 2007.

    77

    5. RESULTADOS E DISCUSSO

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    5.1 A FORMAO PROFISSIONAL DE AGENTES INDGENAS DE SADE

    NO MDIO E BAIXO XINGU

    Ficou evidente nos documentos analisados que a formao de

    trabalhadores indgenas e no indgenas da sade considerada um dos

    pilares fundamentais do trabalho de ateno primria no Mdio e Baixo

    Xingu:

    A formao de AIS atual fruto de um perodo de 43 anos de trabalhoda UNIFESP junto aos povos indgenas do Xingu. Essa propostaamadureceu durante mais de 20 anos de atuao na formao e oucapacitao de indgenas para o trabalho em sade. No decorrer destes anosforam experimentados vrios processos de ensino-aprendizagempossibilitando sucessivas aproximaes ao eixo pedaggico a ser constitudo.Foi um perodo de mudanas processadas na relao intercultural, com

    impacto importante nas dimenses tcnicas, polticas, administrativas epedaggicas do trabalho em sade no Xingu. A experincia de formao deagentes de sade e auxiliares de enfermagem indgenas trouxe para aUNIFESP um acmulo indito de desenvolvimento de um processo deeducao profissional para ndios na rea da sade (UNIFESP, 2007).

    Em 2007 a UNIFESP apresentou a Proposta Curricular de Formao

    Tcnica de Agentes Indgenas de Sade Escola de Sade Pblica daSES/MT, ao Conselho Estadual de Educao do Estado de Mato Grosso

    (CEE-MT) e Secretaria de Estado de Educao de Mato Grosso (SEDUC-

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    Tanto a Matriz Curricular do Curso quanto as fichas de desempenho

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    (ANEXO IV a VIII), possuem como referncia o Programa de Formao deAIS da Funasa, com adaptaes s especificidades locais.

    A carga horria do curso profissionalizante prev um total de 1444

    horas, sendo 884 horas de concentrao e 560 horas de disperso. O curso

    composto por 11 mdulos de concentrao distribudos em 4 grandes reas

    curriculares (UNIFESP, 2007):

    rea Curricular I: Conhecendo a famlia indgena / Promovendo a troca de

    experincias.

    - Mdulo introdutrio

    - Mdulo sade da criana e da mulher

    - Mdulo de sade bucal e vigilncia nutricional

    rea Curricular II: Rompendo a cadeia de transmisso das doenas /

    Prevenindo o risco na relao intercultural:

    - Mdulo doenas da infncia I

    - Mdulo doenas da infncia II

    - Mdulo doenas de pele e parasitoses intestinais

    - Mdulo doenas endmicas

    - Mdulo DST/AIDS

    rea Curricular III: Participando do processo de recuperao da sade /

    Identificando mudanas provenientes da relao

    intercultural.

    - Mdulo sade do adulto

    Md lo rgncias e emergncias

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    na rea da sade, aproximando-se da forma tradicional de aprendizado

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    destes povos em que a teoria no se descola da prtica, em que o concreto,o trabalho, rege o processo do aprender e ensinar (UNIFESP, 2007, p.12 ).

    Considerando os pressupostos da metodologia problematizadora,

    cada mdulo do curso busca a construo do conhecimento fundada na

    realidade do educando, utilizando os seguintes eixos temticos, ou idias-

    fora:- Percebendo nossa realidade

    - Entendendo o processo sade- doena

    - Promovendo a sade e intervindo no processo sade-doena

    - Conhecendo e organizando os servios de sade

    Os perodos de concentrao de cada mdulo tm em mdia 80 horase os perodos de disperso uma carga horria mdia de 60 horas. Atualmente

    os AIS encontram-se no 6 mdulo do curso. (UNIFESP, 2007).

    Duas caractersticas da formao de AIS no Xingu destacam-se por

    no se constiturem uma regra da formao de AIS no pas:

    - os perodos de concentrao realizam-se em rea indgena, prticadefendida tanto pela coordenao do Projeto Xingu, como pelas lideranas

    indgenas. Segundo OLIVEIRA (2005c), esta operacionalizao propicia uma

    maior interao tnica, administrativa, tcnica e poltica no campo da sade.

    - os AISAN participam de todos os mdulos de concentrao e disperso do

    curso de AIS, pela solicitao dos alunos e lideranas. So consideradosagentes de sade com a especificidade de conhecimentos sobre

    saneamento. A formao especfica dos AISAN deu-se por meio de mdulos

    80

    participam do curso de formao de AIS, e que atuam nas reas de sade,

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    sade bucal e saneamento.Tanto os perodos de concentrao quanto de disperso buscam o

    estabelecimento de um dilogo intercultural, expresso pela construo de um

    conhecimento ampliado do processo sade-doena. Os AIS so estimulados

    a discutirem e sistematizarem as prticas tradicionais de seus povos,

    pesquisarem com os mais velhos o contexto histrico das relaesintertnicas e atuarem no cotidiano de forma articulada com os

    representantes da medicina tradicional e com as mulheres, consideradas

    detentoras de um amplo conhecimento relacionado aos cuidados com a

    famlia.

    A disperso, ou superviso, caracteriza-se como o perodo entre osmdulos, em que os alunos vivenciam a prtica real de trabalho nas aldeias

    ou no plo-base, com o acompanhamento da EMSI.

    A superviso nas aldeias realizado em todas as oportunidades de

    trabalho, considerando a integrao ensino-servio como um dos eixos da

    formao profissional. Dessa forma, diversas atividades so estabelecidasnas viagens para as aldeias: atendimento aos problemas de sade, aes

    programticas, vigilncia sade, organizao do servio, imunizao,

    educao em sade.

    Nesse contexto acontece a superviso do AIS em sua comunidade. Ele

    inserido em todas as atividades, sendo estimulado a refletir sobre a prtica,retomando e aplicando os conhecimentos discutidos no perodo de

    concentrao.

    81

    UBS dos Plos-Base recebem praticamente toda a demanda espontnea dos

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    moradores do plo.Os AIS realizam estgios nas UBS com durao mdia de 20 dias,

    acompanhando os atendimentos clnicos, as aes programticas voltadas

    para a ateno sade da criana, da mulher, idosos, doenas endmicas e

    tratamentos prolongados.

    A avaliao dos alunos ocorre de forma contnua durante todo oprocesso de ensino-aprendizagem, considerando as atividades realizadas

    durante os perodos de concentrao e disperso, com a produo de textos,

    dramatizaes, desenhos e outras atividades. Foram elaborados

    instrumentos para a avaliao de desempenhos relacionados aos temas

    trabalhados durante o curso, questionrios para auto-avaliao, relatrios,pesquisas e entrevistas, organogramas e textos (UNIFESP, 2007).

    Os conhecimentos e habilidades so registrados em 25 fichas de

    desempenho especficas para cada mdulo (exemplo no ANEXO IV). Cada

    desempenho avaliado pelo profissional de sade, que registra o grau de

    habilidade do educando naquele procedimento com as siglas S (sim, realiza);P (pouco ou realiza pouco); N (no realiza).

    Ao final de cada mdulo so utilizadas fichas de desempenho final

    (ANEXO V) , definindo se o aluno est apto a seguir o prximo mdulo de

    concentrao.

    A Avaliao do Perodo de Disperso (ANEXO VI), Ficha de AvaliaoIndividual de Desempenho (ANEXO VII) e Ficha de Registro de Fatos

    (ANEXO VIII) so instrumentos descritivos que registram uma avaliao

    82

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    Tipo de Instrumento N

    Fichas de desempenhos25

    Fichas de desempenho especficas para o AISB8

    Avaliao de desempenho final do mdulo 5

    Auto-avaliao de disperso e estgio na UBS1

    Exerccios de fixao de aprendizagem5

    Ficha de avaliao individual de desempenho comentado

    pelo supervisor e aluno1

    Ficha de registro de fatos1

    Fonte: UNIFESP, 2007

    83

    5.2 TRABALHADORES DA SADE INDGENA: ESTRANHAMENTOS E

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    APROXIMAES...

    A superviso, como qualquer atividade do processo de trabalho em

    sade, concebida, executada e avaliada por pessoas, consideradas

    agentes do trabalho em sade (MENDES-GONALVES, 1992, 1994).No trabalho em sade no Xingu, esses agentes formam um grupo

    diversificado, provenientes de universos culturais bastante distintos, onde a

    interculturalidade permeia no s a relao entre ndios e no ndios, como

    tambm a relao entre ndios de etnias diferentes.

    O quadro e tabela a seguir demonstra o conjunto de recursos humanosdo convnio UNIFESP/FUNASA em novembro de 2007, quando realizou-se o

    trabalho de campo. Alm da equipe tcnica, composta por profissionais de

    nvel universitrio, auxiliares de enfermagem e agentes indgenas de sade,

    completam o quadro a equipe administrativa, incluindo gestores indgenas,

    pessoal de apoio e assessores:

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    Quadro 2 Nmero de trabalhadores que atuam no territrio indgena do

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    q g

    Mdio e Baixo Xingu e na sede administrativa do Projeto Xingu/UNIFESP,

    novembro 2007

    Indgenas N No- IndgenasN

    AIS * 59 Auxiliar de servios gerais1

    Auxiliar de enfermagem 9 Enfermeiro7

    Auxiliar administrativo 9 Mdico2

    Auxiliar de servios gerais 13 Motorista3

    Coordenador de plo-base 2 Nutricionista1

    Cozinheiro/pescador 5 Odontlogo2

    Instrutor 1

    Piloto de barco 11

    * AIS contratados e voluntrios

    Fonte: UNIFESP, 2007

    Tabela 3- Distribuio dos trabalhadores do Mdio e Baixo Xingu, novembro

    2007, pela varivel indgena e no indgena

    Trabalhadores N %

    Indgenas 112 88

    85

    O predomnio de trabalhadores indgenas, representa um dos eixos

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