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PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL DA CIDADE DE SÃO MIGUEL DO OESTE, SC Suély Thaís Bazzotti 1 Paulo Ricardo Bavaresco 2 Introdução Preservar o patrimônio histórico e cultural de um município, garante a preservação da identidade do local e do povo. As pessoas passam a se reconhecer como indivíduo e como cidadão que pertence àquele espaço e lugar, fazendo parte da memória e das lembranças. Além disso, garante a própria constituição da identidade do indivíduo. Para que a cidade de São Miguel do Oeste preserve sua história e sua identidade cultural, no artigo, procura-se analisar os patrimônios históricos e culturais existentes na cidade. Verificar se estão sendo preservados e se há medidas manutentivas no plano diretor ou nas legislações do município. Além de observar como estão sendo usados pela população e como fazem parte do cotidiano, traçamos um histórico dos patrimônios. A fim de alcançar os objetivos propostos, foram realizadas visitas ao museu municipal Ruy Arcadio Luchesi, à Prefeitura Municipal de São Miguel do Oeste e ao departamento de cultura. Essa etapa foi complementada com leituras que subsidiaram as visitas e, por fim, arrolados os Patrimônios existentes na cidade. Por meio de questionários semiestruturados, coletamos informações com alguns dos primeiros colonizadores e proprietários ou responsáveis pelos imóveis arrolados anteriormente. Para manter o sigilo sobre a identidade dos entrevistados utilizamos a representação E 01, E 02 ... quando nos referimos a fala dos participantes. Políticas de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural Institucionalizou-se no Brasil, inicialmente na década de 1930, a política federal de preservação, e nessa mesma década, oficialmente em 1937, criou-se o Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional SPHAN. Já em 1990, durante o governo Collor, passou a se chamar Instituto Brasileiro de Patrimônio Cultural- IBPC e atualmente recebe o nome de IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) reconhecia aspectos estéticos e históricos mais 1 Acadêmica do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo. Bolsista do Programa de Iniciação Científica da Universidade do Oeste de Santa Catarina Unoesc, Campus de São Miguel do Oeste. E-mail: [email protected] 2 Doutor em Ciências Sociais. Professor da Universidade do Oeste de Santa Catarina Unoesc, Campus de São Miguel do Oeste. E-mail: [email protected]

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PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL DA CIDADE DE SÃO MIGUEL DO

OESTE, SC

Suély Thaís Bazzotti1

Paulo Ricardo Bavaresco2

Introdução

Preservar o patrimônio histórico e cultural de um município, garante a preservação da

identidade do local e do povo. As pessoas passam a se reconhecer como indivíduo e como

cidadão que pertence àquele espaço e lugar, fazendo parte da memória e das lembranças.

Além disso, garante a própria constituição da identidade do indivíduo.

Para que a cidade de São Miguel do Oeste preserve sua história e sua identidade

cultural, no artigo, procura-se analisar os patrimônios históricos e culturais existentes na

cidade. Verificar se estão sendo preservados e se há medidas manutentivas no plano diretor

ou nas legislações do município. Além de observar como estão sendo usados pela população

e como fazem parte do cotidiano, traçamos um histórico dos patrimônios.

A fim de alcançar os objetivos propostos, foram realizadas visitas ao museu municipal

Ruy Arcadio Luchesi, à Prefeitura Municipal de São Miguel do Oeste e ao departamento de

cultura. Essa etapa foi complementada com leituras que subsidiaram as visitas e, por fim,

arrolados os Patrimônios existentes na cidade. Por meio de questionários semiestruturados,

coletamos informações com alguns dos primeiros colonizadores e proprietários ou

responsáveis pelos imóveis arrolados anteriormente. Para manter o sigilo sobre a identidade

dos entrevistados utilizamos a representação E 01, E 02 ... quando nos referimos a fala dos

participantes.

Políticas de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural

Institucionalizou-se no Brasil, inicialmente na década de 1930, a política federal de

preservação, e nessa mesma década, oficialmente em 1937, criou-se o Serviço de Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional – SPHAN. Já em 1990, durante o governo Collor, passou a se

chamar Instituto Brasileiro de Patrimônio Cultural- IBPC e atualmente recebe o nome de

IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. O Instituto do Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) reconhecia aspectos estéticos e históricos mais

1 Acadêmica do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo. Bolsista do Programa de Iniciação Científica da

Universidade do Oeste de Santa Catarina – Unoesc, Campus de São Miguel do Oeste. E-mail: [email protected] 2 Doutor em Ciências Sociais. Professor da Universidade do Oeste de Santa Catarina – Unoesc, Campus de São Miguel do

Oeste. E-mail: [email protected]

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vinculados à produção erudita ou fatos memoráveis da história nacional que se encontravam

ameaçados. Com o tempo o conceito de patrimônio histórico e artístico mudou, pois passou a

abranger outros valores, transformando-se em patrimônio cultural e se aproximando mais dos

valores próprios de cada local (MEIRA, 2004).

Atualmente, a fim de garantir a conservação desses patrimônios, existem inúmeras

instituições e medidas, como o tombamento. De acordo com O Instituto do Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional - IPHAN:

Etimologicamente, a palavra tombamento originou-se do verbo tombar, que no

Direito português tem o sentido de registrar, inventariar, arrolar e inscrever bens.

[...] Assim, o tombamento é um dos dispositivos legais que o Poder Público

(Federal, Estadual e Municipal) utiliza para preservar a memória nacional. Ele pode,

também, ser definido como o ato administrativo que tem por finalidade proteger,

por intermédio da aplicação de leis específicas, bens de valor histórico, cultural,

arquitetônico, ambiental e também de valor afetivo para a população, impedindo

que venham a ser destruídos ou descaracterizados.

Além do tombamento, existem alguns Institutos e Organizações que se dedicam à

preservação do patrimônio. De acordo com o CREA-SP (2007), a nível mundial, ou seja, os

bens de interesse da humanidade, devem ser inscritos na Lista do Patrimônio Universal pela

UNESCO. Já os bens de interesse nacional são tombados pelo IPHAN e os que são de

interesse local, devem ser tombados por órgãos de defesa do patrimônio existentes nas

cidades.

No Brasil, ainda existem duas leis que amparam o patrimônio histórico, são elas o

Decreto-Lei federal no. 25, de 30 de novembro de 1937 e a Lei Estadual no. 1211, de 16 de

setembro de 1953. Por sua importância, a Constituição Federal ainda estabelece que é função

da União, dos estados e municípios, com o apoio das comunidades, preservar os bens

culturais e naturais brasileiros (LEMOS, 2010).

São Miguel do Oeste, SC: A Cidade e seus Espaços Edificados

O povoamento de São Miguel do Oeste ocorre com a iniciativa do Governo do Estado

de Santa Catarina que objetivava a ocupação definitiva do território promovendo um plano de

colonização do Oeste Catarinense, em 1912. O governo concedeu às empresas colonizadoras

as áreas a serem destinadas aos colonos. Essas empresas tinham dois objetivos principais,

explorar a madeira e comercializar os lotes de terra.

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Além da empresa, passaram pela história de São Miguel do Oeste algumas figuras

marcantes, como o Sr. Olímpio Dal Magro que elaborou o projeto de loteamento das terras e

providenciou a abertura da Avenida Getúlio Vargas com 25 metros de largura e das demais

ruas com 20 metros (DE BONA, 2004).

E, a partir das necessidades dos indivíduos, Vila Oeste, que recebia esse nome para

denominar o local da sede da firma Barth, Benetti e Cia, deixou de ser vila e passou a ser

distrito em 21 de dezembro de 1949, recebendo o nome de São Miguel do Oeste, em

homenagem a São Miguel Arcanjo, protetor dos madeireiros. Posteriormente, em 30 de

dezembro de 1953 passa a ser município (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO,

2002).

Igreja Matriz de São Miguel Arcanjo

A atual Igreja Matriz de São Miguel Arcanjo é a quarta Igreja construída pela

comunidade católica da cidade. Todas foram construídas na mesma quadra, sendo a primeira

no ano de 1943 (FIORINI, 1999).

O desejo de construir a Igreja partiu de Pe. Aurélio Canzi, primeiro Padre a chegar a Vila

Oeste, em 1943. Ele pretendia edificá-la em dois anos, no entanto, a construção iniciou em

1966 e foi finalizada apenas em 1978, doze anos depois, pelo Pe. Alpidio Magrin, Vigário na

época. O projeto, apresentado em 1965, grandioso e de alto custo financeiro, foi elaborado

por um arquiteto italiano que morava em Curitiba. De acordo com Fiorini (1999, p. 60) Canzi

queria “construir em São Miguel do Oeste uma das mais lindas e maiores Igrejas do Brasil”

(FIORINI, 1999; PARÓQUIA SÃO MIGUEL ARCANJO, 2000).

A obra foi considerada uma das maiores do Estado de Santa Catarina pela quantidade de

material utilizado em sua construção. Para edificar um projeto tão arrojado foi necessária a

participação de toda comunidade católica que promoveu campanhas, mutirões, doações das

famílias, doação de madeira e material das firmas, festas populares nas comunidades e

numerosas plantações em mutirão (FIORINI, 1999; PARÓQUIA SÃO MIGUEL ARCANJO,

2000).

A Igreja encontra-se edificada na Rua Duque de Caxias, em terreno doado pela firma

colonizadora Barth, Benetti e Cia, e não considerou a construção da torre, pelos recursos que

demandaria, nem a colocação do altar no centro, mas manteve a essência original do projeto

(FIORINI, 1999).

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Praça Walnir Bottaro Daniel

Existente desde o início do processo de colonização, quando se chamava Praça

Ipiranga. Era um campo aberto com mata abundante. Leva esta denominação em homenagem

ao segundo Prefeito eleito do município de São Miguel do Oeste, SC (FIORINI, 1999).

Ela é hoje uma grande área verde, com calçadas em estilo português, localizada no

centro da cidade e atrai visitantes pela sua beleza e encanto proporcionado pelas espécies de

flores e árvores ali existentes.

A Praça figura ainda como ponto das principais comemorações, festividades,

manifestações e encontros mais importantes do município. Sua importância é notória desde

tempos passados, quando era comum os militares do Exército realizarem manobras e

treinamentos na Praça, devido à mata abundante existente no local.

Abriga um dos símbolos do município, o Monumento ao Desbravador, construído em

ferro, pesando aproximadamente duas toneladas, e que lembra um lenhador. Seu intuito é

representar a força de vontade do povo colonizador que aqui chegou na década de 1940,

encontrando uma densa mata fechada. A obra possui seis metros de altura e o artista, Paulo de

Siqueira, utilizou material de sucata encontrado na Garagem da Prefeitura e trabalhou lá

mesmo, por aproximadamente uma semana. Depois o monumento foi levado até a Praça e

inaugurado em agosto de 1979.

Gruta Nossa Senhora de Lourdes.

Em 1950 Pe. Aurélio idealizou a construção da Gruta, tendo Nossa Senhora de

Lourdes como patrona, mas apenas a partir do final dos anos 50 que se iniciou sua

construção, no centro da cidade, ao lado da Praça Walnir Bottaro Daniel. Logo a Gruta foi

aceita pelo povo como um lugar de meditações e orações. Em sua construção, respeitou-se a

geografia do terreno e a vegetação existente no local, constituída por espécies nativas

(FIORINI, 1999).

Ademais, é lá que está sepultado Pe. Aurelio Canzi, o primeiro padre de São Miguel

do Oeste, no topo da Gruta, exatamente onde foi colocada a Cruz quando ela ainda estava em

construção. Desde a época, até hoje, são realizadas missas na Gruta, principalmente em dias

especiais, como o Natal, data em que o local recebe decoração especial (FIORINI, 1999).

Casas de alvenaria

Primeira

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A primeira casa de alvenaria de São Miguel do Oeste foi construída entre 1942 e

1944, na época em que a cidade se chamava Sede Oeste, e está localizada na Rua Almirante

Tamandaré, Centro.

Foi construída para ser a moradia de uma família que veio do Rio Grande do Sul em

1942, e pelo bom poder aquisitivo construiu uma casa de alvenaria já naquela época. Além

disso, a família construiu, pouco tempo depois, um pequeno armazém ao lado da casa. Era

semelhante a um galpão, constituído por tabuinhas de 30 cm de pinheiro lascado e mata junta

para unir as tábuas. Os principais produtos comercializados por eles eram café, açúcar, coalho

e outro itens de primeira necessidade.

Segundo relatos do E 05

Em frente à casa, no meio da estrada ainda tinha tocos de Pinheiro, ainda não havia

sido aberta a estrada, só passava carroça, e jipe e algum caminhãozinho quando

vinha trazer alguma mudança. Pra subir pra cima, tinha estrada até em frente ao

antigo cinema e depois colocaram um Hotel, o Hotel Holtz, porque aqueles que

vinham não sabiam onde comprar a terra, daí eles ficavam lá. E de lá pra cima não

tinha rua, não tinha nada. E logo pro lado de baixo da casa morava o Romeo e

morava a Miloca.

Esse imóvel representou uma importância e um estímulo para a população na década

de1940, pois de acordo com Entrevistado 05, “Para a família era um orgulho, e para o povo

também, a população, a colônia se orgulhavam de ver uma casa tão bonita assim, porque eles

tinham tudo aquelas casinhas precárias”.

Em relação à arquitetura da residência, ela possui porão, a exemplo das outras

construções da época. Os tijolos vieram do Rio Grande do Sul, pois ainda não existia estrada

para Chapecó e o assoalho é de madeira. Possui muitas aberturas, uma clarabóia, e também

algumas aberturas no telhado, com telhas em material transparente, para permitir a entrada de

iluminação e claridade, já que não existia iluminação elétrica.

A casa passou por algumas alterações, como a troca das telhas, reconstrução do muro

na fachada frontal, pintura e uma pequena ampliação. No entanto, a maior parte da edificação

se mantém original e é um reduto da arquitetura local, por suas peculiaridades arrojadas para

a época.

Segunda

A construção da primeira e da segunda casa de alvenaria de São Miguel do Oeste se

deu ao mesmo tempo, porém, uma ficou pronta antes devido ao fato de o proprietário ter mais

recursos para finalizar a construção. Sobre a data de inauguração da casa há divergências,

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mas sabe-se que ocorreu entre 1943 e 1956, e foi construída para abrigar uma família, que

assim como as outras, queria formar um futuro na crescente Vila Oeste.

Ao chegar, a família se abrigou em uma casa de madeira, construída no mesmo lote da

atual casa de alvenaria. Contudo, talvez as idas frequentes do proprietário a Caxias do Sul,

Passo Fundo e Carazinho RS, que já eram cidades com maior densidade populacional, o

tenham incentivado a construir algo melhor. E até arquitetonicamente parecido, uma vez que

a pintura da casa foi feita com pedrinhas brilhantes misturadas na massa do cimento e

aplicadas nas paredes externas. Sendo assim, desde aquela época a casa nunca mais foi

pintada.

O E 07, explica ainda que “os tijolos tinha que trazer de Caxias, por isso o pai teve

facilidade de construir, porque ele tinha a oportunidade de trazer o material, porque se não o

pessoal tinha que sair daqui e ir pra lá, era difícil, imagina, era tudo estrada de chão”.

Já a pintura interna possui detalhes e desenhos feitos com o auxílio de uma pena,

quando a massa, que era bem fina, ainda estava molhada. Técnica chamada de Escaiola.

Destaca-se que serviu a três gerações da família e continua habitada, deu pouso

também para Pe. Aurélio temporariamente, figurando um imóvel importante para a história

de São Miguel do Oeste. Localiza-se na esquina da Rua Marcílio Dias com a Rua Sete de

Setembro, e é possível encontrar ainda hoje um “Balanço Duplo” de 1969 e a estrutura

original da casa, pois foram trocadas apenas algumas aberturas feitas de Imbuia e Cedro.

Residências

01

Construída em 1953, essa talvez seja a residência mais conhecida daquele tempo, pois

de acordo com o E 15, o proprietário “[...] era o único médico que tinha aqui e todo mundo ia

lá na casa, porque não tinha telefone, então os caras iam lá. Eles chegavam correndo, fora de

hora, dentro da hora eles iam lá no hospital”. Assim sendo, não é difícil entender que as

pessoas se sentiam confiantes e seguranças de poder ir até a casa, para receber os cuidados.

Além disso, ao chegar ao povoado em 1950, convidados pela SICAN (Sociedade

Indústria e Comércio Aparício Nunes LTDA), por intermédio de Olimpio Dal Magro, em

razão da necessidade de um médico, a família preocupou-se antes em edificar um Hospital

particular, inaugurado no ano de 1952.

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Como é típico da região, foi construída com madeira de Pinheiro, que se mantém

original no interior da edificação até hoje, com exceção da parte externa, que teve elementos

substituídos em razão da deterioração.

Possuía garagem com moradia nos fundos, que é ainda habitada por familiares, uma

sala grande, três quartos e um banheiro fora de casa, como de costume. Contudo, em 1956 a

residência precisou passar por uma reforma para receber um membro da família que estava

doente. Nessa época a casa foi ampliada e instalaram um banheiro dentro de casa. Além

disso, a família adotou algumas medidas preventivas como pintura e troca de algumas telhas.

Localiza-se na Rua XV de Novembro, próximo ao Calçadão, no Centro da cidade, que no

passado apresentava outra configuração urbana e espacial por existir apenas Pinheiros.

02

A casa foi edifica em 1948 com o intuito de ser a moradia de uma família cujo

patriarca chegou em 1942, contratado para fazer a medição das terras e averiguar onde eram

as divisas do lote de um e de outro. Ele foi um dos três primeiros pioneiros enviados pela

firma Barth, Benetti & Cia (DE BONA, 2004).

No entanto, segundo relatos do E 10

Não foi a primeira casa na qual a família morou, nos primeiros anos ficaram no

Barracão, que ficaria próximo ao cemitério e depois foram morar perto de onde é a

AABB agora, mas não era terra deles. A terra eles compraram onde está a

Imobiliária Apolo hoje, que foi o imóvel onde eles moraram. O terreno era de

25x50m, hoje está ocupado por comércios. Todos os terrenos eram grandes, e com o

tempo iam retalhando, dando para os filhos, vendendo por necessidade. O terreno ia

até onde tem a Igreja Internacional da Graça de Deus hoje.

Além de moradia, vários comércios passaram pelo imóvel, antigamente o porão era

uma alfaiataria e atualmente uma Loja. No pavimento térreo, em uma das duas salas,

encontra-se a Imobiliária Apolo.

Outras reformas foram feitas, como a colocação de PVC apenas na fachada frontal,

em cima da madeira original pois estava muito deteriorada. Frisa-se que a madeira original

não foi tirada, apenas tapada com o material. Houve também a substituição do assoalho de

madeira da imobiliária, por cerâmica, e o acréscimo de uma porta de ferro para dar acesso a

Imobiliária, substituindo uma pequena porta que existia ali.

Apesar dessas alterações, muitos elementos ainda superam as ações do tempo, como

as telhas, embora algumas tenham sido trocadas, e a madeira que é de Pinheiro e nunca foi

pintada.

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Sobre as peculiaridades de sua arquitetura, observa-se que o telhado possui uma

inclinação considerável, isso porque, de acordo com o E 08 “era feito assim por causa das

nevascas, do gelo, das pedras. Além do que, as telhas de barro pedem caimento, se não da

goteira”. Ainda, as paredes são duplas, e o telhado composto por barrotes de 8x15 cm.

Ao ser questionado sobre a relevância do imóvel, o E 10 comprova que foi importante

“para a família e para algumas pessoas que chegaram vindas de Caxias também, já se

conheciam de lá, e ficaram por um tempo na casa [...]. Tinha também um poço que servia

para as duas casas, e muita gente vinha pegar água para tomar, pois era muito boa”.

03

Essa residência foi construída para moradia em 1952, em lote na Rua Almirante

Tamandaré, próximo ao Hotel Brasil. De acordo com o proprietário (E 11), a casa hoje parece

estar alta em relação ao nível da rua porque “naquela época existia um barranco até chegar à

casa”. Além disso, a rua era de terra e estreita, e havia apenas dois moradores nas imediações.

Sua arquitetura não foge à regra dos outros imóveis da época, pois foi feita com

madeira de Pinheiro, trazida de Dionísio Cerqueira. Já as aberturas eram produzidas aqui. Foi

construída com três quartos, sala, cozinha e porão, no entanto, alguns anos depois a

disposição dos cômodos foi alterada, alguns quartos passaram a ser sala e o assoalho da

varanda foi substituído. Além disso, houve uma ampliação de 1,5m e a implantação de um

banheiro e de uma garagem dentro da casa.

Destaca-se que a madeira, o assoalho da parte interna e algumas telhas são originais.

Esse bom estado de conservação se deve ao fato de que, segundo o E 11, a edificação “foi

pintada naquela época com óleo de linhaça, que conserva muito a casa, ele penetra na

madeira e não deixa apodrecer e aguenta muitos anos”. Além do mais, é pintada a cada cinco

anos.

Hotel do Comércio

O Hotel do Comércio foi construído em 1950, na Rua Almirante Tamandaré, onde já

existia um Hotel, como explica o E 06: “do lado tinha outro hotel né, daí tinha dormitório e

cozinha tudo junto. Daí o pai achou pequeno e construiu esse que ta aí agora, daí ali tinha

restaurante, cozinha, e nós morava uma parte em baixo, uma parte em cima”. Depois, a

família edificou sua moradia ao lado, na Rua Padre Aurélio Canzi. No entanto, frisa-se que ao

longo do desenvolvimento da pesquisa, em 28/02/16, o Hotel foi demolido.

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Nesse sentido, o Hotel encerrou valor social, como confirma o E 06: “acolhia o

pessoal que vinha de fora porque eles não tinham pra onde ir [até suas casas serem

edificadas], chegavam aqui, ia ter quem? Se tivesse algum parente aqui, era um ranchinho

com duas, três peças, então não tinha onde por as pessoas”. Além das famílias, o Hotel

acolhia os viajantes e os passantes, uma vez que Vila Oeste era rota de passagem para ir ao

Paraná.

A história do imóvel de estilo Germânico iniciou com hotel, restaurante e moradia

para a família (durante duas gerações). Depois, de 1964 a 1966, passou a ser alugado para

acomodar o Clube Comercial, destruído em um incêndio. Em outra fase foi alugado e recebeu

o nome de Hotel Gaúcho. Por último, foi vendido e hoje se encontra demolido para dar lugar

a um novo empreendimento.

Sua arquitetura era encantadora e peculiar devido à presença da mansarda, que

abrigava a divisão de vários quartos. Como os outros estabelecimentos do período, a madeira

usada foi de Pinheiro e os barrotes de 8x15cm. Contava ainda com uma área de convivência,

onde nos domingos os hospedes e os vizinhos podiam escutar o Programa da Rádio

Farroupilha, Porto Alegre RS, já que a maioria não possuía radio.

Escritório da Madeireira São Vicente

Sendo o ramo madeireiro o principal coadjutor da colonização do extremo oeste, não

poderia faltar nesse artigo um imóvel desse âmbito. E esse, em especial, resiste ao tempo e ao

progresso. Foi construído em 1962, na Rua Almirante Barroso, nº 429, ao lado da Praça

Walnir Bottaro Daniel, no tempo em que era apenas um campo e a estrada de chão.

Ele era dividido em duas peças. Foi usado madeira de Pinheiro em sua construção,

que permanece original, mas recebeu pintura para conservação. O telhado é bem inclinado

em razão das grandes chuvas e nevascas e as telhas que o compõem são originais e foram

compradas em Carazinho.

Os idealizadores trabalharam em sociedade e fundaram a Madeireira São Vicente,

próximo ao município de Paraíso. O escritório foi importante para a região pois os caminhões

que vinham carregados de madeira paravam no Escritório, independente do horário, para

retirar a documentação necessária e transportar a madeira. Além do mais, a importância do

ramo madeireiro para essa região é inquestionável. A seguir relato do E 12 sobre o tema

Nossa Serraria ficava mais perto de Paraíso, então vinha os caminhões carregados,

paravam ali na frente do escritório e daí o meu marido ia atender fosse 10h da noite,

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meia noite, de manha, as 16h da tarde, ele levantava para tirar uma nota e uma guia,

porque o motorista do carro dizia: Ai Nadir, por favor, vai me dar nota porque eu

não posso perder tempo porque a estrada é muito ruim.

A família afirma que o imóvel representa uma lembrança para eles e para a região,

uma vez que a “atualidade, o progresso vai deixando tudo de lado as coisas velhas, porque o

pessoal novo não valoriza tudo o que os antigos fizeram”. E 12.

Os patrimônios de interesse local devem ser tombados por órgãos de defesa do

patrimônio existentes nas cidades. Em São Miguel do Oeste, a lei orgânica trata do assunto,

mas não apresenta os meios que devem ser adotados para realizar a proteção. É o que dispõe

o inciso II do artigo 161:

Art. 161 Para assegurar a defesa e preservação do meio ambiente, incumbe ao Poder

Público Municipal, em conjunto com outros Poderes ou isoladamente, e onde se

omitirem os órgãos estaduais e federais competentes:

II - Proteger e restaurar a diversidade e a integridade do patrimônio genético,

biológico, ecológico, paisagístico, histórico, paleontológico e arquitetônico;

No entanto, nenhum dos bens relatados na pesquisa é tombado, eles são mantidos e

preservados pelos próprios proprietários, por meio de pinturas e substituição de alguns

materiais. Os motivos de não existir nenhum bem tombado são inúmeros, “[...] seja pelos

fatais caminhos do desgaste natural, [...] seja pelo descuido desses mesmos homens que o

edificaram, seja pelos ventos do progresso, talvez impiedosos para o antigo”. (MEIRA, 2004,

p. 06). Em São Miguel, os fatores relatados pela autora se concretizam, é o que explica o E

03:

Em 2014 o governo do Estado abriu um Edital, esse Edital previa recursos para os

municípios que tivessem prédios que pudessem vir a ser tombados. E a gente fez

um levantamento, e que se enquadrassem na proposta, a gente não encontrou aqui

no município. Claro, a gente foi em algumas comunidades, a gente viu algumas

residências, mas muitas delas já haviam sofrido reformas, algumas até reformas

profundas, e a residência em si não se adequava à proposta, mas sim um cômodo.

Para a captação de recursos, a casa tinha que estar intacta.

Além desse relato, sabe-se que, em algumas situações, o poder público não demonstra

interesse. Em outras, mesmo havendo incentivo do poder público, a família não entra em

acordo. Como ressalta o E 02:

A preservação é necessária, isso é sabido, mas deve-se observar de que meios ela

será viabilizada. É fácil dizermos que é necessária, pois o imóvel não nos pertence.

Devem-se criar mecanismos que se torne interessante para o proprietário também.

Porém destaca-se que “[...] o proprietário não pode, em nome de interesses egoísticos,

usar e fruir livremente seus bens se estes traduzem interesse público por atrelados a fatores de

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ordem histórica, artística, cultural, científica, turística e paisagística”. (CARVALHO FILHO,

2008, p. 708).

Sobre a opinião dos proprietários, um pequeno número acredita que os imóveis não

devem ser tombados. Eles prezam pelo futuro do lote comprado com esforço há 60 anos,

como é o caso do E 11: “esse ponto merece um prédio, por estar na esquina”. Esse relato

confirma o fundamento de Lemos (2010) que os bens culturais estão à mercê das novas

solicitações exigidas pelas novas gerações, que possuem outras concepções de bem viver e

morar.

Outra questão apontada é que o município de São Miguel não tem estrutura para

tombamento. Dentro dessa discussão e da realidade local, é indispensável esclarecer que o

tombamento de um bem exige a aplicação de recursos para manter o imóvel em condições

seguras e passíveis de visitação (E 03).

Para o E 05, por exemplo, “seria uma casa de preservação para visitas, quando

visitantes vierem de fora, mostrar a primeira casa de tijolos”. E para o E 10: “Seria muito

importante, para ver como todo lugar tem uma história. Uma casa vira um museu para as

futuras gerações conhecerem, porque contar é uma coisa, mas ver é outra”.

CONCLUSÃO

Constatou-se ao longo da pesquisa que a grande maioria dos Miguel – oestinos, em

especial das duas últimas gerações, desconhecem os imóveis históricos que a cidade abriga.

Certamente, muitos deles já passaram pela primeira casa de alvenaria, por exemplo, sem

saber que é a primeira casa de tijolos construída na cidade.

Além disso, constata-se que os bens históricos e culturais do município não fazem

parte do dia-a-dia da comunidade, isso porque, a maioria dos bens que restaram são

residenciais e estão habitados, portanto não estão ligados às atividades e funções públicas da

cidade, exceto a Imobiliária Apolo, único imóvel que participa das movimentações urbanas.

Apesar disso, como proposto, comprova-se que toda cidade tem sua história e São

Miguel do Oeste não é diferente, a cidade possui Patrimônio Histórico e Cultural, mas não é

tombado. Suas construções e arquitetura, bem como os habitantes mais antigos do município

têm muito a contar. E a importância de preservar esses imóveis históricos é justificada ao

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entender-se que manter viva a história de um município garante a preservação da identidade

do local e do povo para a posterioridade, além disso, ajudam a pessoa a se reconhecer como

indivíduo e como cidadão que pertence àquele espaço e lugar, pois fazem parte da memória,

da lembrança e da constituição do individuo. Mesmo que a cidade se modifique e se expanda,

o que é natural, a memória coletiva e a arquitetura da época estarão salvas para lembrança

dos antigos ou para o conhecimento das novas gerações.

REFERÊNCIAS

Page 13: PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL DA CIDADE DE SÃO MIGUEL … · homenagem a São Miguel Arcanjo, protetor dos madeireiros. Posteriormente, em 30 de dezembro de 1953 passa a ser

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