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PAULO FREIRE NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA: PESQUISANDO SABERES
DOCENTES NO CONTEXTO DE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
Ana Maria Saul
Cátedra Paulo Freire da PUC/SP
Agência Financiadora: CNPq
RESUMO
Este texto apresenta a pesquisa sobre o pensamento de Paulo Freire na educação
brasileira, com destaque para a análise de sistemas públicos de ensino, na qual se insere
a formação de professores, a partir da década de 1990. A pesquisa assume o grande
desafio de aprofundar e ampliar o trabalho de investigação da materialidade da matriz
Freire, na perspectiva de captar, com rigorosidade metódica e crivo crítico, a práxis de
reinvenção desse legado. Serão descritos o contexto de origem do projeto de
investigação, a Cátedra Paulo Freire da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
um espaço acadêmico singular para estudar e pesquisar o legado freireano, o quadro
teórico-metodológico e os resultados da pesquisa. Essa primeira edição da pesquisa,
concluída em 2012, teve novo pleito aprovado pelo CNPq, no Edital Universal, e segue
vigente, em uma segunda edição, de 2013 a 2015. A pesquisa gera dissertações e teses
e, nesse painel serão apresentados, também, dois estudos correlatos, vinculados a essa
investigação mais ampla, que envolve pesquisadores de 14 Programas de Pós-
Graduação em Educação. O trabalho dessa pesquisa já se alonga para 10 estados
brasileiros: Pará, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Minas Gerais, São
Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Os resultados da investigação
permitiram concluir que o pensamento de Paulo Freire continua vivo. O seu legado
oferece contribuição inestimável para a política e a prática de formação de professores e
está sendo reinventado na escola pública brasileira, em uma direção contra hegemônica.
Palavras-chave: saberes docentes. práticas pedagógicas. Paulo Freire.
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 103466
1. PRIMEIRAS PALAVRAS
Paulo Freire recebeu no ano de 2012, no Brasil, a maior honra na área da
educação, ao ser declarado Patrono da Educação Brasileira.1 Nascido em Recife,
nordeste do Brasil, em 1921, é reconhecido internacionalmente como um dos maiores
educadores do Século XX, por ser autor de uma pedagogia a favor da libertação dos
oprimidos. O golpe militar de 1964, no Brasil, obrigou-o a um exílio de 16 anos em
diversos países do mundo. Freire dedicou-se, nesses países, a um trabalho de
transformação de contextos sociais opressores, lutando a favor da emancipação dos
oprimidos, por meio de uma educação conscientizadora. O seu retorno ao Brasil
somente foi possível em 1980, após a Lei da Anistia. A convite do então arcebispo de
São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, ingressou no quadro de professores da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Nessa instituição de ensino atuou como
docente e orientador de pesquisas durante os últimos dezessete anos de sua vida
A obra de Paulo Freire, incluindo mais de vinte livros dos quais ele é o único
autor, vem sendo reeditada em vários países do mundo. O seu livro mais importante,
Pedagogia do Oprimido, foi traduzido em mais de vinte idiomas, tendo ultrapassado a
marca de um milhão de exemplares. Tal projeção confere ao conjunto de suas produções
o caráter de uma obra universal que se destaca na literatura educacional, nos
depoimentos de importantes autores, em diferentes países, no reconhecimento de seu
trabalho por importantes Universidades do mundo2 e no crescente número de pesquisas
que se apoiam no referencial de Freire.
Michael W. Apple, professor da Universidade de Wisconsin/USA, renomado
especialista na área do currículo e na análise de políticas educacionais, destaca que:
[Paulo Freire] é importante para toda essa imensidão de pessoas, para muitos
países, que reconhecem que a nossa tarefa é ”dar nome ao mundo”, construir
coletivamente uma educação que é, simultaneamente, anti-hegemônica e
parte do mais vasto campo de batalha sobre o que significa alfabetização,
quem a deveria controlar, e como a alfabetização crítica (o que ele
denominou de conscientização) está ligada a lutas reais, por pessoas reais, em
comunidades reais. (APPLE, 1998, p. 23-24).
O professor António Nóvoa, professor da Universidade de Lisboa/Portugal,
autor de importantes obras científicas no domínio da Educação, assim escreve:
A vida e a obra de Freire estão inscritas no imaginário pedagógico do século
XX, constituindo uma referência obrigatória para várias gerações de
1 Em lei federal, promulgada em 13 de abril de 2012, assinada pela Presidente Dilma Roussef, Paulo
Freire foi declarado Patrono da Educação Brasileira. O projeto de lei foi de autoria da deputada Luiza
Erundina de Sousa.
2 Foram outorgados, a Paulo Freire, quarenta e um títulos de Doutor Honoris Causa.
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educadores. (...) As propostas por ele lançadas foram sendo apropriadas por
grupos distintos, que as relocalizaram em vários contextos sociais e políticos.
(...) A partir de uma concepção educativa própria, que cruza a teoria social, o
compromisso moral e a participação política, Paulo Freire é, ele próprio, um
patrimônio incontornável da reflexão pedagógica atual. A sua obra funciona
com uma espécie de consciência crítica, que nos põe em guarda contra a
despolitização do pensamento educativo e da reflexão pedagógica. (NÓVOA,
1998, p. 185).
A atualidade do pensamento de Paulo Freire vem sendo demonstrada pela
multiplicidade de trabalhos teóricopráticos que se desenvolvem, tomando o seu
pensamento e a sua prática como referências, em diferentes áreas do conhecimento, ao
redor do mundo. A crescente publicação de suas obras, em dezenas de idiomas e a
ampliação de fóruns, cátedras e centros de pesquisa criados para pesquisar e debater o
legado freireano são indicações da grande vitalidade do seu pensamento.
Escreve Cortella (2012) que o pensamento de Freire é novo e atual no sentido de
que [o que é novo] se instala, muda e permanece; anima e inspira. E acrescenta: Freire
é um clássico porque o seu trabalho não perdeu vitalidade, não perdeu irrigação,
conexão com a vida e com o sangue que a vida partilha e emana.
A biografia de Freire registra, também, uma importante face de sua atuação, a de
gestor público na área da educação, na cidade de São Paulo, a convite de Luiza
Erundina de Sousa, prefeita eleita do Partido dos Trabalhadores, no ano de 1989.
À frente da Secretaria Municipal da Educação, Paulo Freire trabalhou por uma
educação pública, popular e democrática, lema de sua gestão, para crianças, jovens e
adultos. A teoria e a prática da gestão Paulo Freire têm sido inspiradoras para várias
redes de ensino no Brasil que se comprometem com a educação crítico – emancipadora
e visam reinventar o legado freireano.
Apresentar a pesquisa o pensamento de Paulo Freire na educação brasileira,
com destaque para a análise de sistemas públicos de ensino, na qual se insere a
formação de professores, a partir da década de 1990, é o objetivo desse texto. Serão
descritos o contexto de origem do projeto de investigação, a Cátedra Paulo Freire da
PUC/SP, o quadro teórico-metodológico e os resultados da pesquisa. Essa pesquisa,
concluída em 2012, teve novo pleito aprovado pelo CNPq, no Edital Universal, e segue
vigente, em uma segunda edição, de 2013 a 2015.
2. O CONTEXTO DE ORIGEM DA PESQUISA: A CÁTEDRA PAULO FREIRE
DA PUC/SP
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
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Paulo Freire foi docente do Programa de Educação: Currículo da PUC/SP, desde
sua volta do exílio. Quando ele já não estava entre nós, em sua homenagem, a
Universidade criou, no segundo semestre de 1998, a Cátedra Paulo Freire, sob a direção
do Programa de Pós-Graduação no qual Freire trabalhou.
A Cátedra vem sendo compreendida como um espaço singular para o
desenvolvimento de estudos e pesquisas sobre e a partir da obra de Paulo Freire,
focalizando as suas repercussões teóricas e práticas na Educação e a sua potencialidade
de fecundar novos pensamentos.
Os estudos sobre Paulo Freire, nesse espaço, visam a estudar criticamente o seu
pensamento para compreendê-lo e reinventá-lo. Reinventar o legado freireano significa,
na Cátedra Paulo Freire, fazer uma releitura crítica da obra do autor cuidando, no
entanto, de não descaracterizar as suas propostas fundamentais, tendo em vista discuti-
las frente aos novos desafios do mundo atual. E, sobretudo, construir e sistematizar uma
práxis coerente com os princípios fundamentais da obra freireana.
O trabalho que vem se construindo na Cátedra tem o compromisso de não
dicotomizar ensino e pesquisa, teoria e prática. Nessa perspectiva, dialoga-se com a
prática em dois contextos que interagem e se interpenetram: o do ensino e o da pesquisa.
A pesquisa que se desenvolve na Cátedra, com o objetivo de identificar e analisar a
influência do pensamento de Paulo Freire nos sistemas públicos de ensino do Brasil teve
início em 2004, a partir da orientação de dissertações e teses de pós-graduandos que se
interessavam pelo tema. Uma ação sistematizada a fim de tornar essa investigação mais
ampliada e articulada, com a forte intenção de criar uma rede freireana de
pesquisadores, ocorreu a partir do ano de 2010, quando esse projeto foi aprovado no
Edital Universal 14/2010, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq). Pretendeu-se, pois, adensar a massa crítica de informações sobre a
influência e reinvenção do pensamento de Paulo Freire, com a expectativa de que os
resultados subsidiem a criação/recriação de políticas e práticas educativas, nos sistemas
de ensino, com especial destaque para o currículo, na perspectiva crítico-emancipadora.
3. O QUADRO DE REFERÊNCIA DA PESQUISA: A TEORIA E A PRÁTICA
DE PAULO FREIRE PARA A FORMAÇÃO DE EDUCADORES
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A ampla pesquisa que se desenvolve na Cátedra Paulo Freire tem, como
referencial, os quatro eixos da política educacional presentes na gestão Paulo Freire3
Currículo, Formação de Educadores, Gestão da Educação e Educação de Jovens e
Adultos. No livro A educação na cidade, Freire (1991) apresenta, em entrevistas, a sua
proposta e atuação como Secretário da Educação da cidade de São Paulo, detalhando os
quatro eixos de política educacional de sua gestão.
No âmbito desse texto, será dado destaque ao eixo formação de educadores.
A prática de Paulo Freire, quanto à formação de educadores, foi se construindo,
durante sua vida, alicerçada pelo seu „jeito de ser docente‟ e pelas reflexões resultantes
de seus diálogos constantes com educadores e educandos em diferentes espaços e
tempos de sua trajetória como educador.
Escreve Saul (2006):
A presença de Paulo Freire na sala de aula sempre foi muito querida,
marcante e significativa. A sua atuação na aula era discreta. Apesar de ele
saber que a sua palavra fazia diferença, com humildade autêntica, raramente
era o primeiro a falar. Exercitava assim um dos saberes que em seu último
livro apontou como necessários à prática educativa: “saber escutar” Ouvia a
todos atenta e respeitosamente e, quando se posicionava, ouvíamos sua voz
mansa que revelava, porém, uma postura forte que convidava a pensar.
(p.20).
Esse modo de “ser” e de “fazer” de Paulo Freire, centrados em proposições
fundamentais de sua obra, como: o respeito ao educando, a dialogicidade, a importância
de partir do conhecimento do aluno no processo de ensino aprendizagem, a defesa da
autoridade do professor e não do autoritarismo, a politicidade da educação, inspiraram
as suas reflexões teóricas e as suas propostas práticas quanto à formação permanente
dos educadores, na Secretaria da Educação da cidade de São Paulo.
A formação de educadores, tema amplamente tratado na obra de Freire, sob
diferentes ângulos deriva-se, ao mesmo tempo, de inspirações de sua prática e de suas
análises e construções sobre a questão da docência. Freire discute a docência no
conjunto de sua obra, em meio a uma trama conceitual na qual várias categorias do seu
pensamento se entrelaçam: diálogo, relação teoria-prática, construção do conhecimento,
democratização e politicidade da educação, entre outras. Todavia é, especialmente, nas
publicações: Medo e ousadia - o cotidiano do professor (l987), Professora sim, tia não -
cartas a quem ousa ensinar (1993), A educação na cidade (1991) e, sobretudo, em
3 Embora Paulo Freire tenha deixado a pasta da Educação, todo o período dessa gestão municipal (1989-
1992) ficou conhecido como gestão Paulo Freire porque as propostas da política educacional desse
Secretário foram mantidas pelo professor Mário Sergio Cortella que o sucedeu.
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Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática docente (1996), seu último
livro publicado enquanto vivia, que o autor sistematiza suas reflexões sobre o tema da
formação de educadores.
A formação permanente, para Paulo Freire, implica a compreensão de que o ser
humano é um ser inconcluso e tem sempre a perspectiva de ser mais. Educação
permanente, portanto, não se destina somente aos educandos em momentos de sua
escolarização, mas a todo o ser humano em qualquer etapa de sua existência. A
educação permanente está aliada à compreensão de que ela incide sobre a realidade
concreta, sobre a realidade prática. Daí ao entendimento de que um programa de
formação permanente de educadores exige que se trabalhe sobre as práticas que os
professores têm. Dizia Paulo Freire (1993) que a partir da prática que eles [os
educadores] têm é que se deve descobrir qual é a teoria embutida ou quais são os
fragmentos de teoria que estão na prática de cada um dos educadores mesmo que não se
saiba qual é essa teoria.
Em Pedagogia da Autonomia, acrescenta:
(...) o saber que a prática docente espontânea ou quase espontânea,
'desarmada', indiscutivelmente produz é um saber ingênuo, um saber de
experiência feito, a que falta a rigorosidade metódica que caracteriza a
curiosidade epistemológica do sujeito. (...) O que se precisa é possibilitar
que, voltando-se sobre si mesma, através da reflexão sobre a prática, a
curiosidade ingênua, percebendo-se como tal, se vá tornando crítica.
(FREIRE, 2008, p. 38).
Na Secretaria da Educação de São Paulo, Paulo Freire se empenhou
profundamente na formação permanente dos educadores. Em suas palavras:
(...) um dos programas prioritários em que estou profundamente empenhado é
o de formação permanente dos educadores, por entender que os educadores
necessitam de uma prática político-pedagógica séria e competente que
responda à nova fisionomia da escola que se busca construir. (Id., 1991,
p.80).
Os princípios básicos do programa de formação de educadores foram assim
apresentados: a) o educador é o sujeito de sua prática, cumprindo a ele criá-la e recriá-
la; b) a formação do educador deve instrumentalizá-lo para que ele crie e recrie a sua
prática através da reflexão sobre o seu cotidiano; c) a formação do educador deve ser
constante, sistematizada porque a prática se faz e se refaz; d) a prática pedagógica
requer a compreensão da própria gênese do conhecimento, ou seja, de como se dá o
processo de conhecer; e) o programa de formação de educadores é condição para o
processo de reorientação curricular; f) os eixos básicos do programa de formação de
educadores precisam atender à fisionomia da escola que se quer, enquanto horizonte da
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nova proposta pedagógica, à necessidade de suprir elementos de formação básica aos
educadores e à apropriação, pelos educadores, dos avanços científicos do conhecimento
humano que possa contribui para a qualidade da escola que se quer. (FREIRE, 1991).
A formação permanente dos educadores desenvolveu-se, sobretudo, por meio de
“grupos de formação”, modalidade que agrupava coletivos de professores para discutir
as suas práticas. O momento seguinte, nesse trabalho, consistia em confrontar as teorias
dos professores com as suas práticas, acrescidas de novas teorias e práticas, sempre que
necessário, num constante movimento de ação-reflexão-ação, na perspectiva de recriar
teoria e prática. Esses grupos tiveram como lócus principal a própria escola e o
programa foi complementado com outras modalidades de formação: palestras, cursos,
congressos e atividades culturais, em diferentes espaços. A integração da Universidade
a esse amplo programa de formação se deu de forma inovadora, alicerçada na
compreensão de que a universidade e a rede pública seriam aprendentes e ensinantes,
nesse diálogo.
4. O DESENHO E OS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA
PESQUISA
A crescente produção que tem se desenvolvido em torno do pensamento de
Paulo Freire sugeriu que essa pesquisa tivesse abrangência nacional. Isso significou
criar um desenho de investigação que pudesse articular pesquisadores e pós-graduandos
de várias regiões do país em torno do foco dessa investigação.
Por intermédio dessa pesquisa, a Cátedra Paulo Freire/PUC-SP vem construindo
um diálogo interinstitucional com vistas à construção e consolidação de uma rede
freireana de pesquisadores.
Os seminários ganharam um espaço privilegiado, constituindo-se em mecanismo
de articulação entre os pesquisadores de modo a atender as necessidades de
planejamento, coleta e organização de dados e discussão dos resultados.
A metodologia da pesquisa caracterizou-se pela investigação crítica, de
abordagem qualitativa. Buscou-se apreender a práxis curricular por meio da análise de
produções bibliográficas publicadas, dissertações, teses, documentos e de dados
empíricos coletados em estudos de caso que incluíram análise de documentos,
observações e entrevistas. Os estudos de caso tiveram o objetivo de analisar como o
pensamento de Paulo Freire vem sendo reinventado nas políticas e práticas dos sistemas
de ensino.
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Na primeira etapa da pesquisa, realizada no ano de 2011, procedeu-se ao
levantamento bibliográfico da produção de dissertações e teses registradas no Portal da
CAPES, no período 1987 a 2010, com a intenção de mapear o estado dos estudos
desenvolvidos no Brasil a partir, e com os referenciais freireanos, e iniciar a análise
desses estudos de modo a buscar subsídios que pudessem ser acrescidos ao quadro
teórico-metodológico dessa pesquisa.
O levantamento realizado por integrantes da Cátedra Paulo Freire da PUC/SP,
no Banco de Teses da CAPES com o descritor Paulo Freire, no período 1987 a 2010,
registrou um total de 1441 trabalhos (1153 Dissertações e 288 Teses) que faziam
referência ao pensamento de Paulo Freire. Essas pesquisas estão distribuídas nas
seguintes grandes áreas do conhecimento: Ciências Humanas, Ciências Biológicas e
Exatas. Para os propósitos dessa investigação, as pesquisas foram agrupadas em 4
eixos: currículo, formação de educadores, gestão e educação de jovens e adultos.
A seguir, passou-se à seleção dos resumos que se constituíram em objeto de
análise dessa pesquisa, selecionados de acordo com os seguintes critérios :
presença de referências explícitas ou implícitas da matriz de pensamento de
Freire, incluindo temas, conceitos e categorias, presentes no referencial das
dissertações e teses;
investigações de práticas, em particular de sistemas de ensino, com
referenciais freireanos, desenvolvidas a partir dos anos 1990.
O passo seguinte constou da seleção de trabalhos completos que atendessem aos
critérios de viabilidade de acesso aos textos em bibliotecas digitais e possibilidade de
análise desses textos, no período aprovado, pela agência de fomento, para o
desenvolvimento dessa pesquisa (vinte e quatro meses).
A análise de resumos divulgados no Portal da CAPES e de textos completos foi
realizada segundo um roteiro de leitura e registro que incluiu os seguintes
procedimentos:
Seleção de extratos/trechos do texto das dissertações e teses nos quais
figuravam, direta ou indiretamente, conceitos e temas da obra freireana.
Identificação de conceitos/categorias da matriz de pensamento freireano,
explícitos ou implícitos nos extratos dos textos selecionados.
Comentários analíticos das categorias freireanas utilizadas pelos autores dos
trabalhos, tendo como parâmetro os excertos da obra de Freire.
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Comentários a respeito das políticas e práticas investigadas e analisadas
pelas dissertações e teses, buscando identificar os resultados das pesquisas
analisadas.
Identificação de avanços e limites dos estudos analisados, apontados pelos
autores das dissertações e teses.
Recolha de sugestões apresentadas pelos autores.
Registro de evidências consideradas importantes pelos pesquisadores,
eventualmente não contemplados nos itens anteriores.
Dentre os trabalhos acadêmicos inicialmente identificados, o grupo de
pesquisadores iniciou a análise dos resumos e, posteriormente, selecionou e buscou
trabalhos integrais para completar o corpus dessa investigação.
No âmbito desse texto, será dado destaque às análises de Dissertações e Teses do
eixo formação de educadores.
Do total de produções identificadas, que mostraram ter Paulo Freire entre os seus
descritores, 94 estavam vinculadas à formação de professores. Dos resumos examinados
foram selecionados 15 produções que atendiam aos critérios propostos nessa pesquisa.
5. OS ACHADOS DA PESQUISA
As dissertações e teses analisadas , referidas ao eixo formação de educadores
tratam, no conjunto, de políticas e práticas de formação inicial e continuada de
professores e, de formação permanente, na acepção de Paulo Freire.
Dentre os conceitos freireanos recorrentes nessas produções estão: formação,
diálogo, autonomia/ participação, teoria e prática, práxis, currículo, política, tema
gerador, investigação temática, pensar certo, inédito-viável, emancipação, resistência,
transformação, libertação, saber mais, humildade, problematização, contradição e
interdisciplinaridade. Todos esses conceitos foram extraídos diretamente de obras de
Freire.
Na bibliografia das dissertações e teses, referidas à formação de educadores,
foram encontradas 23 obras de Freire, algumas das quais presentes em mais de um
trabalho. Dentre as obras mais citadas estão: Pedagogia do oprimido (1970), Pedagogia
da autonomia (1997), Pedagogia da esperança (1992), Extensão ou comunicação
(1977), A educação na cidade (1991), Professora sim, tia não (1993), Educação como
prática de liberdade (1969), A importância do ato de ler (1992), Educação e mudança
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(1979), Política e educação (1993), Medo e ousadia – o cotidiano do professor (1987)
e Pedagogia da tolerância (2004).
Os autores dessas pesquisas ressaltaram a importância da concepção educacional
de Paulo Freire na política de formação de professores e nas práticas pedagógicas. É
consenso entre os autores que os referenciais freireanos possibilitam uma educação
humanista e crítica e que a formação do professor deve ser entendida como reflexão
crítica sobre a prática.
As dissertações e teses pesquisadas mostraram uma interlocução com aspectos
da matriz de pensamento de Paulo Freire que têm, como crivo crítico, a superação de
formas hegemônicas de agir e pensar e, em oposição, propõem, com radicalidade, uma
educação eticamente comprometida com a educação libertadora e a humanização dos
sujeitos.
O trabalho empírico dessa investigação consistiu no desenvolvimento de estudos
de caso em diferentes redes de ensino que anunciavam assumir o pensamento de Paulo
Freire como referência de sua política educacional.
Nessa primeira edição da pesquisa, os estudos de caso, em número de 19, que
foram sistematizados em dissertações e teses, demonstraram que os princípios da matriz
de Paulo Freire para a formação de professores vêm sendo reinventados na escola
pública brasileira, na direção de uma pedagogia contra hegemônica.
Os resultados apresentados nessa pesquisa que investiga o pensamento de Paulo
Freire, com destaque para a formação de educadores, a partir de 1990, demonstraram a
presença do legado freireano em trabalhos acadêmicos e em escolas públicas brasileiras,
revelando-se como um paradigma inspirador de políticas e práticas de educação em
várias redes de ensino, em especial, aquelas das chamadas „administrações populares‟
que se comprometem com a democratização da educação, na perspectiva crítico-
emancipadora.
Pode-se afirmar, portanto, que o pensamento de Paulo Freire continua vivo,
mantém-se em movimento e dialoga com diferentes campos do conhecimento e
questões contemporâneas.
Destaque-se ainda, como uma das importantes conclusões desse trabalho que, o
desenho metodológico dessa pesquisa tem possibilitado consolidar a experiência de
produção de conhecimento em rede, o que lhe confere um aprofundamento horizontal e
vertical. Nessa forma de trabalho destaca-se o seminário como momento de articulação
dos pesquisadores e de tomada de decisões coletivas. Os três seminários nos quais
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
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estiveram reunidos os pesquisadores envolvidos nesse projeto, demonstraram a
importância e a potencialidade desse desenho que define um „modo de fazer pesquisa‟
que põe em prática o valor da construção coletiva e os princípios da dialogicidade
freireana.
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EdUECE- Livro 103477