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SONIA COUTO SOUZA FEITOSA MÉTODO PAULO FREIRE Princípios e Práticas de uma Concepção Popular de Educação Dissertação apresentada à Comissão Julgadora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do Grau de Mestre em Educação (Filosofia da Educação) sob a orientação do Prof. Dr. Moacir Gadotti FE-USP São Paulo - 1999

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Método Paulo Freire

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  • SONIA COUTO SOUZA FEITOSA

    MTODO PAULO FREIREPrincpios e Prticas de uma Concepo

    Popular de Educao

    Dissertao apresentada Comisso Julgadora da Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo, como exigncia parcial para a obteno do Grau de Mestre em Educao (Filosofia da Educao) sob a orientao do Prof. Dr. Moacir Gadotti

    FE-USPSo Paulo - 1999

  • 2COMISSO JULGADORA

    ___________________________________________

    ___________________________________________

    ___________________________________________

  • 3RESUMO

    Esta dissertao objetiva explicitar a contribuio de Paulo Freire Educao de Jovens e Adultos atravs da anlise dos princpios do chamado Mtodo Paulo Freire e de suas prticas no contexto de uma concepo popular de educao.

    Depois de apresentar as principais caractersticas do mtodo so enfocados alguns dos pressupostos do pensamento de Paulo Freire a partir das influncias recebidas por ele ao longo de sua trajetria. Analisando a repercusso do Mtodo e a influncia de Paulo Freire no processo de alfabetizao no Brasil, so apresentadas diferentes concepes pedaggicas contemporneas com o objetivo de relacionar o pensamento de Freire ao de outros educadores deste sculo. Paulo Freire contribuiu para a criao de uma pedagogia que privilegia o desenvolvimento da conscincia crtica e estabelece uma nova relao entre professor-aluno colocando as bases de uma pedagogia crtica e libertadora, tratando o analfabetismo como problema social, que s ser resolvido com um profundo processo de mobilizao social.

    A presente dissertao analisa a experincia de Paulo Freire na Prefeitura Municipal de So Paulo (1989-1991) como Secretrio da Educao onde ele ampliou os cursos de Educao de Jovens e Adultos, principalmente com a criao do MOVA-SP. O Mtodo Paulo Freire tem um carter essencialmente humanista, em oposio s prticas domesticadoras. Muito mais que uma seqncia de passos metodolgicos, ele deu consistncia a uma nova concepo de educao, a educao popular, na prtica e na histria das idias pedaggicas.

  • 4ABSTRACT

    The main goal of this dissertation is to explain Paulo Freires contribution in literacy of youths and adults education founded in the analysis of the principles and practices of the so-called Paulo Freire Method in the context of a popular conception of education.

    After the presentation of the main caracteristics of the Paulo Freires method, some presuppositions of Paulo Freires tought are focused, from the influences that he got from his life experiences. Analysing the repercussion of the Method and the Paulo Freires influence in the literacy process in Brazil, different pedagogical conceptions are presented, with the objective to stablish a relation of Freires thought and other educators of this century. Paulo Freire contributed with the creation of a pedagogy that has the main objective to develop the critical conscientiousness and stablished a new relation between the teacher and the student creating this way a basis for the development of a critical and liberating pedagogy, observing the iliterate people as a social.

    This dissertation talk about Freires experience as the Education Secretariat in the So Paulo administration from 1989 to 1991. This experience contributed very much for the creation of the youths and Adults education, above all with the creation of the MOVA plan. The character essentially human of Paulo Freires Method is in contrast with the strict educational practices. More than a sequence of methodological steps, he gave consistence to a new conception of education, the popular education, in practice and in the history of the pedagogical ideas.

  • 5A Henrique Souza (in memorian) e Erotildes Couto,

    meus queridos pais que me iniciaram na arte de amar o outro,

    a Juvenal, meu companheiro de todos

    os momentos e cmplice de um grande amor

    Luciana e Leandro, meus filhos, que me

    permitiram viver a plenitude do amor,

    Beatriz, minha netinha, com quem eu reaprendi a amar,

    reaprendi a viver, e me reiniciei na arte de amar o outro,

    a todos os outros que se permitiram ser por mim amados,

    a Paulo Freire que me inspirou a declarar este amor

    e a fazer dele um instrumento de luta por um mundo melhor.

  • 6PAULO FREIRENo cheiro da terra, a inspiraoGraveto na moLousa no cho

    Palavras, rabiscos, desenhos, figuras,anseios, procuras, leituras, leituras...

    Um mundo a ser transformadoUm ideal a ser sonhadoUma utopia a ser alcanadaUm menino, um moleque, um aprendiz,mais nada...

    Homem que o tempo moldou,que a vida esculpiu,que o amor fermentou,que a paixo consentiu

    Homem-menino, que rabisca o mundo deixando suas marcasQue tem na esperana sua maior aliada,companheira de sonhos...

    Menino-homem, que pensa o pensarcomo quem tece,como quem fia,como quem borda...

    Guerreiro, sereno,irado, gentil,doutor, aprendizCidado planetrioNa fala a doura,No olhar, o afeto, a ternura.Nas mos, o fazerSer que sabe ser

    Homem-mulher-criana...so todos,so muitos...so PAULO!

    SONIA COUTO-19/09/96

  • 7AGRADECIMENTOS

    A realizao deste trabalho no poderia ter sido possvel sem a colaborao de

    inmeras pessoas que, ao longo desta jornada, contriburam de uma forma ou de

    outra para a sua realizao. No momento em que chego ao final deste percurso,

    considero um imperativo registrar meu agradecimento a estes amigos e amigas,

    companheiros e companheiras que dividiram comigo as angstias e os prazeres

    vividos durante esta trajetria.

    Comeo meus agradecimentos pelo amigo Luiz Carlos Novais, coordenador

    pedaggico da escola onde eu lecionava que, reconhecendo aspectos relevantes do

    trabalho que eu desenvolvia, convenceu-me a sistematizar minha prtica, e que,

    diante de minha resistncia fez ele mesmo, por procurao, a minha inscrio para

    seleo no programa de Ps Graduao da Faculdade de Educao da Universidade

    de So Paulo.

    Mas penso que seria muito difcil esta caminhada no fosse a orientao

    precisa e carinhosa de Moacir Gadotti, sempre atento, intervindo nos momentos

    certos, com amorosidade e competncia, com a atitude dialgica prpria de um

    educador comprometido com princpios freireanos. Agradeo a ele pela oportunidade

    de poder conhecer e conviver com Paulo Freire por quase dois anos e por conviver

    com educadores e educadoras que assim como ele possuem as caractersticas dos

    verdadeiros sbios: a humildade, a sabedoria, a simplicidade, a coerncia e a viso

    de futuro. Educadoras e educadores como Jos Eustquio Romo, Carlos Alberto

    Torres, Francisco Gutirrez, Cruz Prado, Azril Bacal, Fausto Telleri, Walter Esteves

    Garcia, Vera Barreto, Jos Carlos Barreto, Carlos Rodrigues Brando, Rubem Alves e

    outros tantos tambm to especiais. A todos eles, meus sinceros agradecimentos.

    Agradeo aos amigos e amigas do Instituto Paulo Freire, em especial ao

    companheiro de lutas e alegrias, Paulo Roberto Padilha, que ajudou a colocar em

    forma de projeto a minha prxis pedaggica e sempre acompanhou de perto o

    desenvolvimento deste trabalho. Da mesma forma, agradeo ngela Antunes, pelos

    desafios, pelo carinho e incentivo e, acima de tudo, pelo seu exemplo de dedicao e

  • 8comprometimento com a construo de uma sociedade mais humana, atravs da

    humanizao das relaes e dos processos educativos. Agradeo Ana Maria do

    Vale Gomes, grande companheira, com quem muito aprendi, Valdete Argentino

    Melo pela ateno e colaborao em todos os momentos, Maria Lucinete de

    Carvalho Silva pela presteza e disposio em colaborar, Tereza das Dores

    Fernandes de Castro e Eliana de Oliveira, com quem dividi com muita satisfao os

    espaos dos Arquivos Paulo Freire. A Lutgardes Costa Freire agradeo pelo carinho

    que sempre me dispensou. Agradeo aos professores e professoras do Ncleo de

    Educao de Jovens e Adultos do IPF, em especial aos colegas Joo Raimundo Alves

    dos Santos e Maria Jos Vale Ferreira, que tanto me auxiliaram com sugestes,

    bibliografias e com sua vasta experincia na coordenao do MOVA-SP e a Luiz

    Marine Jos do Nascimento, Eliseu Muniz dos Santos, Lcia Helena Couto, Dbora

    Cristina Goulart, Luiz Carlos de Oliveira, Alice Akemi Yamasaki, Gustavo Cherubine,

    Maria Leila Alves, Margarita Victria Gomez, Adriano Nogueira, Antonio Joo Mnfio,

    Maurcio Franklin, Bianco Zalmora Garcia, Reinaldo Matias Fleuri pela agradvel

    companhia nas inmeras jornadas empreitadas.

    Agradeo aos professores e professoras da Faculdade de Educao da

    Universidade de So Paulo, Moacir Gadotti, Maria Alice Vieira, Marli Eliza Dalmazo

    Afonso de Andr, Helosa Dupas Penteado e Mariazinha Fusari (in memorian) com

    quem tive o prazer de aprender a aprender, e tambm ao professor Joo Teodoro D

    olim Marotti pela compreenso e pelo carinho com que sempre me tratou. Estendo

    meus agradecimentos ao professor Celso de Rui Beisiegel e professora Stela

    Conceio Bertholo Piconez pelas valiosas contribuies por ocasio de meu exame

    de qualificao. E no poderia deixar de agradecer aos funcionrios e funcionrias da

    Secretaria de Ps Graduao da Faculdade de Educao da Universidade de So

    Paulo pela organizao, competncia e pelo atendimento sempre carinhoso.

    Durante esses trs anos de muito ler, pesquisar, escrever, apagar, rescrever,

    distanciar-se do que escrevi, reler, refazer, chorar, enfim durante esse longo processo

    de construo, muitas vezes nos isolamos daqueles que mais amamos. No entanto, a

    compreenso destes entes queridos nos alimenta, nos refaz e por isso eu agradeo a

    meu companheiro Juvenal, a minha me Erotildes, minha irm Suemi, aos meus

  • 9filhos Leandro e Luciana, minha doce Beatriz e Clia, minha colaboradora.

    Agradeo por entenderem minha aflio, por se ausentarem da casa para que eu

    pudesse estudar, por falarem baixinho para no me atrapalhar, por assumirem tarefas

    em meu lugar, por me amarem tanto e apostarem em mim.

    Quero tambm registrar o meu agradecimento aos professores e professoras,

    alunos e alunas, funcionrios em geral e equipe tcnica e administrativa da EMEF Dr.

    Pedro Aleixo pela amizade e solidariedade.

    Cabe tambm um agradecimento especial aos educadores do MOVA Ribeiro

    Pires que colaboraram com esta pesquisa de forma carinhosa e prestativa.

    Para finalizar, agradeo FAPESP Fundao de Apoio Pesquisa no Estado

    de So Paulo pela bolsa de estudos que permitiu a realizao desta pesquisa.

  • 10

    SUMRIO

    Introduo ....................................................................................................... 14

    Captulo 1 - O Mtodo Paulo Freire ............................................................ 24

    1.1-A gnese do Mtodo Paulo Freire .................................................. 26

    1.2- A alfabetizao de adultos no contexto brasileiro

    e no contexto cubano ........................................................................... 36

    1.3-Fundamentos do Mtodo Paulo Freire............................................ 43

    1.4-Momentos e Fases do Mtodo Paulo Freire................................... 48

    Captulo 2-Principais fontes do pensamento de Paulo Freire ................. 54

    Captulo 3-Repercusses e ressonncias do Mtodo Paulo Freire .............................................................. 64

    3.1- Paulo Freire no contexto das concepes pedaggicas contemporneas ...................................................... 68

    3.2- As caractersticas construtivistas presentes

    no Mtodo Paulo Freire ................................................................. 74

    Captulo 4- Prticas recentes do Mtodo Paulo Freire ............................. 844.1 - O Projeto Turmas especiais de habilitao.

    para o magistrio......................................................................... 86

    4.2 A presena de Paulo Freire hoje................................................... 96

    Concluso: .................................................................................................... 106

    Bibliografia geral ........................................................................................... 111

    Bibliografia sobre o Mtodo Paulo Freire .................................................... 115

  • 11

    Bibliografia da e sobre a gesto Paulo Freire (1989-1992) ........................ 117

    Anexo 1 - Gravuras de Francisco Brennand e

    comentrios de Paulo Freire (1963)............................................ 121

  • 12

    El Mtodo de Alfabetizacin de Adultos del Profr. Freire, no representa sino la fase incial de un largo proceso dentro de un Sistema de Educacin (BRANDO, 1977:28)

  • 13

    INTRODUO

  • 14

    Qualquer pessoa que se lance apaixonante tarefa de alfabetizar passa

    necessariamente pelo momento da escolha do mtodo como um dos elementos

    curriculares que pode favorecer a aprendizagem. Essa escolha obedece a diferentes

    situaes mas observa-se que ela nunca isenta de intenes. A neutralidade na

    opo pelo mtodo uma falcia. Cada mtodo traz em si uma alta carga de

    ideologia que encontra ressonncia nas idias e ideais de cada educador. Como

    educadora na Rede Pblica Municipal h vinte anos tive que fazer as minhas

    escolhas e as fiz sempre movida pelo grande desejo de promover uma aprendizagem

    crtica e libertadora. Pouco conhecendo da teoria que o sustentava trabalhei com o

    Mtodo Paulo Freire em diferentes pocas e situaes, alcanando sempre

    resultados prticos e satisfatrios.

    Apesar da satisfao obtida atravs dessas experincias foi possvel constatar

    que s isso no era suficiente para que eu pudesse desenvolver a contento minha

    prtica docente. Fazia-se necessrio uma reflexo mais sistematizada que levasse

    superao do limite que a ao educativa, dissociada de uma abordagem terica,

    acabava denunciando.

    Considerando a utilizao do Mtodo Paulo Freire no trabalho de alfabetizao

    que eu desenvolvia, a exigncia da superao da dicotomia entre teoria e prtica me levou a refletir sobre os princpios, pressupostos e prticas do Mtodo Paulo

    Freire. Percebi que essa reflexo certamente suscitava outros questionamentos e

    uma multiplicidade de novas aes e de novas reflexes. Assim defini o objeto de

    pesquisa.

    Foram localizadas diversas pesquisas, em nvel de mestrado e doutorado, que

    abordam questes relativas ao Mtodo Paulo Freire e tambm sobre sua vida e obra.

    Algumas dessas pesquisas contriburam para o trabalho que realizamos, oferecendo

    contrapontos significativos que subsidiaram e mesmo confrontaram-se aos elementos

    levantados.

    Dentre as pesquisas localizadas, podemos citar, a dissertao de mestrado

    realizada por Maria Ins Afonso Barbosa, intitulada O mtodo de educao poltica de

    adultos em Paulo Freire. Nesta obra, a autora faz uma abordagem sistmica do

    mtodo de educao de adultos (pedagogia freireana) sob o ponto de vista da

  • 15

    hegemonia ideolgico-poltica. Discorre sobre vrios aspectos tais como: a cultura

    como instrumento de organizao, o educador e sua funo pedaggico-poltica e a

    educao e a conscincia crtica e a conscincia poltica (BARBOSA, 1982).

    Outro trabalho o estudo do sistema Paulo Freire e de sua aplicabilidade na

    alfabetizao e educao de adultos atravs do CRPE - Centro Regional de

    Pesquisas Educacionais no municpio de Ubatuba a partir de 1964 por universitrios

    da Operao Ubatuba. Trata-se de um estudo com o ttulo A educao de adultos no

    Estado de So Paulo, realizada por Celso de Rui Beisiegel em 1972 (BEISIEGEL,

    1972). Destacamos ainda a dissertao de mestrado defendida na Faculdade de

    Educao da Universidade Estadual de Campinas por Srgio Amncio Cruz, com o

    ttulo A Pedagogia de Paulo Freire: questes epistemolgicas (CRUZ, 1987).

    Podemos citar tambm a obra de John Jefferson De Witt intitulada: An

    exposition and analysis of Paulo Freire s radical psycho-social andragogy of

    development, tese de doutoramento pela School of Education, Boston University,

    1971,que se constitui em um dos primeiros trabalhos de tese sobre Paulo Freire

    escrito nos E.U.A, e busca analisar o seu sistema de alfabetizao de adultos a partir

    do contexto em que foi elaborado e mostrar a aplicao do mesmo em comunidades

    marginalizadas da Amrica Latina e dos E.U.A, tomando, para isso, quatro enfoques

    do pensamento de Freire: o homem, a natureza, a histria, e a cultura. Conclui que o

    objetivo do processo de conscientizao, como marco normativo e reeducador, so as

    transformaes sociais. Sugere que a prtica desta proposta educacional, por parte

    de andragogos e educadores, em geral, implica, inicialmente, em sua viso crtica da

    realidade (DE WITT, 1971). Ainda nesta mesma universidade foi defendida uma outra

    tese de doutoramento por Maryllen C. Harmon que faz uma anlise da filosofia

    educacional de Freire ressaltando os principais pontos de sua aplicao realidade

    norte-americana. Conclui que a pedagogia proposta por Freire fundamentada numa

    antropologia filosfica dialtica cuja meta o engajamento do indivduo na luta por

    transformaes sociais. Da a urgncia de uma educao capaz de despertar a

    conscincia crtica para que ela possa se inserir nessa luta (HARMON, 1975).

    A tese de doutoramento de Marsh (1978), intitulada: An evaluation study of the

    philosophical justification of Paulo Freires dialogic pedagogy and its potencial use in

  • 16

    formal schooling defendida na Faculty of Education, Menphis State University tambm

    pode ser citada como um importante trabalho nessa linha pois se concentra em torno

    de dois objetivos principais: analisar a fundamentao psico-filosfica utilizada por

    Freire em sua proposta de uma ao educativa dialgica; testar a sua aplicabilidade

    em escolas pblicas de 1 e 2 graus do estado de Tennessee, E.U.A, concluindo que

    essa proposta educacional est em perfeita sintonia com os princpios psico-

    filosficos utilizados por Freire salientando que o ambiente escolar, o planejamento

    curricular e a formao do educador so fatores indispensveis aquisio da

    conscincia crtica dos educandos.

    Ainda com o enfoque do Mtodo criado por Freire podemos citar a obra de

    Bernardina Nogueira Icaza, intitulada: El mtodo psico-social de Paulo Freire para la

    educacin de adultos, como instrumento de cambio sociocultural, dissertao de

    mestrado pela Santiago, Universidad Catlica de Chile, 1969 que tem como objetivo

    principal a utilizao do mtodo psicossocial de Paulo Freire na rea de alfabetizao

    e conscientizao de adultos em zonas rurais do Chile. Para a autora, o mtodo em si

    um instrumento extremamente eficaz no sentido de provocar radicais

    transformaes sociais e culturais por parte de camponeses massacrados por um

    sistema econmicos que procura mant-los afastados das principais esferas de

    decises polticas e sociais (NOGUEIRA, 1969).

    Alm dessas teses podemos ainda encontrar importante contribuio nos livros

    de Maria Helena Souza Patto, Psicologia escolar. So Paulo, 1982, e o livro:

    Psicologia e ideologia. So Paulo, (1984), que analisam conceitos como o de

    educao bancria e educao libertadora e refletem sobre o Mtodo Paulo Freire de

    alfabetizao vendo-o no como simples tcnica mecnica de ensino de escrita e

    leitura mas como um processo de formao da conscincia crtica do educando.

    Com base na reflexo e estudo dos pensamentos desses e outros autores

    busco vivenciar uma meta-aprendizagem, ou seja, atravs da fundamentao terica

    sobre o mtodo, enriquecer a minha prtica na utilizao do mesmo pois,

    compreendendo melhor os pressupostos e princpios que o sustentam e analisando

    as suas prticas, os resultados do processo de alfabetizao podero ser melhores.

    Para isso se faz necessrio um mergulho na gnese do Mtodo Paulo Freire, numa

  • 17

    abordagem histrica, social e filosfica.

    Delimitando o objeto de estudo da pesquisa cujo tema enfoca o Mtodo Paulo Freire e considerando que Freire nega a tecno-burocracia na prtica educativa e

    apresenta a alfabetizao como ato criador, em oposio s idias tecnicistas,

    analisamos os fundamentos e as prticas de seu mtodo que possibilitam uma

    educao onde o indivduo seja autnomo para dizer o seu prprio discurso ao invs

    de ser a sombra do outro.

    Portanto, o problema a ser resolvido a partir desta pesquisa, consiste na

    explicitao dos fundamentos que do sustentao s prticas do Mtodo Paulo

    Freire e na determinao da importncia de o educador, conhecer tais pressupostos e

    em que medida tal conhecimento poder auxili-lo na compreenso do pensamento

    de Paulo Freire para a aplicao do mtodo freireano em sua ao educativa.

    A relevncia social e educativa desta pesquisa consiste na possibilidade de

    interao com outros educadores, que buscam no dilogo com diferentes

    interlocutores a superao de seus limites, a ampliao dos seus horizontes e o

    prazer de aprender e de produzir novos conhecimentos.

    Neste final de milnio vivemos numa sociedade globalizada, altamente

    tecnolgica que aponta para sucessivas mudanas e para a construo de um novo

    tempo que, por sua vez, exige a construo de novos paradigmas educacionais.

    O educador engajado na busca da superao dos problemas causados por

    essas mudanas e sensvel problemtica da excluso agravada pelo analfabetismo,

    procura na reflexo e anlise da metodologia freireana, bem como na filosofia que a

    sustenta, respostas s inmeras inquietaes e conflitos que permeiam o ato

    educativo nesse final de sculo.

    O estudo da Teoria Pedaggica de Paulo Freire vem ocupando nesse cenrio,

    tanto nacional como internacionalmente, um papel de relevada importncia uma vez

    que prope um educador autnomo, capaz de refletir criticamente e uma educao

    igualmente libertadora e crtica.

    A autonomia e a capacidade de deciso oriundas dessa educao apresentam-

    se dentro desse novo contexto como importantes instrumentos para a conquista de

    uma sociedade menos mecanicista e mais humana, onde homens e mulheres sejam

  • 18

    respeitados e ocupem com dignidade seus verdadeiros papis na efetiva construo

    dessa sociedade.

    Com o respaldo e a partir das reflexes desenvolvidas pelos diferentes autores,

    conforme acima enumerei, considero este trabalho relevante tambm como um

    instrumento crtico para o desenvolvimento de uma educao voltada para as

    camadas populares com vistas a uma sociedade justa e equnime em termos sociais,

    polticos, econmicos e educacionais.

    Com esta pesquisa, penso poder contribuir qualitativamente para o avano no

    conhecimento sobre a aplicao do Mtodo Paulo Freire sem dissociar teoria e

    prtica, contrapondo ao senso comum, o conhecimento produzido a partir desta

    dissertao.

    Paulo Freire marcou uma ruptura na histria pedaggica de seu pas e da

    Amrica Latina. Com um conjunto de idias pautado na concepo de educao popular ele contribuiu para a consolidao de um dos paradigmas mais ricos da pedagogia contempornea quando destacou o seu compromisso com os oprimidos,

    com os excludos do sistema elitista. Num contexto de massificao, de excluso, de

    desarticulao da escola com a sociedade, Paulo Freire d sua efetiva contribuio

    para a formao de uma sociedade democrtica ao construir um projeto educacional

    radicalmente democrtico e libertador. Assim sendo, o pensamento e a obra de Paulo

    Freire so, e continuaro sendo, marco na pedagogia nacional e internacional.

    Ao longo de sua militncia educacional, social e poltica, Freire jamais deixou

    de lutar pela superao da opresso e desigualdades sociais entendendo que um dos

    fatores determinantes para que ela se d a aquisio da conscincia crtica atravs

    da conscincia histrica. Seu projeto educacional sempre contemplou essa prtica,

    construindo sua teoria do conhecimento com base no respeito pelo educando, na

    conquista da autonomia e na dialogicidade enquanto princpios metodolgicos.

    Esse pensar crtico e libertador que permeia a obra de Freire, serve como

    inspirao para educadores do mundo inteiro que acreditam que possvel unir as

    pessoas numa sociedade com eqidade e justia. Isso faz com que Paulo Freire seja

    hoje um dos educadores mais lidos do mundo. Nas ltimas dcadas, temos

    presenciado a evoluo e recriao de suas teses epistemolgicas que apontam para

  • 19

    a construo de novos paradigmas educacionais e constante recriao da prxis

    pedaggica.

    Este estudo tem como objetivo explicitar a contribuio de Paulo Freire na

    Alfabetizao de Jovens e Adultos atravs da anlise dos princpios e das prticas do Mtodo Paulo Freire no contexto de uma concepo popular de educao, explicitar sua atualidade e acima de tudo, seu carter scio-construtivista.

    Para desenvolver esta pesquisa, observamos, segundo palavras de Luna:

    o referencial terico de um pesquisador o filtro pelo qual ele enxerga a realidade, sugerindo perguntas e indicando possibilidades. As decises metodolgicas so pura decorrncia do problema formulado e este s se aplica devidamente em relao ao referencial terico que deu origem a ele (LUNA, In: FAZENDA, 1994:32).

    Com base em tais palavras e considerando tambm as palavras de Carlos

    Alberto Torres:a proposta global de Freire transcende a crtica de formas educativas atuais e desenvolve-se virtualmente transformando-se numa crtica de cultura e construo do conhecimento e que (...) as afirmaes bsicas do trabalho de Freire recaem numa epistemologia dialtica para interpretar o desenvolvimento da conscincia humana e seu relacionamento com a realidade (TORRES, In: GADOTTI, 1996:126).

    conclumos que o referencial terico a ser utilizado nesta dissertao possui um carter amplo, que explicaremos a seguir.

    Renomados intelectuais e cientistas j estudaram e pesquisaram a obra de

    Freire. Esses estudos, realizados por pesquisadores das mais diferentes reas do

    conhecimento acabam por orientar e sugerir que esta pesquisa parta tambm de

    diferentes referenciais tericos para estudar a obra de Paulo Freire. O quadro terico

    de que me vali baseou-se especificamente nos aspectos das obras e autores que

    forem complementares s obras de Freire

    Autores contemporneos que j estudaram profundamente a obra freireana,

    como Celso de Rui Beisiegel e o seu estudo sobre o despertar da conscincia crtica

    e seu efeito para as transformaes sociais, foram fundamentais nossa pesquisa.

    Admardo Serafim de Oliveira d sua contribuio a partir da sua abordagem filosofia

    do dilogo na pedagogia de Paulo Freire que, segundo ele, segue algumas das

    linhas-metras da fenomenologia, especialmente a de Husserl.

    CybelleRealce

  • 20

    Moacir Gadotti em seu amplo estudo e catalogao biogrfica e bibliogrfica

    sobre vida e obra de Paulo Freire e em suas reflexes sobre a Concepo Dialtica da Educao e em seu livro Pedagogia da Prxis, se configura tambm num importante referencial terico, inclusive in presentia. Carlos Alberto Torres, que

    investigou sobre a relao entre o pensamento de Hegel, expresso em A

    fenomenologia do esprito e a filosofia educacional subjacente obra de Paulo Freire,

    tambm forneceu o embasamento de que necessitamos para formar, enfim, um

    referencial terico consistente para a pesquisa em questo. Considero todos os

    autores citados (e suas respectivas obras) importantes referenciais para o

    desenvolvimento especfico da pesquisa que trata dos Pressupostos e Princpios do

    Mtodo Paulo Freire.

    Ao refletir sobre que tipo de pesquisa foi desenvolvida, que mtodos e tcnicas

    foram utilizados para atender o necessrio rigor cientfico de um trabalho desta

    natureza, para operacionalizar a investigao que se processou, no sentido de

    contribuir como anteriormente prevemos, cabe buscar efetivamente os caminhos a

    serem trilhados. Para tanto, os melhores instrumentos que auxiliem na superao da

    dicotomia teoria e prtica foram a seguir definidos, uma vez que buscamos seguir

    uma trilha praxiolgica, isto , caminhos que possam auxiliar a pesquisadora, leitoras

    e leitores deste trabalho, a desenvolver suas prticas, atravessadas por uma forma

    de inteno reflexiva (SEVERINO, 1992:28).

    Este estudo foi realizado com base nos princpios da pesquisa crtico-dialtica. Isso significa que assumimos o carter conflitivo, dinmico e histrico da realidade

    pois esta abordagem metodolgica tem, segundo Gamboa, uma

    postura marcadamente crtica (e) expressa a pretenso de desvendar, mais que o conflito das interpretaes, o conflito dos interesses. Essas pesquisas manifestam um interesse transformador das situaes ou fenmenos estudados, resgatando sua dimenso sempre histrica desvendando suas possibilidades de mudana (SILVIO GAMBOA In: FAZENDA, 1994:97).

    Ainda com o objetivo de ressaltar a importncia desse tipo de metodologia,

    transcrevo a seguir as palavras de Pedro Demo:

    (...) a cincia a busca absoluta de aproximao da verdade. Uma cincia acabada destruiria a concepo de processo cientfico e perderia a noo de

  • 21

    utopia da verdade. Talvez seja a dialtica a postura metodolgica mais congruente com esta viso de mundo e da cincia. Ela no pode, porm, ficar apenas na banalidade da negao e da problematizao, porque preciso reconhecer que criticar to importante quanto ser criticado (DEMO, 1973:57).

    Com base nas concepes metodolgicas acima citadas o tema central foi

    dividido em sub-temas que sero apresentados em quatro captulos.

    No captulo primeiro apresentamos uma reflexo sobre o que o Mtodo Paulo

    Freire, abordando seus aspectos filosficos, culturais e histrico-sociais, bem como o

    estudo da concepo filosfica que corporifica o mtodo.

    No segundo captulo apresentamos alguns pressupostos do pensamento de

    Paulo Freire a partir das influncias recebidas por ele ao longo de sua trajetria.

    Paulo Freire no exlio recebeu uma forte influncia, de um lado, das idias de Mounier

    e Hegel, e, de outro, de Marx, Gramsci e de Karel Kosik.

    No terceiro captulo analisamos a repercusso do Mtodo. Nesse captulo

    tratamos da influncia de Paulo Freire no processo de alfabetizao no Brasil,

    estabelecendo relaes entre analfabetismo e pobreza. Ainda neste captulo cabe a

    anlise das diferentes concepes pedaggicas contemporneas com o objetivo de

    relacionar o pensamento de Freire ao de outros educadores deste sculo. Vrios

    educadores so abordados, na tentativa de estabelecer paralelos e promover um

    debate entre as concepes pedaggicas e as repercusses dessas concepes na

    formao do pensamento pedaggico contemporneo.

    Embora Paulo Freire no tenha desenvolvido estudos no campo da

    Psicognese da Lngua Escrita, no podemos deixar de observar caractersticas do

    Construtivismo e do Scio-Interacionismo na sua obra. Essas caractersticas so

    neste captulo analisadas.

    No quarto captulo falamos sobre a contribuio de Paulo Freire no processo de

    alfabetizao. Sabemos que Freire no desenvolveu uma pedagogia da

    alfabetizao. Ele contribuiu com a criao de uma pedagogia que privilegia o

    desenvolvimento da conscincia crtica e estabeleceu uma nova relao entre

    professor - aluno criando com isso bases para o desenvolvimento de uma pedagogia

    crtica e libertadora, tratando o analfabetismo como problema social, que s ser

    resolvido com um profundo processo de mobilizao social.

  • 22

    Ainda no quarto captulo, a experincia de Paulo Freire na Prefeitura Municipal

    de So Paulo ser alvo de registro, pois o seu trabalho como Secretrio da Educao

    (1989 a 1991) contribuiu, em muito, para a ampliao dos cursos de Educao de

    Jovens e Adultos, principalmente com a criao do MOVA-SP que em parcerias com

    entidades no governamentais procurou minimizar a alta taxa de analfabetismo

    existente no municpio de So Paulo.

    Como concluso, analisamos o carter essencialmente humanstico do Mtodo Paulo Freire em oposio s prticas domesticadoras. Muito mais que uma seqncia

    de passos metodolgicos, o Mtodo em questo inaugurou uma nova concepo de

    educao: a educao popular que segundo Brando representa a fase inicial de um amplo processo dentro de um Sistema de Educao.

    Quando analisamos as categorias fundantes desse paradigma terico

    (educao popular) percebemos as semelhanas existentes entre essas categorias e

    as propostas de Freire. No poderia ser diferente, uma vez que ambas esto

    amalgamadas formando um todo completo. Como ilustrao vamos nos remeter a

    Gadotti e Torres:

    (...) algumas das instituies originais da educao popular: a nfase nas condies gnosiolgicas da prtica educativa; a educao como produo e no meramente como transmisso do conhecimento; a luta por uma educao emancipadora, que suspeita do arbtrio cultural o qual, necessariamente, esconde um momento de dominao; a defesa de uma educao para a liberdade, precondio de vida democrtica; a recusa do autoritarismo, da manipulao, da ideologizao que surge tambm ao estabelecer hierarquias rgidas entre o professor que sabe (e por isso ensina) e o aluno que tem que aprender (e por isso estuda); a defesa da educao como um ato de dilogo no descobrimento rigoroso, porm, por sua vez, imaginativo, da razo de ser das coisas; a noo de uma cincia aberta s necessidades populares e um planejamento comunitrio e participativo. Enfim, o grande nmero de noes que fundam a educao popular como paradigma terico, colocando-a num plano diferente da educao tradicional, bancria, e a educao como razo instrumental nos indicam que nosso otimismo no infundado (GADOTTI & TORRES, 1994:9).

    A relevncia deste estudo est em tentar buscar os pressupostos, princpios e

    prticas do Mtodo Paulo Freire numa concepo popular de educao, a fim de

    justificar a sua atualidade e validade enquanto mtodo que, segundo seu criador,

    mtodo de aprender e no mtodo de ensinar.

  • 23

    Captulo 1

    O MTODO PAULO FREIRE

  • 24

    Existem diversos e conhecidos trabalhos sobre o Mtodo Paulo Freire.

    Buscaremos entender aqui quais so os princpios e prticas deste Mtodo j que o

    prprio Paulo Freire entendia tratar-se muito mais de uma Teoria do Conhecimento do que de uma metodologia de ensino, muito mais um mtodo de aprender que um mtodo de ensinar.

    Dentre os mais expressivos autores que tratam do assunto destacamos: Lauro

    de Oliveira Lima, Carlos Rodrigues Brando, Celso de Rui Beisiegel, J. Simes Jorge

    e Silvia Maria Manfredi.

    Lauro de Oliveira Lima, um dos primeiros sistematizadores do Mtodo Paulo

    Freire relata em seu livro Tecnologia, Educao e Democracia (1965) a experincia do

    Sistema Paulo Freire de alfabetizao de adultos em Braslia, D.F. pela Campanha de

    Mobilizao dos Estudantes Secundrios para a Erradicao do Analfabetismo. Em

    seu Anexo 1: Mtodo Paulo Freire; processo de acelerao da alfabetizao de

    adultos ele faz uma exposio sistemtica sobre a aplicao desse Sistema de

    alfabetizao.

    Carlos Rodrigues Brando, um dos grandes estudiosos da obra de Freire, notabilizou-se por meio do livro O que Mtodo Paulo Freire, estudo pormenorizado

    da aplicabilidade do Sistema Paulo Freire de alfabetizao. Nesse trabalho ele retoma

    as idias publicadas no Cuadernos del CREFAL n 3 com o ttulo El Mtodo Paulo

    Freire para La Alfabetizacin de Adultos publicado no Mxico em 1977. Muitas outras

    obras foram produzidas pelo autor, situando-o como um dos maiores pesquisadores

    do pensamento freiriano.

    Celso de Rui Beisiegel, autor de uma das mais importantes obras sobre Freire,

    Poltica e educao popular A Teoria e a Prtica de Paulo Freire no Brasil

    reconhecido como um dos maiores conhecedores do pensamento e obra de Freire.

    Alm deste expressivo trabalho, escreveu tambm o livro Estado e Educao Popular

    - um estudo macrossociolgico das origens e vicissitudes da educao de adultos na

    sociedade brasileira - importante contribuio para o conhecimento e avaliao das

    relaes entre Estado e educao popular.

    J. Simes Jorge, tambm estudioso de Freire, publicou entre outras obras: A ideologia de Paulo Freire (1979) obra que descreve a gnese do pensamento

  • 25

    freiriano, a dimenso dialtica de sua proposta de educao e a teoria da conscincia

    e seus diferentes nveis; Perspectivas de uma metodologia antropolgica de

    libertao em Paulo Freire,(1977)estudo que parte do princpio de que em Freire a

    liberdade a vocao natural de todo ser humano (p. 9). Essa liberdade, entretanto,

    lhe negada pelas diferentes e mltiplas formas de opresso. Para vencer a luta

    contra a opresso a nica alternativa vivel, segundo o autor, se encontra na filosofia

    do dilogo de Freire, pois somente por meio dela o indivduo chega autntica

    libertao; Sem dio nem violncia: a perspectiva da liberdade segundo Paulo Freire,

    (1981) discute dois componentes bsicos do pensamento educacional de Freire, o

    dilogo e a libertao, como pontos centrais de seu humanismo; Em Educao crtica

    e seu mtodo, (1979), o autor analisa a educao proposta por Freire como processo

    sociopoltico para a libertao; Libertao, uma alienao? A metodologia

    antropolgica de Paulo Freire, (1979) obra que ressalta o conceito de ser humano no

    pensamento de Freire e afirma que a sua vocao ontolgica a libertao em

    relao s foras opressoras que visam sua alienao.

    Silvia Maria Manfredi tambm deu a sua contribuio enquanto pesquisadora

    do pensamento freiriano. Dentre suas publicaes sobre o assunto podemos destacar

    o livro Uma interpretao sociolgica do Programa Nacional de Alfabetizao

    institudo pelo Decreto n 53.465 de 21 de janeiro de 1964. Estudo sobre o Programa

    Nacional de Alfabetizao que culminou na implantao do Mtodo Paulo Freire numa

    campanha nacional de alfabetizao de adultos. O trabalho ainda estuda a proposta

    educacional elaborada por Freire e uma anlise histrico-cultural do contexto

    sciopoltico da poca.

    A expresso Mtodo Paulo Freire foi utilizada nestes estudos como

    metodologia resultante de um contexto sciopoltico situado num momento histrico.

    Ns a utilizaremos numa compreenso abrangente, pois Paulo Freire tem sido

    conhecido no mundo principalmente pelo Mtodo.

    A histria pedaggica do Brasil e da Amrica Latina foi marcada pela presena

    transformadora de Paulo Freire. No seria exagero imaginar a linha do tempo da

    pedagogia latino americana dividida em dois grandes momentos: antes de Freire e

    depois de Freire. Um dos primeiros incentivadores da concepo de educao

  • 26

    popular ele consolidou um dos paradigmas mais ricos da pedagogia contempornea

    que propunha romper com a educao feita para as elites. Num contexto de

    massificao, de excluso, de desarticulao da escola com a sociedade, Freire d

    sua efetiva contribuio para a formao de uma sociedade democrtica ao construir

    um projeto educacional radicalmente democrtico e libertador. Assim sendo, seu

    pensamento e sua obra so, e continuaro sendo, um marco na pedagogia nacional e

    internacional.

    Ao longo de sua militncia educacional, social e poltica, Freire jamais deixou

    de lutar para superar a opresso e desigualdades entendendo que um dos fatores

    determinantes para isso o desenvolvimento da conscincia crtica. Seu projeto

    educacional sempre contemplou essa prtica, construindo sua teoria do

    conhecimento com base no respeito pelo educando, na conquista da autonomia e na

    dialogicidade enquanto princpios tico-metodolgicos.

    Esse pensar crtico e libertador que permeia sua obra servem como inspirao

    para educadores que acreditam ser possvel unir as pessoas numa sociedade com

    eqidade e justia. Desejo presente em educadores do mundo inteiro razo pela qual

    Paulo Freire tornou-se um dos educadores mais lidos do planeta.

    Sua teoria do conhecimento tem sido recriada ao longo do tempo e as teses

    que surgem a partir dela apontam para a construo de novos paradigmas

    educacionais e constante recriao da prxis pedaggica libertadora.

    1- A gnese do Mtodo Paulo Freire

    Passados mais de 40 anos da primeira experincia com a aplicao do Mtodo

    Paulo Freire, aumenta cada vez mais o nmero de educadores que buscam, no

    mtodo, a frmula ideal para alfabetizar adultos e crianas. Quando se fala de

    experincias de sucesso no campo da alfabetizao de adultos, o mtodo Paulo

    Freire , sem dvida, a referncia mais respeitvel. No entanto, h muita dvida e

    equvocos na compreenso do Mtodo. Muitos acreditam tratar-se de algo utpico e

  • 27

    no condizente com os dias atuais, outros reconhecem sua eficcia, mas no sabem

    exatamente como desenvolv-lo. Conhecer sua gnese e trajetria o primeiro passo

    para descobrir como utilizar a metodologia freiriana nas diferentes reas do

    conhecimento.

    O que hoje conhecemos como Mtodo Paulo Freire para Alfabetizao de

    Adultos surgiu com o trabalho realizado por Freire na dcada de 60. Afonso Celso

    Scocuglia registra (1998), com a ajuda de Moacir de Ges, uma cronologia especfica

    das principais entidades e experimentaes relativas ao Sistema Paulo Freire. J

    nessa poca se reconhecia a necessidade de ampliar o conceito de Mtodo e para

    isso foi utilizada a expresso Sistema que compreendia no s a metodologia, mas

    um sistema integrado em que a teoria e a prtica, a filosofia e a tcnica estejam

    articuladas formando um s conceito ao invs de momentos estanques.

    Segundo Scocuglia as principais aes desenvolvidas por Freire naquele

    perodo foram:

    Movimento de Cultura Popular (MCP) em Recife;

    Servio de Extenso Cultural da Universidade de Recife (SEC) - equipe

    interdisciplinar trabalha a fundamentao do sistema proposto por Freire,

    tambm em Recife;

    Campanha de Educao Popular da Paraba (CEPLAR) primeiro em Joo Pessoa

    e depois no estado;

    Unio Estadual dos Estudantes de Pernambuco e Diretrio Central dos Estudantes

    da Universidade de Recife (financiado pelo MEC), em Recife;

    Campanha De p no cho tambm se aprende a ler (financiada pela Prefeitura

    de Natal), em Natal (RN); em Angicos (financiada pela Aliana para o Progresso,

    pelo convnio USAID/SUDENE) e em Osasco (SP) (SCOCUGLIA, 1998, p. 31).

    De todas estas experincias merece destaque o trabalho realizado na Paraba,

    pois comprova o carter popular do sistema de educao proposto por Freire,

    subjacente ao Mtodo. Essa experincia foi assim relatada por Scocuglia:

    Na historiografia das prticas e das reflexes em torno das propostas de Paulo

    Freire para a alfabetizao de adultos, no incio dos anos sessenta, ganhou

  • 28

    destaque a experincia de Angicos, Rio Grande do Norte, realizada em 1963.

    Ocorre que um ano antes, na Paraba, a Campanha de Educao Popular

    (CEPLAR) J trabalhava com o chamado Mtodo Paulo Freire. A campanha

    paraibana foi iniciada logo aps as primeiras experimentaes de Freire no Poo da

    Panela, em Recife. Durante vrios meses de 1962 os lderes da CEPLAR fizeram

    cursos com a equipe do Servio de Extenso Cultural da Universidade do Recife

    (SEC-UR), especialmente com Jarbas Maciel e com o prprio Freire. Paralelamente,

    os crculos de cultura instalados em Joo Pessoa serviram de campo de

    observao da aplicao do Mtodo, com a presena constante do seu propositor

    e, inclusive, do socilogo Pierre Furter. Nesse processo de intercmbio, houve a

    constatao (na prtica) da equipe paraibana de que as quarenta horas previstas

    no processo alfabetizador eram insatisfatrias e pediam complemento (ps-

    alfabetizao). Tal constatao fez com que a CEPLAR elaborasse um livro-

    complemento (chamado Fora e Trabalho) para uma educao primria rpida

    (dois anos). A partir de agosto de 1963, a CEPLAR, alm de consolidar-se em

    Campina Grande, se expandiu na direo das cidades, vilas, stios e povoados

    marcados por intensos conflitos entre as Ligas Camponesas e os proprietrios rurais

    paraibanos. No final de 1963, incio de 1964, a CEPLAR trabalhava com 135

    crculos de cultura e, aproximadamente, 4000 alfabetizandos. No advento do golpe

    militar de abril de 1964, a CEPLAR foi invadida/extinta por comandos do Exrcito,

    seus documentos e materiais didticos diversos foram apreendidos como provas da

    subverso, seus principais dirigentes presos e, entre 1964 e 1969, submetidos a

    um Inqurito policial Militar (IPM) no IV Exrcito em Recife. Das seis mil pginas

    relativas ao IPM da Paraba, hoje arquivadas (Autos-findos n 151/69) no Superior

    Tribunal Militar em Braslia, e das dezenas de depoimentos orais colhidos de seus

    integrantes, reconstitumos a histria da CEPLAR. Essa histria resgata um elo

    ainda desconhecido da construo inicial do que, posteriormente, foi amplamente

    disseminado como Mtodo Paulo Freire (SCOCUGLIA, 1998, p. 29).

    Como possvel observar pelas palavras de Scocuglia, Angicos no foi a

    primeira experincia com a utilizao do Mtodo Paulo Freire, no entanto foi a que

    mais o notabilizou. Ela tinha como objetivo a alfabetizao de 300 trabalhadores

    rurais, fato concretizado durante um trabalho de cerca de 40 horas. Cabe aqui um

    esclarecimento do porqu dessa experincia, bem como dos fatos histricos que a

    determinaram.

  • 29

    O Brasil vivia, neste perodo, uma fase de grandes mudanas impulsionadas

    pelo modelo do nacional-desenvolmentismo de Juscelino Kubitschek (1955-1960) que

    tinha como slogan cinqenta anos em cinco mostrando a necessidade de busca de

    um crescimento acelerado, e pelo nacional-populismo de Joo Goulart (1961-1964)

    que culminou com as reformas de base e o golpe civil militar em abril de 1964

    (SCOCUGLIA, 1998, p. 29).

    Essa corrida em busca de um rpido crescimento econmico era sustentada

    por foras internacionais, lideradas pelos Estados Unidos, envolvendo outros pases

    da Amrica Latina. Por sugesto do presidente Juscelino Kubitschek, esses pases se

    aglutinaram em torno da Aliana para o Progresso (1958) que objetivava a execuo

    de projetos de desenvolvimento econmico-social em especial de projetos de

    eliminao do analfabetismo adulto na Amrica Latina. Ressalta-se tal que objetivo se

    explicitava, na verdade, para esconder interesses maiores de natureza ideolgica e

    poltica dos Estados Unidos no contexto da Guerra Fria.

    Em 1960, ainda neste esprito de euforia desenvolvimentista, foi assinada a Ata

    de Bogot, um acordo entre os pases da Amrica Latina e o governo estadunidense,

    que pedia medidas de melhoramento social e desenvolvimento econmico e

    mencionava modernos mtodos de instruo macia para eliminao do

    analfabetismo (PELANDR, 1998, p. 27).

    O Nordeste se configurava, ento, como a regio de maior concentrao de

    pobreza em funo do processo de colonizao que ali se iniciara, instaurando uma

    economia com base no latifndio e monocultura e, consequentemente, com m

    distribuio de renda. Somado a esse fatores existiam ainda os problemas climticos,

    geogrficos, populacionais, econmicos, que contribuam para gerar uma situao de

    insatisfao, agravando sobremaneira os conflitos sociais j presentes em todo o

    pas.

    Esta situao de desequilbrio social permitiu aflorar um grande contingente de

    trabalhadores rurais que se viram, pelos motivos j citados, alijados de toda e

    qualquer possibilidade de acesso escola, formando um grande contingente de

    excludos da participao social pela condio de analfabetos.

  • 30

    Em 1959, a criao da SUDENE1 no governo de Juscelino Kubitschek trazia

    como objetivo dotar o Nordeste, nos campos e na cidade, de um parque industrial

    capaz de absorver os seus recursos humanos (Ibid. p. 28).

    Juscelino Kubitschek deixou o governo em 31/01/61, mas assumiu o

    compromisso junto ao presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy, de impedir a

    expanso do comunismo na Amrica Latina, de priorizar as questes do

    desenvolvimento nacional e de estimular moderadamente os projetos de reforma

    agrria.

    Jnio Quadros, sucessor de Kubitschek, apesar de se submeter s

    determinaes do FMI no manteve relaes to estreitas com o governo dos

    Estados Unidos adotando uma postura independente com relao poltica

    internacional. Aps a renncia de Jnio Quadros, Joo Goulart assumiu a Presidncia

    da Repblica, em 07/09/61 propondo um desenvolvimento poltico nacionalista,

    menos dependente da influncia internacional, buscando apoio junto a empresrios,

    assalariados e populao, de modo geral, na tentativa de fazer um governo popular

    que, na prtica, segundo alguns analistas, tornou-se populista (Ibid., p. 28-29).

    Nesse contexto de busca de definio, por parte do governo, de uma poltica

    que desse conta de diminuir o custo de vida e a dvida externa e da indignao, por

    parte da sociedade civil, diante da situao de misria, de injustia social e do

    analfabetismo reinantes, cresce em todo o pas, o movimento campons com o apoio

    da CNBB e de outras organizaes sociais de origem crist, de esquerda e de outras

    tendncias, e especialmente no Nordeste as ligas de camponeses e, de sindicatos em

    outras regies.

    As duas principais vertentes ideolgicas deste perodo eram constitudas pelo

    nacionalismo isebiano e pelo catolicismo radical, movimento dos cristos engajados

    no processo de mudana social.

    Todo este cenrio de desenvolvimento nas mais diferentes reas gerou o

    fortalecimento de atividades culturais e polticas possibilitando, neste perodo, a

    afirmao dos movimentos estudantis como a Unio Nacional dos Estudantes (UNE)

    e a Juventude Universitria Catlica (JUC), na organizao dos movimentos 1 SUDENE: Superintendncia do Desenvolvimento do Nordeste. rgo de planejamento, coordenao e superviso de projetos de desenvolvimento econmico-social, mantidos com recursos nacionais e internacionais (Pelandr, 1998, p. 28).

  • 31

    populares.

    Somado a todos esses fatores, crescia, no Nordeste, a fora dos movimentos

    de esquerda com a dissidncia de alguns simpatizantes dos partidos mais

    conservadores como a UDN - representado pelos coronis do interior pernambucano

    - e o PSD - representado pelos usineiros e senhores de engenho. Alusio Alves um

    exemplo dessa dissidncia, pois sendo um antigo quadro udenista aliou-se e obteve

    apoio dos grupos de esquerda (PAIVA, 1980, p. 21).

    O momento era propcio para reformas, principalmente no campo da educao

    que apresentava um quadro carente de intervenes de toda natureza, e, em

    especial, na alfabetizao de jovens e adultos.

    Concordamos com Silvia Maria Manfredi quando diz:

    O sistema proposto pelo educador Paulo Freire, por suas caractersticas, permitia a

    alfabetizao em tempo recorde e, principalmente, possibilitava a discusso crtica

    dos problemas sociais, polticos e econmicos vividos pelos alfabetizandos,

    satisfazendo simultaneamente s expectativas das organizaes estudantis,

    sindicais e religiosas e lderes polticos. Para os primeiros configurou-se como

    instrumento de aproximao com as classes trabalhadoras, fossem suas pretenses

    reformistas ou revolucionrias. Para os segundos, taticamente interessados em

    ampliar o contingente de eleitores, constituiu-se num mtodo que garantia a

    alfabetizao a curto prazo de um grande nmero de adultos iletrados, aparecendo

    como um investimento altamente compensador, j que a manuteno no poder de

    tais lderes dependia do apoio popular. Esse fato justificaria o total apoio financeiro e

    institucional concedido por alguns destes lderes, durante o governo de Goulart, aos

    grupos que vinham atuando em campanhas de alfabetizao, mesmo que no

    houvesse uma convergncia de interesses polticos (MANFREDI, 1978, p. 158).

    Ainda sobre o contexto da poca, segundo Celso de Rui Beisiegel,

    Pelas suas caractersticas, o mtodo da alfabetizao de adultos desenvolvido

    pelo educador Paulo Freire, no Recife, parecia responder s expectativas dos

    grupos no poder no Governo Federal e aos objetivos fixados para o movimento

    estudantil na rea da educao. O autor h mais de quinze anos, vinha

    acumulando experincias no trato da alfabetizao de adultos em reas urbanas e

  • 32

    rurais..., ensaiara mtodos, tcnicas, processos de comunicao..., recusara

    procedimentos, jamais admitindo que a democratizao da cultura correspondesse

    simples vulgarizao da cultura e sempre avesso idia de uma doao

    presente nas relaes entre o educador e o educando. A afirmao da necessidade

    de buscar os contedos da educao do povo nas condies reais de existncia do

    homem comum era uma constante em suas manifestaes. A partir de 1961, no

    Centro de Cultura e no Crculo de Cultura do Movimento de Cultura Popular do

    Recife, estas diretrizes comeavam a encontrar mecanismos rigorosos de pronta

    realizao na prtica educativa (BEISIEGEL, 1974, p. 164-165).

    Com recursos oriundos do acordo firmado entre Brasil e Estados Unidos sobre

    o Nordeste teve incio, em 1963, a experincia de Angicos. A cidade de Angicos, no

    Rio Grande do Norte, foi escolhida pelo fato de ser a cidade natal do governador

    eleito e por ter as condies ideais para o desenvolvimento da experincia. Pelas

    suas condies adversas (sociais, climticas, econmicas, educacionais, geogrficas

    etc.) seria propcia para abrigar a experincia piloto, pois se ela fosse exitosa em meio

    tantas condies contrrias, teria fortes chances de dar certo em qualquer outro

    lugar do pas (PELANDR, 1998, p. 30-33).

    Como nos relata muito bem Celso de Rui Beisiegel, em seu livro Estado e

    Educao Popular, a experincia de Angicos, por ter sido amplamente divulgada,

    contribuiu para que o Mtodo Paulo Freire ficasse conhecido em todo territrio

    nacional. Segundo Beisiegel,

    Em meados de 1962, o mtodo Paulo Freire de Alfabetizao entrava em sua fase

    operacional. Concludas com xito as experincias iniciadas no ano anterior, no

    Movimento de Cultura Popular do Recife, os trabalhos j se estendiam a Joo

    Pessoa, no Estado da Paraba, e despertavam expectativas em outras regies do

    pas. Uma campanha que vinha sendo realizada pela prefeitura do municpio de

    Natal, no Rio Grande do Norte, inicia a instalao de seus primeiros crculos de

    cultura. Em seguida, em outubro de 1962, o Educador Paulo Freire procurado por

    representantes do governo do Rio Grande do Norte e passa a assessorar a

    organizao de uma experincia num municpio do interior agreste do Estado.

    Conduzida sob a cobertura de um notvel empreendimento publicitrio e contando,

    em seu encerramento, com a presena do prprio presidente da repblica, a

  • 33

    experincia de Angicos contribuiu decisivamente na divulgao nacional do novo

    mtodo. (BEISIEGEL, 1974, p. 169).

    Paulo Freire foi convidado a coordenar o trabalho em Angicos em funo do

    sucesso de experincias anteriores com essa metodologia e pela sua postura

    inovadora em relao ao analfabetismo, inserindo-o na categoria de problema social

    em oposio ao enfoque tecnicista vigente na poca.

    Paulo Freire, juntamente com sua equipe do Servio de Extenso Cultural da

    Universidade de Pernambuco iniciou o trabalho em Angicos com a formao inicial

    dos monitores que atuariam como animadores de debate2. Foram dez dias de

    palestras com auditrios lotados onde eram discutidas questes pertinentes ao tema,

    em especial questes relativas ao papel do educador numa sociedade em

    transformao e a importncia das relaes entre educador e educando no processo

    de ensino e aprendizagem.

    Paralelo formao desses monitores, um estudo do universo vocabular dos

    futuros educandos estava sendo realizado sob a coordenao de Maria Jos

    Monteiro, estudante universitria membro da equipe de Paulo Freire. Esse estudo (in

    loco) culminou com o levantamento de quatrocentas palavras das quais foram

    escolhidas aquelas que comporiam o lxico das quarenta aulas previstas no projeto. A

    seleo das palavras por Freire e sua esposa Elza, tambm educadora, se deu em

    funo das dificuldades e facilidades fonticas, ou seja, o conjunto de palavras

    deveria conter, em grau crescente, as diferentes composies fonmicas.

    Finalmente, no dia 28 de janeiro de 1963, teve incio a primeira aula dessa

    experincia que viria a ser conhecida no Brasil e no mundo como As quarenta horas

    de Angicos.

    A quadragsima aula aconteceu no dia 2 de abril de 1963, com a presena do

    ento Presidente Joo Goulart que, junto s autoridades, alunos, e imprensa,

    comprometeu-se em dar continuidade ao projeto em nvel nacional, convidando Paulo

    Freire para coordenar a Campanha Nacional de Alfabetizao.

    De acordo com alguns analistas desse contexto, no fosse o golpe militar de

    2 Forma como eram conhecidos os alfabetizadores no contexto dos Crculos de cultura.

  • 34

    1964 que abortou o movimento no pas, talvez estivssemos hoje vivendo uma outra

    situao, com certeza menos injusta e excludente.

    Hoje, ao avaliarmos as quarenta horas de Angicos percebemos que foi mais do

    que uma experincia pedagogicamente exitosa. Em um contexto onde imperavam as

    mais duras condies climticas alm do esquecimento das elites, esta experincia

    mostrou que seria possvel colher muitos frutos, pois aqueles homens e aquelas

    mulheres estavam agora frteis de idias, de pensamentos e de palavras...as suas

    palavras e no mais a palavra estril do outro.

    Como veremos a seguir, a instituio do Programa Nacional de Alfabetizao

    com base no Sistema Paulo Freire, em janeiro de 64 teve pouco mais de 80 dias de

    existncia. Os dois textos, o que institui e o que revoga o Programa, trazem as

    marcas do tempo em sua ortografia. Vejamos:

    DECRETO N. 53.465, DE 21 DE JANEIRO DE 1964

    Institui o Programa Nacional de Alfabetizao do Ministrio da Educao e Cultura e d outras providncias.

    O PRESIDENTE DE REPBLICA, no uso das atribuies constante do artigo 87, inciso I, da Constituio Federal, e, CONSIDERANDO a necessidade de um esfro nacional concentrado para eliminao do analfabetismo; CONSIDERANDO que os esforos at agora realizados no tm correspondido necessidade de alfabetizao em massa da populao nacional; CONSIDERANDO que urge conclamar e unir tdas as classes do povo brasileiro no sentido de levar o alfabeto quelas camadas mais desfavorecidas que ainda o desconhecem; CONSIDERANDO que o Ministrio da Educao e Cultura vem provando, atravs da Comisso de Cultura Popular, com vantagem o Sistema Paulo Freire para alfabetizao em tempo rpido,

    DECRETA:

    Art 1 Fica institudo o Programa Nacional de Alfabetizao, mediante o uso do Sistema Paulo Freire atravs do Ministrio da Educao e Cultura. Art 2 Para execuo do Programa Nacional de Alfabetizao, nos trmos do artigo anterior, o Ministro da Educao e Cultura constituir uma Comisso Especial e tomar todas as providncias necessrias. Art 3 O Ministrio da Educao e Cultura escolher duas reas no Territrio Nacional para incio da operao do Programa de que trata o presente Decreto. Art 4 A Comisso do Programa Nacional de Alfabetizao convocar e utilizar a cooperao e os servios de: agremiaes estudantis e profissionais, associaes esportivas, sociedades de bairro e municipalistas, entidades religiosas, organizaes governamentais, civis e militares, associaes patronais, emprsas

  • 35

    privadas, rgos de difuso, o magistrio e todos os setores mobilizveis. Art 5 So considerados relevantes os servios prestados campanha de alfabetizao em massa realizada pelo Programa Nacional de Alfabetizao. Art 6 A execuo e desenvolvimento do Programa Nacional de Alfabetizao ficaro a cargo da Comisso Especial de que trata o Artigo 2. Pargrafo nico. O Ministro da Educao e Cultura expedir, em tempo oportuno, portarias contendo o regulamento e instrues para funcionamento da Comisso, bem como para desenvolvimento do Programa. Art 7 Revogam-se as disposies em contrrio. Braslia, 21 de janeiro de 1964; 143 da Independncia e 76 da Repblica.

    JOO GOULARTJlio Furquim Sambaquy

    DECRETO N. 53.886, DE 14 DE ABRIL DE 1964

    Revoga o Decreto n. 53.465, de 21 de janeiro de 1964, que instituiu o Programa Nacional de Alfabetizao do Ministrio da Educao e Cultura.

    O PRESIDENTE DA CMARA DOS DEPUTADOS, no exerccio do cargo de PRESIDENTE DA REPBLICA, no uso das atribuies constantes do art. 87, inciso I, da Constituio Federal e CONSIDERANDO a necessidade de reestruturar o Planejamento para a eliminao do analfabetismo no pas; CONSIDERANDO ainda que o material a ser empregado na Alfabetizao da Populao Nacional dever veicular idias ntidamente democrticas e preservar as instituies e tradies de nosso povo; CONSIDERANDO, finalmente, que o Departamento Nacional de Educao o rgo do Ministrio da Educao e Cultura ao qual incumbe, por lei, a administrao dos assuntos de educao, DECRETA:Art 1 Fica revogado o Decreto n. 53.465, de 21 de janeiro de 1964, que instituiu o Programa Nacional de Alfabetizao do Ministrio da Educao e Cultura. Art 2 O Departamento Nacional de Educao recolher todo o acervo empregado na execuo do Programa Nacional de Alfabetizao, cujos recursos tambm ficaro disposio daquele rgo. Art 3 O Ministro da Educao e Cultura baixar os atos que se tornarem necessrios para a execuo dste Decreto. Art 4 O presente Decreto entrar em vigor na data de sua publicao. Braslia, 14 de abril de 1964; 143 da Independncia e 76 da Repblica.

    RANIERI MAZZILLILuiz Antnio da Gama e Silva

    Como vemos, com o argumento de que o material a ser empregado na

    Alfabetizao da Populao Nacional deveria veicular idias ntidamente

    democrticas e preservar as instituies e tradies de nosso povo, tira-se o direito do

    povo a uma educao libertadora, verdadeiramente democrtica e emancipadora.

  • 36

    Todo o acervo empregado na execuo do Programa Nacional de Alfabetizao foi

    recolhido com o objetivo de apagar aquela experincia. O que veramos mais tarde,

    nas experincias alfabetizadoras que se seguiram no Brasil ditatorial, seria a

    despolitizao total nos processos formativos e o congelamento das idias e ideais

    transformadores.

    1.1. A alfabetizao de adultos no contexto brasileiro e no contexto cubano

    Os contextos poltico, social e econmico brasileiro e cubano, no final da dcada de

    50, do sculo XX, guardadas as especificidades de cada realidade, se aproximavam

    no que diz respeito a situao de dependncia e a dominao. Em 1959, j em

    processo revolucionrio, Cuba lutava contra o imperialismo norte-americano. Uma das

    principais armas utilizadas nesta luta foi a proposta de alfabetizao em massa.

    Nesse perodo, Cuba iniciava uma ampla campanha de alfabetizao, mas, diferente

    do que aconteceria aqui, o processo de alfabetizao cubano teve carter

    revolucionrio. O Brasil no sofreu um processo revolucionrio como Cuba. Aqui, o

    contexto era outro: imaginava-se que a educao poderia se transformar num

    mecanismo de preparao e construo da nova sociedade pelas vias institucionais,

    digamos, da democracia burguesa, ento instaurada. Em Cuba a educao tornou-se

    um dos instrumentos de consolidao do projeto revolucionrio. Era necessrio

    trabalhar a formao poltica do povo.

    A lacuna entre a vitria poltica e a militar deveria ser preenchida pela

    educao. Seria preciso conscientizar o povo para defender a ptria revolucionria. A

    educao entra, portanto, para preencher esse espao. Cuba, pela reforma agrria

    prope uma rpida soluo para os problemas da terra. Mas como ficariam as

    relaes de trabalho? A proposta educacional comea a entrar dentro de uma

    perspectiva de formao, ao imaginar uma sociedade nova, um homem novo, como

    diziam os revolucionrios, com um novo modelo econmico.

    Num discurso de Fidel, em 1975, evidencia-se que o Estado ainda estava em

    construo e que o papel da educao naquele contexto, era o de proporcionar s

  • 37

    novas geraes, informaes e formao tcnico-cientfica a fim de superar a

    sociedade de classes.

    No campo metodolgico podemos registrar semelhanas e diferenas entre a

    cartilha empregada no Brasil (MCP) e as cartilhas cubanas neste perodo. Ambas

    utilizavam fotos, letras, palavras de cunho poltico. Porm, a cartilha cubana continha

    um forte e explcito teor revolucionrio.

    Podemos perceber isto pelas palavras iniciais do Manual para o Alfabetizador,

    elaborado pela Comisso Nacional de Alfabetizao do Ministrio da Educao do

    Governo Revolucionrio. Logo na introduo encontramos a seguinte mensagem:

    Companheiro alfabetizador: uma das metas mais ambiciosas proposta pelo governo

    revolucionrio a erradicao do analfabetismo. Com ele se prope incorporar

    nossa populao compreenso do processo revolucionrio e a sua rpida

    evoluo [...]. Esta campanha um trabalho de todo o povo, pois s com a

    solidariedade do mesmo, com a sua mais estreita cooperao teremos a vitria. O

    trabalho de alfabetizao ter que ser realizado tanto em lugares prximos como em

    lugares distantes, com ou sem infra-estrutura, ainda que para isso alfabetizadores e

    alfabetizandos tenham que fazer sacrifcios mtuos. O analfabetismo, produto do

    subdesenvolvimento provocado pela interveno do imperialismo e produto indireto

    do atraso econmico e poltico do pas um inimigo poderoso que devemos vencer

    e assim como nos unimos, cubanos de todos os setores, para defender a soberania

    de nossa ptria, nos uniremos tambm para libertar o nosso pas deste inimigo

    interno e alcanar com seu fim uma liberdade plena e uma unidade incorruptvel [...].

    Temos a certeza de que o povo no fracassar em suas metas traadas. Portanto,

    comearemos esta campanha com a certeza de que, apesar de todos os

    inconvenientes que possamos ter, apesar de todas as agresses que tenhamos que

    enfrentar, Venceremos!3

    Esse manual foi criado para facilitar o trabalho de alfabetizao e era composto

    de trs partes. A primeira continha orientaes para o alfabetizador. Eram orientaes

    metodolgicas com descrio minuciosa do desenvolvimento do trabalho. A segunda

    parte trazia uma srie de temas que continham as questes fundamentais do

    processo revolucionrio. Junto com cada tema, havia um texto explicativo para

    3 Esta citao faz parte do Manual do Alfabetizador publicada no ano de 1961, Ano da educao.

  • 38

    subsidiar o educador no trato daquela temtica. Eram textos claros e objetivos,

    sempre acompanhados de uma frase, geralmente de Fidel Castro ou Jos Marti para

    justificar a relevncia do tema e sensibilizar o educador. A terceira parte trazia um

    vocabulrio composto por um pequeno conjunto de palavras.

    O carter eminentemente revolucionrio do processo de alfabetizao em Cuba

    fica claro por meio da anlise dos vinte e quatro temas propostos para orientao

    revolucionria do Manual do Alfabetizador. Vejamos:

    ORDEM TEMAS FRASES INSPIRADORASTema I A Revoluo Revoluo quer dizer destruio do privilgio,

    desaparecimento da explorao, criao de

    uma sociedade justa (Fidel Castro)Tema II Fidel Nosso Lder Assim se homem, transformado em todo um

    povo (Jose Marti)Tema III A Terra Nossa Feliz a terra em que cada homem possui e

    cultive um pedao de terreno (Jose Marti)Tema IV As Cooperativas Em Cuba est desaparecendo o latifndio

    para dar lugar s cooperativas (Fidel Castro)Tema V O Direito Moradia Um direito a mais temos criado: o direito de

    cada famlia a uma moradia decente (Fidel

    Castro)Tema VI Cuba Tinha

    Riquezas e Era

    Pobre

    Cuba, um pas rico habitado por um povo

    pobre (Nuez Jimenez)

    Tema VII A Nacionalizao Nacionalizar quer dizer passar o poder da

    nao (Fidel Castro)Tema VIII A Industrializao A industrializao um antdoto ao

    imperialismo (Nuez Jimenez)Tema IX A Revoluo

    Transforma os

    Quartis em

    Escolas

    Meu quartel o povo (Fidel Castro)

    Tema X A Discriminao O Homem mais que branco, mais que

  • 39

    Racial mulato, mais que negro. Diga-se homem e j

    teremos dito todos os direitos (Jose Marti)

    Tema XI Amigos e Inimigos Temos f na solidariedade de todos os povos

    do mundo (Fidel Castro)Tema XII O Imperialismo O imperialismo ianque est representado por

    uma guia com as unhas gastas pela rapina

    (Raul Castro)Tema XIII O Comrcio

    Internacional

    preciso equilibrar o comrcio para garantir a

    liberdade (Jose Marti)Tema XIV A Guerra e a Paz Desaparea a filosofia do despojo e

    desaparecer a filosofia da guerra (Fidel

    Castro)Tema XV A Unidade

    Internacional

    A unio com o mundo e no com uma parte

    dele (Jose Marti)Tema XVI A Democracia Democracia isto que entrega um fuzil a

    quantos cidados estiverem dispostos a

    defender uma causa justa (Fidel Castro)Tema XVII Operrios e

    Camponeses

    Os operrios e camponeses esto muito

    conscientes, como tambm nos sacrifcios

    esto o futuro (Fidel Castro)Tema XVIII O Povo Unido e

    Alerta

    Sempre alerta cada soldado do Exrcito

    Rebelde! Sempre alerta cada miliciano, cada

    campons, cada operrio (Fidel Castro)Tema XIX A Liberdade de

    Cultos

    A ns no nos podem atrapalhar nunca os

    sentimentos religiosos, o que atrapalha a

    revoluo so os sentimentos contra-

    revolucionrios (Fidel Castro)Tema XX A Sade Nosso povo est recebendo hoje a

    assistncia de mdicos que lutam para

    melhorar as condies da nao (Fidel

    Castro)Tema XXI A Recreao

    Popular

    propsito do Governo Revolucionrio

    continuar criando centros de recreao para o

  • 40

    povo (Fidel Castro)Tema XXII A Alfabetizao Cuba ser o primeiro pas da Amrica que

    daqui a alguns meses poder dizer que no

    tem nem um s analfabeto (Fidel Castro)Tema XXIII A Revoluo Ganha

    todas as Batalhas

    Uma por uma ganharemos todas as batalhas.

    Nosso lema : Venceremos!Tema XXIV A Declarao de

    Havana

    ...e j no foi o programa de um grupo de

    homens, mas foi a sntese das aspiraes de

    todo um povo (Fidel Castro)

    Havia uma relao entre os assuntos da cartilha e os temas do manual como veremos

    no quadro a seguir:

    TEMAS DA CARTILHA VENCEREMOS

    TEMAS DO MANUAL DO ALFABETIZADORALFABETIZEMOS

    OEA (Organizao dos estados

    americanos)

    Tema XV A Unidade Internacional

    INRA (Instituto Nacional de

    Reforma Agrria)

    Tema III A Terra Nossa

    As cooperativas da reforma

    agrria

    Tema IV As Cooperativas

    A Terra Tema I A Revoluo e

    Tema III A Terra NossaOs pescadores cubanos Tema IV As CooperativasO comrcio do povo Tema IV As CooperativasCada cubano dono de sua casa Tema V O Direito MoradiaUm povo so em uma Cuba livre Tema XX A SadeO INIT (Instituto Nacional da

    Indstria Turstica)

    Tema XXI A Recreao Popular

    As milcias Tema XVIII O Povo Unido e AlertaA revoluo ganha todas as

    batalhas

    Tema I A Revoluo

    Tema II Fidel Nosso Lder

    Tema XXIII A Revoluo Ganha Todas as

    BatalhasO Povo trabalha Tema VIII A Industrializao

    Tema XVII Operrios e Camponeses

  • 41

    Cuba no est s Tema XV A Unidade Internacional

    Tema XXIII A Revoluo Ganha Todas as

    BatalhasChegou o ano da alfabetizao Tema IX A Revoluo Transforma Quartis em

    Escolas

    Tema XXII A Alfabetizao

    Um forte fator diferenciador entre o processo cubano e o brasileiro que a

    Cartilha de Cuba est assinada pela Comisso Nacional de Alfabetizao com o aval

    do governo revolucionrio. No Brasil, a cartilha do MCP assinada por educadoras e

    educadores e representa uma resposta do povo de Recife misria em que vivem.

    Ela trata das necessidades do povo, fala da importncia da conscientizao, do voto

    consciente e representa uma resposta aos interesses dos adultos. Percebe-se o

    comprometimento com o processo de emancipao popular.

    por tal razo que povo a palavra chave em torno da qual gira a cartilha.

    Fala sobre as necessidades, possibilidades e interesses do povo, e trazem lies que

    tratam da moradia, da alimentao, da arma do povo que o voto, e outros temas

    ligados ao projeto de emancipao popular, procurando incorporar o povo a um

    projeto poltico. Nesse sentido, considera-se que, acabando com o analfabetismo,

    eleva-se o nvel cultural e poltico do povo.

    No entanto, h pontos de contato entre as duas cartilhas. Ambas cultuam seus

    lderes polticos (Fidel Castro e Miguel Arraes); ambas se referem sua realidade

    local e enfatizam o nacionalismo: em Cuba, legitimando o projeto revolucionrio; no

    Brasil, as transformaes que deveriam ocorrer na sociedade.

    Neste sentido, a proposta de Freire revolucionria, embora com um sentido

    diferente do modelo cubano.

    Havia uma orientao por parte do governo revolucionrio cubano no sentido

    de promover um projeto social modernizador. O Brasil tambm acalentava este

    projeto de modernizao. Os isebianos Guerreiro Ramos, lvaro Vieira Pinto, Ansio

    Teixeira, Hlio Jaguaribe, Werneck Sodr, j em 1956, recebiam a incumbncia de

    serem os formuladores de uma ideologia do desenvolvimento nacional. Vivamos,

  • 42

    neste perodo, a contradio entre Brasil Velho e o Brasil Novo. O Brasil oligrquico

    dependente do exterior, com um Brasil novo que estava se gestando. Os isebianos

    reconheciam a existncia da sociedade de classe. Paulo Freire falava em sociedade

    em trnsito, de uma sociedade velha para uma nova. Baseava-se neles. lvaro Vieira

    Pinto falava da passagem da conscincia ingnua para uma conscincia crtica como

    uma passagem automtica que seria promovida pelo prprio processo de

    desenvolvimento do pas. Freire falava em conscincia intransitiva, homem-coisa, que

    no se relaciona com a natureza, conscincia transitiva e transitiva critica por meio de

    uma ao conscientizadora. Diferentemente dos isebianos, ele acreditava ser possvel

    passar da transitividade ingnua para a transitividade crtica, mas esse salto se daria

    por intermdio da educao.

    Influenciado pelos pensadores catlicos Maritain, Mounier, Alceu Amoroso Lima

    e Lebret, entre outros, Freire defendia a idia de se construir uma sociedade livre,

    justa, tendo a educao como instrumento na construo dessa sociedade do futuro.

    Para isso, acreditava num processo educativo que favorecesse a construo da

    personalidade democrtica.

    Freire defendia uma educao que favorecesse o exerccio permanente da

    perspectiva crtica. O seu Mtodo de Alfabetizao apresenta isso, pois conseguiu

    propor uma prtica educativa que possibilitava a prtica da democracia, do dilogo,

    da criticidade.

    Por este motivo, Freire comeava a virar o patrimnio do pensamento

    pedaggico da poca na medida em que propunha uma educao voltada para os

    problemas de nosso tempo. Essa teorizao dos problemas cotidianos um marco

    em nossa histria da educao e o diferencial da metodologia freiriana.

    Quando Paulo Freire foi trabalhar com alfabetizao no Nordeste, deparou-se

    com os setores mais oprimidos da populao, trabalhou com a identidade e com as

    histrias de vida de cada alfabetizando. Levou os trabalhadores a discutirem sobre

    suas experincias para compreender e adquirir controle sobre os condicionamentos

    de sua existncia.

    No entanto, Freire no se colocava com objetivos revolucionrios tal como se

    compreende a revoluo. Ele tinha um projeto de transformao pelo voto consciente.

  • 43

    Fazia parte da corrente que pretendia transformar a sociedade dentro da ordem

    instituda. A proposta de Paulo Freire incorporava toda a riqueza do pas vivida

    naquele momento: teatro, poesia, artes, como elementos constituintes da cultura

    local. Era, sem dvida, uma proposta ainda em gestao, mas no simplista.

    Para entendermos melhor esta proposta que vai alm da mecnica de

    transmisso das tcnicas elementares de leitura e escrita vamos analisar a seguir

    alguns pressupostos epistemolgicos do Mtodo Paulo Freire.

    1. - Fundamentos do Mtodo Paulo Freire

    [...] Deveramos entender o dilogo no como uma tcnica apenas que podemos usar para

    conseguir obter alguns resultados.Tambm no devemos entender o dilogo como uma ttica que

    usamos para fazer dos alunos nossos amigos. Isso faria do dilogo uma tcnica para manipulao,

    em vez de iluminao

    (FREIRE, 1986, p. 122, grifos do autor))

    .

    Na proposta freiriana o processo educativo est centrado na mediao

    educador-educando. Parte-se dos saberes dos educandos. Muitas vezes, o educando

    adulto quando chega escola acredita no saber nada, pois sua concepo de

    conhecimento est pautada no saber escolar. Um dos primeiros trabalhos do

    educador mostrar ao educando que ele sabe muitas coisas, s que esse

    conhecimento est desorganizado. medida que o educador vai relacionando os

    saberes trazidos pelos educandos com os saberes escolares, o educando vai

    aumentando sua auto estima, participando mais ativamente do processo. Com isso

    melhora tambm a sua participao na sociedade, pois assume um maior

    protagonismo agindo como sujeito no processo de transformao social.

    Segundo Freire o ato educativo deve ser sempre um ato de recriao, de re-

    significao de significados. O Mtodo Paulo Freire tem como fio condutor a

    alfabetizao visando libertao. Essa libertao no se d somente no campo

    cognitivo, mas acontece essencialmente nos campos social e poltico.

    Para melhor entender este processo precisamos ter clareza dos princpios que

  • 44

    constituem o mtodo e que esto diretamente relacionados s idias do educador que

    o concebeu.

    1 - O primeiro princpio do Mtodo Paulo Freire diz respeito politicidade do ato educativo.

    Um dos axiomas do Mtodo em questo que no existe educao neutra. A

    educao vista como construo e reconstruo contnua de significados de uma

    dada realidade prev a ao do homem sobre essa realidade. Essa ao pode ser

    determinada pela crena fatalista da causalidade e, portanto, isenta de anlise uma

    vez que ela se lhe apresenta esttica, imutvel, determinada, ou pode ser movida

    pela crena de que a causalidade est submetida a sua anlise, portanto sua ao e

    reflexo podem alter-la, relativiz-la, transform-la.

    A viso ingnua que homens e mulheres tm da realidade faz deles escravos,

    na medida em que no sabendo que podem transform-la, sujeitam-se a ela. Essa

    descrena na possibilidade de intervir na realidade em que vivem alimentada pelas

    cartilhas e manuais escolares que colocam homens e mulheres como observadores e

    no como sujeitos dessa realidade.

    O que existe de mais atual e inovador no Mtodo Paulo Freire a indissociao

    da construo dos processos de aprendizagem da leitura e da escrita do processo de

    politizao. O alfabetizando desafiado a refletir sobre seu papel na sociedade

    enquanto aprende a escrever a palavra sociedade; desafiado a repensar a sua

    histria enquanto aprende a decodificar o valor sonoro de cada slaba que compe a

    palavra histria. Essa reflexo tem por objetivo promove a superao da conscincia

    ingnua - tambm conhecida como conscincia mgica - para a conscincia crtica.

    Na experincia de Angicos, assim como em outros lugares onde foi adotado o

    mtodo, as salas de aula transformaram-se em fruns de debate, denominados

    Crculos de Cultura. Neles, os alfabetizandos aprendiam a ler as letras e o mundo e

    a escrever a palavra e tambm a sua prpria histria.

    Atravs de slides contendo cenas de seu cotidiano esses

    trabalhadores/educandos discutiam sobre o desenrolar de suas vidas reconstruindo

    sua histria, sendo desafiados a perceberem-se enquanto sujeitos dessa histria.

  • 45

    Nesse contexto era apresentada uma palavra aos educandos - ligada a esse

    cotidiano e previamente escolhida - e, atravs do estudo das famlias silbicas que a

    compunham, o educando apropriava-se do conhecimento do cdigo escrito ao

    mesmo tempo em que refletia sobre sua histria de vida.

    O professor, contrariando a viso tradicionalista que atribui a ele o papel

    privilegiado de detentor do saber, denominado Animador de debates e tem o papel

    de coordenar o debate, problematizar as discusses para que opinies e relatos

    surjam. Cabe tambm ao educador conhecer o universo vocabular dos educandos, o

    seu saber traduzido atravs de sua oralidade, partindo de sua bagagem cultural

    repleta de conhecimentos vividos que se manifestam atravs de suas histrias, de

    seus causos e, atravs do dilogo constante, em parceria com o educando,

    reinterpret-los, recri-los.

    Os alfabetizandos, ao dialogar com seus pares e com o educador sobre o seu

    meio e sua realidade, tm a oportunidade de desvelar aspectos dessa realidade que

    at ento poderiam no ser perceptveis. Essa percepo se d em decorrncia da

    anlise das condies reais observadas uma vez que passam a observ-la mais

    detalhadamente. Uma re-admirao da realidade inicialmente discutida em seus

    aspectos superficiais ser realizada, porm com uma viso mais crtica e mais

    generalizada. Essa nova viso, no mais ingnua, mas crtica vai instrumentaliz-los

    na busca de interveno para transformao.

    Todo esse movimento de observao-reflexo-readmirao-ao faz do Mtodo Paulo

    Freire uma metodologia de carter eminentemente poltico.

    Isso, porm no fazia com que o Mtodo assumisse um carter poltico

    partidrio como pensam alguns, ainda hoje em relao a ele. Segundo bem observou

    Francisco Weffort,O educador sabia que sua tarefa continha implicaes polticas, e que estas

    implicaes interessavam ao povo e no s elites. Mas sabia tambm que seu campo era a pedagogia e no a poltica (...) Uma pedagogia da liberdade podia ajudar uma poltica popular, pois a conscientizao significava uma abertura compreenso das estruturas sociais como modos de dominao e de violncia. Mas cabia aos polticos, no ao educador, a tarefa de orientar essa tomada de conscincia numa direo especificamente poltica ( WEFFORT IN: BEISIEGEL, 1974, p. 167)

  • 46

    Pelas palavras de Weffort podemos perceber que as preocupaes do

    Professor Paulo Freire eram fundamentalmente educativas mas que seu mtodo, ao

    promover uma tomada de conscincia, exige, por sua vez, uma interveno na

    realidade.

    2 - O segundo princpio do Mtodo diz respeito dialogicidade do ato educativo. Segundo Harmon, a pedagogia proposta por Freire fundamentada numa

    antropologia filosfica dialtica cuja meta o engajamento do indivduo na luta por

    transformaes sociais (HARMON, 1975:89). Sendo assim, para Freire a base da

    pedagogia o dilogo. A relao pedaggica necessita ser, acima de tudo, uma

    relao dialgica.

    Essa premissa est presente no mtodo em diferentes situaes: entre

    educador e educando, entre educando e educador e o objeto do conhecimento, entre

    natureza e cultura.

    Sempre em busca de um humanismo nas relaes entre homens e mulheres, a

    educao, segundo Paulo Freire, tem como objetivo promover a ampliao da viso

    de mundo e isso s acontece quando essa relao mediatizada pelo dilogo. No

    no monlogo daquele que, achando-se saber mais, deposita o conhecimento, como

    algo quantificvel, mensurvel naquele que pensa saber menos ou nada saber. A atitude dialgica , antes de tudo, uma atitude de amor, humildade e f nos homens, no seu poder de fazer e de refazer, de criar e de recriar (FREIRE, 1987:81).

    A dialogicidade, para Paulo Freire,