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Paulo Rónai a Tradução Vivida

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A TRADUO VIVIDA

A TRADUO VIVIDA

Paulo Rnai

NOTA DO AUTOR

O presente volume nasceu de uma srie de conferncias sobre traduo, proferidas nas Alianas Francesas do Rio de Janeiro, So Paulo e Porto Alegre em 1975 a convite do Prof. Jean Rose, Delegado Geral da Aliana Francesa no Brasil, a quem agradeo cordialmente pelo precioso estmulo.

Paulo Rnai

SUMRIO

O brasileiro Paulo Rnai Aurtio Buarque de Holanda Ferreira) 1 DEFINIES DA TRADUO E DO TRADUTOR 16

Traduo interlingual, intralingual, sociolingstica e intersemitica. Indeciso do sentido das palavras, importncia do contexto. Traduo literal ou livre. Tentativas de definir o que traduo. Quem e como se torna tradutor. Requisitos do tradutor ideal: conhecimento da lngua-alvo e da lngua-fonte, bom senso, cultura geral, capacidade de documentao. Frustraes e compensaes do tradutor. Palpites para o aprendizado do ofcio. Bibliografia mnima.

2. AS ARMADILHAS DA TRADUO 34

A f na existncia autnoma das palavras. Iluses do instinto etimolgico. Perigos da polissemia. Emboscadas dos falsos amigos. Armadilhas do poliglotismo. Ciladas dos homnimos. Intraduzibilidade dos trocadilhos? A desateno, outro perigo. O que so os parnimos? A sinonmia, questo de estilo. Holfrases e caractersticas nacionais. Incongruncia das noes designadas pela mesma palavra. Dessemelhana das conotaes. O problema dos nomes prprios: antropnimos, nomes simblicos, hipocorsticos, adjetivos ptrios e topnimos. Metforas vivas e congeladas; sua traduo, adaptao e condensao.

3.OS LIMITES DA TRADUO 59

Os meios complementares da linguagem: recursos outros que no a palavra. Utilizao diferente dos sinais de pontuao. Os pontos de exclamao e de interrogao. Papis desempenhados pelo travesso. Expressividade das aspas. Citaes disfaradas. Maisculas e minsculas ideolgicas. Pontuao individual. Reticncias. Significado dos tipos de letras. Escolha de um alfabeto de preferncia a outro. Valor conceptual da ordem das palavras. Quando se traduz o no-dito e se omite o dito. Mensagem em palavras no-nocionais: artigos, pronomes, numerais, conectivos. Questes de tratamento; axinimos, verbos de cortesia. Palavras estrangeiras.

4.USOS E ABUSOS DA TRADUO 89

Apogeu e decadncia da traduo entre ns. Influncia prejudicial do best-seller. Remunerao inadequada e pressa.

Escolha do original. Recurso a um texto intermedirio, ou traduo de traduo. Traduo a quatro mos. Tradues atravs do portugus de Portugal. Traduo e adaptao. Alteraes e correes do original. Vantagens e desvantagens do copy-desk. A traduo dos ttulos, ou como verter textos sem contexto.

5. AS FALACAS DA TMOUO

Utilidade relativa dos tratados. Duas tentativas de sistematizao. As perguntas que o tradutor deve formular. A traduo preconizada por Joo Guimares Rosa. O Hamier de Tristo da Cunha. Por que cada sculo volta a traduzir as obras clssicas? A traduo como reflexo da sensibilidade e das idias de uma poca. Onze tradues de trs versos de Virglio com paradas com o original. Em que consiste afinal a fidelidade da traduo? O que diria Thomas Diafoirus a Blines se fosse brasileiro.

6. O DESAFIO DA TRADUO POTICA

Deve-se traduzir poesia em verso ou em prosa? Diversas abordagens do problema. O que se perde na traduo, exemplificado num rubai de Fitzgerald, em Repouso de Henriqueta Lisboa, em Roma de Ceclia Meireles, em Poema de sete faces de Carlos Drummond de Andrade, e numas quadras de Fernando Pessoa. Dois extremos: o Puchkin de Nabokov e o Horcio de Ezra Pound. O problema das rimas estudado nas cento e tantas tradues do soneto de Arvers. O laboratrio de Ladislas Gara e seus produtos.

7. SALDOS DE BALANO

Minhas reminiscncias de tradutor. Comeo traduzindo odes de Horcio numa atmosfera saturada de influncia latina. Mecanismo ntimo da traduo potica. Torno-me tradutor de letras hngaras em francs. Diferenas intrnsecas entre traduo e verso. Curiosidades da lngua hngara. Experincias de tradutor comercial e tcnico. Como descobri a poesia brasileira. Dificuldade de aprender portugus na Hungria da dcada de trinta. No Rio de Janeiro, encontro providencial com Aurlio. Buarque de Holanda Ferreira. O que foi a verso de Mar de Histrias. Traduo a quatro mos e mais. A verso para o francs das Memrias de um Sargento de Milcias, O que fiz para difundir a literatura hngara no Brasil. Outras tradues minhas; sobre teoria e tcnica da traduo e trabalhos conexos.

8. A OPERAO BALZAC

Uma experincia de editorao: A Comdia Humana, de Balzac. Concepo e extenso dessa obra. A interdependncia das partes e a volta das personagens. Um afresco da Frana do sculo XIX e uma suma da civilizao ocidental. Como nasceu a idia de traduzi-la em portugus. Minha parte no empreendimento. Problemas de editorao: escolha do original, unificao das tradues, restabelecimento da diviso em captulos. Para que estudos introdutrios e notas de p de pgina? Harmonizao dos ensaios crticos com o texto. Dificuldades especficas da traduo: provrbios e anexins deformados. trocadilhos, anagramas, linguagens especiais. Lapsos e falhas. Fortuna da edio.

O BRASILEIRO PAULO RNAI

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De tal maneira notvel, em Paulo Rnai, a qualidade de brasileiro, que agora me assalta uma dvida: ser original o ttulo deste prefcio? Porm, mal acabo de lanar no papel esse perodo, lembro-me de correr a vista pela extraordinria Pequena Palavra, de Joo Guimares Rosa, prefacial Antologia do Conto Hngaro, e logo na segunda linha encontro: Seu autor o brasileiro Paulo Rnai hngaro, de nascimento e de primeira nao.

Mantenho o ttulo, contudo, a despeito da falta de originalidade. Sejamos verdadeiros at pleonasticamente verdadeiros antes que mediocremente originais. Na capa do Como Aprendi o Portugus, e Outras Aventuras, vemos Magalhes Jnior, Joel Pontes, Wilson Martins, a confirmarem essa brasilidade ronaiana. Do ltimo dos trs so estas palavras: O Sr. Paulo Rnai, intelectual hngaro, escolheu, simultaneamente, a liberdade e o Brasil. Eu, de minha parte, se me fosse dado escolher um compatriota, teria escolhido o Sr. Paulo Rnai.

Diro que estou citando muito. Contravirei: pouco, a levarmos em conta a abundncia do que se tem escrito do meu apresentado; e cederei ao desejo de ainda transcrever o que daquela obra escreveu Carlos Drummond:

O portugus, como o aprendi, Paulo Rnai conta, fagueiro.

Outra faanha dele eu vi:

aprendeu a ser brasileiro.

E aprendeu bem depressa. Chegado ao Brasil em 1941, no tardou muito que passasse a lecionar o

ndice de assuntos, nomes e ttulos citados 201.

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latim e o francs, sobretudo em colgios particulares, contatando com alunos e professores, e com o povo em geral. O contato com o povo comeava bem cedo, nos bondes, sobretudo os que levavam ao Mier, muito matinalmente. Bondes superlotados, por vezes; e no raro devia Rnai viajar em p, no estribo. Por sinal que, certo dia, vinha no estribo do veculo, junto ao Mestre, um passageiro alagoano, de verbo solto. Ps-se o meu conterrneo a conversar com o homem que viera da Europa e no tardou que o senso de humor, to hungaramente vivo, de Paulo Rnai, se regalasse com esta preciosa informao: Est vendo aquele homem com quem eu falei? Pois alagoano, como eu. Eu sou alagoano, meu amigo. E tenho muitos conhecidos alagoanos. A bem dizer, todo o mundo aqui de Alagoas.

Mas eu iria longe se fosse falar da biografia de Paulo Rnai, brasileiro que j o era bem antes de se naturalizar, em 1945. Mais longe iria eu se pretendesse esmiuar-lhe a bibliografia: muitas dezenas de ttulos e maior nmero de volumes. Sim, dezenas e dezenas, entre livros propriamente seus e livros que traduziu ou cotraduziu, e livros o caso, por exemplo, dos 17 volumes de A Comdia Humana, de Balzac que prefaciou e enriqueceu com anotaes.

Livros dos mais desvairados gneros. Porque a ningum melhor Paulo Rnai reto, discreto, sbio, como lhe chamei, dedicando-lhe o Territrio Lrico cabe a designao de homem de sete instrumentos: professor, tradutor (sabe umas dez lnguas, sem contar as universais), editor literrio, antologista, autor didtico (boa poro de obras de francs e latim), crtico, ensasta, conferencista (que j tem anda do pelo Brasil e pelo estrangeiro) e j o sabiam?

* Mais de doze mi!.

romancista (Le mystre ducarnet gris) e teatrlogo (A Princesinha Dengosa, pea infantil).

Homem dos sete instrumentos. . . Cumpre, alis, no seu caso mais -do que noutros, no tomar ao p da letra a locuo nem quanto ao nmero, nem quanto aos instrumentos. Pois o nAmero no se contm no limite dos sete da frase feita nem palavra instrumentos se pode associar nenhuma idia de msica. No deixemos o campo da metfora; porque o homem, senhores, antimelmano. Msica, l isso com uma das filhas, Laura, flautista, tendo a outra, Cora, cambiado o violino, em que no chegou a sentir-se plena mente realizada, pelo jornalismo, sobretudo literrio, em que vem pintando bem. Nem esqueamos Nora, a mulher de Rnai, cuja vocao musical o destino veio a torcer, fazendo-a arquiteta e professora. Talento, nessa gente, mal de famlia.

Nas salas de aula ou de conferncia, pelos jornais ou revistas, no trato ntimo, exerce Paulo Rnai um magistrio sereno, sem nfase. Tem a arte de ser pro fundo parecendo apenas deslizar sobre os assuntos. sutil sem afetao; eu o diria distraidamente arguto. Um clarificador, por excelncia; um iluminador.

o que se notar nas pginas de A Traduo Vi vida. Nos oito captulos deste volume que nasceram conferncias no apenas do poliglota que o leitor ter ocasio de aproximar-se ou reaproximar-se. tambm do humanista de largas fronteiras; do homem de perfeita formao universitria europia; do conhece dor seguro e certo de literatura; e da inteligncia viva, vigilante, sempre a observar, a descobrir e apontar caminhos, a estabelecer ou sugerir solues, a descer, no raro, ao leitor, primeiramente, para depois, aos poucos, lev-lo at si.

Principia definindo a traduo e o tradutor. Fala das tradues interlingual, sociolingstica e intersemitica, e dos requisitos do tradutor ideal. Com que finura trata dos falsos amigos! Ventila o problema da traduo do trocadilho, e lembra, citando-se, que esse jogo do esprito, tantas vezes julgado inferior, desempenha na literatura papel muito mais importante do que se pensa e aparece tanto em Plato como nos trgicos gregos, nas Escrituras como nos clssicos latinos, nos moralistas e filsofos mais severos. No esquece a linguagem silenciosa, o emprego dos sinais diacrticos e da pontuao, o uso de iniciais maisculas ou minsculas, ue no raras vezes obedece a intenes que o tradutor deve saber despistar, e a freqncia das maisculas na pena dos simbolistas.

Quanta coisa inteligente e culta sobre a quadra de Goethe mal traduzida mal traduzida porque dois dos tradutores dela verteram escrupulosamente as palavras constantes do texto, sem lhes ocorrer que o sentido de um enunciado no a simples soma dos vocbulos que o compem!Anda-se livro em fora, e aprendem-se as vantagens e desvantagens do copidesque, e novidades acerca da traduo dos ttulos, ou de como verter textos sem contextos. Que a traduo indireta pode valer mais que a direta, Rnai o diz com referncia verso do Fausto feita pelo velho Castilho, ignorante do ale mo. No lhe escapa a necessidade, ou a inconvenincia, de notas do tradutor explicativas de certos passos do original; nem a oportunidade da traduo infiel do ttulo duma obra, como no caso de Vers larme de mtier, do General de Gaulle, que em portugus veio a dar . . . e a Frana teria vencido.Erudio e sagacidade crtica se renem, por exemplo, no esclio acerca das tradues em ingls, francs, italiano, espanhol, alemo, portugus duns versos do livro IV da Eneida. Que feliz se mostra ele ao tratar da verso de uma frase do Doente Imaginrio,

de Molire, interrompida por pontos de reticncia, Rnai, adivinhando o que est implcito nos pontinhos, prope uma traduo muito plausvel daquilo que Mo lire deixou no tinteiro.

Para que prosseguir na exposio da excelncia da obra? Tudo quanto Rnai pensa e diz alm de substancialmente importante de uma textura to slida, to bem concatenada, em sua pura simplicidade, que no fcil compendi-lo. Cumpre l-lo na ntegra.

Agrada-me particularmente encontrar, no sexto captulo O Desafio da Traduo Potica , um completo, segurssimo exegeta de poesia. Toca-me, de modo muito especial, a anlise de original e traduo do Repouso, de Henriqueta Lisboa, belssimo poema cujos segredos e sutilezas Rnai viu de todos os ngulos, visitou sem perder o mnimo trao, aprofundou e iluminou com espantosa mestria.

Mestria larga e variada. Mestria em literatura, em lnguas, em tudo que ficou dito e na arte da amizade. O mestre perfeito, reto, discreto, sbio, tambm, de quebra, amigo perfeitssimo. Custa-me escrever a seu respeito. Quase trinta e cinco anos de amizade plenos, inteiros, sem lacunas ou fissuras. No sei, dele tratando do homem ou do escritor , seno louva-lo. Mas firmemente creio que com isto no lhe fao favor. Grande brasileiro, o brasileiro Paulo Rnai.

Rio de Janeiro, novembro de 1975

Aurlio Buarque de Holanda Ferreira

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1. DEFINIES DA TRADUO E DO

TRADUTORTraduo interlingual, intralingual, sociolingstica e intersemitica. Indeciso do sentido das palavras, importncia do contexto. Traduo literal ou livre. Tentativas de definir o que traduo. Quem e como se torna tradutor. Requisitos do tradutor ideal: conhecimento da lngua-alvo e da lngua-fonte, bom senso, cultura geral, capacidade de documentao. Frustraes e compensaes do tradutor. Palpites para o aprendizado do ofcio. Bibliografia mnima.

A traduo de que este livro trata a interlingual isto , a reformulao de uma mensagem num idioma diferente daquele em que foi concebida. Quer dizer que dele est excluda qualquer outra operao intelectual a que o termo traduo se possa aplicar em sentido figurado.

Ao vazarmos em palavras um contedo que em nosso pensamento existia apenas em estado de nebulosa, fenmeno constante em todos os momentos conscientes da vida, estamos tambm traduzindo, mas praticamos a traduo intralingual, operao esta que tem as suas prprias dificuldades e cujo resultado muitas vezes nos deixa insatisfeitos.Alm disto, estamos traduzindo tambm quando, frmulas usadas por nosso interlocutor

obedece a convenes sociais, tentamos descobrir o seu pensamento verdadeirdo. Valendo-nos de nossa experincia de todos os dias, praticamos a traduo socio- lingstica ao interpretar por no a frase to brasileiraEst difcil, quando a recebenep qualquer em resposta a. uma pretenso nossa.

Pode-se falar, enfim, de traduo intersemitioa, aquela a que nos entregamos ao procurarmos interpretar o significado de uma expresso fisionmic um gesto um ato simblic mesmo desacompanhados de palavra. em virtude dessa traduo que uma pessoa se ofende quando outra no lhe aperta a mo estendida ou se sente vontade quando lhe indicam uma cadeira ou lhe oferecem um cafezinho.Excludas estas trs ltimas formas de traduo, voltamos propriamente dita, a que chamamos de interlingual. ainda um campo vasto demais para ser examinado em sua totalidade; assim estas consideraes visam sobretudo traduo literria, acenando apenas acessoriamente s variantes cientfica, tcnica, comercial, cinematogrfica etc.

A maioria das pessoas, quando pensa em traduo, faz idia de uma atividade puramente mecnica em que um indivduo conhecedor de duas lnguas vai substituindo, uma por uma, as palavras de uma frase na lngua A por seus equivalentes na lngua B.Na realidade as coisas se passam de maneira diferente. As palavras no possuem sentido isoladamente, mas dentro de um contexto, e por estarem dentro desse contexto. freqente ver citados em obras de lingstica casos de ambigidade curiosos como estas trs oraes:

a) She made Harry a good wife; b) She made Harry a good husband; c) She made Harry a good cake:

a) (Ela) foi uma boa mulher para H., b) fez de H. um bom marido; c) fez um bom bolo para H.).

Na verdade, quase todos os vocbulos esto sujeitos a ambigidades semelhantes. Ao ouvirmos apenas a cadeia sonora formada pelos sons que compem a nossa palavra ponto, de que Mestre Aurlio consigna, em seu Novo Dicionrio, nada menos de quarenta e quatro acepes principais , no sabemos se se trata do pedao de linha que fica entre dois furos de agulha ao coser; ou da interseo de duas linhas; ou de parte da matria ensinada; ou de sinal de pontuao; ou de parada de nibus; ou de livro de presena; ou de em pregado de teatro que sopra aos atores, etc. Ela s adquire sentido graas s demais palavras que lhe so associadas em enunciados como costurar um rasgo com alguns pontos; traar uma linha entre dois pontos; estudar um ponto, esperar o nibus no ponto; assinar o ponto; precisar de ponto para recitar um papel. S pela sua experincia do portugus, em particular dos contextos em que a palavra ponto pode figurar, o tradutor conseguir decifrar qualquer desses enunciados, para depois, em virtude do seu conhecimento de outra lngua, formular enunciados equivalentes nesta ltima.O que acabamos de dizer a respeito das palavras vale tambm em relao a frases inteiras. Em alemo: Er hat es zum Minister gebracht quer dizer Ele chegou a ministro ou Ele levou o assunto ao ministro? A dvida s se esclarece dentro de um contexto maior. Entendido assim, o papel do tradutor torna-se singularmente mais importante; perde o que tinha de me cnico e se transforma numa atividade seletiva e reflexiva.

Candidatos a tradutor costumam perguntar a quem os contrata se devem fazer traduo literal, mot moi, ou traduo livre. Na verdade no existe traduo literal. Uma frase latina to simples como Puer ridet deve ser traduzida em trs palavras por O menino ri ou Um menino ri, embora nenhum dicionrio do mundo d como equivalente de puer o menino OU um menino. A Je VOUS em prie corresponde em portugus por favor; a so long e a arrivederci, at logo; a Ministre des Affaires EtrangreS, Ministrio das Relaes Exteriores. Ora, ningum pode qualificar essas tradues de livres, j que represent as nicas verses possveis, exatas e fiis das frmulas originais. Da resulta que a noo de fidelidade implica talvez menos aderncia s palavras da lngua-fonte do que obedincia aos usos e s estruturas da lngua-alvo.

1. Esta multiplicidade de sentidos do vocbulo , alis, explorada de maneira divertida por Lus Fernando Verssimo em sua crnica Pontos, includa no volume O Popular.

Esses exemplos singelos mostram, em sua diversidade, por que difcil elaborar uni cdigo ou um manual da traduo. As aplicaes possveis de qualquer palavra so inmeras e imprevisveis; o fluir contnuo da lngua passa por ondas sempre novas. De mais a mais, o profissional que traduz um texto portugus para o ingls. no tem de enfrentar problemas iguais aos do colega que o verte para o francs. O ensino da traduo s pode partir de exemplos concretos e deve ter em vista, sobretudo, flexibilizar a mente do tradutor e mant-la em estado de alerta para que saiba lembrar precedentes ou, se for o caso, inventar novas solues.Essa problemtica se complica ainda mais quando o texto a traduzir de carter literrio. A o tradutor deve utilizar os seus conhecimento de tcnico para conseguir efeitos de arte e provocar emoes estticas. Em que medida pode essa atividade ser considerada arte? Quais as qualidades especiais que requer? Qual a considerao que merece?

Ao definirem traduo, os dicionrios escamoteiam prudentemente esse aspecto e limita a dizer que traduzir passar para outra 1ngua (UbersetZUflg die bertragung eines Textes aus einer Sprache ineine andere. Der Kleine Brockhaus, 1962.) Mas o que a atividade do tradutor literrio apresenta de ambguo e de quimrico tem levado muita gente a tentar defini-la pelo menos sob forma de comparao. Autores espantados com as deformaes de sua obra em verso estrangeira; leitores que assinalam com um risinho sarcstico as cincadas e os contra-sensos em livros traduzidos; os prprios tradutores, sobretudo, desesperados com os impasses de seu ofcio, tm recorrido a smiles muitas vezes pitorescos e surpreendentes, de que reuni uma pequena coleo no decorrer dos anos.

A comparao mais bvia fornecida pela etimologia: em latim, traducere levar algum pela mo para o outro lado, para outro lugar. O sujeito deste verbo o tradutor, o objeto direto, o autor do original a quem o tradutor introduz num ambiente novo; como diz Jules Legras, traduzir consiste em conduzir determinado texto para o domnio de outra lngua que no aquela em que est escrito. Mas a imagem pode ser entendida tambm de outra maneira, considerando-se que ao leitor que o tradutor pega pela mo para lev-lo para outro meio lingstico que no o seu.

Conforme adotemos uma ou outra dessas maneiras de ver, a traduo dever corresponder a exigncias diversas. Conduzir uma obra estrangeira para outro ambiente lingstico significa querer adapt-la ao mximo aos costumes do novo meio, retirar-lhe as caractersticas exticas, fazer esquecer que reflete uma realidade longnqua, essencialmente diversa. Conduzir o leitor para o pas da obra que l significa, ao contrrio, manter cuidadosamente o que essa tem de estranho, de genuno, e acentuar a cada instante a sua origem aliengena. Assim as duas interpretaes da palavra traduo abrangem at as duas variantes extremas a que ela pode ser aplicada: a traduo naturalizadora, de que seria exemplo a verso portuguesa de Don Qui Xote por Aquilino Ribeiro, e a traduo identificadora, exemplificada pelas tradues de Virglio por Odorico Mendes ou, mais recentemente, pela verso francesa da Eneida por Pierre Klossowski.Procurando vender o seu peixe, os tradutores de todos os tempos tm encarecido a utilidade de sua ao, mostrando os grandes benefcios dela resultantes. L-se no prefcio da Verso Autorizada da Bblia (de 1611), que to grande importncia exerceu na evoluo da lngua inglesa: a traduo que abre a janela para deixar entrar a luz; que quebra a casca para podermos comer a amndoa; que puxa a cortina de lado para podermos olhar para dentro do lugar mais sagrado; que remove a tampa do poo para podermos chegar gua. Porm, j no mesmo sculo, Dryden, tradutor ilustre da Eneida de Virglio, queixou-se da maneira desdenhosa por que ele e seus colegas eram tratados. Pois somos escravos e trabalhamos na lavoura de outrem; lavramos a vinha, mas o vinho pertence ao proprietrio; se s vezes o solo maninho, podemos estar certos de sermos castigados; se frtil e o nosso trabalho d resultado, no nos agradecem, pois o leitor arrogante dir: O pobre escravo cumpriu o seu dever e para caracterizar as dificuldades da profisso dizia que traduzir era como danar na corda bamba de ps acorrentados.Andr Gide, tradutor ele mesmo, comparou a profisso de um picador que pretendesse levar o prprio cavalo a executar movimentos que no lhe fossem naturais. Irreverente, Goethe assimilou os tradutores a alcoviteiros que nos elogiam uma beldade meio velada como altamente digna de amor e que excitam em ns uma curiosidade irresistvel para conhecermos o original, pilhria que s no deve ofender os tradutores por ter sido o prprio Goethe um deles, e porque, embora no lhes reconhecesse outro mrito, lhes fazia justia ao admitir que despertam o desejo de se ler a obra original.

Freqentemente o original foi comparado alma e a sua verso ao corpo; a no ser que ele fosse identificado com o corpo e a verso com o traje.

Para Cervantes. a traduo seria o avesso de uma tapearia. Ao nosso contemporneo Helmut Braem, por sua vez, ela aparece como uma nova tapearia tecidade acordo com um modelo dado.

Mais de uma vez o tradutor tem sido comparado a artistas: ao cantor que canta uma cano escrita por outro, ao msico que num instrumento toca uma msica escrita para outro instrumento (Mrne de Stal), ou que decifra e reescreve toda a partitura; ao maestro que rege composies alheias; ao escultor que tem de executar noutro material qualquer a cpia de uma esttua de mrmore (Werner Winter); ao pintor que copia em leo um pastel; ao ilustrador de um livro; ao ator que encarna os mais diversos papis (Juliusz Zu lawski); ao fotgrafo que de um quadro de museu tira uma foto colorida (Ernesto Sbato), ou bate uma chapa de uma esttua (Michael Reck) e, fazendo entre- ver a dificuldade de sua tarefa, a um artista plstico que tivesse de transmudar uma msica em quadro ou em esttua (MauriceBaring).

Heine, galhofeiro, achou que traduzir poesia era empalhar os raios do Sol. (E fazer poesia no a mesma coisa? pergunta Renato Poggioli, que pesou e comentou muitas dessas comparaes.

Chegados a um impasse depois de outro, quantos profissionais no se compararam a Ssif o ou a Tntalo, duas personagens da mitologia, que encarnam o desejo impotente? Usando outra imagem da mitologia, dizia o Padre Olivet que um hbil tradutor devia ser um Proteu de forma mutvel. E Andr Mirabel considerava o papel em que se escrevia a traduo como um leito de Procusto. (Independentemente dele, o nosso Guimares Rosa chamava procustos na correspondncia com seu tradutor alemo Curt Meyer-Clason os trechos parti cularmente difceis de verter para outra lngua.)

Outro tradutor moderno, Yehuda Amichai, achou que ler poesia em traduo era beijar uma mulher atravs de um vu. Leio num recente artigo de jornal italiano que a traduo como um filtro colocado entre o autor e o leitor.

Dizia John Lehmann que falar em traduo era como conversar sobre o vidro de um quadro, quando o que devia monopolizar a nossa ateno era evidentemente a pintura.

Houve tambm quem assemelhasse o ato de traduzir ao transvasar um lquido de uma garrafa esfrica noutra, de forma cilndrica (Tatiana Fotitch), ao que Sir John Denham, em 1656, com sculos de antecipao, respondera que a poesia era um lquido to fino que, transvasado de um idioma para outro, se evaporava todinho.

Kenneth Rexroth considera o tradutor um bom advogado ao servio do autor, antes que o bastante procurador deste; Meyer-Clason chama-lhe um advogado de dois clientes, um corretor de cmbio na bolsa de dois idiomas bem mais generosos do que M de La Fayette, que encarava o mau tradutor (ainda bem que s o mau!) como um criado bronco que repetia s avessas uma mensagem importante que lhe fora confiada, ou Lope de Vega, que assemelhava o tradutor tout court a um contrabandista de cavalos.

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Em oposio aos que o consideram a mera sombra do autor ou um escravo obediente a seu servio, h quem veja nele um autor frustrado.

Foi dito, ainda, que o tradutor um plagirio que pratica a nica forma legtima do plgio, ou um artista tmido que s consegue vencer as suas inibies em tte--tte com outro artista. O j citado Renato Poggioli define-o, por seu turno, como personagem em busca de um autor com que possa identificar-se. Ou, mais poeticamente, como uma vasilha viva saturada de um fluido que derrama no recipiente mais apropriado, embora no feito por ela nem de sua propriedade.

Visto o que seu empreendimento tem de quimrico, o tradutor foi ainda assimilado ao alquimista, aquele que sonha com a trasmudao dos metais em ouro e acaba reduzindo o ouro a barro; mas no, objetam outros, aquele que transforma um pedao de ouro noutro pedao de ouro.

Corre assim, atravs dos sculos, um dilogo inces sante entre os que atacam o tradutor e os que lhe tomam a defesa. Nas Cartas Persas de Montesquieu, uma personagem, ao vir a saber que outra se ocupa de traduo h vinte anos, lana-lhe no rosto: Como, cavalheiro? Ento h vinte anos que o senhor no pensa? E acrescenta: Se viver traduzindo sempre, no o traduziro nunca. DAlembert, porm, tem opinio oposta: Se quiserdes ser traduzido um dia, comeai vs mesmo por traduzir.O surrado trocadilho italiano traduttori-traditorj deixou a pecha da infidelidade aos cultores do ofcio. Poderia consolar-nos o fato de ser impossvel traduzir esse anexim em qualquer outra lngua; mas, infelizmente, tem tanta graa que todo o mundo o aprende, ainda que no saiba italiano. Ele confirmado pelo chiste, de atribuio incerta, de que as tradues so como as mulheres: quando fiis, no so bonitas; e quando bonitas, no so fiis. De todas as comparaes so essas duas as que mais pegaram, e lembrando-se delas que o tradutor, esse modesto artista, o imico que se com porta como se fosse arteso, procura justificar-se, em prefcios, esclarecimentos, advertncias, notas, rplicas e posfcios, tentando a apologia, encarecendo a utilidade do prprio servio, pedindo a compreenso e a pacincia do leitor; e s vezes, consciente de sua culpa, implorando o perdo do autor que vertera, como Na bokov o de Puchkin, depois de lhe ter traduzido para o ingls o romance em versos Ievgueni Onieguin:

O que uma traduo? Numa travessa

A cabea do poeta, plida, de olhar fixo.

Com paraison nest pas raison, dizem os franceses, e realmente difcil reduzir tantas imagens a um de nominador comum. Mas todas essas analogias deixam entrever a complexidade intrnseca da atividade tradutora, de que tentaremos apresentar alguns problemas.

Examinemos primeiro a personagem que se atreve a empreender semelhante tarefa. Em princpio, seria de supor que as editoras escolhessem indivduos parti cularmente capazes de execut-la aps haverem-lhe verificado a idoneidade por meio de testes; e que s se dedicassem a tradues literrias pessoas especialmente interessadas em literatura, dotadas de sensibilidade artstica, e com profundo conhecimento de ambas as lnguas. O que, porm, acontece na realidade algo diferente. As editoras salvo excees respeitveis esto interessadas em contratar tarefeiros que executem determinada traduo dentro do menor prazo possvel e pelo menor preo possvel. Quanto aos candidatos a tradutor, em geral procuram essa espcie de ocupao no por uma simpatia especial, mas por se tratar de bico que pode ser executado em casa, nas horas de folga, e assegura uma rendazinha suplementar ainda que magra. Da o desprestgio que envolve a profisso. Sabemos que, em caso de reedio, o editor paga outra vez ao autor, mas o tradutor deixado de lado. E por pedirem-lhe um trabalho rpido, pago a um tanto por linha, comumente o tradutor pouco se preocupa com a qualidade, tanto menos quanto o seu trabalho rara mente examinado e quase nunca criticado. Entre ns, h uns vinte anos, um intelectual mineiro de slida cul tura e notvel conhecimento de lnguas manteve, durante algum tempo, no Dirio de Noticias, uma seo consagrada ao exame das tradues: a seo morreu dada a falta de interesse dos editores, que preferiam no mandar a Agenor Soares de Moura as suas novidades traduzidas.

Na maioria das vezes a traduo feita por escritores, pessoas que os editores tm mais mo, quando no pelas primas pobres, os tios invlidos ou as cunhadas desocupadas destes mesmos escritores. Mais de uma vez o escritor empresta apenas o nome traduo sem deitar-lhe sequer uma olhada. Mas ainda que seja ele mesmo o autor do trabalho, nem sempre a sua qualidade de escritor constitui uma garantia. O que normalmente acontece um ficcionista, um poeta ou um jornalista aceitarem traduzir um livro francs, ingls ou castelhano, pelo fato de estarem habituados a ler obras escritas nesses idiomas. Os mais inteligentes e conscienciosos no tardam a reconhecer a sua falta de preparo e tentam supri-la por meio de estudos, pesquisas, consultas a pessoas e livros; os mais limitados nem percebem a existncia de dificuldades e vo galharda- mente matando centenas de pginas, seguros da impunidade

3. Registro com prazer que o PEN Clube brasileiro, h alguns anos, instituiu o Prmio de Traduo Agenor Soares de Moura para a melhor traduo do ano em homenagem a esse grande trabalhador intelectual.

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Se acaso acontece algum descobrir gafes numa de suas tradues, eles opem s crticas o argumento de haverem traduzido dezenas de volumes sem nunca terem enfrentado uma reclamao.

Desviemos o olhar dessa realidade e consideremos o tradutor corno ele devia ser. O primeiro requisito que deve possuir o conhecimento profundo da sua lngua materna, para a qual ele traduz. Quando, ao reler a p gina que acaba de verter, ele topa com uma frase que no soa bem, ter nisso critrio quase infalvel do erro cometido. Uma pessoa que no tivesse facilidade natural na sua prpria lngua nunca se deveria abalanar a fazer urna traduo. Mesmo um punhado de erros de interpretao no inutiliza de todo uma traduo (j que humano errar, encontramo-los s vezes em trabalhos dos melhores profissionais); em geral os leitores passam por eles sem perceb-los e vo prosseguindo a leitura. Mas um vernculo desajeitado, emperrado ou pedante, pesado ou incorreto dificulta a leitura e pode chegar a interromp-la de vez.

(Esse conhecimento slido da prpria lngua, cri trio certo de toda educao humanstica, consegue-se

j se v mediante a leitura atenta e contnua dos bons autores, pela freqentao de livros inteligentes sobre o prprio idioma, pelo estudo incessante dos meios de expresso.)Claro, o conhecimento da lngua de partida par te indispensvel da bagagem do tradutor. A, porm, h concesses. Muitas vezes nasceram traduesrelativa mente boas feitas de lnguas que os tradutores no f a lavam. Muitas vezes esses tm da lngua de partida apenas um estudo livresco, sem conhecerem o pas onde ela falada. Em diversos pases h timas verses de Shakespeare devidas a poetas que no falavam uma

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palavra sequer de ingls e executaram a tarefa com sangue, suor e lgrimas, e consulta constante aos dicionrios e aos lxicos, alcanando resultados notveis; existem, em compensao, outras, feitas por professores de ingls, que, apesar de bons, no sabem a lngua materna, e compilaram apenas trabalhos escolares, insulsos, ilegveis. E no caso de obras gregas e latinas, o conhecimento da lngua-fonte, por mais slido que seja, quase sempre apenas passivo. Semelhante conhecimento se adquire por anos de leitura e pela prtica da prpria traduo, se ao profissional no lhe faltam as virtudes cardeais da humildade e da curiosidade. Desconfio do tradutor que se gaba de transportar qual quer texto de uma lngua para outra primeira vista, com facilidade igual, sem jamais recorrer aos dicionrios. O mximo a que ele deve aspirar no saber de cor uma lngua estrangeira (pois nunca se chega a conhecer a fundo nem sequer a materna) e sim a adquirir um sexto sentido, uma espcie de faro, que o advirta de estar na presena de uma acepo desconhecida de uma palavra, ou ento de uma locuo de elementos inseparveis intraduzvel ao p da letra, idiomatismos que fazem parte do lastro de ouro da lngua estrangeira.

S assim o conhecimento direto do outro idioma poder ser suprido pelo instinto lingstico e pelo folhear inteligente dos dicionrios e demais obras de consulta.

Em resumo, o tradutor deve conhecer a lngua estrangeira o bastante para desconfiar de cada vez que a compreenso insuficiente de uma palavra ou de um trecho obscurece o sentido do conjunto. Ao ler, por exemplo, na descrio de um jogo de prendas, Je donne ina langue au chat, o tradutor, se no conhece a expresso, sentir que impossvel entend-la ao p da letra e tentar localiz-la no dicionrio, at encontrar no verbete correspondente a um de seus elementos, provavelmente chat, a explicao: Desisto de adivinhar.Outro componente mais indispensvel de sua aparelhagem talvez seja o bom senso. Ele dever partir da suposio de que o texto que lhe cabe verter tem um sentido no original; se, relendo a pgina que acaba de traduzir, encontrar um trecho que ele mesmo no entende ou que lhe soa absurdo, o jeito ser recomear. Perceber que o auxilio dos dicionrios no resolve uma dvida, que a soluo encontrada no corresponde ao esprito da lngua-alvo ou que poder dar lugar a ambigidade; que o prprio autor cometeu um erro; que o leitor no poder entender a interpretao sem a ajuda de uma explicao suplementar ou uma nota; que certos trechos precisam de traduo mais livre que outros. . . tudo isso funo do bom senso. Ao encontrar, num dilogo em francs moderno, a locuo par exempie, acompanhada de ponto de exclamao, no segui do de exemplos, o profissional capaz de raciocinar chegar naturalmente concluso de que ela no equivale a por exemplo, mas a alguma exclamao do tipo de ora essa! , porm, difcil dizer como se consegue esse ingrediente. A que os nossos cursos de traduo poderiam vir em auxlio de sens alunos pelo comentrio e anlise de tradues j publicadas apontando os casos onde a sua falta redundou em prejuzo.

Mas o conhecimento timo do prprio idioma, a posse pelo menos razovel do idioma-fonte e uma boa dose de bom senso so apenas as trs primeiras condies. Deve o bom tradutor literrio possuir uma cisitura geral que lhe possibilite identificar os lugares-comuns da civilizao, sem o que estes se transformam em outras tantas armadilhas. Uma curiosidade inteligente, uma desconfiana sempre alerta so condies

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indispensveis: seno, o nosso candidato verter M moires de Saint-Simon por Memrias de Santo Simo, pensar que les trois glorieuses eram trs moas (sem se lembrar de que se deu esse nome aos trs dias da Revoluo de Julho de 1830), julgar que Union Jack uma pessoa (sem que lhe ocorra tratar-se da bandeira do Reino Unido, alis Gr-Bretanha, coisa bem diferente da Bretanha tout court). Dever ele ainda saber que os franceses chamam Vienne no somente a capital da ustria, mas tambm uma cidade francesa; que o Quai dOrsa.y no s um cais do Sena, mas tambm a sede do Ministrio francs das Relaes Exteriores; que a City de Londres e a Cit de Paris so duas coisas total mente diversas. Lembrar ainda que para os franceses Gnes Gnova, ao passo que Genve Genebra; por outro lado, ter presente no esprito que Vnus e Afro dite, Mercrio e Hermes, Marte e Ares, Juno e Hera designam as mesmas personagens mitolgicas. Tampou co dever esquecer que, no ginsio francs, o aluno, aprovado na terceira srie, passa para a segunda e no para a quarta.

J compreendemos que o tradutor que aspira a ser um bom profissional tentar familiarizar-se, igualmente, na medida do possvel, com os costumes, a histria, a geografia o folclore, as instituies do pas de cuja lngua traduz, alm de se munir da indispensvel cultura geral. De mais a mais dever saber adquirir uma especializao ad hoc no caso de cada obra algo difcil que lhe confiam. Se tiver a sorte de traduzir Salamb, de Flaubert, d-se o trabalho de ler previamente uma histria antiga e de se informar sobre Cartago; se tiver de verter Jean Barois, de Roger Martin du Gard, en fronhe-se no caso Dreyfus; e caso o convidem a traduzir Jean Christophe, de Romain Rolland, tire logo o corpo fora, se no possuir boas noes de msica.

Mas no exigncia demais em se tratando de ofcio comumente mal pago e pouco prestigiado? No Barbeiro de Sevilha, Figaro perguntava ao seu amo:

Aux vertus quon exige dun domestique, votre Ex celience connai beaucoup de ;nai qui f dignes dtre valets? Parodiando esta frase, podemos perguntar: A considerar as virtudes que se pede a um tradutor, haver muitos escritores que fossem dignos de ser tradutores?

Contudo, no obstante a remunerao insuficiente ou nula, muitos grandes escritores de todos os tempos empreenderam trabalhos de traduo muitas vezes com prejuzo da prpria obra. Evidentemente o ofcio deve oferecer compensaes outras que no as financeiras. Se o trabalho no trouxesse em si mesmo o seu prmio, Goethe no teria vertido Diderot para o alemo, Mri me no se haveria empenhado em introduzir os clssi cos russos na Frana, Baudelaire no se houvera debruado meses a fio sobre as novelas de Edgar Alian Poe, Rilke no transporia Valry em sua prpria lngua. Na realidade a traduo o melhor e, talvez, o nico exerccio realmente eficaz para nos fazer pene trar na intimidade dum grande esprito. Ela nos obriga a esquadrinhar atentamente o sentido de cada frase, a investigar por mido a funo de cada palavra, em su ma a reconstituir a paisagem mental do nosso autor e a descobrir-lhe as intenes mais veladas.

Durante algumas dezenas de anos, sob a influncia do mtodo direto aplicado ao ensino das lnguas modernas, o estudo da traduo esteve ausente de nossas escolas. Antes disso ensinava-se com muito empenho, em especial na Frana, na Inglaterra e na Ale manha, a traduo dos clssicos, sobretudo dos da Antiguidade greg e latina. Apesar das crticas que se faziam ao ensino das lnguas mortas) esse exerccio intelectual, quando bem conduzido, desenvolvia sobre maneira o senso lingstico. A anlise sinttica, tantas vezes ridicularizada, aplicada a um complexo perodo antigo podia levar a capacidade de interpretao ao mais alto grau. Haver enigma de maior seduo do que uma frase latina de que se identificaram todas as palavras e relaes sintticas, mas que, apesar disso, s entrega o prprio segredo a quem se mostra capaz de extraordinrio esforo de concentrao mental? Aboli do esse tipo de exerccio, no foi substitudo por nenhum outro.Para suprir essa capacidade perdida, esto surgindo cursos especializados de carter prtico, a comear pelos de tradutor e intrpretes no ensino de segundo grau, mas tampouco eles podem fornecer uma formao completa, assim como uma faculdade de Engenha ria ou Arquitetura no lana profissionais experimentados. Por outro lado, no h muitos manuais acessveis em portugus, destinados a ensinar como se traduz.

Eis por que a boa utilizao das tradues existentes e a execuo paciente de exerccios devem e podem completar o uso desses manuais. Assim, o candidato a tradutor empreende, a ttulo de exerccio, a verso de alguma obra j traduzida em portugus; depois, com-

4. Eis alguns ttulos:

Albert Audubert, Do Portugus para o Francs, ed., Difuso

Europia do Livro, So Paulo, 1970; Ch. Bouscaren e A. Davoust,

O ingls que voc Pensa que Sabe, Educom, Rio de Janeiro, 1975;

Jean Mailiot, A Traduo Cientfica e Tcnica, McGraw-Hill do Brasil,

So Paulo, 1975; Georges Mounin, Os Problemas Tericos da Traduo,

Editora Cultrix, So Paulo, 1975; Paulo Rnai, Guia Prtico da Traduo

Francesa, 2. ed., Educom, Rio de Janeiro, 1975; Escola de Tradutores,

4. ed., Educom, Rio de Janeiro, 1976; Agenor Soares Santos, Guia

Prtico da Traduo inglesa, Educom, Rio de Janeiro, 1977; Breuno

Silveira, A Arte de Traduzir, Edies Melhoramentos, So Paulo, s. d.;

Erwin Theodor, Traduo: Ofcio e Arte, Editora Cultrix, So Paulo,

1976.

para a prpria traduo com a traduo alheia, verifica os erros que cometeu, os deslizes, as inexatides, as faltas de elegncia. Depois disso, e j armado com as lies desse confronto, poder proceder traduo de

outro captulo, ou de outra obra.

Prtica no menos til o simples confronto crtico de qualquer traduo com o original; uma terceira, a comparao de duas tradues da mesma obra; quar ta, a comparao de uma verso portuguesa. com uma verso numa terceira lngua que se conhece, e assim por diante.

A tomada sistemtica de notas, a organizao de uma lista le equivalncias, de um rol de termos especficos do texto, de uma relao de frases feitas ou locues figuradas constituem o complemento racional desse mtodo.

Ser necessrio acrescentar a exigncia bvia de o tradutor no parar de estudar a lngua de sua especializao, de aproveitar todas as ocasies de l-la, ouvi-la, fal-la e escrev-la? de se manter em dia com a evoluo e as novidades de seu prprio idioma? de permanecer atualizado, em sintonia com a sua poca?32

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2. AS ARMADILHAS DA TRADUO

A fna existncia autnoma das palavras. Iluses do instinto etimolgico. Perigos da po lissemia. Emboscadas dos falsos amigos. Armadilhas do poliglotismo. Ciladas dos homnimos. Intraduzibilidade dos trocadilhos? A desateno, outro perigo. O que so os parnimos. A sinonmia, questo de estilo. Hol frases e caractersticas nacionais. Incongruncia das noes designadas pela mesma palavra. Dessemelhana das conotaes. O problema dos nomes prprios; antropnimos, nomes simblicos, hipocorsticos, adjetivos ptrios, topnimos. Metforas vivas e congeladas; sua

traduo, adaptao e compensao.

O trabalho do tradutor passa por um caminho ladeado de armadilhas. At os melhores profissionais guardam a lembrana de algum tremendo contra-senso que cometeram. So diversas as causas de tais erros.

Apesar de sua diversidade, a maioria provm, em ltima anlise, da nossa f na existncia autnoma das palavras e na convico inconsciente de que a cada palavra de uma lngua necessariamente corresponde outra noutra lnlua qualquer. Confirma essa iluso o recurso constante aos dicionrios, onde, por motivos de comodidade prtica, os vocbulos se acham em ordem alfabtica, soltos de contexto e seguidos de definio.

Como dissemos, a palavra existe apenas dentro da frase, e o seu sentido depende dos demais elementos que entram na composio desta. Ainda que dois vocbulos de duas lnguas sejam definidos de maneira igual, os enunciados de que eles podem fazer parte no so os mesmos, nem as conotaes que evocam sero iguais.

Isto verdade mesmo no caso de palavras da mesma origem e de forma suficientemente prxima para revelar o parentesco primeira vista. Assim o nosso vocbulo cpia existe em francs, italiano e ingls sob forma quase igual, no sentido de imitao, reproduo. Mas copie em francs designa, alm disto, trabalho escrito de aluno, assim como manuscrito entregue tipografia de um jornal, acepes que faltam a copia em italiano e a copy em ingls; em compensao estas duas palavras possuem o sentido de exemplar, que falta em francs e portugus.

Uma das principais culpadas das cincadas de traduo a etimologia.

O instinto etimologizador, que existe em todos ns, se um auxiliar precioso, pode tambm produzir enganos. Sem dvida, tinha razo de sobra Valery Larbaud ao escrever que a etimologia era o sal das lnguas lite rrias, pois s ela dava sabor e durao ao material verbal, acrescentando que tinha pena das pessoas que, no sabendo latim, ignoravam as etimologias. Para elas todas as palavras devem dar a impresso de no repousarem sobre nada, de puros e absurdos conglomerados convencionais de slabas, palavras no ar; e a ortografia, com suas anomalias demasiadamente reais, deve parecer-lhes um quebra-cabea infernal. Efetivamente, no esprit de quem sabe do parentesco entre pre e paternel, mre e maternel, main e manceuvre, estas palavras esto motivadas e, portanto, de um emprego mais fcil. Essa mesma conscincia etimolgica permite, no raro, adivinhar a significao da palavra estrangeira vista pela primeira vez; mas como em duas lnguas da mesma famlia palavras da mesma origem tm quase sempre evoluo diferente, ela deve ser submetida a per manente controle. Uma pessoa francfona de instruo razovel facilmente descobrir o parentesco dos verbos prter e prestar; mas s o estudo e o exerccio do portugus lhe ensinaro que prter de largent no prestar e sim emprestar dinheiro. Poste e posta so evidentemente o mesmo vocbulo; mas, no seu sen tido mais comum, poste vertida em portugus por correio.

Em face da diferenciao nas noes, uma mesma palavra ganha vrios sentidos novos no decorrer de sua evoluo. Respeito guarda em portugus o mesmo sentido primordial que o francs respect, mas a acepo ponto de vista (na expresso a esse respeito) -lhe peculiar. O portugus fato e o italiano fatto so facil mente relacionveis; mas s primeira dessas formas cabe o sentido de terno completo, alis de uso bem maior em Portugal que no Brasil.

Essa diversificao do sentido, a que se d o nome de polissemia, faz com que a uma palavra possam corresponder diversos equivalentes segundo o contexto. Ora, palavras cognatas de duas lnguas quase nunca apresentam polissemia no mesmo grau. O nosso voc bulo mo na maioria dos casos se traduz em francs por main; mas quando se refere a direo de trnsito, deve ser vertido por sens. 0ff ice em francs e o nosso ofcio possuem ambos as acepes de funo, tare fa, cargo. Mas o sentido de escritrio exclusivo do francs e o de carta de repartio pblica, do portugus. Para miservel o ingls tem duas palavras da mesma origem: miserable, sinnimo de digno de com paixo ou desprezvel, e miser, sinnimo de sovina, unha-de-fome.

claro que a polissemia no constitui perigo apenas quando se trata de termos cognatos. Abro ao acaso

o Dicionrio ingls-Portugus de Leonel e Lino Valiandro e no verbete slip encontro, entre muitas outras, as acepes escorregadela, erro, tropeo, fuga,36

fronha de travesseiro, angua, bibe de criana, calo de banho, trela de co, corredia, plano inclinado, rampa de lanamento, patins de tren, tira de papel, bilhete, banco de igreja, enxerto. E isto apenas como equivalentes do substantivo, pois h tambm o verbo to slip e o adjetivo slip. Quantos ala pes para um s tradutor!

Naturalmente, os bons dicionrios como esse registram em separado as diversas acepes de um vocbulo; mas para tirar deles o proveito possvel cumpre ter boa dose de desconfiana, que s se adquire no decorrer de longa prtica. H, alis, diferenas sutis no consignadas nos dicionrios. O francs vagabond traduz-se em portugus por vagabundo; mas este tem uma conotao pejorativa que falta variante francesa, e, portanto, se verteria para o francs, em muitos casos, por uma palavra totalmente diversa.

A polissemia faz com que a uma palavra do idioma A correspondam duas palavras no idioma B. nossa palavra relao podem corresponder duas palavras em francs, relation e rapport, nem sempre substituveis. Por outro lado, ao adjetivo francs sim pie correspondem em portugus simples e singelo. O tradutor, inclinado a usar a forma que mais parecida, ameaa do de nunca usar a mais rara, que representa uma riqueza da prpria lngua. Lus de Lima ponderou-me, com razo, que o equivalente exato de Un cxur sim pie, de Flaubert, que figura sob o ttulo Um Corao Sim ples, em Mar de Histrias, estaria melhor se intitulado Um Corao Singelo.

Perigo maior representam os cognatos aparentes ou falsos amigos, palavras semelhantes em duas lnguas, mas de sentidos totalmente diversos. Basta um momento de distrao para o tradutor verter a expresso par

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hasard por por azar em vez de por por acaso e leveur, criador de animais, por elevador.

Os falsos amigos muitas vezes so palavras de origem comum cujo sentido se distanciou por efeito da evoluo semntica diferente. Um par de falsos amigos constitudo pelo latim casa e o portugus casa. O primeiro na verdade significava cabana, choupana. Para designar uma residncia, os romanos usavam a palavra domus. Com a devastao e a decadncia causadas pelas invases brbaras, as residncias ficavam cada vez mais parecidas com choupanas e a palavra domus (em portugus domo) passou a ser reservada a construes importantes, como por exemplo uma catedral.Outras vezes a semelhana mera coincidncia, resultado da evoluo convergente de duas palavras totalmente diversas na origem, como por exemplo o francs cor, calo, e o portugus cor (francs couleur). Nas relaes de cada duas lnguas existe certa quantidade de falsos amigos. Os do francs em relao ao portugus no so os mesmos que ele tem em confronto com o ingls. Entre eles figuram, por exemplo, abonn (que no abonado), affam (que no afamado), apporter (que no aportar) e assim por diante.

Poder-se-ia organizar outra relao semelhante para quem trad do portugus para o francs. Note-se que os falsos amigos no so os mesmos quando o ponto de partida a outra lngua. Alguns exemplos desse grupo seriam caixa (no sentido de caissier), chapu (no de parapluie), legenda (no de sous-titre), precisar (no de avoir besoin), processo (no de dossier), e assim por diante.5. Relacionados em meu livro Guia Prtico da Traduo Francesa, relao alfabtica dos falsos amigos, homnimos e demais armadilhas do vocabulrio francs. 2. ed., EDUCOM, Rio de Janeiro, 1975.

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Fizeram-se vrias colees dos falsos amigos. do tradutor de ingls. Dessas armadilhas citemos algumas das mais conhecidas: actually no atualmente, mas realmente; to apologize no apologizar, mas des culpar-se; casualty pode ser casualidade, mas no plural casualties baixas, perdas; dog days no so dias de cachorro, mas cancula; idiom pode ser idioma, mas tambm idiomatismo; luxury no luxria, mas luxo; physician no fsico, mas mdico; etc., etc.

Particularmente perigosos so os falsos amigos do tradutor de espanhol. A interlegibilidade do castelhano para lusfonos, isto , a excessiva proximidade das duas lnguas, no raro ilude o tradutor a respeito da possvel facilidade da sua tarefa; da encontrarmos indevida mente traduzidos cola por cola em vez de cauda; crianza por criana em vez de educao; direccin por direo em vez de endereo; nudo por nu em vez de n; oso por osso em vez de urso; polvo por polvo em vez de p; rato pelo homnimo rato em vez de momento; zurdo por surdo em vez de canhoto.

Outra coleo considervel poderia ser feita com as possibilidades de deslizes oferecidas pelo italiano. Lembremos, entre dezenas ou talvez centenas, assente, que no assento, mas ausente; boilore, que no bolor, mas fervor; caldo, que no caldo, mas quente; casamento, que no casamento, mas casario; frotta, que no frota, mas multido; lebbra, que no lebre, mas lepra; paio, que no paio, mas par; seta, que no seta, mas seda. Uma relao de falsos amigos franceses, espanhis e

6. Ver nota 4.

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italianos encontra-se no livro de Brenno Silveira, A Arte de Traduzir .

Muito menor a probabilidade de o tradutor de outras lnguas, no aparentadas com a nossa, encontrar desses falsos cognatos: poucos haver entre o alemo e o portugus, ou o portugus e o russo. Mas a grande maioria dos textos que se traduzem pertence precisa mente aos idiomas em que a possibilidade da confuso maior.

Nesse campo, o poliglotismo pode constituir uma armadilha. Gift pode ser palavra tanto alem como inglesa (salvo que no primeiro caso principia sempre com maiscula), mas significa veneno ou ddiva.

Os homnimos existentes dentro de cada lngua tambm representam outras tantas ciladas.

As estilsticas distinguem entre homnimos etimo lgicos, palavras de origem diferente, s quais o acaso das mutaes fonticas acabou conferindo pronncia e, freqentemente, grafia idnticas ou semelhantes; assim em portugus escatologia ( coprologia) e escatologia ( doutrina sobre a consumao do tempo e da histria), derivados respectivamente das palavras gregas skor, skatos, excremento, e eschatos, ltimo, ou, em alemo kosten, custar, e kosten, provar (que pro vm respectivam do latim constare e gustare), e homnimos semnticos como impresso (correspon dente ao alemo Eindruck) e impresso (alemo Druck). Estes ltimos, na verdade, so apenas casos de polissemia, mas em que o indivduo falante j no sente as duas acepes de uma s palavra. A distino impor ta pouco ao tradutor para quem uns e outros significam perigo, enquanto para os nativos a quem o contexto

7. Ver nota 4.

permite evitar confuses todos eles fornecem um estoque inesgotvel de trocadilhos.

Abramos um parntese para dizer duas palavras sobre a traduo do trocadilho. Em outro de meus tra balhos 8 mostrei que esse jogo do esprito tantas vezes julgado inferior desempenha na literatura papel muito mais importante do que se pensa e aparece tanto em Plato como nos trgicos gregos, nas Escrituras como nos clssicos latinos, nos moralistas e filsofos mais severos. Certas lnguas tm para ele mais pendor que outras; as mais frteis em jogos de palavras so as que tm maior nmero de monosslabos, entre elas o francs e o ingls e, talvez, o chins. O chiste, o trocadilho segundo Maupassant um troco muito mido do esprito. E, no entanto, ainda um lado, um carter bem particular de nossa inteligncia nacional. um de seus encantos mais vivos. Forma a alegria ctica da nossa vida parisiense, a amvel displicncia de nossos costumes. uma parte de nossa amenidade.. Palavras, palavras, nada mais que palavras, irnicas ou hericas, divertidas ou brejeiras, sobrenadam na super fcie da nossa histria e deixam a impresso de que ela comparvel a uma coletnea de calembures.Ser necessrio advertir que, nessa citao, palavra tanto indica frase, como vocbulo? Na verdade, todo trecho faceto em que a graa produzida por um jogo de sentidos intraduzvel por excelncia. Lembre mo-nos da deliciosa cena do Cndido de Voltaire em que o rei de Eldorado diverte seus hspedes com chistes.

Cacambo expliquait les bons mots du roi Candide, et, quoique traduits, ils paraissaient toujours des bons

8. Defesa e ilustrao do trocadilho, em Como Aprendi o Portugus, e Outras Aventuras, 2. ed., Artenova, Rio, 1975.40

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mots. De tout ce qui tonnait Candide ce ntait pas ce gui itonna le moins.

Muitas vezes o tradutor literrio se v em presena de um desses temveis testes. raro um trocadilho traduzido permanecer trocadilho na outra lngua, como a famosa frase de Ludwig Feuerbach, Der Mensch ist, was er isst, que eu verteria em latim por Homo est quod est; noutra lngua qualquer, porm, perde a graa: O homem o que ele come.

Para realizar semelhantes proezas precso, naturalmente, que um esprito zombeteiro se encontre num momento feliz de inspirao, como aquele, citado por Pierre Daninos, que deu frase francesa La Rvolution que jaccepte est ceile sans guillements et sans guiliotines esta forma inglesa: The Revolution 1 accept has a capital, but no capital punishment, ou aquele outro, lem brado por um especialista de semntica, que afrancesou Is lif e worth living? It depends on the liver, por La vie vaut-elle la peine dtre vcue? Question de foje.

Quanto sobrevivncia do calemburgo em mais de uma verso, as possibilidades so mnimas; um desses casos rarssimos esta sentena de Epicteto, Ankhu kai apkhu, traduzido por Aulo Glio como Sustine et abstine, e que mais tarde um helenista alemo soube transpor assim: Leide und meide.

Em geral, porm, o trocadilho intraduzvel por definio ou, noutras palavras, perde todo o chiste na traduo.

O adgio esopiano Pathmata mathmata vira este trusmo: Os sofrimentos so ensinamentos; Lasi noz ieast s vlido em ingls; e o verso de Schiller Em Schlachten wars, nicht eine Schiacht zu nennen (Era uma carnificina, no se podia chamar batalha) humilha o infeliz do tradutor, que, por mais que d tratos bola, no encontra soluo adequada. Explic-lo entre parnteses ou escamote-lo, explicit-lo em notas de p de pgina ou simplific-lo so recursos igualmente pobres. Quando, porm, o vcio de fazer trocadilhos caracterstico de uma personagem, em vez de tentar traduzir-lhe os chistes, o tradutor pode tentar compens-los, colocando jogos de palavras even tualmente noutros trechos, onde o esprito da sua pr pria lngua o ajudar . este um dos casos em que ele pode aproveitar a imaginao, de que todo profissional tem de possuir uma boa dose.

Eis alguns exemplos de homnimos em francs:

feu (fogo e falecido); foi (f), foje (fgado), fois (vez); mode (modo e moda); propre (pr prio e limpo).

Em ingls: fali (queda e outono); ieft (es querdo e particpio passado do verbo to leave, dei xado); light (leve e luz); mean (mdio e mise rvel, e, alm disso, presente do verbo to mean, enten der) ; still (quieto e ainda).

Em espanhol: fechar (datar e fechar); hilo (hilo e fio); pero (pra e porm); abrigo (refgio e sobretudo); pez (peixe e piche); huelga (folga e greve).

Em latim: amor (amor e sou amado), latus (largo e lado), os (osso e boca).

Em alemo: Leiter (escada e condutor), Schloss (fechadura e castelo), Weise (sbio e maneira), Verdienst (ganho e merecimento), Flur (vestbulo e campo); Mal (mancha e ver).

9. Ver mais adiante, p. 192.

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Em italiano: bugia (mentira e castial ou ve la), pasticcio (pastel e confuso), piano (piano e devagar), solo (s e solo), vita (vida e cin tura).

Em russo: kliutch (fonte e chave), mir (mun do e paz); zamok (fechadura e castelo).

Acrescentemos, a ttulo de curiosidade, estes exemplos hngaros: lis (o estar em p e emprego), jrs (o andar e distrito), nem (no e sexo ou gnero), szl (vento e bordo), e tils (o estar sentado e sesso).

Consolemo-nos lembrando que em nosso idioma tampouco escapeiam homnimos, outras tantas armadilhas para quem verte textos de portugus para outras lnguas: assim ao (boa ou m) e ao (vendida na bolsa), bolsa (de couro) e bolsa (de valores), redao (de jornal) e redao (feita em aula), representao (teatral) e representao (do Brasil em Londres), etc.A desateno do profissional pode multiplicar os homnimos: Erwin Theodor Rosenthal recorda um tradutor ingls de Hermann Hesse que, apesar do trema, confundia schon (j) e sch5n (belo); eu mesmo me lembro de outro que trocava Rede (discurso) com Reede (enseada).

Com pouco chegamos aos parnimos, que, segundo Jean Maillot, so palavras do mesmo radical com prefixo ou desinncia diferente, como janta e jantar, ou, em francs, maturit e maturation ou prescrire e proscrire; outros do esse nome tambm a palavras semelhantes de sentido totalmente diferente como descrio e discrio, esttico e esttico, infligir e infringir, ldico e lcido, usurrio e usurio. Ambos os grupos representam perigos para o tradutor; o segundo ainda mais que o primeiro, pois a confuso j pode existir no texto original, sendo os cinco pares de exemplos vernculos que acabo de citar fonte de inmeros erros tipogrficos.E os sinnimos, palavras de sentido idntico ou quase idntico? Eles representam outro tipo de emboscadas. Por no haver sinnimos perfeitos, eles no So permutveis em todos os enunciados possveis. Pai e papai so sinnimos, mas no se diz Fulano de tal, papai de trs filhos. Quando a lngua estrangeira apresenta diversos sinnimos l onde a sua prpria lngua lhe oferece apenas uma palavra, o tradutor no tem dificuldade; mas ter de ponderar a escolha de cada vez que para um termo estrangeiro existirem dois ou trs equivalentes no seu idioma. Quando traduzir chien por cachorro e quando por co? Para verter liste, quando preferir lista, relao ou rol?

Havendo abundncia de sinnimos para determinada noo nas duas lnguas, o bom tradutor procurar determinar o matiz, o sabor, a aura social daquele que figura no original para transport-lo em sua lngua. Como estes sinnimos, dos muitos que possui o nosso verbo morrer: falecer, entregar a alma ao Criador e esticar a canela, de maneira alguma so permutveis, os sinnimos franceses de mourir steindre, casser sa pipe, da quer no seriam bem traduzidos por qualquer equivalente apenas lgico. A opo ser, fundamentalmente, urna questo de estilo.

Outra srie de problemas constituda pelas palavras holofrsticas. D-se o nome de hol frases s palavras que exprimem noo peculiar a um idioma: a elas se faz muita referncia em se tratando de lnguas primitivas. Em esquim, por exemplo, alm do termo geral

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que indica foca, existe outra palavra para indicar foca tomando sol; outra, foca sentada num bloco de gelo; e assim por diante, sem falar numa srie de palavras que indicam as focas de diferentes idades. Segundo Ruth Kirk, autora de Snow, que viveu muito tempo entre esquims, estes tm mais de duas dzias de palavras em sua lngua para designar diversas espcies de neve. Citando Lvy-Bruhl, Fidelino de Figueiredo re produz um verbo de uma das lnguas banto que significa subir em alguma coisa servindo-se das mos durante uma viagem ou marcha longe dos outros e sem ser visto por eles. So casos deveras pitorescos, mas poucos dentre ns ho de traduzir textos bantos ou esquims.

No entanto, a tendncia holofrstica existe tambm noutras lnguas, muito mais importantes. Vejo, num manual de conversao chinesa, que o chins tem duas palavras para sogro, segundo se trata do pai da mulher ou do marido, e outros tantos para sogra. Na designao dos tios, esse idioma, alm de usar termos diferentes para o do lado paterno e o do materno, faz questo de assinalar, por meio de outras diferenciaes, se estes so mais velhos ou moos que o pai ou a me de quem so irmos.

O russo, por sua vez, tem quatro palavras para designar o pois teima em informar se se trata do irmo da mulher ou do marido, do marido da irm ou da cunhada.Em alemo existe um substantivo s usado no plural, Geschwjster que indica um irmo e uma irm, ou irmos e irms.

10. este o ttulo de um pequeno drama de Goethe no qual se trata de um amor irresistvel que surge entre irmo e irm (ou que pelo menos so dados como tais). Em portugus ou outra lngua qual quer precisa-se de trs palavras para traduzi-lo: Irm e Irmo.

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O hngaro tem termos especiais para irmo mais velho e irmo mais moo, como para irm mais velha e irm mais moa. Nesse idioma h um termo especial para designar o parentesco existente entre o pai e o padrinho de uma criana.

A traduo da holfrase em todos esses casos s possvel por meio de circunlocues extensas; quando o tradutor faz questo de ressaltar que no original se trata de noo expressa por meio de uma palavra s, usar hfens.

Em sentido mais lato podemos chamar de hol frases palavras que designam noes peculiares a uma civilizao, sem correspondente nos demais ambientes culturais. Disto seriam exemplos em alemo, Weltan schauung, Gemtlichkeit e Kitsch; em francs, parvenu e savoir-faire, em ingls, understatement; em norte-americano, know-how; em italiano, majia e vendetta; em castelhano, piropo; em portugus, saudade; em brasileiro, jeito e serto palavras essas que, por mais que tentemos traduzi-las recorrendo a todos os circunlquios possveis, chegamos concluso de s haver exprimido parte do seu contedo complexo. Tais palavras em geral acabam impondo-se sob sua forma original aos idiomas cultos, que, na impossibilidade de forjarem seus equivalentes, as incorporam ao prprio vocabulrio.

Estudiosos da teoria da traduo tm salientado muito as diferenas de ambiente responsveis pela ausncia de determinadas noes e que constituiriam

11. Os tradutores alemo, italiano e espanhol de Grande Serto:

Veredas de Guimares Rosa mantiveram a palavra serto at no ttulo.

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obstculos insuperveis para o tradutor. Eugene A. Nida, diretor da Sociedade da Bblia, d conta de al gumas dessas dificuldades encontradas na traduo das Escrituras 12 Nas lnguas de certas tribos primitivas no h palavra para peixe. H ilhas em que os indgenas no tm uma noo equivalente a pai. Muitos povos ignoram a neve; para eles branco como a neve, branco de neve no tm significao.Pelos mesmos motivos era difcil resolver a aluso serpente bblica na verso para esquims. Com efeito, estes semelhantes nossos nunca viram uma cobra. Pensou-se em substitu- por foca; mas esse, para o esqui m, um animal essencialmente bom, camarada mesmo, e portanto seria impossvel imputar-lhe qualquer inteferncia maldosa. Roger Caillois, que citou o caso, no diz a soluo a que se chegou.

(Diga-se de passagem que a existncia ou no de certas palavras em determinadas lnguas j foi tomada como base de caracterologias nacionais. Partindo-se da idia de Humboldt de que a diversidade das lnguas explicvel pela divergncia das vises do mundo, chegou-se 13 a inferir que em turco faltavam palavras para interessante e interessar-se devido falta de curiosidade dos turcos, convencidos de que o Alcoro contm tudo que um homem precisava saber; que nas lnguas do Congo no existe palavra para dizer obriga do em face da extrema misria reinante na regio, onde, por isso, ningum pode privar-se de coisa alguma nem prestar qualquer servio; e, at, que os franceses no gostam de viver em casa por no terem palavra equivalente ao ingls home.)

12. Eugene A. Nida Bible Translating. An Analysis of Principles and Procedures, with Special Reference to Aboriginal Languages, American Bible Society. Nova York, 1947.

13. Douglas Busk The Curse of Tongues and Some Remedies. Pau Mali Press, Londres, 1965.

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Mas em vez de nos aventurarmos nos terrenos movedios da Etnossociologia, voltemos aos da Lingstica. A meu ver, tm-se exagerado em excesso as dificuldades da traduo das palavras holofrsticas ou exclusivas de uma civilizao. Afiguram-se-me bem mais freqentes e praticamente insolveis as que resultam das reaes diferentes que as palavras mais comuns suscitam em ambientes diversos.

Assim, por exemplo, no pode haver a menor dvida sobre o sentido da palavra setembro, nono ms do ano. Entretanto a famosa poesia Fim de Setembro, de Sndor Petfi, uma das mais belas da lngua hngara, deixa idia confusa no esprito do leitor brasileiro, porque as imagens de natureza agonizante, folhas murchas e cumes cobertos de neve no se coadunam com

o ttulo.

Na mesma ordem de idias, as noes suscitadas pela palavra inverno na mente de um carioca em nada se assemelharo s que provoca seu perfeito equivalente russo zim no esprito de um habitante de Leningra do. Tampouco a idia de Natal expressa por outro equivalente tem qualquer coisa em comum no Brasil e na Sucia.Pelo mesmo motivo, as palavras breakfast e petit

-djeuner, que figuram como equivalentes no dicionrio ingls-francs, referem-se a duas refeies essencialmen te diversas; po, pain, Brot, bread designam produtos semelhantes, mas no jdnticos; e o caf, como o bebe mos no Brasil, no a mistura indefinvel que se in gurgita em Nova York. Pobre designa nos Estados Uni dos uma pessoa que tem automvel e recebe, a ttulo de welf are, indenizao equivalente ao salrio de um professor universitrio em certos Estados da Amrica

do Sul.

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Poder-se-iam multiplicar ad infinitum os exemplos de conotao dessemelhante, quase nunca registrada nos dicionrios bilnges. Segundo um lxico francs- portugus empire equivalente perfeito de imprio; entretanto eles suscitaro associaes totalmente diversas no esprito de um francs e de um brasileiro.

Sem o conhecimento da conotao 14 entende-se menos a origem de muitas expresses figuradas: assim pour des prunes (por um nada, a troco de banana) s motivada para quem sabe que a ameixa na Fran a fruta das mais corriqueiras e baratas tal como a banana e o abacaxi entre ns ganharam conotao depreciativa em seus empregos figurados.

Numa palavra, devido dessemelhana das condies de vida impossvel que qualquer traduo d a mesma impresso do original. Pois precisamente esse argumento irrespondvel que salienta uma das mais importantes razes de ser da traduo: permitir s pessoas formular idia sobre a maneira de viver e de sentir das que vivem noutras partes do mundo.

Entre as palavras evocadoras tm de se incluir uma categoria de vocbulos sem sentido verdadeiro, apenas de utilidade designativa. Estou-me referindo aos nomes prprios. Essas palavras destitudas de significao possuem, entretanto, valor conotativo dos mais fortes. Se um personagem de fico brasileira aparece com o nome de Joo da Silva 15, torna-se evidente a inteno do autor de fazer dele o smbolo do homem

14. A diferena entre a denotao de uma palavra e a sua conotao muito significativa em traduo. Nem sempre o problema saber o que uma palavra designa (a denotao), e sim como as pessoas reagem a ela (a conotao). A observao de Eugene A. Nida, que a ilustra citando as reaes diferentes que o termo comu nismo provoca em diversos pases.

15. Como em De Homem a Joo da Silva, pea de Emanuel de Moraes, Editorial Tormes, s. d., onde ele aparece como um homem qualquer, numa cidade qualquer.

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mdio, do Jedermann, mas o nome, se mantido numa traduo francesa ou alem, despertaria apenas associaes de exotismo. Para o leitor francs, Csar e Ma nus, personagens de Marcel Pagnol, revelam primei ra vista a sua naturalidade marselhesa. Certos nomes, freqentes em determinado lugar e, por isso, de consonncia plebia, so raros noutros e tm, portanto, co- notao aristocrtica. Como fazer? difcil adotar uma norma. Sei apenas que a traduo alem Papa Johan nes torna irreconhecvel o velho negro Pai Joo da poesia de Jorge de Lima. desses casos em que lcito recorrer a uma nota de p de pgina.

No existe regra geral sobre a traduo dos antro pnimos comuns. Certas lnguas so mais propensas a naturaliz-los (como o italiano e o espanhol), mas na Frana e no Brasil so mantidos em suas formas primitivas.

Um caso parte formado pelos nomes simblicos, usados outrora, e mesmo modernamente por certos escritores para deixarem adivinhar o carter de uma personagem primeira vista, assim os do ingnuo Can dido, do sbio Pangloss e do displicente Pococurante em Voltaire, e do padrasto vilo Murdstone ou da modelar empregada Paragon em Dickens; da prosti tuta Carola Venitequa em Gide e do mafioso Rinaldo Cantabile e da cantora Silvia Sottotutti em Saul Bel- 10w. Nestes casos tambm pode-se esclarecer o sentido numa nota de p de pgina.

prefervel no traduzir os hipocorsticos ou no mes de carinho, tais como Beppe (variante de Giusep pe), Jimmy (de James), Sacha (de Alexandre), etc. Mas, ateno, para no dar a impresso de nomes femi ninos nos casos de Klia, Vssia, Ptia, etc., variantes carinhosas de Nikolai, Aleksandr, Piotr etc.

Em compensao devem ser vertidos os nomes prprios usados metaforicamente como nomes comuns;

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Tizio, Caio e Sempronio em italiano, Hinz und Kunz em alemo correspondem, em portugus de lei, a Fula no e Sicrano.

Em geral, recomenda-se muita desconfiana, em matria de antropnimos, sobretudo os da Antiguidade. O francs Tite-Live e o ingls Livy designam a mesma pessoa. Numa traduo portuguesa de Portugal do li vro de Alberto Moravia, O Homem como Fim, leio esta frase: uma tradio que remonta a Giovenale e a outros satricos e realistas romanos da tardia latinidade, onde se percebe nitidamente que o tradutor no identificou Giovenale com Juvenal, como ns costuma mos cit-lo.

Outra categoria aparentemente neutra e na verda de carregada de significados explosivos a dos topnimos. Rio de Janeiro significa uma coisa para o carioca que nele vive e trabalha, outra para o paulista que a vem passar as suas frias, outra para o europeu que condensa nesse nome o seu sonho extico. Mesmo os lograduros de uma cidade Copacabana, Lapa, Wall Street, Avenue des Champs Elyses, Piccadily Circus, Quartier Latin, Kurfrstendamm, Nevski Prospekt acabaram condensando, no decorrer dos tempos, um complexo de conotaes que reclamaria dezenas de p ginas para ser analisado. E quando h logradouros do mesmo nome em duas cidades a coisa piora, pois eles tm to pouca coisa em comum como a Lapa do Rio e a de So Paulo.

Nisto reside um dos mais insolveis problemas da traduo, embora raramente haja sido mencionado. Da considerarmos um dos textos mais intraduzveis da nossa literatura um poemeto de Manuel Bandeira, Tragdia Brasileira:

Misael, funcionrio da Fazenda, com 63 anos de idade.

Conheceu Maria Elvira na Lapa prostituda, com

sfilis, dermite nos dedos, uma aliana empenhada e os dentes em petio de misria.

Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estcio, pagou mdico, dentista, manicura. Dava tudo quanto ela queria.

Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um namorado.

Misael no queria escndalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. No fez nada disso; mudou de casa.

Viveram trs anos assim.

Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mudava de casa.

Os amantes moraram no Estcio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos, Bonsucesso, Vila Isabel, Rua Marqus de Sapuca, Niteri, Encantado, Rua Clapp, outra vez no Estcio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Invlidos.

Por fim na Rua da Constituio, onde Misael, priva do de sentidos e de inteligncia, matou-a com seis tiros, e a polcia foi encontr-la cada em decbito dorsal, ves tida de organdi azul.

A ilustre poetisa Elisabeth Bishop procurou insinuar ao leitor norte-americano o sabor e a inteno dessa enumerao misturando nomes de bairros nova iorquinos aos dos bairros cariocas . Dou a seguir a sua tentativa, que no chega a convencer-me.

Misael, civil servant in the Ministry of Labor, 63 years old.

Knew Maria Elvira of the Grotto: prostitute, syphi litic, with ulcerated fingers, a pawned wedding ring and teeth in the last stages of decay.

Misael took Maria out of the life, installed her in a two-storey house in Junction City, paid for the doctor, dentist, manicurist. . . He gave her everything she wanted.

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16. An Anthology of Twenhieth-CefItUIY Brazilian Poetry. Organizao e introduo de F Bishop e EmaflUel Brasil. Wesleyan University Press, Middletown, Connecticut, 1972.

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When Maria Elvira discovered she had a pretty Inouth, she immediately took a boy-friend.

Misael didnt want a scandal. He could have beaten her, shot her, or stabbed her. He did none of these: they moved.

They Iived like that for three years.

Each time Maria Elvira took a new boy-friend, they Ifloved

The lovers iived in Junction City. Boulder. On Gene ral Pedra Street. The Sties. The Brickyards. Glendale. Pay Dirt. On Marqus de Sapuca Street in Vila Isabel. Nite ri. Euphoria. Ia Junction City again, on Clapp Street. Ali Saints. Carousel. Edgewood. The Mines. Soldiers Home...

Finally, in Constitutjon Street, where Misael, bereft of sense and reason, killed her with six shots, and the police found her stretched out, supine, dressed in blue organdy.

Outro tradutor, Manuel Cardoso, manteve em IpOrtugus todos esses nomes, mas, depois de repro cduzir tais quais Estcio, Rocha, Catete, Rua General Pedra .. incompreensivelmente deixou escapar Cons tt1tUtj Street 17

Causa de muitos erros de tradutor o fato de te iizrem Certos topnimos formas diferentes nas diversas Ilinguas Leghorn o nome ingls de Livorno; K co nome original alemo do francs Cologne e da nossa O1flia. O tradutor brasileiro que falasse em Leghorn (a no se -s tratando de uma raa de galinhas) ou m Colo gne seria imperdovel. E h casos to esquisitos CO Bratislava, cidade da Tchecoslovquia, mas cque durante centenas de anos fez parte da Hungria sob c nome de Pozsony e que no Ocidente sobretudo conhecida sob seu nome alemo Pressburg!

17. Poesia Brasileira Moderna. A Bilingual Anthology. Orga rsfllzaao, introduo e notas de Jos N&stein, tradues de Manuel Car dloso, BrazijjanAmerjcan Cultural Institute, Inc. Washington, D. C. L972.

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Cabe aqui dizer duas palavras a respeito dos adjetivos ptrios, cujo valor conotativo depende do lugar onde esto sendo usados. No s norte-americano suscita reaes diferentes entre ingleses e mexicanos; os adjetivos carioca, gacho, mineiro, capixaba, unicamente denotativos para um europeu, enchem-se de forte valor conotativo para qualquer brasileiro.

Ainda que as palavras fossem usadas apenas em sentido prprio, a traduo seria uma operao temerria, dada a falta de correspondncia de uma lngua para outra. Mas o que a torna quimrica o pendor do esprito humano para a metfora, quer dizer, a utilizao do vocbulo com um sentido outro que ele parece possuir normalmente. O uso de expresses figura das d-se em todos os idiomas conhecidos, e no apenas na prtica literria. Muitas dessas expresses conseguem adoo geral a ponto de serem empregadas sem que a pessoa falante se lembre do sentido primitivo das palavras que as compem. uma mo na roda dizemos pensando num auxlio que vem no momento oportuno, sem vermos a imagem da carroa encalhada; Le jeu nen vaut pas la chandelie se diz ainda em Frana apesar de quase no mais haver lugares sem luz eltrica. Muitas vezes os elementos da imagem fundem- se numa s palavra, como em beija-flor, humming bird, oiseau-mouche, bas-b leu, nariz-de-cera ou ainda no substantivo hngaro testvr, composto de test, corpo, e vr, sangue, mas que para os indivduos falantes da lngua magiar suscita apenas a idia de irmo e de irm. Ao lado das metforas consagradas pelo uso e incorporadas na lngua, surgem outras aos milhares sob a pena do escritor no momento em que escreve ou na boca do falante no momento em que fala, destinadas a ser esquecidas imediatamente ou a permanecer em uso.

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Ai do tradutor que no identifica a metfora con vencional e a verte dissecada em seus elementos. No ter papas na lngua, vir com quatro pedras na mo assim como avoir du poil dans le nez ou faire des gorges chaudes se aplicam a situaes dissociadas por inteiro, respectivamente, de papa, de pedra, de nariz e de calor. Em alemo, o verbo verdienen, merecer, tem a acepo metafrica de ganhar (dinheiro), Que diramos de quem traduzisse Was verdient er? por Que que ele merece? em vez de Quanto que ele ganha?

Citarei ainda o exemplo, colhido em aula, de Di seur de bons mots, mauvais caractre, vertido como Quem diz boas palavras tem mau carter. Coitado de Biaise Pascal, de quem a professora fez um apologista do palavro! E, por fim, lembremos a expresso adver bial hngara k que, vertida literalmente, daria por-dentro-por-fora, mas que equivale apenas ao nos so mais ou menos.

raro existirem expresses metafricas de senti do igual em duas lnguas, em geral por influncia de uma lngua sobre a outra: assim a faire quelque chose par-dessus la jambe corresponde fazer uma coisa em cima da lngua e a savoir sur le bout du doigt saber nas pontas dos dedos (ou na ponta da lngua).

Bem omum locuo metafrica de uma lngua corresponder outra igualmente figurada, embora composta de elementos de todo diferentes. Assim sen alier en eau de boudin passar em branca nuvem. Ao nosso sem dizer gua vai corresponde em ingls bef ore you could say Jack Robinson; a matar dois coelhos de uma cajadada corresponde o francs tirer dun sac deux moutures. Mais algumas correspondncias metafricas divergentes entre o portugus e o francs:

estar no mato sem cachorro = ne pas savoir quel saint se vouer; pagar na mesma moeda rendre la

monnaie de sapice; chover no molhado enfoncer des portes ouvertes; contar com o ovo no cu da galinha = vendre la peau de iours, etc. Um caso em que metforas de duas lnguas parecem contradizer-se tre dans de beaux draps, estar em maus lenis na verdade a oposio apenas aparente, pois o adjetivo francs usado ironicamente. Mas quando na lngua- alvo no encontramos expresso metafrica de igual teor, vertemos a metfora francesa ou inglesa pela ex plicao dela e, adotando mtodo da ompeflsaa empregaremos uma locuo figurada na primei1 opor tunidade para no empobrecer o texto. Exemplo feliz desse processo o apontado pelo Prof. Mano Wan druszka na traduo francesa de Love StorY, de Erich Sega!: What about Paris which Ive never seen n flZY whole goddam life? (Et Paris oi jai enCore jamais foutu les pieds?).

A metfora pode envolver palavras e conceitos OS mais diferentes. Os termos que dela participam perdem

o seu significado prprio, ainda que sejam t unvocos como, por exemplo, os termos de matemtica. Por efeito do uso metafrico, quatro deixa de significar duas vezes dois em diversas locues italianas como Abbia mo fatto quattro chiacchiere (Batemos um bom pa po), Gliene disse quattro (Disse-lhe urnas verdades na cara), Facciamo quattro passi (Vamos dar alguns passos). Como se v, esse quatro italiano to pou co determinado como o sete alemo a expresso seine sieben Sachen zusammennehmen (juntar OS seus trecos) ou o sete portugus em locues como Os sete flegos do gato, o homem de sete nstrumento8 ou pintar o sete, ou como os numerais franceses das frases feitas faire les cent coups (levar vida desregra

18. Le bilinguisme du traducteur in Languages, fljdjerL n. 28, dezembro de 1972.

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da) e faire ses trente-six milie volonts (fazer o que lhe d na veneta).

Em certos casos o tradutor tem de fazer caso omisso da tabuada. Como admitir que meio igual a um? Pois, para dizer que um homem tem uma s perna ou uma s mo, o hngaro dir homem de meia perna ou de meia mo, sem dvida como reminiscncia de uma viso particular em que as partes do corpo em nmero de dois eram consideradas uma unidade; e de signar naturalmente o caolho como o homem de meio olho.

Conhecer o sentido das metforas que se tomaram locues figuradas nem sempre suficiente, pois podem surgir armadilhas, como num verso de Victor Hugo, Le pome du Jardin des Plantes, onde apare ce a expresso idiomtica avaler des couleuvres, que, em portugus, equivale mais ou menos a comer da banda podre. S que nos dois versos.

Ii biesse le bon sens, ii choque la raison

Ii nous railie: ii nous fait avaler la couleuvre.

o poeta s usa um dos elementos do clich (avaler) em sentido figurado, enquanto o outro (couleuvre) apare ce em sentido concreto. Assim, no trecho, a locuo ter de ser traduzida por aceitar a cobra.

Em td caso, o problema das metforas lembra-nos mais uma vez que no estamos traduzindo palavras, mas sentenas. Noutros termos: o bom tradutor, depois de se inteirar do contedo de um enunciado, tenta esquecer as palavras em que ele est expresso, para depois procurar, na sua lngua, as palavras exatas em que semelhante idia seria naturalmente vazada.

3. OS LIMITES DA TRADUO

Os meios complementares da linguagem: recur sos outros que no a palavra. Utilizao diferente dos sinais de pontuao. Os pontos de exclamao e de interrogao. Papis desempenhados pelo travesso. Expressividade das aspas. Citaes disfaradas. Maisculas e minsculas ideolgicas. Pontuao individual. Reticncias. Significado dos tipos de letras. Escolha de um alfabeto de preferncia a outro. Valor conceptual da ordem das palavras. Quando se traduz o no-dito e se omite o dito. Mensagem em palavras no-nocionais:

artigos, pronomes, numerais, conectivos. Questes de tratamento, axinimos, verbos de or tesia. Palavras estrangeiras.

O captulo anterior, em que se tratou de falsos amigos, homnimos, parnimos, sinnimos, holfrases, metfo ras e locues, poderia ter dado a algum leitor distra do ou apressado a impresso de que traduzir vencer uma srie de dificuldades isoladas, encontrando equivalncias para cada palavra ou expresso do original. Es ta impresso, porm, no seria justa.

Lembre-se primeiro que, para transmitir uma mensagem, a pessoa falante no se serve exclusivamente de palavras; a comunicao completada pela entoao, por gestos e por jogos fisionmicos. Cada lngua faz uso diverso desses meios complementares da linguagem.

A entoao, por exemplo, desempenha papel capi tal na lngua monossilbica que o chins, no qual trs, quatro ou cinco homnimos se distinguem apenas pela altura do tom. A nenhuma outra lngua parece

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aplicar-se melhor o ditado: C te ton qui fait la mu sique.

A gesticuiao excessiva tpica de italianos e judeus: quase impossvel falar italiano ou idiche com as mos nos bolsos.

Em compensao o japons falado parece abrir mo quase completamente dos gestos, assim como do jogo fisionmico; em Tquio, assisti a um banquete em que todos os oradores falavam sem sequer uma contrao dos msculos da face.

A observao ou n de certos ritos, hbitos e convenes sociais tambm um complemento da linguagem falada. Entrar num quarto de chapu na cabea e charuto na boca exprime menosprezo, pouco caso ou at hostilidade. Trajes de luto so um aviso para que se respeite o estado de nimo de quem os veste. No oferecer cadeira a um visitante significa que o dono da casa no faz questo de prolongar-lhe a permann cia. Essas prticas, embora generalizadas, nem sempre so as mesmas. Cada comunidade, cada povo tem algumas que lhe 5 particulares. Elas j foram capitula- das sob denominao de linguagem silenciosa, ttulo de um livro norte-americano 19 segundo o qual a ignorncia dessa linguagem seria em parte responsvel pela antipatia que rodeia, no mundo, os compatriotas do autor.

Pois a lngua escrita tambm possui recursos aces srios alm das palavras. So, em primeiro lugar, os sinais de pontuao. Ocorrem de imediato, como exemplos de expressividade manifesta, os pontos de exclamao, da mesma forma que os de interrogao, destinados a ajudar o falante a ajustar a entonao (e nisto

19. Edward T. flalI The Silent Language. A Premier Book. Fawcett Publications Inc., Greenwich, Conn., 1965.

o requinte castelhano de us-los dobrados, antes e de pois da frase, constitui aperfeioamento engenhoso), mas tambm o ledor a melhor perceber o significado de uma sentena.

Mas, assim como os elementos da linguagem silenciosa, os sinais tipogrficos podem mudar de sentido conforme o pas. Sabe-se que a cor do luto em certos povos o branco; e que o abanar da cabea de cima para baixo, que entre ns quer dizer sim, na Turquia quer dizer no. Da mesma forma, numerosos sinais grficos sem contedo conceptual tm emprego diferente nas diversas lnguas.

Em livros brasileiros, por exemplo, o travesso usado com grande freqncia para marcar o incio e o fim de uma fala. Nos livros franceses, ele abre a fala sem fech-la, o que s vezes pode causar uma pequena confuso. Nos livros ingleses, ele no indica nem o comeo nem o fim da fala (marcados ambos por aspas), ficando seu uso restrito a marcar uma pausa (de suspenso, surpresa ou espanto) ou a introduzir uma pro posio incidente.

Interessante observar como numerosos tradutores e editores ainda no perceberam essa divergncia, a tal ponto que em seus trabalhos reproduzem servilmente a praxe inglesa. Quando pouco, a sua falta de ateno dificulta a padronizao de nossa produo impressa.

Lembremos a esse respeito que em russo cabe ao travesso um papel muito especial. Em frases nominais ele posto entre o sujeito e o predicativo como sucedneo da cpula, expressa noutras lnguas pelo verbo ser. Assim: Ia totchs potchvstvoval, tchto etot tchelovik Khrists, Eu logo senti que esse homem era o Cristo.

20. Turguenev, citado por Andr Mazon em Grammaire de la Langue Russe, Paris, Droz, 2e ed., 1945, p. 289.

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Ai do tradutor que ignore essa praxe singular!

Bom exemplo da expressividade dos sinais tipogrficos o caso das aspas. Alm de encerrar uma citao e delimitar ttulos, elas tm tambm um uso ideo lgico quando denunciam apropriao indbita, falsa qualidade. O enunciado